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A financeirização em escalas múltiplas: da metrópole à PEC 241/55 Financialization in multiple scales: from the metropolis to the PEC 241/55 Coordenador: Felipe Nunes Coelho Magalhães, UFMG, Professor Adjunto do Departamento de Geografia, [email protected] Debatedor: Daniel de Mello Sanfelici, UFF, Professor Adjunto do Departamento de Geografia, [email protected]

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Afinanceirizaçãoemescalasmúltiplas:dametrópoleàPEC241/55

Financializationinmultiplescales:fromthemetropolistothePEC241/55

Coordenador:FelipeNunesCoelhoMagalhães,UFMG,ProfessorAdjuntodoDepartamentodeGeografia,[email protected]

Debatedor:DanieldeMelloSanfelici,UFF,ProfessorAdjuntodoDepartamentodeGeografia,[email protected]

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SESSÃO L IVRE

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

A conjuntura macroeconômica e política atual no Brasil apresenta traços marcantes datransescalaridade dos processos que vinculam financeirização, neoliberalismo e os embatespolíticosnametrópole,sendodegrandeenvergaduraeprofundidadeosefeitossocioespaciaisdoscruzamentosdetrajetóriasrelacionadasataisprocessos.

NosúltimosvinteanosnoBrasiltivemososgovernosFHC(1995/2002);oLulismo(2003/2015)eoregimedemercadoautorreguladoTemer(2016…),quelançammãodedispositivos,mecanismoseinstrumentos bastante diferenciados de experimentações re-regulatórias, com variadasrepercussões,nastrêsmercadoriasfictícias:terra,dinheiroetrabalho.Duranteosconservadoresanos1990,marcadospeloConsensodeWashington,tivemosdoisgovernosFHC(1995/2002),emqueforamrealizadastípicasestratégiasdeRoll-Back,deataqueofensivoedesmantelamentodeinstituiçõespúblicasque regulavamomercado, liberandosuas forçasparaagirmais livremente.Foi um momento de privatizações, internacionalização da economia, destruição de postos detrabalho, dedireitos ede garantia, comvigorosa repressãoaosmovimentos sociais.DuranteosgovernosLulaeDilma reestruturações regulatóriasdegrandealcance foram implementadasemuma rodada de Roll-Out, de re-regulação, reentrincheiramento, enfrentando modos degovernança anteriores e criando refúgios de defesa quemesclaram conformação aosmercadoscomdefesadealgunsdireitossociais.

As propostas de restruturação regulatória em curso na escala nacional (com a PEC 241/55 e aspropostasdereformadaCLTedaprevidência)serelacionamclaramenteaumanovarodadadeajusteneoliberal,comvínculosdiretosaosetorfinanceiro,epermeiamprocessosqueinterligamamacroeconomia àmetrópole tantononível dadimensão geoeconômicadesta relaçãoquanto àsuafacetapolítica.Nestecontexto,osprocessosneoliberalizantesseestendemesearraigam,emmaisuma rodadade liberaro “moinho satânico” (nos termosdeKarlPolanyi)domercadoparafuncionarsempeias,emummomentodere-des-construçãoinstitucionaleataqueàdemocracia.Oqueéimpressionanteéquecomo,emcercade20anos,oBrasil,demonstrandoafragilidadedesuajovemexperiênciademocrática,construiutrêsrodadasdeneoliberalizaçãobastantedistintas,umRoll-Back,umRoll-OuteumnovoRoll-Backaindamaisradicalqueoprimeiro.

Areconstituiçãodastrajetóriasquelevamaoquadroatualnaescalanacionalperpassadinâmicasmetropolitanasemseubojo–desdeosvínculosentreapolíticaeconômicapautadapeloretornoàs vantagens comparativas dos setores primário-exportadores e a reprodução da crisemetropolitanaatéas Jornadasde Junhode2013e seusdesdobramentosmúltiplosemdireçõesdiversas.

