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LETRASLIBRAS|118 FUNDAMENTOS ANTROPO- FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

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LETRAS LIBRAS| 118

FUNDAMENTOS ANTROPO- FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

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FUNDAMENTOS ANTROPO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

LUIZ GONZAGA RODRIGUES

Apresentação

Você é convidado(a) agora a ingressar no universo da antropologia filosófica da educação. As

palavras podem parecer distantes, mas quando falamos da antropologia estamos trazendo para a discussão o

ser humano, sua vida e seus modos de ser, pensar e agir em seus contextos vitais. Quando falamos de

antropologia filosófica queremos saber como o ser humano vai construindo seus processos de compreensão

de si e do mundo e em que bases encontra sustentação para se pronunciar sobre seu saber e conhecimento.

Na longa aventura humana sobre a terra temos dado provas de que somos capazes de aprender

durante toda a vida, de crescermos em diferentes níveis e em diferentes profundidades de aprendizagem. As

disponibilidades abertas de nosso cérebro, os domínios da linguagem e da comunicação, as habilidades de

nossas mãos, o andar bípede, nossa longa infância e adolescência, entre outras características, permitiram que

criássemos formas de organização grupal e social complexas, supondo uma aprendizagem continuamente

aberta. São essas disponibilidades humanas e sociais para aprender a ser e a conviver, que nos levam, como

educadores, a indagar pelas visões de mundo que se fizeram hegemônicas e pelos caminhos conflituosos de

recepção e de integração ativa na sociedade de todos os seus membros.

Como você verá, o convite para o Curso inclui um recuo no tempo, para revermos as heranças

filosóficas que prevaleceram com suas concepções de mundo, de ser humano, de sociedade e de natureza,

capazes de orientar modos de pensar e de agir. As incursões pretendem inspirar as buscas de hoje, quando as

tarefas educacionais emergem dos espaços onde nos encontramos, da direção que pretendemos seguir e dos

motivos que orientam nossas decisões.

Interessa!nos, de modo especial, como latino!americanos, como brasileiros, os vínculos entre

educação e política, que demarcam conflitos, e transformam diferenças em grandes desigualdades. No

começo do século XX 75% da população brasileira eram analfabetos. Vamos rejeitar os saberes de coisas da

vida que temos acumulado ao longo dos séculos ou vamos incorporá!los em nossas propostas pedagógicas?

As pedagogias não conformistas se erguem das inquietações em torno dos entendimentos que construímos

acerca dos processos através dos quais são construídas as sociedades, e com elas os conhecimentos e saberes

hegemônicos. Nem por isso vamos desconsiderar as vias inteligentes de aquisição de saberes, muitas vezes

desprezadas.

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Uma filosofia flexionada a serviço da educação e da vida é de se esperar que corresponda a um

pensamento complexo, aberto à inovação e ao diálogo frente aos domínios vários do saber e do

conhecimento. Estar na vida é ter a certeza de poder experimentar crises, superações e busca de alternativas

para pensar um mundo onde todos os seres humanos possam encontrar uma morada digna.

Os objetivos que pretendemos alcançar

Vamos trabalhar a partir de três grandes objetivos. Queremos identificar as heranças filosóficas que

prevaleceram com suas concepções de mundo, de ser humano, de sociedade e de natureza, capazes de

orientar modos de pensar e de agir. Queremos examinar as orientações que dizem respeito aos avanços do

conhecimento, predominantes na civilização ocidental, muitas vezes postos a serviço de poucos. Por fim,

queremos contribuir para a afirmação de uma ação pedagógica voltada para a promoção do ser humano, de

modo a fortalecer as buscas e intervenções a serviço de um convívio social onde todos encontrem um lugar

digno de habitar.

As unidades temáticas

Vamos trabalhar com três unidades temáticas. Na primeira vamos nos deter no universo da

antropologia filosófica grega, procurando identificar seus pressupostos e preocupações. Vamos mostrar como

a filosofia grega vai deixando para trás os domínios da sabedoria de vida, que não oferecem bases seguras

para o conhecimento. Vamos nos deparar especialmente com as contribuições de Sócrates, Platão e

Aristóteles.

Na segunda unidade vamos ver como a filosofia na modernidade desvenda novas necessidades e

horizontes para o pensamento, redimensionando a pergunta sobre a capacidade humana para conhecer.

Veremos alguns aspectos da contribuição de Descartes e Bacon e de Comenius. O último procura desenvolver

uma pedagogia aberta às novas idéias de seu tempo.

Na terceira unidade vamos ver como Rousseau abre caminhos para uma pedagogia da existência,

rompendo com a pedagogia da essência, descortinando novas bases para uma educabilidade aberta ao

universo da criança e à importância da aprendizagem. Vamos ver como a Escola Nova no século XX aprofunda

as idéias apresentadas por Rousseau. Vamos ver também que o século XX vai aos poucos inserindo

efetivamente o Brasil nos problemas políticos e pedagógicos de seu tempo. Encerramos a terceira unidade

fazendo um balanço das heranças educacionais que nos alcançaram durante nossa formação escolar.

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Encaminhamentos e processos de avaliação

O processo avaliativo incluirá alguns exercícios para que você, aluno(a) possa apropriar!se dos

conteúdos e dos problemas levantados pelos textos selecionados. Você fará textos curtos que serão pedidos

ao longo do curso, com os quais você trará sua contribuição a partir das leituras propostas. Nessas atividades

teremos no seu conjunto uma das três notas finais.

A avaliação incluirá um convite para que você tente inventariar a sua experiência discente, desde sua

iniciação escolar. Interessará neste inventário, neste memorial discente, que você avalie o alcance daquilo que

compôs as dimensões fundamentais do seu processo educativo escolar. Você pode destacar aspectos positivos

ou negativos presentes. Por exemplo, inventariar o que ficou de marcante dos seus contatos, do seu

manuseio dos livros didáticos; o que ficou de marcante de sua relação com as bibliotecas das escolas; o que

ficou de marcante dos recursos didáticos utilizados pelos professores até aquilo que hoje chamamos de ensino

fundamental, de ensino médio. Você é convidado a inventariar as opções de avaliação da aprendizagem,

inventariar aspectos marcantes do contexto da época, no qual a(as) escola(as) estava(m) inserida(s).

Com a produção do inventário escolar, resvalando em saudades e vivências, a meta é a de tentar

desvendar, com os olhos de hoje, os fins e objetivos muitas vezes implícitos que eram atingidos, com as

orientações pedagógicas e didáticas dominantes vividas por você, até chegar à universidade. A primeira parte

do trabalho que corresponde ao inventário dos aspectos relevantes de sua aprendizagem escolar equivale a

segunda nota final.

A partir desse inventário discente, você é convidado a fazer uma segunda parte de seu memorial

adotando um conceito de educação. Com esse conceito que pode ser seu ou buscado na literatura

educacional, você é convidado a identificar as direções, as concepções de mundo que orientaram as opções

pedagógicas e didáticas vividas por você como aluno(a) e as que você apontaria como válidas hoje para as

novas gerações que chegam aos espaços escolares. Com a segunda parte crítica do seu memorial

completaremos as três notas.

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UNIDADE I

A FILOSOFIA GREGA ANTIGA: PRESSUPOSTOS E PREOCUPAÇÕES

Atividades introdutórias

Que tal “quebrarmos o gelo”, começando por concentrar nossa atenção na etimologia de algumas

palavras consagradas, que retratam a vida na escola, nossas conhecidas de longa data?

A atividade filosófica desenvolve um cuidado especial com as palavras que utilizamos. Quer saber o

alcance que elas têm para descrever e dar significado para as coisas que se desdobram no mundo onde nos

movemos. As atividades da filosofia da educação também não se descuidam das palavras que podem nos

ajudar a demarcar os caminhos, a coerência das respostas perante os desafios educacionais, de ontem e de

hoje. Querem nos ajudar a ver os horizontes demarcados, as compreensões acerca do que se espera da

disponibilidade do ser humano para se educar. Uma antropologia filosófica a serviço da educação quer saber,

portanto, qual compreensão decisiva de ser humano, de sociedade, de vida orienta as buscas, faz surgir os

problemas considerados relevantes. A tentativa é a de caminharmos próximos das teorias e práticas, que

ontem e hoje disputam o poder de dizer o que deve ser a educação, para que e para quem ela serve.

Etimologia das palavras no espaço da Educação Escolar4

! Aluno – alumnus,.i;criança que se alimenta no peito; aquele que se alimenta dos bocados que

provém do magistério. Em decorrência: pupilo, discípulo.

! Aprender – a) apprehendere: agarrar, apanhar, segurar, apoderar!se de algo, porque é precioso e

não se deve escapar. Em decorrência: tomar conhecimento de, reter na memória. b) discere – aprender, de

onde deriva a palavra discípulo.

! Educar – a) educare: criar, amamentar. Em decorrência: instruir, preparar para a vida. b) e!ducere:

e: para fora; ducere: conduzir; dar à luz; fazer surgir. Em decorrência: ajudar a conduzir de uma situação à

outra; ajudar a modificar.

! Ensinar: ! insignire: assinalar, distinguir, colocar um sinal, mostrar, indicar. Em decorrência: indicar o

caminho para aprender.

4 Quando os vocábulos apresentados não têm origem no latim, serão destacados de onde se originam. Ver Maria Lucia ARANHA. Filosofi a da Educação. São Paulo. Moderna. 1989. p. 58. Ver Ernesto Faria. Dicionário Escolar Latino!Português. Revisão de Rute J. de

Faria. 6ª ed. Rio de Janeiro. FAE. 1991). Ver também Octavi Fullat. Filosofi as da Educação. São Paulo. Vozes. 1994.

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! formação: “fromage”, em francês: provém da ação de dar forma, de configurar, como os moldes

dão forma aos queijos.

! Instrução – instructio,.onis: construção, edificação.

! Mestre ! magister,.tri: o que sabe mais 5(magis), o que dirige, conduz.

! Pedagogo – do grego paidogogós (pais, paidos: “criança! E agogôs: “guia, condutor”): escravo que

acompanhava as crianças à escola; depois: mestre, preceptor.

! Saber – sapere: ter sabor, agradar ao paladar; saber, conhecer, aprender.

! Texto – textum,.i: tecido, pano; obra formada por várias partes reunidas.

Um antigo conto filosófico oriental e a sabedoria da atenção

Pudemos ver que os vocábulos que giram em torno do universo escolar brotam da vida, muito antes

que a sociedade contasse com um espaço especializado para a aquisição dos saberes considerados relevantes.

Assim, iniciamos nossa caminhada com um longo recuo no tempo. Por isso, importa a atenção para algumas

setas, alguns entalhes6 que apontam para antigas compreensões do que seja exercitar uma filosofia de vida.

Para realizar isso, você terá ao seu dispor um conto7, sem autoria definida, que poderia ser escrito em

qualquer região do planeta, inclusive em nosso nordeste rural brasileiro.

Em seguida, você terá a oportunidade de examinar alguns termos de origem muito antiga, heranças

da cultura e da filosofia grega, indispensáveis até hoje. Graças à contribuição da professora de filosofia da

Universidade de São Paulo, Marilena Chauí, os termos filosóficos são apresentados com seus vínculos e

dependências com as experiências gregas mais humildes. Veremos, de início, apenas seis desses termos

filosóficos. Meu interesse principal com eles é demarcar as despedidas que a filosofia grega faz, de modo

consciente e deliberado, do que há de melhor dos saberes do senso comum. A8 filosofia grega critica os riscos

que envolvem tais saberes, seu alcance limitado, e especialmente as dificuldades para reproduzir tais

habilidades.

Feito isso, você será convidado a ler a Alegoria da Caverna, de Platão. Trata!se de uma abordagem

memorável acerca da contribuição da filosofia para o campo da educação. A alegoria quer ser um sinal de

alerta sobre os enganos que podem submeter os humanos dotados de sensibilidade e razão. A alegoria quer

ser abrangente o suficiente para oferecer algumas dicas para que não nos percamos nos espaços tateantes das

5 Esclarece Octavi Fullat (1994, p. 35) que o poderio físico, moral e cultural do mestre fundou a concepção educativo!ensinante que

prevaleceu durante séculos. A Escola Nova modifi cou paulatinamente, e apenas em determinados ambientes, os signifi cados desses

signifi cantes 6 Abertura ou corte feito na madeira ao alcance dos olhos para orientar o caminhante em meio a florestas onde não há trilhas

perfeitamente delimitadas (cf. Arseniev, 1989: 46!49) 7 Você verá que o conto é paradigmático, remete às origens longínquas do ser humano caçador, que é capaz de orientar!se e obter êxito servindo!se apenas dos indícios, dos fragmentos de informação. Ver sobre isso Ginzburg (1989: 143!79) 8 É importante que você saiba o que pensa seu professor: defendo e estou evidenciando isso, de que há uma sabedoria de vida refinada

e disponível para qualquer pessoa letrada ou não. Para isso a pessoa precisa ser capaz de desenvolver uma capacidade de se

concentrar, de desenvolver um senso de atenção e de observação ativa, para não ser surpreendida facilmente pelos eventos futuros.

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sombras, da incerteza. Quando a narrativa apresenta sua opção pelos caminhos da razão, ela já detém um

sentido pedagógico orientador.

A experiência de Zadig, apresentada por Voltaire9

Como já destacamos, trata!se de um texto de origem remota, sem autoria definida, recuperado por

Voltaire (1694!1778). A sugestão é a de que você faça sua leitura, com o compromisso de lembrar de alguma

pessoa conhecida, dotado das astúcias e habilidades parecidas com as do personagem principal do texto.

Zadig convenceu-se de que o primeiro mês do casamento, como está escrito no livro do Zenda, é a lua-de-mel, e que o segundo é a lua-de-fel. Pouco tempo depois viu-se obrigado a repudiar Azora,que se tornara difícil de aturar, e procurou satisfação no estudo da natureza. “Ninguém é mais feliz – dizia ele, - que um filósofo que lê o grande livro aberto por Deus diante dos nossos olhos. São suas as verdades que descobre: alimenta e educa a alma, vive tranqüilo; nada receia dos homens, e sua meiga esposa não vem cortar-lhe o nariz.”

Cheio destas idéias recolheu (sic) a uma casa de campo à beira do Eufrates, onde não se ocupava a calcular quantas polegadas de água correm por segundo sob os arcos de uma ponte, ou se no mês do rato cai uma linha cúbica de chuva a mais do que no mês do carneiro. Não cuidava de fazer seda com teias de aranha, nem porcelana com cacos de vidro, antes estudou sobretudo as propriedades dos animais e das plantas, não tardando a adquirir uma sagacidade que lhe apontava mil diferenças onde os outros homens viam só uniformidade.

Certo dia passeando na orla de um bosque, viu aproximar-se um eunuco da rainha seguido de vários oficiais que pareciam tomados da maior inquietação, e corriam de um lado para outro como pessoas extraviadas em busca da maior preciosidade perdida.

- Moço – perguntou-lhe o eunuco, - por acaso não viu o cachorro da rainha? Zadig respondeu modestamente: - Creio tratar-se de uma cadela e não de um cachorro. - Tem razão – volveu o eunuco. - É uma cachorrinha de caça que deu cria há pouco tempo; manqueja da pata dianteira

esquerda e tem orelhas muito compridas. - Viu-a então? – Tornou o eunuco esbaforido. - Não – respondeu Zadig, - nunca a vi e nem mesmo sabia que a rainha tivesse uma

cadela. Justamente nessa ocasião, por um capricho muito comum da sorte, o mais belo cavalo das coudelarias do rei fugira das mãos de um palafreneiro para as campinas da Babilônia. O monteiro-mor e todos os outros oficiais andavam atrás dele com tanta apreensão quanto a do eunuco atrás da cadela. O monteiro-mor dirigiu-se a Zadig e perguntou-lhe se não vira passar o cavalo do rei.

