parte ii sociologia criminal e criminologia...

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USJT UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR 1 PARTE II SOCIOLOGIA CRIMINAL E CRIMINOLOGIA 1.CRIMINOLOGIA E CIÊNCIAS AFINS A interdisciplinaridade é uma perspectiva de abordagem científica envolvendo diversos continentes do saber. Ela é uma visão importante para qualquer ciência social. Em seus estudos, a criminologia se engaja em diálogo tanto com disciplinas das Ciências Sociais ou humanas quanto das Ciências Físicas ou naturais. Entre as áreas de estudo mais próximas da Criminologia temos: Direito penal : o principal ponto de contato da criminologia com o Direito Penal está no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia, na medida em que tipifica (define juridicamente) a conduta delituosa; O direito penal é sancional por excelência; Ele caracteriza os delitos e, através de normas rígidas, prescreve penas que objetivam levar os indivíduos a evitar essas condutas. Direito Processual Penal : a Criminologia fornece os elementos necessários para que se estipule o adequado tratamento do réu no âmbito jurisdicional. Também indica qual a personalidade e o contexto social do acusado e do crime, auxiliando os juristas para que a sentença seja mais justa. A criminologia oferece os critérios valorativos da conduta criminosa. Ela pesquisa a eficácia das normas do Direito Penal, bem como estuda e desenvolve métodos de prevenção e ressocialização do criminoso. Direito Penitenciário : os dados criminológicos são importantes no Direito Penitenciário para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocialização do apenado. A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana, buscando o objetivo de punir sem castigar. Psicologia Criminal : é ciência que demonstra a dimensão individual do ato criminoso; estuda a personalidade do criminoso, orientando a Criminologia. Psiquiatria Criminal : é ramo do saber que identifica as diversas patologias que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental. Antropologia Criminal : abrange o fenômeno criminológico em sua dimensão holística, ou seja, biopsicosocial . É o Estudo do homem na sua história, em sua totalidade (homem como fator presente no todo); Sociologia Criminal : demonstra que a personalidade criminosa é resultante de influências psicológicas e do meio social; Ciências Biológicas : fornecem os elementos naturais e orgânicos que influenciam ou determinam a conduta do criminoso; Vitimologia : estuda a vítima e sua relação com o crime e o criminoso (estuda a proteção e tratamento da vítima, bem como sua possível influência para a ocorrência do crime); Criminalística : é o ramo do conhecimento que cuida da dinâmica de um crime. Estuda os fatores técnicos de como o crime aconteceu. Há um setor especializado da polícia destinado a essa área.

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USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR 

 

PARTE II ‐ SOCIOLOGIA CRIMINAL E CRIMINOLOGIA  

1.CRIMINOLOGIA E CIÊNCIAS AFINS 

A interdisciplinaridade é uma perspectiva de abordagem científica envolvendo diversos continentes do saber. Ela é uma visão importante para qualquer ciência social. Em seus estudos, a criminologia se engaja em diálogo tanto com disciplinas das Ciências Sociais ou humanas quanto das Ciências Físicas ou naturais. 

Entre as áreas de estudo mais próximas da Criminologia temos: 

• Direito penal: o principal ponto de contato da criminologia com o Direito Penal está no fato  de  que  este  delimita  o  campo  de  estudo  da  criminologia,  na medida  em  que tipifica  (define  juridicamente)  a  conduta  delituosa;  O  direito  penal  é  sancional  por excelência; Ele caracteriza os delitos e, através de normas rígidas, prescreve penas que objetivam levar os indivíduos a evitar essas condutas. 

• Direito Processual Penal: a Criminologia fornece os elementos necessários para que se estipule o adequado tratamento do réu no âmbito jurisdicional. Também indica qual a personalidade e o contexto social do acusado e do crime, auxiliando os  juristas para que  a  sentença  seja mais  justa.  A  criminologia  oferece  os  critérios  valorativos  da conduta  criminosa.  Ela  pesquisa  a  eficácia  das  normas  do Direito  Penal, bem  como estuda e desenvolve métodos de prevenção e ressocialização do criminoso. 

• Direito  Penitenciário:  os  dados  criminológicos  são  importantes  no  Direito Penitenciário  para  permitir  o  correto  e  eficaz  tratamento  e  ressocialização  do apenado. A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana, buscando o objetivo de punir sem castigar. 

• Psicologia Criminal: é ciência que demonstra a dimensão individual do ato criminoso; estuda a personalidade do criminoso, orientando a Criminologia. 

• Psiquiatria Criminal: é ramo do saber que identifica as diversas patologias que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental. 

• Antropologia Criminal: abrange o fenômeno criminológico em sua dimensão holística, ou  seja,  biopsicosocial.  É  o  Estudo  do  homem  na  sua  história,  em  sua  totalidade (homem como fator presente no todo); 

• Sociologia  Criminal:  demonstra  que  a  personalidade  criminosa  é  resultante  de influências psicológicas e do meio social; 

• Ciências Biológicas:  fornecem os elementos naturais e orgânicos que  influenciam ou determinam a conduta do criminoso; 

• Vitimologia:  estuda  a  vítima  e  sua  relação  com  o  crime  e  o  criminoso  (estuda  a proteção e tratamento da vítima, bem como sua possível influência para a ocorrência do crime); 

• Criminalística: é o ramo do conhecimento que cuida da dinâmica de um crime. Estuda os fatores técnicos de como o crime aconteceu. Há um setor especializado da polícia destinado a essa área. 

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• Ciências Econômicas: estuda o crime a partir do  intrumental analítico racionalista. O crime é visto como um mercado e sua oferta é determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa, probabilidade de sucesso e  intensidade da punição em caso de falha. 

2. ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA CRIMINAL 

Foi  Topinard  (1830‐1911),  antropólogo  francês,  quem  primeiro  se  referiu  ao  termo Criminologia. Porém,  como  ciência,  foi Garófalo  (1851‐1934) o  autor que empregou esse termo pela primeira vez, em sua obra de mesmo nome, em 1885. Antes, Adolphe Quetelet (1796‐1874) havia se referido ao fenômeno criminal para associá‐lo de modo inevitável à vida social. 

O estudo do crime, segundo o método dogmático que traça as normas e preceitos do ilícito  punível,  ligando  o  delito  como  antecedente  e  a  pena  como  conseqüente constitui  objeto  do  Direito  Penal.  Se  o  crime,  no  entanto,  for  estudado  como fenômeno social para investigar a etiologia e a série de seus fatores genéticos, teremos então  outra  ciência  penal,  diversa  da  dogmática,  em  virtude  do método  científico adotado. Por outro lado, o estudo do crime pode ser feito em função da personalidade do  delinqüente  e  aí  teremos,  dentro  da  criminologia,  a  ciência  denominada antropologia criminal; se, porém, esse estudo criminológico tiver por objeto o crime como  fenômeno  exclusivamente  social,  teremos  outra  ciência  que  é  a  sociologia criminal. Ao  conjunto desses estudos particulares do delito é que  se dá o nome de criminologia. A criminologia  luta, na verdade, com a resolução de muitos problemas, inclusive  alguns  de  natureza metodológica,  tanto  que  a  própria  delimitação  de  seu campo científico ainda é assunto controverso. 

Não há, entretanto, uniformidade nessa delimitação do seu campo de pesquisa, nem tampouco no conceito e definição que a respeito dela se  formulam. GAROFALO, que foi o criador do termo “criminologia”, constrói esta ciência com a tríplice preocupação de  abrangê‐la  como  pesquisa  antropológica,  sociológica  e  jurídica.  Para  ele,  a criminologia  é  a  ciência  da  criminalidade,  o  delito  e  da  pena,  nela  incluindo,  como ponto de partida, a sua doutrina do delito natural elaborada em função da orientação naturalista e evolucionista que abraçava. Também  forma parte da criminologia, para GAROFALO, o exame do delinquente por meio das diversas categorias que integram a classificação que destes formula. 

2.1. ANTROPOLOGIA CRIMINAL 

A  antropologia  criminal,  hoje  também  denominada  biologia  criminal,  é  ciência criminológica  que  deve  seu  aparecimento,  como  conjunto  de  princípios sistematizados,  a Cezare   Lombroso.  Segundo o  famoso médico  italiano, há um  tipo humano  especial,  devidamente  caracterizado  por  uma  série  de  traços  somato‐psíquicos, e que é o “delinquente nato”.  Existem, assim, certos homens naturalmente criminosos, perfeitamente identificáveis por características particulares, a maioria das quais  externamente  visível.  Esse  tipo  criminoso,  verdadeira  species  generis  humani, que  tem o nome de  criminoso nato  recorda o homem primitivo pois o delinquente congênito é um ser atávico por força da degenerescência ou então, conforme ulterior concepção,   por  efeito  de  ação  da  epilepsia  sobre  os  centros  nervosos.  Como  ser atávico  que  representa  uma  regressão  ao  selvagem,  o  delinquente  nato  apresenta 

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estigmas morfológicos e traços psíquicos, muitos dos quais trazem grande analogia (ou mesmo identidade) com o homem primitivo. 

LOMBROSO  investigou  durante  cinco  anos  ‐  entre  1871  a  1876  ‐  os  delinquentes encarcerados  em  seu  país.  Após  publicou  o  resultado  de  seus  estudos  concluindo (falsamente,  como  se  comprovou  depois)  que  o  verdadeiro  criminoso  ou  criminoso nato possuía sinais característicos,  tanto  físicos como psíquicos, que o distinguia dos demais  indivíduos.  Tais  individualidades  seriam:  crueldade,  leviandade,  aversão  ao trabalho,  instabilidade,  vaidade,  tendência,  superstição,  precocidade  sexual, sensibilidade dolorosa diminuída  (razão das  tatuagens). Seguindo esse  raciocínio, ele classificou os criminosos em três tipos: 

1. O CRIMINOSO NATO 

2. O FALSO CRIMINOSO OU DELINQÜENTE OCASIONAL 

3. O CRIMINALÓIDE (ERA "MEIO DELINQÜENTE") 

Para  Lombroso,  os  indivíduos  denominados  criminosos  natos  seriam  aqueles  que permaneceram  atrasados  em  relação  aos  demais  durante  a  evolução  da  espécie,  e ainda não perderam a agressividade.Por outro lado, tentando defender suas pesquisas, dizia que não era  todo criminoso que seria nato, mas que os verdadeiros criminosos seriam natos. Estes seriam indivíduos propensos ao crime devido às taras ancestrais. 

Pouco  depois,  Enrico  Ferri,  embora  integrante  da  Escola  Antropológica  Criminal,  e discípulo de Lombroso fundou a Sociologia criminal com a divisão dos delinqüentes em sua "Sociologia Criminal", de 1914, classificando‐o em cinco tipos distintos: 

1.o nato, dito por Lombroso, sem qualquer senso moral 

2.o louco (incluídos os semi‐loucos) 

3.o ocasional 

4.o habitual (reincidente) 

5.o passional (levado ao crime pelo abatimento, pelo ímpeto. 

