democracia, civismo e cinismo

Upload: fabio-wanderley-reis

Post on 08-Apr-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    1/37

    Democracia, civismo e cinismo

    Um estudo emprico sobre normas e racionalidade

    Fbio Wanderley ReisMnica Mata Machado de Castro

    I

    O enfrentamento de perspectivas epistemolgicas no campo das

    cincias sociais reflete-se nas discusses sobre a democracia e as condiesde consolidao democrtica. No plano geral, o principal enfrentamento

    provavelmente o que hoje ope a abordagem da "escolha racional", propensaa destacar os interesses e o clculo supostamente racional orientado por eles,e uma abordagem "convencional" de tipo sociolgico ou sociopsicolgico,inclinada a salientar a importncia dos valores e normas no comportamentodas pessoas.

    No plano dos estudos sobre a democracia e sua consolidao, a

    abordagem "convencional" se traduz sobretudo no recurso noo de"cultura poltica", concebendo-se o problema da implantao da democraciacomo sendo, em ampla medida, o da criao e difuso de uma cultura

    poltica que lhe seja afim em particular a "cultura cvica" de que falavamAlmond e Verba (1963).1Por sua vez, alm dos estudos econmicosclssicos do funcionamento do sistema democrtico, um exemplo notvel daaplicao do instrumental da escolha racional aos problemas da transio democracia e da estabilidade democrtica se tem com os trabalhos de AdamPrzeworski.2

    Publicado naRevista Brasileira de Cincias Sociais, vol. 16, n. 45, fevereiro de 2001, pp. 25-46.1 Laitin (1995) uma til resenha de vrios volumes recentes que se ligam de alguma forma tradio de estudos de cultura poltica iniciada por Almond e Verba, dos quais o de maiorimpacto certamente Putnam (1993). No Brasil, estudos recentes tm retomado a idia da culturapoltica. Merece destaque o livro de Jos lvaro Moiss (1995), onde se analisa extenso conjuntode dados desurveys. Pode-se citar tambm Lamounier e Souza (1991).2 Dois exemplos so Przeworski (1991) e Przeworski (1995).

    1

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    2/37

    Por contraste com as nfases unilaterais a serem encontradas nesseconfronto de abordagens, uma psicologia capaz de explicar de modoadequado as complicaes da ao ser necessariamente complexa. Umesquema explicativo satisfatrio referiria as aes a atitudes (ou disposiesmais ou menos permanentes a agir desta ou daquela forma), as quais,ademais do componente de aspiraes, desejos ou interesses (em acepoampla desta ltima palavra, relativa ao aspecto motivacional, como tal, daao) que est, naturalmente, sempre presente, se veriam sempre tambmcondicionadas tanto por um componenteprescritivo (as normas e os valoresmorais de qualquer natureza) quanto por um componente cognitivo (as

    percepes, crenas e expectativas).

    O papel dos fatores de natureza cognitiva coloca um problema deespecial importncia. A referncia racionalidade que se tem com a

    perspectiva da escolha racional pareceria remeter necessariamente a taisfatores. Mas, apesar das contribuies de certa literatura adjacente a ela,3 emsua forma mais ortodoxa essa perspectiva tem sido, na verdade, avessa aoexame detido dos intrincados problemas relativos aos fatores cognitivos. Na

    psicologia simples que caracteriza a perspectiva da escolha racional, supe-se que a referncia aos "interesses" tomados como objeto "frio" de clculoe tipicamente como sendo de natureza "material", presumidamente emcontraste com o que se teria no caso de normas e valores seria suficiente

    para assegurar "assepsia" e racionalidade.4 H, porm, algumas dificuldades.

    Em primeiro lugar, a idia de interesse envolve importantesambiguidades. Se possvel contrapor os interesses s "paixes", como fazHirschman (1979),e salientar sua frieza calculista em contraste com o calordestas, a noo de interesse costuma ser usada tambm para indicarengajamento e parcialidade "quentes", em contraste com a idia da ao"desinteressada". Alm disso, uma concepo adequadamente sofisticada deracionalidade no permitiria jamais assimil-la ao clculo mope; aocontrrio, a idia de racionalidade, bem concebida, na verdade requer acapacidade de reflexividade, com a consequncia de que o agente se

    mostrar tanto mais racional quanto mais seja capaz de incluir nadeliberao sobre a eficincia de suas aes as consideraes relativas aos

    3 Veja-se, por exemplo, Elster (1986). Cabe mencionar tambm a busca dos limites daracionalidade feita em trabalhos como Elster (1979) e Elster (1989).4 Tentativa recente (e no de todo bem-sucedida, dadas as confuses em que se envolve) dedistinguir o modelo explicativo da escolha racional de um outro modelo tratado como cognitivose tem em Boudon (1998). Veja-se tambm Reis (1997), republicado em Reis (2000a).

    2

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    3/37

    valores e normas e ao prprio ideal de vida que lhe importa realizar. Apesarde que tipicamente a abordagem da escolha racional suponha prefernciasdadas ou interesses definidos pelos estmulos que emergem do contextomais ou menos imediato da ao, e portanto de maneira fatalmente mope,na ao reflexiva e propriamente racional a miopia e a busca de objetivos ouinteresses "dados" e a resposta a estmulos emergentes ou circunstanciais severo substitudas pela capacidade de perseguir autonomamente objetivosremotos que se acham necessariamente condicionados pelo sentido daidentidade pessoal. Ora, a identidade no apenas plasmada socialmente emampla medida, com consequncias paradoxais para a escolha racional comoabordagem supostamente peculiar;5mais que isso, na medida em que seconstitui em fundamento imprescindvel da adeso a um ideal de vidaestabelecido de maneira autnoma, a identidade tem conexes importantescom a prpria idia de moralidade, ligando-se com a possibilidade de

    superao tanto do conformismo no compartilhamento de desejos ouaspiraes quanto de formas convencionais de moralidade. Tais indagaesnos levariam a nada menos que uma sociopsicologia do desenvolvimentointelectual e moral. Surge aqui, assim, a propsito da questo das conexesentre o cognitivo e o racional, tambm o problema das conexes entre ocognitivo e o moral, o que reorientaria a discusso para o campo normativo aque se refere a abordagem "sociolgica" da cultura poltica.

    De qualquer modo, a literatura "convencional" das cincias sociais setem ocupado, h muito tempo, da dimenso cognitiva do comportamento emreas afins questo geral da democracia, tais como o problema da

    participao poltica e eleitoral. Um antecedente clssico a merecer destaquetem-se na concepo marxista da "conscincia de classe", com respeito qual se supe que certos traos de natureza intelectual-ideolgica,condicionados por fatores "estruturais", iro por sua vez condicionar a

    possibilidade da ocorrncia de atitudes e comportamentos de um tipo ou de

    5 Pois, no obstante a importncia atribuda categoria da racionalidade, dar conseqncia a essaimportncia e atentar plenamente para as complicaes envolvidas fatalmente levaria aperspectiva da escolha racional a diluir-se numa sociologia "convencional" para apreender de

    maneira adequada aquilo que molda socialmente o prprio ator racional como tal e apreservao da especificidade da abordagem exigiria a adeso a uma concepo antes tosca emope de racionalidade. O movimento correspondente economia "ps-walrasiana", recobertopela designao confusa de "novo institucionalismo" e incluindo a "information economics", deJoseph Stiglitz (1994), a transaction cost economics, de Oliver Williamson (1985), e ocontested exchange, de Samuel Bowles e Herbert Gintis (1993), pode ser visto comoconsistindo, no fundo, na tentativa de responder a esse paradoxo, com o questionamento dossupostos da economia neoclssica no prprio corao da disciplina que inspira a abordagem daescolha racional e com a diluio da fronteira entre a economia e as demais cincias sociais.

    3

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    4/37

    outro (passividade ou ao revolucionria de classe etc.). J na sociologiaeleitoral de orientao emprica, os pioneiros trabalhos de Philip Converse ecolaboradores sobre ideological constraintsalientavam h tempos o papelexercido pela capacidade de estruturao ideolgica e pela sofisticaointelectual geral no condicionamento do comportamento dos eleitores. Halguns anos, uma rigorosa reviso e consolidao das verificaes dediversos trabalhos referidos conexo entre conhecimento e opinio nocampo dos estudos eleitorais norte-americanos foi empreendida por W.Russell Neuman em The Paradox of Mass Politics. A noo de "sofisticao

    poltica" assume a lugar central, e continua a merecer ateno especial emestudos recentes.6

    No Brasil, pouco destaque tem sido dado a variveis cognitivas nosestudos voltados quer para o processo eleitoral, quer para o comportamento

    poltico em geral e sua articulao com o tema da democracia.7 Noobstante, certo conjunto de verificaes e anlises brasileiras indicam suaimportncia, que pode ser mesmo maior em pases como o Brasil do que emoutros, dadas as consequncias das disparidades sociais para o acessodiferencial educao. H alguns anos, Mnica Mata Machado de Castro(1994) dedicou-se extensamente ao estudo do comportamento eleitoral

    brasileiro com ateno especial para o fator cognitivo, valendo-seespecificamente, com destaque, da idia de sofisticao poltica nostermos exatos em que ser retomada abaixo. Em outros de nossos trabalhosanteriores, alm disso, procura-se apreender a lgica geral em operao no

    processo poltico-eleitoral por referncia ao papel de articulao eintermediao exercido por fatores de natureza intelectual relativamente svariveis salientadas por dois modelos encontrados na literatura para darconta do problema da participao poltica: o modelo da "centralidade" e oda "conscincia de classe".8 No primeiro se realam sobretudo a posiosocioeconmica dos indivduos e sua insero em ambientes urbanos ou

    6 Vejam-se Converse (1964) e Neuman (1986). Um exemplo mais recente de estudo dedicado aosefeitos eleitorais da sofisticao poltica se tem com Macdonald, Rabinowitz e Listhaug (1995).7 Cabe mencionar dois exemplos em perspectivas analticas diferentes. O primeiro o livro de

    Marcus Figueiredo (1991). No obstante o lugar central ocupado pela idia do eleitor racional nasdiscusses nele feitas, no h qualquer ateno especial para o fator cognitivo como tal e suapossvel relevncia para a racionalidade. O outro o livro de J. A. Moiss (1995) mencionadoanteriormente. A perspectiva aqui antes sociolgica e culturalista, mas tampouco h maiornfase nos aspectos cognitivos, apesar do reconhecimento da importncia da escolaridade(conectada com sofisticao em nota de rodap em que se remete ao volume de Neuman acimacitado) e da informao, da qual se apontam brevemente efeitos anlogos aos que so tratados emtermos de centralidade em nossos trabalhos anteriores que se mencionam em seguida.8 Os dois modelos foram classicamente confrontados em Pizzorno (1966).

