rompendo fronteiras: a academia pensa a diplomacia

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  • 8/17/2019 Rompendo Fronteiras: A Academia Pensa a Diplomacia

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     Paulo Roberto de Almeida

     ROMPENDO F  RONTEIRAS  A ACADEMIA PENSA A DIPLOMACIA 

    HartfordEdição do Autor

    2014

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     Rompendo FronteirasA Academia Pensa a Diplomacia

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     Rompendo FronteirasA Academia Pensa a Diplomacia

     Paulo Roberto de AlmeidaDoutor em ciências sociais.

    Mestre em economia internacional.Diplomata.

    Edição do Autor - 2014

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    Direitos de publicação reservados:© Paulo Roberto de Almeida

    2014

     _______________________________________________________

    ALMEIDA, Paulo Roberto.Rompendo Fronteiras: a Academia pensa a Diplomacia; Hartford:Edição do Autor, 2014.

    414 p.

    1. Relações internacionais. 2. Política Externa. 3. História.4. Diplomacia brasileira. 5. Brasil. 6. Resenhas de livros.7. Título.

     _______________________________________________________

    Informação sobre a capa: composição do autor sobre ilustração do Google Images

    Contato com o autor:

    www.pralmeida.org [email protected](1.860) 989-3284

    Esta versão: 04/11/2014

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    Muitas pessoas idealizam repúblicas e principados que jamais existiram narealidade. O modo pelo qual os homens vivem é tão distante da maneira pela qualeles desejariam viver que qualquer um que abandona o que existe realmente peloque deveria existir corre atrás de sua própria ruina, em lugar de sua preservação.

    Quem quer que procure o bem, em todas as suas ações, vai provavelmente falhar,uma vez que existem muitas pessoas que não são boas.

     Niccolò Machiavelli, O Príncipe.

    A menos que circunstâncias incontroláveis conspirem em seu favor, ideias,em geral, não possuem uma eficácia imediata ou rápida nos assuntos humanos; as

    circunstâncias externas mais favoráveis podem ocorrer sem qualquer efeito, ou permanecerem inoperantes, pela falta de ideias adaptadas àquela conjuntura. Mas,

    quando as circunstâncias apropriadas e as ideias corretas se encontram, o efeitoraramente deixa de se manifestar concretamente.

    John Stuart Mill, Essays in Economics and Society,Vol. 4 of The Collected Works of John Stuart Mill  (Toronto, 1967, p. 370).

    Toda arte e investigação, assim como toda ação e escolha intencional , são sempredirigidas para algum bem.Aristóteles, Ética a Nicômaco 

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    ........................................... Sumário

     Apresentação

     pág. 11

     Índice Geral pág. 15

    Primeira Parte, 19 Relações internacionais

    Segunda Parte, 121 História diplomática e política externa do Brasil

    Terceira Parte, 209 Hemisfério americano e integração regional

    Quarta Parte, 315 Economia mundial e comércio internacional

    Apêndices A arte da resenha (para principiantes), 403

    Livros publicados pelo autor, 409 Nota sobre o autor, 413

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     Apresentação

     Rompendo fronteiras me pareceu um título apropriado para este terceiro volume dasérie de resenhas de livros, também “recuperadas” a partir do “livro-mãe”, Prata da Casa,

    também um e-book e ao qual agreguei outras resenhas dispersas em meus arquivos de

    computador, que tinham a ver com a mesma temática: as relações internacionais, num sentido

    amplo, e as relações exteriores do Brasil, no sentido largo, ou seja, sua política externa e sua

    diplomacia profissional. Diplomatas e acadêmicos estão sempre “rompendo” fronteiras

    virtuais, intercambiando experiências e mantendo atividades reciprocamente proveitosas, mas

    também aquelas fronteiras institucionais que separam os serviços diplomáticos das salas deaula e dos auditórios acadêmicos. Este resenhista, por sinal, poderia até ser citado como um

    dos exemplos conspícuos nesse tipo de interação, embora existam muitos outros que também

    a praticam (talvez em menor número do que seria desejável, ou até recomendável).

    Esse “rompimento de fronteiras” se exerce em ambas as direções. Não apenas a

    academia pensa a diplomacia – e as relações exteriores do país, cela va de soi – mas ela

    também gostaria de influenciar as orientações e as iniciativas da política externa, quando não

    interferir no seu curso, e não só para oferecer conselhos desinteressados. Da mesma forma,

    diplomatas começam por exibir uma sólida formação acadêmica, embora nos últimos tempos

    se tenha registrado uma “curiosa” tendência à seleção de candidatos treinados (alguns até

    pavlovianamente) por cursinhos preparatórios para responder exatamente dentro dos cânones

    selecionados nesses concursos elaborados por entidades especializadas, com alguma

    assistência dos diplomatas. A despeito dessas expressões mais “empreguistas” do que

    propriamente vocacionais, é evidente que diplomatas e acadêmicos mantêm, desde tempos

    imemoriais, uma benéfica osmose intelectual que começa nos bancos universitários, se

    prolonga nos trabalhos de pesquisa e de qualificação graduada e se estende a projetos

    cooperativos no terreno operacional.

    Alguns diplomatas podem até ter efetuado sua preparação para o concurso de ingresso

    na carreira de forma essencialmente autodidata, mas os requerimentos de ingresso exigem um

    certificado qualquer de terceiro ciclo, o que em muitos casos vem complementado por um

    mestrado e mesmo por um doutorado. A quase totalidade dos vocacionados para a carreira

    buscaram uma formação universitária vinculada de perto ao universo disciplinar exibindo

    ampla interface para a diplomacia, e muitos dos bem sucedidos, também possuem o vírus da

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    carreira acadêmica e complementam o trabalho ou a especialização intelectual em cursos de

    pós-graduação, no Brasil e no exterior. Enfim, são múltiplas as pontes e as interações entre as

    duas comunidades, e uma famosa tese do Curso de Altos Estudos – de Gelson Fonseca Júnior,

    chamada justamente Diplomacia e Academia (fiz uma mini-resenha no primeiro volume desta

    série) – já explorou os diversos aspectos e as implicações dessa colaboração tradicional.

    Este terceiro volume da série de resenhas de livros sobre temas de relações

    internacionais e de política externa do Brasil cobre, precisamente, os muitos exemplos dessa

    interface relativamente feliz, mas não destituída de alguns percalços, de várias ambiguidades,

    se não de incompreensões metodológicas e substantivas. Não é minha intenção explorar neste

    momento as diversas facetas desses “tropeços”, não porque eu também marco presença nas

    duas instituições, mas porque não é o contexto adequado e a oportunidade para realizar um

    exame objetivo das mencionadas dificuldades.

    Interessa-me bem mais agora destacar os bons exemplos dessa produção livresca

    interessando tanto os diplomatas, quanto os acadêmicos, seja pelo conteúdo próprio das obras,

    seja pelas possibilidades de aprofundamento adequado das questões abordadas. Compro ou

    recebo muitos livros, dos quais alguns são selecionados para leitura atenta e se tornam objeto

    de uma resenha corriqueira ou de um artigo-resenha mais alentado do que o habitualmente

    encontrado nos periódicos acadêmicos. O que distingue as minhas resenhas das que

    habitualmente se leem nesses veículos? Basicamente isto: ninguém me encomendou nada, eu

    mesmo decido o que ler, o que resenhar, e como analisar as obras que me chegam às mãos;

    não sou um resenhista profissional, apenas um leitor compulsivo, que sente vontade de dizer o

    que pensa sobre alguma obra em destaque.

    À diferença dos dois volumes anteriores desta série, que incidiram seletivamente sobre

    obras de diplomatas brasileiros, este terceiro e último volume recupera unicamente os livros

    de “paisanos”, inclusive estrangeiros, ou seja, não diplomatas, quase todos acadêmicos, mas

    um outro profissional de mercado também, consultores ou profissionais liberais. Quando a

    oportunidade se apresentar, pretenderia preparar um artigo sobre os “brasilianistas” da

    diplomacia brasileira, ou seja, aqueles especialistas estrangeiros que se dedicaram ao estudo e

    à análise de nossa política externa.

    Reuni, portanto, neste volume mais de cinco dezenas de resenhas de livros de não

    diplomatas profissionais obre temas que devem interessar diplomatas e candidatos à carreira.

    Na verdade, as obras resenhadas são em número superior a meia centena, algo em torno de

    setenta livros, tendo em vista duas resenhas múltiplas de sete livros cada uma das vezes, euma ou outra resenha combinando edições estrangeiras originais e aquelas publicadas no

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    Brasil. Os brasileiros nativos são mais numerosos, et pour cause: aproximadamente dois

    terços do total de autores examinados criticamente pertencem a universidades brasileiras, dois

    tendo inclusive exercido funções diplomáticas, brasileira ou multilateral, embora vários

    outros possam ter integrado ocasionalmente missões ou conferências diplomáticas.

    No passado, a osmose entre um e outro setor era mais frequente, inclusive em nível de

    chefes de missão, o que se tornou extremamente raro nas últimas duas ou três décadas; trata-

    se, provavelmente, de um efeito residual do fato que a antiga capital do país era também o seu

    centro cultural. O insulamento operacional criado a partir da instalação da chancelaria no

    cerrado central, quase meio século atrás, não deveria, em princípio, impedir a cooperação

    intelectual, e até a troca de “produtos” entre as duas comunidades: relatórios, estudos,

    dissertações, teses, e o exercício docente, em ambas instituições, mas é um fato que a

    corporação diplomática tendeu a se fechar às incursões de “paisanos” no desempenho de

    missões permanentes no exterior. Seria isso bom para a carreira? Difícil responder, uma vez

    que, assim como ocorre para o cargo de ministro da defesa, existem poucas capacidades, de

    notória qualidade, detectáveis na vida civil e capazes de exercer com proficiência a chefia da

    instituição diplomática e a de defesa.