Por outro lado, quanto às causas dos delitos, Ferri classificou‐as em três categorias: 

a) Biológica (relacionadas à herança, à constituição orgânica, aos aspectos psicológicos etc.); 

b) Físicas (relacionadas ao meio ambiente, ao clima, à umidade etc.); 

c) Sociais (relacionadas ao meio social, às desigualdades, às injustiças, ao jogo de azar, à prostituição etc.). 

2.2. SOCIOLOGIA CRIMINAL 

A  sociologia  criminal  estuda o  crime  como  fenômeno  social. A disciplina  em  apreço remonta  a  Rousseau  e Quetelet, mas  o  seu  nome  foi  dado  por  Ferri,  para  quem  a sociologia criminal seria a ciência enciclopédica do delito, da qual o Direito Penal não passaria  de  simples  ramo  ou  subdivisão.  Como  o  direito  é  um  fenômeno  social,  a ciência dogmático‐jurídica acabaria desaparecendo, se em outros setores do direito se propugnasse  pelo  mesmo  critério.  Amanhã,  um  civilista  criaria  uma  sociologia  da 

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propriedade e uma  sociologia da  família, e o direito das  coisas e o direito e  família seriam  colocados,  respectivamente,  em  cada  uma  dessas  divisões  da  ciência sociológica. 

2.2.1. Antecedentes 

O  fato de a sociologia criminal aparecer apenas no século XIX não significa que só a partir desta altura tenha  iniciado a preocupação e a reflexão criminal, significa tão só que é nesta altura que a reflexão criminal atinge um elevado nível de sistematização e rigor na explicação do crime, mediante a elaboração de complexos estudos apoiados na  consideração  do meio  social  onde  se  desenvolve  o  crime  e  numa metodologia suficientemente  idônea  para  a  abordagem  credível  deste  fenômeno.  Assim, poderemos encontrar vestígios dessa preocupação e reflexão em Platão (As Leis) que viu  o  crime  como  uma  doença  cujas  causas  derivavam  das  paixões,  da  procura  de prazer e da  ignorância. Aristóteles, por  seu  turno,  considerou que a  causa do  crime tinha origem na miséria  (Tratado da Política) e que o criminoso era um «inimigo» da sociedade  que  deveria  ser  castigado  (Ética  a Nicômaco).  São  Tomas  de  Aquino,  na sequência  de  Aristóteles,  também  atribuirá  a  origem  do  crime  à  miséria.  Mas,  o primeiro autor a dar‐se conta das causas sociais do crime  foi Thomas Morum  (1478‐1535) na sua obra Utopia. Porém, apenas no século XVIII, com o movimento iluminista, nasceu  uma  forte  reacção  à  arbitrariedade  com  que  se  determinava  a medida  das penas e à desigualdade com que concretamente se aplicavam.  

3. GRANDES ESCOLAS DA CRIMINOLOGIA 

Quando  surgiu,  a  criminologia  tratava de  explicar  a origem da delinquência  (crime), utilizando  o método  das  ciências  naturais,  a  etiologia,  ou  seja,  buscava  a  causa  do delito.  Pensou‐se  que  erradicando  a  causa  se  eliminaria  o  efeito,  como  se  fosse suficiente fechar as maternidades para o controle da natalidade. 

A criminologia é dividida em ESCOLA CLÁSSICA (Beccaria, séc XVIII), ESCOLA POSITIVA (Lombroso, séc, XIX) e ESCOLA SOCIOLÓGICA (final do séc XIX). 

Academicamente  a  Criminologia  começa  com  a  publicação  da  obra  de  Cesare Lombroso  chamada  "L'Uomo  Delinquente",  em  1876.  Sua  tese  principal  era  a  do delinquente nato. 

Já  existiram  várias  tendências  causais  na  criminologia.  Baseado  em  Rousseau,  a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade; baseado em Lombroso, para erradicar o delito deveríamos encontrar a eventual causa no próprio delinquente e  não  no  meio.  Enquanto  um  extremo  que  procura  todas  as  causas  de  toda criminalidade na sociedade, o outro, organicista, investigava o arquétipo do criminoso nato  (um  delinquente  com  determinados  traços  morfológicos,  influência  do Darwinismo). (Veja Rousseau, Personalidade Criminosa) 

Isoladamente, tanto as tendências sociológicas, quanto as orgânicas fracassaram. Hoje em  dia  fala‐se  no  elemento  bio‐psico‐social.  Volta  a  tomar  força  os  estudos  de endocrinologia,  que  associam  a  agressividade  do  delinquente  à  testosterona (hormônio  masculino),  os  estudos  de  genética  ao  tentar  identificar  no  genoma humano  um  possível  conjunto  de  "genes  da  criminalidade"  (fator  biológico  ou endógeno), e ainda há os que atribuem a criminalidade meramente ao ambiente (fator 

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mesológico),  como  fruto  de  transtornos  como  a  violência  familiar,  a  falta  de oportunidades, etc. 

Lombroso  é  considerado  o  marco  da  Escola  Positivista,  em  termos  filosóficos encontramos Augusto Comte. Esta escola  italiana  critica os da Escola Clássica,  como Beccaria  e  Bentham,  no  que  diz  respeito  à  utilização  de  uma metodologia  lógico‐dedutiva,  metafísica,  onde  não  existia  a  observação  empírica  dos  fatos.  As caracterísicas  principais  desta  escola  mostram‐se  em  três  pontos:  Empirismo (cientificidade,  observação  e  experimentação  dos  factos. Negação  aos  pensamentos dedutivos e abstractos); O Criminoso como objecto de estudo (importância do estudo do criminoso como autor do crime. A delinquência é vista como um mero sintoma dos instintos criminogéneos do sujeito. Deve‐se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o crime); Determinismo. 

Ele aborda o delinquente através de um  caráter plurifatorial, para ele o  indivíduo é compelido a delinquir por causas externas, as quais não consegue controlar, assim, as penas teriam o objetivo de proteção da sociedade e de reeducação do delinquente. 

Como em outras ciências, também em criminologia se tem tentado eliminar o conceito de  "causa",  substituindo‐o pela  ideia de  "fator".  Isso  implica no  reconhecimento de não apenas uma causa mas, sobretudo, de  fatores que possam desencadear o efeito criminoso  (fatores  biológicos,  psíquicos,  sociais...).  Uma  das  funções  principais  da criminologia  é  estabelecer  uma  relação  estreita  entre  três  disciplinas  consideradas fundamentais: a psicopatologia, o direito penal e a ciência político‐criminal. 

Outra  atribuição  da  criminologia  é,  por  exemplo,  elaborar  uma  série  de  teorias  e hipóteses sobre as razões para o aumento de um determinado delito. Os criminólogos se encarregam de dar esse tipo de  informação a quem elabora a política criminal, os quais, por  sua  vez,  idealizarão  soluções, proporão  leis,  etc. Esta última  etapa  se  faz através  do  direito  penal.  Posteriormente,  outra  vez mais  o  criminólogo  avaliará  o impacto produzido por essa nova lei na criminalidade. 

Interessam ao criminólogo as causas e os motivos para o fato delituoso. Normalmente ele procura fazer um diagnóstico do crime e uma tipologia do criminoso, assim como uma  classificação  do  delito  cometido.  Essas  causas  e  motivos  abrangem  desde avaliação  do  entorno  prévio  ao  crime,  os  antecedentes  vivenciais  e  emocionais  do delinquente, até a motivação pragmática para o crime. 

Os estudos em criminologia têm como finalidade, entre outros aspectos, determinar a etiologia do crime,  fazer uma análise da personalidade e conduta do criminoso para que se possa puni‐lo de forma justa (que é uma preocupação da criminologia e não do Direito Penal), identificar as causas determinantes do fenômeno criminógeno, auxiliar na prevenção da criminalidade; e permitir a ressocialização do delinquente. 

Os estudos em  criminologia  se dividem em dois  ramos que não  são  independentes, mas  sim  interdependentes.  Temos  de  um  lado  a  Criminologia  Clínica (bioantropológica) ‐ esta utiliza‐se do método  individual, (particular, análise de casos, biológico, experimental), que envolve a  indução. De outro  lado vemos a Criminologia Geral  (sociológica),  esta  utiliza‐se  do  método  estatístico  (de  grupo,  estatístico, sociológico, histórico) que enfatiza o procedimento de dedução.  

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A criminologia define‐se, em regra como sendo o estudo do crime e do criminoso, isto é: criminalidade. A Criminologia, o estudo do crime e dos criminosos, dentro de um recorte causal — explicativo,  informado de elementos naturalísticos  (psicofísicos),  ‘‘é ciência social ou não será ciência’’ 

Não é uma ciência independente, mas atrelada à Sociologia, à apreciação científica da organização da sociedade humana. Ao lado da Sociologia, se mostra numa condição de contrastante de ‘‘uma das mais jovens e uma das mais velhas ciências’’. 

Jovem  e  livre  até  da  rotulação  relativamente  recente  do  respectivo  vocábulo,  um termo híbrido, por Augusto Comte, do latim socius, amigo ou companheiro, e do grego logos, ciência. Velha, uma vez que a análise da vida gregária dos seres humanos já era praticada de vários modos pela Antropologia, bem antes de sua aparição no panorama cultural. No  entanto, não  só do pensamento  sociológico  se  sustenta  a Criminologia, que,  pelo  contrário,  possui  aparência  eminentemente  multidisciplinar,  sempre  se enriquecendo  com  diferentes  ciências  posicionadas  à  sua  volta  e  áreas  do conhecimento afins ou afluentes. 

A maioria vai  listada adiante: primus  inter pares, o Direito Penal, ramo da Dogmática Jurídica que definem quais condutas tipificam crimes ou contravenções, estabelecendo as  respectivas  penas;  a  Medicina  Legal  (aí  compreendida  a  Psiquiatria  Forense), aplicação  específica  das  ciências  médicas,  paramédicas  e  biológicas  ao  Direito; Psicologia Criminal, cuja matriz é a Psicologia (comum), ciência ocupada com a mente humana,  seus  estados  e  processos:  a  Antropologia  Criminal  (Ferri,  Lombroso  e Garofalo), que assume para  si a  responsabilidade de pesquisar e desenhar  supostos perfis dos  infratores penais, a partir de disposições anatômicas e estigmas somáticos particulares, hoje um pouco desprovida do crédito que foi desfrutado antigamente; a Sociologia Criminal (subdivisão da Sociologia, filiada à Sociologia Jurídica), fundada por Enrico Ferri, que visualiza o  ilícito penal como fenômeno gerado no desenvolvimento do convívio, em escala ampla, dos homens, analisando a importância direta ou indireta do  ambiente  social  na  formação  da  personalidade  de  cada  um;  a  Psicosociologia Criminal, subordinada a Psicosociologia, suma psicológica dos  fatos sociais; a Política Criminal, que rastreia e monitora os meios educativos ou intimidativos de que dispõe ou deve dispor o Estado, inclusive no terreno da elaboração legislativa, para o melhor desempenho, em  seu papel de, prevenir e  reprimir a  criminalidade, procurando ela, paralelamente, fornecer fórmulas para se achar a proporção ideal entre a gravidade da conduta de um determinado criminoso ou contraventor penal e o quantum da sanção a aplicar‐lhe, face a face com a situação concreta, a Lógica Jurídica, no seu segmento que  se dirige para  a  fenomenologia  e  a problemática do  crime,  lastreada na  Lógica formal, pura (ciência da razão, em si mesma). 