O pacote de reajuste do governo atual envolve formas de expansão e aprofundamento doprocesso de financeirização da sociedade, que tem na metrópole um terreno privilegiado deexpansão.Háumaprofusãodecanaisquevinculamatividadeseconômicaseformasdeextraçãodevalorerendanumabasedegrandeampliaçãoeheterogeneidadeàremuneraçãodoscapitaisfinanceiros, lógica que se fortalece e se amplia através da restruturação regulatória em curso.Traçar estas ligações passa pela necessidade de revisitar a história de ajustes semelhantes nopassadorecenteeseusefeitos.

Há,destemodo,umanecessidadedeenfoquetransescalarnapesquisaacercadasligaçõesentreos processos de financeirização da política urbana e habitacional, dos capitais imobiliários queatuamnasmetrópoles,edacidadedeformageral,comestesprocessosnacionaisdereajustequeabremespaçoparaoaprofundamentodaatuaçãodasfinançasnasociedade.Háumacúmulodeestudos avançados realizados na última década em torno do aprofundamento das finanças naproduçãodoespaçonametrópole–sendoomomentoatualumimportantepontodeinflexãono

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que diz respeito à escala nacional, podendo gerar rebatimentos importantes nas cidades,tornando-se pertinente assim uma nova agenda de pesquisa em torno do tema, a partir daguinadadeconjunturaemcurso.

Desde a crise financeira de 2008 – deflagrada a partir de dinâmicas inseridas no âmbito dafinanceirizaçãodomercado imobiliárioestadunidense–háumasériede intervençõesearranjosregulatóriosespecíficosparaestarelaçãoentrefinançaseproduçãoimobiliárionomundo,sendoo ProgramaMinha CasaMinha Vida um proeminente exemplo da centralidade destes pacotesparaaconjunturaposterioràcrise.Masobviamente,nãose tratadeumelementonovo,sendolongas as trajetórias da política habitacional no que diz respeito aos arranjos estatais que ainseremnoâmbitodosetor financeiro.Asapresentaçõesabordamo legadodestas linhagensnapolíticahabitacionalbrasileiranocontextoanterioràviradaatual,comespecialatençãoaoMCMVe à utilização do FGTS Nos interessa nesta discussão algumas características deste vínculo noneoliberalismoe sua inserção comopeça importante nopróprio processodeneoliberalização –queenvolve,comoaconjunturaemcursodenotadeformacristalina,umaprimaziadosinteressesdo setor financeiro na definição do aparato regulatório que define regras e parâmetros para ofuncionamentodavariaçãodecapitalismo(edeneoliberalismo)quesepretendeconstituir.

Asapresentaçõespropostasrefletemnãosomenteapropostadatransescalaridadenecessárianosestudossobrefinanceirizaçãoemsuasrelaçõescomoaparatoregulatórioeseus(re)ajustes,masadiversidadecomqueotemavemsendotratadonaliteratura.Hátambémumesforçovoltadoparao entendimento das especificidades brasileiras e às possibilidades de se traçar uma agenda depesquisa em torno do tema de acordo com estas particularidades (históricas, sociais,institucionais), não sem perder de vista as discussões teóricas e a pesquisa já estabelecida nocenáriointernacional.

Emborasejaumprocessoaindadedifícilavaliação,porestaremcursoenãoterseapresentadoemsuacompletudeecomaclarezaquepossibilitaumaanálisecríticamaisaprofundada,pode-seavaliaroperíododochamadoLulismocomoconstituindoumpadrãoespecíficoderelaçãocomosetorfinanceiroequeimprimeformascomqueseusagentesseinterligamaosprocessosurbanos,tendoestaexperiênciachegadoaofimem2016.