    Os livros aqui selecionados tratam dos temas tradicionais da diplomacia, seja ela

    brasileira, regional ou multilateral, seja a de outros Estados, tanto quanto das diversas

    questões atinentes à política mundial e à economia internacional. Muitos outros temas

    correntes na agenda diplomática brasileira – como meio ambiente, por exemplo, ou a sua

    diplomacia cultural – bem como questões da política mundial – temas estratégicos ou de

    segurança, equilíbrio de poderes, com algumas raras exceções – estão ausentes, porém, o que

    tem a ver com as minhas afinidades eletivas ou vantagens comparativas no terreno analítico.

    Alguns dos mais longos artigos de resenha traduzem a empatia deste resenhista por

    determinadas obras consideradas relevantes num ou noutro campo de minhas preferências de

    leitura ou de especialidade docente. Considero esta amostra relativamente representativa da

    literatura obrigatória no universo diplomático brasileiro, com alguns clássicos evidente, e

    várias outras surpresas bibliográficas também.

    Combinadas às resenhas e mini-resenhas compiladas nos dois primeiros volumes desta

    série, todas elas “filhotes” do enorme Prata da Casa, esta seleção de “leituras diplomáticas” –

    que não constituem, cabe relembrar, todas as resenhas registradas desde que comecei a

    praticar esse saudável hábito, que depois virou uma mania – oferece, aos aventureiros que

    adentrarem em suas quase mil páginas, conjuntamente, um panorama bastante amplo dasobras mais relevantes produzidas por diplomatas e não diplomatas, sobre o Brasil e o sobre

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    mundo. O volume é uma espécie de “gabinete de curiosidades” do que foi impresso e

    publicado nas últimas décadas nesta área de minha especialidade.

    Mas alguém poderia perguntar: por que tantos livros, por que tantas resenhas? Se me

    permitem escapar de alguma condenação por esse vício incurável, eu diria que o culpado de

    tudo é Monteiro Lobato, o autor mais frequente de minhas leituras infantis e juvenis, junto

    com algumas dezenas de outros, geralmente autores estrangeiros também traduzidos por sua

    iniciativa, e muitos deles publicados justamente pela Companhia Editora Nacional, que

    Lobato havia fundado na convicção de que “um país se faz com homens e livros”. Escusando

    o viés de gênero, sempre fui, não apenas partidário ativo dessa afirmação, como eu a pratiquei

    intensamente ao longo de toda a minha vida alfabetizada (que por sinal começou apenas na

    tardia idade de sete anos, por força de um ambiente familiar não especialmente inclinado para

    as leituras nem preparado para vocações puramente intelectuais). Os que já leram atentamente

    Monteiro Lobato sabem que várias de suas obras infantis representavam adaptações de obras

    estrangeiras, de história ou outras disciplinas, voltadas para o público infanto-juvenil. Eu

    também fui uma “vítima” desse complô de Lobato em prol da cultura e da inteligência do

    país, e tenho procurado retribuir em adulto o que aprendi desde as minhas primeiras letras.

    De fato, estas minhas resenhas, livremente produzidas, muitas delas inéditas,

    constituem uma espécie de retribuição que faço ao Brasil e aos mais jovens, por ter tido a

    chance de conviver com livros em bibliotecas públicas e de instituições de ensino, de ter

    buscado livros em outras bibliotecas, em livrarias, na companhia dos amigos e na leitura

    constante das folhas literárias dos periódicos mais importantes do Brasil e do exterior. Os

    livros sempre me “pesaram”, estrito e lato senso, nas muitas mudanças que empreendi em

    minha carreira acadêmica e na vida profissional, mas é um peso do qual jamais reclamei ou

    me arrependi, ainda que o volume excessivo me tenha obrigado, uma vez ou outra, a descartes

    setoriais ocasionais. Essa incurável compulsão pelo papel impresso, e agora pelos livros

    eletrônicos – dos quais este aqui é um perfeito exemplo – me serve perfeitamente, tanto

    quanto pode servir a um círculo bem mais amplo de eventuais interessados, justamente por

    meio deste tipo de produção, que apresenta em algumas poucas páginas livros mais densos do

    que as recomendações habitualmente oferecidas atualmente em nossas academias.

    De minha parte, espero ter cumprido meu “dever” professoral, que é antes de tudo

    uma enorme satisfação intelectual, no sentido de partilhar com colegas e alunos minhas

    leituras registradas ao longo de toda uma vida na companhia dos livros. Esta série está

    provisoriamente encerrada, em face da ausência relativa de unidade conceitual nas resenhas

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    remanescentes, mas espero voltar neste mesmo formato com outros materiais quase tão

    interessantes, e cativantes, quanto o mundo dos livros e da cultura.

    Divirtam-se, e até a próxima...

    Paulo Roberto de Almeida(um incorrigível leitor e escrevinhador)

    Hartford, 4 de novembro de 2014

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     Índice Geral

    Primeira Parte, 19 Relações internacionais

    Pierre Renouvin (ed.): Histoire des Relations Internationales

    Francis Fukuyama: The End of History?

    François Furet: Le Passé d’une Illusion: essai sur l’idée communiste

    Alexandre Soljènitsyne: Lénine à Zurich 

    Jean-Christophe Rufin: L’Empire et les Nouveaux Barbares

    Francis Fukuyama: Construção de Estados

    Ricardo Seitenfus: Manual das organizações internacionais 

    Henrique Altemani e A. C. Lessa (orgs.): Política Internacional Contemporânea

    Eduardo Felipe P. Matias: A Humanidade e suas Fronteiras

    Fernando Barros: A tendência concentradora da produção de conhecimento 

    Guy Martinière - Luiz Claudio Cardoso (coords.): Coopération France-Brésil

    Sverre Lodgaard and Karl Birnbaum (eds.), Overcoming Threats to Europe

    Segunda Parte, 121 História diplomática e política externa do Brasil

    João Pandiá Calógeras: A Política Exterior do Império

    Carlos Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil

    Hélio Vianna: História Diplomática do Brasil

    José Honório Rodrigues e R. Seitenfus: Uma História Diplomática do Brasil

    Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno: História da Política Exterior do Brasil

    Sandra Brancato (coord.): Arquivo Diplomático do Reconhecimento da República Ricardo Seitenfus: Para uma Nova Política Externa Brasileira 

    Henrique Altemani de Oliveira: Politica Externa Brasileira

    Henrique Altemani e A. C. Lessa (orgs.): Relações internacionais do Brasil  

    A. A. C. Trindade: Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional

    Clóvis Brigagão: Diretório de Relações Internacionais no Brasil, 1950-2004

    João P. Reis Velloso e Roberto Cavalcanti (coords.): Brasil, um país do futuro?

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    Terceira Parte, 209 Hemisfério americano e integração regional

    Lincoln Gordon: Brazil’s Second Chance; A Segunda Chance do Brasil  

    Moniz Bandeira: O Expansionismo Brasileiro e a formação dos Estados no Prata

    José Luis Fiori (org.): O Poder AmericanoMoniz Bandeira: Estado Nacional e Política Internacional na América Latina

    Boris Fausto e Fernando J. Devoto: Brasil e Argentina: história comparada

    Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis: Desafios de Brasil e Argentina 

    John Williamson (org.): Latin American Adjustment: How Much Has Happened? 

    P.-P. Kuczynski e John Williamson (orgs.): After the Washington Consensus 

    Vários autores: A marcha da integração no Mercosul  

    Helder Gordim da Silveira: Integração latino-americana: projetos e realidadesJosé A. E. Faria: Princípios, Finalidade do Tratado de Assunção

    Avelino de Jesus: Mercosul: Estrutura e Funcionamento 

    Jorge Pérez Otermin, Solución de Controversias en el Mercosur  

    Pedro da Motta Veiga: A Evolução do Mercosul: cenários

    José Maria Aragão: Harmonização de Políticas no Mercosul

    Hervé Couteau-Bégarie: Géostratégie de l’Atlantique Sud

    Quarta Parte, 315 Economia mundial e comércio internacional

    Vários autores: A economia mundial em perspectiva histórica 

    Jagdish Bhagwati: Em Defesa da Globalização

    Paul Krugman: Rethinking International Trade

    Daniel Yergin: The Prize: The Quest for Oil, Money and Power  

    Celso Lafer: Comércio, Desarmamento, Direitos Humanos 

    Mônica Cherem e R. Sena Jr. (eds.): Comércio Internacional e Desenvolvimento

    Rabih Ali Nasser: A OMC e os países em desenvolvimento

    Joseph Stiglitz e Bruce Greenwald: Novo Paradigma em Economia Monetária 

    Santiago Fernandes: A Ilegitimidade da Dívida Externa

    Ha-Joon Chang: Kicking Away the Ladder ; Bad Samarithans 

    Gary Clyde Hufbauer e Jeffrey J. Schott: North American Free Trade

    Tullo Vigevani e Marcelo Passini Mariano: Alca: o gigante e os anões

    Tullo Vigevani; Marcelo Dias Varella: Propriedade intelectual e política externa

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    Maria Helena Tacchinardi, A Guerra das Patentes: o conflito Brasil x EUA

    Apêndices 

    A arte da resenha (para principiantes), 403

    Livros publicados pelo autor, 409

     Nota sobre o autor, 413

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    Primeira Parte

     Relações internacionais

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    Pierre Renouvin, ou a aspiração do total

    Contribuições à História Diplomática

    Pierre Renouvin (ed.): Histoire des Relations Internationales (nouvelle édition; Paris: Hachette, 1994, 3 volumes; présentation du Prof. René Girault,

     président de l’Institut Pierre Renouvin)Volume I: Du Moyen Âge à 1789 (876 p.)Volume II: De 1789 à 1871 (706 p.)Volume III: De 1871 à 1945 (998 p.).