- É o cavalo que melhor galopa - respondeu Zadig; - tem cinco pés de altura e os cascos muito pequenos; sua cauda mede três pés de comprimento e as rodelas do seu freio são de ouro de vinte quilates; usa ferraduras de prata de onze denários.

- Que caminho tomou ele? Onde está? – perguntou o monteiro-mor. - Não sei – respondeu Zadig; não o vi nem nunca ouvi falar nele O monteiro-mor e o eunuco ficaram certos de que Zadig tinha roubado o cavalo do rei e a

cadela da rainha, e levaram-no à presença do grande Desterham que o condenou ao knut, e a passar o resto do seus dias na Sibéria. Mal havia terminado o julgamento, foram encontrados o cavalo e a cadela.

9 VOLTAIRE. Zadig ou o destino: história oriental. Rio de Janeiro. Ediouro. S/d.

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Os juízes viram-se na desagradável contingência de reformar a sentença, mas condenaram Zadig a pagar quatrocentas onças de ouros por dizer que não vira o que tinha visto. Primeiro ele teve que pagar a multa, e só depois lhe permitiram defender a sua causa perante o conselho do grande Desterham onde falou nesses termos:

- Estrelas de justiça, abismos da ciência, espelhos da verdade, que tendes o peso do chumbo, a dureza do ferro, o brilho do diamante e muita afinidade com o ouro: já que me é consentido falar diante desta augusta assembléia, juro-vos por Orosmade que nunca vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado cavalo do rei dos reis. Aqui está o que me sucedeu: andava eu passeando pelo pequeno bosque onde depois encontrei o venerável eunuco e muito ilustre monteiro-mor. Percebi na areia pegadas de um animal, e facilmente concluí serem as de um cão. Leves e longos sulcos, visíveis nas ondulações da areia entre os vestígios das patas, revelaram-me tratar-se de uma cadela com as tetas pendentes, e que, portanto, devia ter dado cria poucos dias antes. Outros traços em sentido diferente, sempre marcando a superfície da areia ao lado das patas dianteiras, acusavam ter ela orelhas muito grandes; e como além disso notei que as impressões de uma das patas eram menos fundas que as das outras três, deduzi que a cadela da nossa augusta rainha manquejava um pouco, se assim posso me exprimir.

“Quanto ao cavalo do rei dos reis, sabei que estando a passear pelos carreiros desse bosque, avistei as marcas das ferraduras de um cavalo, todas colocadas a igual distância. ‘Eis aqui – disse comigo, - um cavalo que tem o galope perfeito’. A poeira das árvores. Num caminho não mais de sete pés de largura, mostrava-se um pouco revolvida a direita e a esquerda, a três pés e meio do centro da rota. ‘Este cavalo – tornei a considerar nos seus movimentos para a direita e para a esquerda, varreu essa poeira’. Vi depois sob as árvores, que formavam um docel de cinco pés de altura, alguns ramos cujas folhas tinham caído recentemente, e concluí que o animal as roçara com a cabeça, tendo, portanto cinco pés de altura. Seu freio deve ser de ouro de vinte e três quilates, pois tendo batido numa pedra que verifiquei ser uma pedra de toque, pode em seguida identificá-lo. Enfim, pelas marcas das ferraduras deixadas em pedras de outra espécie, deduzi que estava ferrado com prata fina.”

Todos os juízes admiraram o profundo e sutil discernimento de zadig; a notícia chegou aos ouvidos do rei e da rainha. Só se ouvia falar de Zadig nas antecâmaras, nas salas e gabinetes; e embora alguns magos opinassem que ele devia ser queimado como feiticeiro, o rei ordenou que lhe devolvessem a multa de quatrocentas onças de ouro a que havia sido condenado. O escrivão, os oficiais de justiça e os procuradores foram a sua casa em grande aparato levar-lhe as quatrocentas onças, das quais apenas retiveram trezentas e noventa e oito para as custas do processo, além dos honorários reclamados pelos servidores.

Zadig compreendeu que às vezes era perigoso ser demasiado sábio, e prometeu a si mesmo não tornar a dizer o que porventura houvesse visto. A ocasião não tardou a apresentar-se. Um prisioneiro do Estado tendo fugido, passou por baixo das janelas de sua casa. Zadig interrogada nada respondeu, mas provaram-lhe que ele havia olhado pela janela. Por esse crime foi condenado a pagar quinhentas onças de ouro, e ainda agradeceu a benevolência dos juízes, como é costume na Babilônia. – “Santo Deus! – Exclamou para si, - quanto é lastimável ir-se passear a um bosque onde passaram a cadela da rainha e o cavalo do rei! Como é perigoso a gente chegar à janela, e como é difícil ser feliz neste mundo.”

Uma suposta versão mais antiga do que a do conto de Zadig

Um conto similar, e provavelmente mais antigo, narra a história de três príncipes de Serendip. Eles

caminhavam pelo deserto até que chegaram a um oásis. Enquanto descansavam foram abordados por um

viajante que havia perdido um camelo e a carga que este conduzia. Os príncipes, quando abordados,

perguntaram ao viajante se o camelo era cego do olho direito, se o animal seguia carregado de um tonel de

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mel, do lado esquerdo e de um tonel de manteiga, do lado direito. O dono do camelo sumido os condenou

como ladrões, quando disseram que não o haviam visto.

No tribunal, os príncipes alegaram que tiveram ao alcance dos olhos apenas as marcas deixadas pelo

animal fujão. No caso da cegueira do olho direito, perceberam que a relva do lado direito era mais abundante,

mas o camelo insistia em comer a do lado esquerdo do caminho. Do lado direito do caminho notaram que as

moscas pousavam sobre a relva em busca dos restos da manteiga, do lado esquerdo formigas vinham à

procura do mel. (cf. Gonçalves, 2003: 92!93)

Considerações sobre a experiência de Zadig

Zadig é o filósofo anônimo que aprendeu a ler os sinais sutis inscritos na natureza, cenário onde se

manifesta a presença dos seres vivos. Sua missão é a de estar de olhos bem abertos para detectar as

particularidades reveladoras que se manifestam no espaço vital onde habita.

O conto oriental apresente uma das mais antigas concepções acerca do trabalho do pensamento

humano. A filosofia de quem estuda a natureza, como Zadig, estará sempre sendo testada em sua capacidade

explicativa, uma vez que será sempre confrontada pela prática. Os desafios são consideráveis e arriscados

porque é preciso decidir acertadamente através da leitura de indícios incompletos e nem sempre nítidos.

A leitura do texto permite identificar o que é considerado como atividade relevante para o estudioso

da natureza. Ao mesmo tempo esclarece de que modo Zadig desenvolveu seu método de observação e de

atenção. O protagonista nos surpreende, na medida em que se mostra apto para decifrar indícios a respeito de

algo que nem mesmo estava à procura. O filósofo que aparece no texto é o mestre da atenção e da capacidade

de desvendar sinais sensíveis que desafiam a acuidade de nossos olhos, sinais que para ele são deixados por

Deus, no livro aberto da natureza. Zadig surpreende os emissários da rainha e o leitor, pela maneira como

informou a respeito dos animais que se haviam perdido.

Umberto Eco (in: ECO E SEBEOK 1991: 242;236) considera que o conto de Zadig não é de

investigação, mas um conto filosófico, na medida em que permitiu vislumbrar como é possível alcançar uma

coincidência entre aquilo que era apenas suposição na mente daquele homem (a cadela e o cavalo de seu

mundo textual) e aquilo que acontecia no mundo exterior, materializado nas buscas dos oficiais a serviço da

rainha. Isso se tornou possível porque o protagonista do conto voltou!se para os estudos das propriedades dos

animais e plantas não para reduzi!las aos seus esquemas mentais prévios, mas para pensar por alternativas,

para arriscar a captar no que entende por livro aberto por Deus, aquilo que a vida mostra e esconde aos olhos

humanos.

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Na mitologia grega há uma deusa poderosa que personifica os saberes de Zadig e dos príncipes de Serendip

É a deusa Métis10, personificação da inteligência prática, do engenho e da astúcia para solucionar

dificuldades, da prudência, do expediente para enfrentar uma situação complicada, maquinar ardis e

armadilhas. Deusa que incorpora uma qualidade psicológica que combina intuição, rapidez, engenho e astúcia.

Um dos filhos de Métis é o deus Póros, que é o engenho astucioso que soluciona dificuldades encontrando

caminhos. Póros encarna o meio ou o expediente para chegar a um fim, recurso ou engenho para chegar a um

fim, para solucionar uma dificuldade; ação de passar através de, trajeto. (CHAUÍ, 2002: p.505;509!10).

Jean!Pierre Vernant (2000: 40!41) escreve que:

Zeus se casa com Métis e esta logo fica grávida de Atena. Zeus teme que algum filho seu, por sua vez, o destrone. Como evitar? (...) Diz que só há uma solução: não basta que Métis esteja ao seu lado como esposa, ele mesmo tem de se tornar Métis. Zeus não precisa de uma sócia, de uma companheira, mas deve ser a métis em pessoa. Como fazer? Métis tem o poder de se metamorfosear, ela assume todas as formas, assim como Tétis e outras divindades marinhas. É capaz de virar animal selvagem, formiga, rochedo, tudo o que quiser. Trava-se então um duelo de astúcias entre a esposa, Métis, e o esposo, Zeus. Quem vai ganhar? Há boas razões para supor que Zeus recorra a um processo que conhecemos também em outros casos. Em que consiste? É claro que, para enfrentar uma feiticeira ou um mago extraordinariamente dotado e poderoso, o ataque direto estaria fadado ao fracasso. Mas, se escolher o caminho da artimanha, talvez haja uma chance de vencer. Zeus interroga Métis: “Podes de fato assumir todas as formas, poderias ser um leão que cospe fogo?” Na mesma hora Métis se torna uma leoa que cospe fogo. Espetáculo aterrador. Zeus lhe pergunta depois: “Poderias também ser uma gota d´água? “Claro que sim”. “Mostra-me.” E, mal ela se transforma em gota d’água, ele a sorve. Pronto! Métis está na barriga de Zeus. Mais uma vez a astúcia funcionou. O soberano não se contenta em engolir seus eventuais sucessores: ele agora encarna, no correr do tempo, antecipadamente os planos de qualquer um que tente surpreendê-lo ou derrotá-lo. Sua esposa Métis, grávida de Atena, está em sua barriga. Assim, Atena não vai sair do regaço da mãe, mas da cabeça do pai, que é agora tão grande quanto o ventre de Métis. Zeus dá uivos de dor. Prometeu e Hefesto são chamados para socorrê-lo. Chegam com um machado duplo, dão uma boa pancada na cabeça de Zeus e, aos gritos, Atena sai da cabeça do deus, jovem donzela já toda armada, com seu capacete, sua lança, seu escudo, e a couraça de bronze. Atena é a deusa inventiva, cheia de astúcias.

10

Ver sobre Métis em Marilena Chauí (2002: 505; 509!10)

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Considerações sobre o texto

Na enciclopédia Wikipedia11 encontramos que: a filha mais famosa de Métis é conhecida como Atena

ou para outros Palas Atena. Freqüentemente é associada a um escudo de guerra, à coruja da sabedoria ou à

oliveira. Ainda, de acordo com a enciclopédia, a deusa Atena, que nasce da cabeça de Zeus, é toda poderosa

tanto nas habilidades de caça e pesca, como nas habilidades de guerra, tem seu poder maior na atividade

mental.

Atena parece personalizar o esforço grego de colocar a atividade racional a serviço de um poder que

sabe hierarquizar os esforços humanos, de modo a encontrar equilíbrio e estabilidade. Atena domina as

atividades humanas essenciais, desde as mais antigas, como a caça, a pesca, bem como a capacidade técnica,

de construir o arco e a flecha, além de saber costurar. No entanto, seu talento maior reside na atividade

mental, herança direta de Zeus, senhor absoluto da arte de governar. Atena parece simbolizar muito mais a

atividade mental que é perseguida pelos filósofos do período clássico. Trata!se de um pensamento que

domina e delimita o lugar subalterno das habilidades humanas mais antigas como a caça e a pesca, bem como

as técnicas e as artes da guerra. O ponto culminante é o da sabedoria de quem exercita o poder a serviço da

equidade e da estabilidade.

UM CONVITE: que tal sentarmos à mesa da filosofia e saborearmos seis termos gregos antigos?

Este encontro em volta da mesa é para alimentar nosso corpo, supondo que a cabeça é o corpo

(agora há pouco a cabeça era uma barriga, um útero). Entre o comer e beber dessa refeição, esperamos

mostrar porque os filósofos gregos se despedem da sabedoria oriental, daquela que Zadig era o mestre.

Neste movimento introdutório aos fundamentos antropo!filosóficos da educação vamos analisar seis

termos gregos de grande importância para a filosofia grega antiga e elucidativos até hoje. Através deles será

possível acenar para algumas preocupações básicas que orientavam as formas como os gregos aprendiam a

interrogar o mundo natural, a presença humana no mundo, a organização da sociedade e o papel de destaque

que é destinado à atividade filosófica.

11

Ver htt p://pt. wikipedia.org/wiki/Atena; ver também:htt p://greciantiga.org.

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Vamos apreciar os termos gregos a partir da contribuição de Marilena Chauí, num glossário que ela

elaborou no seu livro intitulado: Dos Pré!Socráticos a Aristóteles (2002)12. A autora teve o cuidado de situá!los

como parte da herança grega, que é cultivada desde os tempos imemoriais, desde as sociedades ágrafas.

Doxa: Opinião, crença, reputação (Isto é, boa ou má opinião sobre alguém), suposição, conjetura. Esta

palavra possui dois sentidos diferentes por ser usada em dois contextos diferentes: o contexto político, no qual foi usada inicialmente, e o contexto filosófico, a partir de Parmênides e Platão. Deriva-se do verbo dokéo, que significa: 1. tomar o partido que se julga mais adequado para uma situação; 2. conformar-se a uma norma estabelecida pelo grupo; 3. escolher, decidir, deliberar e julgar segundo os dados oferecidos pela situação e segundo a regra ou norma estabelecida pelo grupo. Era este o seu sentido na assembléia dos guerreiros que deu origem à assembléia política, na democracia. Como a escolha e decisão se davam a partir do que era percebido, dito e convencionado pelo grupo, dóxa ganha também o sentido de uma modalidade de conhecimento, e agora, articula-se ao verbo doxázo que significa: ter uma opinião sobre algumas coisas, crer, conjeturar, supor, imaginar, adotar opiniões comumente admitidas. É neste segundo sentido que doxa pode ter o sentido pejorativo de conhecimento falso, preconceito, conjetura sem fundamento, sem convenção, arbitrária.

Este termo doxa corresponde ao que entre nós relegamos aos domínios do senso comum ou

também do bom senso. O termo é decisivo para compreender o que a filosofia decide rejeitar para firmar seu

corpus de conhecimento e porque decide rejeitar. O problema da doxa é que não oferece confiança, não

oferece um conhecimento seguro. Se a palavra doxa deriva!se do verbo dokéo, que significa optar diante de

uma situação aberta ou de acordo com a norma de um grupo ela está condenada à incerteza, não podendo

impor!se a todos, que é a preocupação da filosofia que vai firmar!se, sobretudo, a partir de Platão. A doxa ao

mover!se no campo da opinião, do risco, da conjetura, não oferece segurança, nem fundamento. Assim, de

acordo com as pretensões da filosofia grega, o conto filosófico oriental de Zadig é de pouco valor porque está

preso à doxa. Da mesma forma que o personagem acertou em suas conjeturas, podia ter errado. Há uma nota

importante aqui, a crítica que é feita pelos filósofos aos saberes que são adquiridos nos domínios da doxa, é

estendida aos saberes da medicina grega. Na Grécia havia um tenso diálogo entre os filósofos e os médicos.