Nomomento,desenha-seumreajustequepodeseranalisadoemalgunspontosmaisclaramentedelineados,comoéocasodaPEC241/55,queenvolveumaampliaçãoempotencialdoprocessodefinanceirizaçãoapartirdarelaçãodestesetorcomaofertaprivadadesaúdeeeducação,sendoocongelamentodoprovimentopúblicodestesserviçosumagarantiadeexpansãodoinvestimentoprivadonos setores.Umaextensãodesteprocessonos remeteaumadiscussãoquevemsendolevadaacabonoterrenodateoriasocialemsearasmarxianasepós-estruturalistas(muitasvezesem conjunto, com nos trabalhos deMichael Hardt e AntonioNegri) acerca da dívida como ummododecontrole,deexercíciodifusodopoder,dedisciplinamentoedegestãodaofertademãodeobra.Destemodo,háumaextensãodoprocessode financeirizaçãonametrópoleparaalémdosvínculosqueestesetorengendraatravésdomercado imobiliárioeaaltíssimademandaporfinanciamentosqueeleécapazde induzir,emcontinuidadeaoprocesso jáassistidonasúltimasdécadas, de ampliação do endividamento relacionado ao consumo. Esta abordagem ilustra ocarátermultifacetadodoprocessodefinanceirização,bemcomosuarelaçãocomaproduçãodoespaçoemsuasmuitasdimensões,havendoaíumaagendadepesquisadeigualheterogeneidadeeamplitude,queatravessaummomentodeimplicaçõespotencialmentemuitosignificativasparaosprocessosquesebuscacompreender.

PalavrasChave:financeirizaçãodacidadeedoespaço,neoliberalização,ajusteneoliberal

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Financeirização, Neoliberalização e Austeridade: uma agenda paraestudosurbanosnoBrasil

MarcosBarcellosdeSouza(UFABC),CarlosAntônioBrandão(IPPUR-UFRJ)

Odebatesobrefinanceirizaçãonaliteraturainternacionaltemamadurecidobastantenosúltimosanos,apontoderecentementetersidopostoemdúvidaavalidadedestanoçãodopontodevistaanalíticoepolítico.Emgeral,osestudossobreotematêmevoluídonastrêsseguintesvertentes:economia política, contabilidade crítica e estudos culturais. Embora a primeira vertente tenhamaiordisseminaçãonosestudosnoBrasil, issoocorrenumquadrogeralmentepoucosensívelàsmudanças nas relações entre escalas espaciais. Ademais, no âmbito dos estudos regionais eurbanosastemáticasmaisrecorrentesaoproblemadafinanceirizaçãotêmsidoahabitacional,ouarelacionadaàsestratégiasdeincorporadorasimobiliárias. Poroutrolado,avançandodeformaparalela,épossível identificarumcorposignificativodetrabalhosvoltadosparaareestruturaçãoespacialdoEstadosoba lentedaneoliberalização.Oobjetivodestadiscussãoéaproposiçãodediversos diálogos ainda incompletos: i) entre as vertentes da financeirização e seu potencial dedesenvolvimentonaeconomiaespacialbrasileira;ii)entreasmanifestaçõesconcretasepotenciaisde disseminação do fênomeno, sobretudo na infraestrutura urbana; iii) entre financeirização eneoliberalização.Quantoaoúltimoponto,argumentamosqueodebatesobreausteridadefiscal,emespecialaausteridadeurbana, temopotencialde juntarestesdois importantes referenciaissobre a reestruturação espacial da economia e do Estado. Para isso, será necessário trazer adiscussão para as especificidades do federalismo fiscal brasileiro, demodo a desvendar a novamatrizdepolíticaurbanaqueemerge,bemcomasvariaçõesdo“empreendedorismofiscal”.

Circuitosimobiliário,rentismoefinanças

MarianaFix(IE-Unicamp),LedaPaulani(FEA-USP)

Ao longode séculos,o capitalismopassoupordiferentes fases reservando,emcadaumadelas,distintos papéis à periferia do sistema. De sua posição inicial como território de espoliação nocontexto da fase de acumulação primitiva, o Brasil alcança o começo do século XXI como umaplataformainternacionaldevalorizaçãofinanceira,nocontextodocapitalismofinanceirizadohojevigente. Analisaremos a etapa mais recente investigando a fração do capital especializada napromoçãoimobiliária.Ocapital imobiliáriooferecedificuldadesdeconceituação.Aoincluir,alémdasempresasdeconstruçãopropriamenteditas,proprietáriosdeterra,incorporadoreseagentesde crédito, entreoutros, exigeumadiscussão acuradadas categorias de rendimento associadascomapropriedadeenãocomaprodução,comoosjuros,osdividendoseaprópriarendadaterra.Deoutrolado,ocircuitoimobiliárioformalnãoatende,emformaçõessociaisperiféricas,grandeparte da população, gerando o fenômeno falsamente nomeado “déficit habitacional”. Se oimobiliário já apresenta, de per si, características rentistas pelo lugar que ocupa na economiapolítica e em seu desdobramento na produção do espaço urbano, tem-se de considerar ainda,considerando a etapa histórica do capitalismo na qual vivemos, o fato de o certificado depropriedadeserpotencialmenteumaformadecapital fictício,umtítulo jurídicoquedádireitoaseu detentor de se apropriar de uma parte da riqueza social. É a especificidade desse tipo demercado e sua adequação à lógica do capitalismo financeirizado no Brasil que pretendemosexplorar.