Igualmente, conta a Criminologia com complemento de ciências auxiliares: a Genética, ciência da hereditariedade; a Demografia, levantamento numérico populacional (taxas de  natalidade  e  de mortalidade,  distribuição  de  faixas  etárias,  expectativa  de  vida, migrações  etc.);  a  Etologia,  investigação  de  natureza  científica  do  comportamento humano, de  acordo  com  as  leis gerais da Psicologia,  levando em  conta  às múltiplas influências  e  acomodações  que  as  circunstâncias  ambientais  exercem,  de  ordinário, sobre o comportamento da pessoa ou da sociedade; a Penalogia  (ou Penologia) que Francis  Lieber,  o  criador  da  palavra  (1834),  conceituou  como  ‘‘o  ramo  das  ciências 

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criminais  que  cuida  do  castigo  do  delinqüente’’,  a  Vitimologia,  estudo  do comportamento da  vítima,  com  avaliação das  causas  e dos  efeitos da  ação delitiva, esquadrinhada  sob  o  prisma  e  a  interação  da  dupla  penal  criminoso/vítima,  a Estatística,  conjunto de métodos matemáticos,  centrada  em dados  reais, de que  se serve para construir modelos de probabilidade relativos a indivíduos, grupos ou coisas (por exemplo, defasagem quantitativa ou qualitativa na oferta de empregos), quando, numa  fonte  especializada  (Estatística  Criminal)  retrate  fatores  ou  indutores  de criminalidade.  "Toda  ciência,  proclamou  Aristóteles,  tem  por  objeto  o  necessário". (Leonardo Rabelo de Matos Silva). 

3.1. ESCOLA CLÁSSICA 

A  escola  clássica  caracteriza‐se por  ter projetada na doutrina do  crime os  ideais do movimento  iluminista,  donde  se  destacam,  por  terem  tomado  posição  nesta  luta, Montesquieu, Hobbes, Voltaire, Rousseau, Diderot, d'Holbach. Mas os autores que de modo  mais  direto  participaram  no  debate  do  problema  criminal  foram  Beccaria, Feuerbach, Benthan, Blackstone, Carranara, etc.  

O mais representativo de todos estes autores geralmente apontado é o italiano Cesare Beccaria que expõe o principal do seu pensamento em Dei delitti e delle pene (1764), onde  defendia  uma  construção  do  tipo  legal  de  crime  em  condições  de  oferecer  o mínimo  de  segurança  ao  homem  no  exercício  da  sua  liberdade  social  face  às autoridades públicas que manuseavam o respectivo processo sem sujeição a qualquer tipo de regras, aplicando as respectivas penas de forma «arbitrária».  

Menos feliz parece ter sido a sua explicação hedonista do crime, quando defende que a  prática  do  crime  estaria  associada  ao  prazer,  de  modo  que  a  pena  deveria estabelecer‐se por  forma a anular as compensações da sua prática. Pelo que a pena teria  como  finalidade  diminuir  a  ocorrência  do  crime  de  modo  a  assegurar  a continuidade da sociedade civil livremente constituída. Neste sentido, a teoria clássica surge como uma teoria de controlo social, partindo da  idéia de que a sociedade para existir celebrou  livremente um contrato social, através do qual estabeleceu o regime de  tutela dos  bens  essenciais  (o  «bem‐estar pessoal»  e  a  «propriedade  privada»)  à convivência pacífica do homem. 

 Os homens, «iguais perante a lei», deveriam por isso determinar racionalmente a sua liberdade em conformidade com aquele contrato. Mas todo o homem, com base em motivações  de  ordem  irracional,  aparecia  como  um  potencial  violador  do  contrato, razão pela qual estava sujeito às consequências de um estatuto penal, cujas penas, que visavam  dissuadi‐lo  preventivamente  dessa  conduta,  deveriam  ser  «exatas»  na  sua correspondência  ao  crime  cometido.  Só que  a  teoria  clássica  ao  estabelecer que os homens  eram  formalmente  iguais  perante  a  lei,  apresenta,  por  um  lado,  uma contradição  básica  na  sua  formulação  quando  «não  presta  atenção  ao  fato  de  a carência de bens poder ser motivo para que o homem tenha uma maior probabilidade para cometer crimes», tornou‐se, por outro lado, numa técnica duplamente perversa, ora  porque  em  certos  casos  se  revelava  excessiva,  ora  porque  noutros  se  revelava insuficiente.  Os  neo‐clássicos,  como  Rossi,  Garaud  e  Joly,  para  superarem  tais dificuldades,  introduziram algumas  reformas  tendentes a ultrapassar as contradições 

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dos princípios clássicos «puros» que colocavam algumas dificuldades na determinação prática da medida da pena. 

Com esta  revisão, os neoclássicos  tiveram de  tal modo em  conta as «circunstâncias atenuantes», os «antecedentes criminais» e a «inimputabilidade» do delinquente, ou seja, «pegaram no homem racional solitário da criminologia clássica e deram‐lhe um passado e um futuro» (Cf. TAYLOR, I., WALTON, P. E YOUNG, J., La Nueva Criminologia: Contribuicion a una Teoria Social de La Conduta Desviada, Amorrortu Editores, Buenos Aires, 1990, p. 22). 

Gabriel Tarde (1843‐1904) foi magistrado, dirigiu os Service de la Statistique Criminelle e publicou um grande número de obras dedicadas ao fenômeno criminal. A sua teoria do crime explicava‐se pelo princípio da imitação que se explicaria segundo três «leis»: a  imitação  funcionaria em  razão direta da proximidade social; a  imitação  funcionaria no  sentido  das  classes mais  baixas  para  as mais  elevadas,  quando  existisse  conflito entre dois modelos contrários de comportamento, um poderia substituir outro. 

3.2. ESCOLA POSITIVISTA 

O  positivismo  científico,  na  área  da  criminologia,  surgiu,  no  Século  XIX,  com  a inauguração  da  escola  positiva  italiana  em  1876,  com  a  publicação  de  L  'Umo Delinquente, de Cesare Lombroso, que reage contra os fracassos da escola clássica no tratamento do problema  criminal. Efetivamente,  a escola  clássica,  representada por Beccaria,  centrara  a  sua  preocupação  no  sistema  penal  estabelecido  de  modo arbitrário;  contudo  a  criminalidade  ao  invés de  reduzir  aumentara  e diversificara‐se sem  que  a  teoria  clássica  oferecesse  uma  explicação  satisfatória.  A  escola  positiva surge  assim,  num  ambiente  de  crise,  como  alternativa  da  explicação  das  causas  do crime, deslocando a  investigação criminal para o próprio delinquente e propondo‐se tratar o  crime  com base nos métodos e  instrumentos utilizados pelas  ciências ditas «objetivas».  Como  características  fundamentais  desta  escola  realça‐se  o  postulado determinista do comportamento e a rejeição do livre arbítrio de raiz metafísica. Entre os  fundadores  da  escola  positiva  destacam‐se  não  só  Lombroso,  que  se  detém  na questão antropológica, mas também dois dos seus discípulos: Enrico Ferri, que realçou na sua investigação sobre o crime os elementos sociológicos, e Raffaele Garófalo, que põem em destaque para a explicação do crime o elemento psicológico. A formulação da antropologia criminal de Lombroso contou com alguns  trabalhos precursores que tentaram encontrar as causas do crime nos estigmas  individuais do delinquente, caso das teorias fisiológicos (J. K. Lavater, Fragmentos Fisionómicos, 1775), que pretendiam diferenciar o criminoso pelos seus traços fisionómicos, das teorias frenológicas (F. Gall, Sur  les  fonctions du cerveau, 1791‐ 1825, H. Lauvergue, Les forçat considérés sous  le rapport physique, moral  ET  intellectuel, observés  au Bagne de  Toulouse,  1848,  e C, Caldwell,  Elements  of  Phrenology,  1829),  que  procurou  os  sinais  identificadores  do delinquente no  formato  craniano,  entre outros. Mas,  foi  com base em Darwin  (The origin of species, 1859, e Descent of man, 1871) que formulou urna teoria baseada na natureza atávica de todos os delinquentes — o criminoso seria reconhecível através de certos estigmas físicos («dentição anormal», «assimetria do rosto», «orelhas grandes», «defeitos dos olhos», «características sexuais  invertidas», etc.) correspondentes a um homem  menos  civilizado  que  os  seus  contemporâneos  —,  o  que  confirmaria estatisticamente. No  entanto, perante  as  críticas que  lhe  foram dirigidas,  Lombroso 

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seria  forçado  a moderar  a  extensão  da  sua  teoria,  porém  não  ao  ponto  de  corrigir alguns  defeitos  que  serão  definitivos  para  a  sua  descredibilização,  nomeadamente defeitos  técnicos,  relacionados  com a utilização de  técnicas estatísticas  inadequadas (Cf.  C.  Goring,  The  english  convict,  1913),  uma  errada  consideração  dos  estigmas físicos, que geralmente são uma consequência directa do meio social, uma  infundada teoria  genética,  já  que  está  excluída  pela  moderna  teoria  genética  a  regressão evolutiva até espécies anteriores. O pensamento de Ferri —  considerado por alguns autores  como o  fundador da  sociologia  criminal —, no domínio da  criminologia,  foi exposto na sua obra Nuovi horizonti del diritto e della procedura penalle  (1851) que serviu de base à sua obra principal Sociologia criminale (1892). Segundo ele, as causas do crime seriam não só de carácter antropológico e físicas, mas também sociais. Será neste  autor  que  Durkheim  irá  encontrar  uma  grande  parte  da  sua  inspiração  no tratamento  social  do  crime,  porém  enquanto  Ferri  utiliza  um  método predominantemente empírico, a análise de Durkheim «faz‐se em profundidade e não se satisfaz com a mera descrição» (Lévv‐Bruhl, Op. Cit., p. 291). Por seu turno, Garófalo conta  com  uma  extensa  bibliografia  dedicada  ao  tema  da  criminologia,  de  onde  se destacam  Criminologia  (1885),  Ripparazione  alle  vittime  dei  delitto  (1887)  e  La superstition socialiste (1895). A sua obra está marcada pela tentativa de definição de um conceito sociológico de crime, concebido como violação dos sentimentos básicos da coletividade, a que se reconduzia a sua explicação psicológica do crime. As críticas ao positivismo não se fizeram esperar. 

