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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA JOHN NEVILLE KEYNES E A SILOGÍSTICA COM TERMOS NEGATIVOS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Isac Fantinel Ferreira Santa Maria, RS, Brasil 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

JOHN NEVILLE KEYNES E A SILOGÍSTICA COM

TERMOS NEGATIVOS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Isac Fantinel Ferreira

Santa Maria, RS, Brasil

2012

JOHN NEVILLE KEYNES E A SILOGÍSTICA COM TERMOS

NEGATIVOS

Isac Fantinel Ferreira

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação

em Filosofia, Área de Concentração em Análise da Linguagem e Justificação, da

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para a

obtenção do grau de Mestre em Filosofia.

Orientador: Prof. Frank Thomas Sautter

Santa Maria, RS, Brasil

2012

Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Ciências Sociais e Humanas

Programa de Pós-Graduação em Filosofia

A Comissão Examinadora, abaixo assinada,

aprova a dissertação de mestrado

JOHN NEVILLE KEYNES E A SILOGÍSTICA COM TERMOS

NEGATIVOS

elaborada por

Isac Fantinel Ferreira

como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Filosofia

COMISSÃO EXAMINADORA:

_____________________________________________

Prof. Dr. Frank Thomas Sautter (UFSM)

(Presidente/Orientador)

_____________________________________________

Prof. Dr. Jorge Alberto Molina (UNISC/UERGS)

(Membro Externo)

_____________________________________________

Prof. Dr. Rogério Passos Severo (UFSM)

(Membro Interno)

Santa Maria, 27 de abril de 2012.

AGRADECIMENTOS

À UFSM, pelos anos de formação e pelo financiamento desta pesquisa.

Ao professor Frank Thomas Sautter, pela orientação deste trabalho.

Aos membros da banca de defesa, pelas contribuições e sugestões.

RESUMO

Dissertação de Mestrado

Programa de Pós-Graduação em Filosofia

Universidade Federal de Santa Maria

JOHN NEVILLE KEYNES E A SILOGÍSTICA COM TERMOS NEGATIVOS

AUTOR: ISAC FANTINEL FERREIRA

ORIENTADOR: FRANK THOMAS SAUTTER

Data e Local da Defesa: Santa Maria, 27 de abril de 2012.

Este trabalho apresenta e discute a ampliação da silogística tradicional aristotélica, realizada

por John Neville Keynes no início do século XX, mediante a introdução de uma notação para termos

negativos na teoria lógica. A bibliografia primária utilizada foi a quarta edição, datada de 1906, do

manual de Lógica de Keynes Studies and Exercises in Formal Logic. Keynes tem uma interpretação

extensional acerca do uso dos termos negativos: eles são entendidos como o complemento extensional

do seu correspondente termo positivo em relação ao universo do discurso; neste sentido, a sua

concepção da negação terminística obedece ao Princípio do Terceiro Excluído. A ampliação da

silogística tradicional pelo acréscimo dos termos negativos leva, também, a uma ampliação do número

de relações lógicas entre as proposições categóricas, assim como do número de inferências imediatas

válidas. O Quadrado de Oposições é transformado em um Octógono de Oposições, no qual são

acrescentadas três novas relações lógicas entre as proposições categóricas, a saber, a

complementaridade, a subcomplementaridade, e a contracomplementaridade; a validade destas novas

relações lógicas não exige o pressuposto existencial de nenhum dos termos envolvidos. Quanto às

inferências imediatas, além do processo de conversão, três novos tipos destes processos formais são

obtidos: a obversão, a contraposição (parcial e total) e a inversão (parcial e total). Para provar a

validade destes processos formais, assim como de quaisquer inferências na silogística, Keynes

apresenta um método diagramático desenvolvido a partir do conhecido método de Euler; no método de

Keynes, porém, há a representação de termos negativos. Na versão de Keynes do método diagramático

de Euler a validade é entendida como preservação de informação: uma coleção de diagramas básicos,

correspondentes às informações elementares, é atribuída às proposições categóricas; e uma inferência

é válida se, e somente se, os diagramas atribuídos às premissas também estão atribuídos à conclusão.

Palavras-chave: Silogística. Termos negativos. J. N. Keynes. Oposições lógicas. Inferências

imediatas. Diagramas de Euler.

ABSTRACT

Master´s Degree Dissertation

Postgraduate Program in Philosophy

Federal University of Santa Maria

JOHN NEVILLE KEYNES AND SYLLOGISTICS WITH NEGATIVE TERMS

AUTHOR: ISAC FANTINEL FERREIRA

ADVISER: FRANK THOMAS SAUTTER

Date and place of the defense: Santa Maria, April 27th, 2012.

This work presents and discusses the extension of traditional Aristotelian syllogistics carried

out by John Neville Keynes in the beginning of the twentieth century, through the introduction of a

notation for negative terms into logical theory. The primary bibliography used was the fourth edition,

dated 1906, of the Keynes‟s textbook on Logic “Studies and Exercises in Formal Logic”. Keynes has

an extensional interpretation of the use of negative terms: they are understood as an extensional

complement of the corresponding positive terms relative the universe of discourse; in this sense, his

conception of the negation of terms obeys the Principle of Excluded Middle. The extension of

traditional syllogistics by the addition of negative terms also leads to an extension of the number

logical relations among the categorical propositions, as well as the number of valid immediate

inferences. The Square of Oppositions is transformed into an Octagon of Oppositions, to which three

new logical relations between the categorical propositions are added, namely, complementarity, sub-

complementarity and contra-complementarity; the validity of these new logical relations does not

require existential presupposition of any of the involved terms. Regarding immediate inferences,

besides the conversion process, three new types of formal processes are obtained: obversion,

contraposition (partial and total) and inversion (partial and total). To prove the validity of these formal

processes, as well as of any syllogistic inference, Keynes lays out a diagrammatic method based on the

well-known Euler method; in Keynes‟s method, however, negative terms are represented. In Keynes‟s

version of Euler‟s diagrammatic method validity is understood as preservation of information: a

collection of basic diagrams, corresponding to elementary information, is assigned to categorical

propositions; and an inference is valid if, and only if, the diagrams assigned to the premises are also

assigned to the conclusion.

Keywords: Syllogistics. Negative terms. J. N. Keynes. Logical oppositions. Immediate

inferences. Euler diagrams.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13

1 A SILOGÍSTICA TRADICIONAL ARISTOTÉLICA ................................................... 19 1.1 Teoria básica ..................................................................................................................... 19 1.1.1 Proposições e Termos ...................................................................................................... 20 1.1.2 Silogismo ......................................................................................................................... 27 1.2 Os métodos diagramáticos de Euler e de Keynes para a silogística ............................. 33

1.2.1 A obtenção de conhecimento segundo Euler ................................................................... 34 1.2.2 O método diagramático de Euler ..................................................................................... 40 1.2.3 Proposições singulares ..................................................................................................... 45 1.2.4 O método diagramático de Keynes .................................................................................. 50

1.3 Quadrado de Oposições ................................................................................................... 59 1.3.1 Relações de oposição e de subalternação entre as proposições da silogística ................. 60 1.3.2 A influência da pressuposição existencial nas relações do Quadrado de Oposições ...... 63

2 A SILOGÍSTICA DE KEYNES ......................................................................................... 71 2.1 As bases da concepção original de Keynes ..................................................................... 71 2.1.1 O que é a Lógica para Keynes ......................................................................................... 72 2.1.2 Esclarecimento terminológico ......................................................................................... 77

2.1.3 A doutrina da Lógica ....................................................................................................... 83 2.2 O significado dos termos negativos ................................................................................. 85

2.2.1 Concepção intensional dos termos negativos .................................................................. 86 2.2.2 Concepção extensional dos termos negativos ................................................................. 90 2.3 Octógono de Oposições ..................................................................................................... 94

2.3.1 Complementaridade, subcomplementaridade e contracomplementaridade .................... 95

2.3.2 Inferências Imediatas ..................................................................................................... 103 2.3.3 Termos negativos e as novas relações lógicas ............................................................... 109 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 117

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 121 Apêndice A - Vantagens e Desvantagens do Uso dos Termos Negativos ......................... 125

INTRODUÇÃO

Até o advento da Lógica Matemática, no início do século XX, o estudo da silogística

praticamente esgotava os conteúdos trabalhados em Lógica, ou seja, a silogística tradicional

manteve-se, por mais de dois mil anos, como o modelo de sistema lógico empregado no

estudo desta disciplina. Este fato causa, frequentemente, a impressão de que não houve

progresso na Lógica desde Aristóteles até a Lógica contemporânea. É conhecida a passagem

de Kant, no Prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura, onde ele afirma que a

Lógica já nasceu “acabada e completa” (Kant, 1987, BVIII) no trabalho desenvolvido por

Aristóteles, e com isso ele está querendo dizer que não houve um ganho substancial em

conteúdos na Lógica desde Aristóteles até a sua época. Esta concepção não é infrequente na

filosofia, no entanto, ela é falsa: ocorreram, sim, avanços, tanto conceituais como técnicos, na

Lógica ao longo destes mais de dois mil anos que separam Aristóteles de Frege; surgiram,

sim, neste período, novas teorizações que aprofundaram o trabalho iniciado por Aristóteles, e

assim, ampliaram os conteúdos abordados pela silogística aristotélica.

O objetivo deste nosso trabalho é, justamente, apresentar uma dessas novas

teorizações, a saber: apresentaremos a ampliação da silogística tradicional realizada por John

Neville Keynes através do emprego de termos negativos na notação lógica. Em Aristóteles já

aparece o uso dos termos negativos, porém lá eles não são representados na notação lógica.

Para Aristóteles, de modo geral, um termo negativo é formalizado da mesma maneira que um

termo positivo. A notação usada por Aristóteles para realizar as demonstrações lógicas, no

Primeiros Analíticos, não diferencia um termo positivo de um termo negativo, tanto um como

outro são representados por letras maiúsculas (“A”, “B”, “C”, “D” etc.)1. Na silogística

ampliada de Keynes os termos negativos são representados, nas demonstrações lógicas -

textuais ou diagramáticas - através de uma notação diferente daquela notação usada para

representar os termos positivos; são representados por uma notação que os identifica como

termos negativos. É neste sentido que afirmamos que a ampliação da silogística tradicional

realizada por Keynes resulta do acréscimo formal destes termos.

1 Vamos utilizar, em geral, a obra de Barnes The Complete works of Aristotle, de 1995, como fonte do texto

clássico. Neste sentido, estamos afirmando que Aristóteles usava as letras maiúsculas “A”, “B”, “C” etc., isto é,

letras latinas, na representação dos termos na silogística; evidentemente, que nos escritos de Aristóteles a sua

notação lógica era representada por meio de letras gregas.

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John Neville Keynes (31 de agosto de 1852 – 15 de novembro de 1949) foi um

filósofo e economista britânico que em boa parte de sua vida dedicou-se ao estudo e ensino da

Lógica. Ele é o pai do renomado economista John Maynard Keynes, o qual é considerado um

dos maiores economistas do século XX e fundador da macroeconomia moderna. John Neville

lecionou cursos de Economia e de Lógica em Cambridge, e em 1884 publicou a primeira

edição de sua obra Studies and Exercises in Formal Logic, um extenso manual de Lógica que

abrange os principais tópicos da disciplina à época; servindo como um importante material

didático para a discussão e aprendizagem da Lógica no seu tempo, além de apresentar

contribuições originais na área, como o emprego sistemático de termos negativos. Esta sua

obra teve quatro edições: a segunda em 1887, a terceira em 1894 e a última em 1906. Para a

última edição desta sua obra Keynes contou, inclusive, com a ajuda de seu filho John

Maynard, evidentemente ainda jovem na época: “Em 1906, Maynard ajuda o pai a atualizar

seu livro Studies and Exercises in Formal Logic (de 1884), quando se prepara sua quarta

reedição.” (Gazier, 2011, p. 39). Será justamente esta última edição, de 1906, que servirá de

bibliografia primária para a realização desta dissertação. A primeira edição também será

utilizada, mas apenas na comparação com a edição de 1906, pois naquela não há, ainda, o

emprego sistemático dos termos negativos.

Antes, porém, de abordarmos a temática central do nosso trabalho, a silogística

ampliada de Keynes, iremos, no Capítulo 1, apresentar a silogística tradicional. E por

“silogística tradicional” estamos entendendo não só os trabalhos lógicos de Aristóteles, como

também as contribuições feitas por lógicos posteriores a ele, formando aquilo que hoje

conhecemos como a silogística (sem a inclusão formal dos termos negativos). Neste sentido,

trataremos na Seção 1.1 das noções que servem de base para a teoria da dedução aristotélica,

tais como: a noção de proposição, a noção de termo, as possíveis relações entre os termos na

silogística, os tipos de proposições da silogística, a noção de silogismo (as figuras e os

modos), as regras de conversão das proposições, entre outras. Estas noções encontram-se,

fundamentalmente, no “Livro I” do Primeiros Analíticos, contudo, utilizaremos também

outras obras lógicas de Aristóteles, como o livro Da Interpretação, por exemplo. Pois, servir-

nos-á como um guia condutor nesta seção, a ideia de que a criação da principal noção lógica

desenvolvida por Aristóteles, a saber, a noção de validade formal, só foi possível devido

introdução das variáveis (das letras maiúsculas “A”, “B”, “C” etc., de acordo com a edição de

Barnes, que correspondem à notação lógica de Aristóteles para os termos) no lugar dos termos

nas proposições; e que isso, por sua vez, acarretou na não diferenciação do status lógico do

(termo) sujeito e do (termo) predicado na silogística.

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Continuando, na Seção 1.2, vamos abordar o tema envolvendo as relações extensionais

entre os termos sujeito e predicado. Para isso, apresentaremos os métodos diagramáticos de

Euler e de Keynes para testar a validade das inferências na silogística. Forneceremos,

primeiramente, uma visão geral da tradicional concepção epistemológica de Euler e,

posteriormente, apresentaremos o seu método diagramático. Os diagramas circulares de Euler

tornaram-se bastante conhecidos na área, o próprio método diagramático Keynes segue os

moldes do método de Euler, contudo, Keynes difere deste último por apresentar diagramas

capazes de representar proposições que contenham termos negativos. O acréscimo dos termos

negativos na exposição diagramática de Keynes é motivado por um aumento de simetria entre

o número de diagramas, ou seja, o nível de informação referente a cada proposição. Ainda

nesta seção, trataremos da temática envolvendo as proposições singulares, isso nos

possibilitará definir as noções de termo geral e de termo singular, assim como discutir a

questão da pressuposição existencial dos termos na silogística.

Na Seção 1.3, complementaremos nossa apresentação da silogística tradicional,

tratando das relações lógicas existentes entre as proposições, o principal tópico desta seção

diz respeito, então, à apresentação do Quadrado de Oposições. Para que possamos expor este

tópico satisfatoriamente iremos, em primeiro lugar, nos centrar nas noções de “afirmação” e

de “negação” contidas no livro Da Interpretação de Aristóteles, com isso poderemos explicar

melhor as relações de contraditoridade, contraridade, subcontraridade e subalternação, as

quais formam o conhecido Quadrado de Oposições da silogística. Posteriormente, veremos

qual a influência da pressuposição existencial dos termos sobre estas relações lógicas entre as

proposições. Destacaremos que, se analisarmos a silogística do ponto de vista da Lógica

contemporânea, isto é, se descartarmos o compromisso existencial dos termos, então, em

última análise, a única relação de oposição válida será a oposição contraditória. Para

evitarmos esta conclusão, de invalidar praticamente todas as relações do Quadrado de

Oposições, argumentaremos que a silogística, diferentemente da Lógica Matemática

contemporânea, não deve ser vista como um estudo que elimina a referência aos significados

dos termos envolvidos nas proposições. E, para fortalecer este argumento, usaremos a antiga

Doutrina da Matéria das Proposições para legitimar relações lógicas entre as proposições da

silogística.

Com isso acabaremos nossa exposição da silogística tradicional e passaremos, no

Capítulo 2, a tratar da silogística ampliada de Keynes. Iniciaremos, na Seção 2.1, tratando das

bases filosóficas que fundamentam o sistema lógico de Keynes. Neste sentido, veremos, em

primeiro lugar, como Keynes define a Lógica, posteriormente iremos contextualizar esta sua

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definição da disciplina de acordo com o ambiente naturalista em que se encontra a discussão

filosófica da época. Em especial, iremos destacar a forte influência que a Psicologia

desempenhou, acerca do estudo da Lógica, tanto nas concepções de Keynes, quanto em

autores contemporâneos a ele, tais como J. S. Mill e posteriormente Frege. Ainda nesta seção,

forneceremos um esclarecimento terminológico das noções, usadas na quarta edição do

Studies and Exercises in Formal Logic de Keynes, que embasam este nosso trabalho, tais

como as noções de intensão e de extensão. Estas noções, essenciais para explicarmos a

concepção de Keynes acerca dos termos negativos, estão vinculadas à distinção de Keynes

entre o uso abstrato e o uso concreto dos termos na silogística. Por fim, para encerrarmos a

seção, vamos comparar a estrutura dos conteúdos do manual de Keynes (Studies and

Exercises in Formal Logic, quarta edição) com a forma canônica de organização destes

conteúdos na época através daquilo que se chamava “Doutrina Lógica”.

Dissemos anteriormente que o objetivo deste nosso trabalho é apresentar

sistematicamente o tratamento formal que Keynes realiza acerca dos termos negativos na

silogística. Neste ponto, após termos caracterizado e discutido a silogística tradicional e

aclarado a terminologia empregada por Keynes, poderemos entrar mais especificamente neste

tema. Antes, porém cabe realizarmos, na Seção 2.2, uma discussão filosófica sobre o

significado dos termos negativos. Apresentaremos duas posições acerca deste tópico, a

primeira delas, que chamaremos de concepção intensional, rejeita que termos negativos

possuam significação. E a segunda delas, a qual Keynes sustenta, e que chamaremos de

concepção extensional, fundamenta a significação dos termos negativos com base em sua

denotação. Os termos negativos serão entendidos por Keynes como o complemento

extensional do termo correspondente positivo em relação ao universo do discurso.

Dessa maneira, o uso dos termos negativos na silogística fica legitimado, e assim

poderemos passar, na Seção 2.3, ao tratamento formal que Keynes confere a estes termos.

Apresentaremos, primeiramente, três novas relações lógicas entre as proposições descritas por

Keynes, a saber, a relação de complementaridade, de subcomplementaridade e de

contracomplementaridade. Estas novas relações lógicas, além das relações que formam o

Quadrado de Oposições, vão compor o Octógono Oposições de Keynes, uma figura didática

que representa todas as relações lógicas entre as proposições da silogística ampliada pelos

termos negativos. Esta silogística ampliada vai conter trinta e duas proposições diferentes

envolvendo dois termos quaisquer (positivos ou negativos). Veremos que Keynes chega

sistematicamente a estas trinta e duas proposições através de processos de inferências

imediatas, quer dizer, através dos processos formais de conversão (que já se encontra em

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Aristóteles), de obversão, de contraposição (parcial e total) e de inversão (parcial e total).

Com base nestas inferências imediatas, Keynes divide estas trinta e duas proposições em oito

grupos (com quatro proposições cada) logicamente independentes entre si, serão estes oito

grupos de proposições que estarão representados no Octógono de Oposições.

Nosso trabalho contém ainda um apêndice (Apêndice A), no qual discutiremos

algumas das possíveis vantagens e desvantagens do uso dos termos negativos na silogística.

Veremos que a concepção de Keynes acerca dos termos negativos obedece ao Princípio do

Terceiro Excluído. Esta concepção difere do uso que fazemos destes termos em nossa

comunicação por meio da linguagem coloquial. Para exemplificarmos esta diferença

retornaremos ao processo de inferência imediata denominado de inversão. Vamos, em

primeiro lugar, demonstrar a validade deste processo de inversão através do método

diagramático de Keynes envolvendo termos negativos; e, em segundo lugar, veremos que a

validade deste processo fica comprometida se assumirmos uma posição que rejeita o Princípio

do Terceiro Excluído na negação de termos, ou seja, se seguirmos o uso destes termos em

nossa linguagem coloquial. Para resolvermos esta questão, apresentaremos um método

diagramático no qual o termo positivo e o negativo não necessariamente se complementam no

universo do discurso. Através deste método provaremos a validade tanto da inversão como de

todas as inferências imediatas trabalhadas por Keynes.

1 A SILOGÍSTICA TRADICIONAL ARISTOTÉLICA

1.1 Teoria básica

Reconhecidamente Aristóteles foi o primeiro a produzir uma teoria lógica, no sentido

de uma teoria formal do raciocínio ou da dedução válidos. As noções lógicas elaboradas por

Aristóteles foram inovadoras e por isso lhe renderam a designação de “pai da lógica”

(Correia, 2003, p. 93). Aliás, ele não apenas elaborou as noções básicas da Lógica como

apresentou uma sistematização dessas noções através de uma teoria que é capaz de

demonstrar a validade de um raciocínio levando em conta apenas a forma e a combinação dos

elementos que constituem as proposições (Łukasiewicz2, 1977, p. 18).

No entanto, a palavra “lógica” (logiké) não era empregada por Aristóteles no mesmo

sentido em que ela é usada por nós, para ele esta expressão tinha uma conotação mais ampla e

variável; a palavra usada por ele para expressar o que hoje entendemos por lógica formal é

“analítica” (analytiké) (Vigo, 2007, p. 16). A Analítica era para Aristóteles uma disciplina que

englobava tanto os conteúdos referentes à sua teoria da dedução como aqueles referentes à sua

teoria da demonstração científica. As suas obras que versam sobre estes conteúdos são os

Primeiros Analíticos ou Analíticos Anteriores, e os Segundos Analíticos ou Analíticos

Posteriores, respectivamente, apesar de que estes conteúdos encontram-se estreitamente

relacionados. Estas duas obras e algumas outras que se referem àquilo que atualmente

entendemos por Lógica foram classificadas e reunidas, dentro do corpus de textos

aristotélicos, sob o título de Organon.

Trataremos aqui apenas da parte da Analítica que se refere à teoria da dedução

aristotélica e não de sua teoria da demonstração científica. O núcleo desta teoria da dedução

encontra-se, dentro do Organon, no “Livro I” do Primeiros Analíticos. O objetivo desta seção

é, então, apresentar e discutir, as noções que servem de base para o sistema lógico assertórico

criado por Aristóteles (não trataremos da teoria silogística modal aristotélica, contida nos

capítulos 8 a 22 deste mesmo escrito).

2 Łukasiewicz define a silogística como uma teoria formal; no entanto, ele distingue uma teoria formal de uma

teoria formalista. Para ele, então, “a lógica aristotélica é formal sem que seja formalista” (Łukasiewicz, 1977, p.

24, tradução nossa).

20

Iniciaremos, então, na Seção 1.1.1, como o próprio Aristóteles faz no início do

primeiro capítulo do “Livro I”, tratando da noção de proposição. Posteriormente, passaremos

à noção de termo, para vermos como as diferentes relações entre os termos fornecem os

diferentes tipos de proposições contidas na silogística. Na sequência, na Seção 1.1.2,

abordaremos a primeira noção de silogismo encontrada na obra, assim como as noções de

silogismo perfeito e silogismo imperfeito. Com base nestas noções, vamos tratar das regras de

conversão das proposições na silogística; e por fim, ainda nesta seção, apresentaremos as

figuras silogísticas e os modos silogísticos válidos.

1.1.1 Proposições e Termos

Nesta seção vamos apresentar e discutir a noção de proposição e a noção de termo,

contidas no Primeiros Analíticos. Estas noções aristotélicas, como veremos, fundamentaram o

estudo da Lógica até o início do século XX. Mostraremos que Aristóteles possui duas

posições diferentes acerca da estrutura lógica das proposições; uma delas encontra-se no

Primeiros Analíticos e a outra está contida na obra Da Interpretação, também um livro do

Organon. Esta última posição aproxima-se muito das teses de Platão que se encontram no

diálogo Sofista. Ainda nesta seção, veremos quais tipos de predicação podem ocorrer entre os

termos sujeito e predicado nas proposições. Com base nestas diferentes relações entre os

termos, introduziremos as quatro formas lógicas possíveis para as proposições na silogística

assertórica.

Uma proposição, parafraseando Aristóteles no Primeiros Analíticos, é uma declaração

que predica algo acerca de um sujeito, quer dizer, é uma declaração que afirma ou nega

alguma coisa sobre um sujeito (Primeiros Analíticos 24a 16)3. Ele entende, então, que as

proposições de um argumento, possuem uma estrutura lógica constituída por um sujeito e por

um predicado. A proposição é, com efeito, uma predicação acerca de um sujeito. Dessa

maneira, para Aristóteles, as proposições são as expressões detentoras de valor de verdade

dentro dos argumentos, ou seja, as proposições são as expressões que podem ser ou

verdadeiras ou falsas.

3 Como já dissemos, vamos fazer uso, ao longo deste trabalho, da obra editada por Barnes The Complete works

of Aristotle como fonte dos textos de Aristóteles.

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Esta maneira de entender a estrutura lógica das proposições, a saber, composta por um

sujeito e por um predicado, cabe lembrarmos, foi mantida até meados do século XX,

momento em que surgiram novos estudos na área, estudos estes iniciados por Frege e por

Russell principalmente, que irão alterar esta maneira de entender a estrutura lógica, isto é, a

forma lógica das proposições. Notamos, então, que a maneira de entender a estrutura lógica de

uma proposição, fornecida por Aristóteles, foi mantida por mais de dois mil anos e,

acreditamos, este fato foi decisivo para que o seu sistema lógico, a silogística, fosse

considerado, como disse Kant, no Prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura,

“acabada e completa” (Kant, 1987, BVIII); ou seja, por mais equivocado que Kant estivesse, a

silogística se manteve como o modelo para a Lógica até o começo do século XX.

A proposição, então, é formada por um sujeito e por um predicado e aquilo que está

pelo sujeito e pelo predicado é chamado de termo, ou seja, os termos são as expressões que

servem tanto de sujeito como de predicado em uma proposição (Primeiros Analíticos 24b 17).

Esta não diferenciação destes dois elementos, o sujeito e o predicado, isto é, esta classificação

dos dois sob o mesmo status lógico trará consequências importantes acerca da compreensão

da forma lógica das proposições na silogística.

De modo geral, o predicado gramatical de uma oração é composto, entre outros

elementos, pelo verbo da oração; por exemplo, o predicado gramatical da frase “Os estudantes

de filosofia são bons alunos” é “são bons alunos”, o verbo “ser” está incluído no predicado

gramatical. O que Aristóteles faz é retirar o verbo do predicado, assim, a estrutura lógica das

proposições fica composta por dois termos, o termo sujeito e o termo predicado, e pelo verbo

“ser” que funciona como cópula. O predicado como um termo, então, não é composto, como o

predicado gramatical, pelo verbo da oração. Temos, dessa maneira, a seguinte estrutura

formal: “S é P”, onde “S” está pelo termo sujeito, “P” está pelo termo predicado e o verbo “é”

está funcionando como a cópula.

Esta não diferenciação lógica do sujeito e do predicado das proposições vai de

encontro, também, com algumas teses platônicas no âmbito de sua filosofia da linguagem.

Nas linhas seguintes apresentaremos a concepção de Platão acerca deste tema para em seguida

compará-la com a posição que Aristóteles defende em sua obra Da Interpretação. Platão

distingue duas categorias de signos: o nome e o verbo. Podemos encontrar esta distinção na

obra Sofista através do diálogo entre Teeteto e o Estrangeiro (Sofista 261e), como segue:

Estrangeiro: - ... Possuímos, na verdade, para exprimir vocalmente o ser, dois

gêneros de sinais.