    A reedição, agora em três volumes de capa dura, da monumental coleção organizada

    na década de 50 por Pierre Renouvin é uma grande notícia para todos os estudiosos que, porsimples curiosidade intelectual ou por obrigação professional, interessam-se ou são levados a

    ocupar-se da temática das relações internacionais. Com efeito, todos aqueles que se dedicam à

     pesquisa, ao ensino ou à mera leitura diletante nessa área, sempre souberam apreciar a riqueza

    analítica e fatual, a qualidade estilística, bem como a abundante aparelhagem bibliográfica e

    cartográfica dos oito volumes (encadernados nas edições precedentes) coordenados pelo

    grande mestre francês da história diplomática global.

    Desde essa época, os oito tomos sequenciais – por quatro autores – da Histoire des

     Relations Internationales (publicados pela mesma editora entre 1953 e 1958) foram motivo de

    leitura obrigatória e objeto de referência indispensável de todo e qualquer estudioso das

    relações internacionais, de modo geral, e das políticas exteriores dos Estados modernos em

     particular, sobretudo a partir de uma perspectiva europeia. Reeditados pela última vez em

    1972, eles tinham se tornado praticamente inacessíveis, sobretudo do outro lado do Atlântico,

    constituindo-se em verdadeiras preciosidades de bibliófilos e colecionadores. Junto com

    outros trabalhos de história diplomática do mesmo mestre, falecido em 1974, assim como de

    Jean-Baptiste Duroselle, seu discípulo e sucessor na Sorbonne, essa obra coletiva (mas

    concebida por Renouvin em torno de 1950) marcou época na então nascente disciplina das

    relações internacionais e constitui, ainda hoje, um marco da pesquisa histórica, mesmo se

    aparentemente influenciada por uma “visão francesa” da política externa dos Estados.

    Quarenta anos depois de seu lançamento original e tendo em conta não só a

    multiplicação de estudos nesse campo, mas também a diversidade de abordagens e o acesso

    ampliado a determinadas fontes documentais, como se sustenta o trabalho coordenado por

    Pierre Renouvin?

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    Uma Totalgeschichte 

    O que distingue, antes de mais nada, os textos de François-L. Ganshof, Gaston Zeller,

    André Fugier e do próprio Pierre Renouvin é uma vontade de ultrapassar os limites da história

     política tradicional, na qual se comprazia ainda grande parte da história diplomática elaborada

    nas universidades e academias do velho mundo. Estamos bem longe da chamada histoire

    historisante, aquela feita de homens brilhantes e de momentos solenes, que aliás estava sendo

    cruelmente “massacrada” pelos partidários da histoire structurelle agrupados em torno da

    revista Annales, fundada nos final dos anos 20 por Lucien Febvre e Marc Bloch e retomada

    depois da guerra por Fernand Braudel.

    Trabalhando de forma independente ou paralelamente aos esforços desses

    renovadores, Pierre Renouvin, recusando-se a deixar levar unicamente pelos documentos

    revelados pelos arquivos diplomáticos, decide desde muito cedo colocar sua produção sob o

    signo da “história global”. Na verdade, antes mesmo de vários representantes da école des

     Annales (com a qual ele nunca foi formalmente identificado, provavelmente por trabalhar

    num setor mais restrito), Renouvin já mantinha uma preocupação primordial com a história

    totalisante, ou seja, com uma pesquisa extremamente diversificada, capaz de integrar de

    forma harmônica os resultados e métodos das diversas áreas da disciplina.

    Desde princípios dos anos 30, como explica o Prof. René Girault em sua apresentação

    à esta nova edição do Histoire des Relations Internationales, Renouvin sublinha o caráter

    relativo dos arquivos diplomáticos e faz apelo às “forças” morais e materiais que agitam o

    mundo, convertidas vinte anos depois em “forças profundas” (Volume I, p. vi). Consciente de

    que a análise dessas “forças profundas” levariam o seu trabalho um pouco além dos limites

    estritos da disciplina à qual iria dedicar toda sua vida, o próprio Renouvin diz nas conclusões

    gerais de sua obra: “A história das relações internacionais é (...) inseparável da história das

    civilizações” (vol. III, p. 913). Na mesma época, aliás, Maurice Crouzet dirigia os muitosvolumes da Histoire Générale des Civilisations, vasto empreendimento editorial que serviria

    de inspiração para Sérgio Buarque de Holanda propor entre nós uma História Geral da

    Civilização Brasileira.

    Abrindo o empreendimento, em princípios dos anos 50, Renouvin afirmava que a obra

    então iniciada não era um “grande manual” de história da política internacional, mas pretendia

    ser un essai de synthèse (Volume I, p. 7). Deve-se reconhecer que ela realizou plenamente seu

    objetivo, tendo sido completada, dez anos depois, por outra obra de síntese metodológica,

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    escrita em colaboração com Jean-Baptiste Duroselle, Introduction à l’histoire des relations

    internationales (Paris: Armand Colin, 1964).

    As bases da história global

    O conceito que mais popularizou a obra de Pierre Renouvin é, sem dúvida alguma, o

    de “forças profundas”. No vasto e ambicioso panorama traçado pelo historiador francês, não

    são apenas os Estados que estão em causa, mas também os povos e os interesses dos agentes

    econômicos, enfim o conjunto das circunstâncias históricas em um momento dado. Ao

    introduzir o primeiro volume de sua monumental série de história das relações internacionais,

    assim se exprimiu o historiador francês:

     Nós tentamos, portanto, ‘situar’ as relações internacionais no quadro da

    história geral – história econômica e social, história das ideias e das instituições.Papel das condições geográficas, dos interesses econômicos ou financeiros e datécnica dos armamentos, das estruturas sociais, dos movimentos demográficos;impulsão dada pelas grandes correntes de pensamento e pelas forças religiosas;influências exercidas pelo comportamento de um povo, seu temperamento, suacoesão moral: estes são os pontos de vista que nós sempre tivemos em mente. Nósnão negligenciamos, contudo, o papel dos homens de governo que foram, deforma mais ou menos consciente, influenciados por essas forças, ou que tentaramcontrolá-las e que por vezes o conseguiram; mas sua ação pessoal nos interessasobretudo na medida em que ela modifica o curso das relações internacionais. Nóstambém achamos necessário estudar as condições do trabalho diplomático ondeesse estudo (é o caso da Idade Média) jamais tinha sido empreendido. (...) Mas,nós não quisemos que esta busca de explicações estivesse destacada do estudo dosfatos... Era indispensável colocar na base de nosso relato o ‘quadro factual’ [cadreévénementiel ], retraçando en consequência o desenvolvimento das rivalidades edos conflitos e mostrando sua trama. Estudar as influências que se exercem sobreas relações internacionais deixando de lado o conjunto de circunstâncias de ummomento ou de uma época, seria falsear a perspectiva histórica.” (vol. I, p. 12)

    Esse método, que tinha sido traçado por Pierre Renouvin antes mesmo de conceber

    sua coleção mais famosa, seria seguido à risca no desenvolvimento dos diversos textos que se

    ocuparam das relações entre os Estados e da evolução do sistema internacional desde a Idade

    Média até 1945. Com efeito, como se encarrega de lembrar Girault, desde 1931 Renouvin

     buscava escapar ao ponto de vista trop étroit  da documentação diplomática. Apresentando na

     Revue historique um balanço dos trabalhos de uma comissão sobre a história da guerra de 14-

    18 que ele integrava, dizia o professor de história diplomática da Sorbonne:

    Despachos, notas, telegramas nos permitem perceber os atos; é mais raroque eles permitam entrever as intenções dos homens de Estado, mais raro aindaque eles tragam o reflexo das forças que agitam o mundo: movimentos nacionais,interesses econômicos. Não porque os agentes diplomáticos negligencieminteiramente essas forças morais e materiais; mas, eles têm tendência a atribuir

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    maior importância à atitude das chancelarias e dos ministros, a analisar ainfluência do fator pessoal. É em corrigir esse erro de ótica que os historiadores

     poderão e deverão se aplicar. (“La publication des documents diplomatiquesfrançais, 1871-1914”, Revue historique, tome CLXVI, 1931, p. 10; citado naApresentação do Prof. René Girault, vol. I, p. v)

    Vinte anos mais tarde, na introdução geral do Histoire des Relations Internationales,

    Renouvin confirmaria essa recusa do curto prazo e sua visão mais ampla do processo

    histórico:

     Não é portanto o objeto da história diplomática que está aberto acontestações; é o seu método, tal como o praticam muito frequentemente seusadeptos. (...) Ora, as instruções [das chancelarias] se aplicam muitas vezes a nadadizer de essencial, e os relatórios, que dão informações dia a dia, omitem tambémfrequentemente a busca das causas: mesmo no século XIX, a correspondência de

    muitos embaixadores atribui apenas uma função restrita, muitas vezes derrisória,às questões econômicas e ao problema das nacionalidades – a todas as ‘forças profundas’ – porque, para o diplomata de então, a ‘grande política’ plana muitoacima dessas contingências. (vol. I, p. 10).

    Ele não pretende, no entanto, descartar o estudo do papel dos homens de Estado –

    retendo apenas os “movimentos profundos” da história econômica e social, ao estilo da

    “história estrutural” – mas, tão somente, recolocá-lo numa perspectiva mais ampla: “na

    origem desses conflitos, as condições econômicas desempenharam o seu papel; mas, a crise

    só apareceu quando as paixões entraram em jogo” (Idem, p. 11). Em todos os seus cursosdados na Sorbonne (na qual ele se aposenta em 1964) ou alhures, Renouvin dava a seus

    alunos uma orientação ilustrada por notas deste tipo: “Nunca fazer unicamente história

    diplomática, mas procurar ver o pano de fundo ec. financ. pol. int., em seus diversos aspectos,

     preocupações pessoais H. de Estado, estado dos armamentos e estado op. pública” (segundo

     papéis de curso depositados no Institut Pierre Renouvin, citados na Apresentação do Prof.

    René Girault, op. cit., p. vii).