    4

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    5/37

    rurais, enquanto no segundo se destacam atitudes que redundam na maior oumenor propenso a agir em defesa dos interesses e que decorreriam dasdiferentes posies socioeconmicas. A articulao proposta entre os doismodelos, a qual se ajusta aos padres evidenciados pelos dados relevantes,

    baseia-se na idia de que so os prprios fatores estruturais da "centralidade"que condicionam o fato de virem ou no a operar as atitudes ou disposiesdestacadas pelo modelo da "conscincia de classe" mas essecondicionamento passa atravs do acesso mais ou menos favorvel que osfatores estruturais permitem a recursos de natureza intelectual e doconseqente grau de sofisticao e acuidade revelado pelos indivduos naavaliao da situao geral com que se defrontam e na definio de seusinteresses relativamente a ela.9Subsiste, naturalmente, a questo de comoessa definio de interesses se relaciona com as normas que eventualmentese mostrem relevantes para os indivduos.

    O projeto a que correspondem os dados a serem examinados tevecomo preocupao saliente a de procurar suprir as lacunas existentes quanto dimenso cognitiva no plano do trabalho emprico. A maneira especficaem que essa preocupao se traduziu concretamente nas operaes levadas acabo ser descrita adiante.

    II

    Parte crucial dos problemas analticos que aqui nos importam comrespeito democracia e sua consolidao gira em torno da idia crucial deinstitucionalizao. Na literatura convencional sobre o tema, a resposta questo da consolidao democrtica procurada em termos deinstitucionalizao, entendida de maneira que remete a normas e suavigncia efetiva. Nessa perspectiva, consolidar a democracia significaimplantar normas democrticas que sejam efetivamente interiorizadas pelos

    agentes polticos (criando-se assim a "cultura poltica" apropriada), e oprocesso correspondente pode ser descrito como o processo deinstitucionalizao democrtica.

    A abordagem alternativa, inspirada na "escolha racional", tem umexemplo destacado em Przeworski (1995). A indagao planteada a de se a9 Vejam-se, por exemplo, Reis (1983) e Reis e Castro (1992), republicados em Reis (2000a).

    5

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    6/37

    resposta questo de como a democracia dura (ou de como obter aconsolidao democrtica) pode ser dada meramente em termos de umequilbrio a resultar automaticamente da livre busca do interesse prprio por

    parte dos agentes. Naturalmente, tambm a noo de institucionalizaoimplica "equilbrio" em certo sentido; mas Przeworski est em princpiointeressado num sentido tcnico e "realista" da expresso. Nesse sentido, aidia de equilbrio contrastada tanto com a condio que resulta daoperao de normas quanto com a intencionalidade envolvida nas barganhasexplcitas, destacando-se nela o papel de mecanismos tpicos do mercado ecaracterizados pelo ajustamento mtuo de natureza espontnea, automtica e"auto-impositiva" (self-enforcing) em que "cada um faz o que melhor parasi dado o que os outros fazem". Podem tais mecanismos, por si mesmos,engendrar a democracia estvel?

    A anlise de Przeworski o inclina a dar resposta positiva pergunta:com apoio em Randall Calvert, instituio se transforma em mero nomeque se aplica a certas partes de certos tipos de equilbrio, no sentido auto-impositivo da expresso (p. 12). Mas a anlise no lhe permite escapar deimportantes dificuldades. Em primeiro lugar, Przeworski acaba resvalando

    para um sentido diferente e normativo de equilbrio, que introduzido aolado do sentido indicado e se mostra com clareza na admisso de que "certosequilbrios podem ser sustentados por compromissos normativos mesmoquando no se sustentem pelo interesse prprio" (p. 20). Em segundo lugar,Przeworski no tem como deixar de explorar ele mesmo a idia deinstitucionalizao em termos que envolvem a correspondncia entre normase equilbrio auto-impositivo e que remetem questo da efetividade dasnormas: assim, o problema da democracia seria o de "fazer constituio queseja auto-impositiva" (p. 17), isto , cujas normas correspondam situaoque se obtm espontaneamente na dinmica dos mecanismos auto-impositivos.

    clara a disjuntiva que se abre, apesar de que o prprio autor noindique perceb-la com clareza no texto em exame. Em primeiro lugar,

    Przeworski pode manter-se fiel definio de equilbrio em que este seproduz estritamente no jogo de naked self-interests. Neste caso, elepermanecer no terreno de sua indagao inicial e sua perspectiva manter apeculiaridade perante a literatura convencional; mas a correspondncia queeventualmente ocorra entre normas e equilbrio surgir ento como fortuita,sem indicar autntica efetividade das normas, pois o equilbrio e acapacidade que a democracia revele de durar no se devero a elas.

    6

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    7/37

    Alternativamente, Przeworski pode incorporar de maneira conseqente osentido de "equilbrio" em que se inclui o papel das normas, caso em queestaremos em terreno afim perspectiva convencional sobreinstitucionalizao e em que o problema de como implantar normas efetivasse colocar de maneira plena. Ora, o que as hesitaes de Przeworskirevelam, naturalmente, a necessidade de reconhecer que o equilbrio auto-impositivo por si s no basta, pois podem ocorrer equilbrios "bons" ou"ruins", que correspondam ou no a situaes normativamente desejveis.Em suas concluses, o prprio Przeworski ressalta explicitamente que "umademocracia cujas prticas reais [isto , resultantes dos mecanismos que

    produzem "equilbrios"] divergem da lei pode ser inteiramente detestvel"(p. 20) o que significa que, independentemente da capacidade de durar quetal democracia apresente, o problema da apropriada institucionalizao(entendida em termos do ajustamento da realidade a um desiderato

    normativo) continua a colocar-se. Na verdade, bem ponderadas as coisas, odesafio por excelncia da institucionalizao democrtica consiste

    justamente na necessidade de romperum equilbrio indesejvel ou negativoe substitu-lo por um "bom" equilbrio (institucional e democrtico). Issotransparece com especial clareza nas anlises de Huntington (1968), onde acondio correspondente s sociedades "cvicas" ou institucionalizadas contraposta condio "pretoriana", que se distinguiria justamente porrepresentar um crculo vicioso um equilbrio perverso e estvel que seauto-refora e do qual no cabe esperar que venha a dar lugar naturalmente e

    por si mesmo dinmica de "crculo virtuoso" do processo deinstitucionalizao democrtica.

    III

    Um passo adiante na colocao do problema geral que nos importapode ser dado se examinamos brevemente a idia de normas e suas relaescom a operao de fatores cognitivos. A nfase de Przeworski no equilbrioauto-impositivo pode ser vista como assentada na contraposio entre ocausal(os automatismos, as determinaes "mecnicas" ou sistmicas, a

    causalidade supra-intencional de Jon Elster, dos quais a ocorrncia deequilbrio no jogo dos interesses seria manifestao10) e o intencional, que se

    pode apontar tanto nas barganhas quanto na operao das normas. Mas hduas maneiras de entender as normas, em que o elemento cognitivo ou

    10 Para a idia de causalidade supra-intencional, tomada como a resultante, no nvel agregado, dasaes intencionais de numerosos agentes, veja-se Elster (1978).

    7

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    8/37

    intelectual faz a diferena decisiva, reproduzindo no plano delas a prpriadistino entre o causal e o intencional.

    Em primeiro lugar, as normas podem ser vistas como o resultado dedeliberao consciente e portanto como envolvendo a capacidade dereflexividade por parte dos agentes. Essa maneira de conceb-lascorresponde, naturalmente, ao sentido em que a idia de normas se achacontida na noo de "autonomia", em que se supe que as normas seguidas

    pelo agente so de sua prpria escolha e responsabilidade. As discusses doprocesso de desenvolvimento moral que se encontram em autores comoLawrence Kohlberg e Jrgen Habermas, inspiradas nos trabalhos de JeanPiaget, destacam como ponto mais alto a fase da moralidade "ps-convencional", na qual se dariam precisamente a reflexividade e aautonomia do sujeito, por contraste com a insero acrtica na moralidade

    convencional do grupo que se teria na fase intermediria e com os elementosegocntricos e hedonistas da moralidade pr-convencional.11

    Mas as normas podem tambm ser concebidas de maneira afimjustamente idia da moralidade convencional, caso em quecorresponderiam a regras assimiladas e interiorizadas de maneira irrefletidae sem questionamentos por parte dos agentes. Neste sentido, ao invs deserem objeto ou elemento de um processo de deliberao intencional, asnormas surgem antes como fatores a operarcausalmente nocondicionamento das aes das pessoas, como tem sido apontado pelosadeptos da abordagem da escolha racional, propensos a destacar o papel daintencionalidade e da racionalidade no comportamento, em vez de talcausao normativa. Vistas nessa perspectiva causal, as normas podemtambm descrever-se, conforme sugestes de Piaget (1973), como fenmenomarcado por um aspecto estocstico, caracterizando-se elas prprias, emampla medida, como resultante cega a emergir, no plano agregado, do jogodas mltiplas interaes entre os agentes sociais.

    Ora, essa distino entre maneiras de conceber as normas, ou talvez

    entre tipos de normas, tem desdobramentos importantes para a questo dainstitucionalizao. O ponto crucial que o segundo tipo de normas asnormas irrefletidas, ou interiorizadas de forma rotineira e banal que relevante para se pretender falar de um sentido de "equilbrio" em que ofator normativo tenha atuao importante. Pois na medida em que asnormas operam de maneira irrefletida e automtica que se tem a11 Veja-se, por exemplo, Habermas (1979).

    8

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    9/37

    institucionalizao, se entendemos esta ltima como envolvendo a criaode uma "tradio" ou "cultura", ou de uma disposio sociopsicolgicacompartilhada estavelmente pelos membros da coletividade, que so levadosa agir naturalmente e sem esforo dentro dos moldes prescritos pela tradio.A ocorrncia de uma tradio de civismo, ou de uma "cultura cvica", com oapego difundido aos mecanismos e valores democrticos, corresponderia democracia consolidada na qual se daria um "equilbrio" que seria tambmnormativo, com parmetros normativos eficazes para o jogo auto-impositivodos interesses. Nessa condio, cada indivduo, mesmo movido pelointeresse prprio, ao procurar "fazer o que melhor para si dado o que osoutros fazem", nos termos da definio de equilbrio formulada porPrzeworski, teria latentemente em conta a operao surda mas efetiva (ouefetiva, em boa medida,porque surda) das normas no sentido de mitigar osefeitos do interesse no condicionamento das aes de todos. O problema

    envolvido na consolidao e institucionalizao da democracia consistiriajustamente, nessa ptica, em implantar com eficcia os parmetrosnormativos do jogo auto-impositivo dos interesses implantao esta queseria bem-sucedida precisamente na medida em que lograsse tornar"automtica" a prpria operao dos parmetros normativos. A observaogenrica a contida pode talvez expressar-se em termos das intuiesfundamentais de mile Durkheim, vendo-se nos mecanismos durkheimianosque atuam nas cristalizaes (institucionais...) em que o jogo do mercado seequilibra e ganha objetividade e exterioridade em relao aos indivduosisolados nada mais que um caso especfico da operao de tais mecanismosno plano geral da sociedade e das instituies como tal. Assim, em contrastecom a perspectiva de Randall Calvert adotada por Przeworski, em que asinstituies surgem como um caso de equilbrio auto-impositivo, seria talvez

    possvel propor que os equilbrios prprios do mercado representariam antesum caso do que se pode designar como instituies sociais em perspectivadurkheimiana.