Tanto  a  sociologia  criminal  (Lacassagne,  Tarde  e  Durkheim)  como  da  antropologia criminal  (Baer  e  Goring)  criticaram  o  determinismo  lombrosiano  determinado pelassuas teses antropológico‐causais. Mas, o certo é que de certa maneira permanece o perigo das  ideologias de  tratamento que marcam uma  vasta  influência na política criminal,  sustentando‐se,  ao  contrário  do  que  defendia  a  escola  clássica,  não  uma redução mas uma ampliação da reacção social ao crime, posição que  leva Garófalo a admitir  a  hipótese de  irradiação  do  delinquente quando  fosse  «incapaz para  a  vida social» (Cf. DIAS, Figueiredo, e ANDRADRE. Costa, Op. Cit, pp. 18). 

3.3. ESCOLA SOCIOLOGICA ‐ DURKHEIM 

Na realidade, a tipologia dos crimes evolui no mesmo sentido da evolução social, o que quer  dizer  que,  em  certa medida,  o  crime  é  produzido  pela  sociedade,  em  termos abstratos, e praticado, em concreto, por um determinado membro da sociedade que não aderiu à ordem social. 

Assim, seguindo a diferenciação social de Durkheim entre sociedades de solidariedade mecânica e orgânica, poderá dizer‐se que nas primeiras, correspondentes a sociedades menos evoluídas, e porque o  indivíduo  se encontra  firmemente  ligado  ao grupo, os crimes  mais  graves  são  os  que  ponham  em  «perigo  o  conjunto  da  coletividade», enquanto que nas segundas, onde o indivíduo se encontra grandemente emancipado, se tutelam valores em torno dos quais o  indivíduo constrói a sua personalidade, seja sob a  forma de  crimes  contra a pessoa  (os  crimes  contra a vida, os  crimes  contra a integridade  física,  os  crimes  contra  a  honra,  os  crimes  sexuais,  etc.),  seja  contra  a propriedade  individual  (crimes  de  roubo,  crimes  de  furto,  crimes  de  abuso  de confiança, etc. Que  implicam geralmente um enriquecimento verso empobrecimento para cada uma das partes envolvidas).  

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Durkheim  (1858‐1917) destaca‐se na  sociologia  criminal pela  sua definição do  crime como  um  fato  social  e  pela  tese  da  normalidade  e  funcionalidade  do  crime.  A importância paradigmática de Durkheim deve‐se ainda ao  fato de o seu pensamento representar uma das vertentes das modernas  teorias sócio criminológicas, o modelo de consenso, que se opõem à fundamentação marxista, o modelo de conflito. 

A atualidade da obra O Suicídio de Durkheim deve‐se em grande medida ao  fato de estar na base da investigação de uma serie de condutas que se inserem no quadro dos desvios e que continuam a preocupar o mundo moderno. Isso não quer dizer que não haja  nela  um  conjunto  de  aspectos  cuja  validade  é  hoje  contestável,  desde  logo  a validade das estatísticas (no caso, oficiais), a ambiguidade do conceito de anomia (Cf. Teoria  da  Anomia  de Merton),  as  dificuldades  de  distinção  do  suicídio  egoísta  do anómico (Cf. DURKHEIM, Émile.  

O Suicídio: Estudo Sociológico,  Lisboa: Editorial Presença, 1996, p.286), etc. É ainda, por  isso,  uma  obra  de  referência  para  a  investigação  social  nos  diversos  domínios, nomeadamente na área da criminologia social ou sociologia criminal. Por isso, merece especial apreço a compreensão dos princípios e conceitos em que se estrutura toda a obra. Desde  logo, Durkheim entende por suicídio «todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, acto que a própria vítima sabia dever produzir este resultado» (Idem, p. 10) (V. ARON, Raymond, Op. Cit., 1994, p. 325), ou, em síntese, o «ato de um homem que prefere a morte a vida» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 275). 

TEXTO COMPLEMENTAR ‐ “O CRIME SEGUNDO A PERSPECTIVA DE DURKHEIM” 

Jorge Adriano Carlos 

Trabalho  apresentado  no  seminário História  do  Pensamento  Sociológico  dirigido  pelo  Prof. Doutor Augusto Silva, no âmbito do Curso de Mestrado em Sociologia, na  variante Poder e Sistemas Políticos, Departamento de Sociologia Universidade de Évora. 1997. 

Introdução 

A  demonstração  da  permanência  do  crime  em  todas  as  sociedades1  constituiu  o  fator determinante da sua integração no pensamento sociológico sistemático, cujo contributo mais significativo se deve a Durkheim em três das suas obras fundamentais que são De  la Division du Travail Social  (1893), Les Règles de  La Méthode Sociologique  (1895) e  Le Suicide  (1897). Todavia,  será  legítimo  situar  o  início  da  sociologia  criminal a  partir do  segundo quartel do século XIX2, altura em que foram desenvolvidos inúmeros estudos, em diversos países (França, Bélgica, Alemanha e Grã‐Bretanha), com aplicação de métodos e  instrumentos  sociológicos, nomeadamente a recolha e interpretação de dados estatísticos3. Mas é efetivamente com os trabalhos  de  Lacassagne4,  Gabriel  Tarde5,  e  Émile  Durkheim6  que  a  sociologia  criminal adquire o seu estatuto de ciência, 

especialmente a partir do 3.º Congresso de Antropologia Criminal, realizado em Bruxelas, em 1892,  que  marca  a  viragem  das  explicações  da  escola  positiva  em  favor  das  teorias sociológicas. 

A  sociologia criminal aparece‐nos assim como uma ciência muito  recente7, muito depois do direito penal, cuja origem remonta à antiguidade, e depois ainda da criminologia, cuja origem 

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se  poderá  situar  na  escola  clássica8,  muito  embora  apenas  tenha  atingido  a  sua  forma sistemática com a escola positiva italiana9. 

Mas,  se  ao  direito  criminal  importa  a  definição  do  tipo  de  crime  e  a  sua  consequência sancionatória, à criminologia  importa a compreensão da realidade criminal em todos os seus aspectos.  Numa  primeira  fase,  a  criminologia  debruçou‐se  sobre  a  pessoa  do  delinquente, servindo‐se  de métodos  próprios  da  biologia  e  da  psiquiatria —  aquilo  que  alguns  autores designaram por criminologia «clínica». 

Numa  fase mais avançada da  reflexão criminal, o criminólogo deslocou o seu estudo para o meio social onde se gerou a prática delitiva — a acentuação deste aspecto da criminologia deu lugar à sociologia criminal que apareceu também como um novo ramo da sociologia. A partir do momento  em  que  se  compreende  que  não  existe  sociedade  sem  crime,  não  só  não  é concebível uma  sociologia que  ignore este  fenômeno, como não é possível estudar o  crime, considerado em abstrato, sem evocar o meio social onde se desenvolve. 

A obra de Durkheim deve uma grande parte da sua importância ao fato de ter compreendido esta  relação  entre  o  crime  e  a  sociedade  numa  altura  em  que  as  escolas  positivas  se refugiavam  por  detrás  das  concepções  individualistas.  Este  autor  compreendeu  que  a sociedade não era simplesmente o produto da ação e da consciência individual, pelo contrário, «as maneiras coletivas de agir e de pensar têm uma realidade exterior aos indivíduos que, em cada momento do tempo, a elas se conformam»10 e, mais que isso, «são não só exteriores ao indivíduo,  como  dotados  dum  poder  imperativo  e  coercivo  em  virtude  do  qual  se  lhe impõem»11. O tratamento do crime como um fato social, de caráter normal e até necessário, permitir‐lhe‐à  reabilitar cientificamente o  fenômeno criminal e demonstrar que a prática de um crime poderá depender não tanto do indivíduo que, de acordo com esta concepção, age e pensa sob a pressão dos múltiplos constrangimentos que se desenvolvem na sociedade mas, diversamente, poderá apresentar em abstrato uma ampla raiz de imputação social. 

A Teoria da Anomia 

A consideração sociológica da anomia, que etimologicamente não significa senão «ausência de normas», apesar  

Conclusão 

Um  dos  aspectos  mais  salientes  da  sociologia  de  Durkheim  passa  pela  consideração obrigatória  de  uma  estreita  relação  entre  as  determinações  individuais  e  as  construções sociais, donde resulta, antes que tudo, uma clara ascendência da consciência comitiva sobre a consciência  individual. Ao  contrário do que defendiam   os  contratualistas, que  imaginavam uma  sociedade  de  indivíduos,  a  sociedade  não  é  o mero  somatório  das  partes,  pois  ainda assim  não  passaria  de  um  conjunto  heterogêneo  de  afirmações  diferenciais.  A  sociedade, muito pelo contrário, é, para Durkheim, um depositório de valores que de uma forma mais ou menos regular se consensualiza. 

Esta  visão  da  sociedade  não  deixou  de  ter  a  sua  projeção  no modelo  sócio  criminal  que Durkheim defendeu. Antes de tudo porque o crime, embora de modo algo ambíguo, passou a ser considerado não apenas como o  resultado de condutas anti‐sociais, mas como condutas contextualizadas  socialmente.  O  crime mais  que  um  fenômeno  do  criminoso  passou  a  ser encarado  como  uma  realidade  social  cuja  importância  era  inquestionável  para  o  estudo sociológico, nomeadamente para a compreensão das grandes estruturas de sedimentação e 

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desenvolvimento  social. A um  crime  tão atomizado na  sua explicação  como o  foi o homem desde  a  escola  clássica  até  à  escola  positiva  opôs‐se,  através  desta  nova  dimensão  da criminologia, uma explicação das causas do crime que procura a solução do problema criminal não  apenas  na  responsabilização  exclusiva  do  delinquente  mas  na  responsabilização  do comportamento criminal por elementos  típicos da própria sociedade que  funciona como um ambiente verdadeiramente condicionador da ação individual. Mas, mais que isso, a concepção de  Durkheim  explica  já  que  as  causas  do  crime  poderão  estar  em  relação  direta  com  as disfuncionalidades  fáticas e normativas do  conjunto  inter‐relacional,  como poderão  resultar das opções consensuais dos ordenamentos sociais de cada época. 

Mas  se  isto  será assim para Durkheim, para alguns autores  contemporâneos,  inspirados no modelo de conflito marxista, o  importante não será, no entanto, penetrar nos problemas, o importante e «imperioso é criar uma sociedade em que a  realidade da diversidade humana, seja pessoal, orgânica ou social, não esteja submetida ao poder de criminalizar»25. 