Teeteto: - Quais?

Estrangeiro: - Os nomes e os verbos, como os chamamos.

Teeteto: - Explique tua distinção.

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Estrangeiro: - O que exprime as ações, nós chamamos verbo.

Teeteto: - Sim.

Estrangeiro: - Quanto aos sujeitos que executam essas ações, o sinal vocal que a eles

se aplica é um nome.

Teeteto: - Perfeitamente.

Estrangeiro: - Nomes apenas, enunciados de princípio a fim, jamais formam um

discurso, assim como verbos enunciados sem o acompanhamento de algum nome.

(Platão, 1987, p. 187)

Assim o sujeito da oração cai sob a categoria de nome, enquanto que o predicado cai

sob a categoria de verbo. Não pretendemos entrar pormenorizadamente na filosofia de Platão,

apenas queremos enfatizar que já existe na filosofia platônica uma diferença categorial entre o

nome e o verbo das proposições, a qual não é acompanhada por Aristóteles nesta sua obra

lógica (no livro Primeiros Analíticos).

Porém, em outro texto aristotélico, no Da Interpretação, encontramos uma

caracterização das noções de nome e verbo bastante semelhante àquela fornecida por Platão

no Sofista. No Da Interpretação, Aristóteles faz uma distinção categorial entre o nome e o

verbo. Um nome é definido por ele, segundo a edição de Barnes (1995, pp. 25-26), como “um

som falado significativo por convenção, sem tempo, nenhuma de cujas partes é significativa

separadamente”4 (Da Interpretação 16a 19, tradução nossa), enquanto que “um verbo é o que,

adicionalmente, significa tempo, nenhuma de suas partes sendo significante separadamente; e

é um signo de coisas ditas de outras coisas”5 (Da Interpretação 16b 6, tradução nossa). A

diferença entre o nome e o verbo consiste basicamente, então, em que o último possui em seu

significado o elemento temporal, enquanto que o primeiro não. E, além disso, que o verbo,

por ser um signo que é dito de outra coisa, cumpre um papel predicativo na proposição, ao

passo que o nome, podemos concluir, diz respeito àquilo do qual é predicado algo, ou seja, o

sujeito da proposição. Este último aspecto sugere que podemos associar a noção de “nome”

fornecida no Da Interpretação com a noção de “sujeito” contida no Primeiros Analíticos,

assim como as noções de “verbo” e “predicado” contidas nestas duas obras, respectivamente,

mesmo sabendo que Aristóteles usa em grego expressões diferentes para estas noções. A

expressão que ele usa no Da Interpretação para “nome” é “onoma” e para “verbo” é “rhema”;

enquanto que para “sujeito” no Primeiros Analíticos é “hupokeimenon” e para predicado é

“katêegoroumenon”. Estamos dizendo isso porque alguém poderia defender que, na realidade,

a distinção entre o nome e o verbo das proposições6 que aparece no Da Interpretação é uma

4 “A name is a spoken sound significant by convention, without time, none of whose parts is significant in

separation.” (Barnes, 1995, p. 25). 5 “A verb is what additionally signifies time, no part of it being significant separately; and it is a sign of things

said of something else.” (Barnes, 1995, p. 26). 6 Aristóteles usa, para indicar os portadores de valor de verdade, as expressões “afirmação” (katáphasis) e

“negação” (apóphasis), as quais são tipos de sentenças, no Da Interpretação; e as expressões “proposição”

23

distinção gramatical e sendo assim essas expressões não devem ser comparadas às noções de

termo sujeito e termo predicado que aparecem no Primeiros Analíticos.

Através do exemplo fornecido por Aristóteles, podemos aclarar esta distinção entre o

nome e o verbo. Diz ele, no Da Interpretação (16b 8), que a “cura” é um nome enquanto que

“recupera” é um verbo; este verbo significa que a cura ocorre no tempo presente. Harold P.

Cooke (Cooke, 1938, p. 119) traduz esta passagem (Da Interpretação 16b 8) mencionando

exemplos diferentes; talvez esta última tradução ajude a visualizar melhor o ponto. Cooke cita

a “saúde” como um nome e “é saudável” como um verbo. No verbo, então, novamente, a

saúde dá-se no presente, ou seja, o elemento temporal está presente, e, além disso, o verbo “é

saudável” só faz sentido como uma expressão que é dita de algo, quer dizer, como um

predicado em uma proposição. Aliás, os verbos propriamente ditos são para Aristóteles

apenas aquelas expressões que indicam tempo presente, as expressões que indicam outro

tempo que não o presente são consideradas inflexões ou casos de verbos (Da Interpretação

16b 15). Enfim, o ponto que queremos enfatizar aqui é que existe uma distinção categorial

entre o nome e o verbo no Da Interpretação que acompanha o ponto de vista platônico acerca

destas noções no Sofista e que difere da própria concepção aristotélica contida no Primeiros

Analíticos.

Mas por que então Aristóteles não apresenta uma caracterização homogênea acerca

destas noções em todas as suas obras, quer dizer, por que o nome e o verbo são distintos

categorialmente no Da Interpretação ao passo que o sujeito e o predicado caem sob o mesmo

status no Primeiros Analíticos? Geach em sua célebre “History of the Corruptions of Logic”

polemiza acerca deste tema afirmando que esta mudança de posição do Da Interpretação para

o Primeiros Analíticos foi tão prejudicial ao desenvolvimento da Lógica que pode ser

comparada à “queda de Adão” (Geach, 1972, p. 47). Hoje sabemos que a forma lógica das

proposições que Aristóteles apresenta na silogística não é capaz de capturar a variedade de

relações lógicas que o discurso apresenta. Desta maneira, para respondermos à pergunta

anterior, e para evitarmos anacronismos, precisamos entender as razões que levaram

Aristóteles a formular uma teoria da dedução aos moldes da silogística, isto é, com uma

análise formal das proposições contendo dois termos intercambiáveis. Contudo, para

entendermos estas razões precisamos continuar explicando o funcionamento da silogística.

Assim só voltaremos a essa pergunta no final desta seção, quando já tivermos uma

(protasis) e “conclusão” (sumperasma) no Primeiros Analíticos. Não queremos discutir aqui acerca de quais

entidades devem ser tomadas como as portadoras de valor de verdade, queremos apenas indicar a diferença

terminológica existente nestes dois livros de Aristóteles.

24

compreensão mais global da silogística. Antes disso, na sequência, veremos como os termos

sujeito e predicados podem se relacionar em uma proposição, já que os quatro tipos de

proposições da silogística derivam do modo através do qual os termos se relacionam.

Por enquanto, salientamos que para Aristóteles as proposições são formadas por dois

termos: pelo termo sujeito e pelo termo predicado. O termo sujeito, diz ele, pode ser

considerado universalmente, particularmente ou indefinidamente (Primeiros Analíticos 24a

17). Isso quer dizer que pode ocorrer nas proposições três situações diferentes, a saber: pode

ocorrer uma predicação ou uma não predicação universal; uma predicação ou uma não

predicação particular; ou uma predicação indefinida (Primeiros Analíticos 24a 17). Cabe

notarmos que quando Aristóteles fala de uma não predicação na realidade trata-se de uma

predicação negativa, já que estritamente falando toda proposição contém um tipo de

predicação. Na predicação universal, o termo sujeito está contido ou pertence totalmente ao

termo predicado; e na não predicação universal o termo sujeito está excluído ou não pertence

totalmente ao termo predicado. Já, na predicação particular o termo sujeito está contido

parcialmente no termo predicado, e na não predicação particular o termo sujeito está excluído

parcialmente do termo predicado.

Podemos dizer, dessa maneira, usando uma terminologia extensional, que existem

quatro tipos de relações entre os termos das proposições: a inclusão total, a exclusão total, a

inclusão parcial e a exclusão parcial. Estas inclusões ou exclusões, totais ou parciais, ocorrem

entre objetos ou indivíduos denotados pelos termos e as classes de objetos ou indivíduos que

formam a denotação dos termos. Assim, para esclarecer, quando afirmamos que o termo

sujeito pertence totalmente ao termo predicado, isto é, quando nos referimos à relação de

inclusão total, estamos dizendo que os objetos denotados pelo termo sujeito são membros da

classe de objetos denotados pelo termo predicado.7

Também podemos apresentar estas relações entre os termos da silogística através de

uma linguagem intensional. É neste sentido que Correia (2003, p. 95) afirma que a relação de

pertinência entre o sujeito e o predicado na silogística ocorre entre os significados dos termos.

Assim, segundo ele, quando dizemos que o termo sujeito pertence totalmente ao termo

predicado estamos afirmando que o significado do predicado encontra-se ou está contido no

significado do sujeito. Outra maneira de dizer isso é afirmando que quando o termo predicado

está contido intensionalmente no termo sujeito, toda nota característica que forma a conotação

do termo predicado também é uma nota característica da conotação do termo sujeito.

7 Voltaremos a tratar desta noção de denotação, assim como da noção de conotação, de maneira mais

pormenorizada, na Seção 2.1.2.

25

Apesar de Aristóteles não escrever desta forma, podemos identificar o tipo de relação

que ocorre entre os termos através das expressões que aparecem, de acordo com a linguagem

coloquial, antes do sujeito. Ou seja, à medida que temos uma predicação universal, isto é, uma

relação de inclusão total entre os termos, a expressão “Todo” é colocada antes do sujeito; já

quando existe uma não predicação universal, quer dizer, uma relação de exclusão total, a

expressão “Nenhum” antecede o sujeito. Assim, quando o sujeito é universalmente

considerado temos dois tipos de proposições: a universal afirmativa que possui a forma “Todo

S é P” e a universal negativa com a forma “Nenhum S é P”.

Por outro lado, quando existe uma predicação particular, ou seja, uma relação de

inclusão parcial entre os termos, a expressão “Algum” antecede o sujeito; e quando existe

uma não predicação particular, isto é, uma relação de exclusão parcial, é também a expressão

“Algum” que vai antes do sujeito, porém é acrescentada a expressão “não” após o sujeito.

Dessa maneira, temos duas proposições particulares: a particular afirmativa com a forma

“Algum S é P” e a particular negativa formalizada como “Algum S não é P”. Para

sintetizarmos, apresentaremos abaixo, no Quadro 1.1.1.1, de maneira esquemática, a forma

canônica dos quatro tipos possíveis de proposições para a silogística assertórica.

Quantidade Qualidade Forma Lógica Recurso Mnemônico

Universal Afirmativa Todo S é P. A

Universal Negativa Nenhum S é P. E

Particular Afirmativa Algum S é P. I

Particular Negativa Algum S não é P. O

Quadro 1.1.1.1 – Forma canônica de apresentação dos quatro tipos de proposições da

silogística

As letras “A”, “E”, “I” e “O” que representam cada tipo de proposição da silogística

são um acréscimo posterior, feito pelos lógicos medievais. Elas são as vogais das palavras

latinas “affirmo” (“A” e “I”) e “nego” (“E” e “O”) e desta maneira eram usadas como um

recurso mnemônico. Como podemos notar no Quadro 1.1.1.1, a distinção entre proposições

universais e particulares diz respeito à quantidade das proposições, dito de outro modo,

quanto à quantidade, as proposições podem ser universais ou particulares. Já a distinção entre

26

as proposições afirmativas e negativas diz respeito à qualidade das proposições, isto é, acerca

da qualidade, as proposições podem ser afirmativas e negativas.

Dissemos anteriormente, de maneira breve, que Aristóteles não apresenta no Primeiros

Analíticos as proposições desta maneira, em vez disso, quando ele se refere a uma predicação

universal afirmativa, por exemplo, ele diz que um termo pertence (está contido) totalmente à

outro ou que um termo é predicado de todo o outro termo. Vejamos um exemplo literal, no

quarto capítulo do primeiro livro ele diz em certo momento que “A é predicado de todo B”

(Primeiros Analíticos 26a 1). Há, neste exemplo, uma predicação universal afirmativa, em

que o termo predicado aparece antes do termo sujeito, diferentemente da apresentação

tradicional das proposições da silogística. Também ocorre neste exemplo, que os termos

aparecem exatamente no início (o termo predicado) e no final (o termo sujeito) da proposição.

Este fato explica, aliás, porque Aristóteles denomina estas expressões, justamente, de

“termos”. Ora, “termo” (horos) em grego significa originalmente, “limite”, “confim”,

“extremo”; assim, os termos da proposição, o termo predicado e o termo sujeito, são aquelas

expressões que se encontram nos extremos, nos limites da proposição.

Łukasiewicz nos diz, seguindo um comentário de Alexandre de Afrodísia, que este

modo de apresentar as proposições, colocando o sujeito e o predicado nos extremos da frase

“era considerado no grego antigo tão artificial quanto nas línguas modernas”8 (Łukasiewicz,

1977, p. 25, tradução nossa). Ou seja, não era usual na língua de Aristóteles este tipo de

construção gramatical, da mesma maneira que para nós a estrutura gramatical mais usual de

apresentação das proposições seria de acordo com o modo canônico (“Todo homem é

mortal”). Aristóteles, então, usa uma estrutura gramatical não usual ou artificial, como diz

Łukasiewicz, para que o sujeito e o predicado fiquem localizados nos extremos das

proposições, e assim, os denomina “termos”. Cabe, ainda, notarmos que Aristóteles, via de

regra, apresenta esta formulação das proposições com os termos nos extremos, à medida que

usa variáveis representando o sujeito e o predicado. Quando fornece exemplos concretos ou

materiais, quer dizer, quando não usa variáveis, as proposições, como é o caso de alguns

exemplos citados no “Capítulo 2” do primeiro livro (Primeiros Analíticos 25a 6-14), possuem

a estrutura gramatical mais coloquial.

Faltou explicarmos o que ocorre na proposição quando o sujeito é considerado

indefinidamente, ou seja, o que ocorre quando uma proposição possui uma predicação

8 “Muy instructiva, también, es la observación final de Alejandro, de la que se sigue que decir „La virtud es

predicada de toda justicia‟ en lugar del usual „Toda justicia es virtud‟ se consideraba en el griego antiguo tan

artificioso como en los lenguajes modernos.” (Łukasiewicz, 1977, p. 25).

27

indefinida. Aristóteles diz que isso acontece quando a predicação é realizada sem signo ou

marca, quer dizer, sem uma expressão que indique que a predicação ou é universal ou é

particular (Primeiros Analíticos 24a 19). Poderíamos dar o seguinte exemplo para este tipo de

predicação com a frase “Os homens são mortais”. Neste tipo de proposição, não aparecem as

expressões “Todo”, “Nenhum” ou “Algum” antes do termo sujeito. No entanto, esta falta de

um signo, como diz Aristóteles, caracteriza uma distinção gramatical desta frase em relação às

demais, e não uma distinção lógica. Já que do ponto de vista lógico essa proposição representa

uma relação de inclusão total entre seus termos, trata-se então de uma proposição universal

afirmativa. Assim, se quiséssemos considerar apenas as diferenças lógicas, as proposições

deveriam ser distinguidas em universais (afirmativas e negativas) e particulares (afirmativas e

negativas) somente. Porém, Aristóteles mantém a distinção envolvendo proposições

indefinidas ao longo do livro.

1.1.2 Silogismo

Nesta seção trataremos da principal noção desenvolvida por Aristóteles no Primeiros

Analíticos, a noção de silogismo. Veremos o que é um silogismo perfeito e o que é um

silogismo imperfeito, e como podemos, através de um processo de redução que utiliza uma

série de regras de conversão fornecidas por Aristóteles, aperfeiçoar os silogismos imperfeitos.

Também abordaremos, nesta seção, alguns acréscimos à silogística, posteriores a Aristóteles,

realizados, principalmente, pelos lógicos medievais. Através destes acréscimos teóricos da

mnemotécnica medieval introduziremos os conteúdos vinculados às figuras silogísticas e aos

modos silogísticos válidos.

A primeira definição que Aristóteles fornece de silogismo, ainda no primeiro capítulo

do livro (Primeiros Analíticos 24b 19), é uma definição, diríamos nós atualmente, de

argumento dedutivamente válido. Ele diz mais ou menos assim: o silogismo é um discurso, e

podemos entender “discurso” no sentido de um argumento, ou mais especificamente de uma

dedução, no qual são fixadas certas coisas, ou seja, são apresentadas algumas proposições ou

premissas, e algo diferente daquilo que foi fixado inicialmente, quer dizer, outra proposição

diferente das iniciais, surge necessariamente; e esse surgimento se dá pela simples fixação

daquelas coisas iniciais. Então, para tentar esclarecer esta primeira definição da noção de

silogismo, à medida que aceitamos certas premissas podemos extrair ou concluir outra

28

proposição diferente e esta conclusão surge apenas pelo fato de aceitarmos estas premissas

iniciais, isto é, a conclusão ocorre apenas em função destas premissas, não sendo necessário o

acréscimo de nenhuma outra; quando isso ocorre temos um silogismo, ou seja, um argumento

dedutivamente válido.

Podemos notar que esta primeira definição é ainda bastante ampla, Aristóteles não se

refere, por exemplo, à noção de termo ou, mais especificamente, ao tipo de relação que deve

ocorrer entre os termos em um silogismo. Assim, a noção de validade formal, a qual talvez

tenha sido a descoberta mais significativa de Aristóteles acerca deste tema, ainda aparece em

fase embrionária nesta definição.

Logo após fornecer esta definição de silogismo, Aristóteles define o que é um

silogismo perfeito e o que é um silogismo imperfeito (Primeiros Analíticos 24b 23). Um

silogismo perfeito, segundo ele, não precisa de nada além de suas premissas para que a

necessidade de sua conclusão seja evidente, ou seja, um silogismo perfeito tem validade auto-

evidente. Já um silogismo imperfeito precisa de algo mais para evidenciar a necessidade de

sua conclusão. Mas o que é este algo mais que põe em evidência a validade do argumento?

Aristóteles definirá, através de exemplos e de maneira textual (Primeiros Analíticos

42a 32), que todo silogismo é composto por duas premissas e pela conclusão. Assim, quando

ele afirma que um silogismo imperfeito precisa de algo mais, não se trata de acrescentar uma

ou mais premissas diretamente na forma do silogismo. Porém, se nos apoiarmos nesta mesma

passagem apontada logo acima (Primeiros Analíticos 42a 32), iremos constatar que uma nova

proposição deve ser assumida nos silogismos imperfeitos para que eles se tornem perfeitos.

Podemos esclarecer essa discussão da seguinte maneira: a definição de silogismo imperfeito

afirma que ele carece de algo, uma ou mais premissas, para que sua validade seja evidenciada.

Sabemos que não podemos simplesmente acrescentar premissas ao silogismo, pois, todos os

silogismos contêm apenas duas premissas. Então, se queremos aperfeiçoar os silogismos

imperfeitos, ou seja, tornar a sua validade evidente, precisamos realizar um processo, ou

melhor, precisamos efetuar uma prova, na qual se assumiria outras premissas para pôr em

evidência a validade do silogismo. Este processo é conhecido como a redução dos silogismos

imperfeitos aos silogismos perfeitos.

Cabe notarmos que o aperfeiçoamento dos silogismos imperfeitos envolve este

processo de redução, mas não se tratam da mesma coisa, já que o aperfeiçoamento diz

respeito a fornecer evidência da validade dos silogismos imperfeitos, e sendo assim, situa-se

em um âmbito epistemológico. A redução dos silogismos imperfeitos aos perfeitos, por sua

vez, é um processo formal situado em um campo lógico. Note-se também que, do ponto de

29

vista lógico, ou mais especificamente da validade, os silogismos perfeitos e os imperfeitos são

indiferenciados, pois, os dois são argumentos válidos, já que são silogismos. Assim, a

diferença entre eles situa-se também em um campo epistemológico e não lógico, os perfeitos

não são mais válidos que os imperfeitos.

Vimos que as definições de silogismo perfeito e de silogismo imperfeito nos levaram a

considerações acerca do processo formal de redução dos silogismos imperfeitos aos perfeitos.

O próximo tema abordado por Aristóteles logo após estas definições, no “Capítulo 2” do

primeiro livro (Primeiros Analíticos 25a 1), também está estreitamente ligado ao processo de

redução, trata-se das regras de conversão das premissas. Ele estabelece três maneiras, três

regras, em que a predicação que ocorre em uma proposição pode se converter em outro tipo

de predicação. Primeiro ele afirma que os termos de uma proposição universal negativa são

convertíveis, e argumenta que se é verdade que “Nenhum prazer é um bem” então é verdade

que “Nenhum bem será um prazer” (Primeiros Analíticos 25a 5). Em segundo lugar, ele diz

que a conversão de uma proposição universal afirmativa não ocorre de maneira universal, mas

sim de modo particular, e afirma que podemos passar de “Todo o prazer é um bem” para

“Algum bem é um prazer” (Primeiros Analíticos 25a 7). E por último, Aristóteles afirma que

a proposição particular afirmativa converte-se de modo particular, argumentando que se é

verdade que “Algum prazer é um bem” também é verdade que “Algum bem será um prazer”

(Primeiros Analíticos 25a 10). Convencionou-se chamar a primeira e a última destas regras de

regras de conversão simples, e a segunda de regra de conversão por acidente. O Quadro

1.1.2.1 apresenta de forma sistematizada estas regras de conversão da silogística.

Tipo de Conversão Proposição Original Proposição Convertida

Conversão Simples (s) Nenhum A é B. Nenhum B é A.

Conversão Simples (s) Algum A é B. Algum B é A.

Conversão por Acidente (p) Todo A é B. Algum B é A.

Quadro 1.1.2.1 – Regras de conversão da silogística

Aristóteles, apesar de apresentar, ainda neste capítulo (Primeiros Analíticos 25a 14),

as provas formais para estas conversões e argumentar que não são possíveis outros tipos de

conversão, não define qual o status dessas conversões. Claramente elas não entram na

30

definição de argumento dedutivamente válido. Então o que seriam estas conversões para

Aristóteles? Este livro aristotélico, pelo menos, não nos permite dar uma resposta satisfatória

a esta questão, mas se buscarmos uma resposta contemporânea, podemos dizer que essas

conversões são entendidas como regras de inferência ou como inferências imediatas, por

oposição a inferências mediatas.

As letras “s” e “p”, indicadas no Quadro 1.1.2.1, eram utilizadas pelos lógicos

medievais como um recurso mnemônico nas provas silogísticas. Cada silogismo possuía um

nome, de acordo com os tipos de proposições que ele continha. Como já nos referimos

anteriormente, as letras “A”, “E”, “I”, “O” indicavam os quatro tipos de proposições da

silogística; a letra “s” indicava que no processo de redução deveria ocorrer uma conversão

simples; enquanto que a letra “p” lembrava que no processo de redução ocorria uma

conversão por acidente. Os lógicos medievais também utilizavam como recurso mnemônico:

a letra “m” para indicar que no processo de redução deveria haver uma transposição das

premissas; a letra “c” para indicar que a redução ao absurdo era a única possível na prova; e a

primeira consoante de cada silogismo imperfeito indicando ao modo perfeito no qual ele

deveria ser reduzido. Assim, obtemos uma lista de dezenove nomes, obtidos da mnemotécnica

medieval, para os silogismos, o Quadro 1.1.2.2 relaciona estes silogismos de acordo com a

figura em que eles se encontram. (Correia, 2003, pp. 101-102)

Primeira Figura Segunda Figura Terceira Figura Quarta Figura

Barbara Cesare Darapti Bamalip

Celarent Camestres Felapton Calemes

Darii Festino Disamis Dimatis

Ferio Baroco Datisi Fesapo

Bocardo Fresison

Ferison

Quadro 1.1.2.2 – Modos silogísticos válidos

Estas quatro figuras dizem respeito à posição dos termos sujeito e predicado, assim

como do termo médio em cada proposição. Cada silogismo contém três proposições que

31

relacionam três termos diferentes. Assim, cada termo aparecerá duas vezes em duas

proposições diferentes. O termo médio é aquele que aparece nas premissas, mas não na

conclusão. Convencionou-se ainda chamar o termo que se encontra na posição de predicado

na conclusão de termo maior e o termo que está na posição de sujeito na conclusão de termo

menor, assim como a premissa em que ocorrem estes termos de premissa maior e premissa

menor, respectivamente.

Na primeira figura, então, abordada por Aristóteles no “Capítulo 4” do primeiro livro

do Analíticos Anteriores, o termo médio encontra-se na posição de sujeito na premissa maior

e na posição de predicado na menor. Na segunda figura, abordada no “Capítulo 5”, o termo

médio encontra-se como predicado nas duas premissas. Enquanto que na terceira, introduzida

no “Capítulo 6”, ele é o sujeito nas premissas. E na quarta figura o termo médio é predicado

na premissa maior, e sujeito, na menor. Aristóteles não distinguiu a distribuição do termo

médio contida na quarta figura, essa distinção é um acréscimo ulterior comumente atribuída a

Galeno9.

Então, como pode ser notado no Quadro 1.1.2.2, a primeira figura e a segunda

possuem quatro modos válidos, a terceira possui seis e a quarta possui cinco. A denominação

de “modo silogístico” também é um acréscimo posterior, da tradição de comentaristas da

silogística, para aqueles argumentos válidos encontrados em cada uma das quatro figuras em

oposição aos argumentos inválidos que podiam ser elaborados com esta distribuição dos

termos. Cabe destacarmos que para Aristóteles não faz sentido esta distinção entre modos

silogísticos válidos e inválidos, já que para ele um silogismo corresponde sempre a um

argumento válido.

A estes dezenove modos válidos apresentados no Quadro 1.1.2.2 podem ser

acrescentados outros cincos, já que a silogística aristotélica possui pressuposição existencial

dos termos, o que implica que se a proposição universal afirmativa (“A”) é verdadeira, a

proposição particular afirmativa (“I”) também será; e também, que se a proposição universal

negativa (“E”) é verdadeira, a particular negativa (“O”) também será10

. Desta maneira,

podemos acrescentar: na primeira figura, “Barbari”, o modo subordinado de “Barbara”, e

“Celaront”, o modo subordinado de “Celarent”; na segunda figura, “Cesaro”, o modo

subordinado de “Cesare”, e “Camestros”, o modo subordinado de “Camestres”; e na quarta

9 Não entraremos aqui na discussão acerca de por que Aristóteles não fez a separação em quatro figuras em vez

de apenas três, tampouco discutiremos a autoria da quarta figura; uma discussão acerca destes pontos pode ser

encontrada na obra de Nicholas Rescher Galen and the Syllogism, de 1966. Também ver: Łukasiewicz, 1977, p.

40. 10

Discutiremos a pressuposição existencial na silogística de maneira mais pormenorizada nas Seções 1.2.3 e

1.3.2.

32

figura, “Calemop”, o modo subordinado de “Calemes”. Assim, com o acréscimo destes cinco,

que podem ser denominados de inferências mais fracas (por serem subordinados a outros

modos válidos), chegamos a vinte e quatro modos silogísticos válidos.

Podemos agora retornar à pergunta que nos colocamos anteriormente, acerca das

razões pelas quais Aristóteles abandona uma concepção que distingue categoricamente o

sujeito e o predicado de uma proposição, concepção esta que se encontra no Da

Interpretação, e passa a defender uma concepção, no Primeiros Analíticos, que coloca o

sujeito e o predicado sob o mesmo status lógico, isto é, como termos. O sistema lógico

assertórico criado por Aristóteles introduz a noção de validade formal, a qual permite que

sejam tiradas conclusões com base na forma das proposições. Se aceitamos a verdade das

premissas, então necessariamente precisamos aceitar a verdade da conclusão em função da

forma do silogismo.