    Como bem claro, tudo isso coloca um problema especial paraqualquer ao que se oriente deliberadamente para a implantao da

    democracia digamos, a ao do legislador ou estadista empenhado emviabilizar e consolidar uma constituio democrtica. Pois trata-se, com essaao, do paradoxo de criar artificial e deliberadamente uma condio (umatradio) em que artificialismo e deliberao venham a ser dispensveis, jque se tornar, por definio, espontneo e natural aquilo que a tradiovenha a prescrever. As coisas no fazem seno complicar-se quando nosdamos conta de dois outros fatos: primeiro, de que a construo de uma nova

    9

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    10/37

    tradio se far contra a resistncia de uma tradio anterior, que induzformas de comportamento distintas daquelas que se procura implantar;segundo, de que esses difceis aspectos psicossociais do problema estaroinevitavelmente ligados com aspectos estruturais e de relaes de poder,donde decorre que o empenho de erigir uma nova tradio seja prprio decertos interesses e foras sociais, aos quais se oporo outros, apegados tradio antiga que se procura superar e estrutura de poder que com ela searticula.

    IV

    Os dados discutidos a seguir correspondem a umsurvey cujo trabalhode campo se executou ao final de 1991 e ao longo de 1992.12 O tema centralera a idia de um "pacto social", situando as conexes entre questes de

    ndole trabalhista e de ndole poltica como o foco principal de interesse. Nadefinio das amostras a serem entrevistadas, procurou-se combinar a

    preocupao de incluir categorias diversificadas de trabalhadores com a deprover uma espcie de lastro populacional geral. A combinao dessescritrios com consideraes prticas de diversos tipos resultou em quetivssemos, ao cabo, 2150 entrevistas distribudas em seis conjuntosamostrais assim constitudos: (1) 900 entrevistas com amostra da populaode Belo Horizonte, estabelecida por quotas baseadas nas variveis sexo,idade, escolaridade e renda familiar; (2) 5 conjuntos de 250 entrevistas comamostras especiais de trabalhadores de diversos setores ocupacionais dosestados de Minas Gerais e So Paulo (250 com trabalhadores daMannesmann, empresa siderrgica de Contagem, Minas Gerais; 250 comtrabalhadores da Metal Leve, empresa metalrgica da capital paulista; 250com empregados da refinaria da Petrobrs em Paulnia, So Paulo; 250divididas em partes iguais entre trabalhadores do Grupo ABC, de atividadesindustriais e agrcolas, e da Granja Planalto, de atividades agrcolas,empresas sediadas ambas em Uberlndia, Minas Gerais; e 250 com

    12 O projeto, que se denominou Pacto Social e Democracia no Brasil e teve o apoio financeiro da

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), foi coordenado por FbioWanderley Reis e contou, em todas as suas fases, com a participao de Mnica Mata Machadode Castro e de Edgar Pontes de Magalhes, Antnio Augusto Pereira Prates e MaloriPompermayer. O trabalho de campo esteve a cargo do Instituto Vox Populi, sob a superviso daequipe do projeto. Cumpre registrar nossos agradecimentos pela colaborao mantida comequipe do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (Cebrap), sob a liderana de GuillermoODonnell, especialmente no que se refere preparao de parte do questionrio e aos contatos(com a ajuda, em particular, de Vinicius Caldeira Brant e Adalberto Cardoso) para a realizaodas entrevistas com algumas das amostras de trabalhadores mencionadas em seguida.

    10

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    11/37

    empregados e ex-empregados da Minerao Morro Velho, em Nova Lima,Minas Gerais). Um mesmo questionrio, contendo 127 perguntas, foiaplicado a todos os diferentes conjuntos. Nas anlises a serem feitas adiante,dado o empenho de explorao da articulao de certas dimenses analticasgerais dos problemas que nos ocupam, no se tomaro separadamente asdiferentes subamostras.

    Quanto aos contedos investigados, dois grandes conjuntos devariveis atitudinais ou de opinio foram explorados. Em primeiro lugar, asvariveis que chamamos "trabalhistas", envolvendo atitudes que, emborafrequentemente de alcance tambm poltico, referem-se sobretudo srelaes de trabalho, destacando-se, em especial, o contraste entre umadisposio mais ou menos "cordata" e propensa negociao com os setores

    patronais e uma disposio reivindicante e inclinada ao conflito, em

    combinao com a maior ou menor propenso solidariedade trabalhista ouao "egosmo" estreito. Em segundo lugar, variveis correspondentes aatitudes ou opinies propriamente "polticas" (ou de "cultura poltica").Exemplos importantes deste segundo conjunto se tm com o apoio democracia em geral ou a diversos aspectos ou mecanismos institucionais dademocracia, bem como o grau de conservadorismo ou inconformismo dasopinies polticas expressas.

    Alm dessas variveis atitudinais ou de opinio e, naturalmente, deperguntas destinadas a estabelecer o backgroundsocial geral e a experinciaocupacional e trabalhista dos entrevistados, nosso questionrio reservouespao importante dimenso cognitiva, coerentemente com as

    preocupaes antes apontadas. Os indicadores e medidas utilizados arespeito davam nfase a assuntos polticos e trabalhistas, procurandocombinar o interesse por poltica e o empenho de manter-se politicamenteinformado (que de certa forma ainda correspondem a atitudes, embora derelevncia especial para as diferenas propriamente intelectuais oucognitivas que os indivduos venham a revelar quanto poltica) com aavaliao direta do grau de informao sobre questes polticas e trabalhistas

    e da capacidade de lidar de maneira conceitualmente sofisticada com taisquestes. A complexa bateria de perguntas relativas a esta dimenso geralconstante do questionrio foi posteriormente sintetizada num ndice, quedecidimos chamar de "sofisticao poltica".13 A Tabela 1 permite apreciar a

    13 O ndice geral de sofisticao poltica combinava uma dimenso dada por trs perguntas sobreo envolvimento com a poltica (interesse por poltica, exposio ao noticirio poltico nos meiosde comunicao de massas e o que s vezes se designa em termos de sentimento de eficcia

    11

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    12/37

    intensa correlao positiva existente entre as posies no ndice desofisticao poltica e o grau de escolaridade dos entrevistados.

    [Tabela 1 por aqui]

    V

    O exame dos dados a ser apresentado a seguir, orientado pela questogeral da articulao entre cognio e normas com referncia ao tema dademocracia, concentra-se em explorar as relaes entre opinies polticas esofisticao, de um lado, e, de outro, a articulao de ambas com um par devariveis de significado especial para aquela questo. Estas ltimasemergem do contexto das preocupaes trabalhistas do projeto e dizemrespeito ao contraste relevante do ponto de vista da acomodao envolvida

    na idia de um pacto social e, em geral, das atitudes que se adotaroperante a poltica econmico-social do governo entre disposiesaltrustas, solidrias ou cvicas, por uma parte, e, por outra, disposiesegostas ou, no limite, cnicas, empenhadas na promoo do interesse

    prprio.

    Comecemos o exame dos dados pelas atitudes ou opinies polticas.Note-se, em primeiro lugar, na Tabela 2, o claro aumento da adeso geral democracia que ocorre com o aumento da sofisticao. A forte correlaoentre as duas dimenses se d tanto no caso de indicadores referidos idiageral de democracia em contraposio a "ditadura" e aos requisitos poltico-

    poltica, ou seja, a concordncia ou no com a idia de que a poltica complicada e no podeser entendida) com outra dimenso dada por trs conjuntos de perguntas em que o que interessavae foi objeto de codificao eram dois aspectos: o grau de informao, em sentido estrito, de quedispunham os entrevistados sobre assuntos polticos e trabalhistas, por um lado, e, por outro, oque se poderia designar como sua capacidade de conceitualizao, traduzindo-se na capacidadede responder de maneira elaborada e refinada a perguntas abertas sobre assuntos poltico-econmicos diversos. Os dois conjuntos estritamente informacionais procuravam avaliar acapacidade dos entrevistados de ligar corretamente duas listas de nomes a cada uma dasdiferentes centrais sindicais (em um caso) e a cada um dos partidos polticos (em outro) existentes

    no Brasil. O terceiro conjunto, em cuja codificao se levou em conta tambm o carter maisadequadamente elaborado ou preciso das respostas, indagava do entrevistado o que foi o PlanoCruzado, o que quer dizer maraj, o que significa FGTS, o que o parlamentarismo, oque que anda acontecendo nos pases socialistas da Europa, o que entende por pacto social equal foi o acontecimento ocorrido no Brasil em 1964 e qual o seu significado. Os trs conjuntosse mostraram altamente correlacionados entre si e com escolaridade. Informaespormenorizadas sobre os diversos aspectos do trabalho de elaborao do ndice de sofisticaopoltica e das dimenses ou subndices que o compem encontram-se em Castro (1994), AnexoII.

    12

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    13/37

    institucionais da primeira (ndices de disposio democrtica-1 e dedisposio democrtica-2)14 quanto no de indicadores que se referemespecificamente garantia dos direitos civis como parte do idealdemocrtico (ndice de posio quanto aos direitos civis).15 A Tabela 2

    permite, contudo, outra observao de interesse: ela mostra que a acolhidadada s supostas dimenses da idia geral de democracia que os diversosndices expressam difere marcadamente. Assim, enquanto os itensdiretamente polticos que compem os dois ndices de disposiodemocrtica resultam em distribuies com nveis totais de concentraonas categorias altamente favorveis democracia que alcanam a faixa dos31 e 42 por cento (com nada menos de 64 e 70 por cento de respostasaltamente democrticas no extremo mais alto de sofisticao), a categoriados altamente favorveis defesa dos direitos civis das pessoas no vai almde uma porcentagem total de 18 por cento, e mesmo entre os entrevistados

    do extremo superior de sofisticao no temos seno 39 por centointensamente apegados aos direitos civis.16 Isso sugere com fora que, emcontraste com o que talvez seja a suposio dominante a respeito, osdiferentes aspectos envolvidos esto longe de surgir necessariamente, naconscincia popular, como dimenses de uma mesma atitude ou disposio

    bsica, o que contm implicaes importantes se pretendermos vir a contar

    14 O ndice de disposio democrtica-1 inclua perguntas sobre a preferncia pela democracia(por contraste com em alguns casos, uma ditadura ou um regime autoritrio e com a idia deque para o povo, na verdade, d tudo na mesma), sobre as eleies como a melhor maneira de

    se escolher o governo e as autoridades do pas, sobre a necessidade da Cmara dos Deputados,do ponto de vista da utilidade prtica, e sobre a necessidade dos partidos polticos, sequeremos ter democracia. O ndice de disposio democrtica-2 inclua trs perguntas em quese pedia a concordncia ou discordncia com afirmaes formuladas nos seguintes termos: osproblemas do pas nunca vo se resolver se a gente no deixar o presidente governar do jeito queele achar melhor para todos; os juzes e os tribunais no deveriam meter-se nas decises que opresidente toma; e uma vez eleito, o presidente deve mandar sem o Congresso e os partidospolticos criarem obstculos.15 O ndice de posio sobre os direitos civis se refere a uma bateria de perguntas em que sepedia a concordncia ou discordncia com cada uma das seguintes afirmaes: gente que apolcia prende por praticar crimes deve poder ser mostrada nos noticirios de televiso, poisbandido tem mesmo que passar vergonha; um absurdo a polcia invadir barracos de favelas,

    sem ordem da Justia, para procurar criminosos; a eliminao de bandidos pelos esquadres damorte ou os linchamentos de bandidos pelo povo so coisas que a gente tem de aceitar quando aviolncia dos criminosos aumenta; torturar gente presa, mesmo para combater os criminosos, inaceitvel; a polcia faz bem em exigir que pessoas suspeitas mostrem a carteira de trabalhopara provar que so gente boa.16 Na verdade, a observao mais pormenorizada dos dados a respeito revela que preciso ir aosnveis superiores de escolaridade (nvel universitrio) e sofisticao para se encontrar, porexemplo, a opiniofavorvelaos esquadres da morte e ao linchamento de bandidos em minoriaperante outras opinies e mesmo a a opinio favorvel se situa na faixa dos 30 por cento...