Referências 

1.  O  fato  de  em  todas  as  sociedades,  desde  as  menos  evoluídas  às  mais  evoluídas,  se encontrarem manifestações  anti‐sociais  não  significa  que  todas  as  sociedades  definam  os mesmos  tipos  de  crimes  e  que  os  mesmos  crimes  sejam  delimitados  com  as  mesmas características. Na  realidade,  a  tipologia  dos  crimes  evolui  no mesmo  sentido  da  evolução social, o que quer dizer que, em certa medida, o crime é produzido pela sociedade, em termos abstratos,  e  praticado,  em  concreto,  por  um  determinado membro  da  sociedade  que  não aderiu à ordem social. Assim, seguindo a diferenciação social de Durkheim entre sociedades de solidariedade mecânica  e  orgânica,  poderá  dizer‐se  que  nas  primeiras,  correspondentes  a sociedades menos evoluídas, e porque o indivíduo se encontra firmemente ligado ao grupo, os crimes mais graves são os que ponham em «perigo o conjunto da coletividade», enquanto que nas segundas, onde o indivíduo se encontra grandemente emancipado, se tutelam valores em torno dos quais o indivíduo constrói a sua personalidade, seja sob a forma de crimes contra a pessoa  (os  crimes  contra  a  vida,  os  crimes  contra  a  integridade  física,  os  crimes  contra  a honra, os crimes sexuais, etc.), seja contra a propriedade  individual (crimes de roubo, crimes de  furto,  crimes  de  abuso  de  confiança,  etc. Que  implicam  geralmente  um  enriquecimento verso  empobrecimento  para  cada  uma  das  partes  envolvidas).  Ora,  o  que  nos  permite considerar  que  o  crime  constitui  uma  realidade  de  natureza  sócio‐cultural  da  maior importância:  não  só  espelha  uma  dimensão  negativa  da  ordem  social  estabelecida  pela coletividade, como ainda se revela como uma dimensão de absoluta necessidade conceptual na doutrina do controlo social. 

2. Cf. RADZINOWICZ, L., Ideology and Crime, London: Heinemann. 1966. 

3.  Destacam‐se,  na  escola  franco‐belga,  A.  Guérry  (Essai  sur  la  statistique  morale  de  la France,1833)  e  A.  Quételet  (Essai  sur  le  dévelopment  de  facultés  de  1  'home  ou  essai  de phisique social, 1835), que utilizam cartas geográficas para  indicar a distribuição diferencial das  taxas e tipos de criminalidade pelas diversas áreas geográficas, na escola alemã, A. von Oettingen  (Die moralstatistik  in  ihre bedeutung  für eine sozialethik) e G. von Mayr  (Statistik der  gerichtlichen  polizei  im  königreiche  bayern  und  in  einigen  landern,  1868),  na  escola inglesa, Benthan  (Princípios do  código penal), W. Rawson  (An  inquirity  into  the  statistics of crime in England and Wales, 1839), W. Buchanan (Remarks on the causes and state of juvenil crime  in  the metropolis with  hints  for  preventing  its  incrase,  1846),  J.  Flechter  (Moral  and 

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educational  statistics  of  England  and Wales,  1848)  e  H. Mayhew  (The  criminal  prisons  of london and scenes from prison life, 1862, e Those that will not work, 1864). 

4. Lacassagne é o autor de Marche de  la criminalité en France — 1825‐1880 (1881) e de Les vois  á  l'etalage  et  dans  les  grands  magasins  (1986)  e  é  fundador,  com Manouvrier,  dos Archives  d'  Anthropologie  Criminelle.  A  sua  importância  é  assinalável  por  ter  iniciado  as hostilidades  ao  positivismo  lombrosiano,  ao  proclamar,  no  1.º  Congresso  de  Antropologia Criminal, em 1885, que «cada sociedade tem os criminosos que merece» e ao apontar como causa do crime o meio social. 

5. Gabriel Tarde  (1843‐1904)  foi magistrado, dirigiu os Service de  la Statistique Criminelle e publicou um grande número de obras dedicadas ao fenômeno criminal. A sua teoria do crime explicava‐se  pelo  princípio  da  imitação  que  se  explicaria  segundo  três  «leis»:  a  imitação funcionaria  em  razão  direta  da  proximidade  social;  a  imitação  funcionaria  no  sentido  das classes  mais  baixas  para  as  mais  elevadas,  quando  existisse  conflito  entre  dois  modelos contrários  de  comportamento,  um  poderia  substituir  outro. Durkheim  refere‐se  à  teoria  da imitação  a  propósito  do  suicídio,  revelando  o  seu  desprezo  por  esta  teoria  quando  diz  que «uma coisa é sentir em comum, outra coisa inclinar‐mo‐nos perante a autoridade da opinião e outra coisa ainda repetir automaticamente o que outros fizeram». Embora constitua uma via de recurso para alguma da investigação no domínio da teoria da aprendizagem em psicologia social, poderá dizer‐se que a teoria da imitação pouco representa hoje para a criminologia (Cf. LÉVY‐BRUHL, Henri, «Problemas da Sociologia Criminal»,  in Georges Gurvitch  (org.), Tratado de Sociologia, Porto:  iniciativas editoriais, 1964, pp. 290‐291; DIAS, Figueiredo, e ANDRADRE, Costa,  Criminologia:  o Homem Delinquente  e a  Sociedade  Criminológica,  Coimbra:  Coimbra Editora, 1992, pp. 20‐25. MANNHEIM, Hermann, Criminologia Comparada, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 698, Vol. II). 

6. Durkheim (1858‐1917) destaca‐se na sociologia criminal pela sua definição do crime como um  fato  social  e  pela  tese  da  normalidade  e  funcionalidade  do  crime.  A  importância paradigmática de Durkheim deve‐se ainda ao fato de o seu pensamento representar uma das vertentes das modernas teorias sócio criminológicas, o modelo de consenso, que se opõem à fundamentação marxista, o modelo de conflito. 

7. O fato de a sociologia criminal aparecer apenas no século XIX não significa que só a partir desta altura tenha  iniciado a preocupação e a reflexão criminal, significa tão só que é nesta altura que a reflexão criminal atinge um elevado nível de sistematização e rigor na explicação do  crime, mediante a elaboração de  complexos  estudos apoiados na  consideração do meio social  onde  se  desenvolve  o  crime  e  numa  metodologia  suficientemente  idônea  para  a abordagem  credível  deste  fenômeno.  Assim,  poderemos  encontrar  vestígios  dessa preocupação e  reflexão em Platão  (As Leis) que viu o crime como uma doença cujas causas derivavam  das  paixões,  da  procura  de  prazer  e  da  ignorância.  Aristóteles,  por  seu  turno, considerou  que  a  causa  do  crime  tinha  origem  na  miséria  (Tratado  da  Política)  e  que  o criminoso era um «inimigo» da sociedade que deveria ser castigado  (Ética a Nicômaco). São Tomas de Aquino, na sequência de Aristóteles, também atribuirá a origem do crime à miséria. Mas, o primeiro autor a dar‐se conta das causas sociais do crime  foi Thomas Morum  (1478‐1535) na sua obra Utopia. Porém, apenas no século XVIII, com o movimento iluminista, nasceu uma  forte  reacção  à  arbitrariedade  com  que  se  determinava  a  medida  das  penas  e  à desigualdade com que concretamente se aplicavam.  

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8.  A  escola  clássica  caracteriza‐se  por  ter  projetada  na  doutrina  do  crime  os  ideais  do movimento  iluminista,  donde  se  destacam,  por  terem  tomado  posição  nesta  luta, Montesquieu, Hobbes, Voltaire, Rousseau, Diderot, d'Holbach. Mas os autores que de modo mais  direto  participaram  no  debate  do  problema  criminal  foram  Beccaria,  Feuerbach, Benthan, Blackstone, Carranara, etc. O mais representativo de todos estes autores geralmente apontado é o italiano Cesare Beccaria que expõe o principal do seu pensamento em Dei delitti e delle pene  (1764), onde defendia uma construção do  tipo  legal de crime em condições de oferecer  o  mínimo  de  segurança  ao  homem  no  exercício  da  sua  liberdade  social  face  às autoridades públicas que manuseavam o respectivo processo sem sujeição a qualquer tipo de regras, aplicando as respectivas penas de forma «arbitrária». Menos feliz parece ter sido a sua explicação hedonista do crime, quando defende que a prática do crime estaria associada ao prazer, de modo que a pena deveria estabelecer‐se por  forma a anular as compensações da sua prática. Pelo que a pena teria como finalidade diminuir a ocorrência do crime de modo a assegurar  a  continuidade  da  sociedade  civil  livremente  constituída. Neste  sentido,  a  teoria clássica surge como uma teoria de controlo social, partindo da idéia de que a sociedade para existir celebrou livremente um contrato social, através do qual estabeleceu o regime de tutela dos bens essenciais (o «bem‐estar pessoal» e a «propriedade privada») à convivência pacífica do homem. Os homens, «iguais perante a lei», deveriam por isso determinar racionalmente a sua  liberdade  em  conformidade  com  aquele  contrato. Mas  todo  o  homem,  com  base  em motivações de ordem irracional, aparecia como um potencial violador do contrato, razão pela qual estava sujeito às consequências de um estatuto penal, cujas penas, que visavam dissuadi‐lo preventivamente dessa conduta, deveriam  ser «exatas» na  sua correspondência ao crime cometido.  Só que a  teoria  clássica ao estabelecer que os homens eram  formalmente  iguais perante  a  lei,  apresenta,  por  um  lado,  uma  contradição  básica  na  sua  formulação  quando «não presta atenção ao fato de a carência de bens poder ser motivo para que o homem tenha uma maior  probabilidade  para  cometer  crimes»,  tornou‐se,  por  outro  lado,  numa  técnica duplamente perversa, ora porque em certos casos se revelava excessiva, ora porque noutros se revelava  insuficiente.  Os  neo‐clássicos,  como  Rossi,  Garaud  e  Joly,  para  superarem  tais dificuldades,  introduziram  algumas  reformas  tendentes  a  ultrapassar  as  contradições  dos princípios clássicos «puros» que colocavam algumas dificuldades na determinação prática da medida da pena. 

Com  esta  revisão,  os  neoclássicos  tiveram  de  tal  modo  em  conta  as  «circunstâncias atenuantes»,  os  «antecedentes  criminais»  e  a  «inimputabilidade»  do  delinquente,  ou  seja, «pegaram no homem racional solitário da criminologia clássica e deram‐lhe um passado e um futuro» (Cf. TAYLOR, I., WALTON, P. E YOUNG, J., La Nueva Criminologia: Contribuicion a una Teoria Social de La Conduta Desviada, Amorrortu Editores, Buenos Aires, 1990, p. 22). 

