represetacoes sobre docencia no ensino superior

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 ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n 2p500-529  DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: NOVO CONT EXTO, NOVAS CONFIGURAÇÕE S E REPRESENTAÇÕES TEACHING IN HIGHER EDUCATION: NEW CONTEXT, AND NEW CONFIGURATION REPRESENTATION SALES, Mônica Patrícia Silva [email protected] Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Caruaru MACHADO, Laêda Bezerra [email protected] Universidade Federal de Pernambuco RESUMO O artigo, resultado de pesquisa desenvolvida no curso de Mestrado em Educação da UFPE, analisa as representações sociais de docência no Ensino Superior construídas por estudantes de licenciaturas. Partimos do pressuposto de que o cenário de transformações e expansão da Educação Superior influencia na construção de representações sociais. Adotamos como referencial teórico- metodológico a Teoria do Núcleo Central, proposta por Abric (2000). Apoiamo-nos ainda em Freire (1996), Masetto (1998; 2003), Tardif (2002), Zabalza (2004), dentre outros, que discutem a docência, entendendo-a como campo complexo e multidimensional. O estudo, de natureza qualitativa, tomou como campo empírico uma Instituição de Ensino Superior privada e como participantes 194 estudantes de licenciaturas. O procedimento de coleta de dados utilizado foi a técnica de associação livre de palavras, cujos dados foram analisados com o auxílio do software EVOC, (VÈRGES-2003). Os dados revelaram que as representações sociais de docência no Ensino Superior construídas pelos estudantes das licenciaturas transcendem a mera instrução/transmissão de conteúdos específicos e se afiguram como algo amplo e global da ação do professor. Assim, os elementos que estruturam e organizam a representação social de docência oferecem indícios de uma ruptura com os modelos conservadores de ensino e de aprendizagem predominantes na cultura universitária, para representá-la como interlocução de aprendizagens, dem andando mobilização socioafetiva, política e crítica . PALAVRAS-CHAVE:  Docência. Ensino Superior. Representações Sociais. Licenciaturas. ABSTRACT The article is the result of research carried out in the course of master's degree in Education from UFPE, analyzes the social representations of teaching in higher education built by undergraduate students. We assumed that the scenario changes and expansion of higher education influences the construction of social

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  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529

    DOCNCIA NO ENSINO SUPERIOR: NOVO CONTEXTO, NOVAS

    CONFIGURAES E REPRESENTAES

    TEACHING IN HIGHER EDUCATION: NEW CONTEXT, AND NEW

    CONFIGURATION REPRESENTATION

    SALES, Mnica Patrcia Silva

    [email protected] Faculdade de Filosofia Cincias e Letras de Caruaru

    MACHADO, Lada Bezerra

    [email protected]

    Universidade Federal de Pernambuco

    RESUMO O artigo, resultado de pesquisa desenvolvida no curso de Mestrado em

    Educao da UFPE, analisa as representaes sociais de docncia no Ensino Superior construdas por estudantes de licenciaturas. Partimos do pressuposto de que o cenrio de transformaes e expanso da Educao Superior influencia na construo de representaes sociais. Adotamos como referencial terico-metodolgico a Teoria do Ncleo Central, proposta por Abric (2000). Apoiamo-nos ainda em Freire (1996), Masetto (1998; 2003), Tardif (2002), Zabalza (2004), dentre outros, que discutem a docncia, entendendo-a como campo complexo e multidimensional. O estudo, de natureza qualitativa, tomou como campo emprico uma Instituio de Ensino Superior privada e como participantes 194 estudantes de licenciaturas. O procedimento de coleta de dados utilizado foi a tcnica de associao livre de palavras, cujos dados foram analisados com o auxlio do software EVOC, (VRGES-2003). Os dados revelaram que as representaes sociais de docncia no Ensino Superior construdas pelos estudantes das licenciaturas transcendem a mera instruo/transmisso de contedos especficos e se afiguram como algo amplo e global da ao do professor. Assim, os elementos que estruturam e organizam a representao social de docncia oferecem indcios de uma ruptura com os modelos conservadores de ensino e de aprendizagem predominantes na cultura universitria, para represent-la como interlocuo de aprendizagens, demandando mobilizao socioafetiva, poltica e crtica. PALAVRAS-CHAVE: Docncia. Ensino Superior. Representaes Sociais.

    Licenciaturas. ABSTRACT The article is the result of research carried out in the course of master's degree in Education from UFPE, analyzes the social representations of teaching in higher education built by undergraduate students. We assumed that the scenario changes and expansion of higher education influences the construction of social

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 501

    representations. We adopted as a theoretical and methodological Central Nucleus Theory, proposed by Abric (2000). We rely also on Freire (1996), Masetto (1998, 2003), Tardif (2002), Zabalza (2004), among others, argue that teaching, understanding the field as complex and multidimensional. The study is qualitative, empirical field took as an institution of higher education and private participants as 194 undergraduate students. The data collection procedure used was the technique of free association of words and the data were analyzed with the aid of software EVOC, (Verges, 2003). The data revealed that social representations of teaching in higher education built by students of undergraduate transcend mere statement / transmission of specific content and seem like something broad and comprehensive teacher's action. Thus, the elements that structure and organize the representation of social teaching provide evidence of a break of conservative models of teaching and learning prevalent in university culture, to represent it as a dialogue of learning, requiring mobilization socioaffective, political and critical. KEYWORDS: Teaching. Higher Education. Social Representations. Degrees.

    INTRODUO

    A crescente expanso da oferta de Educao Superior em todo pas e a

    demanda por profissionais qualificados para atuar nesse nvel de ensino implicam a

    abertura de uma nova frente de pesquisa no sentido de serem compreendidas as

    alteraes ocorridas e os seus significados para a prpria docncia.

    Estudos sobre a docncia e seus processos constitutivos so frequentes na

    literatura, contudo, muitos deles tm focado a docncia na Educao Bsica e

    poucos tm se debruado em estudos acerca da docncia no Ensino Superior,

    especialmente aquela exercida em cursos de licenciaturas, nos quais esto se

    formando os futuros professores.

    Conforme apontam Zabalza (2004) e Masetto (1998), as mudanas no

    cenrio universitrio ocasionaram importantes transformaes na docncia, uma vez

    que a tradicional funo do docente como transmissor de conhecimentos foi

    desprestigiada, dando espao ao seu papel como mediador de conhecimentos.

    Diante deste cenrio de mudanas, emerge a necessidade de pesquisas que

    busquem compreender suas implicaes para a prtica pedaggica e docente nas

    Instituies de Educao Superior e na formao dos futuros professores. Partimos

    do pressuposto de que este novo cenrio pode estar abalando as representaes

    sociais de docncia.

    Estas proposies nos levaram a investir neste campo buscando

    compreender as representaes sociais de docncia no Ensino Superior construdas

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 502

    por estudantes de licenciaturas. Durante dois anos pesquisamos, discutimos e

    analisamos o fenmeno no curso de Mestrado em Educao. Contudo, nos limites

    deste artigo, apresentaremos um recorte da pesquisa, no qual exploramos as

    anlises dos dados coletados atravs da tcnica de associao livre de palavras

    atravs da qual buscamos identificar a estrutura e organizao das representaes

    sociais de docncia nesse nvel de ensino.

    Apoiamo-nos no referencial terico-metodolgico da Teoria das

    Representaes Sociais que, por seu olhar psicossocial, permite compreender os

    processos simblicos que ocorrem na interao educativa e que definem e

    determinam comportamentos e atitudes no grupo. Para Melo e Batista (2010, p. 61)

    as representaes sociais na rea educacional fundamentam desde a compreenso

    de fenmenos macroscpicos como identidade cultural, at prticas concretas

    travadas no microcosmo da sala de aula na interao pedaggica e no trabalho

    docente. Diante do exposto, o campo das representaes sociais se mostra

    promissor para os estudos que buscam desvelar as prticas institucionais e

    educativas que se realizam no espao educacional e, portanto, pertinente e

    apropriado para investigar a docncia em sua complexidade e

    multidimensionalidade. Pressupomos que medida que os estudantes representam

    a docncia e que tm contato com os docentes, possam refletir sobre estas prticas

    tomando-as como referncias para sua prpria prtica e para a construo de sua

    identidade docente.