Como indica Łukasiewicz “não aparece nos Primeiros Analíticos nenhum silogismo

com termos concretos” (Łukasiewicz, 1973, p. 14, tradução nossa), os silogismos são

apresentados por Aristóteles através da introdução das variáveis, de letras que estão pelos

termos. É apenas quando ele quer mostrar que de certas premissas não se pode obter uma

conclusão validamente que Aristóteles utiliza termos concretos, tais como “homem”, “planta”,

“virtude”, “animal” etc., para fornecer um contraexemplo à validade do argumento. Os

silogismos são apresentados não através de proposições concretas, mas sim através da forma

lógica das proposições.

Foi a apresentação da teoria dedutiva através das letras, quer dizer, das variáveis no

lugar do sujeito e do predicado na proposição, que colocou estas duas categorias sob o mesmo

status lógico. E consequentemente fez com que o modelo de forma lógica a ser seguido por

mais de dois milênios fosse caracterizado por dois termos: o termo sujeito e o termo

predicado. A notação que Aristóteles utilizou para expressar a forma lógica da proposição foi

insuficiente para capturar todas as relações lógicas possíveis em um discurso, porém

lembramos que foi apenas com o desenvolvimento da Lógica contemporânea, ou seja, da

Lógica Matemática que se desenvolveu uma notação mais adequada. Contudo, a elaboração

da noção de validade formal só pôde ser ocasionada pela consideração das variáveis na

Lógica.

33

1.2 Os métodos diagramáticos de Euler e de Keynes para a silogística

Na seção anterior, apresentamos as noções básicas da silogística, consideramos tanto o

texto aristotélico, ou seja, os principais conceitos desenvolvidos no Primeiros Analíticos,

como alguns acréscimos teóricos advindos de filósofos posteriores a Aristóteles. Enfatizamos

que a teoria formal da dedução desenvolvida por Aristóteles compõe-se de, no que tange ao

sistema lógico assertórico, quatro proposições: as universais afirmativa e negativa e as

particulares afirmativa e negativa (Quadro 1.1.1.1). E as relações, do ponto de vista

extensional, que existem entre os termos nestas proposições, como vimos, são de inclusão

total, exclusão total, inclusão parcial e exclusão parcial, respectivamente. Vamos apresentar

de maneira esquemática estas relações através do Quadro 1.2.1, como se segue:

Tipo de Proposição Forma Lógica Relação entre os termos

Universal Afirmativa Todo S é P. Inclusão Total (de S em P)

Universal Negativa Nenhum S é P. Exclusão Total

Particular Afirmativa Algum S é P. Inclusão Parcial (de S em P)

Particular Negativa Algum S não é P. Exclusão Parcial (de S em P)

Quadro 1.2.1 – Relações extensionais entre os termos na silogística

Nesta seção também abordaremos as relações entre o termo sujeito e o termo

predicado na silogística, só que agora sob um ponto de vista diagramático. Para isso,

consideraremos, primeiramente, o método diagramático que Leonhard Euler desenvolveu para

representar as proposições da silogística, e, posteriormente, o método de Keynes. Este último

método diferencia-se do primeiro por conter diagramas que representam proposições que

envolvem termos negativos.

Os diagramas de Euler encontram-se em quatro cartas escritas por ele à princesa alemã

de Anhalt-Dessau, são elas as cartas cento e dois, cento e três, cento e quatro e cento e cinco

(Letter CII, Letter CIII, Letter CIV e Letter CV), segundo a organização realizada por David

Brewster, em uma edição inglesa, na obra Letters of Euler on Different Subjects In Natural

Philosophy. Addressed to a German Princess, de 1833. Estas cartas foram escritas por Euler

34

em 1761, e além de conter este método diagramático criado por ele, também visavam,

juntamente com as três cartas subsequentes (Letter CVI, Letter CVII e Letter CVIII),

introduzir didaticamente o leitor na aprendizagem da Lógica, fornecendo uma visão global do

funcionamento da silogística.

Antes, porém, de apresentarmos o método diagramático de Euler, vamos, em primeiro

lugar, na Seção 1.2.1, fornecer uma visão geral da concepção deste autor acerca de como

obtemos conhecimento, para isso utilizaremos da “Carta XCVIII” até a “Carta CI”11

. Esta sua

concepção, podemos antecipar - acerca, por exemplo, das faculdades da alma, ou da divisão

entre as ideias claras ou distintas por um lado, e as ideias obscuras ou confusas, por outro - é

bastante tradicional, levando em conta o período em que o autor se encontra. Após estas

considerações, em segundo lugar, na Seção 1.2.2, entraremos diretamente no método

diagramático de Euler, que pode ser encontrado, como dissemos, da “Carta CII” até a “Carta

CV”. Em terceiro lugar, na Seção 1.2.3, faremos um breve resumo dos conteúdos abordados

por Euler nas três últimas cartas, da “Carta CVI” até a “Carta CVIII”, que tratam da

silogística. Nosso interesse nestas três cartas é, principalmente, abordar o tema das

proposições singulares, o que nos levará ao estabelecimento e a discussão das definições de

termos gerais e de termos singulares, considerando a pressuposição existencial dos termos. No

final da seção vamos comparar a posição de Euler com a de Keynes acerca do uso das

proposições singulares na silogística. Por fim, na Seção 1.2.4, apresentaremos o método

diagramático de Keynes, destacando o tratamento “informacional” que ele fornece da relação

entre as figuras e as proposições.

1.2.1 A obtenção de conhecimento segundo Euler

Nesta seção abordaremos os conteúdos trabalhados por Euler da “Carta XCVIII” até a

“Carta CI”. Quando tratarmos da “Carta C” discutiremos o papel da silogística como um

método que busca estabelecer uma relação de gênero e espécie entre os termos das

proposições.

Na “Carta XCVIII” Euler estabelece que a alma adquire conhecimento das coisas ou

objetos externos através de uma capacidade que ele denomina “faculdade da percepção” e que

11

Considerando sempre a edição inglesa de David Brewster citada acima.

35

as percepções obtidas por esta faculdade, que, por sua vez, são ocasionadas por impressões

externas, são as ideias sensíveis. Estas ideias sensíveis (apreendidas pelos sentidos) são

momentâneas, passageiras, e para que possamos recordar estas ideias posteriormente se faz

necessário outra faculdade da alma, a saber, a faculdade da reminiscência ou imaginação. Para

Euler, então, a principal fonte do nosso conhecimento são as ideias recordadas, formadas pela

faculdade da reminiscência, que por sua vez, possuem sua fonte última nos sentidos (as ideias

sensíveis).

Estas ideias recordadas podem ser simples, ou seja, sem partes, ou podem ser

complexas, isto é, ideias com partes distintas, ideias que contêm uma variedade de outras

ideias simples. A capacidade que permite formar ideias complexas acerca dos objetos Euler

denomina “faculdade da atenção”. Esta faculdade, que, segundo Euler, para ser desenvolvida

requer exercício e competência, permite, por exemplo, que um arquiteto forme muitas ideias

complexas ao passar por um palácio ou por uma construção, ideias estas que seriam

inconcebíveis a um pescador ou a um alfaiate, ou seja, seriam inconcebíveis a uma pessoa que

não dedicou sua atenção (sua faculdade da atenção) a este tipo de objetos (palácios, prédios,

construções etc.).

Na carta seguinte, a “Carta XCIX”, Euler argumenta, seguindo a tradição da época,

que as ideias sensíveis, aquelas formadas apenas pela faculdade da percepção, são imperfeitas

e assim obscuras. Para chegarmos ao conhecimento é necessário que tenhamos não ideias

imperfeitas, mas sim ideias perfeitas, ou seja, que tenhamos ideias distintas; essas últimas são

obtidas pela faculdade da atenção. Assim, para que tenhamos conhecimento, precisamos,

segundo Euler, de “um ato da alma”12

(Euler, 1833, p. 327, tradução nossa), quer dizer,

precisamos que a faculdade da atenção forme ideias claras ou distintas acerca dos objetos, não

basta que tenhamos apenas as ideias obscuras ou confusas advindas dos sentidos. E, “quanto

mais distintas elas são [as ideias formadas pela faculdade da atenção], mais elas contribuem

para o avanço do conhecimento”13

(Euler, 1833, p. 330, tradução nossa).

O tema que serve de pano de fundo para esta discussão é a obtenção e formação do

conhecimento, e para Euler a silogística desempenha um papel fundamental neste objetivo de

adquirir conhecimento, se configurando como o único método de descoberta de verdades

desconhecidas (Euler, 1833, p. 350). Seguindo, na “Carta C”, Euler introduz uma quarta

12

“In order to acquire a perfect or distinct idea of an object, it is not then sufficient that it should be represented

in the brain by impressions made upon the senses – the soul too must apply its attention, which is properly an act

of the soul, independent upon the body.” (Euler, 1833, p. 327). 13

“The more distinct they are [as ideias formadas pela faculdade da atenção], the more they contribute to the

advancement of knowledge.” (Euler, 1833, p. 330).

36

faculdade, ligada à faculdade da atenção, a saber, a faculdade da abstração. Esta faculdade

capacita a alma a fixar sua atenção em apenas um aspecto dos objetos, e considerar este

aspecto separadamente, como se fosse independente do objeto; por meio desta faculdade

produzimos as ideias abstratas.

A ideia de calor, por exemplo, é oriunda, em primeiro lugar, dos sentidos, através da

obtenção de ideias que remetem a objetos aquecidos, tais como uma pedra aquecida ou um

metal aquecido; a partir destas ideias abstraímos a ideia de calor, quer dizer, consideramos o

calor independente dos objetos aos quais ele se remete. Euler chega a definir o homem a partir

desta faculdade, dizendo que “o poder da abstração é uma prerrogativa dos homens, e de

outros seres racionais, e que os animais são inteiramente destituídos dela”14

(Euler, 1833, p.

332, tradução nossa). As ideias formadas pela faculdade da abstração são denominadas

“noções” ou “ideias gerais”, as quais representam objetos abstratos, em oposição às ideias

sensíveis, que representam objetos reais (sensíveis).

Neste ponto Euler trata de duas noções que são centrais para a silogística, as noções de

espécie e gênero. Estas noções são centrais para a silogística porque as relações entre os

termos, e consequentemente a validade dos argumentos, podem ser consideradas como uma

inclusão ou não inclusão, total ou parcial, do termo sujeito ao termo predicado; e neste sentido

podem ser tratadas como a afirmação ou a negação de que o termo sujeito é uma espécie do

termo predicado (ou do seu complemento).

Vamos explicar melhor este ponto através da formalização das quatro proposições da

silogística segundo a Lógica contemporânea. Assim, se formalizarmos a proposição universal

afirmativa “Todo S é P” de acordo com o Cálculo de Predicados, obteremos a forma lógica

“x (Sx Px)” que pode ser entendida como a subordinação de “S” a “P”, ou, em outras

palavras, a afirmação de que “S” é uma espécie do gênero “P”. A proposição universal

negativa “Nenhum S é P” pode ser formalizada como “x (Sx Px)”, e se considerarmos

os complementos dos termos sujeito e predicado, quer dizer, se considerarmos os termos

negativos na silogística15

, então esta proposição pode ser entendida como a subordinação de

“S” a “não-P”, o que corresponde à afirmação de que “S” é uma espécie do gênero “não-P”. A

14

“It is alleged that the power of abstraction is a prerogative of men, and of other rational beings, and that the

beasts are entirely destitute of it.” (Euler, 1833, p. 332). 15

Teremos uma ampla discussão ao longo da dissertação, a partir do Capítulo 2, acerca desta concepção dos

termos negativos entendidos como o complemento extensional do correspondente termo positivo em relação ao

universo do discurso. Neste ponto estamos nos referindo aos termos negativos apenas para indicarmos entre

quais termos ocorrem as relações de gênero e espécie nos quatro tipos de proposições da silogística, assim como

para estabelecermos entre quais termos ocorrem as relações de subordinação e de não subordinação nestes quatro

tipos de proposições.

37

proposição particular afirmativa “Algum S é P” tem a forma lógica “x (Sx Px)” que

equivale a “x (Sx Px)” e indica a negação da subordinação de “S” a “não-P”, ou seja,

a negação de que “S” é uma espécie do gênero “não-P”. Por fim, “Algum S não é P” que pode

ser formalizada como “x (Sx Px)”, que é equivalente a “x (Sx Px)” e indica a

negação da subordinação de “S” a “P”, isto é, a negação de que “S” é uma espécie do gênero

“P”.

Todas estas relações de subordinação ou não subordinação entre os termos das

proposições da silogística, assim como as relações de gênero e espécie entre os termos, além

da formalização das proposições de acordo com a Lógica contemporânea, estão representadas

no Quadro 1.2.1.1 abaixo:

Forma

Proposicional

Forma

Lógica

Relação de

subordinação

Relação de gênero

e espécie

Todo S é P. x (Sx Px) Subordinação de S a P S é uma espécie

do gênero P

Nenhum S é P. x (Sx Px) Subordinação de S

a não-P

S é uma espécie

do gênero não-P

Algum S é P.

x (Sx Px)

equivalente a

x (Sx Px)

Negação da subordinação

de S a não-P

Negação de que S

é uma espécie do

gênero não-P

Algum S não é P.

x (Sx Px)

equivalente a

x (Sx Px)

Negação da subordinação

de S a P

Negação de que S

é uma espécie do

gênero P

Quadro 1.2.1.1 – Relações entre os termos na silogística

É neste sentido, de que falávamos acima, que todas as proposições da silogística

podem ser vistas como a afirmação ou a negação de que o sujeito é uma espécie do predicado

(ou do seu complemento), mas esta consideração só pode ser realizada à medida que

introduzimos os termos negativos. Cabe notar também que todas as proposições podem ser

entendidas com base na subordinação ou não subordinação entre os termos: as proposições

38

universais expressam uma relação de subordinação entre os termos e as particulares

expressam a não subordinação entre eles; salientando, novamente, que pensar a silogística

como uma teoria da subordinação somente é possível pela inclusão dos complementos de “S”

e “P”, quer dizer, pela inclusão dos termos negativos ao sistema lógico (Sautter, 2010a, pp.

22-23).

Pensar a silogística como uma teoria que busca identificar quando uma noção (o termo

sujeito) pode ser considerada como uma espécie de outra (do termo predicado), e fazer isso

por intermédio de uma terceira noção (o termo médio), faz sentido à medida que temos em

mente que Aristóteles organizava o conhecimento com base nas noções de gênero e espécie.

Jan Berg, em seu artigo “Aristotle‟s theory of definition”, de 1983, apresenta um diagrama

para representar, resumidamente e de maneira didática, a ontologia de Aristóteles. Vamos

mostrar, através da Figura 1.2.1.2, este diagrama:

Figura 1.2.1.2 – A ontologia de Aristóteles (Berg, 1983, p. 2116

)

Não queremos aqui discutir a ontologia de Aristóteles. Gostaríamos apenas de

ressaltar, com base na Figura 1.2.1.2, que as Categorias são os gêneros superiores a partir dos

quais o conhecimento se estrutura hierarquicamente, quer dizer, todas as demais noções são,

em maior ou menor grau, suas espécies. Dizemos em maior ou em menor grau porque

16

As letras maiúsculas “A”, “B”, “C” e “D” no diagrama são acréscimos nosso, que não constam no diagrama de

Berg.

A

B C

D

39

Aristóteles possui as noções de gênero e de gênero próximo, assim como de espécie e espécie

próxima, as quais estruturam hierarquicamente as substâncias secundárias, que estão por

classes de objetos17

. A classe “A”, por exemplo, é gênero próximo das classes “B” e “C”; e

gênero das classes “B”, “C”, “D” etc. Já a classe “D” é espécie próxima de “B”; e espécie de

“B”, “A” e assim por diante. (Berg, 1983)

Além disso, lembramos que a silogística foi introduzida, no Organon, como

prolegômeno ao livro que Aristóteles trata da demonstração científica (o Segundos Analíticos

ou Analíticos Posteriores)18

, e, neste sentido, a silogística seria como um meio para chegar a

um fim último, que seria a demonstração do conhecimento científico. Ou seja, se

considerarmos a silogística como uma teoria que serve de instrumento formal para

adquirirmos conhecimento, o qual está estruturado segundo as noções de gênero e espécie,

então um “instrumento” que estabelecesse se uma noção pode ou não ser considerada espécie

de outra seria bastante útil! Lembrando também, que no “Primeiros Analíticos” (no “Capítulo

7” do primeiro livro) Aristóteles reduz (através do processo, que mencionamos na seção

anterior, de redução dos silogismos imperfeitos aos perfeitos) todos os silogismos aos modos

perfeitos Barbara e Celarent, os quais, justamente, estabelecem quando o sujeito pode ser

considerado uma espécie do predicado, que é o caso de “Barbara”, e quando ele não pode, no

caso de “Celarent”.

Voltando à “Carta C”, Euler afirma que estas duas noções ou ideias gerais (gênero e

espécie) significam praticamente o mesmo, o que as diferencia é que a noção de gênero é mais

abrangente ou mais compreensiva que a noção de espécie, em suas palavras: “Estas duas

palavras significam quase a mesma coisa, mas gênero é mais compreensivo, incluindo nele

uma variedade de espécies.”19

(Euler, 1833, p. 333, tradução nossa). Além disso, ele ainda

estabelece que os objetos que estão compreendidos sob estas duas noções são denominados

“indivíduos”.

Na próxima carta, a “Carta CI”, a última antes daquela onde Euler apresenta seu

método diagramático, ele chama a atenção para a importância da linguagem, falada ou escrita,

17

As substâncias primárias são, para Aristóteles, os objetos individuais que compõem as classes. Somente estes

objetos possuem existência concreta no tempo e no espaço; deste modo, a distinção aristotélica entre substâncias

primárias e secundárias corresponde, analogamente, à distinção platônica entre as coisas sensíveis e as ideias

abstratas. (Berg, 1983, p. 21) 18

Não existe um consenso na literatura acerca de se o livro Primeiros Analíticos foi escrito por Aristóteles antes

do Segundos Analíticos ou o contrário, ou ainda se eles foram escritos concomitantemente; não discutiremos este

ponto. O que sim queremos salientar é que no Organon o livro que trata da teoria da dedução aristotélica

introduz o referencial teórico para o tratamento da demonstração científica. 19

“These two words signify nearly the same thing, but genus is the more comprehensive, including in it a variety

of species.” (Euler, 1833, p. 333).

40

tanto na obtenção do conhecimento, como na própria capacidade de pensarmos: “sem

linguagem nós dificilmente deveríamos estar em condição para pensarmos em tudo”20

(Euler,

1833, p. 337, tradução nossa). Além do mais, para ele, a essência da linguagem é conter

palavras que denotem noções ou ideias gerais e não palavras que denotem indivíduos, isso

possibilita que possamos pensar por abstração sem precisarmos recorrer sempre aos objetos

reais.

1.2.2 O método diagramático de Euler

Acabamos a seção anterior enfatizando a importância que a linguagem possui, de

acordo com Euler, na obtenção do conhecimento. Nesta seção trataremos da “Carta CII” até a

“Carta CV”, nas quais Euler introduz o seu famoso método por diagramas para a silogística.

Contudo, Euler inicia a “Carta CII” ainda tratando da fundamental importância da linguagem

ao homem: “eu venho me empenhando em mostrar como a linguagem é necessária ao

homem”21

(Euler, 1833, p. 337, tradução nossa). De acordo com ele, a linguagem tem três

funções, a saber: primeiro, a comunicação mútua entre os homens de seus sentimentos e

pensamentos; segundo, a linguagem é necessária para o progresso da mente; e, terceiro, a

linguagem é necessária para a extensão ou ampliação do conhecimento. Além disso, ele

afirma que algumas linguagens podem ser mais perfeitas que outras, e o grau de perfeição de

uma linguagem é medido de acordo com o número de noções (noções gerais) ou ideias gerais

que ela expressa.

É neste ponto, após esta longa discussão acerca da capacidade humana de obtenção do

conhecimento e do papel que a linguagem possui neste objetivo (principalmente expressando

as noções obtidas pela faculdade da abstração) que Euler trata diretamente da silogística. Ele

começa definindo os juízos: eles são a afirmação ou a negação de que uma noção é aplicável

(Euler, 1833, p. 338). Posteriormente, ele define uma proposição como a expressão de um

juízo em palavras, e, na sequência, explica os quatro possíveis tipos de proposição na

silogística (Euler, 1833, pp. 338-339).

20

“You are now enabled to judge of what advantage language is to direct our thoughts; and that without

language we should hardly be in a condition to think at all.” (Euler, 1833, p. 337). 21

“I have been endeavouring to show you how necessary language is to man.” (Euler, 1833, p. 337).

41

Em seguida, estabelece qual é a utilidade de representar estas proposições22

por meio

de figuras (diagramas ou emblemas23

), em suas palavras: “estas quatro espécies de

proposições podem também ser representadas por figuras, de modo a exibir a sua natureza

para o olho”24

(Euler, 1833, p. 339, tradução nossa). A representação por figuras serve, então,

para exibir a natureza das proposições aos olhos, podemos entender aqui por “natureza das

proposições” os quatro tipos de relações que existem entre as noções gerais, que servem de

sujeito e predicado nas proposições, na silogística. Mas o que seria a exibição desta natureza

aos olhos?

Através de uma passagem da “Carta CIII” podemos esclarecer melhor este ponto.

Euler afirma que por meio das figuras, o todo se torna sensível aos olhos, quer dizer, o todo

salta aos olhos através da representação por figuras: “considerando que por meio destes signos

[as figuras] o todo se torna sensível ao olho”25

(Euler, 1833, p. 341, tradução nossa). A

expressão “o todo”, que está se referindo as proposições, indica o caráter sinóptico da

representação por diagramas. O caráter sinóptico diz respeito à capacidade que uma

(adequada) representação por figuras possui de apresentar todo o conteúdo de uma maneira

sintética, resumida. Assim, para Euler, a principal utilidade ou função da representação das

proposições da silogística através de figuras se dá por meio deste caráter sinóptico, isto é, as

figuras apresentam sinteticamente as relações (expostas no Quadro 1.2.1) entre as noções nas

proposições.

Em uma última passagem onde Euler trata da utilidade das figuras, na “Carta CII”, ele

afirma que este tipo de representação “deve ser de grande ajuda para compreendermos mais

claramente em que consiste a precisão de uma cadeia de raciocínio”26

(Euler, 1833, p. 339,

tradução nossa), ou seja, a representação por figuras é de grande utilidade para que possamos

compreender a exatidão (precisão) de um raciocínio ou cadeia de raciocínios; com base nesta

passagem também podemos perceber este caráter sinóptico.

Euler, na “Carta CII”, começa a explicar seu método afirmando que uma noção pode

conter uma infinidade de objetos individuais e que podemos considerar um espaço no qual

22

Euler afirma que as proposições podem ser representadas por figuras, mas de acordo com a terminologia que

ele mesmo fixou, a qual recém mencionamos, o mais correto seria dizer que são os juízos que são representados

pelas figuras, e não as proposições. 23

Não estamos fazendo uma diferenciação aqui entre a noção de “figura” e a noção de “diagrama”, ou entre

esses e a noção de “emblema”. 24

“These four species of propositions may likewise be represented by figures, so as to exhibit their nature to the

eye.” (Euler, 1833, p. 339). 25

“… whereas by means of these signs [as figuras] the whole is rendered sensible to the eye” (Euler, 1833, p.

341). 26

“This must be a great assistance towards comprehending more distinctly wherein the accuracy of a chain of

reasoning consists.” (Euler, 1833, p. 339).

42

esta infinidade de objetos está contida. Ele representa este espaço através de um círculo,

apesar de estar ciente de que a representação poderia ocorrer através de qualquer outra figura

(fechada) (Euler, 1833, p. 340). Assim, para cada noção, como a noção de “homem”, por

exemplo, formamos um círculo, no qual todos os objetos que caem sob esta noção, isto é, no

qual todos os homens, estão compreendidos. A Figura 1.2.2.1 logo abaixo, na qual a letra

“A”, localizada no centro do círculo, está expressando a noção de homem, mostra esta

representação.

Figura 1.2.2.1 – Figura 41 de Euler (Euler, 1833, p. 339)

Desta maneira, se “A” expressa a noção de “homem” e “B” expressa a noção de

“mortal”, então a proposição “Todos os homens são mortais”, por exemplo, é representada

desenhando o círculo “A” dentro do círculo “B”; como pode ser observado na Figura 1.2.2.2

abaixo:

Figura 1.2.2.2 – Figura 43 de Euler (Euler, 1833, p. 340)

Assim, de acordo com a relação existente entre os termos nas proposições, Euler

posiciona os círculos que representam as noções, obtendo, desse modo, os quatro tipos de

43

proposições da silogística. A Figura 1.2.2.3 expõe estes quatro tipos de proposições da

silogística de acordo com o método diagramático de Euler:

Figura 1.2.2.3 – Diagramas básicos de Euler (Euler, 1833, p. 340)

A “Fig. 43” de Euler representa, como dissemos, a proposição universal afirmativa

“Todo A é B”; a “Fig. 44” representa a proposição universal negativa “Nenhum A é B”; a

“Fig. 45” corresponde a proposição particular afirmativa “Algum A é B”; e a “Fig. 46”

representa a proposição particular negativa “Algum A não é B”. Notamos que as figuras do

método de Euler representam, justamente, os quatro possíveis tipos de relações entre os

termos, conforme o Quadro 1.2.1, na silogística: na “Fig. 43” de Euler o círculo A está

totalmente incluído no círculo B o que representa a relação de inclusão total do termo A

(sujeito) no termo B (predicado); na “Fig. 44” os círculos estão separados27

representando a

relação de exclusão total dos termos; na “Fig. 45” os círculos estão entrelaçados e a letra “A”

está na região comum aos dois círculos representando a inclusão parcial do termo A ao termo

27

Euler utiliza uma chave para ligar os dois círculos, este sinal é usado geralmente quando as noções envolvidas

expressam a conclusão de um silogismo. A chave, então, é utilizada para destacar a conclusão de um silogismo

quando o diagrama contém mais de dois círculos. Assim, normalmente quando Euler apresenta um diagrama

com dois círculos somente, ele não acrescenta a chave ligando as noções.

44

B; e, por fim, na “Fig. 46” os círculos também estão entrelaçados porém a letra “A” está na

região que pertence somente ao círculo A representando a exclusão parcial do termo A ao

termo B.

Cabe notar que as letras (“A” e “B”) representadas nos diagramas de Euler, além de

nomearem o círculo destinado a respectiva noção, também indicam a presença de um

indivíduo naquela região do círculo onde elas se encontram. Na “Carta CV”, inclusive, Euler

vai utilizar, além das letras, um asterisco (“*”) para representar a presença de um indivíduo

em determinada região, cumprindo assim esta função de índice. Neste sentido, uma

representação mais adequada da proposição particular afirmativa por meio da “Fig. 45”

deveria dispor a letra “B” também na região de intersecção entre os dois círculos, a mesma

região onde se encontra a letra “A”. Pois, dessa forma, teríamos a indicação (mais adequada)

de que existe um indivíduo que pertence a estas duas noções (“A” e “B”), quer dizer, teríamos

a indicação de que “Algum A é B”.

Apesar de, na apresentação inicial dos diagramas, Euler relacionar cada figura a uma

determinada proposição, como mostramos acima, posteriormente ele vai reconhecer que cada

figura pode representar mais de uma proposição, e, portanto, a relação entre as figuras e as

proposições não é de um para um (cada figura representando uma só proposição). Acerca de

sua “Fig. 45” (em nossa Figura 1.2.2.3), por exemplo, Euler (1833, p. 342) afirma que ela

pode representar quatro proposições distintas, a saber: “Algum A é B”, “Algum B é A”,

“Algum A não é B” e “Algum B não é A”28

.