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Relação entre fundos públicos e provisão habitacional nadominânciadocapitalfinanceiro

LucianadeOliveiraRoyer(FAU-USP)

O estudo sobre os fundos públicos e provisão habitacional tem semostrado fundamental paracompreenderoprocessodedominânciadocapitalfinanceironopaís.Autilizaçãodosrecursosdoschamados fundos parafiscais, o SBPE e o FGTS, SistemaBrasileiro de Poupança e EmpréstimoeFundodeGarantiadoTempodeServiço,temimportânciacrucialnodebatesobreoassunto.EmespecialoinvestimentodoFGTS,fundoquehistoricamentetemconseguidoatingirpartedarendamedia e parte da baixa renda no crédito habitacional e é responsável por importantesinvestimentos em infraestrutura urbana. Desde 1998, o FGTS vem também dando lastro paraoperações típicas de mercado de capitais, investindo continuamente em títulos de baseimobiliária.AscontrataçõesefetuadascomrecursosdoFGTSparacompradessestítulosacabaramporalavancaressemercadonopaís,constituindo-seemummecanismogeradordeumaliquidezmínima para seu funcionamento. O FGTS acabou se tornando um importante player dessemercado,nocontextodainserçãodoBrasilnocapitalismofinanceirizado.OacompanhamentodosinvestimentosdoFundo,voltadosparaavalorizaçãoeretornofinanceirodoinvestimento,acrisederecursosfiscaisparainvestirempoliticahabitacionaleastendênciasdessesinvestimentosnospróximosanosno contextoda criseeconômicavividapelopaísdevemserabordadosna sessãolivre.

APEC241/55eafinanceirizaçãodasociedade

FelipeNunesCoelhoMagalhães(IGC-UFMG)

Aspropostasde reajuste regulatóriodo governoatual refletemclaramente apredominânciadocapitalfinanceiroenquantoagentehegemônicononeoliberalismo(enquantoformadegovernoeagenciamentodepoder). Trata-sedeumanova rodadadopredomíniododiscurso tecnocráticopor sobreoprocessodecisóriodemocrático,envolvendo justamenteasmedidas rechaçadasnasurnas, num processo diretamente relacionado ao Estado de exceção que caracteriza o governoatual. Os serviços de grande capilaridade sócio-territorial cujo provimento público tem seuorçamentocongeladoatravésdaPEC241/55constituemgrandesmercadosempotencialparaosoligopóliosprivadosqueatuamnestes setores, sendoo congelamentouma formade garantir aexpansãodestesmercadosnumcontextofuturodecrescimentoeconômico.Ademais,sãosetoresdiretamente relacionados às finanças, por geraremgrandedemandaempotencial por crédito–ampliando-se assim, de forma indireta, o próprio mercado de crédito, e as relações entre asfinanças e a sociedade de forma geral. É importante ressaltar, neste procedimento, as ligaçõesentreesta financeirizaçãoeaquiloqueDavidHarveydenomina “acumulaçãopordespossessão”(comonovasrodadasdeacumulaçãoprimitivaeampliaçãodaofertademãodeobra),bemcomoadimensãodasociologiapolíticadadívida,talqualabordada,dentreoutros,porMichaelHardteAntonio Negri, enquanto forma de controle, comando e disciplinamento, ou seja, de exercíciodifusoeindiretodopoderneoliberal.