    2 A TEORIA DO NCLEO CENTRAL DAS REPRESENTAES SOCIAIS

    A Teoria do Ncleo Central, desenvolvida por Abric, em 1976, tambm

    chamada de Abordagem Estrutural uma perspectiva complementar grande

    teoria. O envolvimento com a prtica experimental lhe confere o carter de

    complementaridade noo de representao social proposta por Moscovici em sua

    obra La psycanalise: son image et son public. Abric (2000, p. 156) define a

    representao como um conjunto organizado de opinies, de atitudes, de crenas,

    e de informaes referentes a um objeto ou a uma situao. Segundo o autor o que

    caracteriza uma representao o seu compartilhamento por um grupo social.

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 503

    Trata-se de um saber prtico da experincia vivida pelas pessoas, ou seja, de

    um conjunto de elementos que se organizam e se estruturam, constituindo um

    sistema sociocognitivo que d significado representao. O surgimento desta

    teoria contribuiu para o refinamento conceitual, terico e metodolgico do estudo das

    representaes sociais (S, 1996; 1998). A tese principal defendida por Abric de

    que toda representao social est organizada em torno de um sistema central e

    perifrico que determina ao mesmo tempo sua significao e sua organizao

    interna.

    De acordo com Abric (2000) o ncleo central assume duas funes

    fundamentais: uma funo geradora atravs da qual se cria, ou se transforma, o

    significado dos outros elementos constitutivos da representao e uma funo

    organizadora que determina a natureza dos elos, unindo entre si os elementos da

    representao. O ncleo central o elemento mais estvel, coerente e rgido da

    representao, ele atribui significado representao e responsvel pela

    unificao e estabilizao dos elementos perifricos que se organizam em torno

    dela. Por resistir s mudanas, o ncleo assegura a continuidade em contextos

    mveis e evolutivos e define o consenso de um grupo. Portanto, toda modificao do

    ncleo central provoca uma transformao completa da representao. Trata-se de

    um subconjunto da representao, composto por elementos cuja ausncia a

    desestruturaria ou lhe daria uma significao completamente diferente.

    Os elementos perifricos, por sua vez, so mveis, flexveis e sensveis ao

    contexto imediato, eles se organizam em torno do ncleo central e so responsveis

    pela atualizao da representao realidade do momento. Segundo Abric (2000,

    p.32) o sistema perifrico tambm desempenha funes especficas, a saber: a

    funo de concretizao que resulta da ancoragem da representao realidade; a

    funo de regulao que promove a adaptao da representao s evolues do

    contexto, constituindo o aspecto mvel e evolutivo da representao; a funo de

    defesa que tem o papel de resistir mudana, posto que sua transformao

    provocaria uma alterao completa na representao.

    Deste modo, as representaes sociais so ao mesmo tempo, estveis e

    mveis, rgidas e flexveis, consensuais e marcadas por diferenas individuais.

    Essas caractersticas aparentemente contraditrias explicam porque representaes

    e prticas se engendram mutuamente, as quais circunscritas ao campo social

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    empreendem sua dinmica e complexidade, atravs de um duplo sistema que

    desempenha papeis especficos, mas complementares.

    Neste artigo, discutiremos os elementos centrais e perifricos das

    representaes sociais de docncia no Ensino Superior construdas por estudantes

    de licenciatura.

    Compreendemos que investigaes que adotam a Teoria das

    Representaes Sociais como fundamento terico-metodolgico so pertinentes

    para o campo da educao, uma vez que essas representaes desempenham um

    papel fundamental na dinmica das relaes e prticas sociais e, por sua vez, a

    educao, enquanto prtica social tambm se transforma acompanhando as

    mudanas da sociedade e exigindo novas configuraes que fazem emergir novas

    representaes sociais. Tal aporte terico contribui para o entendimento dos

    referentes pessoais e sociais que produzem as representaes sociais de forma

    articulada e dinmica (GILLY, 2001).

    3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    A metodologia adotada para o estudo do qual decorre este texto de

    natureza qualitativa, a qual enfatiza a necessidade de se penetrar no universo

    conceitual dos sujeitos (CHIZOTTI, 2001, p. 79). O fundamento terico-metodolgico

    da Teoria do Ncleo Central nos permite compreender a dimenso cognitivo-

    estrutural que responde a uma viso funcional do mundo, permitindo ao indivduo ou

    ao grupo dar um sentido s suas condutas e compreender a realidade atravs do

    seu prprio sistema de referncias (ABRIC, 2000).

    Neste trabalho utilizamos a Tcnica de Associao Livre de Palavras como

    instrumento de coleta de dados. Este recurso permite o acesso a um material mais

    espontneo, reduzindo as limitaes das expresses discursivas e tem sido

    comumente utilizada nas pesquisas de representaes sociais (OLIVEIRA et al.,

    2005). Consiste em levar os participantes a evocarem palavras ou expresses

    mediante apresentao de estmulo indutor. Nesse caso, o estmulo utilizado foi

    Docncia no Ensino Superior . Aos estudantes foi solicitado que escrevessem as

    cinco primeiras palavras que lhes viessem imediatamente mente em resposta

    referida induo, foi solicitado ainda que hierarquizassem as palavras evocadas e

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    justificassem a palavra considerada de maior importncia. As evocaes foram

    submetidas tabulao e anlise com o auxlio do software Ensemble de

    programmes permettant Ianalyse ds evocations (EVOC), verso 2003, criado por

    Vergs. O EVOC calcula e informa a frequncia (f) simples de ocorrncia de cada

    palavra evocada, bem como a mdia das ordens mdias de importncia (OMI)

    (OLIVEIRA et. al., 2005), resultando em um quadro de quatro casas, onde

    localizamos o ncleo central e os elementos perifricos da representao social.

    Elegemos como campo emprico de pesquisa uma instituio privada de

    Ensino Superior. A escolha se apoia na sua atuao consolidada no campo da

    formao de professores na regio e, especialmente, no trabalho de articulao

    entre ensino, pesquisa e extenso, situao pouco comum nas prticas das

    instituies superiores privadas.

    Participaram desse estudo, 194 estudantes dos cursos de licenciatura em

    Letras, Histria, Filosofia e Pedagogia, distribudos em diferentes estgios de

    formao nos cursos. O grupo se constitui de estudantes entre 18 e 29 anos (82%),

    com uma predominncia de mulheres correspondendo a 60% do grupo pesquisado,

    45% destes j atuam como professores/as ou exercem funes afins educao,

    como auxiliar de biblioteca, auxiliar de professor/a e coordenador/a.

    3.1 A estrutura das representaes sociais de docncia no Ensino Superior

    construdas por estudantes de licenciaturas

    Conforme anunciamos, o software EVOC organiza as evocaes tomando

    como base a frequncia (f) de ocorrncias das palavras evocadas e a ordem mdia

    de importncia (OMI) gerando um quadro de quatro casas. As palavras que se

    destacam em relao frequncia (alta) e ordem de importncia (mais prxima de

    1) constituem a possvel representao social pesquisada.