Faltou dizermos como Euler define um silogismo, para ele, na “Carta CIII”, um

silogismo é definido como um raciocínio expresso em palavras (Euler, 1833, p. 342). Após

fornecer esta definição ele vai começar a utilizar as figuras como um método para estabelecer

a validade dos silogismos, assim os diagramas passarão a conter três círculos. Na carta

seguinte, a “Carta CIV”, ele ainda vai seguir testando a validade dos silogismos por meio do

seu método diagramático, e ao final desta carta ele apresenta uma tabela com vinte

argumentos silogísticos válidos, afirmando que dois destes argumentos correspondem ao

mesmo silogismo, assim chegamos aos dezenove silogísticos válidos conhecidos pela

mnemotécnica medieval (Quadro 1.1.2.2).

28

A afirmação de Euler (1833, p. 342) de que a “Fig. 45” pode servir para representar proposições particulares

negativas, além das particulares afirmativas, sugere que a última figura, a “Fig.46”, seja supérflua, isto é, que

todas as proposições poderiam ser representadas com base apenas nas três primeiras figuras (“Fig. 43”, “Fig. 44”

e “Fig. 45”). De fato, é legítima a representação de proposições particulares negativas tanto pela “Fig. 45”

quanto pela “Fig. 46”. Porém, estas considerações Euler só faz na “Carta CIII”, a carta posterior àquela na qual

ele apresenta inicialmente o seu método diagramático. Neste sentido, como dissemos, em uma apresentação

inicial de seus diagramas, na “Carta CII”, Euler busca relacionar cada figura a uma, e somente uma, determinada

proposição; apesar de, posteriormente, reconhecer que esta relação não é de um para um.

45

Euler (1833, p. 350) argumenta que estas dezenove formas válidas são fundamentadas

por dois princípios básicos. Trata-se daquilo que ficou conhecido como “dictum de omni et

nullo”, ou seja, “aquilo que se afirma de todos e de nenhum”. O primeiro destes princípios diz

o seguinte: “Tudo aquilo que está na coisa contida deve também estar na coisa que contém”29

(Euler, 1833, p. 350, tradução nossa), ou seja, aquilo que está dentro do que está contido

também deve estar dentro do continente (daquilo que contém). E o segundo princípio diz:

“Tudo aquilo que está fora do que contém deve também estar fora do contido”30

(Euler, 1833,

p. 350, tradução nossa), isto é, aquilo que está fora do continente também deve estar fora do

contido31

.

Cabe notar que a linguagem que Euler utiliza para expressar estes dois princípios é,

claramente, extensional, o que condiz com uma apresentação das proposições da silogística

por meio de uma representação diagramática. Outra busca por fundamentação da silogística

por meio de dois princípios básicos, que também ficou amplamente conhecida, aparece no

texto pré-crítico de Kant “A falsa sutileza das quatro figuras silogísticas”32

. Esta

fundamentação, porém, é expressa através de uma linguagem intensional e foi formulada

segundo duas regras, a saber, a regra suprema para todos os silogismos afirmativos e a regra

suprema para todos os silogismos negativos33

.

1.2.3 Proposições singulares

Nesta seção trataremos rapidamente da “Carta CVI” até a “Carta CVIII”, nas quais

Euler termina sua apresentação didática dos conteúdos que considera importantes para uma

aprendizagem da silogística, e consequentemente da Lógica. A discussão na “Carta CVII” a

respeito das proposições singulares é particularmente interessante, pois poderemos expor as

definições de termo geral e de termo singular e as relacionar com a pressuposição existencial

dos termos na silogística. Ao final, apresentaremos a concepção de Keynes acerca das

proposições singulares.

29

“Whatever is in the thing contained must likewise be in the thing containing” (Euler, 1833, p. 350). 30

“Whatever is out of the containing must likewise be out of the contained” (Euler, 1833, p. 350). 31

De acordo com Łukasiewicz (1977, p. 47) a formulação clássica deste princípio pode ser expressa nas

seguintes frases: “Quidquid de omnibus valet, valet etiam de quisbusdam et de singulis.” e “Quidquid de nullo

valet, nec de quibusdam nec de singulis valet.”. 32

KANT, 2005. 33

Não discutiremos aqui a validade destas fundamentações para a silogística; sobre este tema, ver: SAUTTER,

2010a.

46

Na “Carta CVI”, são apresentadas sistematicamente as quatro figuras silogísticas e

enumerados os dezenove modos silogísticos válidos de acordo com as figuras. Na “Carta

CVII”, Euler faz algumas observações acerca dos modos silogísticos, tais como a reflexão de

porquê não se pode obter validamente uma conclusão a partir de duas premissas negativas ou

de duas premissas particulares.

Além disso, como dissemos, nesta carta ele também aborda as proposições singulares,

isto é, aquelas cujo sujeito expressa um objeto singular, como por exemplo, “Sócrates” em

“Sócrates é mortal”, ou usando um exemplo de Euler (1833, p. 362) “Voltaire é um filósofo”.

Aristóteles não utiliza na sua teoria da dedução silogismos que contenham proposições

singulares. Podemos explicar, sob um ponto de vista teórico, esta não utilização de

proposições que contenham expressões para objetos singulares através das considerações que

Aristóteles faz no “Capítulo 27” do “Livro I” do Analíticos Anteriores.

Neste capítulo (Primeiros Analíticos 43a 20)34

Aristóteles separa todas as coisas que

existem em três classes distintas, a primeira delas contém os objetos singulares e sensíveis,

tais como “Cleon”, “Callias” (os exemplos de Aristóteles), “Sócrates” ou “Voltaire”, isto é,

contém as coisas que não podem ser predicadas verdadeiramente de nenhuma outra coisa, no

entanto, outras coisas podem ser predicadas delas, quer dizer, “homem” pode ser predicado de

“Sócrates”, por exemplo. A segunda classe de coisas, apesar de Aristóteles não fornecer

exemplos, corresponde àquilo que é mais universal, tal como as categorias. As coisas que

pertencem a esta classe podem ser predicadas de outras, contudo nada anterior pode ser

predicado delas. Por fim, a terceira e última classe contém as coisas que podem ser predicadas

de outras ao mesmo tempo em que as outras coisas podem ser predicadas delas, como por

exemplo, “homem” ou “animal”. Após apresentar esta distinção das coisas em três classes

Aristóteles afirma que “via de regra argumentos e investigações estão interessados nestas

coisas”35

(Primeiro Analíticos 43a 42-43, tradução nossa), ou seja, em “homens”, “animais”

etc.

Não queremos discutir aqui a falta de precisão terminológica de Aristóteles nesta sua

divisão das coisas existentes, até porque corremos o risco de sermos anacrônicos, já que

Aristóteles possivelmente não possuía uma metalinguagem capaz de fornecer maior precisão

no uso destas noções empregadas nesta passagem. Cabe talvez apenas mencionarmos, com

base em Łukasiewicz (1977, pp. 16-17) que na realidade esta divisão fornecida por ele não diz

respeito às coisas ou classe de coisas, mas sim corresponde a uma divisão entre tipos de

34

Considerando sempre a edição de Barnes (1995). 35

“And as a rule arguments and inquiries are concerned with these things.” (Barnes, 1995, p. 69).

47

termos. Pois as coisas mesmas não podem ser ou não ser predicadas de outras, visto que, os

predicados são partes de uma proposição, são termos. Não é a coisa Callias que pode ser

predicada ou não predicada de outra coisa, mas sim o termo “Callias” que pode ou não ser

predicado de outro termo.

Neste sentido, e é isto que queremos enfatizar nesta passagem do “Capítulo 27”,

Aristóteles afirma que os termos que devem ser usados nos argumentos, isto é, nos

silogismos, são termos como “homem” e “animal”. Ou seja, são termos que podem ser

predicados de outros termos e em contrapartida outros termos podem ser predicados deles;

são, com efeito, os termos que pertencem ao terceiro tipo, ou a terceira classe de Aristóteles.

Cabe enfatizarmos também, e esta consideração não encontramos em Łukasiewicz, que a

divisão que Aristóteles faz remete às coisas que existem, quer dizer, às coisas sensíveis,

analogamente, então, devemos considerar que a divisão se aplica somente aos termos não

vazios, a termos que possuem denotação, ela não se aplica portanto a termos tais como

“unicórnio” e “lobisomem”. Assim, podemos concluir, fazendo esta adequação terminológica,

que os termos que Aristóteles considera que devem ser usados nos argumentos são os termos

gerais não vazios. Os termos gerais são aqueles que se predicam dos objetos de uma classe de

objetos, em oposição aos termos singulares, que se predicam de apenas um determinado

objeto.

De fato é isto que ele faz na silogística, quer dizer, as variáveis nos silogismos estão

no lugar de termos gerais não vazios, por isso dizemos que a silogística possui pressuposição

existencial dos termos envolvidos. Isso implica que as variáveis, ou seja, os termos das

proposições não podem ser substituídos por expressões que remetam nem a objetos singulares

nem a classes vazias de objetos sensíveis. Quando tratarmos do Quadrado de Oposições,

discutiremos a vinculação entre a pressuposição existencial dos termos e as relações entre as

proposições.

Aristóteles no Analíticos Anteriores não faz este tipo de separação dos termos (entre

gerais e singulares), contudo encontraremos no Da Interpretação uma distinção que pode ser

considerada, não sem ressalvas, como contendo as definições de termo geral e de termo

singular. Diz Aristóteles: “Agora, das coisas reais algumas são universais, outras particulares

(eu chamo universal aquilo que é, por sua natureza, predicado de uma série de coisas, e

48

particular aquilo que não é; homem, por exemplo, é um universal, Callias um particular)”36

(Da Interpretação 17a 38, tradução nossa).

Sobre esta passagem podemos dizer, em primeiro lugar, que novamente ele está se

referindo não só às coisas, mas às coisas existentes (reais, sensíveis). Em segundo lugar, se

seguirmos Łukasiewicz (1977, p. 15) entenderemos que a definição aristotélica de coisas

universais corresponde (com a ressalva que fizemos acima de que quando Aristóteles fala em

uma “coisa” devemos entender como um “termo”) à definição de termo geral (Łukasiewicz

usa a expressão “termo universal”). Se juntarmos estes dois aspectos constataremos que a

definição do Da Interpretação (17a 38) deve ser entendida como a definição de termo geral

não vazio.

Contudo, Łukasiewicz não segue esta concepção, para ele se um termo é geral

(universal) já está implicado, por definição, que ele não é vazio, é neste sentido que

entendemos esta sua observação: “Aristóteles esquece que um termo não-universal não é

necessariamente singular. Pode ser vazio, como é o termo „unicórnio‟.” (Łukasiewicz, 1977,

p. 15, tradução nossa). O ponto é que não se deve fazer uma divisão dos termos em três

grupos distintos: os gerais, os singulares e os vazios. O termo pode ser geral e vazio, se o

termo é vazio, como é o caso de “vampiro”, ele não deixa de ser geral.

Queremos com isso chamar a atenção de que a diferenciação entre termos gerais e

singulares não diz respeito à qualidade, por assim dizer, dos objetos que eles representam, e

por qualidade dos objetos estamos entendendo aqui a propriedade de eles serem tangentes ou

não tangentes (reais ou não reais, sensíveis ou não sensíveis). O que a diferenciação entre

termos gerais e singulares envolve é a quantidade de objetos que eles representam, ou seja,

como já dissemos, se o termo predica-se de apenas um objeto, ele é singular; já se o termo

pode predicar-se de vários objetos, isto é, dos objetos de uma classe de objetos, então ele é

geral (já que em uma classe está implicada, a princípio, a possibilidade de conter uma

infinidade de objetos). Assim, o termo “vampiro” é um termo geral vazio, o termo “Drácula”

(considerando que ele remeta a um ente imaginário) é um termo singular vazio.

A definição de proposição singular nos levou a esta discussão teórica envolvendo as

definições de termos gerais e de termos singulares, paralelamente com a noção de

pressuposição existencial dos termos. Vimos porque de um ponto de vista teórico Aristóteles

considera que os argumentos devem conter proposições com expressões que estejam por

36

“Now of actual things some are universal, others particular (I call universal that which is by its nature

predicated of a number of things, and particular that which is not; man, for instance, is a universal, Callias a

particular)” (Barnes, 1995, p 27).

49

classes não vazias de objetos. Agora, se considerarmos não este ponto de vista teórico, mas

sim um aspecto mais prático, quer dizer, mais formal, sobre a silogística, veremos que

Aristóteles restringe as variáveis como representando apenas termos gerais em função da

necessidade da intercambiabilidade dos termos sujeito e predicado.

Por isso Łukasiewicz afirma que “a silogística tal com a concebeu Aristóteles requer

que os termos sejam homogêneos com respeito a sua possível posição como sujeitos e como

predicados” (Łukasiewicz, 1977, pp. 17-18, tradução nossa). Isto foi o que Geach (1972, p.

47) chamou de “tese da intercambiabilidade”: a possibilidade que o termo mude da posição de

sujeito para a posição de predicado e vice-versa. Assim, se considerarmos a ideia que

defendemos na Seção 1.1 de que Aristóteles estava focado na noção de validade formal a qual

exige, considerando a notação que Aristóteles empregava (notação esta que continha,

essencialmente, as letras maiúsculas como variáveis para os termos), a intercambiabilidade

dos termos, então concordamos com Łukasiewicz de que “esta parece ser a verdadeira razão

pela qual os termos singulares foram omitidos por Aristóteles” (Łukasiewicz, 1977, p. 18,

tradução nossa).

Vimos a posição de Aristóteles acerca do uso das proposições singulares em sua teoria

dedutiva, passemos agora para a posição de Euler e a de Keynes acerca disso. Euler

considerava que, no interior da silogística, “uma proposição singular deve ser considerada

como universal”37

(Euler, 1833, p. 362, tradução nossa), e neste sentido, “as mesmas regras

que valem para proposições universais aplicam-se também para proposições singulares”38

(Euler, 1833, p. 362, tradução nossa). A principal preocupação de Euler, ao afirmar que uma

proposição singular deve ser considerada como uma proposição universal, é a adequação da

forma lógica das proposições. Para resolver este problema, ele usa a solução de que as

proposições singulares devem ser consideradas como contendo a mesma forma lógica das

proposições universais. Esta solução, que é simples, porém errada, não era incomum na

época.39

Keynes também lança mão desta solução: para ele as proposições singulares deveriam

ser consideradas como uma subclasse das proposições universais, mais especificamente a

subclasse das proposições universais enumerativas (Keynes, 1906, p. 102). Keynes justifica

37

“It is clearly evident, from this remark, that a singular proposition must be considered as universal.” (Euler,

1833, p. 362). 38

“… the same rules which take place in universal propositions apply likewise to singular propositions.” (Euler,

1833, p. 362). 39

Faltou mencionarmos o conteúdo na “Carta CVIII”, nesta carta, que é a última que versa acerca desta temática

em torno da silogística, Euler trata, principalmente, das proposições hipotéticas. Estas muitas cartas destinadas à

princesa alemã, aliás, abordavam os mais diversos conteúdos, principalmente acerca da Física, mas também da

Moral e da Epistemologia, além da Lógica, evidentemente.

50

sua posição dizendo que as proposições singulares devem ser consideradas como uma

subclasse das universais “uma vez que em toda proposição singular a afirmação ou negação é

de todo o sujeito”40

(Keynes, 1906, p. 102, tradução nossa). Para Keynes, então, as

proposições singulares devem ser formalizadas como as proposições universais “A” e “E”,

para que possamos usar as regras da silogística e assim obtermos conclusões validamente,

usando estas proposições.

Contudo, ele está ciente de que a forma lógica das proposições singulares é diferente

das universais, ou seja, ele está ciente de que deveríamos usar uma notação diferente para

representarmos as proposições singulares. Porém, Keynes considera que ao analisarmos as

proposições singulares como contendo uma forma lógica diferente das universais

introduziríamos uma complexidade adicional desnecessária na silogística, em suas palavras:

“O uso de símbolos independentes para proposições singulares (afirmativa e negativa)

introduziria uma considerável complexidade adicional ao tratamento do silogismo; e por esta

razão, parece desejável, como uma regra, incluir singulares sob universais”41

(Keynes, 1906,

p. 103, tradução nossa).

Keynes ainda faz uma outra distinção acerca das proposições singulares considerando

o caráter definido ou indefinido do sujeito. Neste sentido, a proposição com a forma lógica

“Este S é P” é uma proposição singular definida; enquanto que a proposição com a forma

“Um certo S é P” é uma proposição singular indefinida. Keynes também distingue as

proposições universais e particulares quanto ao caráter definido ou indefinido do sujeito:

“Todo S é P” é uma proposição geral definida para ele; e “Algum S é P” é uma proposição

geral indefinida. Assim, quanto ao caráter do sujeito, Keynes divide as proposições em gerais

e singulares e estas em definidas e indefinidas. (Keynes, 1906, p. 103)

1.2.4 O método diagramático de Keynes

O método diagramático criado por Euler tornou-se bastante conhecido na Lógica,

contudo não é incomum encontrarmos nos manuais de Lógica posteriores a Euler uma

40

“Singular propositions may be regarded as forming a sub-class of universals, since in every singular

proposition the affirmation or denial is of the whole of the subject.” (Keynes, 1906, p. 102). 41

“The use of independent symbols for singular propositions (affirmative and negative) would introduce

considerable additional complexity into the treatment of syllogism; and for this reason it seems desirable as a

rule to include singulars under universals.” (Keynes, 1906, p. 103).

51

exposição do seu método na qual os diagramas não correspondem às quatro figuras originais

introduzidas, primeiramente, na “Carta CII”. Lewis Carroll, por exemplo, em seu Symbolic

Logic apresenta no “Chapter V”, do “Book X” (da “Part Two” do Symbolic Logic) intitulado

“Euler‟s Method of Diagrams”, quatro diagramas que são diferentes dos diagramas originais

(Figura 1.2.2.3) de Euler. A Figura 1.2.4.1 abaixo mostra estes diagramas que Carroll entende

como básicos para a silogística:

Figura 1.2.4.1 – Diagramas básicos de Carroll (Carroll, 1986, p. 241)

Mas, como dissemos, Carroll não foi o único a identificar como “diagramas de Euler”

um conjunto de figuras diferente daquele contido na “Carta CII”. O próprio Keynes (1906, p.

157) que destina a “seção 126” de seu Studies and Exercises in Formal Logic aos diagramas

de Euler, apresenta cinco diagramas ao invés dos quatro originais (Figura 1.2.2.3). Vamos

expor através da Figura 1.2.4.2, logo abaixo, estes cinco diagramas que Keynes considera

como básicos (sem a consideração de termos negativos) na representação das proposições da

silogística:

52

Figura 1.2.4.2 – Diagramas básicos de Keynes (Keynes, 1906, p. 158)

Lewis Carroll e John Venn assim como Keynes efetuaram uma crítica aos diagramas

de Euler, por eles possuírem um mapeamento de um para um, em relação as figuras e as

proposições. Como vimos na Seção 1.2.2, apesar de Euler apresentar primeiramente cada

figura como representando uma das quatro proposições categóricas da silogística, ele sabia

que as figuras poderiam vir a representar mais de uma proposição, acerca da sua “Fig. 45”

(contida na nossa Figura 1.2.2.3), como vimos, ele inclusive especifica quais proposições

seriam estas. Assim as críticas destes autores a Euler afirmando que cada figura representa

apenas uma proposição, não procedem.

Contudo, acreditamos que estas críticas destes autores não foram dirigidas diretamente

a Euler e ao seu método diagramático, mas sim a uma tradição posterior a Euler que fez esta

leitura errônea das figuras como representado, cada uma delas, apenas uma proposição. Esta

tradicional leitura daquilo que ficou popularmente conhecido entre os lógicos e filósofos da

época (e, ainda que em menor medida, contemporaneamente também) como “Diagramas de

Euler”, mas que na verdade não é totalmente fiel ao método original de Euler contido nestas

cartas que estamos trabalhando, erra, portanto, ao entender que o mapeamento de Euler é de

um para um. Na realidade a leitura daquilo que ficou conhecido como “Diagramas de Euler”,

que se caracteriza pela apresentação extensional das proposições representando cada termo

através de um círculo, nem sequer apresenta os (quatro) diagramas originais de Euler. É o

caso, como vimos na Figura 1.2.4.1, do manual de Lógica de Carroll, que apresenta quatro

diagramas diferentes dos diagramas de Euler; e também do manual de Lógica de Keynes, que

mostra (Figura 1.2.4.2) cinco diagramas.

Passemos, agora, ao método de Keynes, primeiramente devemos salientar que Keynes

elogia o uso de diagramas (diagramas do tipo dos de Euler, ou seja, empregando círculos para

53

representar os termos) para representar as proposições da silogística; no entanto, ele critica o

uso dos diagramas como um método para testar a validade dos silogismos: “É verdade que os

diagramas tornam-se um tanto incômodos em relação ao silogismo; mas, a força lógica das

proposições e as relações lógicas entre elas podem, em muitos aspectos, ser bem ilustradas

através da sua ajuda”42

(Keynes, 1906, p. 159, tradução nossa). Esta crítica de Keynes ao uso

dos diagramas para testar a validade dos silogismos está baseada, principalmente, na

necessidade do exame de múltiplos casos para provar a validade de um silogismo, já que cada

figura pode representar mais de uma proposição.

Contudo, para representar proposições individuais e para ilustrar as relações de

oposição entre estas proposições os diagramas são, na opinião de Keynes, de grande utilidade.

Keynes (1906, pp. 159-162) destaca cinco aspectos nos quais o emprego dos diagramas é de

grande ajuda, a saber: primeiro, para mostrar que as proposições negativas (universal e

particular) distribuem seu predicado, e as afirmativas não43

, ou seja, para mostrar que nas

proposições negativas está sendo feita referência a todos os indivíduos que são denotados pelo

termo predicado e não a apenas uma parcela deles. Segundo, para mostrar as relações de

oposição entre as proposições, como por exemplo, a relação de oposição contraditória entre

“A” e “O”, e entre “E” e “I”. Terceiro, para mostrar a validade das conversões (conversão

simples e conversão por acidente) das proposições na silogística. Quarto, para mostrar formas

mais complexas de inferências imediatas, inferências estas que envolvem termos negativos,

tais como a obversão, a contraposição e a inversão (trataremos destas formas de inferência

imediatas na Seção 2.3). E quinto, para mostrar as novas relações entre as proposições

identificadas por Keynes, a saber, as relações de complementaridade,

contracomplementaridade e subcomplementaridade (trataremos destas novas relações entre as

proposições também na Seção 2.3, quando estivermos abordando o Octógono de Oposições

de Keynes).

Todos estes aspectos devem-se ao caráter informacional que Keynes vê no uso dos

diagramas. Cada diagrama fornece um dado número de informações, neste sentido, o

conteúdo de cada proposição é obtido pela exclusão das informações contidas em um ou mais

diagramas. Assim, o conteúdo da proposição universal afirmativa “Todo S é P” exclui as

42

“It is true that the diagrams become somewhat cumbrous in relation to the syllogism; but the logical force of

propositions and the logical relations between propositions can in many respects be well illustrated by their aid.”

(Keynes, 1906, p. 159). 43

De acordo com Keynes (1906, p. 95) um termo é dito distribuído à medida que a referência é realizada acerca

de todos os indivíduos denotados por ele; enquanto que ele é dito não distribuído quando a referência diz

respeito a uma parcela da classe de indivíduos denotados por ele. Assim, por exemplo, quando afirmamos que

“Todo S é P” estamos dizendo que todo membro da classe “S” se refere a algum membro da classe “P”, ou seja,

o sujeito neste caso é distribuído.

54

informações associadas às figuras “γ”, “δ” e “ε” de Keynes. O conteúdo da proposição

universal negativa exclui as informações das figuras “α”, “β”, “γ” e “δ”. O conteúdo da

proposição particular afirmativa exclui a figura “ε”. E a particular negativa exclui as figuras

“α” e “β”.

Vamos apresentar no Quadro 1.2.4.3 abaixo esta relação fornecida por Keynes entre o

conteúdo das quatro proposições da silogística e a quantidade de informações (dadas pelas

figuras) que elas excluem:

Forma lógica das proposições Figuras excluídas Figuras associadas

Todo S é P. γ, δ, ε α, β

Nenhum S é P. α, β, γ, δ ε

Algum S é P. ε α, β, γ, δ

Algum S não é P. α, β γ, δ, ε

Quadro 1.2.4.3 – Caráter informacional do uso dos diagramas de Keynes

Notamos, então, pelo Quadro 1.2.4.3, que o conteúdo de cada proposição por estar

associado a certo número de figuras exclui de seu escopo as informações contidas nas demais

figuras. Neste sentido, quando Keynes afirma, no segundo aspecto descrito acima, que o uso

dos diagramas na silogística serve para mostrar as relações de oposição contraditória entre as

proposições, percebemos que “E” e “I” são contraditórias pelo fato de não terem associadas

nenhum diagrama básico em comum. Porém, se juntarmos os diagramas referentes às duas

proposições, ou seja, se juntarmos o diagrama “ε”, associado a “E” e os diagramas “α”, “β”,

“γ” e “δ”, associados a “I”, então teremos representados todos os diagramas básicos. Da

mesma maneira, a respeito do terceiro aspecto, fica provada a conversão por acidente de “A”

porque todos os diagramas associados a “Todo S é P” (“α” e “β”) são também associados a

“Algum P é S” (“α”, “β”, “γ”, “δ”).

Keynes salienta que existe uma “grande falta de simetria no número de círculos

correspondentes às diferentes formas proposicionais”44

(Keynes, 1906, p. 158, tradução

nossa), ou seja, enquanto que o conteúdo da proposição universal negativa exclui quatro

44

“It will be observed that there is great want of symmetry in the number of circles corresponding to the

different propositional forms.” (Keynes, 1906, p. 158).

55

figuras, o conteúdo da particular afirmativa exclui só uma, e assim por diante. Será em função

desta falta de simetria entre o número de figuras associadas a cada proposição (ou, o que é o

mesmo, entre o número de figuras que cada proposição exclui de seu conteúdo) que Keynes

desenvolve um método diagramático, baseado na leitura que ele faz dos diagramas de Euler,

envolvendo termos negativos. Envolvendo, mais especificamente, os termos negativos

correspondentes ao termo sujeito e ao termo predicado, ou seja, “não-S” e “não-P”. Este

método diagramático com termos negativos fornece um aumento de simetria entre o número

de figuras associadas a cada proposição.

O método consiste basicamente em representar através de um círculo maior o universo

do discurso, de tal modo que este círculo englobe os “Diagramas de Euler”, apresentados na

Figura 1.2.4.2, com algumas alterações. Este método com termos negativos, porém, não

possui apenas cinco figuras, mas sim sete. A Figura 1.2.4.4 abaixo expõe estas sete figuras,

sendo “U” o universo do discurso.

Figura 1.2.4.4 – Diagramas básicos de Keynes com termos negativos (Keynes, 1906, p. 171)

Na Figura 1.2.4.4 os itens “i”, “ii”, “iii”, “iv” e “vi” correspondem às cinco figuras do

método sem os termos negativos, correspondem então as figuras “α”, “β”, “γ”, “δ” e “ε”

56

(Figura 1.2.4.2), respectivamente, com o acréscimo do círculo maior que está pelo universo

do discurso e envolve os círculos que estão pelos termos. As figuras “α”, “β” e “γ”, então,

possuem cada uma delas apenas uma correspondente no método com termos negativos. Já as

figuras “δ” e “ε” possuem cada uma delas duas figuras correspondentes no método para

termos negativos, a saber, a figura “δ” corresponde à figura “iv”, como já dissemos, e mais a

figura “v”; e a figura “ε” corresponde a “vi” e “vii”. Desta maneira temos sete figuras ao invés

das cinco iniciais.