Alguns dos filósofos pré!socráticos eram também médicos, o que influenciava em seu trabalho filosófico. Os

médicos gregos entendiam sua profissão como filotecnia (amor a um domínio técnico sobre o corpo humano e

a restauração da saúde). Isso enfrentava resistência entre os gregos que desprezavam a técnica como coisa

não muito digna. Além disso, a medicina não estava livre dos riscos e das incertezas que se apresentavam

como obstáculos para sua busca de rigor. A medicina não conseguia desvencilhar!se de seus vínculos com a

doxa, uma vez que o médico dependia de sua percepção sensível para fazer o diagnóstico dos males que

afligiam seus pacientes. O médico estava sujeito a erros. Os médicos/filósofos, por sua vez, criticavam aqueles

que partiam de grandes princípios explicativos, sem fundamentar de modo consistente suas afirmações.

12

Cf. CHAUÍ, Marilena. Dos pré!socráticos a Aristóteles. Vol. 1. 2ª ed. rev. ampl. São Paulo. Cia das Letras. 2002. p. 493!512.

LETRAS LIBRAS | 131

Eidos e Idéa: inicialmente, na linguagem comum dos gregos, significa o aspecto exterior e visível de uma coisa:

a forma de um corpo, a fisionomia de uma pessoa. A seguir, na linguagem filosófica (com Platão), passa significar a forma imaterial de uma coisa, a forma conhecida apenas pelo intelecto ou pelo espírito, a idéia ou a essência puramente inteligível de uma coisa. Significa também a forma própria de uma coisa que a distingue de todas as outras, seus caracteres próprios; por exemplo, a doença é um eîdos, uma forma que o médico reconhece. A palavra eîdos vem de uma raiz que aparece sob três formas:*eid-, oid- eid-. De eîd forma-se, além de eîdos, o verbo eídomai, que significa: mostrar-se, fazer-se ver ver. De *oid forma-se oída (infinitivo eidénai) perfeito do verbo ser que significa saber (por ter visto), conhecer. De *id- forma-se o aoristo do verbo ver, ideîn e o substantivo idéa, com o mesmo sentido de eîdos: aspecto externo, aspecto visível, forma visível, caracteres próprios de alguma coisa, maneira de ser. Com Platão, idéa passa a significar: princípio geral de classificação dos seres, forma ideal concebida pelo pensamento. Com Aristóteles, idéa, significa conceito abstrato diferente das coisas concretas. Eídos, a forma inteligível, idéa, o conceito, ideîn, , e oîada/ eidénai, saber (por ter visto), conhecer, criam a tradição filosófica do conhecimento como visão intelectual ou visão espiritual, e de verdade como visão plena ou evidência. A idéia é a realidade verdadeira que o pensamento vê. Em oposição a eîdos está eídolon: imagem, reprodução, cópia, ídolo, fantasma, simulacro.

Logo de início, na apresentação do termo idéa, em grego, podemos vê!lo como originalmente

acessível a qualquer pessoa, letrada ou não, acessível até mesmo a uma criança. Quem não retém o aspecto

exterior e visível da fisionomia de uma pessoa querida, de um determinado corpo visto todos os dias? A

linguagem filosófica cuida de garantir verticalidade ao termo, dotando!o de um significado que prioriza a

forma imaterial de algo, passível de ser conhecido apenas por um intelecto dotado da capacidade de se

pronunciar sobre a essência inteligível das coisas. Para os filósofos gregos, o anseio de se chegar a uma

realidade verdadeira concebida pelo pensamento está em oposição nítida ao saber comum, às opiniões,

quando não há condições seguras para vencer os domínios da sensibilidade, das falsas idéias representadas

pelas imagens, pelos ídolos, pelos simulacros. Mais uma vez podemos ver que a filosofia grega quer trabalhar

com formas inteligíveis, com conceitos que nos permitem pleitear o acesso a uma realidade verdadeira que o

pensamento vê, sem o risco de iludir!se.

Episteme: conhecimento teórico das coisas por meio de raciocínios, provas e demonstrações; conhecimento

teórico por meio de conceitos necessários (isto é, daquilo que é impossível que seja diferente do que é; o que não pode ser de outra maneira, ser diferente do que é) e universais (isto é válidos para todos em todos os tempos e lugares). Opõe-se a empeiria. O verbo epistamai, da mesma família de episteme, significa: saber, ser apto ou capaz, ser versado em (portanto, inicialmente, este verbo não distinguia nem separava episteme e empeiria, mas referia-se a todo conhecimento obtido pela prática ou pela inteligência, referia-se à habilidade). A seguir, passa a significar: conhecer pelo pensamento, ter um conhecimento por raciocínio e, com Aristóteles passa significar investigar cientificamente.

O termo episteme, ou epistemologia vem do que é enfatizado pelos gregos, enquanto aquele

conhecimento que tem pretensão de universalidade, de verdade, de identidade. Para os gregos, o

conhecimento seguro é considerado possível através do domínio teórico das coisas, dos raciocínios, das provas

LETRAS LIBRAS| 132

e demonstrações que não se deixam enganar pelos sentidos. Na Modernidade há uma novidade, o

pensamento que conhece racionalmente é visto como de natureza distinta das coisas conhecidas, do que nos

fornecem os sentidos, pois é imaterial. Então, é preciso explicar como transformamos as coisas materiais em

idéias, sob a responsabilidade do sujeito que conhece. Daí em diante afirma!se a necessidade de

epistemologias que pleiteiam validade científica. Veja, porém, o que adverte Chauí: o verbo epistemai, em

suas origens mais antigas não distinguia ou separava episteme (saber racional) e empeiria (saber sensível),

abrangendo a todo conhecimento obtido pela prática, pela inteligência, pela habilidade. Como podemos ver, o

termo episteme, com o trabalho da filosofia grega vai ganhando um refinamento que abandona as

preocupações nas quais se sobressaem habilidades práticas e técnicas. Na Modernidade, por sua vez, fala!se

em epistemologias porque não há mais a identidade e a harmonia e o lugar previamente dado ao ser humano

na ordem do mundo, como queria a Antiguidade. O nosso planeta não é visto mais como lugar de

centralidade, ele ocupa um lugar entre outros no universo. Isso obriga o ser humano a se apresentar como

sujeito, como quem ordena e organiza o mundo dentro dos limites de seus recursos racionais, tendo um

método e uma epistemologia como guia e orientação de pensamento e de ação.

Méthodos: método, busca, investigação, estudo feito segundo um plano. É composta de metá e odós (via,

caminho, pista, rota; em sentido figurado significa: maneira de fazer, meio para fazer, modo de fazer) Méthodos significa, portanto, uma investigação que segue um modo ou maneira planejada e determinada para conhecer alguma coisa; procedimento racional para o conhecimento seguindo um percurso fixado. Methodeúo: seguir de perto, seguir uma pista, caminhar de maneira planejada, usar artifícios e astúcias, é

um derivado de méthodos.13

A visita de Marilena Chauí aos termos gregos é elucidativa para o entendimento dos estudos da

filosofia e da filosofia da educação porque ela cuida de fazer dois movimentos essenciais. No primeiro, a

autora apresenta o sentido que ainda hoje adotamos do termo, levando em consideração seu vínculo com o

entendimento original da filosofia grega antiga. No outro movimento, a autora surpreende o leitor quando

remete o termo ao seu sentido experimentado no universo humano do saber comum, especialmente quando

neste se identificam procedimentos bastante desenvolvidos para a elucidação de problemas práticos. O

pioneiro da pratica do método é o caçador. Este é o primeiro ser humano capaz de garantir a elaboração de

planos para conseguir objetivos definidos. Ele segue com inteligência pistas, detalhes para alcançar o que

procura. A palavra método, para Chauí, tem, portanto, sua vinculação primeira ao ofício do caçador, mestre na

capacidade de seguir de perto uma pista, de planejar esforços e astúcias para encontrar comida, água e

orientação, para escapar de inimigos e predadores. Somente sentidos altamente cultivados permitem em

ambientes hostis, lograr êxito e preservar a vida. Zadig, como vimos, é o filósofo da atenção, da observação,

que é condição para a elaboração do método. É o filósofo/caçador capaz de encontrar até mesmo o que não

13

É provável que Chauí tenha invertido os termos involuntariamente , pois parece lógico que methodeuo preceda méthodos.

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está procurando. Devo aqui fazer um alerta: trago de volta Zadig e sua filosofia de vida, que a filosofia grega

vai jogar para um plano secundário. Zadig alcança êxito, mas poderia fracassar porque lida com situações

instáveis e não tem como testar previamente suas explicações provisórias. A filosofia grega quer trabalhar com

explicações seguras e replicáveis, o que nem Zadig, nem os príncipes de Serendip tem condições de garantir.

Logos: Esta palavra sintetiza vários significados que, em português, estão separados, mas unidos em grego.

Vem do verbo légo (no infinitivo légein) que significa: 1. reunir, colher contar, enumerar, calcular; 2. narrar, pronunciar, proferir, falar, dizer, declarar, anunciar, nomear claramente, discutir; 3. pensar, refletir; ordenar; 4. querer dizer, significar, falar como orador, contar, escolher; 5. ler em voz alta, recitar, fazer dizer. Lógos é: palavra, o que se diz, sentença, máxima, exemplo, conversa, assunto da discussão; pensar, inteligência, razão, faculdade de raciocinar, fundamento, causa, princípio, motivo, razão de alguma coisa; argumento, exercício da razão, juízo ou julgamento, bom senso, explicação, narrativa, estudos; valor atribuído alguma coisa, razão íntima de uma coisa, justificação, analogia. Lógos reúne numa só palavra quatro sentidos: linguagem, pensamento ou razão, norma, ou regra, ser um realidade íntima de alguma coisa. No plural, lógoi, significa: os argumentos, os discursos, os pensamentos, as significações: -logia, que é usado com segundo elemento de vários compostos, indica: conhecimento de, explicação racional de, estudo de, diálogo, dialética, lógica são palavras da mesma família de lógos. O lógos dá a razão, o sentido, o valor, a causa, o fundamento de alguma coisa, o ser da coisa. É também a razão conhecendo as coisas, pensando os seres, a linguagem que diz ou profere as coisas, dizendo o sentido ou o significado delas. O verbo légo conduz à idéia de linguagem porque significa reunir e contar: falar é reunir sons; ler e escrever é reunir e contar letras; conduz à idéia de pensamento e razão porque pensar é reunir idéias e raciocinar é contar ou calcular sobre as coisas. Esta unidade de sentidos é o que leva os historiadores da filosofia a considerar que, na filosofia grega, dizer, pensar e ser são a mesma coisa.

Há na origem da palavra um entrelaçamento de sentidos que podem ser identificados nas tarefas da

vida prática e também nas tarefas do trabalho intelectual. A filosofia grega cuida da verticalidade da

compreensão do termo, de modo que se desembarace do universo inferior da doxa, do senso comum, e possa

traduzir o esforço da razão humana, que fornece critérios considerados seguros para saber das coisas, em

busca de seu sentido e de seu significado profundo. Um aspecto importante: vamos ver !logia como segundo

elemento de vários compostos. Quais são as disciplinas, nossas conhecidas, com este complemento? Outra

coisa importante para a filosofia grega é considerar que em seu domínio dizer, pensar e ser constituem a

mesma coisa, a mesma realidade. Aqui esta posta a distância do saber do filósofo do saber de quem se move

no domínio da doxa.

Télos: fim, finalidade, conclusão, acabamento, realização, cumprimento; resultado conseqüência;

chegar a um termo previsto, ponto culminante, cume, cimo, alvo; formação e desenvolvimento completos, pleno acabamento; plenitude de poder de alguma coisa, soberania; o que deve ser realizado ou cumprido; o que é completo em si mesmo. (...) O télos é o que permite avaliar ou determinar o valor e a realidade de uma coisa. O télos é muito importante para a filosofia porque esta trabalha com método (caminha sempre

seguindo um plano previamente pensado). Para a filosofia, a finalidade não é conquistada por obra do acaso,

LETRAS LIBRAS| 134

mas pela capacidade de planejar, de antecipar racionalmente algo, de ver o alcance do que foi arquitetado na

consciência. O télos, como o lugar de chegada projetado é o que pode dar sustentação à atividade filosofica.

No entanto, o que dizemos aqui nos faz lembrar do caçador, que foi o primeiro ser humano dotado da

capacidade de perseguir um télos, que nada mais era do que o alimento para si mesmo e para a continuidade

de sua comunidade. Fica mais fácil agora entender porque a cabeça de Zeus pôde se fazer fecunda, para isso

bastou estar impregnada da inteligência e da astúcia da Métis.

PARMÊNIDES(540-450 a.C) e HERÁCLITO(540-480 a.C): dois Filósofos Pré-Socráticos14

Para nós hoje (ver Chauí op. cit. 103) é muito claro que o pensamento se move de acordo com uma

lógica que não é a mesma lógica das coisas do mundo. Entendemos o pensamento como um movimento da

nossa consciência, esta que conhece e produz idéias sobre os objetos do conhecimento. Porém, os gregos

antigos desconheciam a separação entre o ato de conhecer e o objeto do conhecimento, entre o sujeito e o

objeto.

Parece estranho isso, mas do modo deles, os gregos mantinham um profundo vínculo com a ordem

da natureza e da vida. Assim a linguagem, notadamente a linguagem elaborada, não se distinguia do sentido

próprio das coisas. Os filósofos situavam seu pensamento como parte indistinta do cosmos, de um único

mundo, de um único lógos (p.102).

Sendo assim, passava a ser uma novidade admitir a existência de um pensamento movendo!se com

lógica interna apartada da experiência sensível. Abria!se caminho para algo novo que permitia acesso à via da

verdade, contra a via da opinião, da doxa. Esta é a contribuição de Parmênides. Para ele necessidade, destino,

justiça passam a ser vistos como conceitos e não forças naturais, são por isso, exigências do ser em sua

inteligibilidade, em sua apreensão racional e lógica15. Esta contribuição abre caminhos para a filosofia. Não

será, todavia um caminho único, uma única maneira de situar o que é essencial para o conhecimento do ser.

Chauí (2002: 104;105) esclarece:

O que é ser para Parmênides (a identidade estável, imóvel) é ilusão para Heráclito. O que é essencial para Parmênides é o conhecimento do ser; o que é essencial para Heráclito é o auto-conhecimento do ser humano.’ No entanto, ambos inauguram a mesma coisa, isto é, a exigência de fazer a distinção entre a aparência e a realidade e a afirmação que essa diferença só pode ser feita pelo pensamento, pela inteligência e não pela experiência sensível ou sensorial. Os sentidos permanecem

prisioneiros da dóxa. [grifo meu] [Para Heráclito] o kósmos é ser vivo. Por isso muda sem cessar. Assim como a polis vive da luta dos

contrários, assim também o kósmos, na tensão de seus opostos.. Assim como o logos, a polis cria a lei

14

Os filósofos pré!socráticos são chamados assim não porque necessariamente vieram antes de Sócrates, mas porque se dedicaram

a estudar o mundo, a ordem das coisas no mundo, a partir de um ou mais princípios explicativos. Os pré!socráticos não trabalham com

o tema socrático central: a vida humana, o auto!conhecimento e o agir moral.(Chauí) 15

Diké: justiça, inicialmente significava o modo de ser e de agir, à maneira de, ao modo de, costume, depois o modo de ser ou agir de

acordo com uma regra de conduta, de uma norma. Moira: o destino de cada um, a necessidade que rege o curso das coisas (Cf. Chauí, op. cit. 498;506)

LETRAS LIBRAS | 135

(nómos) que faz existir a harmonia dos contrários, sem excesso, por todo excesso, toda hýbris é punida pela justiça (diké).

O que podemos dizer de SÓCRATES, o medico/educador que examina a alma do aprendiz?