    O quadro de quatro casas constitudo por palavras que esto distribudas

    em quatro quadrantes, seguidas da mdia de frequncia de apario dos termos e

    das ordens mdias de importncia atribudas a cada uma delas. Conforme Oliveira

    et al (2005) as palavras que se situam no quadrante superior esquerdo so, muito

    possivelmente, os elementos do ncleo central. Nele esto contidas as

    representaes sociais; aquelas situadas no quadrante superior direito so os

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    elementos da primeira periferia, esto mais prximos do ncleo central e indicam a

    possibilidade de j ter pertencido ou podem vir a pertencer a ele. No quadrante

    inferior esquerdo encontram-se os elementos da zona de contraste, estes so

    interlocutores, aqueles que embatem com o ncleo, tentam entrar ou permanecer

    nele, podem tambm representar a zona muda das representaes sociais, os

    elementos latentes no discurso dos sujeitos. J no quadrante inferior direito situam-

    se os elementos da segunda periferia, eles esto mais distantes do ncleo e com

    menor possibilidade de vir a pertencer a ele.

    Os critrios adotados pelo programa na distribuio dos termos nos

    quadrantes so a mdia de frequncia das palavras (F) e a ordem mdia de

    importncia (OMI) atribuda s mesmas. Alm disso, a frequncia mnima de

    ocorrncias das palavras arbitrada em igual ou superior a sete, exclui da anlise

    aquelas cujos valores sejam abaixo de sete. Segundo Oliveira et al. (2005), os

    termos que atendam, ao mesmo tempo, aos critrios de frequncia e ordem

    prioritrias de evocao teriam maior importncia no esquema cognitivo do sujeito e,

    provavelmente, pertenceriam ao ncleo central. Desta forma, quanto maior a

    frequncia e mais baixa a OMI, concomitantemente, mais importante a palavra e

    maior sua possibilidade de integrar o ncleo central.

    Destacamos que a partir das justificativas produzidas pelo grupo, as palavras

    consideradas mais importantes foram organizadas e analisadas em confronto com

    os resultados do quadro de quatro casas, visando desvendar os sentidos e

    significados atribudos pelos estudantes docncia no Ensino Superior, para alm

    do contedo das representaes buscamos compreender sua estrutura, como

    veremos no Quadro 11, a seguir:

    QUADRO 1: Estrutura das Representaes Sociais de Docncia no Ensino Superior

    dos estudantes de licenciaturas

    F > = 7 / OMI < 2,5 F > = 7 / OMI > 2,5

    F OMI F OMI

    1 Esclarecemos que a frequncia (F) mnima de apario dos termos foi arbitrada em > ou = 7, o que

    significa que os termos que tiveram frequncia inferior a 7 foram desconsiderados da anlise. Esclarecemos ainda que a ordem mdia de importncia (OMI) obteve um escore de 2,5, ou seja, no quadro de quatro casas o software considerou apenas os termos que foram hierarquicamente mais importantes para os participantes da pesquisa.

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 507 Aprendizagem Competncia Compromisso Conhecimento Dedicao tica Respeito Responsabilidade

    23 29 40 26 38 11 13 50

    2,261 1,655 2,275 1,731 2,395 1,818 2,308 2,300

    Construo Experincia Formao Importante Sabedoria

    10 11 17 10 12

    2,700 2,636 2,588 3,300 2,500

    F > = 7 / OMI < 2,5 F > = 7 / OMI > 2,5

    F OMI F OMI

    Amor Capacidade Criticidade Desafio Ensinar Inteligncia

    9 8 8 9 7 7

    2,222 2,000 1,875 2,444 2,429 2,286

    Conquista Interao Profissionalismo Reflexo

    7 7 7 7

    2,714 3,714 2,714 2,714

    3.2 Docncia no Ensino Superior: uma prtica profissional, social e afetiva

    Como podemos observar no quadro acima, no possvel ncleo central da

    representao, localizamos as palavras aprendizagem, competncia,

    compromisso, conhecimento, dedicao, respeito, responsabilidade e tica.

    Estas palavras foram as mais frequentemente evocadas e prontamente indicadas

    como as mais importantes pelo grupo de estudantes. Conforme Abric (2000, p. 31)

    os elementos do ncleo central do significado representao, destacando-se por

    sua dimenso quantitativa e qualitativa.

    Inferimos que as palavras competncia e conhecimento correspondem a

    elementos de ordem profissional. J as palavras aprendizagem, respeito e tica

    configuram-se como elementos de ordem social e sugerem troca de conhecimentos

    na relao com o outro, alm de prticas pautadas no respeito ao saber do

    educando e no testemunho tico. Os termos compromisso, dedicao e

    responsabilidade, esto ligados a elementos de ordem pessoal e afetiva, referem-

    se aos empreendimentos pessoais e socioprofissionais dos docentes.

    Sobre as palavras competncia e conhecimento, os estudantes afirmam:

    O docente tem que ser competente para exercer o cargo onde se esforou para estar l, pois se ele no tem competncia, no formar uma turma de qualidade e como consequncia teremos professores de pssima qualidade nas salas de aula. (P46)

    2

    2 Neste texto os participantes so identificados da seguinte maneira: a letra maiscula P seguida de um nmero, que

    corresponde ao protocolo de ordem de aplicao da associao livre.

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    A palavra que ganha destaque, na minha viso, referente a docncia no Ensino Superior, a competncia. Diante dos atuais profissionais no mercado de trabalho, ganha destaque sem dvida aquele indivduo que seja adepto de competncia para exercer sua profisso com responsabilidade. Afinal, na docncia estamos trabalhando com a formao intelectual do aluno. (P85)

    Nas justificativas dos estudantes3 verificamos que a docncia est associada

    ao domnio de conhecimentos tericos e prticos, reflexo da estrutura organizativa

    do Ensino Superior que durante muito tempo considerava este aspecto como

    requisito principal para atuao na docncia nesse nvel de ensino. Conforme

    Masetto (1998) essa competncia compreendida como o domnio de

    conhecimentos e experincia profissional do professor no campo em que atua.

    Observamos ainda, nos trechos das justificativas acima apresentadas, que os

    estudantes relacionam a competncia docente com a qualidade do ensino. As

    referncias dos participantes ao termo qualidade no conota uma posio

    exclusivamente mercadolgica ao termo, mas sugere um entendimento coletivo de

    que a qualidade deve ser sempre perseguida, pois algo desejvel e bom para a

    profisso.

    A presena do elemento competncia no provvel ncleo central indica que

    ele um forte orientador das representaes sociais da docncia no Ensino Superior

    construdas pelos estudantes, para os quais a atividade requer competncia que

    implica em qualidade, ou seja, os termos esto intimamente relacionados e

    imbricados. Trata-se de um elemento que foi indicado em primeira ordem de

    importncia, com OMI de (1,655) e que, por sua localizao privilegiada no ncleo

    central, contribui para garantir as funes geradora e organizadora da

    representao, ou seja, atribui sentido, d unidade e estabilidade a essa

    representao.

    Rios (2006, p. 89) discutindo o termo competncia, nos ajuda na sua

    compreenso quando afirma que:

    [...] para dizer que um professor competente, devo levar em conta a dimenso tcnica ele deve ter domnio dos contedos de sua rea especfica de conhecimento e de recursos para socializar esse conhecimento; a dimenso poltica ele deve definir finalidades para sua ao e comprometer-se em caminhar para alcan-las; e a tica, elemento

    3 As justificativas dos estudantes foram transcritas tal qual sua elaborao preservando a pontuao e destaques dados s

    expresses. Houve apenas a correo s palavras que apresentaram erros ortogrficos.

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 509

    mediador ele deve assumir continuamente uma atitude crtica, que indaga sobre o fundamento e o sentido da definio dos contedos, dos mtodos, dos objetivos, tendo como referncia a afirmao dos direitos, do bem comum.

    Podemos perceber que a autora qualifica a competncia como um conjunto

    de propriedades de carter tcnico, poltico e tico que o docente vai adquirindo ao

    longo de sua formao e experincia como elementos historicamente situados,

    construdos pelos sujeitos em sua prxis que se refere a um fazer que demanda

    saberes e implica em posicionamento poltico. Para alm de uma cobrana externa

    do mercado de trabalho, que atribui qualidade um sentido de produtividade,

    eficcia e eficincia. Na fala a seguir, podemos verificar a presena desses

    elementos como norteadores do exerccio docente no Ensino Superior.

