rompendo barreiras educacionais negros no ensino superior

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  • 8/8/2019 Rompendo Barreiras Educacionais Negros No Ensino Superior

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    Rompendo barreiras educacionais: negros no ensinosuperior

    Andr Augusto Brando

    Doutor em Cincias Sociais; professor adjunto da Escola de Servio Social daUniversidade Federal Fluminense (ESS/UFF); pesquisador do Programa de Educaodos Negros na Sociedade Brasileira (PENESB/UFF).

    TEIXEIRA, Moema de P.Negros na universidade: identidade etrajetrias de ascenso social no Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Pallas, 2003.

    O pioneiro nos estudos sobre os processos de ascenso social da populao negrabrasileira Thales de Azevedo, que, em 1953, publicou o seu Les lites de couleurdans une ville brsilienne (Paris, UNESCO). Tomando a cidade de Salvador comoalvo, Thales de Azevedo mostrou que os indivduos "de cor" em geral ascendiamsocialmente pela via da educao.

    Sabemos hoje, atravs dos mais recentes estudos sobre mobilidade social no Brasil,que a escolarizao, sobretudo a superior, continua sendo importante "gargalo"para a ascenso social entre ns. No entanto, sabemos tambm que para alm dabaixa cobertura que o ensino superior fornece, principalmente no que tange suniversidades pblicas, os negros so ainda menos presentes nesse nvel deescolarizao do que os brancos. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra deDomiclios (PNAD) do IBGE, produzidos em 1999, mostraram que o ingresso noensino superior era alcanado por somente 7,1% dos brasileiros entre 18 e 25anos; porm, entre os brancos nesta faixa de idade, o acesso universidadechegava a 11,2%, enquanto entre os negros no passava de 2,3%.

    Longe de tentar explicar o que condiciona essas diferenas, o livro Negros nauniversidade: identidade e trajetrias de ascenso social no Rio de Janeiro, deMoema de Poli Teixeira, persegue exatamente a questo relativa s estratgiasindividuais para a mobilidade ascendente, procurando compreender como alunos eprofessores negros, em sua imensa maioria pobres e filhos de pais poucoescolarizados, conseguiram se inserir em uma universidade pblica no Rio deJaneiro. Nas palavras da autora, trata-se de identificar as estratgias quepossibilitam que alguns poucos negros tenham sucesso onde a imensa maioria falhaou nem mesmo entra no jogo. Para isto, o livro faz um estudo das trajetriasdesses indivduos at sua chegada ao ensino superior (no caso dos alunos) ou docncia universitria (no caso dos professores). Quando e como a pretenso auma escolaridade superior chega a esses indivduos? Em que medida tal pretensopode se relacionar com a determinao de ascender socialmente?

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    atuar dentro de uma margem de manobra que os permite autodeterminar suaidentidade de forma no necessariamente holstica.

    Apesar de tudo isso, so encontradas afirmaes de uma identidade negrapolitizada mesmo entre indivduos que jamais haviam freqentado o movimentonegro e sequer conheciam suas perspectivas e objetivos. Em linhas gerais, porm,

    o estudo mostra que a negao da identidade negra no acompanha diretamenteos processos de ascenso social, como parece "saber" o senso comum.

    No captulo 3, o livro aborda a questo da discriminao racial e do preconceito natrajetria de vida desses negros. A autora encontra na fala dos entrevistados oselementos que a permitem construir aportes tericos para a caracterizao de um"jeitinho brasileiro de discriminar". como se a fluidez de nossa classificao racialproduzisse um alargamento dos campos de possibilidade da discriminao. Assim, arelativa aproximao social entre brancos, negros e mestios, em momentos delazer, pode esconder rejeies e afastamentos no trabalho e mesmo na efetivaode laos mais duradouros. Ao contrrio da noo to difundida no senso comum (emesmo na academia), que afirma que a ascenso social "embranquece" o indivduo

    na sociedade, a pesquisa aponta para uma situao na qual mesmo professorescom titulao impecvel continuam enfrentando o racismo dentro e fora dauniversidade.

    No captulo 4, so discutidos mais diretamente os projetos e as trajetrias deascenso social. Para a autora, o elemento fundamental que explica asperformances de sucesso que investigou se encontra na possibilidade de formaodo que denomina como "rede de solidariedade e ajuda". A referncia a essa "rede"aparece em todas as entrevistas realizadas. Destas emana o incentivo para a buscada escolarizao superior, mas tambm nestas se agrupam os recursos materiais eemocionais necessrios para a empreitada. Essas "redes" so diferenciadas entre asvidas e os projetos investigados. Assim, pessoas, famlias, instituies, grupos etc.

    acabam por proporcionar o apoio para a superao de dificuldades relacionadas condio socioeconmica e aos processos de discriminao racial.

    Na concluso da obra, a autora mostra que foram encontrados inmeros traos doracismo e da discriminao racial como elementos que condicionaram opes eprojetos de formao e de carreira, impactando ainda a forma como essesindivduos buscam "completar" sua ascenso educacional, profissional e social.Exatamente por isso, a relao entre cor e curso, vlida tanto para alunos comopara professores, to marcante.

    A autora sinaliza ainda que, na medida em que somente aqueles que conseguemestabelecer redes de solidariedade chegam ao ensino superior pblico, aos outros

    resta a inrcia social. Considerando que o estabelecimento dessas bases de apoioderiva de inmeros aspectos econmicos e sociais e mesmo de vriascontingncias, podemos pensar que o estabelecimento de "redes" oficiais e pblicasproduziria uma situao de maior igualdade racial no acesso universidade. Porisso a reflexo sobre a ao afirmativa como poltica pblica se faz hoje toimportante e necessria.