É tarefa difícil tratar da contribuição de Sócrates (469/470!399 a.C.), que nada deixou por escrito. O

que temos é o legado obtido pelos escritos de discípulos e/ou pensadores interessados e ilustres como Platão

e Aristóteles, Temos ainda o legado de escolas menos conhecidas como a dos megáricos, dos cirenaicos e dos

cínicos, por admiradores e críticos de uma fase de sua vida, por estudiosos que vieram em períodos

posteriores, como Cícero.

Na sua época, Atenas passa a ser o cenário onde os campos de saber estarão sendo diretamente

confrontados. No tempo de Sócrates, Atenas, pela sua prosperidade, transforma!se num centro de cultura e

de difusão de novas idéias. Concretiza, pela primeira vez, a experiência de um governo democrático sob o

controle daqueles que usufruíam dos direitos de cidadania. A cidade atrai pensadores que se dedicam a vários

ramos de especialização.

Ao seu modo, Sócrates, que se dizia um não especialista, compara seu ofício ao do médico clínico16.

Este “clínico geral”, no entanto, não vai buscar seu metrón, sua medida, nos indicadores provenientes dos

sentidos, como faz a medicina de seu tempo. A via de acesso aos saberes pelos sentidos como que perde sua

primazia na via socrática, interessada pela saúde da alma. Fica dispensada a apreensão sensível da medicina

hipocrática, que, dá sustentação à fase diagnóstica e diagnóstico!comunicativa entre médico e paciente, para

se chegar à terapêutica considerada adequada.

Não se pode esquecer que, para Sócrates, a saúde da alma dependia de uma busca crítico!normativa

e de um domínio ético!prático, para quem aspira deixar!se guiar em direção ao que não está contaminado

pelas instabilidades e incertezas dos embates cotidianos. O trabalho da consciência não exime ninguém de

encontrar sustentação às próprias idéias e assim chegar ao dever ser.

16

Para Nietzsche, o feito de Sócrates chega à primazia do elemento apolíneo!racional sem uma tensão, de fato, com o dionísico!

irracional. Para ele, isso é o mesmo que quebrar a harmonia grega. De resto, corpo e alma passam a não ser uma e mesma coisa, além

de se colocarem em uma ordem hierárquica com o privilégio da alma.

LETRAS LIBRAS| 136

Sócrates investe contra o relativismo da linguagem, contra os saberes de ocasião, contra a

decadência moral e política da cidade. Ele “indaga se existe um valor essencial de todas as virtudes

particulares, como a coragem, a sabedoria, a justiça. (ABRÃO: 1999:44)

A medicina do corpo transita pelo campo dos possíveis para apresentar, no máximo, uma via

alternativa para a cura, cujo resultado só seria conhecido a posteriori. Sócrates vislumbra para a medicina da

alma uma possibilidade muito mais refinada do que uma perícia que encontra uma via alternativa (acrescentar

algo que falta ao corpo ou tirar algo que se encontra em excesso).

Essa medicina da alma quer transitar pelo campo dos possíveis e ultrapassá!los através da atividade

racional e da descoberta dos critérios válidos para absorver cada caso e seus congêneres. Nesse percurso, a

razão arranca da avaliação dialogada do que está sendo (o campo dos acontecimentos na vida cotidiana com

suas incertezas), costurando os critérios lógicos que mais prontamente superam as zonas de indefinição em

direção às noções seguras e desimpedidas dos condicionamentos. Isso explica porque a medicina da alma é

alçada a uma posição superior à medicina do corpo.

O pensamento que, com Sócrates, redimensiona o alcance da inteligência humana acaba sinalizando

para uma posição muito mais confiante e segura da lógica que o alimenta. Nessa perspectiva, a atividade

pensante humana não se contenta em se descobrir como parte instável do cenário que compõe a realidade

maior da physis. Caberá ao pensamento humano, a uma consciência corretamente cultivada, a possibilidade

de julgar de modo mais seguro qual o seu lugar na ordem da vida.

Apesar de estabelecer uma dicotomia corpo e alma, Sócrates garante uma concepção de alma

(psiqué) que vai trazer grandes inovações no pensamento ocidental.

Antes, com Homero, a psiqué era o “duplo” que tinha o poder de vagar provisioriamente durante o

sono, ou desprender!se definitivamente com a morte, mas ainda sem relação com a vida mental ou as

“faculdades” da pessoa. Nos órficos, a alma era o princípio superior que poderia reencarnar!se depois de

processo de purificação e de reintegração na harmonia universal. No corpo vivo, projetava!se de modo

excepcional, em sonhos, visões, transes. Nos pensadores Jônicos do século VI a.C., a psiquê era parte do todo,

porção do pneuma (ar) infinito que habitava o corpo até o último alento, como concebia Anaxímenes de

Mileto. Era porção de fogo a aquecer e animar o corpo, até o retorno ao Fogo!Razão, o Logos universal. A

partir de Sócrates (PEÇANHA, in SÓCRATES, op. cit. 29!30), ou na literatura referente a ele, surge a concepção

de alma como sede da consciência normal e do caráter, a alma que no cotidiano de cada um é aquela

realidade interior que se manifesta mediante palavras e ações, podendo ter conhecimento ou ignorância,

bondade ou maldade.

A descoberta de que a alma é o mesmo que a sede da consciência de cada um, capaz de manifestar

conhecimento ou ignorância ou de fazer julgamento sobre o que é verdadeiro ou falso, trouxe profundas

alterações sobre como podemos adquirir saberes e conhecimentos. Os órgãos dos sentidos privilegiados

LETRAS LIBRAS | 137

acabaram sendo a visão (alçada para além de sua mediação sensível) e a audição (sem ela o diálogo e a

persuasão não superam a ignorância).

As conseqüências pedagógicas da descoberta da alma racional superior ao corpo abre perspectivas

para a excelência do fazer docente; afinal, habilitar!se a ver com os olhos da alma é tarefa elevada, para

inspirados, como era o caso de Sócrates. Mas a via do diálogo é uma grande idéia porque favorece um canal

concreto através do qual o aprendiz mais limitado, se for bem conduzido, pode orientar!se na arte de elaborar

as próprias idéias e de se conduzir pelos caminhos da perfeição.

PLATÃO: o sábio é o que aponta o caminho para a luz verdadeira

Platão (427!347 a.C) vai introduzir uma mudança, ou melhor, um aprofundamento pessoal no que diz

respeito ao modelo de investigação herdado de Sócrates. Os textos que surgem a partir do Fédon

acrescentam aos diálogos anteriores, preocupados em sondar a consciência dos interlocutores, um método

dotado de características teóricas, a serem definidas pelos próprios problemas e por um repertório

argumentativo mais impessoal.

Platão, na seqüência dos ensinamentos de Sócrates, procura garantir uma investigação sistemática

dos fundamentos da conduta humana, porém ultrapassa a ênfase nos dilemas psicológicos e éticos da prática,

abordados conforme as circunstâncias. Com isso, não se alteram apenas os temas da dialógia socrática: a

própria trama do modelo dialogal e singularizante, que é desencadeador da ciência ética, vai ser alterada. Já

não basta chegar, pelo exame acurado do caso, aos indicadores da ação. É preciso situá!los numa explicação

global da realidade, de onde examinar as condutas.

Nos seus primeiros livros, Platão partirá para dar inteligibilidade à realidade, apoiando!se no que não

depende nem do tempo nem das mudanças (dialética descendente). Platão entra com uma racionalidade do

estático e das formas perfeitas para se sobrepor e dar inteligibilidade ao movimento, à transitoriedade e à

precariedade da experiência sensível.

Fiel aos costumes gregos, ele está interessado em fundamentar aquilo que de maneira mais coerente

permite agir sobre os homens. O filósofo!educador vai dedicar!se ao pensamento sobre a política que, para ter

‘p’ maiúsculo, deve superar o desencadeamento de ações movidas por interesses ambíguos e pouco dignos. O

LETRAS LIBRAS| 138

desafio é trazer as bases para uma ação submetida a critérios de verdade, que arraste consigo o cultivo da

harmonia, da justiça e da beleza.

As referências platônicas aos temas médicos seguem, pelo menos, duas motivações básicas:

primeiramente, contribuem para elucidar o inevitável paralelo entre cuidados do corpo e cuidados da alma;

em segundo lugar, a medicina, com sua longa experiência de chegar a um pensar normativo, a partir dos casos

concretos, não deixa de ser, até mesmo, como recurso didático, um degrau na escalada em busca da ordem

das coisas e da norma imutável.

Platão, para ser coerente com sua idéia das três almas, defende que temos uma alma inferior ou

concupiscível, que reside no baixo!ventre e é responsável pela atividade digestiva. Temos também uma alma

afetiva, melhor posicionada, que mora na região que circunda o coração. Num lugar mais elevado, está a

inteligência que habita o cérebro e é convocada para comandar as almas inferiores. A atividade educacional

consiste em evidenciar a posição de nossas três almas de modo que a inteligência seja desenvolvida para

comandar de forma eficiente as almas inferiores. Haverá processos educativos diferenciados. O rei deve saber

guiar!se pela inteligência para que seja justo, os guerreiros devem aprender a dominar sua vontade para que

possam defender a cidade de seus inimigos os escravos e trabalhadores deveriam garantir os meios da

subsistência humana na cidade.

Há uma unidade que une as diferentes partes do organismo. Da mesma forma, cada homem e todos

os homens fazem unidade com o cosmos, somos parte de um todo. Tais convicções dão sustentação à sua

biologia, fisiologia, patologia e terapêutica. Admite!se que a física matemática garante a idéia de cosmos,

como conhecimento possível. A medicina eleva o corpo perecível para a noção do todo, como possibilidade de

ser um receptáculo digno para o “bem” que o habita.

Vamos ver agora um famoso trecho da obra de Platão (RIBERO,1988) conhecido como A Alegoria da

Caverna. O texto é extraído do Livro A República, Livro VII, 514 a !517 e.

“– Vamos imaginar- disse Sócrates – que existem pessoas morando numa caverna subterrânea. A

abertura dessa caverna se abre em toda a sua largura e por ela entra a luz. Os moradores estão aí desde

sua infância, presos por correntes nas pernas e no pescoço. Assim, eles não conseguem mover-se nem virar

a cabeça para trás. Só podem ver o que se fica sobre um monte atrás dos prisioneiros, lá fora. Pois bem,

entre esse fogo e os moradores da caverna, imagine que existe um caminho situado num nível mais

elevado. Ao lado dessa passagem se ergue um pequeno muro, semelhante ao tabique atrás do qual os

apresentadores de fantoches costumam se colocar para exibir seus bonecos ao público.

- Estou vendo – disse Glauco.

- Agora imagine que por esse caminho, ao longo do muro, as pessoas transportam sobre a

cabeça objetos de todos os tipos. Levam estatuetas de figuras humanas e de animais, feitas de pedra, de

madeira, ou de qualquer outro material. Naturalmente, os homens que as carregam vão conversando.

- Acho tudo isso muito esquisito. Esses prisioneiros que você inventou são muito estranhos –

disse Glauco.

LETRAS LIBRAS | 139

- Pois eles se parecem conosco – comentou Sócrates – Agora me diga: numa situação como

está, é possível que as pessoas tenham observado, a seu próprio respeito e dos companheiros, outra coisa

diferente das sombras que o fogo projeta na parede à sua frente?

- De fato – disse Glauco -, com a cabeça imobilizada por toda a vida só podem mesmo ver

as sombras!

- O que você acha? – perguntou Sócrates – que aconteceria a respeito dos objetos que

passam acima da altura do muro, do lado de fora?

- A mesma coisa, ora! Os prisioneiros só conseguem conhecer suas sombras!

- Se eles pudessem conversar entre si, iriam concordar que eram objetos reais as sombras

que estavam vendo, não é? Além do mais, quando alguém falasse lá em cima, os prisioneiros iriam pensar

que os sons, fazendo eco dentro da caverna eram emitidos pelas sombras projetadas. Portanto – prosseguiu

Sócrates – os moradores daquele lugar só podem achar que são verdadeiras as sombras dos projeteis

fabricados.

- È claro.

- Pense agora no que aconteceria se os homens fossem libertados das cadeias da ilusão em

que vivem envolvidos. Se libertassem, um dos presos e o forçassem imediatamente a se levantar e olhar

para trás, a caminhar dentro da caverna e a olhar para a luz. Ofuscado, ele sofreria, não conseguindo

perceber os objetos dos quais só conhecera as sombras. Que comentário você acha que ele faria, se lhe

fosse dito que tudo o que observara até aquele momento não passava de falsa aparência e que, a partir de

agora, mais perto da realidade e dos objetos reais, poderia ver com a maior perfeição? Não lhe parece

que ficaria confuso se, depois de lhe apontarem cada uma das coisas que assam ao longo do muro,

insistissem em que respondesse o que vem a ser cada um daqueles objetos? Você não acha que ele diria

que são verdadeiras as visões de antes do que as de agora?

- Sim – disse Glauco - , o que ele vira antes lhe parecera muito mais verdadeiro.

- E se forçassem nosso libertado a encarar a própria luz? Você não acha que seus olhos

doeriam e que, voltando as costas, ele fugiria para junto daquelas coisas que era capaz de olhar, pensando

que elas são mais reais do que os objetos que lhe estavam mostrando?

- Exatamente – concordou Glauco.

-Suponho então – continuou Sócrates – que o homem só fosse solto quando chegasse ao ar livre.

Ele ficaria aflito e irritado porque o arrastaram daquela maneira, não é mesmo? Ali em cima, ofuscado

pela luz do sol, você acha que ele conseguiria distinguir uma das coisas que agora nós chamamos de

verdadeiras?

- Não conseguiria, pelo menos de imediato.

- Penso que ele precisaria habituar-se para começar a olhar as coisas que existem na região

superior. A princípio, veria melhor as sombras. Em seguida, refletida nas águas perceberia a imagem dos

homens e dos outros seres. Só mais tarde é que conseguiria distinguir os próprios seres. Depois de passar

por esta experiência, durante a noite ele teria condições de contemplar o céu, a luz dos corpos celestes e a

lua, com muito mais facilidade do que o sol e a luz do dia.

- Não poderia ser de outro jeito.

LETRAS LIBRAS| 140

- Acredito que, finalmente, ele seria capaz de olhar para o sol diretamente, e não mais refletido

na superfície da água ou seus raios iluminando coisas distantes do próprio astro. Ele passaria a ver o sol, lá

no céu, tal como ele é.

- Também acho – Disse Glauco.

- A partir daí, raciocinando, o homem libertado tiraria conclusão de que é o sol que produz as

estações e os anos, que governa todas as coisas visíveis. Ele perceberia que, num certo sentido, o sol é a

causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna. Você também não acha que, lembrando-se

da morada antiga, dos companheiros de prisão, ele lamentaria a situação destes e se alegraria com a

mudança?

- Decerto que sim.

- Suponhamos que os prisioneiros concedessem honras e elogios entre si. Eles atribuiriam

recompensas para o mais esperto, aquele que fosse capaz de prever a passagem da sombras, lembrando-

se da seqüência em que elas costumam aparecer. Você acha, Glauco, que o homem libertado sentiria

ciúme dessas distinções e teria inveja dos prisioneiros que fossem mais honrados e poderosos? Pelo

contrário, como o personagem de Homero, ele não preferiria “ser apenas um peão de arado a serviço de

um pobre lavrador”, ou sofrer no mundo, a pensar como pensava antes e voltar a viver como vivera antes?

- Da mesma forma que você, ele preferira sofrer tudo a viver desta maneira.

- Imagine então que o homem liberto voltasse à caverna e se sentasse em seu antigo lugar. Ao

retornar do sol, ele não ficaria temporariamente cego em meio às trevas?

- Sem dúvidas.

- Enquanto ainda estivesse com a vida confusa, ele não provocaria risos dos companheiros que

permaneceram presos na caverna se tivesse que entrar em competição com eles acerca da avaliação das

sombras? Os prisioneiros não diriam que a subida para o mundo exterior lhe prejudicara a vista e que,

portanto, não valia a pena chegar até lá? Você não acha que, se pudessem, eles matariam quem tentasse

liberta-los e conduzi-los até o alto?