    A competncia um dos principais eixos que melhor conceitua a docncia no Ensino Superior. Entre as suas atribuies o docente que se mostra competente no que leciona, passa mais confiana e credibilidade. (P54)

    Como podemos perceber a competncia docente tambm compreendida

    pelos estudantes como um elemento que transmite segurana, confiana e oferece

    credibilidade ao professor perante os alunos, a qual seria uma condio fundamental

    para fazer bem, exercer bem o seu papel. O termo competncia pode assumir

    diferentes sentidos para cada terico, pois estamos diante de um termo polissmico,

    que sugere diferentes interpretaes, mas que est associado, sobretudo,

    capacidade de fazer bem determinada atividade (RIOS, 2006, 2011), em nosso caso

    a docncia no Ensino Superior.

    Sobre a palavra conhecimento, consideramos que se trata de um termo da

    rea exigido para todas as profisses, e no caso da docncia faz-se necessrio alm

    do conhecimento especfico, o pedaggico, ou seja, conforme apontaram os

    estudantes, alm de conhecer preciso que o professor seja capaz de criar meios

    que facilitem a apropriao do conhecimento. Considerando as questes que foram

    discutidas at o momento, depreendemos que a docncia no Ensino Superior

    demanda um perfil de profissional com amplo domnio do conhecimento cientfico e

    competncia pedaggica.

    No que se refere ao elemento aprendizagem reflete para ns o

    reconhecimento de que ensinar no transferir conhecimentos, mas pr-se em

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    relao com outro, consigo mesmo e com o mundo, aprendendo e ensinando

    (FREIRE, 1996). Aprender constitui-se elemento fundamental para o enriquecimento

    do conhecimento do homem que se insere na condio de sujeito inacabado.

    Vejamos:

    Para mim a palavra mais importante aprendizagem, uma vez que o docente nunca poder ficar parado em seus estudos, ele sempre ir necessitar de novos conhecimentos que podem ser adquiridos com os discentes em sala de aula. (P75) [...] a aprendizagem deve ser sempre de professor para aluno e vice-versa. (P135)

    Como podemos perceber, para os estudantes que participaram desta

    pesquisa, o aprender representado como condio humana e cientfica, uma

    relao na qual professores e alunos interagem. Nesse contexto, destacamos as

    contribuies de Freire (1996) para quem ensinar inexiste sem aprender e vice-

    versa. Segundo o autor, quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao

    aprender. Para os estudantes ouvidos nesta pesquisa, a aprendizagem no lhes

    exclusiva, mas compartilhada entre eles e o professor, aproximando-se das

    proposies de Freire. Tambm Matos (2001, p. 50) refere-se aprendizagem como

    algo que tem sua marca na relao interpessoal e no crescimento humano.

    Consideramos que a formao pedaggica a que os estudantes tm acesso pode

    estar exercendo um papel significativo para evocao da palavra aprendizagem com

    esse significado.

    O termo respeito, mesmo localizado no provvel ncleo central, foi pouco

    indicado como mais importante pelos estudantes, ao se referirem docncia no

    Ensino Superior. Contudo, as consideraes feitas para com o termo aprendizagem,

    nos levam a inferir que esse termo foi utilizado para ressaltar os saberes do prprio

    educando e sua condio de sujeito que aprende e ao mesmo tempo, tambm,

    ensina.

    Respeito em tudo que fazemos. Torna-se um trabalhador eficaz, o profissional que hbil em reconhecer o limite do indivduo, enquanto ser humano, e leva em conta, as condies psicolgicas, afetivas, emocionais, entre outras, respeitando-o em primeiro lugar enquanto ser social. (P87)

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    Nesse sentido, o respeito considerado imprescindvel docncia, respeito

    que compreende de maneira ampla o olhar para o outro, suas peculiaridades e seu

    conhecimento. De maneira estrita podemos dizer que o respeito condio para se

    relacionar e conviver socialmente, respeitando a diversidade tnica, racial, religiosa,

    de orientao sexual e de gnero dos indivduos. O trecho que se segue ilustra a

    importncia do respeito na maneira de avaliar e de reconhecer os saberes dos

    estudantes.

    Entre outros, o respeito fundamental, principalmente na forma de avaliar o aluno (a), respeitando o conhecimento que j tem e lev-lo a despertar e buscar outros. (P08)

    A avaliao em todos os nveis de ensino costuma ser usada como

    averiguao do que foi assimilado do curso, mediante provas tradicionais e notas

    classificatrias, nas quais os estudantes so levados a reproduzir as informaes

    recebidas. Em geral a avaliao no tem sido objeto de reflexo crtica da prpria

    prtica docente, tambm no se constitui como um momento de aprendizagem para

    ambos, mas se resume a mensurao da aprendizagem dos estudantes.

    No que se refere palavra tica, esta se destaca com uma das mais baixas

    OMI (1,818), o que significa dizer que foi uma das palavras consideradas mais

    importantes pelos estudantes ao se referirem docncia no Ensino Superior. Eles

    afirmaram:

    tica profissional faz com que o profissional saiba aceitar a diversidade e a cultura dos seus educandos. (P184) Em qualquer lugar ou funo que nos seja confiada, temos que ser pessoas ticas, compromissadas conosco e com toda a comunidade para a construo de um mundo cada vez melhor, com nossa doao e nosso compromisso com a vida. (P66)

    tica e respeito so valores morais intrinsecamente relacionados, pois

    revelam condutas humanas esperadas, no caso da docncia, uma atividade prpria

    do ser humano, de relaes e interaes, a dimenso tica exprime os princpios e

    normas que regem o seu exerccio e as relaes que se estabelecem no ambiente

    educacional. Rios (2011, p. 95) fala de uma possvel alienao de carter tico, que

    significa o no reconhecimento do outro, o desrespeito diversidade e, portanto, a

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    impossibilidade de se instalar o dilogo. Como podemos observar, a dimenso tica

    se insere no campo da subjetividade como a forma de agir e conviver em relao

    aos outros, mas pode significar ainda no campo da coletividade as relaes com a

    instituio e a sociedade, repercutindo na profissionalizao do ensino, atravs da

    constituio de um cdigo de tica profissional, algo de que ainda no dispomos na

    profisso docente. (VEIGA; ARAJO; KAPUZINIAK, 2005).

    Conforme j mencionamos, a tica diz respeito a condutas esperadas,

    respaldamo-nos nos argumentos compartilhados dos estudantes que reclamam a

    necessidade de coerncia entre o discurso e a prtica de seus professores,

    argumentos estes que conotam indcios de que o discurso pode contradizer as

    prticas. Como estamos trabalhando com futuros docentes, o testemunho tico dos

    seus professores apresenta-se como modelo para sua formao.

    necessrio que todo docente tenha tica profissional mediante o seu comportamento para com os discentes. (P84) Para uma boa docncia primordial que o educador tenha tica em suas palavras e no que repassa aos demais para que no haja uma contradio em suas concepes e prticas. (P116)

    Conforme os estudantes, primordial que o docente seja tico, que suas

    atitudes e condutas sejam baseadas na tica como princpio orientador do seu

    discurso e prtica. Essas assertivas nos inclinam a compreender a tica como uma

    fundamentao ontolgica, uma vez que as aes humanas sempre se

    desenvolveram no mbito das relaes com os outros, com o coletivo social.

    Para Abric (2000) a representao um sistema de pr-codificao da

    realidade porque determina um conjunto de antecipaes e expectativas, sendo

    assim, representar significar, dar sentido s condutas de um grupo e compreender

    a realidade na qual est inserido. Desta forma, pressupomos que as representaes

    de docncia no Ensino Superior centradas na dimenso tica determinam o modo

    de interao/relao desses estudantes com seus professores e orientam suas

    prticas enquanto futuros profissionais.