    13

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    14/37

    com anlises apropriadamente refinadas quanto ao tema geral da culturapoltica.

    [Tabela 2 por aqui]

    Essa sugesto se refora quando nos voltamos para a Tabela 3, ondese encontram os dados relativos a um aspecto especial, que mereceobservao em separado. Trata-se das respostas a um item em que se pedia aconcordncia ou discordncia das pessoas entrevistadas com a afirmao deque, em vez de partidos polticos, o de que a gente precisa um grandemovimento de unidade nacional dirigido por um homem honesto edecidido. Com suas conotaes autoritrias e mesmo fascistizantes, o itemconta com a concordncia total de 73,7 por cento dos entrevistados,concordncia esta que alcana 69 por cento mesmo na categoria alta de

    sofisticao e s no majoritria na categoria muito alta (onde, porm,ainda representa 42,6 por cento das opes). Os desconcertantes matizesenvolvidos na conscincia popular a respeito dos diversos aspectosassociados ao tema geral da democracia se revelam mais nitidamente se essaobservao contrastada, em particular, com o que se pode ver nos dadosrelativos ao ndice de disposio democrtica-2 (Tabela 2). Assim como a

    pergunta alusiva a um homem honesto e decidido, as perguntas quecompem o ndice foram includas em nosso questionrio com a inteno dese obter um teste preliminar de certas sugestes de Guillermo ODonnell(1994) sobre a vigncia de disposies que permitiriam falar de umademocracia delegativa em pases como o Brasil. Ora, os dados relativos aondice de disposio democrtica-2 so claramente contrrios hiptesegeral de ODonnell: alm do que mostram os dados sintticos da Tabela 2(onde se v que 68,9 por cento das respostas se situam nas duas categoriasmais altas do ndice, o que envolve a recusa da postura delegativa), aobservao em separado das respostas s diversas perguntas que o compemrevela que as respostas antidelegativas (que discordam de que o presidentedeva ser deixado em paz pelos demais poderes e pelos partidos paragovernar como achar melhor) ficam, no total, entre 63 e 68 por cento, sendo

    muito altas (entre 54 e 60 por cento) mesmo entre os entrevistados de menorsofisticao. Contudo, essa disposio antidelegativa aparentementedifundida no impede o apoio igualmente difundido que indica antes a

    propenso delegativa sugerida por ODonnell idia de uma lideranapessoal forte e capaz de afirmar-se fora da rbita partidria e institucional,bastando que a idia seja formulada em termos que contm a aluso a traos

    14

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    15/37

    ou ocorrncias que tendem a ser percebidos de maneira positiva(honestidade, unio nacional)...

    [Tabela 3 por aqui]

    No obstante o interesse de tais matizes, destaquemos o essencialquanto ao que aqui nos importa, ou seja, o papel cumprido pela varivelsofisticao poltica em si mesma. Nos dados observados at este ponto, sejaqual for o nimo dominante entre os entrevistados a respeito de um item deopinio ou outro, o incremento de sofisticao produz sempre o aumento deuma disposio que cabe ver como democrtica, quer se trate de maior

    propenso a avaliar de maneira favorvel as instituies da democracia, demaior apego idia dos direitos civis ou de menor propenso a se deixarseduzir por solues personalistas e autoritrias.

    luz de nossa discusso anterior, especialmente quanto articulaoentre o fator cognitivo ou intelectual e diferentes maneiras de se conceber aadeso a normas, surge a questo de como interpretar essa observao.Indicar ela necessariamente a adeso reflexiva e lcida aos princpiosdemocrticos por parte dos intelectualmente mais sofisticados? H umahiptese alternativa, que destacaria o carter convencional da adeso aosvalores democrticos, na atualidade, mesmo em pases que no contam comtradio democrtica mais efetiva, como o Brasil. Nesta perspectiva emque, naturalmente, o fato de se tornar convencional essa adeso pode servisto como algo em princpio favorvel difuso e eventualmente realinstitucionalizao da democracia em diferentes pases , a exposio maisinformada e sofisticada ao mundo poltico poderia representar a inseromais intensa na atmosfera convencional, redundando na adesoespontnea e em alguma medida irrefletida aos valores democrticosconvencionais e na disposio sua pronta verbalizao.

    [Tabela 4 por aqui]

    Essa perspectiva se corrobora de maneira indireta (ou por contraste)por meio do que se pode observar quanto a alguns itens de natureza algodiferente. Trata-se de itens que aludem herana aristocrtica e elitista dasociedade brasileira e a seu carter fortemente estratificado e dual. Eles tmainda em comum o fato de que, apesar de envolverem valores claramenteafins aos de uma perspectiva democrtica, correspondem a temas quefiguram menos explicitamente no iderio democrtico que tem circulao

    15

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    16/37

    convencional entre ns, sendo rara a tematizao das relaes problemticasentre nossas tradies elitistas e a operao da democracia.17 Assim, revelador observar, como mostra a Tabela 4, que as relaes desses itenscom sofisticao poltica tendem a ser o oposto do encontrado nos casosanteriores: quanto mais sofisticadas as pessoas, mais suas opinies seinclinam na direo que cabe ver como antidemocrtica quanto aos itens emquesto (concretamente, em termos dos nossos indicadores, mais contrriasao voto do analfabeto, menos propensas a considerar o elevador de serviocomo discriminao e a condenar o tratamento especial aos criminosos deeducao superior). Naturalmente, parte da explicao se encontra na altacorrelao entre a sofisticao e as variveis que entram na prpriacomposio de nossa estrutura social fortemente estratificada e desigual,como a Tabela 1 ilustra com o caso da escolaridade, que se acha ela mesmacorrelacionada, sem dvida, com outros fatores de posio socioeconmica:

    nossos sofisticados, sendo mais educados, tendem a ser tambm gente sociale economicamente favorecida. A constatao da inverso do sentido dasrelaes com sofisticao no caso desses itens se mostra mais significativaquando nos damos conta de que a relao positiva com sofisticao ocorreno somente no caso da adeso aos direitos civis e aos aspectos poltico-institucionais da democracia, mas tambm no de outros itens que agrupamosem dois ndices, progressismo social e radicalismo poltico (Tabela 5).18

    Note-se que, se os valores expressos no contedo social do primeiro dessesndices podem ser vistos como afins ao iderio democrtico convencional,

    17 Especificamente, as perguntas pertinentes do questionrio utilizado referiam-se s atitudes ouopinies dos entrevistados a respeito do voto do analfabeto (contra ou a favor) e de dois temasmenos diretamente polticos: o direito a priso especial para as pessoas de curso superior (em queos entrevistados eram convidados a escolher entre as respostas uma boa medida, porque aspessoas de curso superior que se vem envolvidas em crimes devem ter direito a tratamentoespecial e uma medida errada, porque os criminosos de qualquer tipo devem ter o mesmotratamento) e a separao entre elevador social e elevador de servio nos edifcios deapartamentos (com escolha entre as respostas A separao entre elevador social e de servio apenas uma forma de manter a ordem e o bom funcionamento dos edifcios e A obrigao deusar o elevador de servio tambm uma forma de discriminar e humilhar certas categorias depessoas).18 O ndice de progressismo social baseou-se em trs perguntas referidas concordncia ou

    discordncia com as seguintes afirmaes: o melhor trabalho para a mulher tomar conta dacasa, os homossexuais devem ser aceitos como qualquer outra pessoa e toda mulher quequeira deveria ter a possibilidade de fazer aborto. O ndice de radicalismo poltico refere-se aprovao ou desaprovao de formas de reivindicar ou protestar que iam desde abaixo-assinadosat aes de sabotagem nas empresas, passando por manifestaes pblicas e passeatas, greves eocupaes de prdios e fbricas, bem como aprovao ou desaprovao (tomada com valoresinvertidos em relao aos dos itens anteriores) das reaes eventualmente suscitadas: o uso dafora pela polcia para dissolver manifestaes, o uso do Exrcito contra greves, a demisso degrevistas ou o desconto dos dias de greve no pagamento dos grevistas.

    16

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    17/37

    enquanto o segundo se relaciona de maneira equvoca com esse iderio,nenhum dos dois faz qualquer aluso direta aos problemas envolvidos emnossa tradio aristocrtica e elitista.

    [Tabela 5 por aqui]

    Seja como for, a interpretao em termos de convencionalismo seajusta, como veremos em seguida, s constataes de maior interesse

    propiciadas pela anlise dos dados. Antes de nos voltarmos para elas,contudo, cabe salientar que o convencionalismo apontado no tem por quelimitar-se aos aspectos diretamente poltico-institucionais da democracia.Ele certamente prevalece tambm, de maneira importante para o que vir aseguir, quanto a valores de maior alcance, embora politicamente relevantes,

    como o altrusmo, a solidariedade ou o civismo, e se ope manifestaodesinibida de posturas egostas ou cnicas que se orientem, sem mais, pelointeresse prprio. Vale a pena observar, assim, os dados constantes daTabela 6, que se referem a uma pergunta de nosso questionrio na qual se

    procurou traduzir em termos de atitudes com respeito a greves a tenso entreobjetivos comuns que exigiriam solidariedade e o clculo relativo aointeresse prprio, tenso esta que se acha no cerne da anlise clssica deMancur Olson (1968) sobre o dilema da ao coletiva.19 Observe-se que arejeio ao egosmo calculista expresso na pergunta no apenas amplamente majoritria em todos os nveis de sofisticao, como tambmapresenta clara correlao positiva com esta ltima, com a discordnciaexcedendo os 90 por cento na categoria dos mais altamente sofisticados.

    [Tabela 6 por aqui]

    VI

    Tomemos agora os dados relativos ao par de variveis de significadoespecial anteriormente mencionado. Trata-se de duas perguntas ligadas entresi do questionrio utilizado: na primeira se procurava avaliar o carter mais

    19 A pergunta indagava sobre a concordncia ou discordncia do entrevistado diante do seguinteenunciado: Alguns acham que, em matria de greve, a coisa mais inteligente a fazer noparticipar, pois se a greve for vitoriosa o trabalhador ganha de qualquer jeito, e se no forvitoriosa ele no coloca em risco o seu emprego.