    Os historiadores engajados e a divisão intelectual do trabalho

    Para realizar a vasta síntese que ele pretendia (que deveria comportar apenas cinco

    volumes), Renouvin convida profissionais que, como ele, tinham uma visão global da história

    das relações internacionais: o professor belga François Ganshof, especialista em história

    medieval; seu colega na Sorbonne, Gaston Zeller, autor de diversos trabalhos sobre a

    diplomacia de Luís XIV; André Fugier, professor da Universidade de Lyon, autor de uma tese

    sobre Napoleão e a Espanha publicada nos anos 30. Ele próprio, finalmente, se encarregaria

    dos séculos XIX e XX.

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    Ganshof trabalha portanto no primeiro tomo da coleção, não sem algumas reticências

    metodológicas, pois que ele era inovadoramente dedicado ao estudo das técnicas de relações

    internacionais na Idade Média (Tome premier: Le Moyen Âge, publicado em janeiro de 1953).

    O trabalho de Gaston Zeller, cobrindo a idade moderna, estendeu-se perigosamente, num

    sentido “narrativo” e “cronológico” (o que Renouvin reprovava em parte), tendo então de ser

    dividido em dois volumes (Tome second: Les Temps modernes, I. De Christophe Colomb à

    Cromwell , junho de 1953; Tome troisième: Les Temps modernes, II. De Louis XVI à 1789,

    outubro de 1954). André Fugier terminou por sua vez a redação de seu texto sobre o período

    napoleônico desde fevereiro de 1952, cuja publicação antecipou-se portanto ao volume

     precedente a cargo de Zeller (Tome quatrième: La Révolution française et l’Empire

    napoléonien, fevereiro de 1954).

    Quanto a Renouvin, seus dois volumes dedicados respectivamente aos séculos XIX e

    XX estenderam-se desmesuradamente: o primeiro volume tinha não menos de 692 páginas, o

    que obrigou à sua divisão em dois tomos, o mesmo acontecendo em relação ao século XX.

    Entre novembro de 1954 e novembro de 1958 são portanto publicados os quatro outros

    volumes da coleção: Tome cinquième: Le XIXe siècle, I. De 1815 à 1871. L’Europe des

    nationalités et l’éveil de nouveaux mondes; Tome sixième: Le XIXe siècle, II. De 1871 à 1914.

     L’apogée de l’Europe; Tome septième: Les Crises du XXe siècle, I. De 1914 à 1929; Tome

    huitième: Les Crises du XXe siècle, II. De 1929 à 1945.

    A nova edição, em três volumes, introduzida pelo Professor René Girault, atual

     presidente do Institut Pierre Renouvin e eminente herdeiro da noção “renouviana” de “história

    dos tempos presentes”, reproduz fielmente o texto da última edição dos oito tomos da série,

    com apenas duas modificações: a bibliografia de cada um dos capítulos foi suprimida,

    conservando-se a bibliografia geral de cada tomo, e os fac-símiles das cartas geográficas

    foram reagrupadas no final de cada volume. Dessa forma, a introdução geral a cargo de

    Renouvin e os três primeiros tomos de Ganshof e de Zeller estão contidos no primeirovolume, que vai portanto da Idade Média a 1789. O trabalho sobre as relações internacionais

    na época da Revolução francesa, a cargo de Fugier, e o primeiro tomo sobre o século XIX da

    responsabilidade de Renouvin ocupam o segundo volume, indo portanto de 1789 a 1871.

    Finalmente, o terceiro volume cobre os três últimos tomos, tratando da época 1871 a 1945,

    escritos inteiramente por Renouvin.

    O sucesso da obra, desde a primeira edição foi rápido, justificando reimpressões em

     princípios dos anos 60 e traduções imediatas em italiano e em espanhol (não sem problemasde censura franquista, que recusava o termo “guerra civil” ou o conceito de “fascista” em

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    relação à guerra espanhola de 1936-1939). A obra tornou-se um “clássico”, portanto, da

    história das relações internacionais, o que se explicava plenamente pelo caráter inovador do

    método ou a vastidão de propósitos, mas também pela fama já consagrada do seu autor

     principal.

    O impacto fora das fronteiras francesas, e propriamente internacional, deveu-se

    também ao fato de que, no imediato pós-guerra, a escola histórica francesa estava na

    vanguarda da renovação metodológica então empreendida em vasta escala. Se assistia então a

    uma rejeição clara do “positivismo esclarecido”, praticado pelos mestres de princípios do

    século, como também à incorporação de conceitos e metodologias marxistas na pesquisa

    histórica, como revelado nos trabalhos de Ernest Labrousse, de Pierre Villar e, mais tarde, de

    Jean Bouvier.

    Múltiplas causalidades, relações complexas entre atores

    Mas, não se pode dizer que os autores da Histoire des relations internationales 

    tenham rejeitado a história diplomática tradicional (ou seja, política) em favor de uma nova

    determinação “materialista” do processo, com causas econômicas “dominantes” das crises ou

    dos conflitos entre Estados. A concepção é mais complexa, colocando em relevo o jogo de

    causalidades diversas e as diversas teias de relações entre fatos econômicos e financeiros,

    ação das personalidades e influência das mentalidades. O historiador italiano Federico

    Chabod, cuja Storia della politica estera italiana del 1870 ao 1896  havia impressionado

    Renouvin, era aliás um dos promotores do estudo do papel da psicologia coletiva nas relações

    internacionais.

     Não só as perspectivas analíticas são múltiplas, mas o campo geográfico é vasto,

    cobrindo praticamente o mundo inteiro, com uma ênfase lógica na Europa, afinal de contas, o

    centro das relações internacionais até praticamente o final da segunda guerra mundial. Os

    desafios eram, portanto, imensos. Como advertiu o Prof. Girault, havia o duplo perigo de sereduzir a multiplicidade dos fatos a algumas ideias simplificadoras ou de deixar esses fatos

    heterogêneos sem nenhum ordenamento em função de algumas explicações globais. “Para

    evitar esses dois obstáculos, apenas os aspectos gerais e os fatos significativos deveriam ser

    considerados. Em consequência, apesar da imensidade do campo coberto por essa história

    englobando o mundo inteiro, desde a alta Idade Média até 1945, o leitor tem a impressão de

    estar sendo conduzido com simplicidade e naturalidade até o essencial, saltando, no caminho,

    da Europa ao resto do mundo, das querelas dinásticas às rivalidades mercantis, dos grandes

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    diplomatas aos homens de negócios, das nacionalidades às Internacionais, etc.”

    (Apresentação, vol. I, p. xiv).

    O mesmo historiador sublinha o fato de que, apesar de terem renovado os dados e a

     própria maneira de escrever a história diplomática, convertendo-a verdadeiramente numa

    reflexão sobre as relações internacionais contemporâneas, terreno antes exclusivamente

    ocupado pelo direito ou pelos cientistas políticos, os aportes da “escola” de Renouvin e

    seguidores (a expressão não é de Girault) deixaram de suscitar a atenção que mereceriam por

     parte dos partidários da escola dos Annales, sempre tímidos em face da história política.

    Também aqui parece ter se operado uma espécie de divisão intelectual do trabalho, que

    deixou a estes últimos uma espécie de monopólio, para não dizer o exercício de uma certa

    “ditadura conceitual”, sobre a história econômica e social.

    Fazendo o balanço dos ensinamentos de Renouvin, Girault renova a visão de uma

    história das relações internacionais concebida de maneira não-linear e sem fatores dominantes

    invariáveis, como o peso das guerras ou das relações interestatais. Para ele, “as relações

    internacionais conheceram estágios diferentes porque elas são descendentes das civilizações

    que as cercam” (Apresentação, op. cit., p. xxvi, ênfase no original). No século XIX,

     predominaram as relações entre Estados, sobretudo na Europa. Um segundo tipo de

    civilização se desenvolve entre 1914 e meados dos anos 50, estendido ao mundo inteiro pela

    crise da dominação colonial e imperialista a partir de 1945. Nessa fase, as relações entre

    Estados permanecem dominantes, mas dois processos mudam a civilização: por um lado, a

    mundialização real da economia e das técnicas (transportes e comunicações) reforça o papel

    das relações econômicas; de outro, as relações internacionais são transformadas pela

    intervenção das ideologias (fascismos, racismo hitlerista, comunismo e anticomunismo). Uma

    terceira geração de civilizações aparece a partir do final dos anos 50, com o término da guerra

    fria “quente”. De um lado, sob o sistema capitalista, desenvolveu-se uma sociedade

    transnacional, na qual o Estado-nação perdeu peso em face das novas organizaçõesinternacionais e inter-regionais: esse sistema privilegia as relações econômicas obedecendo às

    leis do mercado e à potência nuclear, verdadeiro critério de poder. De outro, o sistema dito

    comunista faz da ideologia sua alavanca mais importante e do centralismo ditatorial um meio

    de conduzir as relações internacionais. Em posição à parte, os Terceiros Mundos hesitam na

     busca de uma via autônoma, na verdade submetida às pressões contraditórias dos dois outros

    contendores (p. xxvi-xxvii).

    Teria a queda do mundo comunista gerado um novo período das relaçõesinternacionais, através do estabelecimento de uma nova civilização mundial?, pergunta

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    Girault. O transnacional tornou-se dominante e, mesmo se atores em alguns Estados

    continuam a acreditar em sua capacidade de atuar isoladamente, as ideologias parecem ter

    morrido, pelos menos as que se pretendiam globais. Mas, segundo Girault, ainda é muito cedo

     para pretender descrever as formas e a extensão geográfica dessa civilização, podendo ela

    mesmo ser composta de civilizações regionais (mundo islâmico, chinês, africano), cuja

    natureza particular deve levar em conta as situações geográficas e humanas.