Mas porque as figuras “δ” e “ε” possuem dois diagramas correspondentes e as demais

figuras apenas um? Para explicarmos isso devemos lembrar que há na silogística a

pressuposição existencial dos termos, e a pressuposição existencial implica a pressuposição de

não universalidade dos termos. Pressupor a não universalidade dos termos significa assumir

que nenhum dos termos corresponderá ao universo do discurso. Assim, apenas nas figuras “δ”

e “ε” podemos dispor o universo do discurso de tal modo que exista, nas figuras com termos

negativos, o mesmo número de áreas daqueles, e, além disso, nenhum dos termos corresponda

ao universo do discurso, ou seja, de modo que fique garantida a não universalidade dos

termos.

Se quiséssemos construir um outro diagrama com termos negativos correspondente as

figuras “α”, “β” e “γ” (além de “i”, “ii” e “iii”) e que mantivesse o mesmo número de áreas

dessas figuras, como fazem “v” e “vii” acerca de “δ” e “ε”, respectivamente, então o universo

do discurso corresponderia a um dos termos (no caso de “ii” e “iii”) ou aos dois termos (no

caso de “i”), o que infringe a pressuposição de não universalidade. O que justifica, então, a

construção de sete, e somente sete, diagramas que envolvam termos negativos é a

pressuposição de não universalidade dos termos, que por sua vez é decorrente do pressuposto

de existência dos mesmos.

Keynes ainda apresenta estas sete figuras especificando quais termos estão

relacionados em cada área, por envolver termos negativos serão quatro termos que estarão

relacionados: “S”, “não-S”, “P” e “não-P”. Keynes utiliza uma notação que emprega um

apóstrofo depois da letra que está pelo termo para indicar que este termo é negativo, assim ele

usa “ S ” para representar o termo negativo “não-S”, assim como “ P” para representar o

termo negativo “não-P”. A Figura 1.2.4.5 abaixo mostra quais termos estão se relacionando

em cada área de cada figura, Keynes não indica o universo do discurso “U”, mas o círculo

maior em cada figura ainda está por ele:

57

Figura 1.2.4.5 – Diagramas básicos de Keynes com termos negativos, considerando quais

termos estão se relacionando em cada área (Keynes, 1906, p. 172)

Conforme a Figura 1.2.4.5 as figuras “i” e “vii” compõem-se de apenas duas áreas nas

quais dois termos estão se relacionando; as figuras “ii”, “iii”, “v” e “vi” tem três áreas; a única

figura que captura todas as possíveis combinações entre os quatro termos é a “iv”, pois só ela

tem quatro áreas. Já dissemos que o motivo de Keynes para inclusão dos termos negativos nos

diagramas é o aumento de simetria entre o número de figuras associadas a cada proposição, o

Quadro 1.2.4.6 estabelece esta relação das figuras com as proposições e comprova o aumento

de simetria, aumento este comparado aos diagramas que não possuem termos negativos:

Forma lógica das proposições Figuras excluídas Figuras associadas

Todo S é P. iii, iv, v, vi, vii i, ii

Nenhum S é P. i, ii, iii, iv, v vi, vii

Algum S é P. vi, vii i, ii, iii, iv, v

Algum S não é P. i, ii iii, iv, v, vi, vii

Quadro 1.2.4.6 – Caráter informacional do uso dos diagramas de Keynes, considerando

termos negativos

58

O aumento de simetria é visível, conforme o Quadro 1.2.4.6, as proposições universais

excluem cada uma delas cinco figuras à medida que cada uma está associada a duas figuras;

nas particulares ocorre o contrário, cada proposição particular está associada a duas figuras,

por isso o conteúdo de cada proposição exclui as informações contidas em cinco figuras.

Keynes, assim como Euler, é ciente de que a apresentação diagramática poderia ocorrer por

meio de qualquer figura fechada e não apenas através das figuras circulares. Tanto é assim

que ele faz uma apresentação da Figura 1.2.4.5 (a qual apresenta seu método diagramático e

especifica quais termos estão se relacionando em cada área) através de figuras retangulares.

A Figura 1.2.4.7 abaixo expõe o método diagramático de Keynes para a silogística

envolvendo termos negativos por meio de figuras retangulares:

Figura 1.2.4.7 – Diagramas básicos de Keynes com termos negativos, expostos através de

figuras retangulares (Keynes, 1906, p. 173)

Por meio deste tipo de representação, através de figuras retangulares (Figura 1.2.4.7),

fica ainda mais claro que as figuras “i” e “vii” compõem-se de duas áreas apenas, a figura

“iv” é formada por quatro áreas e assim apresenta todas as combinações possíveis entre os

termos, e as demais figuras compõem-se de três áreas. Sendo que cada área representa a

combinação de dois termos diferentes, ou seja, em cada área estão os objetos que caem sob

59

duas noções diferentes. Se considerarmos todos os retângulos das sete figuras juntos, quer

dizer, se considerarmos toda a Figura 1.2.4.7, perceberemos que ela forma um desenho

simétrico (semelhante a uma pirâmide que tem sua base refletida), é esta simetria que Keynes

almejava com o acréscimo dos termos negativos “não-S” e “não-P” ao método diagramático

para a silogística.

1.3 Quadrado de Oposições

Vimos nas seções anteriores que as proposições usadas por Aristóteles na silogística

diferenciam-se quanto à qualidade em proposições afirmativas e proposições negativas

(universais ou particulares). Esta diferença lógica entre as proposições acerca de sua

qualidade irá fundamentar o conteúdo central que iremos abordar na Seção 1.3.1, a saber: as

relações de oposição entre as proposições na silogística. A noção aristotélica de “oposição”,

que aparece em seu livro Da Interpretação, envolve sempre uma proposição afirmativa e uma

negativa. Contudo, nosso objetivo aqui não é somente apresentar as relações de oposição entre

as proposições que Aristóteles descreve no Da Interpretação, abordaremos, também, ainda na

Seção 1.3.1, algumas das relações entre as proposições que foram acrescidas a estas e que

formam o que atualmente é conhecido como o “Quadrado de Oposições” da silogística, o qual

envolve, então, além das relações de oposição (contraditória, contrária e subcontrária) as

relações de subalternação entre as proposições45

. Posteriormente, na Seção 1.3.2, poderemos

ver como a pressuposição existencial para os termos das proposições da silogística influencia

estas relações descritas pelo Quadrado de Oposições, para isso evidenciaremos o papel que a

matéria das proposições desempenha na silogística, entendida como uma teoria formal da

dedução.

45

Não trataremos aqui das relações de subalternação entre as proposições, as quais ocorrem entre proposições da

mesma qualidade, como uma relação de oposição entre elas. Sabemos que é comum na literatura da área

designar-se todas as relações contidas no Quadrado de Oposições como relações de oposição. Contudo,

reservaremos a denominação de “relações de oposição” àquelas relações que ocorrem entre proposições com

qualidades diferentes, ou seja, entre uma proposição afirmativa (universal ou particular) e uma proposição

negativa (universal e particular). Por isso não estamos classificando a relação de subalternação como uma

relação de oposição.

60

1.3.1 Relações de oposição e de subalternação entre as proposições da silogística

Iniciaremos esta seção apresentando as noções de “afirmação” e de “negação” que

Aristóteles apresenta no Da Interpretação. Com base nisso, poderemos apresentar as relações

de oposição entre as proposições desenvolvidas por ele nesta obra. Posteriormente,

passaremos para as relações de subalternação entre as proposições. Desta maneira, no final da

seção, poderemos apresentar a figura que representa o tradicional Quadrado de Oposições da

silogística.

Dissemos na Seção 1.1.1 que Aristóteles define no Primeiros Analíticos uma

proposição como a expressão portadora de valor de verdade, e que a proposição é uma

declaração que afirma ou nega alguma coisa sobre um sujeito (Primeiros Analíticos 24a 16).

Já com base nesta definição podemos concluir que as proposições da silogística são ou

afirmações ou negações. No “Capítulo 4” do Da Interpretação Aristóteles distingue as

expressões que possuem valor de verdade daquelas que não possuem. Estas últimas ele chama

de “frase” (“sentence” na tradução de Barnes, o termo original é “logos”, assim também

poderíamos traduzir por “discurso”). O termo “frase” é usado de modo geral, então, para

designar as expressões que possuem significado, mas que não possuem valor de verdade.

Aristóteles (Da Interpretação 17a 3) dá como exemplo uma prece ou uma súplica.

Poderíamos acrescentar também como exemplo as frases exclamativas, as perguntas, as frases

imperativas etc. As únicas frases que são portadoras de valor verdade são as declarativas, cito

“Toda frase é significativa (...), mas nem toda frase é uma frase declarativa, e somente nestas

existe verdade ou falsidade”46

(Da Interpretação 17a 1, tradução nossa); e estas frases

declarativas ou sentenças declarativas podem ser, então, de dois tipos: ou afirmações ou

negações.

Uma afirmação é uma declaração afirmando algo de algo, enquanto que uma negação

é uma declaração negando algo de algo (Da Interpretação 17a 25). Se acompanharmos o

texto aristotélico no Da Interpretação perceberemos que ele, após especificar quais são as

expressões portadoras de valor de verdade e separá-las quanto à qualidade, passa a tratar das

relações de oposição existentes entre as proposições. Neste sentido, Aristóteles argumenta que

46

“Every sentence is significant (not as a tool but, as we said, by convention), but not every sentence is a

statement-making sentence, but only those in which there is truth or falsity.” (Barnes, 1995, p. 26).

61

“para toda afirmação há uma negação oposta, e para toda negação há uma afirmação oposta”47

(Da Interpretação 17a 32, tradução nossa).

Como as afirmações e as negações, ou melhor, as proposições afirmativas e negativas

podem ser tanto universais quanto particulares, veremos que tipos de relações de oposição

ocorrem entre as proposições quando se tratam de duas proposições universais ou quando se

tratam de uma proposição universal e de outra particular48

. Assim, quando temos duas

proposições universais Aristóteles (Da Interpretação 17b 3) estabelece que a relação que

existe entre elas é de oposição contrária. No exemplo fornecido por ele no Da Interpretação

(17b 5), a proposição afirmativa universal “Todo homem é branco” está em relação de

oposição contrária com a proposição negativa universal “Nenhum homem é branco”. Este tipo

de oposição estabelece que as duas proposições não podem ser ambas verdadeiras

simultaneamente, ou seja, se uma das proposições que formam o par de opostas contrárias é

verdadeira, então a outra proposição será falsa; porém pode ser o caso de que as duas

proposições do par de opostas contrárias sejam falsas.

Já quando temos uma proposição universal e outra particular, sendo uma delas

afirmativa e a outra negativa, o tipo de relação existente entre estas proposições é, segundo

Aristóteles (Da Interpretação 17b 17), de oposição contraditória. Temos, então, dois pares de

opostas contraditórias: a proposição afirmativa universal está em relação de oposição

contraditória com a proposição negativa particular; e a proposição afirmativa particular é a

oposta contraditória da proposição negativa universal. Este tipo de oposição estabelece que as

proposições não podem nem ser ambas simultaneamente verdadeiras nem podem ser ambas

simultaneamente falsas. Quer dizer, quando uma das proposições que compõem o par de

opostas contraditórias é verdadeira, então a outra proposição será falsa; do mesmo modo,

quando sabemos que uma das proposições é falsa, então podemos concluir que a outra

proposição que forma seu par em oposição contraditória é verdadeira.

Estes são os dois tipos de relações de oposição entre as proposições denominadas por

Aristóteles no Da Interpretação: a relação de oposição contrária e a contraditória. Porém,

mesmo que Aristóteles não forneça um nome específico para a relação existente entre as duas

proposições particulares, ele reconhece que existe uma relação de oposição entre elas.

Posteriormente, convencionou-se chamar este tipo de relação entre as proposições particulares

de oposição subcontrária. Salientamos que mesmo Aristóteles não denominando este tipo de

47

“Thus it is clear that for every affirmation there is an opposite negation, and for every negation an opposite

affirmation.” (Barnes, 1995, p. 27). 48

Considerando que o termo sujeito é o mesmo nas duas proposições e que o termo predicado também é igual

nas proposições.

62

relação ele a reconhece, pelo menos em parte, pois afirma que as proposições opostas

contraditórias do par de proposições contrárias, ou seja, as duas proposições particulares

“podem ambas ser verdadeiras acerca da mesma coisa”49

(Da Interpretação 17b 21, tradução

nossa). Dizemos que Aristóteles reconhece em parte e não totalmente esta relação de oposição

subcontrária, porque ele apenas diz que as duas proposições particulares podem ser

verdadeiras simultaneamente, mas, além disso, esta relação de oposição estabelece, e isto é

justamente o que Aristóteles não especifica, que quando uma das proposições particulares que

formam o par de opostas subcontrárias é falsa, então podemos concluir que a outra proposição

é verdadeira.

Estas três relações de oposição entre as proposições estão contidas no Quadrado de

Oposições da silogística. O Quadrado de Oposições da silogística é uma figura desenvolvida

posteriormente a Aristóteles que tem como objetivo apresentar de maneira didática as relações

entre as proposições na silogística. Mas não são somente as relações de oposição que estão

representadas por esta figura, além destas relações o Quadrado de Oposições contém também

as relações de subalternação entre as proposições da silogística.

A relação de subalternação, ao contrário das relações de oposição, não envolve uma

proposição afirmativa e uma negativa, ao invés disso, os pares de proposições que compõem a

relação de subalternação são formados por duas proposições afirmativas e por duas

proposições negativas. Assim, as relações de subalternação ocorrem: primeiro, entre a

proposição universal afirmativa e a particular afirmativa, onde a particular afirmativa é

subalterna da universal afirmativa; e, segundo, entre a proposição universal negativa e a

proposição particular negativa, onde a particular negativa é subalterna da universal negativa.

Ou seja, as proposições particulares, afirmativa e negativa, são subalternas das proposições

universais afirmativas e negativas, respectivamente, estas últimas são chamadas de

superalternas. A relação de subalternação estabelece que a superalterna implica a subalterna,

isto é, quando a proposição universal é verdadeira, então a sua proposição subalterna também

será verdadeira. Deste modo, quando a proposição universal afirmativa é verdadeira, a

particular afirmativa também será; e quando a universal negativa é verdadeira, a particular

negativa também será.

Estes quatro tipos de relações entre as proposições formam, então, o tradicional

Quadrado de Oposições da silogística, o qual iremos apresentar através da Figura 1.3.1.1

abaixo:

49

“So these [proposições universais] cannot be true together, but their opposites [proposições particulares] may

both be true with respect to the same thing.” (Barnes, 1995, p. 27).

63

Figura 1.3.1.1 – Quadrado de Oposições (Copi, 1978, p. 14850

)

1.3.2 A influência da pressuposição existencial nas relações do Quadrado de Oposições

Como já dissemos, na Seção 1.2.3, a silogística apresenta pressuposição existencial

dos termos envolvidos nas proposições, quer dizer, os termos sujeito e predicado usados nas

proposições da silogística são termos (gerais) não vazios, termos que designam objetos que

formam uma classe de objetos não vazia. Veremos agora qual a vinculação entre a

pressuposição existencial dos termos na silogística e as relações entre as proposições

representadas pelo Quadrado de Oposições.

Em primeiro lugar, abordaremos as relações de oposição entre as proposições sob o

ponto de vista da Lógica contemporânea, faremos isso formalizando as proposições da

silogística de acordo com o Cálculo de Predicados de Primeira Ordem e assim mostraremos

que sem o comprometimento existencial dos termos, apenas a relação de contraditoridade é

válida. Em segundo lugar, lembraremos a conhecida distinção de Łukasiewicz entre uma

50

Fizemos algumas pequenas alterações na figura de Copi: retiramos as setas superiores das linhas verticais que

indicam as relações de subalternação entre as proposições afirmativas (universal e particular) e entre as negativas

(universal e particular). Nosso intuito com essas alterações foi buscar uma diferenciação entre as relações de

subalternação e as demais relações de oposição representadas pelo Quadrado de Oposições. Pois, ao contrário

das relações de oposição, que são indiferentes quanto a qual das proposições assumimos como verdadeira ou

falsa em primeiro lugar para que possamos estabelecer o valor de verdade da outra proposição; a relação de

subalternação é unilateral, ou seja, parte de uma proposição específica, a universal, e implica a verdade da outra,

a particular. As linhas verticais com as setas para baixo, e apenas para baixo, buscam representar esta

característica unilateral da relação de subalternação.

64

teoria formal e uma teoria formalista, e defenderemos que a silogística não deve ser entendida

como uma teoria que exclui a referência aos significados dos termos das proposições. Por fim,

com base na Doutrina da Matéria das Proposições vamos buscar uma legitimação das relações

do Quadrado de Oposição.

Na Seção 1.2.1, já apresentamos a formalização das proposições da silogística de

acordo com a Lógica contemporânea (resumida no Quadro 1.2.1.1). Segundo o Cálculo de

Predicados de Primeira Ordem, então, a proposição universal afirmativa tem a seguinte forma

“x (Sx Px)”; a universal negativa “x (Sx Px)”; já a proposição particular afirmativa

tem a forma “x (Sx Px)”; e, por fim, a particular negativa tem a forma lógica “x (Sx

Px)”. Note-se que as proposições universais são expressas através de uma quantificação

universal de uma implicação condicional entre predicados de grau um e as proposições

particulares são expressas por meio de uma quantificação existencial de uma conjunção entre

dois predicados também de grau um. Conforme as leis de condição de verdade destes dois

conetivos, e é este o ponto que queremos sublinhar, o único tipo de oposição válido entre

estas formas lógicas proposicionais, independente dos pressupostos existenciais, é a oposição

contraditória.

Se, por exemplo, ao não considerarmos a pressuposição existencial dos termos,

supormos que o termo sujeito das proposições é vazio, neste caso a proposição universal

afirmativa formalizada, como dissemos, através uma quantificação universal de uma

condicional (“x (Sx Px)”) terá o antecedente falso, o que implica que seu valor de

verdade será o verdadeiro. Pela mesma razão, quer dizer, por ter o antecedente da condicional

falso, a proposição universal negativa (“x (Sx Px)”) também será verdadeira, assim,

temos um contraexemplo para a validade da oposição contrária, já que, de acordo com esta

relação de oposição não pode ser o caso que as duas proposições universais sejam verdadeiras

simultaneamente51

.

Novamente, se continuarmos supondo que o termo sujeito é vazio, então as duas

proposições particulares terão como valor de verdade o falso; pois, já que as duas são

formalizadas por meio de uma quantificação existencial de uma conjunção entre dois

conjuntivos (“x (Sx Px)” e “x (Sx Px)”), como um dos conjuntivos é falso, estas duas

proposições serão falsas. E, neste caso, temos um contraexemplo tanto para a validade da

oposição subcontrária52

, visto que segundo esta oposição não pode ser o caso que as duas

51

Trata-se da situação em que ambas as proposições universais são vacuamente verdadeiras. 52

Quando esta situação ocorre dizemos que ambas as proposições particulares são vacuamente falsas.

65

proposições particulares sejam falsas simultaneamente; quanto para a validade das relações de

subalternação entre as proposições afirmativas (universal e particular) e entre as proposições

negativas (universal e particular), pois conforme este tipo de relação sempre que a proposição

universal for verdadeira a proposição particular da mesma qualidade também será, o que vai

de encontro, justamente, com o nosso contraexemplo, no qual as duas proposições universais

são verdadeiras e as duas particulares são falsas.

É por isso que afirmamos que se não considerarmos a pressuposição existencial dos

termos na silogística e, além disso, formalizarmos suas proposições segundo a Lógica

Matemática contemporânea, a única das relações entre as proposições contidas no Quadrado

de Oposições que será válida é a relação de oposição contraditória. Dito de outro modo, o que

garante a validade das relações do Quadrado de Oposições, com exceção da relação de

contraditoridade, é o comprometimento existencial dos termos envolvidos nas proposições da

silogística.

Vejamos como ficaria o “Quadrado de Oposições” se não tivéssemos o

comprometimento existencial dos termos na silogística, a Figura 1.3.2.1 mostra esta situação,

na qual apenas as linhas diagonais centrais que estão representando a relação de oposição

contraditória aparecem:

Figura 1.3.2.1 – Relações válidas entre as proposições da silogística sem a pressuposição

existencial dos termos

66

Este argumento que demonstra a invalidade formal de três das quatro relações entre as

proposições do conhecido Quadrado de Oposições, argumento este baseado na formalização

das proposições da silogística segundo a Lógica Matemática contemporânea, serviu, por

vezes, para colocar a silogística em uma posição marginal no estudo da Lógica em nossos

dias; como se a silogística devesse ser estudada apenas como uma pré-história da Lógica

Matemática ou como uma doutrina que apresenta graves inconsistências formais (Correia,

2003, p. 10).

Para que possamos evitar estas conclusões e assim darmos à silogística a importância

que lhe é devida, entendendo, desta maneira, quais foram os objetivos de Aristóteles com a

criação da sua teoria da dedução, devemos lembrar a distinção de Łukasiewicz (1977, p. 24),

que mencionamos logo no início da Seção 1.1, entre uma teoria formal e uma teoria

formalista. É também pensando nesta distinção que Correia (2003) busca defender a

silogística das interpretações que a acusam de ser um sistema lógico inconsistente do ponto de

vista formal.

Uma teoria lógica formal seria, resumidamente, aquela na qual as conclusões dos

argumentos, quer dizer, as deduções, são obtidas com base na forma lógica das proposições

envolvidas. Porém, os termos que formam estas proposições são considerados não apenas

como signos linguísticos, com é o caso da teoria formalista, ao invés disso, na teoria formal,

os termos são considerados também em função de seus significados. (Łukasiewicz 1977, p.

24)

A Lógica contemporânea, como já dissemos, é de cunho matemático, e neste sentido

ela busca um ideal formalista (neste sentido de “formalista” que acabamos de especificar),

onde é conveniente que os significados das expressões ou quaisquer outros elementos

ontológicos ou epistemológicos devam ser identificados e desconsiderados53

(na efetuação de

uma prova lógica, por exemplo). O que queremos salientar com isso, é que realizar uma

crítica da silogística sob o ponto de vista deste ideal formalista seria não compreender os

verdadeiros objetivos de Aristóteles com a criação de sua teoria lógica.

Já argumentamos, na Seção 1.2.1, que a silogística foi desenvolvida por Aristóteles

para servir de instrumento lógico para as suas demonstrações científicas. A silogística,

lembrando, é desenvolvida no Primeiros Analíticos, um livro que se encontra no centro

teórico dos escritos lógicos aristotélicos, que se encontra no interior do Organon, e neste

sentido a silogística faz parte de um projeto maior do que apenas o desenvolvimento da

53

Com exceção de alguns sistemas lógicos não standard, tais como a Lógica Intuicionista, que não reconhece

certos princípios da Lógica Clássica.

67

Lógica como teoria formalista. Com vistas nisso é que Correia afirma que “a investigação

lógica de Aristóteles se faz sobre um fundo ontológico e dialético que dá uma riqueza especial

a sua lógica” (Correia, 2003, p. 10, tradução nossa), apesar de que “no decorrer de nossa

história ocidental, exploramos principalmente o aspecto formal [no sentido formalista]”54

(Correia, 2003, p. 10, tradução nossa).

Este fundo ontológico se vê, por exemplo, no comprometimento de existência dos

termos das proposições, assim, a silogística como instrumento tinha sua aplicação em

proposições que levassem em conta os significados dos termos, quer dizer, sua aplicação se

dava em proposições que utilizassem termos que se referissem a objetos existentes, objetos

reais. A conhecida distinção da compreensão da Lógica entre os lógicos peripatéticos, isto é,

os que acompanham as teses aristotélicas, e os lógicos estóicos pode nos ajudar a esclarecer

esta discussão.

Para os lógicos peripatéticos, segundo Correia (2003, p. 12), a Lógica era definida

como um instrumento (um “organon”, como eles diziam) universal de aquisição da verdade.

Já para os lógicos estóicos, a Lógica não deveria ser entendida como um instrumento a

serviço da filosofia, a Lógica deveria ser considerada uma parte da filosofia, e neste sentido

ela deveria ser estudada como uma disciplina autônoma que deveria se desprender das teses

filosóficas (ontológicas, epistemológicas etc.). Assim, a posição dos lógicos peripatéticos

entende a silogística como uma teoria formal; por outro lado a posição dos estóicos entende

que a silogística deve ser estudada e aperfeiçoada como uma teoria formalista, buscando um

ideal de sistematização simbólica.

Deixemos claro, não estamos defendendo que a Lógica não deve ser estudada e

aperfeiçoada como uma disciplina independente, é inegável que o desenvolvimento da Lógica

Matemática, como uma ciência independente da filosofia, possibilitou o desenvolvimento de

diversas áreas de conhecimento humano, através de sua aplicação na tecnologia eletrônica, na

informática, em estudos de inteligência artificial etc. Contudo, e este é o ponto que queremos

enfatizar, a compreensão que Aristóteles tinha da Lógica (da “analítica”) não seguia este ideal

formalista55

. E é por isso, por entender a silogística como um instrumento em prol da filosofia

e que, como tal, está atrelada a teses ontológicas e epistemológicas, que Aristóteles exige que

54

“Intentaré mostrar que la investigación lógica de Aristóteles se hace sobre un fondo ontológico y dialético que

le da una riqueza especial a su lógica, de la que, a lo largo de nuestra historia occidental, hemos explotado

mayormente el aspecto formal [no sentido formalista].” (Correia, 2003, p. 10). 55

Apesar de que, como argumentamos na Seção 1.1, a silogística pode ser vista como a teoria que inicialmente

apresentou a noção de validade formal, que é fundamentada nos processos formais de manipulação da notação

empregada por Aristóteles.

68

os termos envolvidos nos silogismos sejam termos (gerais) não vazios e assim as relações do

Quadrado de Oposições são válidas.

Correia (2003, pp. 19-27) explora uma doutrina conhecida e trabalhada por alguns

comentaristas antigos de Aristóteles (ele cita: Alexandre de Afrodisia, Siriano, Boécio e

Amônio) para explicar esta relação entre a pressuposição existencial dos termos na silogística

e a validade das relações do Quadrado de Oposições. Trata-se da Doutrina da Matéria da

Proposição, a matéria da proposição era entendida como “a relação que estabelecem entre si a

natureza do objeto denotado pelo termo sujeito e a natureza do objeto denotado pelo termo

predicado”56

(Correia, 2003, p. 20, tradução nossa).

Por meio de exemplos esclareceremos melhor esta definição. Assim, a proposição “O

homem é um animal” tem uma matéria necessária, isto é, a natureza ou a realidade do objeto

denotado pelo termo predicado pertence necessariamente à natureza do objeto denotado pelo

termo sujeito57

. Já na proposição “O homem voa” a matéria proposicional é impossível, pois

por natureza, quer dizer, por definição os seres humanos não voam. A matéria proposicional

ainda pode ser contingente, como no caso da proposição “O homem é branco” ou “O homem

é justo”, visto que é uma contingência que o homem seja ou não seja justo, seja ou não seja

branco.