    17

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    18/37

    ou menos cvico e altrusta (ou, ao contrrio, egosta e talvez cnico) daatitude ou disposio geral que os entrevistados se mostravam propensos amanifestar diante dos problemas do pas; j a segunda, que se aplicavasomente aos que respondiam de maneira cvica pergunta anterior,envolvia a introduo de uma clusula realista e restritiva na definio dasituao hipoteticamente defrontada pelos entrevistados ao escolherem umalinha de conduta, procurando apreender o possvel impacto dessa alterao(e, portanto, da mudana nos termos em que supostamente se daria aapreenso cognitiva da situao) sobre a atitude em questo.20

    As constataes permitidas pela observao das respostas sograndemente reveladoras. Tomemos a Tabela 7, que mostra, em diferentescategorias em que se combinam graus de escolaridade e de sofisticao,tanto as porcentagens de preferncia (cvica) por pequenos ganhos em

    resposta primeira pergunta quanto as propores do deslocamento para apreferncia (cnica) por maiores ganhos em resposta segundapergunta. Para comear, observa-se o claro predomnio da disposioaltrusta ou cvica nas respostas primeira das duas perguntas. Embora hajacelas em que a reduo do nmero de casos prejudica o clculo de

    porcentagens (especialmente nas combinaes de escolaridade baixa comsofisticao muito alta e de escolaridade alta com sofisticao baixa, dada acorrelao existente entre as duas variveis), clara a tendncia geral dosentrevistados a optar majoritariamente, e freqentemente em grandesmaiorias, pela alternativa em que se declara a disposio de aceitar pequenosganhos para "ajudar o esforo do governo". Alm disso, os nmerosmostram, de maneira aparentemente consistente com o que se observouacima a respeito da adeso democracia, perceptvel tendncia geral aoaumento de "civismo" com o aumento de sofisticao: nos diferentes nveisde escolaridade, embora ocorram ocasionais perturbaes, medida que sesobe nos nveis de sofisticao tende-se a ter maiores freqncias da opo

    20 Era a seguinte a formulao exata das duas perguntas:A. Digamos que o governo estivesse fazendo tudo o que preciso para tirar o pas da

    crise em que ele est e fosse necessrio discutir a questo dos salrios, lucros ou ganhos de cada

    um. Neste caso, o Sr.: 1. se contentaria com pequenos aumentos de salrio (ou outros ganhospessoais) se isso fosse ajudar o esforo do governo; ou 2. preferiria maiores aumentos de salrio(ou outros ganhos), mesmo atrapalhando os planos do governo.

    B. (Se escolheu a alternativa 1 na anterior) Digamos que a maioria preferisse ganhos ouaumentos imediatos e que, em consequncia, o esforo do governo para tirar o pas da crise,mesmo srio e bem intencionado, tivesse poucas chances de dar certo. Neste caso, o Sr.: 1.continuaria se contentando com pequenos aumentos de salrio (ou outros ganhos) para ajudar oesforo do governo; ou 2. preferiria maiores aumentos de salrio (ou outros ganhos), mesmoajudando a atrapalhar os planos do governo.

    18

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    19/37

    altrusta por pequenos ganhos. O efeito geral da interao entre sofisticaoe escolaridade tambm bastante claro: como se observa ao longo dadiagonal principal da tabela (nmeros em itlico e sublinhados), com oaumento simultneo de escolaridade e sofisticao passamos de um nvelgeral de respostas "cvicas" de cerca de 49 por cento para outro de 73 porcento, apesar da perturbao da tendncia geral ao crescimento contnuo quese observa na passagem da categoria de escolaridade ginasial esofisticao mdia para a de escolaridade colegial e sofisticao alta.

    [Tabela 7 por aqui]

    Quando examinamos, contudo, na mesma Tabela 7, as porcentagensrelativas ao deslocamento de civismo para cinismo nas respostas segunda pergunta, observamos algo surpreendente. Pareceria provavelmente

    razovel esperar, luz dos dados comentados no pargrafo anterior, que ossetores sofisticados e educados das populaes estudadas, em geral mais

    propensos ao civismo, se mostrassem tambm menos propensos aodeslocamento em questo, reiterando a preferncia altrusta por pequenosganhos. O que os dados revelam, porm, justamente o oposto: maioressofisticao e escolaridade tendem antes a produzir, de modo geral, diante daredefinio da situao introduzida pela segunda pergunta, maior inclinao reavaliao da posio altrusta inicial e adeso posio egosta oucnica. Isso se pode ver de maneira sinttica, como nos nmeros anteriores,

    pela observao da diagonal principal da tabela (atente-se agora para osnmeros em negrito): passa-se de uma porcentagem de mudana de posiode 20,4 por cento na cela correspondente s categorias inferiores deescolaridade e sofisticao para outro de 43,5 por cento no caso dosextremos superiores dessas variveis. Por certo, tambm aqui temos aspectosespecficos dos dados que representam perturbaes da tendncia geralobservada; mas, nas observaes relativas a uma pergunta como outra, oque se possa apontar de perturbao quanto manifestao dos padresdestacados perde importncia diante do fato de que, sendo tais padres

    bastante claros nos nmeros, o segundo deles redunda nitidamente, do ponto

    de vista dos contedos substantivos envolvidos, na inverso do primeiro, oque garantiria o interesse mesmo de observaes que indicassem tendnciasmais tnues no plano dos nmeros. Portanto, se a sofisticao parecefavorecer, em condies normais, o predomnio de atitudes ecomportamentos orientados por normas de solidariedade e civismo, elalevar, na ocorrncia de circunstncias que evidenciem o carter incuo ouineficaz dessa orientao (ou em que agir solidariamente surja como

    19

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    20/37

    equivalendo a bancar o otrio), a que se esteja mais pronto a substituir ocivismo pela disposio defesa desembaraada ou cnica do interesse

    prprio.

    Essa configurao de certa complexidade parece ajustar-se interpretao acima sugerida quanto conexo entre sofisticao econvencionalismo. O crescimento das manifestaes de sentido cvico ousolidrio que teramos nas respostas primeira das duas perguntas emcorrespondncia com o aumento da sofisticao poltica expressaria o fatode que esta ltima seria um fator de exposio mais adequada aos traosconvencionais da cultura democrtica e cvica. A redefinio restritiva dasituao contida na segunda pergunta tenderia a induzir uma postura maisreflexiva por parte dos entrevistados, para a qual os fatores de ordemintelectual expressos no ndice de sofisticao poltica seriam instrumentais

    donde a mudana de sentido das correlaes encontradas.21

    Naturalmente, essa linha de interpretao situa um problema intriganteno acoplamento que realiza entre reflexividade supostamente mais intensa e

    21 Vale notar que exatamente os mesmos padres assinalados na Tabela 7 podem ser encontradostambm com respeito s relaes entre algumas das variveis trabalhistas de interesse centralna pesquisa desenvolvida, referidas idia do pacto social. No tnhamos, neste caso, a mesmaestrutura da dupla de perguntas articuladas em que a segunda redefine a situao. Mas os itens doquestionrio relacionados com o pacto social, em seguida a um enunciado inicial em que seexplicava que, com ele, haveria negociaes entre o governo, os patres e os sindicatos de

    trabalhadores para combater a alta do custo de vida e fixar regras para os preos e os salrios,incluam perguntas passveis de terem suas relaes exploradas de maneira anloga da Tabela 7:em primeiro lugar, uma pergunta em que se pedia que o entrevistado se manifestasse sobre apossibilidade, em abstrato, de um pacto desse tipo dar bons resultados para todo mundo (o pas,os patres, os trabalhadores); em segundo lugar, duas perguntas em que se pedia a avaliaopelo entrevistado da confiabilidade do governo, por um lado, e dos empresrios, por outro, emseu comportamento relativamente ao pacto (concordncia ou discordncia quanto a que aseriedade do governo nesse assunto do pacto social merece confiana e a gente pode acreditarque os empresrios cumpririam um acordo de conter preos). Tomando os que se manifestamfavoravelmente idia geral do pacto social e examinando, entre eles, as propores dos quemostram no confiar no comportamento quer do governo ou dos empresrios, as observaes dasrelaes com escolaridade e sofisticao so as mesmas encontradas na Tabela 7: enquanto a

    disposio em princpio favorvel ao pacto cresce claramente com o aumento nos valores dessasduas variveis, quando nos voltamos para o nvel mais concreto da confiabilidade do governo edos empresrios so as respostas negativas que crescem, de maneira igualmente clara, com oaumento de escolaridade e sofisticao. Na linha de interpretao sugerida, o convite para opinarem abstrato a respeito da desejabilidade do pacto social tenderia a representar uma oportunidadepara a expresso de valores convencionais, enquanto a avaliao da confiabilidade de agentescomo o governo e os empresrios dependeria em maior medida das informaes efetivas de quese dispe e se mostraria assim propcia ao crescimento da disposio crtica com maiorsofisticao.

    20

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    21/37

    intensificao tambm do egosmo ou cinismo. Assim, do ponto de vista deuma teoria do desenvolvimento moral, como avaliar o fato de os dadosapontarem uma espcie de regresso ao egocentrismo em condies emque os entrevistados so convidados a refletir melhor e a ponderarcircunstncias que se mostram adversas se apreciadas do ngulo damoralidade convencional? Uma moralidade ps-convencional e autnomaser sempre ou necessariamente solidria ou altrusta?22 Mas h tambm a

    possibilidade de ver as constataes indicadas em termos que salientam acontraposio entre egosmo ou altrusmo (e portanto moralidade), de umlado, e, de outro, mera racionalidade: assim como Olson sustenta, na obracitada, que a ocorrncia do dilema da ao coletiva no depende de que osindivduos sejam egostas, mas somente de que sejam racionais (vale dizer,atentos a consideraes de eficcia em suas aes), assim tambm nossosdados apenas mostrariam indivduos que, quaisquer que sejam seus padres

    morais, reorientam suas aes para a busca de novos objetivos, estabelecidosem termos de interesse prprio, em circunstncias em que a condutamoralmente orientada , por definio, provavelmente ineficaz. Ossofisticados se distinguiriam apenas por terem melhores condies de avaliara eficcia ou racionalidade da ao.

    Seja como for, h ainda um aspecto especial a destacar dasconstataes permitidas pelos dados. Apesar de representar, em sua feiomais geral, um claro desdobramento das observaes anteriores, esse aspectoreala certo componente paradoxal da verificao bsica aqui feita.