- Toda essa história, caro Glauco, é uma comparação entre o que a vista nos revela

normalmente e o que se vê na caverna; entre a luz do fogo que ilumina o interior da prisão e a ação do

sol; entre a subida para o lado de fora da caverna, junto com a contemplação do que lá existe, e entre o

caminho da alma em sua ascensão ao inteligível, eis a explicação da alegoria: no Mundo das Idéias, a

idéia do bem é aquela que se vê por ultimo e a muito custo. Mas, uma vez contemplada, esta idéia se

apresenta ao raciocínio como sendo, em definitivo, a causa de toda a retidão e de toda a beleza. No

mundo visível, ela é geradora da luz e do soberano da luz. No mundo das idéias, a própria idéia do bem é

que dá origem à verdade e à inteligência. Considero que é necessário contemplá-la, caso se queira agir

com sabedoria, tanto na vida particular como na política.”

Veja agora o comentário de Heinz von Foerster (In Schnitman, 1996:67)

Gostaria agora de ilustrar algumas de minhas afirmações com uns poucos exemplos. O primeiro

refere-se às explicações, e o retirei de um relato de Carlos Castañeda. Como vocês recordarão, Castañeda

foi ao povoado de Sonora, no México, para conhecer um bruxo chamado Don Juan, a quem pediu que o

ensinasse a ver. Assim Don Juan interna-se com Castañeda no meio da selva mexicana. Caminham uma ou

LETRAS LIBRAS | 141

duas horas e, de repente, Don Juan exclama: “olha, olha o que há aí! Viste?” Castañeda lhe responde:

“Não... não vi.” Continuam caminhando e, uns dez minutos mais tarde Don Juan volta a deter-se e

exclama: “olha, olha ali! Viste?” Castañeda olha e responde: “Não, não vi nada”. “Ah”, é a lacônica

resposta de Don Juan. Seguem sua marcha e volta a acontecer a mesma coisa duas ou três vezes, mas

Castañeda nunca vê nada; até que, enfim, Don Juan encontra a solução: “Agora entendo qual é teu

problema!” – lhe disse: “Tu não podes ver o que não podes explicar. Trata de esquecer de tuas explicações

e começarás a ver”.

ARISTÓTELES: a lógica evidencia a ordem das coisas

Aristóteles (384!322, a.C.) saiu da Macedônia, por volta dos seus dezoito anos, rumo a Atenas17.

Vinha atraído pelo que podia oferecer o grande centro geográfico, político, intelectual e cultural do mundo

grego. Trazia duas heranças, a ascendência jônica e a tradição médica da família, inclusive a serviço do reino

da Macedônia. Seu pai, Nicômacos, era médico e amigo da família real, mas faleceu quando ele ainda era

jovem, motivo pelo qual deve ter interrompido a tradição que naturalmente o levava à direção da carreira do

pai.

Freqüentou, por cerca de vinte anos, a academia de Platão. Mesmo convivendo com o matematismo

da Academia, não perdeu o espírito proveniente da herança familiar. Demonstrava interesses pelas pesquisas

biológicas e pelo senso de observação e de classificação, inerentes à cultura médica.

Depois que saiu da Academia, Aristóteles elaborou sua objeção à teoria platônica das idéias.

Contrapõe!se à concepção cosmológica de Platão, no Timeo, na qual o universo é concebido como resultado

da ação de um artesão divino ou demiurgo. Aristóteles no seu livro intitulado Sobre a Filosofia, propõe uma

cosmovisão, na qual apresenta um organismo capaz de desenvolver algo que é engendrado de dentro de si,

que seria próprio de sua natureza ou physis.

Aristóteles vê o universo em dois grandes espaços: o mundo acima da lua e o mundo sob a lua. No

mundo supralunar, o movimento é perfeito e eterno. No mundo sublunar, como queria Empédocles, encontra

17

Estagira, a cidade onde Aristóteles nasceu ficava na Calcídica. A cidade estava sob domínio da Macedônia, mas era uma cidade grega, inclusive a língua ali falada era o grego.

LETRAS LIBRAS| 142

a composição dos quatro elementos: água, ar, terra e fogo. Esses elementos se combinam para formar a causa

material de tudo o que existe e a forma multivariada que os distinguem.

O mundo sublunar é o reino da imperfeição, pois ali as coisas estão submetidas à geração, à

decadência e à morte. Para Aristóteles, os movimentos físicos são sempre, de alguma forma, uma violência

contra seu ‘lugar natural’. Aquilo que é pesado se é lançado para o alto, tende a voltar para o chão, seu lugar

natural, pois retornar é sua causa final. No caso humano, a causa final é chegar à felicidade, que não deve ser

atingida nem pelo excesso nem pela falta. O ideal é chegar ao “meio termo”, o que só se consegue pelo hábito,

pela atividade intelectual e pela distância das perturbações diárias. O mundo se explica pela sua causa final, é

como se em tudo que existisse no mundo tivesse um propósito. Como se a madeira tivesse, de alguma forma,

por destino virar mesa, cadeira, armário para servir aos seres humanos, como se os animais e plantas

existentes tivessem como fim servirem de alimentos para nós, que ocupamos um lugar destacado na ordem da

vida. Aliás, a causa final aponta para uma pré!destinação inscrita nas coisas do mundo.

Pensando assim, vai defender que o corpo e a alma são partes de um mesmo ser e que esta visão

integrada é necessária para mútuo esclarecimento. A existência particular não se dá sem a forma (a alma) e

sem a matéria (o corpo). Como decorrência a alma só existe no corpo e não pode ser imortal, no máximo é

uma forma comum a uma espécie. Esta interpenetração entre o corpo e alma vai estar presente em seus

trabalhos sobre a física, a metafísica e a lógica e particularmente sobre a medicina e a ética.

Para ele, tudo leva em direção à idéia de ser, para tratar das coisas existentes. Sem o conhecimento

do ser, faltariam bases sólidas às ciências (Física, Astronomia, Biologia e outras) que estudam os aspectos

particulares da realidade. Sem a idéia do ser, não haveria ciência porque só haveria explicações particulares

para coisas particulares.

Em sua idéia do ser, recusa a solução platônica das idéias perfeitas e eternas, pela desnecessária

duplicação da realidade sensível. O que existe são seres singulares, com sua concretude e existência empírica.

A ciência vai recolher pelo conhecimento empírico o que vem da realidade, até chegar a definições essenciais

e atingir o universal, que é seu objeto próprio. O caminho aristotélico é o de quem se apropria dos dados

sensíveis que acenam para o individual e o concreto, de modo a chegar à ciência das coisas, identificando o

que é universal e necessário.

O grande projeto de Aristóteles, discípulo e depois crítico de seu antigo mestre, Platão, era o de

constituir uma ciência com critérios seguros. Isso o levou a considerar a dialética, a conversação do mestre e

discípulo em busca do conhecimento como uma via imprópria para atingir a verdade. Ele a entendia, no

máximo, como um exercício mental capaz de expor a opinião das pessoas sobre as coisas, sem, todavia,

oferecer garantia contra o relativismo e o jogo das probabilidades. Entendia que a dialética tem valor como

uma preparação para o conhecimento e aponta para a história do pensamento filosófico. A história

testemunha o debate entre as opiniões precedentes que permitem o acesso à verdade que seria alcançada

pela síntese aristotélica.

LETRAS LIBRAS | 143

Para realizar este projeto ambicioso de rigor científico e conhecimentos seguros, o filósofo vai

elaborar normas, procedimentos para guiar o pensamento. Vai concentrar!se na lógica e nas regras do

raciocínio e também na análise da linguagem para superar os equívocos que nela se fazem presentes. As

ciências voltadas para o mundo físico faziam sua parte encontrando suporte na especulação metafísica.

Encontrariam nesta a garantia de chegar à estrutura dos próprios objetos. Sendo que a lógica, aquela que

trabalha com a utilização científica dos conceitos, teria seu fundamento na própria realidade, encontrando

legitimidade para seu operar.18

18

Ver Aristóteles (1999:22).

LETRAS LIBRAS| 144

UNIDADE II

A FILOSOFIA NA MODERNIDADE: NECESSIDADES E

HORIZONTES

Platão com sua filosofia afirmava uma concepção de mundo através da qual era possível pela razão

seguir em direção ao real (a via da episteme) ultrapassando os domínios do aparente (a via da doxa).

Aristóteles, por sua vez, concebia um mundo, possível de ser entendido identificando a causa final, como se

todo o existente pudesse ser explicado a partir de um propósito, de uma predestinação inscrita na ordem do

mundo.

As filosofias modernas passaram a não se contentar com as explicações que se moviam na separação

entre real e aparente, no finalismo pré!existente na ordenação do mundo. Experimentaram a exigência de

discutir a relação interioridade e exterioridade, quer dizer, o que era atribuição do sujeito (daquele que

conhece) e o que era da ordem do objeto (do que é conhecido). Experimentaram a exigência de rediscutir as

bases teórico!metodológicas que os levavam a examinar o lugar onde habitavam, quem é o ser humano e o

que este podia conhecer. O que aconteceu para que isso se impusesse na Modernidade?

As discussões sobre o problema do ser humano e do conhecimento, no desenrolar da Idade Média

vão incorporar discussões não valorizadas entre os gregos. Na Idade Média a herança judaico!cristã apresenta

o que Cassirer (cf.Ivan Domingues 1991: 26!28) chama de antropologia do homem pecador. Para esta

antropologia é insuficiente tentar esclarecer o lugar do humano na ordem do universo, utilizando!se apenas

dos recursos da razão. Os recursos da razão podem ser aceitos desde que a serviço de uma antropologia de

quem se coloca diante dos mistérios da fé e dos ensinamentos das sagradas escrituras (criação do mundo,

queda de Adão, resgate através da vinda de Cristo).

A reflexão sobre o problema do ser humano na Idade Média vai cultivar características próprias. Uma

filosofia secular, como a dos gregos, da autonomia da razão humana, de um finalismo que não nos aproxima

do Ser todo poderoso, responsável por tudo o que existe, vai dar lugar a uma filosofia de tipo religioso (pensar

a partir de Deus). O ser humano não é mais aquele que detém a iniciativa para ser senhor de si. Apresenta!se

agora como uma criatura que se explica no mundo a partir da graça de Deus e não a partir de si mesmo. A

filosofia passa a ser servidora da teologia.

Como ressalta Cassirer, citado por Domingues (op. cit.: 27), o grande princípio grego do “conhece!te

a ti mesmo” ganha na Idade Média novas implicações. Quando este princípio vem subordinado à doutrina da

criação deixa de pautar!se unicamente por preocupações e orientações teóricas ou especulativas. Por se tratar

de um preceito religioso, é um imperativo de salvação e não um imperativo de conhecimento; o “conhece!te a

LETRAS LIBRAS | 145

ti mesmo” é uma forma de questionar a auto!suficiência humana, sendo que cabe a cada pessoa reconhecer

sua dependência diante de Deus e de sua graça.

Santo Agostinho (354!430), fundador da filosofia medieval e da dogmática cristã e Santo Tomás de

Aquino (1221!1274), considerado o maior representante do pensamento medieval, que concede maior poder

a razão humana, ambos organizam seu pensamento a partir da ótica da criação, da doutrina do pecado e da

graça divina. (ibidem: 28)

As filosofias modernas, devido a toda esta elaboração cristã, da auto!crítica, da acusação das

fraquezas interiores, passaram a não se contentar com as explicações que se moviam na separação entre real

e aparente, a não aceitar a percepção dos sentidos como orientação para o ordenamento racional.

Experimentaram a exigência de discutir a relação interioridade e exterioridade, demarcando o que é da ordem

dos limites e das possibilidades do sujeito (daquele que conhece) e o que é da ordem do objeto (do que é

conhecido). O que aconteceu para que isso se impusesse na Modernidade?

A filosofia moderna: novas exigências para o pensamento.

Vamos agora discutir um pouco mais os problemas gerados no universo do pensamento cristão, que

levaram as filosofias modernas a se distanciarem da filosofia grega antiga quanto ao acesso ao real. Distância

que está relacionada ao modo de perguntar sobre o mundo e de dar sustentação ao conhecimento produzido

pelo ser humano.

As preocupações cristãs, conforme esclarece Chauí (1997:113) exigiram dos modernos algumas

distinções que provocaram uma ruptura com a idéia grega de uma vinculação direta entre o trabalho de nosso

intelecto e da sensibilidade para o acesso à verdade e ao mundo. O cristianismo ao fazer a distinção entre fé e

razão, verdades reveladas por Deus e verdades racionais, matéria e espírito, corpo e alma; considerou que o

erro e a ilusão faziam parte da natureza humana decaída, do caráter pervertido de nossa vontade, após o

pecado original.

Chauí (op.cit.: 114) lembra que, durante a Idade Média, a fé era central para a filosofia. Acreditava!se

que com o auxílio da graça divina, a fé ilumina o intelecto e guia a vontade permitindo à razão chegar ao

conhecimento que está ao seu alcance, do mesmo modo a alma recebe os mistérios da Revelação. A fé

LETRAS LIBRAS| 146

permitia saber (mesmo que não pudéssemos compreender como isso era possível) que pela vontade soberana

de Deus era concedido à nossa alma imaterial conhecer as coisas materiais.

A filosofia emergente, incorporando questões que vinham sendo elaboradas inclusive durante a

Idade Média, não via mais como se submeter às respostas tradicionais. Para essa filosofia era absolutamente

necessário rediscutir as possibilidades do conhecimento humano.

Diante disso a filosofia moderna precisava esclarecer pelo menos três problemas:

1. Se somos seres decaídos, pervertidos, como podemos conhecer a verdade?

2. Se nossa natureza é dupla (matéria e espírito) como a inteligência pode conhecer algo que é diferente dela?

Ou seja, como seres corporais podem conhecer o incorporal (Deus) e como seres dotados de alma incorpórea

podemos conhecer o corpóreo (mundo)? (ibidem, 113)

3. Os filósofos antigos partiam do princípio de que éramos entes participantes de toda a forma de realidade:

graças ao corpo estávamos inseridos na natureza, graças a nossa alma participávamos, mesmo de forma

limitada, da inteligência divina. O cristianismo, caminhando em sentido contrário, vai introduzir a noção de

pecado original e da criação do mundo, vai introduzir uma separação radical entre os humanos (pervertidos e

finitos) e a divindade (perfeita e infinita).Isso deu forças à pergunta: como o ser humano (finito) pode conhecer

a verdade (infinita e divina)?

LETRAS LIBRAS | 147

As tarefas dos filósofos modernos

Para falar sobre este assunto apresento uma contribuição de Bernadete Siqueira Abrão, que

organizou e dirigiu o livro História da Filosofia que compõe o primeiro livro da Coleção “Os pensadores”19

“Desde a Grécia Antiga, a razão pôde pretender abarcar o mundo porque, de certa forma, o próprio mundo era concebido como racionalmente ordenado e unificado. Nos tempos modernos, no entanto, essa imagem já não existe. Não há mais a polis, o Império ou uma Igreja única; a realidade apresenta-se dispersa, múltipla e relativa. Cabe à razão a tarefa de reunificar o mundo, reproduzi-lo, representa-lo.

O termo representação indica exatamente essa operação da razão: representar, tornar de novo presente. Mas “tornar de novo presente” a imagem unificada do mundo é também destruir o que se

apresenta como disperso e desconexo. Por isso, a representação nega e ultrapassa a realidade visível e sensível, e produz um outro mundo, racionalmente compreensível porque reordenado pela própria razão. (grifo meu)

A matemática é o grande modelo desse racionalismo. Não que ela, propriamente dita, possa ser aplicada a toda espécie de investigação. Os pensadores modernos retomam o significado da expressão grega ta mathema, isto é “conhecimento completo”, racional de ponta a ponta, de que a própria matemática é o exemplo mais perfeito.