    No que se refere palavra compromisso, trata-se de um termo que obteve a

    segunda maior frequncia de ocorrncia (40) pelos participantes. Percebemos,

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    pelas justificativas dadas, que compromisso significa trabalho de boa qualidade por

    parte dos professores. Os estudantes afirmam:

    Comprometimento eu a considero importante pelo fato de ser o elemento chave para uma educao de qualidade, quando se h comprometimento corremos atrs do que consideramos importante para as nossas realizaes. (P24)

    Ser comprometido porque no basta apenas ensinar por ensinar, a educao e o ato de educar exige de cada um de ns comprometimento com o que fazemos. (P29)

    Nesta perspectiva, o compromisso assume uma dimenso profissional e

    poltica, na qual o docente, ciente de sua tarefa educativa, prima pela qualidade do

    seu trabalho e revela sua opo poltica de engajamento com a educao de

    maneira crtica ou acrtica, autoritria ou progressista, dialgica ou antidialgica.

    Portanto, se me comprometo ou no com o trabalho que realizo, acabo por revelar

    minhas opes polticas na forma como compreendo e significo minha atuao

    profissional. Uma caracterstica comum desses estudantes o estgio de formao,

    ambos esto no 1 perodo do curso. Entendemos que por ainda no terem uma

    vivncia mais consolidada no curso, outros suportes, como por exemplo, o miditico

    pode estar contribuindo para a construo da representao social de docncia que

    se expressa como compromisso com a sociedade e a formao dos cidados. O

    compromisso ainda assume uma dimenso afetiva e social na medida em que os

    estudantes associam o termo ao amor e dedicao ou mesmo responsabilidade

    docente em relao aos estudantes.

    O compromisso a base para se fazer o seu trabalho com amor e dedicao. (P172) Compromisso, pois se existe compromisso estar motivando os alunos para assim se envolverem nas aulas e at mesmo seguir o exemplo do professor, quando escolher a profisso que vo seguir. (P139)

    A segunda justificativa, de uma estudante do curso de histria, que ainda no

    atua como docente, destaca a importncia da atuao compromissada de seus

    professores, como inspirao ou motivao para seu ingresso no campo

    profissional. As justificativas acima encontram respaldo no que afirma Freire (1996,

    p. 96) sobre o comprometimento do professor ao ensinar:

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    No posso ser professor sem me pr diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutncia minha maneira de ser, de pensar politicamente. No posso escapar a apreciao dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem importncia capital para o meu desempenho. Da ento que uma de minhas preocupaes centrais deva ser a de procurar a aproximao cada vez maior entre o que digo e o que fao, entre o que pareo ser e o que realmente estou sendo.

    Frente s justificativas para o termo compromisso aqui postas, podemos

    inferir que no s os professores avaliam os estudantes, mas tambm os docentes

    so avaliados constantemente em suas prticas por seus alunos. Tambm nos

    parece evidente que o docente no apenas algum que transmite um

    conhecimento produzido por outros, mas um sujeito histrico, social e poltico. Freire

    nos ajuda a compreender outra dimenso do compromisso, ou seja, de como o

    aluno entende a atuao do professor e sua importncia para o desempenho

    docente.

    A palavra dedicao frequentemente evocada pelos estudantes (38)

    compreende o esforo empreendido pelo docente do Ensino Superior para alcanar

    os objetivos, o que muitas vezes significa abrir mo de estar com a famlia e os

    amigos, de ter momentos de lazer, para dedicar-se aos estudos, pesquisa e

    formao permanente. Para os estudantes, a dedicao no est relacionada a

    afeto ou venerao ao trabalho, mas refere-se ao esforo e empenho do profissional

    em suas atividades docentes. o que apontam as justificativas a seguir:

    Dedicao, porque sem ela no conseguimos alcanar nenhum objetivo. (P174) Quando nos dedicamos quilo que fazemos, em qualquer rea de trabalho ou na docncia, fazemos as coisas com perfeio, pois ao nos dedicarmos automaticamente seremos transparentes, responsveis, amveis e abnegaremos qualquer coisa em prol daquilo que nos realiza. (P37)

    Na perspectiva dos estudantes, dedicar-se fundamental para o alcance dos

    objetivos, bem como para fazer bem feito o nosso trabalho, seja qual for a rea de

    atuao profissional. Os estudantes tm clareza de que o esforo e a dedicao ao

    trabalho podem implicar muitas vezes em abdicar de algo em funo dos objetivos

    que se almeja alcanar.

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    Sobre o termo responsabilidade evidenciamos que foi o termo de maior

    frequncia (50) do ncleo central e com OMI (2,300), foi o mais recorrente, mas sua

    OMI no foi das mais baixas. Porm, sua forte frequncia indica que o exerccio

    docente no Ensino Superior demanda responsabilidades. Afirmam os estudantes:

    Em qualquer rea necessrio ser um profissional responsvel e no poderia se esperar algo diferente do professor que o aporte para todos os profissionais. (P176)

    Responsabilidade, pois devemos ser responsveis com os nossos compromissos e nos esforar para realizarmos os deveres de forma adequada. Devemos ser responsveis pelos nossos atos e atitudes. (P11)

    Segundo o dicionrio Amora (2008, p. 634), responsabilidade significa

    qualidade de ser responsvel, obrigao de responder por certos atos e efeitos. E

    justamente nesse sentido que o termo responsabilidade foi descrito pelos

    estudantes. Responsabilidade com o trabalho, com as prticas, com os discursos,

    atos, atitudes, e de um modo geral por todos os deveres prprios da docncia.

    Assumir responsabilidades pelo trabalho que se desempenha tomado como

    primordial para o seu xito e construo de boas relaes no ambiente em que se

    est inserido.

    A responsabilidade tambm foi colocada como algo a ser ensinado atravs do

    exemplo, ou, parafraseando Freire, atravs do testemunho, sobretudo o do fazer, ou

    seja, a prtica que realizo implica de forma direta e imediata na forma como os

    alunos entendem e significam minha atuao e implica em sua atuao futura.

    Ressaltamos, pois, conforme Abric (2000), que a representao social um guia

    para a ao. O nosso pressuposto de que a forma como o aluno representa a

    docncia implica em sua prtica profissional futura se confirma no momento em que

    os estudantes destacam a influncia das prticas de seus professores para sua

    prpria prtica, como atestam as justificativas para o termo responsabilidade, a

    seguir:

    A docncia deve ser encarada com responsabilidade, pois o professor tem em suas mos o poder de influenciar na formao dos futuros cidados. (P144) No caso do professor do Ensino Superior eu acho que ele tem mais responsabilidade do que um professor de ensino mdio, porque ele est formando profissionais. (P113)

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    A representao social que os estudantes compartilham da docncia no

    Ensino Superior concorre para o desempenho e atuao profissional, pois o fazer

    docente de seus professores tomado como modelo de referncia enquanto futuros

    profissionais.

    Assim, o ncleo central que sustenta as representaes sociais de docncia

    no Ensino Superior dos estudantes tem sua estrutura marcada por elementos

    funcionais como conhecimento e competncia, que se constituem em elementos

    importantes para realizao da tarefa que compete ao docente; elementos

    normativos de ordem socioafetiva, poltica e ideolgica, representados pelas

    palavras compromisso, tica, responsabilidade e dedicao.

    No conjunto de elementos que compem o ncleo central da representao

    de docncia, identificamos uma valorizao da dimenso profissional, que

    reconhece a docncia como prtica social intencional, inserida no debate recente em

    que a dimenso estritamente tcnica ou meramente instrucional no ganha relevo,

    mas incorre sobre aspectos de ordem profissional, social e afetiva. Esses aspectos

    focalizam a docncia como uma prtica social comprometida com a aprendizagem

    dos estudantes, em constante busca por formao e aperfeioamento de

    competncias para atuar nesse nvel de ensino.