9. O positivismo científico, na área da criminologia, surgiu, no Século XIX, com a inauguração da  escola  positiva  italiana  em  1876,  com  a  publicação  de  L  'Umo  Delinquente,  de  Cesare Lombroso,  que  reage  contra  os  fracassos  da  escola  clássica  no  tratamento  do  problema criminal.  Efectivamente,  a  escola  clássica,  representada  por  Beccaria,  centrara  a  sua preocupação no  sistema penal estabelecido de modo arbitrário; contudo a criminalidade ao invés  de  reduzir  aumentara  e  diversificara‐se  sem  que  a  teoria  clássica  oferecesse  uma explicação satisfatória. A escola positiva surge assim, num ambiente de crise, como alternativa da  explicação  das  causas  do  crime,  deslocando  a  investigação  criminal  para  o  próprio delinquente  e  propondo‐se  tratar  o  crime  com  base nos métodos  e  instrumentos  utilizados 

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pelas ciências ditas «objetivas». Como características  fundamentais desta escola  realça‐se o postulado  determinista  do  comportamento  e  a  rejeição  do  livre  arbítrio  de  raiz metafísica. Entre  os  fundadores  da  escola  positiva  destacam‐se  não  só  Lombroso,  que  se  detém  na questão antropológica, mas também dois dos seus discípulos: Enrico Ferri, que realçou na sua investigação  sobre  o  crime  os  elementos  sociológicos,  e  Raffaele  Garófalo,  que  põem  em destaque para a explicação do crime o elemento psicológico. A  formulação da antropologia criminal de  Lombroso  contou  com  alguns  trabalhos precursores que  tentaram  encontrar as causas do  crime nos estigmas  individuais do delinquente,  caso das  teorias  fisiológicos  (J. K. Lavater, Fragmentos Fisionómicos, 1775), que pretendiam diferenciar o criminoso pelos seus traços fisionómicos, das teorias frenológicas (F. Gall, Sur les fonctions du cerveau, 1791‐ 1825, H. Lauvergue, Les forçat considérés sous le rapport physique, moral ET intellectuel, observés au Bagne de Toulouse, 1848, e C, Caldwell, Elements of Phrenology, 1829), que procurou os sinais identificadores  do  delinquente  no  formato  craniano,  entre  outros. Mas,  foi  com  base  em Darwin  (The  origin  of  species,  1859,  e  Descent  of  man,  1871)  que  formulou  urna  teoria baseada  na  natureza  atávica  de  todos  os  delinquentes —  o  criminoso  seria  reconhecível através  de  certos  estigmas  físicos  («dentição  anormal»,  «assimetria  do  rosto»,  «orelhas grandes», «defeitos dos olhos», «características  sexuais  invertidas», etc.) correspondentes a um  homem  menos  civilizado  que  os  seus  contemporâneos  —,  o  que  confirmaria estatisticamente.  No  entanto,  perante  as  críticas  que  lhe  foram  dirigidas,  Lombroso  seria forçado a moderar a extensão da sua teoria, porém não ao ponto de corrigir alguns defeitos que  serão  definitivos  para  a  sua  descredibilização,  nomeadamente  defeitos  técnicos, relacionados com a utilização de técnicas estatísticas inadequadas (Cf. C. Goring, The english convict,  1913),  uma  errada  consideração  dos  estigmas  físicos,  que  geralmente  são  uma consequência directa do meio social, uma infundada teoria genética, já que está excluída pela moderna teoria genética a regressão evolutiva até espécies anteriores. O pensamento de Ferri — considerado por alguns autores como o fundador da sociologia criminal —, no domínio da criminologia,  foi  exposto  na  sua  obra Nuovi  horizonti  del  diritto  e  della  procedura  penalle (1851) que  serviu de base à  sua obra principal Sociologia  criminale  (1892).  Segundo ele, as causas do crime seriam não só de carácter antropológico e físicas, mas também sociais. Será neste autor que Durkheim  irá encontrar uma grande parte da sua  inspiração no  tratamento social  do  crime,  porém  enquanto  Ferri  utiliza  um método  predominantemente  empírico,  a análise de Durkheim «faz‐se em profundidade e não se satisfaz com a mera descrição» (Lévv‐Bruhl, Op. Cit., p. 291). Por seu turno, Garófalo conta com uma extensa bibliografia dedicada ao tema da criminologia, de onde se destacam Criminologia (1885), Ripparazione alle vittime dei delitto (1887) e La superstition socialiste (1895). A sua obra está marcada pela tentativa de definição  de  um  conceito  sociológico  de  crime,  concebido  como  violação  dos  sentimentos básicos da colectividade, a que se reconduzia a sua explicação psicológica do crime. As críticas ao positivismo não se fizeram esperar. 

Tanto a  sociologia  criminal  (Lacassagne, Tarde  e Durkheim)  como da antropologia  criminal (Baer  e  Goring)  criticaram  o  determinismo  lombrosiano  determinado  pelassuas  teses antropológico‐causais. Mas, o certo é que de certa maneira permanece o perigo das ideologias de  tratamento  que marcam  uma  vasta  influência  na  política  criminal,  sustentando‐se,  ao contrário do que defendia a escola clássica, não uma redução mas uma ampliação da reacção social ao crime, posição que  leva Garófalo a admitir a hipótese de  irradiação do delinquente quando fosse «incapaz para a vida social» (Cf. DIAS, Figueiredo, e ANDRADRE. Costa, Op. Cit, pp. 18‐ 

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10. DURKHEIM, Émile, As Regras do Método Sociológico,  Lisboa: Editorial Presença, 6.ª Ed., 1995, Prefácio à segunda edição original, p. 23. 

11. Idem, p. 30. 

12. ARON, Raymond, As Etapas do Pensamento Sociológico, Lisboa: D. Quixote, 1994, p. 323. 

13. A atualidade da obra O Suicídio de Durkheim deve‐se em grande medida ao fato de estar na base da investigação de uma serie de condutas que se inserem no quadro dos desvios e que continuam a preocupar o mundo moderno. Isso não quer dizer que não haja nela um conjunto de aspectos cuja validade é hoje contestável, desde logo a validade das estatísticas (no caso, oficiais),  a  ambiguidade  do  conceito  de  anomia  (Cf.  Teoria  da  Anomia  de  Merton),  as dificuldades de distinção do suicídio egoísta do anómico (Cf. DURKHEIM, Émile.  

O Suicídio: Estudo Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 1996, p.286), etc. É ainda, por  isso, uma obra de referência para a  investigação social nos diversos domínios, nomeadamente na área  da  criminologia  social  ou  sociologia  criminal.  Por  isso,  merece  especial  apreço  a compreensão  dos  princípios  e  conceitos  em  que  se  estrutura  toda  a  obra.  Desde  logo, Durkheim entende por suicídio «todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria  vítima, acto que a própria  vítima  sabia dever produzir este resultado»  (Idem, p. 10)  (V. ARON, Raymond, Op. Cit., 1994, p. 325), ou, em síntese, o «ato de um homem que prefere a morte a vida» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 275). 

14. DURKHEIM, Op. Cit.., p. 200. 

15. DURKHEIM, Op. Cit., p. 207. 

16.  A  esta  tipologia  Durkheim  acrescentou  ainda  os  suicídios  fatalistas  que  se  opõem  aos suicídios anómicos: o suicídio fatalista, de modo inverso, é «aquele que resulta de um excesso de regulamentação» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 273, n.29). 

17. ARON, Op. Cit., p. 329. 

18. CUSSON, Maurice, «Desvio», in Rayrnoud BOUDON, Tratado de Sociologia, Porto: Edições Asa, 1995, p. 391. 

19.  Um  facto  social,  segundo  Durkheim,  «é  normal  para  um  tipo  social  determinado, considerado numa fase determinada do seu desenvolvimento, quando se produz na média das sociedades dessa espécie, considerada na fase correspondente da sua evolução», DURKHEIM, Émile, As regras do Método Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 6.ª Ed., 1995, p. 84. 

20. DURKHEIM, Émile, Op. Cit.., p. 87. 

21. DURKHEIM Émile Op. Cit.., p. 86. 

22. DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 86, nota 10. 

23. DURKHEIM Émile, Op. Cit., p. 90. 

24. LÉVY‐BRUHL, Henri, Op. Cit., p. 292. 

25. TAYLOR, I., WALTON, P e YOUNG, I., Op. Cit., p. 298. 

 

TEORIA DA ANOMIA 

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A  palavra  é  de  origem  grega,  a  +  nomos,  donde  a  significa  ausência,  falta,  privação, inexistência; e nomos quer dizer lei, norma; anomia significa, portanto falta de lei ou ausência de normas de conduta. 

Este  termo  foi  cunhado  pela  primeira  vez  por  Émile  Durkheim  em  seu  livroO  Suicídio. Durkheim emprega este  termo para mostrar que algo na  sociedade não  funciona de  forma harmônica. Algo desse  corpo está  funcionando de  forma patológica ou  "anomicamente." O conjunto de normas comuns que constitui o principal mecanismo para regulação das relações entre os componentes de um sistema social se desmorona. Durkheim qualificou “tal situação de  anomia,  no  sentido  de  ausência  de  normas”  Em  seu  famoso  estudo  sobre  o  suicídio, Durkheim mostra  que  os  fatores  sociais  ‐  especialmente  da  sociedade moderna  ‐  exercem profunda influência sobre a vida dos indivíduos com comportamento suicida.  

Emile Durkheim conceituou anomia voltado para seu trabalho sobre a "Divisão do trabalho social" que a anomia como um fato social e patológico que merece análise. Quanto mais a sociedade avançava e os  indivíduos que nela vivem se especializavam em suas profissões, esqueciam assim, do trabalho como um todo, perdendo a noção de conjunto, voltando‐se cada vez mais para sua especialização que pode ser considerada "a arte de saber cada vez mais de cada vez menos", em virtude desse isolamento, as normas sociais podem deixar de existir, pois as pessoas quando perderiam a noção de conjunto de sociedade, voltando‐se cada vez mais para si próprias esquecendo‐se da solidariedade que a sociedade necessita. 

Em seu estudo sobre o suicídio e ao indicar diversos tipos, Durkheim da a um deles o nome de  "suicídio  anômico",  apresentando  dois  quadros  diferentes  e  aparentemente contraditórios.  O  estudo  indicou  um  aumento  no  número  de  suicídios  nas  épocas  de depressão econômica e nos períodos de prosperidade, em crescimento da economia. No primeiro  quadro  de  aumento  do  número  de  suicídios  nos  períodos  de  depressão econômica,  ocorre  por  que  os  indivíduos  ao  não  conseguirem  atingir  os  níveis  de  vida considerados  pela  sociedade,  tal  fracasso  para  muitos  significa  vergonha,  desespero, futilidade do sentido da vida, que parece não valer apena ser vivida. Já no segundo quadro, podemos notar que Durkheim quis mostrar que, os homens  têm desejos  ilimitados, não existindo  um  limite  as  pretensões  humanas,  de modo  que  quando  atinjam  todos  seus objetivos, ou percebam que podem conseguir o que quiserem, todas as pretensões passam a  valer  pouco,  criando  assim  uma  espécie  de  desencanto,  conduzindo  a  um comportamento de autodestruição, ao notarem que podem tudo, considerando as normas de  comportamento  social,  inúteis  e  conseqüentemente  abandonam  as  normas  de comportamentos socialmente prescritas, figurando o suicídio em casos extremos. 

Em consequência para segurança da sociedade além de ter que manter um progresso na busca dos objetivos, de como serão alcançados, ainda assim ela tem que manter bem claro quais são esses objetivos. 