Segundo esta doutrina, então, a matéria proposicional pode ser de três tipos:

necessária, impossível ou contingente. Mas, para que possamos estabelecer qual é o tipo de

matéria de que cada proposição se compõem, os termos envolvidos precisam conter

significado, quer dizer, os termos precisam denotar objetos que “contenham natureza”, isto é,

os termos precisam estar por objetos reais, objetos não vazios. Neste sentido, dizer que a

silogística possui comprometimento existencial dos termos é o mesmo que afirmar que suas

proposições possuem matéria, que existem relações materiais entre “a natureza”, ou seja, as

definições dos objetos denotados pelos termos. (Correia, 2003, p. 21)

Assim, argumentavam os comentadores antigos, que as proposições da silogística

possuem matéria, e, além disso, que é contingente. Se uma teoria utiliza apenas proposições

de matéria necessária ou impossível, então caberia ao cientista e não ao lógico decidir se

estamos raciocinando corretamente, já que a verdade ou falsidade das proposições poderia ser

descoberta de antemão, e assim a forma das proposições não seria relevante. Já se tratando de

56

“Por „materia de la proposición‟ los antiguos entendían la relación que hay entre sujeto y predicado de una

proposición, o mejor aún, la relación que establecen entre sí la naturaleza del objeto denotado por el término

sujeto y la naturaleza del objeto denotado por el término predicado.” (Correia, 2003, p. 20). 57

Utilizando a relação de gênero e espécie, que mencionamos na Seção 1.2.1, diríamos que a matéria da

proposição é de caráter necessário à medida que o termo sujeito é uma espécie do gênero do termo predicado.

69

uma teoria que usa proposições de matéria contingente podemos supor que as premissas são

verdadeiras e então o que decidirá se estamos raciocinando corretamente, quer dizer,

validamente, será o processo formal de dedução. É neste sentido, novamente, que a silogística

se configura como uma teoria formal e não formalista, onde a forma das proposições

estabelece a validade dos argumentos, porém estes argumentos compõem-se de proposições

com matéria contingente.

Com este pressuposto, de que as proposições sejam de matéria contingente, a validade

das relações do Quadrado de Oposições fica garantida. Com base nisto uma apresentação do

Quadrado de Oposições mais fiel ao texto aristotélico, apesar de menos didática, deveria

conter proposições e não a forma lógica das proposições, e, além disso, como viemos

argumentando, proposições com matéria contingente. Correia (2003, p. 22), seguindo os

exemplos fornecidos por Aristóteles no “Capítulo 7” do Da Interpretação, apresenta uma

figura que seria mais fiel as relações de oposição mencionadas por Aristóteles, a Figura

1.3.2.2 mostra este caso:

Figura 1.3.2.2 – Relações de oposições entre proposições de matéria contingente (Correia,

2003, p. 22)

Correia (2003, pp. 22-23) afirma que “A” e “O” assim como “E” e “I” estão em

relação de oposição contraditória, e que “A” e “E” são opostas contrárias. O ponto é que estas

relações de oposição são estabelecidas não apenas por razões formais, não apenas em função

da forma lógica das proposições, mas sim pela matéria da proposição, que é contingente.

Correia (2003, p. 23) apresenta uma figura similar a Figura 1.3.2.2, porém diferenciando-se

desta por conter proposições de matéria necessária, a Figura 1.3.2.3 ilustra este caso:

70

Figura 1.3.2.3 – Relações de oposição entre proposições de matéria necessária (Correia, 2003,

p. 23)

A relação de oposição contraditória mantém-se no caso das proposições da Figura

1.3.2.3, quer dizer, “A” é contraditória a “O” e “E” é contraditória a “I”. No entanto, a relação

de oposição contrária altera-se, pois, já que “A” será sempre verdadeira “E” será sempre falsa,

e assim nunca ocorrerá de que as duas proposições universais sejam simultaneamente falsas,

como afirma a oposição contrária. Na realidade, o que ocorre quando as proposições são de

matéria necessária (o mesmo ocorre com as proposições de matéria impossível) é que

desaparece a diferença entre as oposições contraditórias e contrárias. É neste sentido que

Correia afirma que as relações de oposição não dependem substancialmente da forma lógica

das proposições, mas antes de suas matérias.

Entender a Lógica como uma disciplina que deve se desenvolver desprendida de

compromissos ontológicos, como, por exemplo, o comprometimento de existência dos objetos

que estão pelos termos, possibilitou a criação de sistemas lógicos muito mais complexos que a

silogística. Sistemas capazes de capturar com maior precisão as relações lógicas contidas na

linguagem natural, além de serem aplicados em diversas áreas de conhecimento humano, a

Lógica Matemática contemporânea prova isso. Contudo, antes de criticarmos a validade das

relações de oposição de Aristóteles, sob o pretexto de inconsistência formal de acordo com a

Lógica pura, devemos buscar compreender as razões pelas quais Aristóteles deu início ao que

hoje conhecemos como Quadrado de Oposições. Na Seção 2.3 voltaremos a esta discussão,

envolvendo as relações entre as proposições e o pressuposto existencial dos termos, quando

tratarmos das novas relações lógicas possíveis entre as proposições considerando o acréscimo

dos termos negativos.

2 A SILOGÍSTICA DE KEYNES

2.1 As bases da concepção original de Keynes

Neste segundo capítulo abordaremos o tema central de nosso trabalho: a ampliação da

silogística tradicional aristotélica realizada por John Neville Keynes por meio do emprego

formal dos termos negativos no sistema lógico. Antes, porém, de tratarmos diretamente do

emprego formal dos termos negativos na silogística cabe apresentarmos, nesta seção, as bases

teóricas que propiciaram este uso original destes termos realizado por Keynes.

Apresentaremos, então, na Seção 2.1.1, primeiramente, as concepções de Keynes

acerca da Lógica enquanto uma ciência normativa e sua relação com as demais áreas do

conhecimento, destacando seu aspecto formal, mas também seu aspecto material.

Posteriormente, iremos relacionar esta concepção de Keynes com as teses de alguns autores

contemporâneos a ele, tais como Frege e J. S. Mill para que possamos ver o contexto

filosófico naturalista em que se encontra mergulhada toda a argumentação filosófica da época.

Este contexto filosófico naturalista gerou uma ampla discussão na Lógica acerca da sua

relação com a Psicologia: se a Lógica é uma disciplina independente da Psicologia ou se ela

deve ser estudada como um ramo ou uma parte da Psicologia. Veremos, então, qual a posição

de Keynes neste contexto histórico e em que medida a sua concepção é influenciada por ele.

Na sequência, na Seção 2.1.2, iremos fornecer um esclarecimento terminológico das

principais noções empregadas por Keynes na obra que nos serve de bibliografia primária:

Studies and Exercises in Formal Logic, quarta edição. Este esclarecimento terminológico

justifica-se, por um lado, em função da grande variação com que Keynes emprega a

nomenclatura utilizada na obra; e, por outro, para que possamos fixar a terminologia usada

aqui na dissertação.

E por fim, na Seção 2.1.3, trataremos da Doutrina Lógica, ou seja, da forma de

organização e apresentação dos conteúdos desta disciplina. Veremos como Keynes e outros

autores contemporâneos a ele apresentam os conteúdos da Lógica em suas obras. Faremos

uma distinção entre, primeiro, a ordem de apresentação da Lógica e, segundo, a ordem ou

importância lógica das noções, propriamente dita. E sustentaremos que, para Keynes, a ordem

72

de importância lógica das noções é completamente inversa à sua ordem de apresentação dos

conteúdos desta disciplina no seu Studies and Exercises in Formal Logic.

2.1.1 O que é a Lógica para Keynes

Na introdução da edição de 1906 de Studies and Exercises in Formal Logic, Keynes

fornece a sua definição de Lógica, que é bastante tradicional em seu tempo. Para ele, a Lógica

pode ser caracterizada como uma ciência que investiga e procura determinar os princípios

gerais do pensamento válido, a fim de estabelecer quais características os juízos devem

possuir para que estejamos justificados a passar validamente de um juízo a outro. Por

apresentar este caráter geral, no sentido em que busca os princípios gerais (do pensamento

válido), a Lógica diz respeito essencialmente à maneira como deveríamos pensar, e apenas

indiretamente à maneira pela qual realmente pensamos. Neste sentido, a Lógica, para Keynes,

juntamente com a Ética e a Estética, é descrita como uma ciência normativa ou regulativa. Ele

inclui a Ética e a Estética sob o mesmo ramo de conhecimento da Lógica porque estas três

disciplinas, segundo ele, têm um objeto de estudo ideal, caracterizado justamente por esta

busca de certos princípios gerais. A Lógica, como já dissemos, busca estabelecer os princípios

gerais do pensamento válido, a Ética busca os princípios gerais da conduta correta e a

Estética, por sua vez, procura os princípios gerais do gosto correto. Assim, afirma Keynes, a

Ética possui um objeto ideal no domínio da ação; a Estética possui um objeto ideal no

domínio do sentimento; e, por fim, a Lógica possui um objeto ideal no domínio do

pensamento. Estas três disciplinas, então, que caem, para Keynes, sob o domínio das ciências

normativas distinguem-se, por um lado, das ciências positivas; e por outro, das artes práticas.

(Keynes, 1906, p. 1)

Encontramos também em Frege, no texto O pensamento: uma investigação lógica,

publicado pouco tempo depois da publicação da quarta edição do livro de Keynes (Studies

and Exercises in Formal Logic), uma comparação entre a Ética, a Estética e a Lógica. Diz

Frege logo no início de seu texto: “Assim como a palavra „belo‟ assinala o objeto da estética e

„bem‟ assinala o objeto da ética, assim também a palavra „verdadeiro‟ assinala o objeto da

lógica.” (Frege, 2002, p. 11). Apesar da comparação, Frege não considera, como faz Keynes,

a Ética, a Estética e a Lógica sob o mesmo domínio de conhecimento. Para Frege, a Lógica

não se enquadraria como uma ciência normativa ou regulativa, como indica Keynes. As leis

73

lógicas não seriam prescrições como as leis morais ou as leis jurídicas, as quais não

necessariamente estão em acordo com a realidade dos acontecimentos. As leis lógicas,

segundo Frege, seriam mais parecidas, neste sentido, com as leis da natureza, que se

caracterizam como generalizações da realidade.

Destacamos, então, primeiro, que para Frege, a Lógica não pode ser considerada uma

ciência normativa, assim como é a Ética, por exemplo58

. E, segundo, esta diferença entre as

leis da Ética, que seriam prescrições a serem obedecidas independentemente de sua

conformidade ou não com os acontecimentos, e as leis das ciências naturais, que são

generalizações dos acontecimentos naturais. As leis da Lógica, então, como dissemos,

assemelham-se mais às leis das ciências naturais, quer dizer, não funcionam como prescrições

(como as leis morais ou jurídicas), mas antes como generalizações. Porém, as leis da Lógica,

diz Frege, distanciam-se das leis naturais porque as primeiras não fazem generalizações dos

acontecimentos, as leis lógicas dizem respeito ao ser verdadeiro: “aqui se trata não tanto de

um acontecer, mas sobretudo do ser.” (Frege, 2002, p. 11). Não queremos entrar no texto de

Frege acerca de sua caracterização das leis lógicas como leis do ser verdadeiro. O que

pretendemos é comparar o ponto de vista de Frege com o de Keynes, destacando suas

semelhanças e diferenças, com textos de datas bastante próximas, para que assim possamos

assinalar o contexto da discussão envolvendo a caracterização da Lógica na época.

Com esta relativa aproximação das leis lógicas às leis das ciências naturais, Frege

corre o risco de cair em um psicologismo, ou seja, de encarar as leis da Lógica como leis

psicológicas e assim reduzir a Lógica a uma parte da Psicologia. Temos que ter em mente

aqui, que na época de Frege havia uma grande discussão na filosofia e consequentemente a

Lógica acerca do naturalismo. Na sequência, apresentaremos, em linhas gerais, este

movimento filosófico, destacando, em primeiro lugar, o contexto filosófico e científico que o

gerou; e em segundo lugar, o seu impacto na Lógica, através do psicologismo; e, por fim, o

enfraquecimento deste movimento com base nas críticas de Lotze e Frege.

O naturalismo surgiu a partir da terceira década do século XIX como um movimento

que buscava fundamentar o conhecimento filosófico nos métodos das ciências naturais. O

contexto histórico deste movimento filosófico tinha como influência, por um lado, uma crítica

à maneira de fazer filosofia através de grandes sistemas metafísicos, que tiveram em Hegel

seu ponto culminante: “naturalismo filosófico, portanto, originado na crítica ao sistema

58

Frege não escreve, neste texto, mais nada especificamente acerca da Estética, apesar da comparação de seu

objeto de estudo com a Ética e com a Lógica, sendo assim não podemos concluir ele a considera também como

uma ciência normativa ao lado da Ética.

74

hegeliano como o paradigma de especulação metafísica” (Sluga, 1980, p. 17, tradução nossa).

E por outro, o grande desenvolvimento científico ocorrido na Europa, no caso de Frege

especialmente na Alemanha, a partir da metade do século XIX: “o desenvolvimento da física,

química e fisiologia na Alemanha na metade do século dezenove, de fato, influenciou

grandemente o curso geral do pensamento filosófico” (Sluga, 1980, p. 18, tradução nossa).

Podemos perceber, então, tanto nos escritos de Frege como nos de Keynes,

principalmente acerca da caracterização da Lógica, a influência deste contexto de discussão

com o naturalismo, e consequentemente com o psicologismo, já que o “psicologismo [...] foi,

de fato, um produto direto do naturalismo da metade do século [dezenove]” (Sluga, 1980, p.

18, tradução nossa). O psicologismo, de modo geral, encarava o pensamento como um

produto natural da atividade do cérebro, e desse modo era sujeito a observação psicológica. A

obra de Heinrich Czolbe, por exemplo, que “pode ser considerada uma clássica expressão do

psicologismo” (Sluga, 1980, p. 19, tradução nossa), reflete justamente este modo fisiológico

de caracterizar os objetos da Lógica com base em dados psicológicos da atividade cerebral,

excluindo qualquer tipo de idealismo.

Este movimento naturalista, contudo, perdeu força depois de 1870, um pouco em

função das transformações políticas e sociais na Europa neste período, e principalmente, em

se tratando do psicologismo, das críticas de Lotze a Czolbe. Lotze buscou uma reconciliação

entre a filosofia tradicional e os contemporâneos avanços da ciência, mostrando que se pode

obter uma sofisticação filosófica que recupere o aspecto histórico da humanidade que não

aparecia na filosofia especulativa, sem recair em um materialismo ou em um empirismo que

não leve em conta o aspecto ideal da filosofia (Sluga, 1980, p. 33). As concepções de Frege

vão ao encontro da filosofia de Lotze, no sentido em que, Frege não aceita o psicologismo,

para ele a Lógica é uma disciplina independente da Psicologia, com seus métodos e seu objeto

de estudo próprio, a saber, as leis do ser verdadeiro (Frege, 2002, p. 12). Keynes também não

aceita esta redução da Lógica à Psicologia, apesar de reconhecer uma relação entre estas duas

disciplinas.

Veremos agora, então, como Keynes aborda a relação entre a Lógica e a Psicologia,

considerando o contexto naturalista descrito acima. A princípio parece haver uma certa tensão

entre duas passagens do texto de Keynes acerca da relação da Lógica com a Psicologia.

Primeiramente, então, apresentaremos a primeira passagem onde ele relaciona a Lógica com a

Psicologia, considerando como pano de fundo a discussão com o psicologismo existente no

ambiente filosófico inglês na época, principalmente, em função das considerações de John

75

Stuart Mill. Posteriormente, veremos a segunda passagem, na qual Keynes relaciona estas

duas disciplinas e como ele se distancia do psicologismo.

Por um lado, Keynes indica que tanto a Lógica como a Ética e a Estética, ou seja, que

este domínio do conhecimento formado pela ciência normativa é fundamentado pela

Psicologia. Em suas próprias palavras: “estes três ramos do conhecimento – todos eles

baseados em psicologia – formam um único trio”59

(Keynes, 1906, p. 1, tradução nossa).

Nesta passagem, então, Keynes salienta que estes três ramos do conhecimento a Lógica, a

Estética e a Ética, se apóiam, ou como ele mesmo diz, são baseados na Psicologia. Isto sugere

uma precedência da Psicologia em relação à Lógica (também em relação à Ética e à Estética),

no sentido em que a Lógica precisaria que a Psicologia fornecesse os conteúdos (as bases) dos

quais esta primeira se ocupa. Isto poderia sugerir uma concepção na qual a Psicologia seria

uma disciplina que abrangeria a Lógica, e assim, a Lógica seria como uma subárea da

Psicologia.

Um trecho que, de acordo com Sluga (1980, p. 26), ficou famoso na época, que trata,

justamente, desta relação de precedência da Psicologia em detrimento da Lógica, vem do livro

de Mill An Examination of Sir William Hamilton`s Philosophy. Não encontramos em Keynes,

acerca deste tema, nenhuma menção direta a esta passagem de Mill, contudo, podemos

considerar como hipótese que Keynes, em grande medida, tem em mente estas considerações

de Mill, dadas as semelhanças na abordagem do tema e o ambiente filosófico britânico. Diz

Mill que a Lógica “não é uma ciência distinta da, e coordenada como, Psicologia. […] ela é

uma parte, ou ramo, da Psicologia; […] suas bases teóricas são inteiramente emprestadas pela

Psicologia”60

(Mill, 1872, p. 461, tradução nossa). Mill concorda com Hamilton que a Lógica

diz respeito à forma dos pensamento, mais especificamente, às formas válidas de pensamento.

Neste sentido, caberia à Lógica a tarefa secundária de estabelecer as regras ou propriedades

que o pensar deveria possuir a fim de podermos diferenciar os pensamentos válidos dos

inválidos. Ou seja, à Lógica caberia o estudo desta propriedade contingente do pensamento, a

saber, a validade, enquanto que a matéria substancial do pensamento, que são as sensações, as

percepções, ou como as queiramos chamar, são estudadas pela Psicologia. Assim, para Mill, a

Lógica é um ramo da Psicologia, no sentido em que a última abrange o conteúdo da primeira:

59

“These three branches of knowledge – all of them based on psychology – form a unique trio, to be

distinguished from positives sciences on the one hand, and from practical arts on the other.” (Keynes, 1906, p.

1). 60

“It is not a Science distinct from, and coordinate with, Psychology. So far as it is a science at all, it is a part, or

branch, of Psychology; differing from it, on the one hand as a part differs from the whole and on the other, as an

Art differs from a Science. Its theoretical grounds are wholly borrowed from Psychology, and include as much

of that science as is required to justify the rules of the art.” (Mill, 1872, p. 461).

76

a Psicologia estuda o pensamento e a Lógica uma propriedade contingente deste pensamento,

isto é, as formas válidas (Mill, 1872, pp. 461-462). Pode parecer que Keynes, em função desta

primeira passagem citada acima, da primeira página de seu livro, acompanha a concepção de

Mill, contudo posteriormente ele irá rejeitar esta posição, vejamos agora em que termos isto

se dá.

Algumas seções à frente, onde Keynes trata especificamente da relação entre a Lógica

e a Psicologia, essa precedência da Psicologia em detrimento da Lógica não mais aparece. Em

vez disso, Keynes destaca que existe um domínio de conhecimento que pertence somente a

Lógica, assim essa disciplina encontrar-se-ia desprendida da Psicologia: “Lógica têm,

portanto, um caráter único que lhe é próprio, e não é um mero ramo da Psicologia”61

(Keynes,

1906, p. 6, tradução nossa). Mas qual domínio de conhecimento seria este, que pertence

somente à Lógica? Na realidade, tanto a Lógica como a Psicologia têm como objeto os nossos

processos mentais, o que vai diferenciar uma da outra é o modo como cada uma delas trata

estes processos mentais. A Lógica, como já dissemos, trata este objeto como um objeto ideal,

ela busca estabelecer as leis ou normas que sejam regulativas do raciocínio válido e aclarar as

relações formais presentes neste raciocínio. A Psicologia, por sua vez, trata este objeto como

um objeto real, para ela, de acordo com Keynes, o que importa fundamentalmente é como

realmente pensamos ou raciocinamos dada certa experiência que tivemos (Keynes, 1906, p.

5).

Assim, o enfoque da Lógica no tratamento do pensamento humano é ideal, enquanto

que o enfoque da Psicologia é real ou material. Isso coloca essas duas disciplinas no mesmo

nível, quer dizer, a Psicologia não abrange a Lógica. Contudo, pelo fato de as duas disciplinas

lidarem com o pensamento humano uma pode se valer da outra, sem extrapolar o campo de

atuação de cada uma. Keynes ainda sugere diferenciar estas duas disciplinas quanto ao seu

objeto dizendo que a Psicologia diz respeito aos processos de pensamento, enquanto a Lógica

refere-se aos produtos do pensamento: “Psicologia se preocupa com processos de

pensamento, Lógica com produtos do pensamento”62

(Keynes, 1906, p. 6, tradução nossa).

Este modo de diferenciar estas duas disciplinas também pode ser encontrado em Mill (Mill,

1872, pp. 463-464).

Como destacamos, então, para Keynes, a Lógica possui um objeto de estudo ideal,

representado pelo conjunto de normas ou leis que nos permitem, através de uma redução a

61

“Logic has thus a unique character of its own, and is not a mere branch of psychology.” (Keynes, 1906, p. 6). 62

“We may, for example, say that psychology is concerned with thought-processes, logic with thought-products;

or that psychology is concerned with the origin of our beliefs, logic with their validity.” (Keynes, 1906, p. 6).

77

alguma forma determinada, raciocinar validamente. Obviamente que, em se tratando de uma

ciência que tem como enfoque o pensamento humano, o lado material da Lógica, isto é, a

referência objetiva dos juízos, não é negligenciada por Keynes; para ele a Lógica é também

material. Porém, acima de tudo, a Lógica busca, através de uma abstração deste componente

material, tratar do pensamento de uma maneira formal. Dito de outro modo, essencialmente a

Lógica não deve se preocupar em obter conclusões verdadeiras para os raciocínios, o que está

em jogo primeiramente é a adequação e busca de formas de raciocínio válidas; devemos levar

em conta o componente material, quer dizer, a referência objetiva na escolha das proposições;

contudo, é o tratamento simbólico que fundamenta a Lógica.

2.1.2 Esclarecimento terminológico

Keynes utiliza, ao longo de sua obra (Studies and Exercises in Formal Logic), uma

nomenclatura bastante variada ao se referir aos conteúdos e objeto da Lógica. Faremos agora

um esclarecimento terminológico a fim de fixar o sentido das expressões empregadas aqui na

dissertação. Em primeiro lugar, então, faremos uma distinção categorial entre dois planos, por

assim dizer, nos quais as expressões podem ser utilizadas, a saber, o plano mental e o plano

linguístico, destacando quais expressões caem sob cada um destes planos. Em segundo lugar,

trataremos de uma distinção, que já estabelecemos no capítulo anterior, na Seção 1.2.3, entre

termos gerais e termos singulares; e apresentarmos a diferença, exposta por Keynes, entre os

termos abstratos e os termos concretos. Esta última distinção, entre termos abstratos e

concretos, pode ser comparada com a distinção entre as funções de sujeito e de predicado nas

proposições, veremos como isso se dá. Por fim, em terceiro lugar, com base na distinção entre

os usos abstrato e concreto dos termos, vamos aclarar as noções de intensão e extensão,

fornecidas por Keynes, especificando quais termos caem sob estas noções.

A unidade lógica mais básica, para Keynes, é o juízo. O juízo é um produto mental

que se caracteriza por veicular uma verdade ou uma falsidade. O raciocínio, então, é formado

por juízos, que, por sua vez, possuem os conceitos ou ideias como seus elementos

constituintes. Assim, estes três elementos: o raciocínio, o juízo e o conceito estão, por assim

dizer, em um plano mental, no sentido que eles são produtos do nosso pensamento.

Em outro plano, no plano linguístico, se encontram outros três elementos que são os

representantes daqueles elementos do plano mental, a saber: o silogismo, a proposição e o

78

termo ou nome. Assim, um silogismo é a expressão linguística dos raciocínios; as proposições

expressam linguisticamente os juízos; e os termos são as representações linguísticas dos

conceitos. Keynes utiliza bastante a expressão “nome”, ela se encontra também no plano

linguístico e é usada como sinônimo de “termo”, ou seja, é aquilo, seguindo Aristóteles, que

serve tanto de sujeito como de predicado em uma proposição. O equivalente no plano mental

ao “nome” seria a “noção” (Keynes, 1906, p. 27).

O que deve ser observado, é que Keynes não opta pelo uso ou da expressão “juízo” ou

de “proposição”, por exemplo. Ele reconhece a existência destes dois planos na Lógica, o

plano mental e o plano linguístico, como chamamos, assim não teria sentido optar por usar

exclusivamente as expressões de algum destes dois planos. Ele apenas reconhece esta

distinção categorial entre as expressões, e as combina de acordo com a categoria a ser

utilizada.

Passemos agora para a distinção que Keynes fornece entre os termos gerais e os

termos singulares. Os termos singulares são definidos como denotando uma única unidade,

um único objeto; enquanto que os termos gerais podem denotar um grupo de objetos, ou seja,

uma classe divisível de objetos (Keynes, 1906, pp. 11-12). Os nomes próprios, por exemplo,

por denotarem um único objeto são termos singulares. Esta diferenciação entre termos gerais

e singulares, para Keynes, diz respeito, então, à denotação dos termos.

Outra diferenciação que pode ser feita acerca dos termos é distinguindo os termos

concretos dos termos abstratos. Um termo concreto, segundo Keynes, refere-se a coisas, e um

termo abstrato refere-se a um atributo. E uma “coisa” pode ser definida como aquilo que

possui atributos. Assim, um termo concreto refere-se a algo que possua atributos, quer dizer,

ele é sujeito a atributos; enquanto o termo abstrato refere-se aos atributos das coisas, isto é,

ele um atributo do sujeito (Keynes, 1906, p. 16). Neste sentido, o termo “homem” é concreto

(e geral), pois se refere a um grupo de coisas, ou melhor, a uma classe de objetos na qual cada

elemento da classe possui certos atributos em comum, como por exemplo, a racionalidade e a

humanidade. E estes últimos termos (“racionalidade” e “humanidade”), são, por sua vez,

abstratos, pois, justamente, expressam atributos do homem. Da mesma maneira, “triângulo” é

concreto, enquanto que “triangular” é abstrato.

Evidentemente que podemos usar o termo “humanidade” para nos referir a um certo

objeto que possui algumas propriedades ou atributos, como no exemplo: “A humanidade é

hierarquizada.”. Neste uso do termo “humanidade” ele está representando um objeto que

possui o atributo de ser hierarquizado. Assim este termo “humanidade” seria concreto, e o

termo “hierarquizada” seria abstrato. Ou seja, as expressões que são usadas para se referir a

79

atributos dos objetos podem, em outro momento, também ser usadas como possuindo

atributos, como é o caso do termo “humanidade”, nos exemplos acima. Assim, diz Keynes, a

distinção entre termos abstratos e concretos não é absoluta, o que vai determinar quais termos

são concretos e quais são abstratos é seu uso na proposição (Keynes, 1906, p. 19). Termos que

são usados expressando os atributos dos objetos são termos abstratos; e termos que são usados

expressando os objetos sujeitando-se a atributos são concretos.

Cabe lembrarmos que toda proposição na época de Keynes, de acordo com a

silogística tradicional, era entendida como contendo um sujeito, um predicado e a cópula os

ligando. Se o que determina se os termos são concretos ou abstratos é o seu uso como

representando um objeto (ou uma classe de objetos) ou um atributo em uma proposição, então

podemos relacionar a sua posição, como sujeito ou como predicado, na proposição, com este

seu uso como termo abstrato ou concreto. Assim, quando um termo está sendo usado em

sentido concreto ele está desempenhando a posição de sujeito na proposição, no sentido que

ele está sendo usado como representando um objeto (ou classe de objetos) sujeito a atributos.