    Conforme j pontuamos, a representao social composta por um sistema

    central e um sistema perifrico que desempenham funes especficas, mas

    complementares. Deste modo, apresentamos na sequncia deste artigo os

    elementos perifricos que organizam e conferem sentido e significado s

    representaes de docncia no Ensino Superior construdas pelos estudantes das

    licenciaturas.

    3.3 A construo dos sentidos e significados atribudos docncia: o olhar

    sobre a periferia das representaes em foco

    No quadro 1, apresentado anteriormente, localizamos no quadrante superior

    esquerdo a 1 periferia, nela so encontrados os elementos perifricos mais

    importantes. Esses elementos esto mais prximos do ncleo central e, conforme a

    lgica do EVOC, podero vir a pertencer a esse ncleo ou em algum momento dele

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    j foram parte. Neste quadrante, localizamos as palavras construo, experincia,

    formao, importante e sabedoria. Optamos por trabalhar com as palavras

    agrupadas segundo a significao prxima. Essa opo se deve em funo da

    organizao didtica e objetiva desse contedo representacional.

    Assim, discutiremos inicialmente os sentidos atribudos s palavras

    formao, experincia e sabedoria que constituem um conjunto de elementos

    relacionados dimenso profissional e pessoal da docncia. Depois abordaremos

    as palavras construo e importante que correspondem ao de ensinar como

    forma de mediao e interaes humanas.

    A palavra formao expressa como verbo pronominal que significa ir-se

    desenvolvendo uma pessoa, assumindo um sentido processual. Os estudantes

    apontam para a funo social do docente, como veremos a seguir:

    A docncia no Ensino Superior tem uma responsabilidade maior em formar os discentes, pois daqui sair o futuro da nao, pessoas maduras, sociais e responsveis na construo de uma sociedade melhor. Mas a formao , repito, permanente. (P60)

    A atividade docente no Ensino Superior antes de tudo formadora, nesta perspectiva e tendo em vista as exigncias da modernidade esta tem como compromisso formar e capacitar o discente ao exerccio eficiente, crtico-reflexivo e transformador quando ocupar a posio de docente. (P02)

    Essas falas so reveladoras de uma viso de incompletude do ser humano,

    em constante aprendizagem e formao. Elas revelam ainda o valor atribudo

    funo social da docncia para a formao do cidado crtico e reflexivo, capaz de

    transformar a sociedade. Alm de destacar a importncia da formao pessoal,

    social e profissional dos indivduos.

    No que diz respeito s palavras experincia e sabedoria percebemos que

    os sentidos a elas atribudos so similares, pois compreendem a natureza dos

    conhecimentos adquiridos pelos docentes ao longo de sua vida pessoal e

    profissional, conforme veremos a seguir:

    O professor principalmente o do Ensino Superior, precisa ter um amplo conhecimento e uma boa experincia de sala de aula, pois o mesmo visto por todos como um espelho, logo se ele no tem experincia no saber passar o contedo de ensino de maneira prtica e eficaz. ...(P90)

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    Sabedoria, porque envolve todos os conhecimentos tericos, e partes importantes da vida das pessoas que possuem uma sabedoria, que ultrapassa os contedos. (P132)

    Os estudantes destacam a sabedoria e a experincia como fonte de

    conhecimentos que orientam as prticas docentes de seus professores e

    referenciam prticas docentes futuras, uma vez que consideram a atuao dos

    professores como referncias para a aprendizagem da docncia. Destacamos,

    ainda, que a sabedoria ultrapassa o conhecimento dos contedos, sendo

    compreendida como o conjunto de saberes aos quais os professores tiveram acesso

    em suas experincias cotidianas.

    No que se refere questo da experincia, Behrens (1998, p. 60) afirma que

    alguns pedagogos, professores universitrios, nunca exerceram as funes que

    apresentam aos seus alunos. Falam em teoria sobre uma prtica que nunca

    experienciaram. Supomos que este seja um conflito vivenciado por muitos

    professores que atuam em cursos de formao de professores para a Educao

    Bsica. A esse respeito, Cunha, Brito e Cicilline (2006), investigando a formao

    para o Ensino Superior, identificaram que os professores esto conscientes sobre a

    situao de despreparo, porm apesar de reconhecerem essa condio muitos

    acabam por reproduzir prticas de antigos professores consideradas consagradas.

    Os termos importante e construo expressam a funo docente enquanto

    processo educativo de construo de conhecimentos, a docncia como a ao de

    ensinar, porm ensinar de forma crtica, dialgica e aprender continuamente

    medida que ensina.

    O ser e o fazer docente no Ensino Superior deve ser pautado na construo de saberes em que deve primar pela discusso e dilogo, tanto referente prtica como a teoria em uma constante ressignificao do ser e do fazer docente. Portanto, a docncia no Ensino Superior ampliar as construes dos saberes, sem, no entanto, absolutiz-las. (P133) Haja vista que o processo da docncia visa no somente o docente, mas tambm o discente e tudo o que se relaciona com o processo de ensino-aprendizagem, ela se constitui como processo contnuo de construo de conhecimentos, tanto do professor universitrio, quanto dos alunos que em alguns casos visam tambm essa docncia que necessita de especializao e trabalho para se efetivar. (P49)

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    Para ns, as duas falas so reveladoras de uma concepo crtica da

    docncia, que possivelmente foi se ancorando representao construda pelos

    estudantes durante seu perodo de formao, pois so estudantes que se encontram

    no estgio intermedirio e final dos seus cursos. Em suas falas trazem a importncia

    do dilogo e das discusses como promotoras da ressignificao do ser e do fazer

    docente, situando o seu exerccio como uma prtica social, que se realiza na troca

    com outro, nas interaes sociais entre discentes e docentes. Nesse sentido,

    percebemos o conceito de docncia como atividade de mediao dirigida para fins

    educativos, como ressignificao entre teoria e prtica, do ser e do fazer docente,

    articulao dialgica entre professores e alunos, aspectos estes bastante pontuados

    por Tardif e Lessard (2009).

    Como observamos, os elementos situados na 1 periferia expressam a

    importncia da formao, dos saberes e da experincia, destacam a docncia como

    profisso que demanda aprendizagem de saberes especficos. Eles reforam a

    importncia social da profisso de uma maneira geral e para a mediao da

    aprendizagem dos estudantes de maneira particular.

    No quadrante inferior esquerdo, do Quadro 1, encontramos as palavras

    amor, capacidade, criticidade, desafio, ensinar e inteligncia, compondo a

    chamada zona de contraste da representao social. O conjunto de elementos

    situados nesse quadrante est representado por palavras que se embatem com o

    ncleo central, ou seja, eles se embatem com uma representao de docncia

    vinculada ao profissional.

    Os termos amor e desafio expressam as condies para o exerccio

    profissional, ou seja, que preciso gostar do que faz para ser dedicado,

    comprometido e competente e de que grande o desafio para atuar no Ensino

    Superior.

    O amor, pois, se no tiver amor naquilo que faz de nada adianta as outras escolhas. Impedindo assim de ser um profissional de qualidade e competncia naquilo que faz. (P39 FP1O) O amor porque ele abrange todas as outras caractersticas, sem o amor pelo que faz no tem como o ensino ter competncia, dedicao, compromisso com o que faz, enfim, dar-se a fim de ajudar o outro a adquirir conhecimentos, melhorar suas relaes, apenas no objetivo de ver o outro crescer humanamente. (P121)

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    Amor e doao, e, preciso doar-se para formao de si mesmo e do prximo. (P160)

    O amor ao qual se referem os participantes da pesquisa no se vincula

    maternagem como vemos em pesquisas que focam a docncia na Educao Bsica,

    mas designa o gosto, gostar um requisito imprescindvel para o exerccio docente.