ANOMIA E DIREITO 

O direito intervém precisamente porque há comportamento de desvio no meio social, sendo o direito a resposta social a conduta anômica, independente da posição teórica que o observador tome, o direito é sempre entendido como norma social obrigatória. Kelsen  reconhece  que  o  direito  é  também  uma  ordem  de  coação  exterior  que  se converte numa especifica técnica social, deixando que o direito funcione precisamente porque existe o comportamento contrário a ele e que o direito não pode ser infringido 

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ou violado pelos comportamentos antijurídicos, acentuando que ele desempenha sua função graças à antijuridicidade. 

De  modo  geral,  o  direito  oferece  respostas  à  conduta  de  desvio  observada  na sociedade, e o faz em diversos planos de complexidade e com o recurso a diferentes razões práticas, inclusive buscando meios para sua realização. Não interessando muito o mundo das  idéias e opiniões que não se revelam em comportamentos sociais, pois no mundo  das  idéias  e  opiniões  não  exteriorizadas,  não  transformadas  em  ação  é inevitável encontrar comportamento de desvio.  

Vejamos as principais definições de anomia a partir de Durkheim: 

ROBERT BIERSTEDT (Sociólogo e Constitucionalista norte‐americano) 

Segundo Bierstedt o termo tem sido empregado com três significados diferentes: 

 1 – desorganização social do tipo que resulta em um indivíduo desorientado ou fora da lei, com reduzida vinculação à rigidez da estrutura social ou à natureza de suas normas; 

 2 – conflito de normas, o que resulta em situações sociais que acarretam para o indivíduo dificuldades em seus esforços para se conformar às exigências contraditórias;  

3 – ausência de norma, ou seja, situação social que, em seus casos limítrofes, não contém normas; é, em  conseqüência, o  contrário de  sociedade,  como anarquia é o  contrário de governo. 

 E, resumindo, na anomia está presente a idéia de falta ou do abandono das normas sociais de comportamento,  indicando desvio de comportamento, que pode ocorrer por ausência de  lei,  conflito de normas, ou  ainda desorganização pessoal. Causas do  comportamento anômico Em qualquer  sociedade do mundo vamos encontrar comportamento de desvio; muitos  sociólogos  têm  se  empenhado  para  encontrar  as  causas  do  comportamento anômico;  por  causa  entendemos  aquilo  que  determina  a  existência  de  uma  coisa:  a circunstância  sem  a  qual  o  comportamento  não  existe.  É,  pois,  o  agente  causador  do fenômeno  social,  sua  origem,  princípio, motivo  ou  razão  de  ser.  Eliminada  a  causa,  o fenômeno haverá de desaparecer. Já o fator, embora não de causa ao fenômeno, concorre para  sua maior  ou menor  incidência.  O  estudo  da  anomia  se  preocupa  com  as  causas porque de nada adianta combater os fatores sem eliminar as causas.  

dos  vários  desenvolvimentos  que  conheceu,  em Merton,  Cloward, Ohlin,  Parsons, Dubin  e Opp,  remonta  aos  estudos  desenvolvidos  por Durkheim,  particularmente  em  A Divisão  do Trabalho Social e em O Suicídio. O fato de o homem não viver num ambiente de eleição, mas sujeito a uma ordem «imposta», permite a Durkheim formular a sua concepção da anomia e estabelecer as condições da produção do crime. 

A  Divisão  do  Trabalho  Social,  cujo  tema  central  incide  sobre  a  relação  do  indivíduo  e  a coletividade, está dominada pela idéia de que a divisão do trabalho é portadora de uma nova forma  de  coesão  social,  a  solidariedade  orgânica.  Nas  solidariedades  mecânicas, características das sociedades ditas «primitivas», a consciência coletiva cobre a maior parte das  consciências  individuais,  pelo  que  se  poderá  dizer  que  o  indivíduo  está  estreitamente integrado  no  tecido  social.  No  caso  das  sociedades  orgânicas,  dominadas  pela  divisão  do trabalho,  a  consciência  coletiva  apresenta  uma menor  extensão  face  ao  indivíduo  que  se determina com uma maior autonomia. Porém, compreender a solidariedade orgânica como 

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correspondente  a  uma  sociedade  contratualista — marcada  pela  atomização  do  indivíduo cujos  contratos  se  efetivariam  num  dado  contexto  interindividual —  sem  uma  consciência coletiva  mínima,  não  só  constituiria  uma  paradoxal  sociedade  sem  sociedade  como «implicaria a desintegração social»12. 

O normal será que a sociedade desenvolva os seus mecanismos de solidariedade, ainda que estejamos  perante  uma  sociedade  acente  na  diferenciação  social  e  marcada  pela especialização  das  funções.  Isso  não  significa  que  não  existam,  no  âmbito  do  processo  de desenvolvimento da solidariedade social, algumas patologias na divisão do trabalho, como é o caso da divisão forçada e da divisão anômica do trabalho. Assim, se não existir uma adequada interação  de  funções  e  um  eficaz  sistema  normativo  capaz  de  regular  essa  interação, estaremos perante uma anomia na divisão do trabalho. 

A  teoria da anomia aparece  também desenvolvida em O Suicídio13 que  se  revela, além do mais,  como  a primeira etapa da  teoria do  controlo  social. O  estudo do  suicídio, que  é um fenómeno  especificamente  individual,  apesar  de  só  em  aparência,  permitirá  a  Durkheim demonstrar as fortes relações entre o indivíduo e a coletividade. A estrutura da obra assenta no pressuposto da existência de três tipos de suicídios: o suicídio egoísta, «que resulta de uma individualização  excessiva»14  e  cujo  grau  de  integração  do  indivíduo  na  sociedade  não  se apresenta  suficientemente  forte;  o  suicídio  altruísta,  que  ao  contrário  resulta  de  uma «individualização insuficiente»15; e o suicídio anômico, que se relaciona com uma situação de desregramento,  típica  dos  períodos  de  crise,  que  impede  o  indivíduo  de  encontrar  uma solução bem definida para os seus problemas, situação que favorece um sucessivo acumular de fracassos e decepções propícias ao suicídio16. Pela observação de estatísticas oficiais, este autor  observou  que  o  suicídio  era mais  frequente  nas  comunidades  protestantes  que  nas comunidades católicas, fenômeno que explicou através da noção de  integração religiosa. No mesmo sentido, Durkheim verificou que o suicídio ocorria menos entre os indivíduos casados que  entre  os  celibatários,  viúvos  e  divorciados,  situação  que,  segundo  ele,  se  explicaria através da noção de  integração familiar. Neste trabalho, notou ainda que a taxa de suicídios diminuía  em  períodos  de  grandes  acontecimentos  políticos,  em  que  aumentava  a  coesão sócio‐política em  torno da  idéia de nacionalidade. A partir destas observações, o  sociólogo francês pôde assim concluir que o suicídio variava na razão  inversa do grau de integração da sociedade religiosa, familiar e política. 

O  suicídio  altruísta  apresenta‐se  como  a  situação  oposta  ao  suicídio  egoísta. Um  exemplo deste  tipo de  suicídio é o existente entre os esquimós, em que um velho que  se  torne um fardo para a coletividade se deixa morrer ao frio; um outro, que ocorre na índia, é o suicídio da mulher ou dos servidores de um defunto, os quais se deixam imolar no dia do seu funeral. Em qualquer dos casos, o indivíduo determina a sua morte por força de «um imperativo social interiorizado, obedecendo ao que o grupo ordena ao ponto de asfixiar dentro de si próprio o instinto de conservação»17. 

O  terceiro  tipo  de  suicídio,  o  suicídio  anômico,  é  estudado  através  do  relacionamento  do suicídio com os movimentos econômicos. A análise das estatísticas  revelou que os suicídios aumentavam  tanto  em  períodos  de  recessão  como  de  crescimento  econômico.  O  que  se observa desses resultados é que «se a influência reguladora da sociedade deixa de se exercer, o  indivíduo  deixa  de  ser  capaz  de  encontrar  em  si  próprio  razões  para  se  auto‐impor limites»18.  Numa  época  de  rápidas  transformações  econômicas  a  ação  reguladora  da sociedade  não  pode  ser  exercida  de modo  eficaz  e  por  forma  a  garantir  ao  indivíduo  um 

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conjunto normativo conciliável com as suas aspirações. Ora, esta situação de desregramento, que lança o indivíduo num universo sem referências, caracteriza uma situação de anomia que corresponde, no  fundo, a uma situação de dissociação da  individualidade  face à consciência coletiva. 

As  conclusões  extraídas  do  estudo  do  suicídio  permitem,  como  se  referiu,  enquadrar  a construção  durkheimiana  nas  teorias  do  controle  social.  Com  efeito,  um  dos  postulados definidos ao longo da sua obra foi o da necessária integração 

social  do  indivíduo  que  revela  uma maior  tendência  para  a  prática  de  certas  «patologias» sociais, como o suicídio e o crime, quando desinserido do grupo social a que pertence. O fato de se verificar que as instituições tradicionais de coesão social (a família, a religião, etc.) não constituírem  um  fator  de  agregação  eficaz  das  sociedades  modernas,  leva  Durkheim  a defender que o único grupo social capaz de  favorecer a  integração social é a profissão ou a empresa. Ora, se uma integração social do indivíduo poderá diminuir a sua tendência para se conformar com os  imperativos sociais,  isso significará de certa maneira que a sociedade terá de  encarar  uma  grande  parte  das  condutas  suicidas  e  criminógenas  como  perfeitamente normais numa sociedade caracteristicamente dinâmica. 

A Tese da Normalidade 

A  definição  dos  fatos  sociais  normais19  permitiu  a  Durkheim  importantes  considerações acerca da natureza normal ou patológica do crime, como resulta do seu estudo em As Regras do Método Sociológico. 

O crime, definido como um «ato que ofende certos sentimentos coletivos»20, apesar da sua natureza  aparentemente  patológica,  não  deixa  de  ser  considerado  como  um  fenômeno normal,  no  entanto,  com  algumas  precauções.  O  que  é  normal  é  que  «exista  uma criminalidade, contanto que atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, um certo nível»21. A  sociedade  constrói‐se,  na  verdade,  em  torno  de  sentimentos  mais  ou  menos  fortes, sentimentos cuja dignidade parece tanto mais inquestionável quanto mais forem respeitados. No entanto isso não quer dizer que todos os membros da coletividade partilhem dos mesmos sentimentos com a mesma intensidade. De fato, alguns indivíduos tenderão a interiorizar mais esses sentimentos que outros, o que explica que possam existir condutas que, pelo seu grau de desvio, venham a apresentar‐se como criminosas. 

Isso explicará naturalmente a natureza do crime como um  facto de  sociologia normal. Essa constatação não impede contudo que se considerem algumas condutas como particularmente anormais, o que será perfeitamente admissível,  segundo Durkheim,  tendo em consideração alguns factores de ordem biológica e psicológica na constituição da pessoa do delinquente22. 