Por outro lado, quando um termo é usado no sentido abstrato ele desempenha o papel de

predicado dentro da proposição, pois ele está expressando um atributo predicado de um

sujeito.

O tratamento formal que Aristóteles dá às proposições no desenvolvimento da Lógica,

como vimos no capítulo anterior (na Seção 1.1), não faz uma distinção categorial entre o

sujeito e o predicado, quer dizer, para que as combinações formais sejam realizadas na

silogística, o sujeito e o predicado caem sob o mesmo status lógico, a saber, o de termo. Esta

distinção entre termos abstratos e termos concretos pode servir como uma maneira de

apresentar esta distinção (não, ainda, categorial, já que os dois são também termos) entre o

sujeito e o predicado na proposição. Justamente no sentido que nos referimos acima: o uso do

termo como concreto desempenha o papel de sujeito; e o uso do termo como abstrato

desempenha a função de predicado.

Com isso, para deixarmos claro, não estamos dizendo, por exemplo, que sempre

quando uma expressão estiver na posição de predicado ela será usada como um termo

abstrato. Podemos pensar o seguinte contraexemplo para este argumento quando dizemos:

“Algum estudante é Pedro”. Neste caso o termo predicado é um nome próprio, ou seja, é um

termo singular, e assim, como deixaremos mais claro logo abaixo, não pode ser um termo

abstrato. O que queremos dizer é justamente o contrário, a saber, sempre que a expressão for

usada como um termo abstrato ela funcionará como o predicado da proposição. Poderíamos,

contudo, no exemplo acima, dizer que na verdade é a linguagem que está nos enganando, que

80

uma maneira mais clara de apresentar a proposição seria dizendo “Algum estudante é

chamado Pedro”. Assim, o termo que está pelo predicado (“chamado Pedro”) estaria sendo

usado como abstrato, no sentido que expressa um possível atributo dos estudantes, qual seja,

serem chamados de Pedro. Não queremos entrar aqui neste mérito, acerca dos usos da

linguagem, pois o objetivo do contraexemplo era apenas esclarecer nosso ponto de vista, além

do que nos parece legítimo o primeiro uso da frase (“Algum estudante é Pedro”).

Ainda acerca deste ponto, notamos que uma expressão que está sendo usada como um

termo abstrato não pode ser classificada como geral ou singular (Keynes, 1906, p. 20). Os

termos abstratos, então, não são nem gerais nem singulares, esta distinção não se aplica a eles,

aplica-se somente aos termos concretos. Este fato pode ser explicado se considerarmos que a

distinção entre termos singulares e gerais é realizada com base na denotação dos termos,

como dissemos anteriormente. Assim, só tem sentido perguntarmos acerca da denotação,

justamente, daqueles termos que estão por objetos, isto é, os termos que estão sendo usados

em sentido concreto. Os termos que estão sendo usados em sentido abstrato não representam

objetos e sim atributos. Assim, não possuirão denotação, e por isso não serão classificados

como gerais ou singulares.

Até agora falamos de denotação e conotação sem fixarmos exatamente seus

significados, cabe, então, neste momento, tratarmos das noções de extensão e intensão, para

isso ocuparemos as noções de termo abstrato e concreto, que definimos logo acima. Para

Keynes, todo termo geral concreto, ou seja, todo termo que representa uma classe pode ser

considerado sob dois aspectos: primeiro, acerca dos objetos que são denominados pelo termo;

e segundo, acerca das qualidades (propriedades ou notas características) pertencentes a estes

objetos (Keynes, 1906, p. 22). O primeiro aspecto diz respeito à extensão do termo e o

segundo à sua intensão, assim, as noções de extensão e intensão representam o modo mais

geral de se referir a estes aspectos dos termos. A extensão do termo “homem”, por exemplo,

consiste na classe de objetos composta pelos seres humanos, enquanto que sua intensão

consiste em uma série de qualidades pertencentes a estes objetos, tais como, animalidade,

racionalidade, etc.

A noção de intensão, como dissemos, é usada em um sentido mais amplo para nos

referirmos às qualidades dos objetos, e, segundo Keynes (1906, p. 23), ela abarca três outras

noções, a saber, a conotação, a compreensão e a intensão subjetiva. Esta última é usada

quando queremos nos referir àquelas qualidades que vêm à mente das pessoas associadas a

um determinado conceito. À medida que pensamos em um conceito podemos associar

subjetivamente a ele algumas propriedades, a estas propriedades Keynes chama de “intensão

81

subjetiva”. Por exemplo, quando pensamos no conceito “porco” pode nos vir à mente as

ideias de sujeira ou imundice, já que, por vezes, este conceito é usado com esta acepção;

porém, estas características não pertencem necessariamente aos objetos que compõem a classe

designada por este conceito. Podemos notar, então, que a intensão subjetiva é relativa, isto é,

pode variar de um indivíduo para outro, e também que ela é uma expressão que se encontra

naquele plano mental, ao qual nos referimos no início desta seção.

A conotação, por sua vez, diz respeito às propriedades que foram associadas ao termo

por convenção (Keynes, 1906, p. 23). Esta convenção pode se dar, primeiro, através de um

acordo tácito entre os participantes do discurso de estabelecer um significado exato para o

termo empregado; ou, segundo, quando se trata de um termo científico, de uma definição.

Podemos dizer, então, que a conotação de um termo diz respeito às propriedades que por

definição são dadas aos objetos designados por este termo, no sentido em que, se certo objeto

não possuir qualquer uma destas propriedades ou notas características que formam a

conotação, ele não poderá ser considerado um membro da classe designada pelo termo.

Assim, a conotação do termo “triângulo”, por exemplo, é composta pelas seguintes notas: ser

uma figura plana e ter três lados. Notamos que a conotação dos termos pode variar ao longo

do tempo de acordo com as circunstâncias em que são empregados os termos e, acerca dos

termos científicos, de acordo com o progresso científico.

Existem, contudo, algumas propriedades que são comuns a todos os objetos que

pertencem à classe designada por um termo, mas que não são estabelecidas pela definição do

termo, isto é, por sua conotação. Assim, por exemplo, é verdade que todo o dragão-de-

Komodo (Varanus komodoensis) é oriundo da Indonésia. Porém, esta propriedade “ser

oriundo da Indonésia”, que é comum a todos os objetos que se encontram na extensão do

termo “dragão-de-Komodo”, não se encontra na definição deste termo. A estas propriedades

que são comuns a todos os objetos de uma certa classe, podendo ou não serem estabelecidas

por definição, Keynes chama de “compreensão” (Keynes, 1906, p. 24). A compreensão ou

intensão objetiva, então, abarca a conotação ou intensão convencional.

Quanto à extensão, ou seja, quanto aos objetos que são denominados pelo termo,

Keynes (1906, p. 31) faz uma distinção entre duas noções, a saber, a denotação e a

exemplificação. A denotação de um termo corresponde aos objetos ou indivíduos que

apresentam em comum as propriedades que constituem a conotação do termo. Já a

exemplificação de um termo corresponde a uma seleção dos objetos que formam a denotação

do termo, esta seleção, diz Keynes, é realizada com base no critério de estabelecer os objetos

que são típicos da classe denotada pelo termo. Pode ocorrer que os objetos constituintes da

82

denotação coincidam com os da exemplificação, porém, este seria um caso limite, em geral,

afirma Keynes, basta um número reduzido (reduzido em relação à denotação) de objetos para

obtermos uma seleção que mostra aquilo que é típico da classe, isto é, para obtermos uma

exemplificação.

Vimos, então, que a noção de intensão é a mais geral para nos referirmos às

propriedades expressas pelos termos. E assim, ela pode ser considerada em três sentidos

diferentes, a saber, como a conotação ou intensão convencional de um termo, como

compreensão ou intensão objetiva de um termo e como intensão subjetiva de um termo. Com

respeito às duas primeiras, notamos que a compreensão é mais ampla, no sentido que abarca

um maior número de propriedades, que a conotação. E com respeito à última, a intensão

subjetiva, notamos que ela é relativa a cada indivíduo, e assim, não pode ser formalizada,

perdendo um tanto de seu valor lógico. Vimos também, que a noção de extensão caracteriza o

modo mais geral de nos referirmos aos objetos expressos pelos termos, e que esta noção

abarca a denotação e a exemplificação de um termo. No Quadro 2.1.1, podemos ver mais

claramente como estas noções se relacionam acerca de um dado termo geral concreto “t”:

Termo “t” Propriedades Objetos

Conotação p1, p2, ... pn

Compreensão p1, p2, ... px

Exemplificação o1, o2, ... om

Denotação o1, o2, ... oy

Quadro 2.1.1 – Comparação entre a conotação e a compreensão e entre a exemplificação e a

denotação do termo “t”

As letras “p” (“p1”, “p2”...) representam as propriedades expressas pelo termo “t”, e as

letras “o” (“o1”, “o2”...) representam os objetos expressos pelo termo “t”. Fica claro, então,

que a compreensão abarca um maior número de propriedades que a conotação; e que a

denotação abarca um maior número de objetos que a exemplificação. Keynes ainda salienta

(1906, p. 32), que a conotação pode ser obtida através de uma definição intensiva, enquanto

que a exemplificação pode ser obtida através de uma definição extensiva. Com estas

considerações acreditamos fornecer um esclarecimento terminológico das noções mais básicas

83

utilizadas por Keynes e por nós mesmo neste trabalho. Passemos agora, na seção seguinte,

para as considerações acerca da estrutura da doutrina da Lógica na época de Keynes.

2.1.3 A doutrina da Lógica

Queremos chamar atenção que já na definição de Lógica, como dissemos na Seção

2.1.1, Keynes destaca, como objeto desta disciplina, o raciocínio (válido). Com isso queremos

dizer, que existe, para ele, uma importância maior do raciocínio em relação aos outros

componentes da Doutrina Lógica. Na época de Keynes era comum dividir a Doutrina Lógica,

isto é, as principais áreas de estudo da Lógica, em três partes, a saber: a doutrina dos termos

ou conceitos, a doutrina das proposições ou juízos e a doutrina dos silogismos ou raciocínios

(Keynes, 1906, p. 8). Alguns autores ainda acrescentavam a doutrina do método, como é o

caso, por exemplo, da Lógica de Jaschke63

.

Outros, como Bernard Bosanquet (1848 – 1923), suprimiam a doutrina dos termos ou

conceitos, tratando desta discussão como parte da doutrina das proposições ou juízos: “nós

não tratamos do Nome [Termo], Proposição e Silogismo ou do Conceito, Juízo e Inferência,

mas somente da duas últimas partes.”64

(Bosanquet, 1906, p. 87, tradução nossa). O que

Bosanquet quer dizer com esta sua separação da doutrina da Lógica é que as palavras só

adquirem significado no contexto de uma proposição e não isoladamente. Nós não pensamos

as proposições através da união de palavras isoladas, devemos distinguir as palavras é

verdade, mas na proposição elas não se caracterizam como elementos separáveis de

significado (Bosanquet, 1906, p. 87). Para Bosanquet a análise gramatical camufla este

aspecto da linguagem, sugerindo que palavras isoladas possuam significação. Ele fornece,

acerca deste ponto, um argumento de caráter factual, dizendo que na linguagem as sentenças

são historicamente anteriores às palavras, ao ponto que, em linguagens não escritas as

palavras não poderiam ser distinguidas nas sentenças (Bosanquet, 1906, p. 86). É apenas em

função da análise gramatical e da estruturação dos dicionários que aparece esta artificial

separação ou isolamento (insulamento) das palavras, já que seu significado só surge no

contexto das proposições.

63

KANT, 1992, pp. 521-640. 64

“We do not treat of Name, Proposition, Syllogism, or of Concept, Judment, Inference, but only of the two

latter parts.” (Bosanquet, 1906, p. 87).

84

A raiz deste argumento que defende os juízos como os elementos mais básicos de

significado, e não os conceitos, se encontra em Kant, na sua concepção de que, nas palavras

de Sluga, “juízos não são formados a partir de componentes previamente dados, ao invés

disso, eles possuem uma unidade transcendental inicial da qual nós obtemos os conceitos pela

análise” (Sluga, 1980, p. 55, tradução nossa). Este argumento foi amplamente usado a partir

do final do século para defender a posição, que descrevemos na Seção 2.1.1, antinaturalista,

ou antipsicologista na Lógica. E encontrou sua elaboração mais sistematizada no final da

Introdução de “Os Fundamentos da Aritmética” de Frege através do “princípio do contexto”.

A formulação exata deste princípio em Frege é a seguinte: “deve-se perguntar pelo

significado das palavras no contexto da proposição e não isoladamente” (Frege, 1983, p. 202).

E posteriormente ele ainda explica: “se não se observa o segundo princípio [o princípio do

contexto], fica-se quase obrigado a tomar como significado das palavras imagens internas e

atos da alma individual, e deste modo a infringir também o primeiro princípio” (Frege, 1983,

p. 202). E este “primeiro princípio” ao qual ele se refere retrata sua posição antipsicologista, é

ele: “deve-se separar precisamente o psicológico do lógico, o subjetivo do objetivo” (Frege,

1983, p. 202). Podemos notar claramente, então, que em Frege o princípio que estabelece que

a unidade mais básica de significação é a proposição, ou seja, que seu princípio do contexto

encontra-se diretamente relacionado a sua posição antipsicologista da Lógica.

Keynes reconhece este argumento, concorda que é a proposição a unidade de

significado e não as palavras isoladas. Além disso, para Keynes, a Lógica diz respeito à

verdade e à falsidade, e a verdade e a falsidade só podem ser expressas através de

proposições, assim, como já dissemos, a proposição (ou o juízo, seu representante mental) é a

unidade lógica mais básica (Keynes, 1906, pp. 8-9). Contudo, Keynes não segue Bosanquet

acerca da divisão da Doutrina Lógica como contendo apenas duas partes: a doutrina das

proposições, abarcando a doutrina dos termos, e a doutrina dos silogismos. Para Keynes a

doutrina dos termos ou conceitos deve ser mantida como uma área de estudo a ser tratada de

maneira isolada pela Lógica. Como, então, entender este desacordo com Bosanquet, já que

Keynes reconhece a dependência da doutrina dos termos em relação à doutrina das

proposições?

Aqui devemos fazer uma diferenciação entre a ordem de apresentação do conteúdo da

disciplina, por um lado, e a ordem lógica por outro. A ordem de apresentação do livro de

Keynes (Studies and Exercises in Formal Logic) contém, separadamente e nesta sequência, a

doutrina dos termos, a doutrina das proposições e, por fim, a doutrina dos silogismos. A

ordem de apresentação tem como foco uma organização mais uniforme do conteúdo da

85

disciplina, é pensando nisso que Keynes expõe a Lógica desta maneira em sua obra,

considerando a doutrina dos termos como um conteúdo isolado da doutrina das proposições e

que deve ser abordado inicialmente. Porém, isso não significa que Keynes não reconheça a

precedência lógica da proposição em relação ao termo. Para ele as características lógicas dos

termos só podem ser determinadas a partir de seu uso como elementos constituintes das

proposições (Keynes, 1906, p. 11).

E, como havíamos indicado, notamos uma importância maior do silogismo em relação

à proposição, já que Keynes considera o raciocínio válido como o principal objeto de estudo

da Lógica. Notamos, então, que para Keynes, a ordem de apresentação dos conteúdos da

Lógica em seu livro é completamente inversa à sua ordem lógica natural. Quer dizer, para ele,

o silogismo ou raciocínio, por ser o principal objeto de estudo da disciplina, tem maior

importância lógica em relação às proposições; que por sua vez, por ser a unidade mais básica

de significado, tem precedência lógica em relação aos termos.

2.2 O significado dos termos negativos

Após termos fixado, na seção precedente, a terminologia de Keynes, e termos aclarado

a sua concepção acerca da Lógica enquanto uma ciência normativa que investiga e busca

determinar os princípios gerais do pensamento válido, pretendemos, nesta seção, discutir a

significação que os termos negativos possuem dentro do contexto de uma proposição. Na

próxima seção iremos enfocar o tópico central desta dissertação que diz respeito ao emprego

formal de termos negativos propiciando uma ampliação da silogística tradicional aristotélica.

Tendo isso em vista, traremos, na presente seção, uma discussão filosófica acerca do

significado dos termos negativos, para que possamos fundamentar o uso formal que faremos

deles na seção seguinte.

O uso dos termos negativos na época de Keynes (e, em menor medida,

contemporaneamente também) era uma fonte de discussão. Em um tempo em que a silogística

tradicional aristotélica ainda era o modelo para o estudo da Lógica, discutia-se se os termos

negativos possuíam algum significado e, em caso positivo, qual significado seria esse.

Trataremos, então, nesta seção, de questões como: qual a relação entre o significado de um

termo negativo e seu correspondente positivo? O que queremos dizer quando fazemos menção

86

a um termo negativo? Qual o significado de expressões como “não-filósofo” ou “não-

estudante”? Para respondermos a estas e outras perguntas entraremos na discussão que

Keynes levanta com filósofos do seu tempo, considerando tanto as implicações da posição

que afirma que os termos negativos possuem significado, como a argumentação da posição

que nega que eles possuam significação.

Iremos, então, na Seção 2.2.1, apresentar, em primeiro lugar, a posição que nega que

os termos negativos possuam significado. Esta posição é sustentada basicamente por dois

argumentos; vamos expor estes dois argumentos para, em segundo lugar, apresentarmos a

posição de Keynes acerca dos termos negativos, destacando primeiramente os pontos em

comum que Keynes mantém com a posição anterior, e, posteriormente, seus pontos de

divergência com essa posição, os quais dão origem a sua própria concepção sobre o assunto.

Na Seção 2.2.2, apresentaremos, de maneira mais pormenorizada, a concepção de

Keynes acerca dos termos negativos, veremos que esta sua concepção só pode ser

fundamentada se levarmos em conta a extensão dos termos (positivo e negativo). Em primeiro

lugar, então, abordaremos aquilo que Keynes chama de “caráter indefinido ou infinito” dos

termos negativos. Veremos que Keynes considera, inicialmente, uma possível resposta à

dificuldade gerada por este caráter indefinido dos termos negativos. Porém, posteriormente

ele irá rejeitar esta resposta e assumir que os termos negativos têm, realmente, uma denotação

ilimitada no universo do discurso. Por fim, vamos comparar esta concepção extensional de

Keynes acerca dos termos negativos com o uso que fizemos destes termos em nossa

linguagem coloquial.

2.2.1 Concepção intensional dos termos negativos

Um termo negativo pode ser representado pela expressão “não-x”65

enquanto que um

termo positivo é representado por “x”, sendo “x” um termo qualquer. Antes de tudo, cabe

lembrarmos que, na silogística tradicional, só faz sentido falarmos de uma afirmação ou de

uma negação se ela diz respeito às proposições. Um termo não pode ser afirmado ou negado,

o que é negado ou afirmado é a proposição na qual este termo se encontra.

65

Keynes (1906, pp. 52-53) utiliza a expressão “não-A” para representar os termos negativos.

87

Dito isso, vamos começar apresentando a posição, exposta por Keynes (1906, pp. 57-

61), que rejeita que um termo negativo, representado por “não-x”, possua significado. De

acordo com esta posição, de caráter intensional, quando pensamos na fórmula “não-x”

deveríamos representar a ausência do conceito “x” em nosso pensamento. Ora, primeiramente

cabe notarmos, que obviamente, a ausência de um conceito não é, ela mesma, um conceito

(Keynes, 1906, p. 57). Assim, expressão “não-x” não pode ser interpretada simplesmente

como esta ausência no pensamento, pois não sendo um conceito, claramente não possuirá

intensão.

Além disso, esta noção de ausência de certo conceito em nosso pensamento é

problemática porque ela já implicaria a presença deste conceito no pensamento, no sentido em

que não podemos pensar na ausência de “x”, isto é, “não-x”, sem também pensarmos em “x”.

Ou seja, o conceito “x” está presente em nosso pensamento ao pensarmos “não-x” (Keynes,

1906, p. 57). Não conseguimos pensar no conceito de “não-mamífero”, por exemplo, sem

também pensar em “mamífero”, seu correspondente positivo. Do mesmo modo que não

conseguimos pensar no conceito de “não-moral” sem termos em mente a noção de

moralidade.

Outro aspecto problemático que esta posição encontra na interpretação de termos

negativos, que, aliás, está vinculado ao argumento anterior, é que “não-x” não pode ser

interpretado como algo desvinculado de “x” em nosso pensamento (Keynes, 1906, pp. 57-

58). Pois do contrário não existiria uma relação de oposição ou exclusão mútua entre estes

conceitos, relação esta que parece ser, inclusive intuitivamente, inerente aos termos positivo e

negativo. Ou seja, se pensarmos, por exemplo, no conceito de “não-mamífero” pode nos vir à

mente conceitos tais como o de “inseto” ou de “pássaro”, já que eles podem ser interpretados

como conceitos nos quais não há a presença do conceito de “mamífero”. Porém, não existe

uma relação de oposição mútua entre estes conceitos (“inseto” ou “pássaro”), que estão

desvinculados do conceito correspondente “mamífero”, com o conceito de “não-mamífero”.

Assim, os objetos que caem sob estes conceitos não podem ser interpretados como a

denotação do conceito de “não-mamífero”. Cabe novamente lembrarmos que esta relação de

oposição, assim como os atos de negação e afirmação, ocorre não entre conceitos, mas sim

entre os juízos nos quais estes conceitos se encontram.

Segundo esta posição, então, um termo negativo “não-x” representa, literalmente, a

ausência do conceito “x” em nosso pensamento. Como vimos esta noção de ausência de um

conceito em nosso pensamento é problemática. E isso se dá por duas razões, primeiro, esta

noção de ausência de “x” é problemática, pois parece inevitável que ao pensarmos na ausência

88

de “x” também pensemos em sua presença, o que é controverso. E, segundo, não podemos

pensar no termo negativo como algo totalmente alheio ao termo positivo já que desta forma a

relação de oposição entre os conceitos expressos por estes termos não ocorre.

Mesmo que pudéssemos pensar “não-x” como significando todas as coisas da qual o

conceito “x” deve ser negado. E, assim, revisando em nosso pensamento, encontrarmos o rol

de objetos que caem sob o conceito de “não-x”. Mesmo que esta tarefa pudesse ser realizada,

de acordo com essa posição, estes objetos, que representariam tudo aquilo que não é “x”, não

poderiam ser aceitos como a extensão do conceito expresso pelo termo negativo, pois a

relação entre os conceitos destes objetos e o conceito do termo positivo correspondente não

seria de oposição. Por exemplo, se pensássemos no conceito de “não-filósofo” como

designando tudo aquilo do qual o conceito de “filósofo”, seu correspondente positivo, devesse

ser negado. Então, deveríamos encontrar, revisando em nosso pensamento, a totalidade do

conjunto dos objetos que são a extensão do conceito de “não-filósofo”, dentre os quais se

encontrariam os objetos mais variados, tais como médico, advogado, tapete, casa, pássaro,

inseto, centauro, moral, entre outros. Esta tarefa obviamente não pode ser realizada, mas

mesmo que pudesse ser, tais objetos (médico, advogado, tapete, casa, pássaro...), de acordo

com esta posição, não poderiam ser aceitos como a extensão do conceito de “não-filósofo”; já

que seus conceitos não possuem uma relação de oposição com o conceito de “filósofo”. Neste

sentido, esta posição, de caráter intensional, rejeita que os termos negativos, representados por

expressões como “não-x”, possuam qualquer tipo de significação.

Keynes expõe a argumentação desta posição, porém não vai ao encontro de sua

conclusão, apesar de concordar com algumas de suas premissas. Veremos agora, então, quais

os pontos em comum e quais os pontos em desacordo desta posição com o ponto de vista de

Keynes acerca do tema.

Keynes (1906, p. 58) concorda que o termo negativo, representado por “não-x”, não

pode conotar um termo desvinculado, e assim independente, de seu correspondente positivo

“x”. Neste sentido, ele vai ao encontro da conclusão obtida por esta, aqui chamada, posição

intensional, que nega a significação dos termos negativos. Ou seja, para Keynes se tomarmos

o sentido literal da expressão “não-x”, a saber, como a pura negação do conceito positivo “x”,

esta expressão é sem sentido ou ininteligível. Mas como então salvar a significação dos

termos negativos, já que pelo lado intensional, através da argumentação exposta, eles são

considerados sem sentido?

A resposta dada por Keynes a esta questão passa pela referência a extensão do

conceito. Se um termo negativo “não-x” é entendido como qualquer coisa que não seja “x”,

89

então sua justificação e explicação deriva de uma divisão do universo do discurso a qual os

termos se referem. Esta divisão estabelece uma mútua exclusão no universo do discurso entre,

primeiro, o lado formado pelos objetos aos quais “x” pode ser predicado e, segundo, o lado

formado pelos objetos aos quais “x” não pode ser predicado. O primeiro corresponde ao termo

positivo e o segundo ao termo negativo. Assim, podemos dizer que extensionalmente, através

desta mútua exclusão no universo do discurso, fica estabelecida a relação de oposição entre o

termo negativo e seu correspondente positivo, no sentido em que os objetos denotados pelo

termo positivo e pelo seu correspondente negativo formam dois blocos mutuamente

excludentes. (Keynes, 1906, p. 58)

Então, para Keynes, uma resposta intensional a questão da significação dos termos

negativos não pode ser fornecida satisfatoriamente, porque do ponto de vista intensional o

termo positivo “x” e seu correspondente negativo “não-x”, entendido como tudo aquilo que

não é “x”, envolvem apenas um conceito, e assim a relação de oposição entre eles não ocorre.

Já do ponto de vista extensional é possível salvar esta propriedade de exclusão mútua entre os

termos positivo e negativo, assim a significação do termo negativo é garantida em função de

sua extensão. (Keynes, 1906, p. 58)

Na realidade, Keynes entende o termo negativo como sendo o complemento do termo

positivo. Esta noção extensional de complemento do termo positivo refere-se a todos os

objetos do universo do discurso que não pertencem à extensão do conceito do termo positivo.

Assim, o termo negativo entendido como o complemento do termo positivo irá denotar todos

os objetos que não são denotados pelo termo positivo.

Porém, de acordo com este ponto de vista extensional, um termo negativo pode ser

entendido como denotando uma série infinita ou indefinida de objetos (Keynes, 1906, p. 59).

Se ao considerarmos, por exemplo, o termo negativo “não-filósofo”, então podemos dividir o

universo do discurso entre, por um lado, tudo aquilo que é denotado por “filósofo”, o termo

positivo correspondente; e, por outro lado, tudo aquilo que não é denotado pelo termo

“filósofo”. Neste sentido, precisamos aceitar que objetos tais como médico, advogado, tapete,

casa, pássaro, inseto, centauro, moral, sonho, virtude, Brasil, A Arca de Noé, entre outros,

podem ser entendidos como denotados pelo termo negativo “não-filósofo”. Ou seja, parece

que a denotação dos termos negativos, por não compreender alguma restrição que limite o

universo do discurso a qual os termos se referem, possui, como podemos chamar, um caráter

infinito ou indefinido, no sentido em que a gama de objetos que caem sob o conceito de

qualquer termo negativo parece ser indefinida ou ilimitada.