    O extraordinário crescimento das instituições regionais de cooperação política e

    econômica é talvez indicativo de uma nova era histórica. Em todo caso, os diversos níveis

    interdependentes de análise – política, econômica, social, cultural – no estudo das relações

    internacionais desses vastos conjuntos regionais de civilizações ou de “sistemas” (para

    empregar o conceito dos cientistas políticos), nos traz de volta, como sublinha Girault, à

    fórmula de Pierre Renouvin: “A história das relações internacionais é inseparável da história

    das civilizações”.

    O Brasil chez Renouvin

    Uma tão larga perspectiva e um tratamento inevitavelmente centrado sobre as relações

    interestatais e internacionais europeias ofereceria, como parece óbvio, pouco espaço a grandes

    digressões históricas ou políticas voltadas para um país como o Brasil, economicamente

     periférico, dependente politicamente, pois que, durante a maior parte de sua história, colônia

    de um país que era por sua vez essencialmente periférico e dependente. De resto, sem nunca

    ter constituído um centro de poder político, econômico ou militar próprio, o Brasil sempre foi

    relativa ou absolutamente marginal do ponto de vista das relações internacionais globais.

     Não obstante, o Brasil comparece nas páginas dos vários volumes da Histoire des

    relations internationales, a partir da idade moderna evidentemente, sendo que metade das 35

    citações se referem à sua condição de colônia ou ao movimento de independência, cabendo o

    resto ao próprio Renouvin dentro do período independente. Seria excesso de otimismo esperarencontrar, nos diversos textos, desenvolvimentos minuciosos sobre as relações exteriores ou a

     posição internacional do Brasil, pois que a coleção tem um compromisso básico com o seu

    objeto próprio, as relações internacionais, no mais amplo sentido geopolítico da palavra. Mas,

    uma verificação rápida permitirá algumas constatações interessantes.

    As primeiras referências se encontram no texto escrito por Gaston Zeller para cobrir as

    relações internacionais na alvorada da idade moderna, tomo segundo da obra ( Les Temps

     Modernes, I. De Christophe Colomb à Cromwell ), tratando basicamente das consequênciasdos descobrimentos para as relações recíprocas entre Portugal e Espanha e destes com as

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    demais potências europeias (em especial, como seria de se esperar, com a França, de certo

    modo o centro do primeiro concerto europeu, antes e depois de Westfália). Uma atenção

     particular é dada aos interesses mercantis do comerciantes bretões na exploração dos parcos

    recursos florestais da maior e mais recente colônia portuguesa (vide Volume I, p. 280 e 283).

    Outras menções são feitas a propósito da substituição de hegemonias que se opera na

    Europa do século XVII, quando comerciantes e soldados mais agressivos, vindos da Holanda,

    Inglaterra e França, começam a dominar os principais circuitos de bens e metais, em

    detrimento dos antigos monopólios espanhóis e portugueses (vide o capítulo VIII do tomo

    segundo: L’Océan: les politiques d’expansion coloniale, vol. I, p. 411-419, esp. 413 e 415,

     bem como o capítulo X, La guerre de trente ans et la fin de la prépondérance espagnole, p.

    438-464, cf. p. 448). A ascensão da potência inglesa terá, a partir de então, consequências

    decisivas não só para Portugal como para o próprio Brasil.

    O mesmo Zeller oferece, no tomo terceiro ( Les Temps Modernes, II. De Louis XIV à

    1789), um panorama dessas mudanças hegemônicas, que consolidam ao mesmo tempo a

    dominação terrestre da França sobre o continente e a marítima da Inglaterra sobre quase todos

    os mares. Portugal, pressionado a escolher, mas procurando conservar sua autonomia, torna-

    se um mero pião nessas disputas, mesmo se ele consegue preservar o essencial de suas

    colônias, com destaque para o Brasil e Angola (vol. I, p. 513). Novamente, um grande atenção

    é dada à França e à política de Luís XIV (em um grande capítulo I: La puissance française au

    temps de Louis XIV , p. 499-578), com uma breve referência à expedição de Duguay-Trouin de

    1710-1711 ao Rio de Janeiro (vide p. 567-8 desse volume).

    Essa história de conflitos entre imperialismos rivais será retomada por André Fugier

    no quarto tomo do Histoire des relations internationales, sobretudo nos capítulos tratando das

    lutas entre a Espanha, de um lado, e os interesses respectivos de ingleses e franceses, de outro.

    A “vassalagem” política e militar de Portugal em relação à Inglaterra se faz cada vez mais

     presente, enquanto sua vida econômica passa a depender, cada vez mais estreitamente da“produção de ouro brasileiro, [da] frutuosa redistribuição de açúcar, café e algodão, compra

    de mercadorias inglesas...” (p. 66 do vol. II).

     No momento do grande enfrentamento entre a “pérfida Albion” e o cônsul Bonaparte,

    Portugal se vê, no dizer de seus próprios diplomatas “entre l’enclume et le marteau”, mas

    continua seus proveitosos negócios com o “immense Brésil” (capítulo IV, Pacifications

    (1801-1802), p. 105-133; cf. 119-120). As contradições da política portuguesa eram também

    de alcova, pois que o Príncipe Regente João tinha casado com Carlota, filha dos soberanosespanhóis, que no momento eram aliados de Napoleão. Essa situação iria prolongar-se até

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    novos desenvolvimentos em 1807, quando uma vez mais, em razão da política de bloqueio

    continental e do jogo de pressões militares, Portugal tem de submeter-se ou enfrentar a ira de

    Bonaparte. A “economia política” dos bloqueios inglês e francês são objeto de duas seções

     bastante instrutivas no capítulo VII do tomo a cargo de Fugier (II. Économie de blocus

    britanique, p. 187-190, III. La stratégie napoléonienne du blocus, p. 190-196), nas quais se

    insere precisamente a circulação de mercadorias brasileiras (sobretudo algodão e produtos

    tropicais) em direção de um ou outro beligerante (pp. 190 e 194).

    André Fugier trata igualmente das razões estruturais da dominação europeia sobre o

    resto do mundo, com um excelente capítulo sobre seus fundamentos espirituais, intelectuais,

    demográficos, militares, científicos e econômicos (capítulo X, Courants d’Europe, p. 269-

    294), onde se insere a questão das “transferências demográficas”, ou seja a emigração

    europeia para o novo mundo, e a própria partida de toda a elite e administração portuguesa

     para o Brasil, em 1807 (p. 284). O capítulo seguinte, sobre a independência das colônias

    americanas (XI, Émancipation du Nouveau Monde, pp. 295-312), não trata exatamente do

     processo brasileiro de autonomia, mas das iniciativas de Carlota Joaquina no Prata, a partir de

    1808 (p. 306-7), e da sustentação econômica e financeira da Inglaterra pela Coroa portuguesa,

    com as relações privilegiadas (e desiguais) que são então estabelecidas pelos tratados

    comerciais de 1809 e 1810. Data dessa época, igualmente, o estabelecimento de novas

    correntes de comércio entre o Brasil e seus parceiros do continente, a começar pelos Estados

    Unidos (p. 311).

    O próprio Pierre Renouvin tratará da independência brasileira, no quinto tomo de sua

    coleção, todo ele dedicado ao século XIX. Depois de quatro capítulos iniciais sobre as “forças

     profundas”, sobre os “homens de Estado e as políticas nacionais”, as “ameaças à ordem

    europeia” e os “movimentos revolucionários” no velho continente, Renouvin dedica todo o

    capítulo V à independência da América Latina. O tratamento é bastante sumário e os

    autonomistas brasileiros são chamados de “créoles portugais”, que seguem o exemplo dado pelos “créoles espagnols” nos demais países (p. 401). Mas, os eventos são enquadrados por

    Renouvin num panorama mais vasto:

    “Nas relações internacionais, o lugar desses dois eventos é bastante desigual. A

    independência do Brasil só chama a atenção da Grã-Bretanha: o governo inglês que, em 1810,

    tinha defendido Portugal contra a França, aproveitou para se ver atribuída, no Brasil, uma

    tarifa alfandegária bastante favorável à importação dos seus produtos manufaturados; em

    1822, frente ao ‘ fait accompli’, ele se preocupa em manter essa vantagem; à medida em quePedro consente, a política inglesa faz pressão sobre o governo português para levá-lo a

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    reconhecer a independência do Brasil. Mas, a independência das colônias espanholas é uma

    questão de grande impacto para os Estados Unidos e as potências europeias” (vol. II, p. 401).

    Ele ainda faz uma pequena referência ao Brasil, no contexto dos primeiros esforços de

    “solidariedade pan-americana”, com o convite bolivariano ao congresso do Panamá, de 1825,

    que deveria reunir os novos Estados do continente. Nem os Estados Unidos, que já tinha

     proclamado sua “doutrina Monroe” (1823), nem o Brasil ou a Argentina participarão da

    conferência (p. 412). A derrota do esforço de cooperação política dá lugar ao começo da

     preponderância britânica sobre o continente, hegemonia que vai durar cerca de um século.

    Uma última menção ao Brasil nesse texto intervém nas conclusões gerais do tomo sob

    sua responsabilidade, quando Renouvin se contenta em apontar o papel dos fluxos migratórios

    europeus no crescimento de países como os Estados Unidos, a Argentina ou o “Brasil

    meridional” (vol. II, p. 653), questão repetidamente levantada em diversas passagens

    ulteriores e mesmo na conclusão geral da obra (vol. III, p. 910). Não há, em contrapartida,

     para o período em que as jovens nações sul-americanas já se tinham completamente

    desvencilhado da tutela metropolitana, qualquer referência às lutas entre caudilhos na própria

    região, como os conflitos do Prata ou a guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai: o

    equilíbrio de poderes, numa região tão excêntrica para a política mundial como a América do

    Sul, não entra certamente nos esquemas conceituais das relações internacionais vistas da

    Europa.