Para além disso, o crime deverá ser  reconhecido não como um «mal» mas pela sua  função utilitária  enquanto  um  indicador  da  sanidade  do  sistema  de  valores  que  constitui  a consciência coletiva. Nesse sentido, o crime será mesmo um elemento promotor da mudança e da evolução da sociedade. É a este propósito que Durkheim refere peculiarmente que, face aos  sentimentos  atenienses,  a  condenação  de  Sócrates  «nada  tinha  de  injusto»23. Efetivamente,  será  esta  dimensão  do  crime  que  explica  que  a mesma  conduta  poderá  ser censurada  por  uma  determinada  sociedade  num  determinado momento  da  sua  evolução cultural  como  poderá  nada  ter  de  censurável  na mesma  sociedade  num  outro  e  diferente momento da  sua evolução cultural.  Isso permitir‐nos‐à compreender que um ato criminoso 

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transpõe, de modo negativo, uma construção valorativa, de tal modo que poderá dizer‐se que «não há ato algum que seja, em si mesmo, um crime. 

Por mais graves que sejam os danos que ele possa causar, o seu autor só será considerado criminoso se a opinião comum da respectiva sociedade o considerar como tal»24. 

 

A ESCOLA DE CHICAGO 

Estuda a  influência da cidade  (especialmente a Chicago, uma das maiores cidades do mundo  no  início  do  Século),  no  comportamento  social.  Destaca‐se,  nesse  ponto,  o predomínio de sobre os sociólogos daquela universidade.  

O  crescimento acelerado de algumas  cidades americanas, nos  finais do Século XIX e início do Século XX,  contribuiu para dificultar a vida da população (particularmente os migrantes e  imigrantes), em especial no que tange à moradia. É aqui que surge uma espécie  de  cortiço,  chamado  tenement  house,  com  condições  absolutamente insalubres  ‐ o qual virá a originar os guetos. Face à vigorosa discriminação por parte dos americanos natos, em função da acirrada competição por empregos e moradia, os guetos acabaram por se tornar os  locais predominantes de residência dos  imigrantes, locais de proteção e dignidade dessas famílias vindas de fora.  

A  gangue  é  outro  fenômeno  explicado  pela  cidade  grande,  especialmente  entre  os jovens das áreas e classes menos  favorecidas. Ela se configurou em ponto de estudo dos sociólogos de Chicago, destacando‐se, dentre eles, Frederic Trasher, e  Simmel. 

Segundo  Freitas,  é  nesse  contexto  de  emergência  de  novos  fenômenos  sociais  que surge uma modificação nas formas tradicionais de controle social. A igreja, a escola e a família  desvanecem,  cedendo  espaço  para  um  controle  público,  no  qual  é imprescindível  o  papel  exercido  pela  lei.  Emergem,  então,  outras  instituições  de controle,  como  a  escola  pública  (instrumento  de  reprodução  da  ordem  social)  e  a polícia (instrumento de repressão dos que desafiarem essa ordem).  

Em  seu  segundo momento,  a  obra  de  Freitas,  passa  a  tratar,  especificamente,  da cidade de Chicago  ‐ a qual, segundo o autor, foi uma das três cidades americanas (as outras  são Nova  Iorque  e  Filadélfia)  que mais  sofreram  o  processo  de  urbanização acelerada. Chicago  foi a que  recebeu o maior número de  imigrantes,  tanto externos como  internos  (cujo maior  grupo era  formado por negros  vindos do  Sul).  Em  1890, Chicago passou a ser a segunda mais populosa cidade dos Estados Unidos, avultando‐se  a  sua  importância  econômica  graças  ao  seu  vasto  centro  industrial  e  comercial. Paralelo a essa expansão ocorreu o crescimento da criminalidade, que foi atacada por uma  política  de  repressão  policial,  cujo  resultado  apontou  altos  índices  de encarceramento.  

A  terceira  parte  da  obra  enfoca  a  emergência  da  Escola  de  Chicago,  dentro  da Universidade de mesmo nome, demonstrando como ocorreu o seu surgimento e quais são as suas principais  teorias. Segundo o autor, a Universidade de Chicago  foi criada em  meio  ao  contexto  de  crescimento  urbano,  com  o  intuito  de  fazer  frente  às universidades do  leste americano. É a primeira universidade dos EUA que detém um Departamento  de  Sociologia  (1892),  nascedouro  da  Escola  de  Chicago,  cuja  história 

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abarca  duas  fases:  a  primeira  (1915  a  1940),  objeto  deste  estudo,  e  a  segunda, posterior à Segunda Guerra Mundial (1945 a 1960).  

Freitas afirma que a Escola de Chicago recebeu  influência de duas correntes teóricas importantes: o formalismo e o pragmatismo. A fusão dessas duas é a responsável pela realização de estudos  focados em cenas  sociais observáveis. Segundo ele, a  idéia da intervenção social e da reforma permeou a ação dos filósofos e sociólogos de Chicago.  

Relembra as três vertentes principais das obras daqueles sociólogos:  

1)  o  trabalho  de  campo  e  o  estudo  empírico;  2)  o  estudo  da  cidade,  a  envolver problemas  relativos  a  imigração,  delinquência,  crime  e  problemas  sociais;  e  3)  uma forma  característica  de  psicologia  social,  oriunda,  principalmente,  do  trabalho  de George Herbert Mead e que veio a ser denominada interacionismo simbólico (Freitas, 2002, p. 52).  

A Escola de Chicago  tornou‐se  respeitada entre os anos 1920 e 1930, especialmente em função dos trabalhos que estabeleceram relação entre a organização do espaço e a criminalidade.  A  partir  daí,  o  crime  passou  a  ser  entendido  como  produto  da urbanização,  configurando‐se  em  um  novo  enfoque  teórico  de  análise. O  nome  da Escola  de  Chicago  também  se  alastrou  por  preconizar  o  método  da  observação participante e o conceito de Ecologia Humana.  

Seus sociólogos desenvolveram um projeto, intitulado "Projeto Área de Chicago", com o intuito de criar vínculos entre os jovens e a promoção do bem‐estar, como forma de reduzir  a  criminalidade,  por  considerarem  que  esta  se  originava  na  desorganização social das áreas pobres. A preocupação de compreender a cidade (inclusive para atuar sobre seus problemas sociais)  foi o que  levou a Escola de Chicago a gerar a  idéia da cidade como laboratório social.  

Robert  Park,  um  dos  criadores  da  Teoria  da  Ecologia  Humana  e  do  método  de observação participante, foi um dos principais teóricos da Primeira Escola de Chicago. No seu artigo The city: suggestions for the investigation for the human environment, Park sustentava que os mesmos métodos adotados pelos antropólogos poderiam ser empregados na  investigação do homem civilizado, e entende o crime como algo não determinado pelas pessoas, mas sim, pelo grupo a que pertencem. Park propõe uma analogia entre a organização da vida vegetal e a da vida humana em sociedade. Assim, parece‐lhe que o comportamento humano seria modelado e limitado pelas condições sociais presentes nos meios físico e social. Em sua ótica, a teoria de Park propõe que as pessoas sejam vistas como conformistas, uma vez que agem de acordo com os valores e normas do grupo.  

A teoria da Ecologia Humana fundamenta‐se em dois conceitos de ciência natural: 1) simbiose,  e  2)  invasão,  dominação  e  sucessão,  baseando‐se  na  perspectiva  de  vida coletiva como um processo adaptativo consistente da interação entre meio‐ambiente, população e organização. Ao estudar a criminalidade, essa teoria privilegia os aspectos sociológicos em relação aos  individuais. O crime é, assim, considerado um  fenômeno ambiental, compreendendo aspectos físicos, sociais e culturais. Contudo, não obstante a  idéia  da  diversidade  dos  grupos  sociais,  os  ecologistas  seguiam  a  perspectiva 

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funcionalista  da  sociedade  consensual,  na  qual  o  Estado  estaria  encarregado  de oferecer a proteção para o bem comum.  

Somente  no  final  da  Segunda  Escola  de  Chicago,  a  noção  de  conflito  vai  ter  o  seu espaço  ampliado,  juntamente  com  uma  crítica  às  instituições  dominantes,  as  quais darão origem a uma criminologia marxista, denominada "criminologia radical".  

Uma    importante  contribuição  da  Primeira  Escola  de  Chicago  é  a  Teoria  das  Zonas Concêntricas,  de  Ernest  Burgess,  que  explora  os  três  últimos  conceitos  da  ciência natural  adaptados  por  Park.  Essa  teoria,  divulgada  no  artigo  The  Growth  of  the City(1925),  baseia‐se  na  divisão  de  Chicago  em  cinco  zonas  concêntricas,  que  se expandem  a  partir  do  centro,  todas  detendo  características  próprias  e  constante mobilidade,  avançando  no  território  das  outras  por meio  de  processos  de  invasão, dominação e sucessão.  

Por  ser a área que apresentava os maiores  índices de  criminalidade, Park e Burgess tomaram a Zona  II como  foco principal de análise. Freitas, nesse ponto, destaca que esses  autores  explicaram  tal  fenômeno  por  meio  do  processo  de  desorganização social, afirmando que, dele, decorria a concentração de crime e delinqüência na Zona de Transição. Em 1929, Clifford Shaw (um dos sociólogos de Chicago) empreendeu um teste da hipótese de Park e Burgess. Sua conclusão apontava que quanto mais próxima fosse  a  localização  da  zona  em  relação  ao  centro  da  cidade, maior  a  sua  taxa  de criminalidade. Além disso, constatou que as  taxas mais altas  indicavam os  locais nos quais havia maior deterioração do espaço físico e população em declínio; e, por último, que,  mesmo  com  as  modificações  da  Zona  II,  as  taxas  de  crimes  permaneciam elevadas.  

Como  reconheciam a existência de um determinismo ambiental, os ecologistas viam nas  infrações penais, uma  imposição do meio  físico e social. Dessa forma, somente a intervenção  ‐  via  políticas  públicas  preventivas  ‐  poderia  diminuir  a  criminalidade, mediante o aumento do controle social nas áreas pobres. É nesse contexto que Park criou  a  idéia  do  playground:  ...  áreas  de  lazer, mas  que  estariam  voltadas  para  a formação de associações permanentes entre as crianças e seriam administradas ou monitoradas por agências que  formam o caráter, como a escola, a  igreja ou outras instituições  locais, o que  seria uma maneira de  se  criar vínculos positivos entre as pessoas a partir da  infância, numa  tentativa de preencher o espaço  formador que antes era ocupado pela família, já que as condições da vida urbana fizeram com que muitos  lares fossem transformados em pouco mais do que meros dormitórios(Park, apud Freitas, 2002, p. 86‐87).  

Conceitos  extraídos  do  livro:  FREITAS, Wagner  Cinelli  de  Paula.  “Espaço  urbano  e criminalidade:  lições  da  Escola  de  Chicago”.  São  Paulo:  IBCCRIM,  2002.  150  p. (Monografias, 22).