    22 Talvez o esclarecimento do problema geral exija que se concebam diferentes graus (e quemsabe diferentes formas) de reflexividade, de maneira que se poderia pretender ver comocompatvel com a perspectiva relativa ao desenvolvimento moral ligada aos nomes de Piaget,Kohlberg e Habermas que mencionamos acima. Seria ento possvel reconhecer que: (1) secomeamos de nveis cognitivos efetivamente pobres ou precrios, avanos cognitivos podemresultar em convencionalismo, com as pessoas transitando do egocentrismo irrefletido para aadoo convencional da perspectiva do grupo; seria num ponto adiantado do processo a suposto,com graus crescentes de reflexividade, que teramos as pessoas alcanando formas de moralidadeautnoma, capazes de se oporem moralidade convencional do grupo; (2) o tipo realista dereflexividade que os dados indicam (intensificao da propenso ao clculo egocntrico com

    sofisticao crescente) poderia ser visto quer (a) como eventual refluxo ou regresso nomovimento rumo a nveis cada vez mais altos de reflexividade que supostamente deveria ocorrerno processo de desenvolvimento moral, quer (b) como uma forma eventualmente diferente dereflexividade. Para os autores interessados no tema da moralidade, a questo envolvida naescolha entre as alternativas a e b seria provavelmente a de at que ponto caberia falarlegitimamente de reflexividade numa situao (alternativa b) que deveria ser vista comoproblemtica ou deficiente do ponto de vista moral por estar associada com o clculo egocntrico.Naturalmente, negar que se trate a de reflexividade equivaleria a assimilar cognio e moralidadede maneira que nos parece insustentvel e que se ope ao que se diz logo em seguida no texto.

    21

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    22/37

    Tomemos a Tabela 8, em que as respostas s perguntas articuladas sobrecivismo e deslocamento para cinismo se distribuem simultaneamente

    por sofisticao e por diversos ndices de opinio sobre assuntos polticos esociais j mencionados acima (os dois ndices de disposio democrtica,o de posio a respeito dos direitos civis, o de progressismo social e o deradicalismo poltico), alm do item especfico sobre a unidade nacional emtorno de um lder honesto e decidido. Algumas observaes podem serassinaladas.

    [Tabela 8 por aqui]

    Por um lado, a opo cvica inicial por pequenos ganhos mostrarelaes desencontradas com os diferentes ndices. Na verdade, as diferenas

    percentuais so em geral reduzidas. De toda forma, mesmo se tomamos os

    ndices que parecem apresentar maior afinidade entre si, como os dois dedisposio democrtica, embora o efeito de sofisticao seja perceptvelna tendnciageral intensificao da opo cvica em cada categoria (baixa,alta etc.) dos ndices medida que sofisticao se intensifica, a opo cvicatende a crescercom o aumento de disposio democrtica-1, enquantotende a decrescercom o aumento de disposio democrtica-2.Analogamente, o efeito do aumento dos valores dos ndices sobre a opocvica no sentido de diminu-la no caso dos direitos civis, enquanto tendelevemente a aument-la no caso de progressismo social e apresentavariaes diferenciadas nas diversas categorias de sofisticao nos casos deradicalismo poltico e do item sobre unidade nacional. Como quer queseja, talvez o que este aspecto dos dados mostre de mais revelador seja o fatode que as atitudes expressas em dois dos trs ndices mais claramenterelacionados com o iderio democrtico convencional (o de disposiodemocrtica-2 e o de adeso aos direitos civis) redundam em algumamedida, ao se intensificarem, em reduzirj a propenso inicial ao civismoque se revela na primeira de nossas duas perguntas articuladas, apesar donvel geral bastante alto dessa propenso.

    Mas algo mais ntido emerge quando consideramos a outra observaoque a Tabela 8 permite, isto , a das porcentagens relativas ao deslocamentode civismo para cinismo diante da redefinio da situao introduzida

    pela segunda pergunta. Tambm aqui as diferenas percentuais so s vezesreduzidas. O que os dados mostram, porm, um perceptvel padro em queas propores de reopo cnica so tanto maiores quanto maiores so asinclinaes democrticas dos entrevistados, quanto mais firmemente aderem

    22

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    23/37

    idia dos direitos civis, quanto mais socialmente progressistas se mostram(mais tolerantes com os homossexuais e com a idia do aborto, maisfavorveis emancipao das mulheres) e at quanto maior o seuradicalismo poltico, que, apesar de relaes equvocas que talvez apresentecom certa concepo do ideal democrtico, tendemos normalmente aassociar com envolvimento poltico e dedicao a causas pblicas. Assim,seriam justamente os mais cvicos, em sentido amplo da expresso, que serevelam mais prontos a rever a opo cvica em favor da defesa egosta dointeresse prprio quando se altera em termos realistas a definio dasituao.

    Naturalmente, parte importante dessa constatao se deve correlaoque antes encontramos entre sofisticao e os itens de opinio considerados.Se, como observamos antes, os mais sofisticados so tanto os mais

    democrticos e cvicos quanto os mais propensos ao deslocamento realistapara o cinismo em determinadas circunstncias, natural que, nas mesmascircunstncias, os mais democrticos e cvicos revelem a mesma propenso.Contudo, a Tabela 8, na qual se acham controlados os nveis de sofisticao,desvenda, ainda que residualmente, um aparente efeito autnomo dasvariveis de opinio, alm de mostrar os diferentes impactos que maior oumenor sofisticao pode ter no sentido de intensificar ou atenuar esse efeitoem diferentes casos. Ora, esse efeito nitidamente paradoxal, pois redundaem sugerir que quanto mais se adere a uma norma, menos efetiva ela emsituaes em que posta prova. Acreditamos que a interpretao possvelse formularia tambm em termos de sofisticao, apontando nas observaesde agora a operao da mesma lgica assinalada anteriormente. Dado que naTabela 8 j se controla a sofisticao poltica tal como se expressa na medida

    por ns utilizada, a interpretao envolveria reconhecer as limitaes dessamedida (como de qualquer outra que se elaborasse, talvez), vendo aindacomo provvel expresso de fatores ligados a sofisticao intelectual geral (e

    portanto como induzindo a atitude mais propensa ao clculo em certascircunstncias restritivas) o simples fato de as pessoas chegarem a assimilaros valores democrticos e cvicos, mesmo se se revelar deficiente o seu nvel

    de informao sobre questes polticas, por exemplo, ou outros aspectosconsiderados em nosso ndice. luz do observado no conjunto dos dadossobre os efeitos gerais de sofisticao, a interpretao parece impor-seespecialmente quando se atenta para os casos em que, na Tabela 8, oimpacto mais forte da adeso a valores de cunho democrtico e cvico sobreo deslocamento realista rumo ao cinismo se d em nossa categoria de

    23

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    24/37

    baixa sofisticao, como ocorre nos dados relativos a disposiodemocrtica-2, direitos civis, progressismo social e unidade nacional.

    VII

    Em concluso, o significado dos padres de maior nitidez econsistncia que os dados revelam parece bastante claro. O que vemos somecanismos de natureza cognitiva (expressos na definio de que se dispeda situao em que hipoteticamente se vai agir e nos diversos nveis desofisticao intelectual com respeito a assuntos polticos) cuja atuao se dora no sentido de reforare ora no desuspendera operao de normasaltrustas, solidrias ou cvicas s quais as pessoas declaram aderirefetivamente. So tambm claras as implicaes dessas constataes do

    ponto de vista das disputas terico-epistemolgicas que tm agitado as

    cincias sociais e nas quais tendem a enfrentar-se os partidrios de umaperspectiva dita econmica, que chama ateno para a racionalidade e oclculo, e outra dita sociolgica, ciosa do papel dos valores, da cultura edas normas. Em vez da contraposio cortante entre os dois aspectos, osdados indicam que um elemento crucial para o clculo o elementocognitivo, a informao em sentido amplo se articula de maneira complexacom as normas. As recomendaes que da decorrem apontam para aimpropriedade da posio inclinada a ver uma tenso insupervel nasrelaes entre o racional e o valorativo ou normativo, ou entre a economiada ao, que diz respeito a seus aspectos de instrumentalidade e eficcia, e aenergtica da ao, na qual se trata de seus aspectos motivacionais e davariedade de fatores (valores, normas, impulsos, afetos) relevantes para amotivao.23 Tais recomendaes se tornam talvez banais a um olhar um

    pouco mais atento e refinado, mas notvel que o fato de que esserefinamento esteja mo no impea que prosperem interminavelmente osequvocos envolvidos no enfrentamento corrente de orientaes ouabordagens.

    Quanto aos problemas mais especficos de anlise poltica referidos

    democracia e sua institucionalizao ou consolidao, parece certamentedefensvel a perspectiva que associa a equilibrao democrtica em queo realismo ao estilo de Przeworski pretende ver o processo decisivo deestabelecimento da democracia no apenas com um elemento normativo,mas especificamente com a implantao de normas que operem de maneirairrefletida e espontnea, tornando-se convencionais e resultando numa23 Vejam-se, a respeito, Reis (2000b) e Reis (1997), este ltimo republicado em Reis (2000a).

    24

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    25/37

    cultura poltica apropriadamente cvica e democrtica. No obstante, nossaanlise mostra a relevncia que os aspectos de natureza cognitiva ouintelectual podem adquirir no processo, pois os dados indicam o papel

    peculiar de situaes em que cognies (percepes, expectativas) tornamirrelevantes e inoperantes mesmo as normas a que convencionalmente seadere.

    A pergunta crucial a emergir a de se tais situaes ocorrero demaneira mais ou menos freqente ou rara. Os mecanismos revelados pornossos dados apontam para a possibilidade de uma espcie de surdosolapamento hobbesiano que talvez se desse at em democraciasestabelecidas, onde as normas convencionais e arraigadas correspondamsupostamente s da cultura cvica. A dinmica em que se produziria esseefeito seria anloga observada na acelerao de processos inflacionrios,

    em que mesmo o suposto apego de todos ao bem pblico correspondente apreos estveis (apego equivalente, em nosso caso, adeso s normasconvencionais de civismo) se mostra irrelevante para as decises de cadaqual quanto a elevar ou no seus prprios preos (em nosso caso,eventualmente agir contra as normas, de maneira egosta) diante da

    percepo das circunstncias dadas pelo comportamento dos demais. Deoutro lado, para o caso dos pases em que prevalece a condio pretoriana,com o jogo fisiolgico de vale-tudo que lhe prprio, a lgica revelada

    pelos dados na operao daqueles mecanismos sugere tambm uma maneiranova de considerar tal condio, em que to longamente ns brasileiros nostemos debatido nas oscilaes de nossa histria republicana e que temimpedido o enraizamento efetivo e cabal das instituies democrticas.

    Nessa perspectiva nova, a superao do pretorianismo no dependeriaapenas (e talvez sequer principalmente) de que normas cvicas sejamdifundidas e assimiladas, mas antes de um difcil jogo de coordenao emque as cognies e expectativas venham a convergir de modo consistente emdireo propcia.24

    24 Em comentrio a verso anterior deste texto, Antnio Octvio Cintra levanta um problema quemerece meno: a idia de que os mecanismos revelados por nossos dados representariam fatores

    de crise seria contrariada por observaes como o apoio aparentemente generalizado que odramtico confisco da poupana realizado pelo presidente Collor em nome do combate inflaoteria recebido. Sem entrar na questo emprica de em que grau esse apoio ter efetivamenteacontecido, no nos parece que se tenha nele, ou em ocorrncias anlogas, algo que secontraponha sugesto feita. Ele se ajustaria perfeitamente s condies consideradas na primeiradas duas perguntas a que se referem os dados da Tabela 7 (um governo que faz o que necessrioe pede sacrifcios de todos) e que so objeto de reaes de sentido cvico, como vimos; no h, nasituao do comeo do governo Collor, nada que devesse levar percepo geral de que a medidaestivesse fadada a no dar resultado, em sintonia com a clusula restritiva introduzida na segunda

    25

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    26/37

    Um aspecto especial dos dados permite algumas reflexes finais.Trata-se do fato de que as reavaliaes cnicas destacadas em nossaanlise so minoritrias: mesmo nos casos de sofisticao alta, em queocorrem com mais freqncia, os deslocamentos para a opo egosta noalcanam nunca, em nossos dados, o nvel dos 50 por cento, ocorrendo em

    propores bem mais baixas nos demais casos. Uma primeira ponderao arespeito de natureza terico-metodolgica, tendo a ver com asconseqncias que eventualmente se poderia pretender extrair da para aquesto do carter mais raro ou freqente da operao dos mecanismosobservados. O ponto a salientar que, naturalmente, o fato de seremminorias a se deslocar para o cinismo no impede que as articulaesevidenciadas entre as variveis discutidas, ou os mecanismoscorrespondentes, atuem em diferentes sociedades e circunstncias; alm

    disso, os dados sugerem que circunstncias de um tipo especfico (crises)provavelmente resultaro em que haja, no mbito de determinada sociedade,a operao mais difundida dos mecanismos cognitivos na forma nelesobservada.