    O terceiro e último volume da nova edição dessa obra clássica, traz os três tomos

    finais do Histoire des relations internationales, todos redigidos pessoalmente por Pierre

    Renouvin e cobrindo o período de 1871 a 1945. Em cada um deles, as referências ao Brasil

    são, para dizer o mínimo, reduzidas e, em geral, insatisfatórias do nosso ponto de vista: as

    relações internacionais do continente sul-americano são sempre consideradas a partir de uma

     perspectiva europeia ou norte-americana. É o caso, por exemplo, do capítulo XVI do sexto

    tomo, Les Influences Européennes en Amérique Latine (p. 237-244), onde Renouvin começa por afirmar:

    O campo de predileção para a expansão europeia, não apenas do ponto devista demográfico ou do ponto de vista econômico e financeiro, mas no terreno davida intelectual, é a América do Sul. A influência demográfica é importantesobretudo na Argentina e no Brasil. (p. 237)

    Seguem, nas páginas seguintes, comentários e informações sobre esses imigrantes,

    sobre os investimentos estrangeiros ou sobre infraestrutura ferroviária no Brasil que, lidos na

    ótica da historiografia contemporânea, seriam considerados ingênuos ou, enquanto dados

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     parciais, mesmo irrelevantes, mas que podem ser provavelmente explicados pelo estado da

     bibliografia disponível sobre o Brasil à época da elaboração do trabalho: velhas monografias

    de Pierre Denis sobre o café, alguns outros estudos de Roger Bastide (sobre raças ou a

    dualidade da geografia humana), de Pierre Monbeig (sobre os pioneiros e fazendeiros de São

    Paulo) ou de Charles Morazé (sobre a evolução política do Brasil), por exemplo.

    Da mesma forma, seus argumentos sobre a influência cultural francesa nas repúblicas

    sul-americanas – marcadas por um “latinisme de sentiments, de pensée et d’action, avec tous

    ses avantages primesautiers et ses défauts de méthode”, segundo Georges Clemenceau, que

    voltava de viagem (p. 243-244) – e sobre as lacunas de sua prática efetiva, beiram o ridículo,

    tanto o amalgama e o julgamento superficial caracterizam o discurso: “Vassales de l’Europe

    au point de vue économique et financier, ces Républiques en restent profondement séparées

     para l’esprit de la vie politique” (p. 244).

     No tomo seguinte, sobre as crises do século XX entre 1914 e 1929, Renouvin retoma o

    argumento sobre a influência cultural e econômica da Europa, agora contestada pela

    influência dominante dos Estados Unidos em ascensão. O capítulo XIV, especificamente

    dedicado à posição internacional da América Latina, não agrega nenhum dado significativo

    sobre o Brasil e o amalgama com outras repúblicas sul-americanas continua a ser praticado

    com o agravante da visão política eurocêntrica: o conflito entre o Chile e o Peru a propósito

    de Tacna e Arica, por exemplo, é pensado em termos de “Alsace-Lorraine”.

    Segundo a interpretação de Renouvin, a existência da Sociedade das Nações poderia

    dar a esses Estados “plus de courage” para enfrentar a hegemonia dos Estados Unidos: “não

     podem eles esperar que o organismo genebrino lhes dará apoio e lhes fornecerá talvez um

    meio de escapar ao sistema pan-americano?” (p. 575). Na mesma linha, Pierre Renouvin

     parece lamentar que, tendo assinado o “tratado Gondra”, de 1923, os Estados latino-

    americanos se comprometem em resolver seus litígios no quadro pan-americano (“dominé par

    les États-Unis”), em lugar de entregá-los à Sociedades das Nações. Em todo caso, Renouvinnota o apoio apenas discreto (“nuancé”), em contraste com a vigorosa tomada de posição

    argentina, que o Brasil concede, na conferência de Havana em 1928, ao projeto de declaração

    da Comissão de juristas interamericanos – Comissão do Rio – sobre os princípios da “não-

    intervenção” (dos Estados Unidos, entenda-se) e da igualdade de direito entre os Estados

    americanos, como normas consagradas do direito internacional americano (p. 578).

     No último tomo, finalmente, Les Crises du XXe siècle de 1929 à 1945, o Brasil e a

    América Latina comparecem muito pouco, apenas a título de figurantes secundários num ounoutro episódio ligado à guerra mundial (p. 820) ou como fornecedores de matérias-primas

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    (p. 883), ou seja, numa posição reiteradamente marginal do ponto de vista das relações

    internacionais. Durante o conflito mundial, ele reconhece, por exemplo, que a América Latina

    contraiu em relação aos Estados Unidos “des liens de dépendance” que se desdobram numa

    hegemonia financeira a partir de 1947. (p. 884).

    A Permanência de Renouvin

    Profundamente marcado, como todos os homens de sua geração, pelas tragédias

    guerreiras que, de 1871 a 1945, retiram todo peso político ou econômico e toda influência

    internacional à Europa e à França, Pierre Renouvin consegue ainda assim produzir uma obra

    de referência que traz como fundamento metodológico e como premissa filosófica básica a

    essencialidade das relações interestatais europeias para as relações internacionais. Esse tipo de

     perspectiva pode ser considerado como fundamentalmente correto para a maior parte do

     período coberto, mas um historiador do novo mundo, eventualmente chamado a preparar um

    trabalho equivalente de síntese, provavelmente produziria uma obra com maior ênfase no

     peso relativo dos Estados Unidos ou nos fundamentos materiais e políticos da bipolaridade

    que passaria a dividir o mundo do pós-segunda guerra.

    Caberia entretanto observar que as relações internacionais, numa determinada era do

    desenvolvimento das civilizações, devem ser apreciadas em seu próprio contexto histórico, e

    não em função do futuro. Aplica-se aqui a famosa frase de Marx em seu 18 Brumário de Luís

    Bonaparte, segundo a qual a tradição das gerações mortas oprime como um pesadelo o

    cérebro dos vivos.

    Em sua Conclusion Générale (vol. III, p. 907-918), Renouvin retém os dois elementos

    que lhe parecem essenciais ao cabo de uma vista de conjunto sobre o desenvolvimento das

    relações internacionais no curso de dez séculos: “um, o mais destacado sem dúvida, é a

     permanência das rivalidades e dos conflitos entre os grandes Estados, é o espetáculo das

    mudanças incorridas na hierarquia desses Estados; o outro é, por iniciativa dos europeus, o progresso das relações entre os continentes, ao ritmo dos progressos técnicos que facilitaram

    os deslocamentos dos homens, o transporte das mercadorias e o intercâmbio das ideias. A

    história das relações internacionais deve procurar identificar como esses dois aspectos de

    completam e se penetram; ela estende seu olhar sobre o mundo inteiro” (p. 907).

    Depois de passar mais uma vez em revista o papel das condições econômicas,

    demográficas e psicológicas – as “forças profundas” – que influenciam essas relações

    internacionais, Renouvin volta a confirmar o papel essencial dos Estados nas relaçõesinternacionais. Ao mencionar “l’action déterminante des États”, sobretudo daqueles Estados

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    que conseguiram salvaguardar, de século em século, seu poder, ele deveria certamente estar

     pensando na França, então ocupada em reconstruir seu poderio material e em recuperar seu

    antigo prestigio imperial. A mensagem de Renouvin é talvez um pouco voluntarista, mas o

     parti pris é digno de ser sublinhado: “O Estado impõe sua marca nas forças profundas, que

    ele acomoda ou utiliza em proveito do seu poder” (p. 915).

    Essa mesma opção preferencial, de ordem metodológica e empírica, em favor do

    Estado comparece no conhecido manual, em coautoria, de história das relações internacionais.

    Sua importância, para os estudantes da área, justificaria talvez uma longa citação:

    O estudo das relações internacionais está voltado sobretudo para a análisee a explicação das relações entre as comunidades políticas organizadas no quadrode um território, isto é, entre os Estados. Sem dúvida, ele deve levar em conta as

    relações estabelecidas entre os povos e entre os indivíduos que compõem esses

     povos – intercâmbio de produtos e de serviços, comunicações de ideias, jogo dasinfluências recíprocas entre as formas de civilização, manifestações de simpatias

    ou de antipatias. Mas, ele constata que essas relações podem raramente serdissociadas daquelas que são estabelecidas entre os Estados: os governos,

    frequentemente, não deixam a via livre a esses contatos entre os povos; eles lhesimpõem regulamentos ou limitações, quer se trate do movimento de mercadorias

    ou de capitais, de movimentos migratórios, ou mesmo de circulação de ideias;eles podem também, por outros procedimentos, orientar as correntes sentimentais.Essas intervenções não têm somente como resultado mais frequente a restrição ou

    a atenuação das relações estabelecidas pelas iniciativas individuais; elas tambémlhes modificam o caráter. Deixadas a elas mesmas, essas relações entre os

    indivíduos poderiam constituir, algumas vezes, um fator de solidariedade; pelomenos, os antagonismos entre esses interesses individuais não acarretariam, na

    maior parte dos casos, consequências políticas diretas. Regulamentadas pelosEstados, elas se tornam elemento de negociações ou de contestações entre os

    governos. É portanto a ação dos Estados que se encontra no centro das relaçõesinternacionais.

    (Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle: Introduction à l’histoire desrelations internationales; Paris: Librairie Armand Colin, 1964, Introd., p. 1)

    Essa mensagem de história global e ao mesmo tempo de confirmação do papel

     primordial do Estado nas relações internacionais constitui, por assim dizer, a lição de PierreRenouvin às gerações de nossa própria época histórica, um ensinamento que se pretende ta

    mbém um convite à modéstia de pretensões explicativas em sua disciplina. Com efeito, ele

    termina sua monumental Histoire des relations internationales por uma lição que é sobretudo

    uma advertência contra as pretendidas “lições da história”:

    A política exterior está ligada a toda a vida dos povos, a todas ascondições materiais e espirituais dessa vida, ao mesmo tempo que à ação pessoal

    dos homens de Estado. Na busca de explicações, que permanece o objetivo

    essencial do trabalho histórico, o maior erro consistiria em isolar um dessesfatores e atribuir-lhe uma primazia, ou mesmo em querer estabelecer uma

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    hierarquia entre eles. As forças econômicas e demográficas, as correntes da psicologia coletiva e do sentimento nacional, as iniciativas governamentais secompletam e se penetram; sua parte de influência respectiva varia segundo as

    épocas e segundo os Estados. A pesquisa histórica deve tentar determinar qual foiessa parte. Ela oferece assim oportunidade para necessárias reflexões; mas, ela

    não pretende dar receitas e muito menos ditar lições. (vol. III, p. 918)

    Esta é a grande lição que mestre Pierre Renouvin deu em sua Histoire des relations

    internationales e na maior parte de suas obras: seu sentido e seus propósitos continuam

     plenamente válidos. Voilà !