    O amor a que se referem os estudantes desta pesquisa aproxima-se do

    entendimento de Freire, de que, quem no ama, no capaz de compreender o

    outro, de respeit-lo e de educ-lo. Os sentidos de docncia focado no amor

    identificado nesta pesquisa diferem dos apontados por Machado e Santos (2011)

    que evidenciaram representaes sociais do ser professor construdas por

    professoras da Educao Bsica, centradas em vocao, gostar de criana e

    maternagem, agregados aos elementos dedicao, compromisso, amor e doao,

    compondo esse campo representacional.

    Sobre as palavras capacidade, ensinar e inteligncia vimos, nas

    justificativas dos estudantes, que para exercer a docncia necessrio ser capaz,

    ou seja, ter inteligncia, ser capaz de ensinar, de tornar transmissvel o

    conhecimento adquirido. Capacidade implica em superar os desafios, respondendo

    s exigncias por formao especializada.

    A capacidade diz respeito forma com a qual o profissional se supera e se eleva para responder s exigncias que a ele so impostas. A capacidade tambm o conhecimento que o profissional adquiriu em sua trajetria de estudo. (P35)

    Como vimos, a capacidade e a inteligncia aparecem quase como sinnimas,

    e, como prprio das cognies perifricas, compem o campo das descries e das

    expectativas em relao ao fenmeno representado. Os termos refletem as

    expectativas dos estudantes em relao aos seus docentes. Considerando que

    estes elementos esto localizados na zona de contraste da representao e se

    configuram como elementos que destoam do ncleo central, entendemos que as

    palavras capacidade, ensinar e inteligncia identificam-se com uma perspectiva

    mais tradicional e conservadora do ensino na universidade, enquanto que no ncleo

    central identificamos elementos que se voltam para uma perspectiva

    socioprofissional que reconhece e valoriza a profissionalizao do ensino.

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    O termo criticidade foi trabalhado isoladamente, por ser um elemento com a

    mais baixa OMI (1,875) localizado na zona de contraste. O quantitativo indica que foi

    o termo considerado mais importante em grau de hierarquizao. O senso crtico o

    elemento novo que se ancora representao social de docncia, algo recente na

    literatura. A criticidade vista como possibilidade de superao de qualquer forma

    de alienao ou de ingenuidade, contemplando uma viso ampla e reflexiva sobre a

    escola como espao de formao social, poltica e ideolgica.

    Destacamos que igualmente importante desenvolver essa criticidade nos

    estudantes, o que s possvel se o docente possibilitar ao discente a superao da

    ingenuidade intelectual. Recorremos a Masetto (2003, p. 53) para quem desenvolver

    uma reflexo crtica no adulto fundamental. O autor defende que o professor deve

    permitir aos discentes conhecer diferentes teorias e pontos de vista, discutir

    alternativas para o exerccio de sua profisso, dialogar sobre os valores embutidos

    nas solues tcnicas apresentadas, analisar as perspectivas do mundo social e

    poltico. Para este autor, o docente do Ensino Superior tem como uma de suas

    funes primeiras o desenvolvimento da capacidade crtica nos estudantes, o que

    implica que o docente seja um sujeito crtico, capaz de elucidar diferentes questes

    acerca de um mesmo fenmeno e que possibilite a anlise da sociedade e do

    exerccio de sua profisso.

    Os elementos presentes na zona de contraste, conforme discutimos, incidem

    sobre a capacidade intelectual, formativa e crtica do professor para o exerccio

    docente. Alm de destacar os desafios da profisso e o amor pelo que faz. Esses

    elementos atualizam a representao, ancorando-a na realidade, ao mesmo tempo

    em que se embatem com o ncleo central, tentando fazer parte dele.

    Ainda no quadro 1, antes apresentado, localizamos no quadrante inferior

    direito a 2 periferia. Nela esto localizadas as palavras conquista, interao,

    profissionalismo e reflexo. Estes elementos esto mais distantes da

    representao social de docncia e so menos provveis de vir a se tornar do

    ncleo central.

    O elemento conquista, assim como os elementos importante e desafio,

    enfatiza o status do magistrio superior. Respaldamos nosso argumento em Melo e

    Cordeiro (2008, p. 29) que afirmam: sabe-se que o magistrio superior tem certo

    status e goza de certa parte de maior autonomia em relao ao magistrio na escola

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 522

    bsica, que aparentemente possibilita ter maiores condies de construir

    socialmente profisso docente no exerccio profissional. Desta forma, entendemos

    que ao considerar a docncia no Ensino Superior como um desafio, uma conquista,

    os estudantes esto chamando ateno para as demandas por formao,

    qualificao e produtividade, demandas que so postas a quem ingressa no

    exerccio docente no Ensino Superior.

    A palavra interao expressa uma atribuio docente mais atual, que sob

    uma viso progressista do ensino no admite mais o professor como detentor de

    todo saber e como algum que apenas transmite contedos, mas como algum que

    na relao ensina ao aprender e aprende ao ensinar.

    Conforme Tardif (2002, p. 118), o professor um trabalhador interativo, um

    profissional com uma atividade essencialmente humana, baseada na relao entre

    pessoas. Os professores estabelecem com o seu objeto de trabalho, que so seres

    humanos, uma relao humana. As consideraes tecidas pelo autor nos

    encaminham a pensar que o ncleo estruturante do ensinar est na interao,

    baseada na atividade conjunta entre alunos e professores. Portanto, compreender

    esse ato como um processo de construo compartilhada atravs de uma rede de

    comunicaes crucial para que se perceba a importncia desse elemento como

    promotor de aprendizagens para ambos os sujeitos envolvidos no processo.

    No que diz respeito aos sentidos atribudos a conquista observamos uma

    conotao que sinaliza para a valorizao atribuda aos docentes do Ensino

    Superior quanto ao mrito de alcanar o nvel de formao requerido para este grau

    de ensino, assim como a insero como profissional em instituies desse nvel de

    ensino, representado como uma conquista, alcanada graas ao seu esforo e

    dedicao.

    O termo reflexo presente nas associaes dos estudantes conota a ao

    de refletir, de pensar criticamente sobre as questes sociais de modo amplo e

    restrito como expresso de um sujeito politizado que defende a transformao das

    estruturas macrossociais. O termo utilizado de modo amplo para compreender e

    pensar a sociedade e restrito no sentido de refletir sobre as prticas individuais e

    coletivas dos sujeitos sociais.

    Entendemos que a formao na Educao Superior pode promover a

    transio da conscincia ingnua para a conscincia crtica no que diz respeito s

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 523

    questes sociais e educacionais de nosso pas e que esta uma demanda

    socioprofissional. Os estudantes vislumbram como expectativa uma atuao docente

    pautada na reflexo crtica. Sabemos que, mesmo durante a ditadura militar, a

    universidade foi um polo de resistncia e uma das grandes propulsoras do

    movimento crtico e reflexivo que incidia sobre a anlise crtica dos contedos

    trabalhados e no mera recepo/reproduo do sistema vigente.

    O termo profissionalismo ressalta uma conduta responsvel, respeitosa,

    competente e tica, requeridas e almejadas pelos profissionais. Sua conotao

    positiva, destacando o bom profissional como aquele que exerce com

    profissionalismo sua funo.

    O profissionalismo de suma importncia no Ensino Superior, porque nada mais vlido do que o professor exercer sua funo com profissionalismo, sabendo entender o ser humano e acima de tudo o respeito com os discentes, manuseando uma aula clara e explicativa. (P86) Profissionalismo, pois um bom profissional da rea da educao seja de qualquer setor, tem de estar convicto do seu papel diante da sociedade, de seu grupo profissional. Atuando de forma tica e profissional. (P196)

    Como podemos perceber nas justificativas, o profissionalismo ganha

    relevncia no polo das expectativas discentes em relao atuao docente, que de

    forma positiva e valorizada reconhece os atributos prprios da profisso. As

    justificativas acima guardam entre si algo em comum, que o estgio intermedirio

    de formao desses estudantes.