Tomar a matemática como modelo também significa dirigir a razão segundo determinados procedimentos precisos, como se faz na demonstração de um teorema. Para não errar – uma obsessão dos filósofos modernos – escrevem-se tratados de método. A começar por Descartes (1596-1650), autor de Discurso do Método.

A insistência no problema do método é crucial, porque o mundo exterior não mais fornece a garantia da certeza do conhecimento. (...) a razão, e só ela, pode servir a si própria como guia, critério e condição da certeza do conhecimento. A razão não tem mais em que se apoiar a não ser nela mesma, e por isso precisa criar um método seguro. (...) Mas mesmo essa relação é desigual: a razão antecede às coisas exteriores e as subordina. É autônoma, livre, independente do mundo. É sujeito – e a palavra latina subjectum indica aquilo que subsiste, “o que está colocado sob”, isto é, o fundamento. A razão é precisamente o fundamento do mundo transformado em objeto, objectum, ou seja, “aquilo que está colocado diante “ de um sujeito, e que só pode existir tendo como referência o sujeito. É a partir do pensamento moderno que se pode falar propriamente em “sujeito do conhecimento” e “objeto do conhecimento”. Mas isso irá acarretar uma série de dificuldades e controvérsias (181-88).

Fragmentos de textos que retratam as inquietações do início da modernidade

O poeta inglês John Donne (DOMINGUES, 1991: 34), num poema publicado em 1611, início da

modernidade, consegue trazer a inquietude provocada pela perda da antiga ordem das coisas e as grandes

dificuldades para identificar as pistas para uma nova ordem:

A nova filosofia põe tudo em dúvida,

O elemento do fogo está completamente extinto,

O sol está perdido, e também a terra,

19

Coleção lançada em 1999 pela Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo, vendida em conjunto com edições de jornais.

LETRAS LIBRAS| 148

E nenhum espírito humano tem com o que se orientar para

A procurar

E os homens confessam livremente que este mundo está em

Ruínas, quando entre os planetas e o firmamento eles

Procuram tantos mundos novos;

Eles vêem então que tudo está de novo pulverizado em

Átomos,

Tudo está em pedaços, toda a coerência perdida (...).

Ivan Domingues (op. cit. 34) escreve que, um pouco antes de Donne, Michel de Montaigne (1533!

1592), na sua Apologia de Raymond Sebond, indaga:

Que me explique pelo raciocínio em que consiste a grande superioridade que (o homem- ID) (sic) pretende ter sobre as demais criaturas. Quem o autoriza a pensar que o movimento admirável da abóbada celeste, a luz eterna destas tochas girando majestosamente sobre sua cabeça, as flutuações comoventes do mar de horizontes infinitos, foram criados e continuem a existir unicamente para sua comodidade e serviço? Será possível imaginar algo mais ridículo do que esta miserável criatura, que nem sequer é dona de si mesma, que está exposta a todos os desastres e se proclama senhora do universo? Se não lhe pode conhecer ao menos uma pequena parcela, como há de dirigir o todo? Quem lhe outorgou o privilégio que se arroga de ser o único capaz, neste vasto edifício, de lhe apreciar a beleza?

DESCARTES e BACON investigam a capacidade humana de conhecer

Conforme esclarece Abrão (op. cit. 203), diante de um horizonte que se abre,

Conhecer as coisas do mundo implica, então, estabelecer-lhe uma nova ordem que não exatamente aquela que os sentidos captam, mas a que a razão impõe. No homem, por exemplo, os sentidos fornecem primeiro a existência do corpo, mas a razão evidencia antes a certeza do cogito.

Como, porém, é possível o conhecimento do mundo (e do corpo), se o cogito que conhece e as coisas que são conhecidas são de naturezas distintas? Em outras palavras, como encadear numa ordem de razões a coisa pensante (res cogitans) e a coisa extensa (res extensa), se ambas não apresentam uma

LETRAS LIBRAS | 149

medida comum? A única solução possível é transformar as coisas em idéias dessas coisas, de tal modo que a cadeia de razões seja constituída pelo pensamento e as coisas pensadas. Substituir a ordem “real” pela ordem das razões corresponde exatamente a essa transformação das coisas em que objetos do conhecimento.

A operação que converte as coisas em objetos é a representação, cujo suporte – isto é, o sujeito – é precisamente o cogito. A ciência é possível, pois se baseia na certeza inabalável do cogito, que, tendo como guia seguro o método produzido a partir de si mesmo, reduz o mundo à sua medida. Mas, com isso, a identidade e a harmonia entre o mundo e o homem – buscadas desde a Antiguidade – são rompidas. O homem torna-se sujeito, o “eu pensa”, e o mundo, seu objeto. Ele já pode pensar a si próprio como aquele que efetivamente reordena e reorganiza o mundo à sua maneira. Os homens se tornam, segundo o Discurso do Método, “como que senhores e possuidores da natureza”. (203)

Era preciso fazer uma separação entre fé e razão, considerando que cada uma delas está voltada

para conhecimentos diferentes e sem qualquer relação entre si;

1. Era preciso considerar que a alma!consciência embora diferente do corpo pode conhecê!lo porque é capaz

de representá!lo intelectualmente por meio das idéias, imateriais como a própria alma;

2. Era preciso explicar como a razão e o pensamento podem elevar!se mais fortes do que a vontade e controlá!

la para que evite o erro.

Os dois filósofos que a partir do século XVI investigam a capacidade humana para conhecer é Francis

Bacon (1561!1626), que se volta para estudar de forma experimental os fenômenos exteriores, e René

Descartes (1596!1650) que se volta para examinar a interioridade da razão em busca de uma via segura para o

conhecimento.

Luiz Alfredo Garcia!Rosa (1991:09;11)adverte que

A subjetividade foi assim construída e transformada em referência central e às vezes exclusiva para o conhecimento e a verdade. A verdade habita a consciência é o que proclamam racionalistas e empiristas. Desde Descartes, a representação é o lugar da morada da verdade, sendo o problema central o de saber se chegamos a ela pela via da razão ou pela via da experiência. Racionalistas e empiristas diferem sobretudo quanto ao caminho a tomar, mas ambos já sabem onde querem ir, ao reino da verdade, da universalidade, da identidade. Platão é, ao mesmo tempo, o grande inspirador e o guia infatigável nessa caminhada.

Pode parecer estranho afirmar agora que Platão seja considerado como inspirador e guia dos

pensadores modernos como Francis Bacon e René Descartes, depois de todas as diferenças apontadas com

relação à filosofia grega. No entanto, Platão quando recusa o domínio da opinião, da aparência (doxa) está a

procura de um discurso filosófico que tem sua legitimidade centrado nele mesmo, como um discurso neutro,

que não reflete desejo algum, mas que se impõe como realização da razão. É exatamente isso que os

pensadores modernos estão à procura. Como esclarece Garcia!Roza (op. cit.:11): “o objetivo final do

platonismo é, portanto, a produção do Discurso Universal, que coincidirá com a realização plena da Razão e a

revelação do Ser em sua totalidade”.

LETRAS LIBRAS| 150

Além disso, os filósofos, como Bacon e Descartes, antes de tratarem do conhecimento verdadeiro

cuidaram de examinar cuidadosamente os caminhos do erro, procedendo a uma análise dos preconceitos e do

senso comum. Platão também procedeu da mesma forma, como pudemos verificar na alegoria da caverna.

O que acontece é que estamos falando de um tempo revolucionário em que emerge uma nova

ciência com rebatimentos em ganhos técnicos. Com Bacon e Descartes o objetivo das ciências é o de permitir

que o ser humano possa se converter em senhor e possuidor da natureza. Para o novo espírito científico o

padrão de racionalidade está centrado nas matemáticas e na redução da natureza aos seus elementos

mensuráveis e na busca de leis que a governam de acordo com a linguagem do número e da medida. Há uma

outra maneira de investigar a natureza que é o do abandono das causas finais na explicação dos fenômenos da

natureza, conforme pretendia Aristóteles.

Se Descartes tem sua inspiração em Platão na busca de um discurso universal, há uma grande

diferença entre eles que é preciso destacar. Platão estava certo do seu método, do caminho em direção à

verdade, estava em dúvida apenas se era possível chegar a uma pedagogia guiada pela filosofia e que

orientasse as opções justas e equilibradas do governante. Descartes, por sua vez, desconfiava de si mesmo, se,

de fato seu conhecimento estava assentado sobre bases seguras. É isso o que representa a novidade dos

novos tempos, o ser humano tem que descobrir o seu lugar num mundo aberto, descentrado. Se pretende ser

o senhor do seu destino tem de provar sua capacidade para tanto.

Descartes elaborou seu método de análise, a partir da chamada dúvida metódica, com a qual abre

caminho para apresentar as possibilidades do que considera o conhecimento seguro.

No discurso do método, Descartes (1999:49!50) apresenta quatro grandes princípios do seu método

científico:

1. Nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. 2. O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de solucioná-las.. 3. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns dos outros. 4. E o último, o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais, nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir. Gadotti (1995: 77) destaca que, Descartes escreveu sua obra principal em francês, a língua popular,

possibilitando o acesso de maior número de pessoas. Até então, o latim medieval representava a língua da

religião, da filosofia, da diplomacia, da literatura. (...) O século XVI assistiu a uma grande revolução lingüística:

exigia!se dos educadores o bilingüismo: o latim como língua culta e o vernáculo como língua popular.

Francis Bacon tendo em vista o interesse em apontar novas perspectivas para o conhecimento

também cuida de examinar, como Platão e Aristóteles as causas do erro, dos preconceitos e da falta de

LETRAS LIBRAS | 151

consistência do saber do senso comum. Bacon formulou a crítica dos ídolos, que compõem as falsas imagens,

as opiniões inconsistentes que fecham o caminho para o conhecimento da verdade.

Os quatro tipos de ídolos apresentados por Bacon (Cf. 1999:40!41) no seu livro Novum Organum:

1. ídolos da tribo: Os seres humanos aceitam e repetem opiniões por conveniência, nesse caso há a

necessidade de uma reforma da natureza humana mesma para que possa renovar seu modo de apreender

as coisas.

2. ídolos da caverna: a atividade intelectual não ultrapassa as opiniões e deformações de nossas

compreensões pré-estabelecidas individualmente ou devido ao que aprendemos com os outros, com as

autoridades e com o que consta nos livros. Em toda ela predomina uma falta de atividade isenta, uma

susceptibilidade diante das instabilidades humanas, o que impede captar corretamente o que elucida e

desvenda as coisas.

3. ídolos do fórum: a linguagem se apresenta como uma fonte de mal-entendidos, de opiniões

inconsistentes, especialmente se não há possibilidade de acordo sobre o que significam;

4. ídolos do teatro: as doutrinas filosóficas não garantem regras consistentes de demonstração, por isso

mais parecem dotadas de recursos teatrais pelo que nelas há de fábulas, de mundos fictícios.

COMENIUS e uma pedagogia sintonizada com as idéias dos novos tempos

Vamos ver, a seguir, as contribuições relevantes de Comenius20(1592!1670) para a pedagogia.

Comênio, que escreveu sua obra máxima 20 anos após a publicação do Discurso do Método de

Descartes é o primeiro a propor um sistema articulado de ensino, incluindo grandes novidades:

propôs o igual direito de todos ao saber e ao ensino, incluindo os portadores de doença mental e as

meninas, sem acesso à educação;

20

Ver Gadott i (1995: 78!80) e; htt p://novaescola. a b r i l . c o m . b r / i n d e x . htm?ed/170_mar04/html/pensadores. Comenius em

latim, Comênio em português, correspondem ao nome de batismo, Jan Amos Komensky, que era pertencente ao grupo protestante

Irmãos Boêmios, naquele tempo Moravia (domínio dos Habsburgos, hoje República Tcheca.

LETRAS LIBRAS| 152

desenvolveu um pensamento pedagógico marcado por uma superação do pessimismo da

antropologia medieval, fez um apelo à vida e a uma aposta na capacidade humana de superar-

se.

incorporou no pensamento pedagógico o realismo, que marca o avanço do conhecimento filosófico

e científico de seu tempo;

defendeu que a educação e a formação do ser humano é para a vida toda;.

com relação à prática de ensino aplicou métodos capazes de incorporar o interesse do aluno;

propõe o acesso a todos à escrita, à leitura e ao cálculo; queria que todos pudessem ler a Bíblia;

sua proposta vem em apoio ao direito reivindicado pelos protestantes à livre interpretação dos textos

bíblicos e ao desejo de ampliação dos interesses da burguesia mercantil.

LETRAS LIBRAS | 153

UNIDADE III

A PEDAGOGIA DA EXISTÊNCIA: NOVAS BASES PARA A EDUCAÇÃO

A Idade Moderna (1453 a 1789) acabou representando um período de confronto das forças que se

opunham aos regimes absolutistas, nos quais prevalecia o poder do clero e da nobreza. Os que lutavam contra

o poder dominante da Igreja e dos governantes o faziam em nome da luta contra o obscurantismo e a negação

da razão. Entre os filósofos defensores das idéias liberais vamos aqui dar destaque a Jean Jacques Rousseau

(1712!1778), porque este pensador abre novas perspectivas para o pensamento de seu tempo e para os

séculos vindouros, com grandes repercussões para oxigenar o pensamento e as práticas da educação.

Rousseau é uma presença marcante que divide a velha e a nova escola;

estabelece vínculos explícitos entre a política e a educação;

levanta pela primeira vez a temática da criança, do seu mundo. Quer que ela seja compreendida,

independente de ser uma promessa de adulto;

compreende que a criança nasce boa, a sociedade corrompida é que a perverte.

na sua proposta, no entanto, não há destaque para a educação das classes populares.

Danilo Streck (2003:70) evidencia que em Rousseau quase não há fronteiras entre a política e a

educação, tanto assim que ele elabora O Contrato Social ao mesmo tempo que Emílio, o que constitui um gesto

pelo qual revela ser impossível pensar na formação do ser humano sem pensar a própria sociedade (...). O

autor lembra que Rousseau entendia que é preciso estudar a sociedade pelos homens e os homens pela

sociedade. Para ele estudar separadamente política e moral inviabilizará o entendimento de ambas.

Moacir Gadotti (1995: 88!9) entende que o século XVIII é marcado por lutas em torno dos lutas

político!pedagógicas. As classes populares reivindicam abertamente educação pública. A Prússia em 1717 pela

primeira vez institui a obrigatoriedade escolar. Na Alemanha, o Estado intervém em favor da educação. A

revolução francesa abre caminho para a escola pública. Os iluministas defendiam uma educação baseada nos

princípios democráticos, uma educação laica, gratuitamente oferecida pelo Estado para todos. Até então a

educação era ainda elitista, sob o controle da Igreja, sendo que somente os mais capazes tinham acesso à

universidade. O poder da Igreja sobre a educação e sobre os governos civis vai perdendo forças com o

aumento do poder dos detentores do poder econômico.

Suchodolski, como ressalta Gadotti, entende que Rousseau deu um passo importante para

questionar a pedagogia da essência, abrindo caminho para uma pedagogia da existência. Como podemos

entender isso no campo da filosofia?

LETRAS LIBRAS| 154

Rousseau, ressalta Ghiraldelli (2006: 78), lida com suas dúvidas por caminhos outros que o de

Descartes, embora reconheça que tenha partido do mesmo estado de dúvidas de seu antecessor. O que havia

em comum entre ambos era o amor à verdade, como base para a filosofia. Também para Rousseau era preciso

chegar ao evidente. No entanto, diferente de Descartes para quem a evidência era de ordem intelectual, ele

colocava como critério a “sinceridade do coração”. A busca ia além da oposição verdade e erro, até a oposição

verdade e mentira.