    Paris, 8 de agosto de 1994.Publicado na seção Livros da revista Política Externa 

    (São Paulo: vol. 3, n. 3, dezembro-janeiro-fevereiro 1994/1995, pp. 183-194).

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    Do fim da História ao fim da Geografia:

    o acabamento de Hegel por Fukuyama

    Francis Fukuyama:

    “The End of History?”The National Interest  (n. 16, Summer 1989, p. 3-18)

    The End of History and the Last Man(New York: Free Press, 1992)

     No verão de 1989, a revista americana National Interest  publicava um ensaio teórico –

    mais exatamente de filosofia da História – do intelectual nipo-americano Francis Fukuyama

    sobre os sinais – até então simplesmente anunciadores – do fim da Guerra Fria, cujo título

    estava destinado a deslanchar um debate ainda hoje controverso: “The End of History?”.

    A proposta de Fukuyama sobre o “fim da História” – a interrogação do título é

    importante –, apresentada com um suporte hegeliano aparentemente consistente, é de tão fácil

    aceitação, do ponto de vista intelectual, quanto desprovida de maior importância explicativa,

    do ponto de vista prático. Em sua roupagem puramente acadêmica, ela oferece um excelente

    terreno de manobras para divagações inocentes sobre o “triunfo definitivo” do liberalismo

    ocidental. Quando se trata, no entanto – parafraseando a décima-primeira tese de Marx sobre

    Feuerbach –, de não mais “interpretar” o mundo, simplesmente, mas de “transformá-lo”, essa

    nova tese “jovem hegeliana” perde-se em seu próprio pântano ideológico.

    Em outros termos, se a História aproxima-se de seu final filosófico – isto é, se a Razão

    exauriu as possibilidades conceituais de explicar o Real – e se a organização formal do mundo

    material confunde-se com sua atual configuração histórica, isto não quer dizer que a história

    esteja perto de seu final concreto – isto é, que o Real tenha esgotado de vez as possibilidades

     práticas de ordenar o mundo em conformidade com o reino da Razão – ou que a organização

    material do mundo potencial esteja limitada a um determinado sistema sociopolítico.

    A tese principal era a de que, após um século de emergência e declínio dos regimes

    fascistas e comunistas, de enormes turbulências políticas e de crises econômicas, de

    contestação intelectual e prática ao liberalismo econômico e político de corte ocidental, o

    mundo estava retornando ao seu ponto inicial, qual seja o do triunfo inquestionável – an

    unabashed victory, nas palavras de Fukuyama – do sistema liberal ocidental. Segundo ele,

    tratava-se de um triunfo da “ideia ocidental”, tornada evidente pela exaustão das alternativas

    viáveis ao liberalismo ocidental. Esse triunfo era mostrado, em primeiro lugar, pela

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    disseminação da cultura consumista ocidental nos dois países mais importantes do ‘mundo

    alternativo’, a China e a União Soviética (cabe registrar, imediatamente, que em nenhum

    momento de sua análise, Fukuyama esperava a dissolução imediata do regime monocrático e

    o rápido desaparecimento do próprio império soviético). Como ele mesmo observou logo ao

    início do artigo, “a vitória do liberalismo ocorreu primariamente no domínio das ideias, ou da

    consciência, e é ainda incompleta no mundo real ou material”.

    Mas como afirmou, logo em seguida, o próprio Fukuyama, “há razões poderosas para

    acreditar que é essa ideia que irá governar o mundo real no longo prazo” (ênfase original). Se

    aceitarmos o conhecido aforismo keynesiano, segundo o qual, a longo prazo, todos estaremos

    mortos, essa afirmação do cientista político americano o deixa inteiramente à vontade para

    acomodar quaisquer desenvolvimentos políticos e econômicos imediatos e de médio prazo,

    retirando sua responsabilidade sobre a validade de sua tese na perspectiva do cenário de curto

     prazo. Esse fato pode transformar sua tese principal no equivalente acadêmico dessas

     previsões de cartomantes ou adivinhos, que deixam a um futuro indefinido a realização de

    seus exercícios de futurologia amadora, mas caberia aceitar, em princípio, as premissas de

    Fukuyama como uma proposta passível de discussão apoiada em metodologia rigorosa.

    Em todo caso, seu texto engajava, a partir daí, uma discussão em torno das questões

    teóricas relativas à natureza da mudança histórica, processo que ele remonta a Hegel e Marx,

    sobretudo o primeiro, formulador da teoria do progresso na história universal.1 O fim da

    história, na concepção hegeliana (tal como interpretada por Kojève), estava identificado com

    a afirmação dos princípios do direito universal à liberdade e da legitimação de um sistema de

    governo apenas com o consentimento e a aprovação explícita dos governados, o que foi

    chamado de “Estado homogêneo universal”. Uma vez que todas as contradições anteriores já

    teriam sido resolvidas com a aceitação e por meio do estabelecimento desse Estado – e como,

     para Hegel, o mundo real deveria corresponder ao mundo ideal, pelo menos aquele que

    figurava na cabeça do filósofo –, então não existiriam mais espaços para conflitos de maiorescopo em torno da organização política desse Estado, restando apenas encaminhar e resolver

    os pequenos problemas da atividade econômica e da política corrente. O mundo se

    converteria, então, numa simples “administração das coisas”, segundo a frase de Engels para

    1 Hegel não foi o primeiro, em termos absolutos; antes dele, filósofos escoceses (como Ferguson) efranceses (como Condorcet) já tinham debatido a idéia do progresso da civilização, muitas vezes numa

     perspectiva linear, seguindo a flecha do tempo; mas foi Hegel quem deu à idéia de progresso umsentido de necessidade histórica, que o fez situar-se no centro da evolução possível das sociedadeshumanas.

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    representar a situação das sociedades humanas na fase pós-socialista, quando supostamente já

    não mais existiriam a exploração dos trabalhadores e a dominação política sobre os homens.

    Obviamente, Hegel não era tão simplista como a exposição acima poderia sugerir,

    sobretudo com esse ‘idealismo filosófico’ de equalizar o mundo ideal ao mundo real. Para o

    filósofo alemão – mais especificamente prussiano, talvez –, as contradições existentes no

    mundo real se formam a partir de um conflito de ideias, ou seja, de diferentes concepções

    sobre como deveria ser organizado o mundo real da política e da economia. As distinções

    entre um mundo e outro seriam apenas aparentes, posto que as ideias que encontravam abrigo

    na consciência dos homens acabariam por se tornar necessidades do mundo real, fechando

    assim o ciclo de realização da ideia universal.2 

    A consequência prática dessa concepção seria a de que, posto que as democracias de

    mercado provaram sua capacidade de não apenas resistir aos desafios colocados por crises

    econômicas e por guerras devastadoras, mas também de atender aos requerimentos suscetíveis

    de trazer prosperidade e riqueza a todos os países que aderiram a seus princípios

    organizadores, elas estavam habilitadas a cumprir seu mandato hegeliano de realizar o

    ‘Estado universal homogêneo’, fechando, assim, um ciclo completo da história. À pergunta –

    sempre o ponto de interrogação – de saber se chegamos ao fim da história, deve-se agregar

    esta outra, sobre se existem contradições tão fundamentais na vida humana que não possam

    ser encaminhadas através de qualquer outra forma alternativa de estrutura político-econômica

    que não o liberalismo moderno de mercado. Não se trata de saber o que pode ocorrer, em

    termos práticos, na Albânia ou em Burkina Faso, mas o que importa, realmente, em termos de

    ‘herança ideológica comum da humanidade’.

    Sem dúvida alguma, muito ainda resta a ser feito para que o homem comum possa

    trabalhar pela manhã, pescar na hora do almoço e dedicar-se à filosofia pela tarde, como

    queria o Marx hegeliano da juventude. Em todo caso, a maior parte da humanidade não foi

    ainda advertida sobre essas novas possibilidades de épanouissement individuel .Para ser honesto com Fukuyama, sua tese é basicamente correta em sua aparente

    simplicidade propositiva: não há mais contestação ideológica possível – de origem

    “socialista”, entenda-se bem – à hegemonia filosófica, política e econômica do liberalismo

    ocidental. Este último emergiu claramente vencedor das contendas ideológicas do período de

    Guerra Fria. Parodiando o autor da Critique de la Raison Dialectique, até se poderia adivinhar

    2 Marx inverteu esse processo, como se sabe, mas apenas para converter o socialismo na realização

    necessária, em última instância, da idéia universal, uma espécie de fatalismo pelo lado da sucessãoinevitável dos ‘modos de produção’, um conceito que ele cunhou e que ainda hoje é usado pordiscípulos, de modo geral, mas também por opositores dos próprios sistemas hegeliano e marxista.

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    a brincadeira outre tombe que, a propósito do liberalismo ocidental, Raymond Aron dirigiria a

    Jean-Paul Sartre: à diferença do marxismo, ele, sim, teria se tornado o “horizonte insuperável

    de nossa época”.