    No campo do estudo das profisses, o termo profissionalismo conceituado

    como a adeso individual retrica e s normas da corporao, estgio onde ocorre

    a socializao profissional (SANTIAGO, 1994). Desta forma, atuar com

    profissionalismo corresponde socializao profissional e pessoal a qual o indivduo

    assimila ou adere s normas e regras do coletivo de profissionais da rea, ou seja,

    da categoria profissional qual pertence.

    Nesse sentido, Sacristn (1991, p. 74) acrescenta:

    Uma correcta compreenso do profissionalismo docente implica relacion-lo com todos os contextos que definem a prtica educativa. O professor responsvel pela modelao da prtica, mas esta a interseco de diferentes contextos. O docente no define a prtica, mas sim o papel que a ocupa; atravs da sua actuao que se difundem e concretizam as mltiplas determinaes provenientes dos contextos em que participa.

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 524

    Para o autor, o profissionalismo docente s pode ser compreendido quando

    relacionado com os contextos que definem a prtica educativa. Desta forma, convm

    destacar que a diferenciada formao docente e o grau de ensino em que o

    profissional atua implicam no desenvolvimento do profissionalismo. Assim, situar o

    contexto do magistrio superior decisivo para que se determinem variaes na

    definio profissional e na representao social da docncia.

    Nas anlises das evocaes dos estudantes, foi possvel perceber que a

    formao docente e o grau de ensino foram determinantes para que se chegasse a

    uma representao social da docncia ancorada em uma dimenso profissional que

    concebe e a representa atravs do domnio de conhecimentos, da condio de

    sujeito em constante aprendizagem, com competncia para o exerccio e que se

    compromete, se dedica e se responsabiliza por um ensino de qualidade, agindo com

    tica e respeito. O que nos leva a inferir, com base em Abric (2000), que a ausncia

    de um ou mais elementos evocados pelo grupo participante da pesquisa

    transformaria completamente a representao que ora analisamos, assim como o

    contexto do objeto investigado a docncia no Ensino Superior, implica em

    diferentes representaes sociais que so produzidas em diferentes contextos

    sociais e por variados grupos sociais.

    Recorremos a Guerrero Sron (1996, p. 173) para reforar o que ora

    afirmamos. O autor explica que:

    [...] o ensino, em nosso presente sistema educativo, se estratifica em dois tipos de organizaes ocupacionais: a universidade, que se organiza e se constitui como uma profisso cientfica e erudita, que produz e aplica seu prprio conhecimento; e o ensino bsico e secundrio, que se organizam e se constituem como uma profisso prtica, que aplica na prtica esse conhecimento convenientemente contextualizado por instncias polticas e sociais.

    Desta forma, podemos dizer que a atuao no Ensino Superior revela uma

    condio vinculada ao aspecto valorativo circunscrito a um tempo e a um lugar, que

    determina o prestgio social e a autonomia no exerccio da profisso. Portanto,

    pressupomos que a representao social da docncia pode variar de acordo com o

    nvel de ensino, o contexto social (pblico ou privado) pesquisado, conforme os

    sujeitos ou grupos que representam um fenmeno.

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    Diferentemente dos estudos sobre a docncia na Educao Bsica (Santos,

    2004; Machado; Santos, 2011), as representaes sociais de docncia no Ensino

    Superior, construdas pelos estudantes de licenciaturas, sinalizam para um

    movimento de construo de uma docncia crtica, que rompe com os processos

    conservadores de ensino e de aprendizagem, predominantes na cultura universitria

    e que valoriza a dimenso da profissionalizao docente, concebendo inclusive certo

    prestgio social aos profissionais que atuam nesse nvel de ensino.

    O ncleo central da representao de docncia no Ensino Superior est

    organizado em torno dos elementos: aprendizagem, competncia,

    compromisso, conhecimento, dedicao, respeito, responsabilidade e tica.

    Essas cognies centrais e seus respectivos sentidos configuram uma

    representao social de docncia que incorre sobre aspectos de ordem profissional

    e socioafetivo que compreendem o ser docente do ponto de vista de que ensinar

    no s transmitir conhecimentos, mas , sobretudo, uma prtica social

    comprometida com a aprendizagem dos estudantes e que demanda uma constante

    busca de aprendizagens e formao para atuar competentemente e qualitativamente

    neste nvel de ensino.

    A representao social de docncia aqui discutida inclui propriedades de

    natureza qualitativa que expressam o valor simblico e o poder associativo das

    cognies centrais, ou seja, suas significaes e importncia associada a

    experincias variadas dos indivduos, assim como propriedades quantitativas

    representadas pela salincia das cognies e sua conexidade manifesta

    quantitativamente.

    4 CONSIDERAES FINAIS

    Considerando a complexidade e multidimensionalidade que envolve o ato de

    ensinar como prtica social poltica e tcnica, reconhecemos que as representaes

    sociais de docncia no Ensino Superior transcendem a mera instruo/transmisso

    de contedos especficos e se afiguram como algo amplo e global da ao do

    professor. Assim, os elementos que estruturam e organizam a representao social

    de docncia, atribuindo a ela os sentidos e significados apresentados e discutidos

    neste trabalho, oferecem indcios de uma ruptura dos modelos conservadores de

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 526

    ensino e de aprendizagem predominantes na cultura universitria e avanam numa

    perspectiva que supera a docncia reduzida a mera transmisso de contedos, para

    represent-la como interlocuo, facilitadora das aprendizagens, demandando

    mobilizao socioafetiva, poltica e crtica. A docncia foi representada pelos

    estudantes como campo socioprofissional que demanda conhecimentos e

    competncias especficas; atividade que enseja responsabilidade, compromisso,

    dedicao e tica. Os estudantes demonstraram que tomam seus professores como

    modelos de referncia para as suas prprias prticas, analisando, avaliando e

    refletindo sobre as vivncias de aprendizagem compartilhadas com os docentes

    formadores.

    A estrutura interna dessas representaes tem nos elementos aprendizagem,

    competncia, compromisso, conhecimento, dedicao, tica, respeito e

    responsabilidade a sua centralidade, que, por sua vez, correspondem aos elementos

    mais estveis, coerentes e consensuais da representao. Esses elementos

    determinam a significao e a organizao interna das representaes, ancorados

    no sistema de valores partilhados pelos membros do grupo. Os elementos centrais

    so, conforme aponta Abric (2000), funcionais e normativos. Nesta pesquisa o

    carter funcional encontra-se representado por elementos com finalidade operatria,

    ou seja, referem-se aos elementos mais importantes para realizao da tarefa

    profissional, tais como: aprendizagem, conhecimento, competncia. Foi possvel

    identificar tambm a dimenso normativa presente nas representaes composta

    por elementos de ordem social e afetiva, a saber: compromisso, dedicao, tica,

    respeito e responsabilidade.

    Inferimos que os resultados aqui comunicados constituem instrumentos de

    anlise da docncia e sua funo social possibilitando compreend-las atravs do

    olhar dos estudantes, campo pouco explorado e que merece ateno dos

    pesquisadores da rea uma vez que a docncia inexiste sem a discncia e, que

    ambos, professores e alunos, se formam nos processos de ensino e de

    aprendizagem, travados em sala de aula.

    MNICA PATRCIA SILVA SALES

    Doutoranda em Educao pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Caruaru (FAFICA/PE).

  • ATOS DE PESQUISA EM EDUCAO - PPGE/ME ISSN 1809-0354 v. 8, n. 2, p.500-529, mai./ago. 2013 DOI 10.7867/1809-0354.2013v8n2p500-529 527

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