    Mas cabem tambm algumas ponderaes em que aspectos empricose doutrinrios se acham mais intimamente mesclados. As minorias de queaqui se trata correspondem, por definio, sobretudo elite mais sofisticadae politicamente envolvida. Ora, se a maior sofisticao que caracteriza a elitetorna o civismo mais apto a degenerar em cinismo, ento uma culturacvica capaz de ter as conseqncias benficas que lhe so atribudas comrespeito democracia no deveria ser muito exigente quanto sofisticao eao envolvimento dos cidados ela teria antes na relativa apatia doscidados um correlato necessrio. Vemo-nos expostos, assim, aos paradoxosde uma espcie de gullibility theory of democracy, ou de viso na qualcerta passividade e mesmo ingenuidade aparecem como necessrias estabilidade democrtica, por contraste com o ideal republicano do cidadoalerta e participante. Diante dessas deficincias supostamente desejveis

    pergunta. Alm disso, as consequncias agregadas possivelmente perversas da interao entre

    agentes mltiplos (s quais se refere explicitamente aquela clusula) so at a grande razo paraque se conte com a ao coordenadora e saneadora do estado e cabe mesmo, naturalmente,pretender ver no papel cumprido pelas lideranas polticas e governamentais o fator decisivo daeventual coordenao propcia de percepes e expectativas que a superao do prpriopretorianismo exigiria. O que se pode acrescentar que a percepo difundida das aes dessaslideranas como redundando em fracasso (ou talvez como insuficientemente orientadas, elasprprias, por consideraes cvicas) provavelmente ajudar a compor o quadro em que a sensaode bancar o otrio levar ao enfraquecimento que os dados sugerem das disposies cvicas dapopulao, assim cumulando os efeitos negativos dos mecanismos envolvidos.

    26

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    27/37

    para a democracia, como caberia avaliar, por exemplo, as conseqncias dodesenvolvimento material e intelectual, sobretudo se se presume que o

    processo geral se d em termos de desenvolvimento capitalista e deexpanso das relaes tpicas do mercado, tendentes por si mesmas aestimular o clculo orientado pelo interesse prprio? De qualquer modo, eisa sntese de observaes sobre o funcionamento da democracia baseadas emdados desurveys canadenses, a qual d expresso adequada a certa intuiorealista que muitos compartilham: a democracia envolveria minoriasintensas [sofisticadas e cognitivamente competentes] a estabelecer asfronteiras do debate poltico, enquanto os que lutam por cargos manipulammaiorias apticas dentro das fronteiras assim estabelecidas; o problema daestabilidade democrtica consiste na agregao poltica de minoriassensveis s questes polticas [issue-sensitive minorities], e no em algumnvel geral de apoio para a comunidade poltica ou o regime.25 Nessa ptica,

    em que o realismo parece impor-se mesmo no caso de um pas decapitalismo avanado e de democracia consolidada, tambm o jogo decoordenao cognitiva acima sugerido como necessrio superao donosso prprio pretorianismo estar talvez, para bem ou para mal, restrito acerta parcela reduzida da populao.

    Como quer que seja, o desafio com que nos defrontamos pode talvezser sintetizado por referncia complexidade caracterstica do prprio idealcontemporneo de cidadania. Se esse ideal contm, por uma parte, umelemento igualitrio e consensualista que diz respeito ao compartilhamentodostatus resultante da insero numa comunidade, elemento este ao qualcorrespondem as virtudes solidrias e cvicas e os deveres ouresponsabilidades do cidado, ele contm tambm irrecusavelmente certoelemento de afirmao autnoma de cada membro individual da coletividade

    e aqui se trata de algo que latentemente conflitual antes que solidrio ouconvergente. Na verdade, essa ambivalncia caracterstica da prpria

    poltica como tal: de um lado, a afirmao instrumental (para a qual o fatorcognitivo e o clculo so cruciais) dos interesses, que sero, no limite,interesses individuais; de outro, a definio de focos de solidariedade e de

    identidades coletivas em diferentes escalas, de cujo convvio resulta tambma definio de interesses coletivos e compartilhados. O grande desafiodefrontado no processo poltico moderno pode ser visto comocorrespondendo justamente conciliao das tenses que da resultam, demodo a atender demanda contraditria de que a cidadania sejasimultaneamente um foco de convivncia igualitria e solidria dos agentes25 Laitin (1995), p. 171, resumindo as principais contribuies encontradas em Elkins (1993).

    27

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    28/37

    sociais e uma arena para a afirmao lcida e autnoma de objetivos ouinteresses de qualquer natureza.26

    BIBLIOGRAFIA

    Almond, Gabriel, e Sidney Verba (1963), The Civic Culture, Princeton,Princeton University Press.

    Apter, David E., ed. (1964),Ideology and Discontent, Nova York, FreePress.

    Boudon, Raymond (1998), Social Mechanisms without Black Boxes, em

    Hedstrm e Swedberg, Social Mechanisms: An Analytical Approach toSocial Theory.

    Bowles, Samuel, e Herbert Gintis (1993), The Revenge of HomoEconomicus: Contested Exchange and the Revival of Political Economy,

    Journal of Economic Perspectives, vol. 7, no. 1.

    Castro, Mnica Mata Machado de (1994),Determinantes doComportamento Eleitoral: A Centralidade da Sofisticao Poltica, tese dedoutorado, Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro.

    Converse, Philip E. (1964), The Nature of Belief Systems in MassPublics, em Apter,Ideology and Discontent.

    Draibe, Snia, e outros (1989),Para a Dcada de 90: Prioridades ePerspectivas de Polticas Pblicas, volume 4, Braslia: IPEA/IPLAN.

    Elkins, David J. (1993),Manipulation and Consent: How Voters andLeaders Manage Complexity, Vancouver, University of British Columbia

    Press.

    Elster, Jon (1989), Solomonic Judgements: Studies in the Limitations ofRationality, Cambridge, Cambridge University Press.

    26 A elaborao desses temas pode ser encontrada em Reis (1974) e Reis (1989), republicados emReis (2000a).

    28

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    29/37

    --------- ed. (1986), The Multiple Self, Cambridge, Cambridge UniversityPress.

    --------- (1979), Ulysses and the Sirens, Cambridge, Cambridge UniversityPress.

    --------- (1978), Causality and Intentionality: Three Models of Man,apndice 2 do captulo 5 de J. Elster,Logic and Society: Contradictions and

    Possible Worlds, Nova York, John Wiley & Sons.

    Figueiredo, Marcus (1991),A Deciso do Voto: Democracia eRacionalidade, So Paulo, Editora Sumar/Anpocs.

    Habermas, Jrgen (1979), Moral Development and Ego Identity, captulo

    2 de J. Habermas, Communication and the Evolution of Society, Boston,Beacon Press.

    Hedstrm, Peter, e Richard Swedberg, eds. (1998), Social Mechanisms: AnAnalytical Approach to Social Theory, Cambridge, Cambridge UniversityPress.

    Hirschman, Albert O. (1979),As Paixes e os Interesses, Rio de Janeiro, Paze Terra.

    Huntington, Samuel P. (1968),Political Order in Changing Societies, NewHaven, Yale University Press.

    Laitin, David C. (1995), The Civic Culture at 30,American PoliticalScience Review, vol. 89, no. 1, maro.

    Lamounier, Bolivar, e Amaury de Souza (1991), Democracia e ReformaInstitucional no Brasil: Uma Cultura Poltica em Mudana,Dados: Revistade Cincias Sociais, vol. 34, no. 3.

    Macdonald, Stuart Elaine, George Rabinowitz e Ola Listhaug (1995),Political Sofistication and Models of Issue Voting,British Journal of

    Political Science, vol. 25, no. 4, outubro.

    Moiss, Jos lvaro (1995), Os Brasileiros e a Democracia: Bases Scio-Polticas da Legitimidade Democrtica, So Paulo, Editora tica.

    29

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    30/37

    Neuman, W. Russell (1986), The Paradox of Mass Politics: Knowledge andOpinion in the American Electorate, Cambridge, Mass.: Harvard UniversityPress.

    ODonnell, Guillermo (1994), Delegative Democracy,Journal ofDemocracy, vol. 5, no. 1, janeiro.

    Olson, Mancur (1968), The Logic of Collective Action: Public Goods andthe Theory of Groups, Nova York, Schocken Books.Piaget, Jean (1973), A Explicao em Sociologia, em J. Piaget,EstudosSociolgicos, Rio de Janeiro, Forense.

    Pizzorno, Alessandro (1966), Introduzione allo Studio della PartecipazionePolitica, Quaderni di Sociologia, vol. 15, nos. 3-4, jul.-dez.

    Przeworski, Adam (1995), Democracy as an Equilibrium, ms., New YorkUniversity, outubro.

    --------- (1991),Democracy and the Market: Political and EconomicReforms in Eastern Europe and Latin America, Nova York, CambridgeUniversity Press.

    Putnam, Robert D. (1993),Making Democracy Work: Civic Traditions inModern Italy, Princeton, Princeton University Press.

    Reis, Fbio W. (2000a), Mercado e Utopia: Teoria Poltica e SociedadeBrasileira, So Paulo, Edusp.

    -------- (2000b),Poltica e Racionalidade: Problemas de Teoria e Mtodo deuma Sociologia Crtica da Poltica, 2 edio, Belo Horizonte, EditoraUFMG.

    -------- (1997), Racionalidade, Sociologia e a Consolidao daDemocracia, Teoria e Sociedade, no. 1.

    -------- (1989), Cidadania Democrtica, Corporativismo e Poltica Social noBrasil, em Draibe e outros,Para a Dcada de 90: Prioridades e

    Perspectivas de Polticas Pblicas.

    30

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    31/37

    -------- (1983), O Eleitorado, os Partidos e o Regime AutoritrioBrasileiro, em Sorj & Almeida, Sociedade e Poltica no Brasil Ps-64.

    -------- (1974), Solidariedade, Interesses e Desenvolvimento Poltico,Cadernos DCP, no. 1, dezembro.