    É altamente improvável, porém, que Aron concordasse com a previsão de Fukuyama

    sobre os états d’âme associados a um liberalismo fin-de-siècle: uma clara época de tédio (a

    very sad time, prospects of centuries of boredom, diz Fukuyama em seu artigo), marcada pela

     preocupação quase que exclusiva com exigências materiais, sem as experiências “heróicas”

    ou “excitantes” que todo período maniqueísta sói suscitar. Relativamente pessimista – dotado

    de um scepticisme serein, preferiria dizer o ex-colega de liceu de Sartre – no que se refere às

    realidades dos Estados e dos sistemas de poder existentes, Aron não alimentaria nenhuma

    ilusão quanto a que o alegre “enterro do socialismo”, operado na última década do século XX,

     pudesse conduzir a uma “primavera das democracias” razoavelmente estável ou a uma versão

    atualizada da “paz universal” prometida em meados do século XVIII por um prelado francês e

    um pouco mais tarde pelo próprio Kant.3. Em todo caso, a anarquia política característica da

    ordem interestatal contemporânea, bem como os enormes diferenciais de recursos e de poder

    entre os Estados, no quadro de um sistema internacional ainda fortemente hierarquizado,

     parecem garantir um “fim da História” bem movimentado para os atores que continuarem a

     participar deste cenário pós-socialista.

    Entendamo-nos bem. Aron certamente não se importaria em que os aléas de l'Histoire 

    conduzissem a Humanidade a um fin-de-siècle bem pouco aroniano, isto é, livre de uma vez

     por todas da terrível ameaça do holocausto nuclear. Mas, para ele, a superação da

     Machtpolitik  da era bipolar não significava em absoluto que as relações internacionais

    contemporâneas – e presumivelmente as do futuro também – passassem a ser desprovidas,

    mesmo num cenário multipolar, de todo e qualquer elemento de “política de poder”. A

    despeito da crescente afirmação do primado do direito internacional – ou seja, da “força da

    razão” sobre as soluções baseadas na violência primária –, a Machtpolitik  continuará a existir por largo tempo ainda, inclusive em seus aspectos mais elementares de exercício puro e

    simples da “razão da força”.

    A diferença está, provavelmente, em que, no cenário otimista traçado por Fukuyama, o

    desafio ideológico representado pelo socialismo – the socialist alternative, em suas palavras –

    simplesmente deixou de existir. Mesmo imaginando-se (no l’au-delà) o “sorriso cético” de

    3 Ver, a esse propósito, meu ensaio “Uma paz não-kantiana?: Sobre a paz e a guerra na era

    contemporânea”, In: Eduardo Svartman, Maria Celina d’Araujo e Samuel Alves Soares (orgs.), Defesa, Segurança Nacional e Forças Armadas: II Encontro da Abed  (Campinas: Mercado de Letras,2009, p. 19-38; link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1987PazNaoKantianaABEDbook.pdf).

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    Raymond Aron – que, todavia, nunca reduziu o confronto interimperial a um mero

    enfrentamento ideológico –, não podemos descartar, de plano, a versão revista e melhorada

     por Fukuyama da tese de Bell sobre o “fim das ideologias”. A differentia specifica 

    representada pelo afastamento do concorrente ideológico – isto é, o socialismo – pode ser

    funcionalmente explicativa para justificar um futuro “estado universal homogêneo”.

     Numa época em os modernos ideólogos identificaram, repetidas vezes, sinais de “fim

    das ideologias” (ou, agora, do próprio “fim da História”), perde-se facilmente a visão de como

    o elemento ideológico influenciou a construção do mundo contemporâneo. O Ocidente em

    geral, nos últimos setenta anos, e a Europa em particular, nos últimos quarenta anos, viveram

    sob o signo das relações Leste-Oeste. Sua face mais ameaçadora produziu o que,

    acertadamente, ficou identificado sob o conceito de Guerra Fria. Depois de pelo menos quatro

    décadas de livre circulação, essa verdadeira hantise estratégico-ideológica parece agora estar

    finalmente encaminhando-se para o museu das antiguidades, ao lado do machado de bronze e

    da roca de fiar (como queria Engels em relação ao Estado). Surpresas nesse terreno não

     podem contudo ser descartadas, já que o conceito mesmo de Guerra Fria se refere à

    confrontação de interesses políticos (e o consequente não-enfrentamento direto) entre duas

     potências rivais e não, simplesmente, à competição econômica entre grandes países.

    A Guerra Fria entre as duas superpotências, que marcou indelevelmente toda a história

    da segunda metade do século XX, não foi, provavelmente, apenas um produto de ideologias

    conflitantes. Mas, foram certamente as racionalizações políticas e militares construídas a

     partir das “intenções malévolas” do concorrente estratégico que lhe deram uma dimensão

     jamais vista nas antigas disputas hegemônicas (seja entre os impérios da antiguidade clássica,

    seja entre os Estados-nacionais da era moderna).

    Mais que tudo, foi a crença ideológica – quase religiosa, podemos dizer – em uma

    “missão histórica” especificamente “socialista”, qual seja, a de enterrar não apenas o “inimigo

     burguês”, mas o próprio “modo de produção capitalista”, que exacerbou tremendamente o“conflito ideológico global” (como diriam os generais da “geopolítica”), levando-o, em

    algumas ocasiões, ao limiar da “escalada nuclear”.

    O afastamento da “espoleta ideológica” – a iskra leninista – do socialismo, antecipada

     pela tese sobre o “fim da História”, significaria agora que o mundo estaria encaminhando-se,

    finalmente, para uma era de paz (ou pelo menos de não-guerra)? Descartando-se a

     permanência dos chamados conflitos regionais e das guerras locais conduzidas por motivos

    étnicos ou territoriais, é provável que sim, mas, isto tem pouco a ver com o fim do “desafiosocialista”. Como veremos mais adiante, o abafamento das paixões bélicas nas sociedades

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    contemporâneas é mais o resultado de mudanças substantivas na ordem econômica global do

    que devido a motivos de natureza política ou ideológica (a derrocada do socialismo).

    Com efeito, querer responsabilizar a ideologia socialista pelas “guerras de religião”

    contemporâneas (do que não se pode acusar Fukuyama) nada mais significa senão uma

    racionalização filosófico-sociológica a posteriori, pouco condizente com uma realidade

    histórica muito mais complexa que todas as vãs “filosofias da história”, mesmo em versão

    supostamente hegeliana. Num século marcado pelo “triunfo” avassalador das ideologias, o

    socialismo não foi, de longe, a mais belicista ou a mais agressiva delas: na triste competição

    entre hitlerismo, stalinismo e maoísmo (acrescente o pol-potismo ou o senderismo quem

    quiser), o primeiro ainda resulta largamente vencedor. Não se trata aqui, meramente, de uma

    contabilidade quanto aos números respectivos de mortos induzidos, como poderiam nos

    lembrar um Robert Conquest ou alguns demógrafos da era pós-Deng Xiao-Ping: o hitlerismo

    ainda representa o projeto mais acabado de aplicar o burocratismo weberiano à planificação

    industrial do genocídio.

    Um exame imparcial da história do período anterior a 1945, mostraria que não foi a

    oposição entre, de um lado, as ideologias “capitalistas” – ou, digamos, liberais – e, de outro as

    “socialistas” – pode-se dar-lhes, cum grano salis, o epíteto de marxistas – que provocou o

    quadro de instabilidade política e militar durante a primeira metade do século XX e que

     precipitou os conflitos que retirariam definitivamente da Europa as alavancas do poder

    mundial. Ao contrário, foram os conflitos de natureza quase “feudal” – como diria o

    historiador Arno Mayer – latentes no continente europeu desde finais do século XIX que

     permitiram o surgimento do poder socialista e, com ele, do conflito ideológico global. Basta

    mencionar a ação agressiva das novas potências da mittel -Europa para escapar ao cerco das

    “velhas potências imperiais”, ou o papel das ideologias fascistas do “espaço vital” e da

    “regeneração nacional” no entre-guerras, para dar a exata dimensão da responsabilidade do

    “socialismo” no caótico quadro político-militar da modernidade. A “ameaça socialista”sempre foi menor do que se imaginou e poderia mesmo ter sido irrelevante, para todos os

    efeitos práticos, não fosse por um desses imponderáveis do acaso – os famosos “ifs” dos

    livros de historia virtual – que costumam esconder-se nas já mencionadas dobras da História.

     Não se deve, com efeito, esquecer que o surgimento da dimensão Leste-Oeste no

    contexto político europeu é virtualmente o resultado prático de um pequeno, mas fecundo,

    “acidente” histórico, desencadeado involuntariamente por um dos beligerantes durante a

    Primeira Guerra Mundial: o retorno à Rússia de um punhado de bolcheviques exilados, praticamente desanimados pela ausência de perspectivas revolucionárias em sua terra natal. O

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    voluntarismo oportunista da diplomacia do Kaiser, que buscava apenas provocar um pequeno

    “tremor” político na frente de guerra oriental, podendo servir a interesses militares imediatos,

    transformou-se porém em um cataclismo histórico de proporções inimagináveis, dando

    nascimento aliás ao próprio conceito de relações Leste-Oeste.

    Uma vez instalado o novo poder bolchevique, as diversas intervenções das potências

    ocidentais em território russo (ou “soviético”) contribuíram mais para alimentar a oposição

    ideológica irredutível com os países capitalistas do que uma suposta “luta de classes” em

    escala internacional. No segundo pós-guerra, igualmente, a busca constante do rompimento

    do “cerco imperialista” era mais ditada por considerações de natureza estratégica (segurança

    militar) do que por reflexos de princípios “ideológicos”. Para Stalin, por exemplo, a razão de

    Estado sempre teve preeminência sobre o “internacionalismo proletário”, este último

    invariavelmente servindo de disfarce ideológico aos interesses do poder soviético.

    Seja qual for o destino futuro da “ideologia socialista”, seu itinerário terá pouco a ver

    com o ocaso da História. Na verdade, estamos assistindo, não tanto ao “fim da história”,

    quanto, mais p