A verdade que em Descartes diz respeito ao sujeito do conhecimento (sujeito genérico, como

suporte impessoal capaz de ter acesso à verdade evidente), para Rousseau passa por uma subjetividade mais

individualizada, mais intimista. Em síntese: a verdade não encontraria seu porto seguro em um sujeito

epistemológico, definido de modo restrito e convencional, mas na pessoa, na medida em que a verdade seria

avaliada por uma subjetividade que nada mais seria do que uma consciência moral, organizada na base de

sentimentos. (idem p.78)

O iluminismo, movimento que se destacou principalmente nos séculos XVII e XVIII, sustentou teses

diferentes que as de Rousseau. Para este movimento, a infância é o estágio da imaturidade, um obstáculo a

ser transposto em direção à razão, domínio do sujeito adulto. Razão que supunha o homem amadurecido,

dotado de plenas capacidades intelectuais, apto para se constituir em sujeito do conhecimento. Rousseau

pode ser visto como um precursor do romantismo que vai prosperar no século XIX. O que Rousseau propõe é

uma racionalidade não aprisionada aos domínios puramente intelectuais, o que inclui uma valorização da

avaliação moral e do julgamento que brota do coração, da valorização da autenticidade, sendo que acima das

convenções sociais e das instituições, interessa o encontro do ser humano consigo mesmo e com seu

semelhante.

Rousseau entende que a civilização não consegue levar à efeito a conquista do bem comum porque

não consegue resolver o problema da desigualdade, que tanto acontece em nossas relações cotidianas, como

acontece nas relações sociais mais amplas. Para ele é preciso rever como lidamos com nossas desigualdades

naturais, como cultivamos nossas relações amorosas. Sua crítica à desigualdade social está relacionada à

institucionalização da propriedade privada como suporte para as bases econômicas da sociedade. O problema

maior apontado por Rousseau é o de que a desigualdade cerceia a liberdade dos indivíduos e a plena

realização do ser humano como membro da sociedade. As duas obras principais de Rousseau, Do Contrato

Social e Emílio, testemunham sua preocupação no sentido de formar o ser humano e ao mesmo tempo o

cidadão. O livro V, do Emílio, é aquele no qual o autor resume suas preocupações básicas em torno do

entrelaçamento da formação do ser humano e do cidadão.

Rousseau contribui, conforme Ghiraldelli (Cf. op. cit. 81!83), para que o sentido exato da palavra

pedagogia seja efetivado. A pedagogia deixa de ser a tradicional “condução de crianças”, para produzir

orientações teóricas e procedimentos educativos a serviço da infância. As crianças passam a ser vistas como

LETRAS LIBRAS | 155

vivendo um período especial, a infância. Dos preceptores dedicados às crianças das elites, até as escolas e

colégios um grande desafio aparece no horizonte: concretizar uma educação da infância.

A tensão se dará entre uma concepção de educação com inspiração no racionalismo cartesianismo,

que ficou conhecida como pedagogia tradicional. Nesta, o professor através de regras claras e externas,

contribui para o crescimento do aluno, sendo que o surgimento do homem se dá com a finalização da infância,

e com a conquista gradativa e planejada de conhecimentos, que no futuro poderão ser aplicadas nas mais

diversas situações.

Rousseau é o precursor de uma pedagogia que refuta uma disciplina que é imposta de “fora para

dentro”. Seu pensamento abre caminho para uma pedagogia interessada em uma disciplina que brota “de

dentro para fora”. A busca da verdade depende de uma disposição do coração e da honestidade e da

confiança que deverá existir entre o professor e o aluno.

Contribuição de EMANUEL KANT

Emanuel Kant (1724!1804), no impasse entre as posições de Descartes (1596!1650), que tinha

sustentado que todo o conhecimento era inato, e as de John Locke (1632!1704) e David Hume (1711!1776)

que afirmavam que todo o saber provinha da experiência, apresenta uma solução para esta disputa. Nega a

teoria platônico!cartesiana das idéias inatas, mas evidencia que algumas coisas importantes eram inatas como

a noção de espaço e tempo21, que não existem como realidade fora da mente, mas que entram como formas

para pensar as coisas captadas pelos sentidos. Para ele, o conhecimento do mundo exterior é possível pela

experiência sensível das coisas.

Kant, admirador de Rousseau, acreditava que o ser humano é o que a educação faz dele através da

disciplina, da didática, da formação moral e da cultura. (Gadotti, op. cit.: 90)

21

A noção de tempo e espaço para Kant é o a priori do ser racional que é o ser humano, a biologia entende isso como conquistas

cerebrais fi logenéticas. Fontanella (1995:40) entende que para Kant a realidade como apreendemos, como nos aparece, se chama

fenômeno. A realidade, como objeto do conhecimento científico, é fenômeno. Ela não nos é dada pura em si, mas é conformada pela

nossa “bagagem” a priori, pelas nossas “formas” de espaço e tempo primeiro na percepção; depois nossas “formas”, ou conceitos

científicos de todo gênero.

LETRAS LIBRAS| 156

Kant evidencia os conceitos básicos de “aculturação”, “socialização” e “personalização”. O educando

é chamado a realizar esses atos para cultivar!se, civilizar!se. O ser humano vai deparar!se com a felicidade e a

perfeição desde que entenda que isso é criação da razão humana, liberta dos instintos. A disciplina que

domina as tendências instintivas concorre para a formação cultural e para a moralização que abre caminho

para a consciência do dever, e da civilização como segurança social. Diferente de Rousseau, para ele o ser

humano não pode ser considerado bom sem o esforço intelectual permanente e o respeito às leis morais.

O eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito do conhecimento22

Os filósofos a partir da modernidade, mesmo com suas diferentes abordagens, vão manter entre si o

interesse em colocar o sujeito do conhecimento em discussão, desenvolvendo uma teoria do conhecimento.

Chauí (op. cit. 117) e Ghiraldelli (2006:72) consideram que podemos falar em quatro dimensões integradas

quando se coloca como problema a manifestação desse sujeito do conhecimento. Temos o eu, a pessoa, o

cidadão e o sujeito. Passemos, agora, a ver como isso se dá.

Evidentemente que está em discussão aqui o problema dos seres humanos como seres racionais e

conscientes. A consciência como destaca Chauí (op. cit.:117) “é a capacidade humana para conhecer, para

saber que conhece e para saber o que sabe que conhece. A consciência é um conhecimento (das coisas e de si)

e um conhecimento desse conhecimento (reflexão).”

Quando está diante de sua própria identidade, o eu experimenta!se numa dinâmica temporal de

estados mentecorporais23, com capacidade para reter e evocar o passado inscrito na memória, para perceber

o presente pela sua atenção e inserção e o futuro pela imaginação e pelo pensamento. O eu é a manifestação

da unidade de todos esses estados psíquicos. Este eu enquanto consciência psicológica se alimenta das

vivências, das emoções e das compreensões mentecorporais que vêm do seu interior em interação com o

mundo que o rodeia. É a maneira individual e própria como cada um capta o mundo, age e interage nele.

A pessoa é vista, do ponto de vista ético e moral como dotada de vontade livre e responsabilidade,

levando em conta os direitos alheios e o dever. Em suma, quando tratamos da pessoa tratamos da

“capacidade para compreender e interpretar sua situação e sua condição ( física, mental, social, cultural,

histórica) viver na companhia dos outros segundo as normas e os valores morais definidos por sua sociedade,

agir tendo em vista fins escolhidos por deliberação e decisão” (...) (Chauí, op. cit. 117).

O cidadão é a manifestação da consciência que se expressa no nível individual, no nível da inserção

das relações sociais. É o indivíduo dotado de direitos e deveres diante da esfera pública do poder e das leis,

22

Ver o texto de Chauí (1997) em htt p://www.funesj.sc.gov.br/barbiery/filosofia/fil_c10.doc. acessado em 10/06/2007. Ver

www.filosofia.pro.br. 23

Não separei corpo e mente, mente e corpo, pois apesar de nossa língua favorecer esta dicotomia devemos lembrar que a mente é

manifestação corporal, não é uma manifestação apartada do corpo.

LETRAS LIBRAS | 157

que se posiciona a partir de uma determinada situação de classe social e responsável pelos interesses e fins

projetados pela sua classe no conjunto dos interesses do conjunto da sociedade.

Marilena Chauí (118) vai afirmar que

Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a consciência é uma atividade sensível e

intelectual dotada do poder de análise, síntese e representação. É o sujeito. Reconhece!se

como diferente dos objetos, cria e descobre significações, institui sentidos, elabora conceitos,

idéias, juízos e teorias. É dotado de capacidade para conhecer!se a si mesmo no ato do

conhecimento, ou seja, é capaz de reflexão. É saber de si e saber sobre o mundo,

manifestando!se como sujeito percebedor, imaginante, memorioso, falante e pensante. É o

entendimento propriamente dito.

A consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento forma!se como atividade de análise e

síntese, de representação e de significação voltadas para a explicação, descrição e

interpretação da realidade e das outras três esferas da vida consciente (vida psíquica, moral e

política), isto é, da posição do mundo natural e cultural e de si mesma como objetos de

conhecimento. Apóia!se em métodos de conhecer e busca a verdade ou o verdadeiro. É o

aspecto intelectual e teórico da consciência.

Ao contrário do eu, o sujeito do conhecimento não é uma vivência individual, mas aspira à

universalidade, ou seja, à capacidade de conhecimento que seja idêntica em todos os seres

humanos e com validade para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. (...)

É com essa estruturação e organização que lida o sujeito. A vivência é singular (minha). O

conhecimento é universal (nosso, de todos os humanos).

(todos os grifos são da autora)

Embora exposta aqui uma possibilidade de integração da vivência singular e do conhecimento

universal, sabemos que um dos maiores problemas para a filosofia, com o advento da modernidade, é chegar

a essa consciência unitária. O conhecimento na modernidade estabeleceu uma cisão entre o acesso ao

conhecimento do mundo e o acesso à sabedoria que orienta nossa existência humano!social.

As bases da filosofia da existência, como contraponto à filosofia da essência

A pedagogia da essência ganhou forma com Platão quando propõe uma verticalidade em direção ao

mundo das idéias, que é onde se pode localizar a essência das coisas. A educação é a via que permite ao ser

humano não se perder no mundo da sensibilidade, do saber comum e através do pensamento aprende a

orientar!se na busca da essência das coisas. O cristianismo inspirado na concepção platônica concebe dois

planos de realidade, o deste mundo transitório e da busca da verdade eterna, que é Deus. O movimento

reformista protestante, que nasce com a modernidade propõe a idéia de que o ser humano é responsável

pelos critérios que orientam suas ações. O ser humano, responsável pelas suas opções individuais é que vai

realizar a essência humana neste mundo.

LETRAS LIBRAS| 158

Uma das características centrais da pedagogia da essência é estabelecer uma mediação muito forte,

seja a do sábio que detém o conhecimento global do caminho da verdade, seja a do sábio e/ou sacerdote que

detém o conhecimento das verdades reveladas. O protestantismo, inserido nas inquietações do pensamento

moderno, questiona as mediações fortes, distingue as esferas das necessidades espirituais e as esferas das

necessidades temporais. Pressupõe que os seres humanos são alcançados pela graça de Deus e pela sua

justiça, sendo beneficiados independente dos méritos e das ações pessoais. O golpe frontal às mediações

fortes é dado pelo protestantismo quando admite que a verdade pode ser encontrada livremente, pelo

contato direto dos crentes com as Sagradas Escrituras.

Já os filósofos do século XVII procuram problematizar a legitimação dos reis e o poder sobrenatural

da Igreja. Para isso elegeram como questão central a passagem do estado de natureza para o da sociedade

civil. Rousseau, no século XVIII, trata desta questão como decisiva e vai detalhá!la no Discurso sobre a Origem

e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, que se apresenta como pressuposto em Do Contrato

Social. Rousseau discorda de Hobbes e Locke quanto ao contrato que teria possibilitado a saída do ser

humano do estado de natureza. Discorda de Hobbes quando afirma que o contrato põe fim ao estado de

guerra e garante a segurança. Discorda de Locke que atribui ao contrato à garantia da propriedade privada. O

desafio para Rousseau é chegar a “um contrato em que a vontade geral seja soberana e no qual a liberdade

entendida como o dom mais precioso dos homens seja preservada”. (ABRÃO, 1999:288!89)

O pressuposto de que o ser humano é bom por natureza, mas é corrompido pela sociedade, leva

Rousseau a projetar uma sociedade capaz de garantir uma liberdade, um dia experimentada. A contribuição

da educação seria a de estar voltada para a formação moral e política do aluno e aberta à sua experiência e

interesse pelo aprendizado.

O século XVIII é aquele em que se firma o ideário de que cabe ao Estado o controle da educação.

Mas uma distinção cada vez mais nítida se fará entre os filósofos iluministas e os interesses da burguesia. Para

os iluministas a liberdade era concebida como intrínseca ao ser humano. Para a burguesia, a liberdade estava

posta na relação com os outros homens, abrindo caminho para a exploração econômica e a concentração de

bens e riquezas.

Gadotti (idem: 93) lembra que Adam Smith (1723!1790) economista político da nova classe dizia que

a educação para os trabalhadores deveria ser ministrada em conta!gotas. Pestalozzi também defendia uma

oferta desigual de acesso à educação: à classe dirigente instrução para governar, à classe trabalhadora

educação para o trabalho.

A escola nova

O esforço para evidenciar a vida e a atividade de quem aprende para alcançar a eficácia de uma

proposta pedagógica não estará de todo ausente a partir do surgimento da modernidade, vindo a ganhar forte

LETRAS LIBRAS | 159

impulso na pedagogia naturalista e romântica de Rousseau. No entanto, apenas no início do século XX ganha

presença nos sistemas educacionais e na atuação dos professores. Moacir Gadotti (op. cit. 142!) destaca que a

Escola Nova via na educação de crianças e jovens uma possibilidade de fazer avançar a mudança social, o que

reverteria em favor da escola para acompanhar as exigências de um mundo em mudança. Na Europa, Adolphe

Ferrière (1879!1960) educador suíço foi pioneiro e ardente divulgador da escola ativa e da educação nova.

“Para ele a Educação Nova seria integral (intelectual, moral e física); ativa: prática (com trabalhos manuais,

obrigatórios, individualizada); autônoma (campestre em regime de internato e co!educação)”.

Para o educador norte!americano John Dewey (1859!1952), a Escola Nova deveria sustentar como

ideal pedagógico o ensino através da ação e não pela instrução centrada no professor. A educação seria a

oportunidade para reconstruir a experiência concreta, ativa, produtiva, de cada um porque sua pretensão é a

educação para a vida. Dewey defendia uma educação pragmática e instrumentalista. A educação se

apresentaria através da associação teoria e prática, como uma preparação para a convivência democrática,

para a experiência da responsabilidade e da liberdade pessoal.

Magda Soares (1991:53), revendo sua experiência como aluna brasileira inserida neste modelo

educacional, deixa este testemunho:

Na microssociedade que era a escola, organizava!se num regime democrático – uma

autêntica democracia!liberal, segundo o modelo norte!americano: absoluta ausência de

autoritarismo, enquanto este era a norma nas escolas da época; incentivo aos processos

participativos, à formação de associações de alunos, grêmios, “clubes”, sempre sob a égide de

eleições e mais eleições, ênfase em atividades extra!classes e trabalhos comunitários.

Importante notar que tudo isso se passou, em grande parte, enquanto o país vivia o período

do Estado Novo, de modo que a democracia liberal que vivíamos na escola representava um

estágio avançado em relação ao que vivíamos fora dela.

A autora (op. cit.: 55!6), ao re!visitar sua experiência discente mostra que a Escola Nova encontra

suporte para seu ideário pedagógico na sociologia da educação e na psicologia educacional.