    Reis, Fbio W., e Mnica Mata Machado de Castro (1992), Regies, Classee Ideologia no Processo Eleitoral Brasileiro,Lua Nova: Revista de Culturae Poltica, no. 26.

    Sorj, Bernardo, e Maria Hermnia Tavares de Almeida, orgs. (1983),Sociedade e Poltica no Brasil Ps-64, So Paulo, Brasiliense.

    Stiglitz, Joseph E. (1994), Whither Socialism?, Cambridge, Mass., The MITPress.

    Williamson, Oliver E. (1985), The Economic Institutions of Capitalism,Nova York, The Free Press.

    TABELAS

    Tabela 1 Sofisticao Poltica por Escolaridade (%)

    Escolaridade

    SofisticaoPoltica

    At PrimrioIncompleto

    PrimrioCompleto

    Ginasial Colegial Universitrio Total

    Muito Baixa 56,1 32,7 25,4 6,6 1,1 26,9

    Baixa 21,0 23,0 22,6 10,8 1,1 18,1

    Mdia 16,2 24,4 26,2 24,9 4,8 21,7

    Alta 5,4 16,3 18,9 27,6 25,7 18,1

    Muito Alta 1,3 3,6 6,9 30,2 67,4 15,2

    Total(N)

    18,5(371)

    22,1(443)

    31,1(625)

    19,0(381)

    9,3(187)

    100,0(2.007)

    Observao: Nesta tabela e nas seguintes no foram considerados 145 casos que no puderam ser classificados nondice de sofisticao poltica.

    Tabela 2 - ndices Diversos por Sofisticao Poltica (%)

    Sofisticao Poltica

    31

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    32/37

    ndicesMuito Baixa Baixa Mdia Alta Muito Alta Total

    Disposiodemocrtica-1BaixaMdia baixaMdia Alta

    Alta (N)

    14,328,243,2

    14,3(301)

    8,628,941,8

    20,7(280)

    8,729,637,5

    24,2(389)

    10,718,835,4

    35,1(345)

    2,79,723,4

    64,2(299)

    9,023,236,2

    31,5(1.614)Disposiodemocrtica-2BaixaMdia baixaMdia AltaAlta

    (N)

    16,722,833,826,7(281)

    18,321,933,526,3(278)

    16,019,627,936,5(362)

    11,318,520,649,6(335)

    5,05,619,370,1(301)

    13,417,726,742,2

    (1.557)Posio sobredireitos civisBaixaMdia baixaMdia altaAlta

    (N)

    32,437,121,09,5

    (472)

    31,534,820,89,5

    (336)

    35,028,821,514,7

    (423)

    23,325,130,521,0

    (347)

    13,620,427,238,8

    (294)

    28,230,023,818,0

    (1.872)Observao: No foram considerados os casos no classificados porque deram respostas no sei ou no responderams perguntas includas nos diversos ndices.

    Tabela 3 Opinio sobre Movimento de Unidade Nacional por Sofisticao Poltica (%)

    Sofisticao PolticaOpinio sobremovimento de unidade

    nacional

    Muito Baixa Baixa Mdia Alta Muito Alta Total

    Concorda

    Mais ou menos

    Discorda

    (N)

    89,4

    2,2

    8,4

    (357)

    84,6

    4,0

    11,4

    (324)

    78,8

    6,8

    14,5

    (400)

    69,0

    7,8

    23,3

    (348)

    42,6

    8,3

    49,2

    (303)

    73,7

    5,8

    20,5

    (1.732)Observao: No foram considerados os casos de no sei e os que no responderam pergunta.

    Tabela 4- Opinies sobre Questes Diversas por Sofisticao Poltica (%)

    Sofisticao poltica

    Itens de opinioMuito baixa Baixa Mdia Alta Muito alta Total

    Voto do analfabetoContraA favor

    (N)

    26,573,5(495)

    24,475,6(357)

    36,763,3(431)

    42,157,9(356)

    46,853,2(299)

    34,465,6

    (1.938)Priso especialCertoMais ou menosErrado

    (N)

    15,21,6

    83,2(506)

    13,02,0

    85,1(355)

    11,93,085,0(428)

    22,74,5

    72,8(357)

    17,97,974.2(302)

    15,93,5

    80,6(1.948)

    32

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    33/37

    Elevador de servio ordemDepende discriminao

    (N)

    40,83,2

    56,1(471)

    46,84,7

    48,5(344)

    44,34,750,9(422)

    51,57.0

    41,5(357)

    54,83,741,5(299)

    46,94,6

    48,5(1.893)

    Observao: No foram considerados os casos de no sei e os que no responderam s perguntas de opinio.

    33

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    34/37

    Tabela 5 Progressismo Social e Radicalismo Poltico por Sofisticao Poltica(%)

    Sofisticao Poltica

    ndicesMuito Baixa Baixa Mdia Alta Muito Alta Total

    Progressismo

    SocialBaixoMdio baixoMdio altoAlto

    (N)

    24,538,030,07,6

    (450)

    16,336,436,211,1(343)

    14,827,043,115,1(418)

    7,723,039,529,8(352)

    2,713,835,947,7(298)

    14,428,736,720,3

    (1.901)RadicalismoPoltico

    BaixoMdio baixoMdio altoAlto

    (N)

    41,330,017,810,9(450)

    28,929,221,120,8(346)

    25,935,822,316,0(413)

    21,731,326,220,8(355)

    3,430,126,240,2(296)

    25,831,422,420,4

    (1.860)Observao: No foram considerados os casos de respostas no sei e os que no responderam s perguntas utilizadas

    para a construo dos ndices.

    Tabela 6 Opinio sobre Comportamento Carona por Sofisticao Poltica (%)

    Sofisticao Poltica

    Carona maisinteligente

    Muito baixa Baixa Mdia Alta Muito alta Total (N)

    Concorda

    Discorda(N)

    46,6

    53,4(268)

    41,6

    58,4(226)

    36,6

    63,4(325)

    25,8

    74,2(283)

    9,2

    90,8(273)

    31,7

    68,3(1.375)

    Observao: No foram considerados os casos de no sei e os que no responderam pergunta.

    34

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    35/37

    Tabela 7 Preferncia por Pequenos Ganhos e Deslocamento para Maiores Ganhos por Sofisticao Poltica e Grau deEscolaridade (%)

    Escolaridade

    SofisticaoPoltica Preferncia

    At Primrio

    Incompleto

    Primrio

    Completo

    Ginasial Colegial Universitrio

    Muito Baixa Pequenosganhos

    (N)

    Deslocamentop/ maior ganho

    49,5

    (103)

    20,4

    55,2

    (80)

    15,0

    55,3

    (88)

    21,6

    48,0

    (12)

    16,7

    _

    (2)

    _

    Baixa Pequenosganhos

    (N)

    Deslocamentop/ maior ganho

    69,2

    (54)

    20,4

    56,9

    (58)

    25,9

    57,4

    (81)

    28,4

    78,0

    (32)

    40,6

    _

    (1)

    _

    Mdia Pequenosganhos

    (N)

    Deslocamentop/ maior ganho

    70,0

    (42)

    26,2

    65,7

    (71)

    25,4

    70,7

    (116)

    29,3

    74,7

    (71)

    33,8

    _

    (4)

    _

    Alta Pequenosganhos

    (N)

    Deslocamentop/ maior ganho

    70,0

    (14)

    35,7

    70,8

    (51)

    29,4

    72,9

    (86)

    29,4

    64,8

    (68)

    29,4

    70,8

    (34)

    35,3

    Muito Alta Pequenosganhos

    (N)

    Deslocamentop/ maior ganho

    _

    (2)_

    81,3

    (13)

    15,4

    81,4

    (35)

    25,7

    76,5

    (88)

    36,4

    73,0

    (92)

    43,5

    Observao: O complemento da primeira porcentagem constitudo pelos que responderam maiores ganhos e nosei ou no responderam primeira pergunta; o complemento da segunda porcentagem constitudo pelos queresponderam pequenos ganhos e no sei ou no responderam segunda pergunta.

    35

  • 8/7/2019 Democracia, Civismo e Cinismo

    36/37

    Tabela 8 - Preferncia por pequenos aumentos e deslocamento para maiores ganhos por ndices diversos e porsofisticao poltica (%)

    Sofisticao PolticaBaixa Mdia Alta

    Disposio Democrtica -1Baixa Mdia

    baixaMdia

    altaAlta Baixa Mdia

    baixaMdia

    altaAlta Baixa Mdia

    baixaMdia

    altaAlta

    PrefernciaPequenosaumentos

    (N)

    Deslocamentop/ maiorganho

    61,2

    (41)

    26,8

    56,6

    (94)

    20,2

    60,7

    (150)

    28,7

    66,3

    (67)

    26,9

    64,8

    (35)

    31,4

    66,3

    (108)

    27,8

    75,2

    (170)

    31,2

    72,2

    (104)

    30,8

    68,0

    (17)

    23,5

    56,5

    (26)

    38,5

    73,2

    (82)

    35,4

    75,7

    (199)

    36,2

    Disposio democrtica.-2

    Baixa Mdiabaixa

    Mdiaalta

    Alta Baixa Mdiabaixa

    Mdiaalta

    Alta Baixa Mdiabaixa

    Mdiaalta

    Alta

    Pequenosaumentos

    (N)

    Deslocamentop/ maiorganho

    65,3

    (64)

    20,3

    64,8

    (81)

    24,7

    59,0

    (111)

    25,2

    58,1

    (86)

    33,7

    77,5

    (62)

    21,0

    73,0

    (84)

    21,4

    68,4

    (93)

    32,3

    70,9

    (158)

    41,1

    80,6

    (25)

    32,0

    68,6

    (24)

    12,5

    72,8

    (67)

    41,8

    72,0

    (206)

    36,4

    PosiosobredireitoscivisBaixa Mdia

    baixaMdia

    altaAlta Baixa Mdia

    baixaMdiaalta

    Alto Baixa Mdiabaixa

    Mdiaalta

    Alta

    Pequenosaumentos

    (N)

    Deslocamentop/ maiorganho

    61,8

    (160)

    21,3

    57,5

    (168)

    22,6

    58,6

    (99)

    18,2

    54,5

    (48)

    31,3

    74,1

    (149)

    28,9

    70,8

    (121)

    28,9

    66,7

    (102)

    29,4

    72,3

    (73)

    34,2

    80,9

    (55)

    30,9

    71,4

    (70)

    31,4

    71,8

    (89)

    36,0

    71,6

    (106)

    38,7

    Opinio sobre movimento de unidade nacionalConcorda Mais ou

    menosDiscor-

    daConcorda Mais ou

    menosDiscor-

    daConcorda Mais ou

    menosDiscor-

    da

    Pequenosaumentos

    (N)

    Deslocamentop/ maiorganho

    63,4

    (376)

    23,1

    47,6

    (10)

    20,0

    49,3

    (33)

    36,4

    71,8

    (324)

    30,2

    53,3

    (24)

    20,8

    79,0

    (83)

    33,7

    73,4

    (171)

    34,5

    79,4

    (27)

    48,1

    71,6

    (131)

    35,1

    Progressismo social

    Baixo

    Mdiobaixo

    Mdioalto