A proposta da Escola Nova – ideológica que era, como toda e qualquer proposta pedagógica

apresentava!se a mim, e a quase todos os educadores, àquela época, como um conjunto

lógico e coerente de idéias e valores, capaz não só de explicar a prática pedagógica como

também, e sobretudo, de regulá!la, fornecendo regras e normas para que ela se

desenvolvesse de forma “científica” e “justa”. A teoria sociológica de Durkheim e a Psicologia

experimental é que davam “cientificidade” à proposta; ora sendo ela “científica”, só poderia

ser “justa”. De um lado, a teoria sociológica de Durkheim fundamentava a concepção da

educação como socialização do indivíduo, de outro lado, a Psicologia experimental conferia

racionalidade e objetividade à prática pedagógica.

Gadotti (op. cit. 144) ressalta que na Escola Nova o aluno está no centro. Para que isso ganhasse

viabilidade era preciso métodos ativos e criativos centrados no aluno. Desse modo os métodos de ensino se

constituíam no maior avanço desta proposta de escola. Acompanhemos sua exposição: “Os projetos poderiam

LETRAS LIBRAS| 160

ser manuais, como uma construção; de descoberta, como uma excursão; de competição, como um jogo; de

comunicação como a narração de um conto, etc. A execução de um projeto passaria por algumas etapas:

designar o fim, preparar o projeto, executá!lo e apreciar o seu resultado”.

Pedagogos, entre outros, que se destacaram com seus métodos foram kilpatrick (1871!965), Decroly

(1871!1932), Maria Montessori (1870!1952), Roger Cousinet (1881!1973).

A Escola Nova representa um avanço incontestável em relação à pedagogia autoritária e

conservadora, mas não deixa de ser um instrumento útil aos interesses capitalistas. O ser humano novo, ativo,

participante, que é valorizado pela responsabilidade e pelo mérito pessoal está plenamente inserido no

projeto dominante de sociedade. Lembramos que poucos pedagogos escolanovistas ultrapassaram a ideologia

burguesa, com o cuidado de evidenciar a exploração do trabalho, a dominação política, a oferta desigual do

ensino de qualidade em uma sociedade de classes.

Podemos, após estas breves considerações, destacar que o movimento da Escola Nova foi ganhando

legitimidade afirmando!se, como experimentou Magda Soares, como uma escola moderna, científica, aberta

aos interesses públicos. Os escolanovistas não podem negar os contatos com o positivismo e com o marxismo,

tornando!se, portanto, como dirá Gadotti (idem 147!48) um movimento complexo e contraditório. O

movimento não ficou nos limites de um movimento a serviço do pensamento liberal. Os teóricos marxistas

como Bogdan Suchodolski e Georges Snyder não negaram uma perspectiva de integração dessas correntes.

Paulo Freire também reconheceu os avanços da Escola Nova e sua contribuição, mas lembrava que a

educação pode servir à prática da libertação ou então servir aos interesses dominantes da sociedade, sem

questioná!los de forma profunda. O autor argumentava também que a valorização da criança pela Escola Nova

não pode equivaler a uma ilusória renúncia à direção educativa. Isso porque os interesses dos grupos

dominantes são veiculados pelos poderosos meios de comunicação e de informação agindo sobre as

aspirações e a mentalidade dos setores populares.

Como já destacamos neste texto: Rousseau apresenta uma ruptura com a pedagogia da essência,

quando oferece elementos para a elaboração de uma pedagogia da existência. Esta pedagogia da existência

ganha fôlego no século XIX e XX, especialmente porque é coerente com as crises que a modernidade foi

experimentando quando são rompidos, um a um, os laços estáveis de ligação do ser humano com o cosmos,

com a natureza, com a consciência. Como sabemos, Copérnico no século XVI evidenciou que a terra e o

homem nunca estiveram no centro do universo; Darwin mostrou que o ser humano está entranhado nos

processos evolutivos inscritos no mundo natural; Freud viu que a consciência constitui uma pequena fração de

nossa vida psíquica. Marx viu o indivíduo esmagado pelas condições materiais da vida social e política. O

século XX foi, por sua vez, marcado por duas grandes guerras mundiais e por guerras de independência dos

países pobres diante dos seus colonizadores.

LETRAS LIBRAS | 161

O século XX, a complexidade do mundo como tema da filosofia e da pedagogia e a nossa inserção nesse debate24

Uma das características da filosofia do século XX, de acordo com Abrão (op. cit. 441!42), é incorporar

a experiência histórica, que é uma forma de estar atento à complexidade do mundo, à tematização da

contingência e da busca da liberdade. Neste contexto prosperam as filosofias e as proposta educacionais da

existência. O tema da existência, porém, já se constitui problema no século anterior. Kierkegaard (1813!1855)

e Nietzsche (1844!1900), entre outros, ofereceram contribuições marcantes para a filosofia e a pedagogia da

existência.

Para Kierkegaard o caminho não é o de buscar o sentido do indivíduo numa racionalidade que anula

as singularidades. Uma vez que o indivíduo é único, mas sua aspiração o eleva para além de si mesmo é na

individualidade que vai definir sua existência. Nietzsche admite como tarefa da filosofia rever as morais e as

religiões, quando então nos defrontaremos com a análise da civilização, sendo que daí desponta o problema

da existência humana.

Nietzsche, como diz Ghiraldelli Jr. (op. cit. 94) criticou a metafísica da subjetividade, a noção de

subjetividade criada na modernidade. Discutiu a dificuldade para distinguir o que é verdade e falsidade, de

modo que abre pistas para um pensamento não fundacionista, questionando a idéia de que somos obrigados a

adquirir uma visão global e unificada do mundo e de nós mesmos. Nietzsche com novos método filosóficos

abre caminhos para um trabalho com a linguagem.

Em síntese, como alerta Gadotti (op. cit. 159). uma pedagogia da essência estabelece um programa

para levar o aluno “a conhecer sistematicamente as etapas do desenvolvimento da humanidade; a pedagogia

da existência, a organização e a satisfação das necessidades atuais do aluno através do conhecimento e da

ação”.

Abrão (idem: 441) sugere que não podemos falar de um existencialismo, no singular. Há uma

multiplicidade de direções, diversidade de influências presentes. Quando se fala de filosofia da existência o

que se pretende destacar é a existência humana como o foco privilegiado de análise. Para a autora, no século

XX há uma influência metodológica de análise de Husserl pelo fato de que a fenomenologia está presente na

obra de Heidegger e de Sartre. O que Husserl propõe é se colocar de frente dos fenômenos para buscar

descrevê!los, para tentar interpretá!los, pelo que manifestam, por aquilo que está por trás das aparências. No

entanto, se há uma diretriz metodológica da fenomenologia de Husserl não há uma vinculação quanto ao

conteúdo que são privilegiados.

A fenomenologia existencialista trouxe um grande dinamismo para a educação. O ser humano deixa

de ser visto a partir de modelos estáveis, o diálogo, o conhecimento do universo do outro, o reconhecimento

24

Para construir este tópico eu tomei como referência básica o capitulo 11 e o 15 do livro de Moacir Gadott i (op. cit.).

LETRAS LIBRAS| 162

das diferenças ganham grande importância. A fenomenologia abre caminhos para uma antropologia filosófica

aberta, sem preconceitos e que incorpora uma práxis e um envolvimento.

Filósofos existencialistas que marcaram a educação, especialmente em nosso país foram: Martin

Buber (1878!1966, Merleau!Ponty (1908!1961), Emanuel Mounier (1905!1950), Sartre (1905!1980), Paul

Ricoeur (1913!).

O nosso país até acolher a influência dos citados autores teve que percorrer um longo e dificultoso

caminho. Não foi fácil superar os condicionamentos de país colonizado, marcado por uma cultura escravista

alongada, e por uma sucessão de experiências de poder pouco interessadas em incorporar efetivamente sua

população às conquistas contemporâneas no campo do pensamento, da ciência e da técnica.

Até quase o fim do século XIX o pensamento pedagógico dominante no Brasil esteve preso ao

catolicismo tradicional. Aos poucos novas idéias foram trazidas da Europa, numa vertente laica, liberal,

positivista, o que permitia fazer com que a educação apresentasse algumas alternativas, ainda que tímidas.

Moacir Gadotti (op. cit. 230) lembra que a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924 tem

vínculos diretos com o projeto liberal da educação, que se movia nos moldes de um otimismo pedagógico, ou

seja, esperava!se, proclamava!se reconstruir a sociedade através da educação. Deve ser lembrado que pouco

efetivamente acabava sendo realizado, afinal o Brasil do começo do século XX, conforme o senso detinha mais

de 74% de sua população analfabeta. (Paiva, 2003:95)

Reformas importantes foram realizadas por intelectuais na década de 20, na tentativa de superar a

educação tradicional, conservadora, de cunho confessional, que havia predominado no país ao longo de sua

experiência como colônia de Portugal e também como Império.

A herança dos jesuítas fez sobreviver no país um ensino verbalista, retórico, livresco, com ênfase no

esforço da repetição, no desempenho individual, na memorização, no uso de castigos corporais e na utilização

de conteúdos descontextualizados. Havia um ensino das letras, destinado a formação dos senhores, e um

outro para as classes populares, sendo que as atividades agrícolas, a pecuária e os ofícios e artes, na maioria

das vezes não garantiam uma exigência quanto ao domínio da leitura e da escrita. Isso explica, em grande

parte o grande número de analfabetos produzidos no país.

Num balanço sobre a educação brasileira do fim do Império, Rui Barbosa faz dois pareceres ao

Parlamento, o primeiro sobre o ensino secundário e superior e o segundo sobre o ensino primário. Rui Barbosa

apela para a liberdade de ensino, a laicidade da escola pública e a instrução obrigatória. Seus pareceres

denunciam nosso atraso educacional, a fragmentação do ensino e o descaso com a educação da população

brasileira, predominante até o império.

Esboços de uma educação aberta aos operários e pensada contra a opressão e a coerção foi realizada

pelo movimento anarquista do início do século. Era uma educação que durou pelo menos até 1919, na capital

de São Paulo e são Caetano. A escola anarquista servia aos filhos dos operários e era influenciada pelo

movimento anarquista europeu. Os anarquistas estavam sendo pressionados pelas autoridades, devido a

LETRAS LIBRAS | 163

informações de que eles tramavam a derrubada do governo. O conflito provocou o encerramento das

experiências libertárias na esfera da educação no país.

Em 1930 a burguesia urbano!industrial assumiu o poder e abriu caminho para um novo projeto

educacional. A educação pública ganhou espaço nas preocupações dos que estavam no poder. O Manifesto

dos pioneiros da educação nova, em 1932, assinado por 27 educadores renomados do país, sintetiza o

resultado político e doutrinário dos 10 anos de luta da ABE, em sua reivindicação em favor de uma Plano

Nacional de Educação.

Em 1938 é fundado O instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, o INEP. Em 1944 o INEP publica a

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Os grandes teóricos do período são: Fernando de Azevedo (1984!

1974), Lourenço Filho (1987!1970), Anísio Teixeira (1900!1971). O pensamento pedagógico liberal teve as

contribuições de Roque Spencer Maciel de Barros, João Eduardo Villalobos, Antonio de Almeida Junior, Laerte

Ramos de Carvalho, Moyses Brejon e Paul Eugêne Charboneau.

Os católicos e os liberais representavam as duas grandes forças opostas quanto ao entendimento do

que fazer com a educação no país. Enquanto os liberais defendiam uma escola pública laica, os católicos não

queriam perder os espaços que controlavam, o que incluía garantir nas escolas, de modo geral, a formação

religiosa. O que havia entre as duas grandes forças era um não questionamento profundo da organização do

sistema econômico reinante, da produção da exclusão, que entre outras oportunidades, negava a escola para

as classes populares. A análise das contradições de classe, com poucas exceções, estava ausente da reflexão

dos dois grupos. Com o surgimento de uma proposta pedagógica crítica, a exemplo das iniciativas de Paschoal

Lemme, Álvaro Vieira Pinto e Paulo Freire, a questão da transformação radical da sociedade vai sendo

colocada, incluindo o lugar da educação a serviço dessa transformação.

Com o fim da era Vargas o país vive um período de democratização, com marcantes experiências

político!pedagógicas, que será interrompido com o golpe de 1964 e que será retomado com grande vitalidade

a partir do fim da década de 70 e ao longo da década de 80, quando os trabalhos de base, junto aos setores

populares das periferias urbanas e das zonas rurais ganharam grande impulso, especialmente com as

mudanças trazidas pela Igreja Católica progressista e aliados.

Daí para a frente tivemos a Constituinte de 1988 e a aprovação da LDB, em dezembro de 1996. Uma

das maiores lutas do fim do século XX para o século XXI é garantir que todas as crianças e jovens brasileiros

estejam freqüentando a escolas e tenham acesso às tecnologias da comunicação e da informação.

Vimos que no início do século XX mais de 74% da população brasileira eram analfabetos. A questão

que atravessou o século passado e até agora não parece ter sido solucionada é esta: como lidar com esta

realidade da nossa grande população? Lastimar o atraso vivido pela maioria do povo brasileiro ou tentar

entender o que essa população pouco escolarizada elaborou, construiu, entendeu para sobreviver numa

sociedade extremamente desigual e perversa na distribuição de bens e riquezas produzidas socialmente?

Como fazer para entender uma população que tem sobrevivido com poucas oportunidades, mas que continua

LETRAS LIBRAS| 164

ativa, migrante, mestiça e reconhecidamente comunicativa? Como transformar estas e outras disponibilidades

da população em suportes para que as pedagogias possam avançar de forma inventiva em direção aos

domínios do saber sistematizado, da ciência e da técnica?

Depois de tudo o que herdamos dos filósofos e educadores progressistas europeus, norte!

americanos, especialmente ao longo do século XX, quero destacar a contribuição de Paulo Freire, que traz uma

autêntica contribuição de pensadores provenientes dos países pobres. Esse educador, expulso do país com a

instauração da ditadura militar de 1964, soube acolher uma herança progressista de filósofos e educadores

brasileiros e outros, e foi capaz de afirmar o que ficou mundialmente conhecido como a pedagogia do

oprimido.

Freire nos levou a entender que só tem sentido uma pedagogia libertadora quando tivermos a

humildade de reconhecer que é preciso conhecer profundamente o universo de vida e de pensamento dos

nossos alunos das classes populares, de todos os alunos que estão em nossas salas de aula. Que o fato de

fazermos parte de uma cultura na qual prevaleceu majoritariamente ao longo dos séculos o domínio da

oralidade e dos saberes da inteligência prática, que isso não nos diminui. O que há de melhor na inteligência

das necessidades práticas é a curiosidade humana, a mesma que move a inteligência científica, com todas as

suas conquistas e novas possibilidades. Freire nos convida a reabilitar os saberes da atenção e da sensibilidade

que trazem de volta a filosofia de vida desenvolvida por Zadig pelos príncipes de Serendip.

Freire nos desafia a pensar processos político!pedagógicos capazes de promover os domínios de uma

inteligência da prática em domínios de uma inteligência cientifica, indagadora, abdutiva. Ele deixou claro que

não há uma receita para realizar tal empreendimento, mas evidenciou que esse é um caminho para as

pedagogias críticas percorrerem para acolher o que há de melhor nos saberes da nossa grande população.

Assim, retomar a estatística do analfabetismo do início do século XX ajuda a pensar como lidar com a

estatística da inclusão digital do início do século XXI. Com relação aos índices alarmantes do analfabetismo do

início do século não é difícil entender que a população majoritária do campo estava propensa a aceitar o

discurso dominante de que o trabalho agrícola, o trabalho com a pecuária e demais atividades produtivas e

técnicas, não exigiam o domínio da leitura e da escrita e o acesso ao conhecimento científico. Agora, no início

do século XXI o problema da exclusão digital tem uma face muito mais cruel porque os quase 80% da

população nordestina, os mais de 87% da população paraibana estão mais do que nunca cientes da perda

irreparável que significa não ter acesso aos meios mais avançados e versáteis de comunicação e de

informação.25

25

Ver htt p://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/acessoainternet/comentarios.pdf. Acessado em 29/05/2007.

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