90

Esta dificuldade, proveniente deste caráter aparentemente indefinido da denotação dos

termos negativos, é usada, inclusive, como apoio por alguns lógicos que rejeitam que os

termos negativos possuam significação. Neste sentido, podemos apresentar de outro modo

aquele argumento da posição intensional descrito acima, segundo o qual o termo negativo não

pode ter seu conceito desassociado de seu correspondente positivo. Ora os conceitos de

objetos tais como o centauro e a virtude que são denotados pelo termo negativo “não-filósofo”

estão totalmente desvinculados do conceito do termo positivo “filósofo”. Assim, uma

exposição deste argumento agora não sob um ponto de vista intensional, mas sim extensional,

seria através da afirmação que nenhum termo pode ser significativo se detiver uma denotação

com este caráter indefinido ou infinito (Keynes, 1906, p. 59). Como todos os termos negativos

possuem uma denotação com este caráter, então eles não seriam significativos.

Keynes não concorda com este argumento segundo o qual os termos negativos, por

apresentarem uma denotação com este caráter indefinido ou ilimitado no universo do

discurso, sejam caracterizados como desprovidos de sentido. Mesmo assim ele apresenta uma

possível resposta para este argumento que passa, justamente, por uma limitação explícita ou

implícita do universo do discurso ao qual os termos positivo e negativo se referem.

2.2.2 Concepção extensional dos termos negativos

Veremos nesta seção, primeiramente, a resposta provisória que Keynes fornece para

lidar com esta dificuldade proveniente do caráter indefinido ou infinito dos termos negativos.

Em segundo lugar, veremos que mesmo esta resposta não pode ser aceita, neste sentido, os

termos negativos são entendidos por Keynes, realmente como possuindo uma denotação

ilimitada no universo do discurso. Ou seja, quanto à sua denotação, como já dissemos, eles

são entendidos como o complemento do termo positivo. E em terceiro lugar, iremos

confrontar esta argumentação teórica acerca da denotação dos termos negativos com o seu uso

prático em nossa comunicação através da linguagem coloquial em nosso dia a dia.

Uma possível resposta, então, a esta dificuldade, derivada do caráter ilimitado da

denotação dos termos negativos, pode surgir a partir de uma restrição que limitaria o universo

do discurso ao qual os termos se referem (Keynes, 1906, p. 59). Neste sentido, o termo

negativo “não-votantes”, por exemplo, teria seu escopo limitado pelo conjunto dos cidadãos

de uma certa cidade, estado ou país. Limitaríamos o universo do discurso, neste caso, como

91

abrangendo apenas os cidadãos de certa região ou localidade e não aos demais objetos que se

encontram fora deste domínio restrito, tais como os objetos inanimados ou os animais que não

sejam humanos ou ainda os objetos abstratos e imaginários. Assim, não entenderíamos que o

termo negativo “não-votante” tivesse em sua denotação objetos como os tapetes, as casas, a

virtude ou qualquer objeto que não se caracterizasse como um cidadão de certa localidade, ou

seja, a denotação do termo negativo seria delimitada pelas notas que constituem a conotação

do termo positivo “cidadão”, essa delimitação forneceria o restrito universo do discurso ao

qual os termos positivo, “votantes” e negativo, “não-votantes” se referem.

Da mesma forma, o universo do discurso correspondente ao termo negativo “não-

verde” seria limitado aos objetos coloridos, ao termo negativo “não-triângulo” aos objetos

expostos através de figuras planas, ao termo “não-mamífero” aos seres do reino animal, e

assim por diante. Para utilizarmos uma linguagem aristotélica, o escopo do termo negativo

“não-x” seria limitado ao gênero do qual “x”, o termo positivo, é uma espécie (Keynes, 1906,

p. 59). No nosso último exemplo, a denotação do termo negativo “não-mamífero” se limitaria

aos animais vertebrados (os peixes, os répteis, os anfíbios, as aves e os mamíferos) que é o

gênero do qual o termo positivo “mamífero” é uma espécie.

Este tipo de limitação do universo do discurso referente aos termos negativos é

chamado de relativização do complemento. O universo do discurso ao qual os termos positivo

e negativo se referem fica relativizado, quer dizer, diz respeito a um domínio de objetos

menor do que o todo do universo do discurso. Assim, por essa limitação que restringe o

universo do discurso, isto é, por essa relativização do complemento do termo positivo

existirão objetos que ficarão fora do escopo tanto do termo negativo como do positivo. Esses

objetos, no caso do nosso exemplo acima acerca do termo negativo “não-votantes”, seriam

justamente os tapetes, as casa, a virtude etc., pois o complemento estaria relativizado aos

cidadãos de certa localidade.

Este argumento que estabelece a necessidade de uma limitação que restrinja o universo

do discurso ao qual o termo negativo e o correspondente positivo se referem parece ser

admissível (e veremos depois porque ele, a primeira vista, parece ser naturalmente aceitável),

contudo Keynes o rejeita. Concentremo-nos agora então nas razões pelas quais Keynes refuta

este argumento.

Para ele, nenhuma limitação no universo do discurso é necessária para que qualquer

termo negativo possua significado (Keynes, 1906, pp. 59-60). Não precisamos agrupar o rol

de objetos denotados pelos termos negativos através da conotação de um determinado termo.

É verdade que estes objetos denotados pelos termos negativos formam um bloco bastante

92

heterogêneo, que pode ser visto, inclusive, como um conjunto caótico de elementos, pela sua

ampla diversidade. Porém, diz Keynes, não precisamos encontrar algo positivo, como a

conotação de certo termo, para unir ou agrupar estes objetos através de uma ou mais

características comuns a eles. Pois, o que estabelece quais objetos são denotados pelos termos

negativos não é algo positivo, mas sim, justamente, a carência de algo. Os objetos denotados

pelos termos negativos são aqueles que apresentam em seus conceitos uma conotação em que

falta uma ou mais notas da conotação do termo correspondente positivo (Keynes, 1906, p.

60). Será esta falta ou carência que determinará quais objetos são denotados pelo termo

negativo.

Por exemplo, tomemos o termo negativo “não-homem” e seu correspondente positivo

“homem”, supondo que com o termo “homem” queremos nos referir aos animais racionais. A

intensão do termo positivo será, então, composta pelas seguintes notas: ser um animal e ser

racional. Todos os objetos que não apresentarem pelo menos uma destas duas propriedades

serão denotados do termo negativo “não-homem”. Uma pedra, por exemplo, não é um animal

muito menos é racional, então ela entrará no escopo do termo “não-homem”; um “cavalo” é

um animal, mas não diríamos que é racional, então ele também entrará no escopo do termo

“não-homem”.

Da mesma maneira, os objetos denotados pelo termo negativo “não-votantes” seriam

determinados pela ausência de pelo menos uma das propriedades ou notas do termo

“votantes”, o correspondente positivo. Não se faz necessário considerar as notas de um outro

termo alheio aos termos positivo e negativo, como o termo “cidadão” no exemplo acima, para

estabelecermos quais objetos são denotados pelo termo negativo “não-votantes”.

Para Keynes (1906, p. 60) este argumento que afirma a necessidade de uma

delimitação do universo do discurso, na verdade, apenas mostra que o termo negativo possui

um termo positivo correspondente. Pois na realidade o que delimita o conjunto de objetos

denotados pelo termo negativo é o termo positivo, mais especificamente as notas que

constituem a conotação do termo positivo, ou melhor, a falta de alguma dessas notas. Será

pela falta ou não de uma dessas notas, como dissemos, que os objetos serão considerados

como denotados do termo negativo correspondente. Através desse raciocínio fica mais claro

porque Keynes entende que no plano intensional o termo positivo e seu correspondente

negativo envolvem apenas um conceito, ou seja, envolvem a consideração de apenas uma

conotação, a saber, a conotação constituída pelas notas do conceito do termo positivo.

Enquanto que extensionalmente, como viemos mostrando, eles formam dois blocos de objetos

que se excluem mutuamente.

93

Além disso, uma outra razão pela qual Keynes não aceita este argumento, que delimita

o universo do discurso ao gênero do qual o termo positivo é uma espécie, é que mesmo neste

domínio delimitado não podemos agrupar os objetos denotados pelo termo negativo através

de qualquer propriedade positiva específica (Keynes, 1906, p. 60). Se consideramos, por

exemplo, os termos “verde” e “não-verde” e assim delimitarmos o universo do discurso aos

objetos coloridos, mesmo com esta delimitação a gama de objetos que são denotados pelo

termo negativo, neste caso, é muito vasta, ao ponto de não conseguirmos unir todos esses

objetos através de uma característica comum a eles. Como poderíamos agrupar por meio de

uma propriedade positiva objetos tão heterogêneos como o sol, um cão e um grão de areia

(supondo, claro, que estes últimos não sejam verdes), objetos estes que são denotados pelo

termo “não-verde”. Para Keynes o fato de serem todos objetos coloridos é insuficiente para

estabelecermos um vínculo consistente entre eles. A realidade é que em muitos casos, como

no exemplo acima, mesmo com a delimitação do universo do discurso parece que a denotação

do termo negativo não perde o caráter indefinido.

Vimos então quais as razões pelas quais Keynes rejeita este ato teórico de relativizar o

complemento, visto como uma alternativa para fugir da dificuldade trazida pelo caráter

indefinido ou ilimitado da denotação dos termos negativos. Uma das principais razões, que

serve, inclusive, para embasar a concepção de Keynes acerca da denotação dos termos

negativos, foi o esclarecimento de como sabemos quais objetos caem sob o termo negativo e

quais não caem. A saber, pela carência de uma ou mais notas da conotação do termo positivo.

Outra razão, que podemos destacar, se referiu à insuficiência, em muitos casos, desta

relativização do complemento ao gênero do qual o termo positivo é espécie. Assim,

marcadamente Keynes entende que os termos negativos possuem este caráter indefinido ou

ilimitado, visto que sua explicação e justificação ocorre, justamente, em função de sua

denotação. Cabe agora passarmos para a comparação entre esta fundamentação teórica

realizada por Keynes acerca da denotação dos termos negativos com o uso prático que

fazemos deles cotidianamente em nossa comunicação.

É verdade que em nosso uso da linguagem coloquial essa limitação do universo do

discurso a qual os termos se referem esta sempre presente, seja de maneira explícita ou de

maneira implícita. É por esta razão, que mencionamos acima, que, a primeira vista, o

argumento sugerindo uma delimitação do universo do discurso, ou seja, uma relativização do

complemento parece ser naturalmente admissível. Naturalmente porque já de maneira

implícita nós realizamos esta delimitação para nos fazermos entender em nossa fala coloquial.

Na prática nós não usamos o termo negativo “não-votantes” senão para nos referirmos aos

94

cidadãos de certa localidade, a limitação do universo do discurso normalmente ou sempre faz

parte das regras tácitas do discurso que usamos para nos comunicarmos. Nós, em nosso uso

da linguagem do dia a dia, nunca interpretamos um termo negativo como apresentando este

caráter infinito ou indefinido acerca de sua denotação. Assim, uma proposição com termos

negativos que é interpretada com este caráter indefinido não teria nenhum valor prático

(Keynes, 1906, p. 59).

Contudo, não se segue que uma falta de valor prático se reflita em uma falta de

significado para os termos negativos. Precisamos diferenciar este uso prático que fizemos dos

termos negativos em nossa fala cotidiana da concepção teórica acerca do significado dos

termos negativos e positivos. Que seja incomum, no sentido em que não faz parte de nosso

uso prático, considerar que o termo negativo “não-mamífero” denote objetos tais como os

tapetes ou as casas, isto é, que denote objetos que não fazem parte do gênero do qual o termo

positivo “mamífero” é uma espécie, não significa que esta consideração não exista

extensionalmente no campo teórico (Keynes, 1906, p. 60).

2.3 Octógono de Oposições

Na seção anterior, vimos que Keynes legitima o uso dos termos negativos na Lógica,

fornecendo uma definição segundo a qual o termo negativo é o complemento extensional do

seu termo correspondente positivo; o que deve ser levado em conta, então, quando falamos de

um termo negativo é sua denotação, já que intensionalmente ele deve ser analisado conforme

a conotação do correspondente termo positivo. A partir desta legitimação teórica do uso dos

termos negativos, Keynes pode passar para o uso formal dos termos negativos na silogística, o

que proporcionará uma ampliação da mesma. Nesta seção enfocaremos, justamente, a

silogística ampliada de Keynes, que é o tema central de nosso trabalho. Nosso objetivo

principal é apresentar o Octógono de Oposições, no qual estão contidas as três novas relações

entre as proposições desta silogística ampliada.

Antes disso, porém, na Seção 2.3.1, vamos definir estas novas relações lógicas entre as

proposições, veremos que elas são definidas por Keynes a partir de quatro proposições

logicamente independentes entre si, mas que não envolvem ainda termos negativos. Na Seção

2.3.2 trataremos dos seguintes processos formais de inferência imediata: obversão,

contraposição (total e parcial) e inversão (total e parcial). É por meios destes processos

95

formais que Keynes chega às trinta e duas proposições possíveis para a silogística, se

considerarmos dois termos quaisquer e seus complementos. E por fim, na Seção 2.3.3,

vincularemos as novas relações lógicas com estas trinta e duas proposições envolvendo

termos negativos. Estas novas relações entre as proposições desta silogística ampliada pelos

termos negativos estão representadas no Octógono de Oposições.

2.3.1 Complementaridade, subcomplementaridade e contracomplementaridade

Nesta seção, veremos, primeiramente, quais proposições podem ser formuladas na

silogística se considerarmos dois termos quaisquer, sem fixar sua posição como sujeito ou

como predicado. Posteriormente, poderemos analisar estas proposições segundo as noções de

independência e equivalência lógica, e constataremos, com base nas regras de conversão das

proposições, definidas já por Aristóteles, que apenas as proposições universais afirmativas e

as particulares negativas são logicamente independentes entre si. A partir disso, poderemos,

em terceiro lugar, definir as novas relações lógicas para a silogística. Estas novas relações

entre as proposições buscam estabelecer qual a relação extensional existente entre os termos,

à medida que as duas proposições envolvidas são verdadeiras. Neste sentido, estas novas

relações podem ser representadas pelo método diagramático de Keynes para a silogística,

descrito na Seção 1.2.4. Por fim, apresentaremos um diagrama análogo ao Quadrado de

Oposições, mas que representa estas novas relações entre as proposições.

Já enfatizamos bastante que Keynes amplia a silogística aristotélica pelo acréscimo

formal de termos negativos, pelo acréscimo dos complementos dos termos sujeito e

predicado, e com isso ele obtém novas relações lógicas entre as proposições. Porém estas

novas relações lógicas entre as proposições são definidas por Keynes já antes de ele

considerar os termos negativos na teoria da dedução aristotélica. Ou seja, as novas relações

lógicas entre as proposições, a saber, as relações de complementaridade,

subcomplementaridade e contracomplementaridade, são definidas com base apenas em termos

positivos, quer dizer, com base apenas em proposições que contenham dois termos positivos

quaisquer. Neste sentido, a ampliação da silogística inicia antes mesmo do acréscimo dos

termos negativos.

96

No “Capítulo IV” do seu Studies and Exercises in Formal Logic66

, intitulado

“Immediate Inferences”, Keynes apresenta uma série de processos formais aos quais as

proposições podem ser sujeitas, isto é, ele apresenta algumas das inferências imediatas válidas

na silogística. Uma inferência imediata pode ser definida, então, como um processo formal no

qual uma proposição é inferida de outra sem que nenhuma terceira proposição participe deste

processo, nas palavras de Keynes: “inferência imediata, que pode ser definida como a

inferência de uma proposição a partir de uma única outra proposição”67

(Keynes, 1906, p.

126, tradução nossa). Em se tratando da silogística, as inferências imediatas estão em

oposição aos silogismos, ou seja, as inferências mediatas.

Os silogismos, como já destacamos na Seção 1.1, se caracterizam como processos

formais nos quais uma proposição é obtida como conclusão a partir de duas premissas que

envolvem três termos distintos, assim, nos silogismos uma relação entre dois termos é obtida

(na conclusão) por meio da mediação (nas premissas) de um terceiro termo (o termo médio),

por isso “inferências mediatas”. Nas inferências imediatas, então, não ocorre a mediação de

um terceiro termo, já que a conclusão é obtida com base somente em uma premissa.

A primeira inferência imediata descrita por Keynes é a conversão (as conversões

simples e a conversão por acidente) que já se encontra em Aristóteles e que já apresentamos

na Seção 1.1.2 (ver Quadro 1.1.2.1). Após apresentar esta inferência imediata, que altera a

posição do termo sujeito com a posição do termo predicado na proposição (no caso da

conversão por acidente modificando também a quantidade da proposição), Keynes analisa

quais proposições envolvendo dois termos poderiam ser formadas se não fixássemos a

posição dos termos, isto é, Keynes mostra quais proposições pertenceriam à silogística se

conectássemos dois termos quaisquer, sem fixarmos sua posição como sujeito ou como

predicado.

Na realidade, teríamos duas proposições de cada tipo, ou seja, duas proposições

universais afirmativas, a saber, “Todo x é y” e “Todo y é x”; duas proposições universais

negativas, que seriam, “Nenhum x é y” e “Nenhum y é x”; duas particulares afirmativas:

“Algum x é y” e “Algum y é x”; e, por fim, duas particulares negativas: “Algum x não é y” e

“Algum y não é x”.68

Como sabemos, as proposições universais afirmativas são representadas

66

Na edição de 1906. 67

“In other words, logical conversion is a case of immediate inference, which may be defined as the inference of

a proposition from a single other proposition.” (Keynes, 1906, p. 126). 68

Note-se que, como estamos usando variáveis para descrevermos as proposições categóricas, se considerarmos

isoladamente não vai haver diferença entre as proposições que formam estes quatro pares. Ou seja, pelo uso das

variáveis não há diferença na representação isolada da proposição universal afirmativa através de “Todo x é y”

ou de “Todo y é x”, assim como não há diferença na representação isolada da universal negativa por “Nenhum x

97

pela letra “A”, as universais negativas por “E”, as particulares afirmativas por “I” e as

particulares negativas por “O”. Assim, podemos representar a primeira proposição descrita

acima (“Todo x é y”) por “ xy ”, a segunda (“Todo y é x”) por “ yx ”, e assim por diante69

.

O Quadro 2.3.1.1 abaixo apresenta estas proposições que poderiam ser formadas na silogística

envolvendo dois termos independentemente de sua posição:

Forma lógica da proposição Representação da proposição

Todo x é y. xy

Todo y é x. yx

Nenhum x é y. xy

Nenhum y é x. yx

Algum x é y. xy

Algum y é x. yx

Algum x não é y. xy

Algum y não é x. yx

Quadro 2.3.1.1 – Proposições contendo dois termos independentemente de sua posição como

sujeito ou como predicado

Como podemos notar no Quadro 2.3.1.1 é possível formular oito proposições

diferentes envolvendo dois termos. Até aqui não mostramos nada que não esteja contido na

é y” ou por “Nenhum y é x”, e assim por diante. Do mesmo modo a formalização, segundo a Lógica

contemporânea, da afirmação de que existe um determinado indivíduo com certa propriedade pode ser expresso

tanto pela fórmula “xyPxy” quanto por “yxPyx”, quer dizer, isoladamente, pela disposição relativa das

variáveis entre si, estas duas fórmulas expressam o mesmo conteúdo . Contudo, não estamos considerando aqui

as proposições de maneira isolada e sim em conjunto, em pares, e desta maneira há claramente como

distinguirmos as duas proposições de cada par. Acerca da proposição universal afirmativa, por exemplo, como

ela não pode ser convertida de maneira simples, só é válida a conversão por acidente desta proposição, “Todo x é

y” e “Todo y e x” não são lógicamente equivalentes (noção que explicaremos logo na sequência do trabalho),

podendo haver um caso onde uma delas é verdadeira e a outra falsa. É neste sentido que afirmamos que, se não

fixarmos a posição dos termos como sujeito e como predicado, podemos apresentar oito proposições para a

silogística. 69

Keynes utiliza uma notação diferente, na qual a letra que representa o tipo de proposição (“A”, “E”, “I” e “O”)

é colocada em forma minúscula e as letras que representam os termos estão em letra maiúscula. Além disso, ele

mantém a representação do termo sujeito pela letra “S” e do termo predicado pela letra “P”. Assim a

representação de “Todo S é P”, por exemplo, seria “ SaP ”; de “Algum P não é S” seria “ PoS ”. Optamos por

representar os termos por variáveis (“x” e “y”) justamente para não levarmos em conta sua posição fixa nas

proposições.

98

silogística tradicional, pois já que Aristóteles utiliza legitimamente as conversões nos

processos de prova, a alternância de posição dos termos também é legítima para a silogística.

Keynes (1906, p. 132) salienta que as duas proposições universais afirmativas (“ xy ” e

“ yx ”) são independentes entre si. A noção lógica de independência entre duas proposições

ocorre quando nenhuma delas pode ser inferida da outra. Keynes diz que “as proposições

podem ser tais que ambas sejam verdadeiras ao mesmo tempo, ou ambas falsas, ou também

uma verdadeira e a outra falsa” (Keynes, 1906, p. 118, tradução nossa). Assim, “por exemplo,

„Todo S é P‟ e „Todo P é S‟. Tais proposições podem ser chamadas independentes em sua

relação uma à outra”70

(Keynes, 1906, p. 118, tradução nossa). Da mesma maneira “ xy ” e

“ yx ” são também independentes entre si. Já as proposições universais negativas (“ xy ” e

“ yx ”) e as particulares afirmativas (“ xy ” e “ yx ”) não são independentes entre si, elas são,

pelo contrário, equivalentes. Duas proposições são logicamente equivalentes à medida que

uma delas pode ser inferida da outra e vice-versa, assim nesta relação “se qualquer uma das

proposições é verdadeira, a outra também é verdadeira; e se uma é falsa, a outra também é

falsa”71

(Keynes, 1906, p. 117, tradução nossa). As proposições “ xy ” e “ yx ”, assim como

“ xy ” e “ yx ” são equivalentes em função das regras de conversão simples.

Entre duas proposições equivalentes não ocorre nenhuma relação lógica (além, é claro,

da própria relação de equivalência entre elas), assim entre as proposições equivalentes “ xy ”

e “ yx ” e também entre “ xy ” e “ yx ” não ocorre nenhuma outra relação lógica. O

acréscimo de Keynes à silogística, neste momento, consiste em apresentar três novas relações

lógicas entre as quatro outras proposições restantes da silogística (entre “ xy ”, “ yx ”,

“ xy ” e “ yx ”).

De acordo com Keynes (1906, p. 132), entre as proposições universais afirmativas,

quer dizer, entre o par de proposições independentes “ xy ” e “ yx ” ocorre uma relação de

complementaridade. Esta relação de complementaridade estabelece que quando estas duas

proposições são verdadeiras a classe de objetos denotados pelos termos “x” é coextensiva à

classe de objetos denotados pelo termo “y”, isto é, os termos “x” e “y” são extensionalmente

idênticos. Se nos utilizarmos do método diagramático de Keynes para a silogística (sem levar

em conta os termos negativos), apresentado na Seção 1.2.4, a relação de complementaridade

70

“The propositions may be such that they can both be true together, or both false, or either one true and the

other false. For example, „All S is P‟ and „All P is S‟. Such propositions may be called independent in their

relation to one another.” (Keynes, 1906, p. 118). 71

“Hence if either one of the propositions is true, the other is also true; and if either is false, the other is also

false” (Keynes, 1906, p. 117).

99

entre as proposições “ xy ” e “ yx ” pode ser vista na figura “α”72

de Keynes (ver a Figura

1.2.4.2).

Já entre as proposições independentes “ xy ” e “ yx ” ocorre, segundo Keynes (1906,

p. 132), uma relação de subcomplementaridade. Esta relação de subcomplementaridade

estabelece que quando as duas proposições subcomplementares são verdadeiras: primeiro, a

classe de objetos denotados pelo termo “x” e classe de objetos denotados pelo termo “y” não

são coextensivas, quer dizer, estas classes não são extensionalmente idênticas; e segundo, que

nenhuma destas classes está extensionalmente incluída (totalmente) na outra73

. Note-se que a

caracterização fornecida por Keynes desta relação de subcomplementaridade é uma

caracterização negativa, no sentido que estabelece quais relações extensionais entre as classes

denotadas pelos termos (“x” e “y”) não ocorrem (quando as duas proposições

subcomplementares são o caso). Ao contrário, então, da caracterização positiva dada por

Keynes da relação de complementaridade, que especifica exatamente qual a relação que

ocorre entre as classes de objetos denotados pelos termos (à medida que as proposições são

verdadeiras); a relação de subcomplementaridade é definida a partir de uma caracterização

negativa. Neste sentido, em termos diagramáticos esta relação de subcomplementaridade será

representada pela exclusão das figuras “α”, “β” e “γ” de Keynes (Figura 1.2.4.2).

As relações de complementaridade e subcomplementaridade ocorrem, então, entre

proposições do mesmo tipo, entre universais afirmativas e entre particulares negativas,

respectivamente, a última nova relação entre as proposições introduzida por Keynes, nisto que

estamos chamando de ampliação da silogística tradicional, não se dá entre proposições do

mesmo tipo. Ao invés disso, ela ocorre, justamente, entre uma proposição universal afirmativa

e uma particular negativa, trata-se da relação de contracomplementariedade. Afirma Keynes

(1906, p. 132) que a proposição “ xy ” é contracomplementar à proposição “ yx ”, esta

relação estabelece que quando estas duas proposições são verdadeiras a classe de objetos

denotados pelo termo “x” está extensionalmente incluída (totalmente) na classe de objetos

denotados pelo termo “y”, porém esta inclusão não exaure esta classe “y”. Utilizando a

relação de gênero e espécie, discutida na Seção 1.2.1, diríamos que a classe de objetos

72

Considerando a diferença na representação dos termos sujeito e predicado: no método diagramático de Keynes

eles são representados por “S” e “P”, respectivamente, e na nossa apresentação pelas letras “x” e “y”. 73

Dizer que uma classe de objetos não pode estar extensionalmente incluída em outra, já implica que essas duas

classes não são coextensivas; pois a coextensão entre classes é o caso limite de inclusão (total) de uma classe a

outra exaurindo estas classes, quer dizer, sem que existam objetos que não são denotados pelas duas classes

mutuamente. Neste sentido, poderíamos definir esta relação de subcomplementaridade apenas dizendo que,

quando as duas proposições subcomplementares são verdadeiras, a classe de objetos denotados pelo termo “x” e

a classe de objetos denotados pelo termo “y” não estão extensionalmente incluídas (totalmente) uma na outra.

100

denotados pelo termo “x” é uma espécie do gênero formado pela classe de objetos denotados

pelo termo “y”. A figura “β” do método diagramático de Keynes (Figura 1.2.4.2)74

representa

esta relação de contracomplementaridade entre as proposições “ xy ” e “ yx ”.

Também estão em relação de contracomplementaridade, nos diz Keynes (1906, p.

132), as proposições “ yx ” e “ xy ”, neste caso, porém, quando estas duas proposições são

verdadeiras esta relação estabelece que é a classe de objetos denotados pelo termo “y” que

está extensionalmente incluída (totalmente) na classe de objetos denotados pelo termo “x”,

sem com isso exaurir a classe “x”. Ou seja, a relação de contracomplementaridade entre estas

duas proposições (“ yx ” e “ xy ”) estabelece que a classe de objetos denotados pelo termo

“y” é uma espécie do gênero formado pela classe de objetos denotados pelo termo “x”. Na

realidade, nas duas relações de contracomplementaridade será sempre a classe de objetos

denotados pelo termo que está na posição de sujeito da proposição universal afirmativa que

estará extensionalmente incluído (totalmente) na classe de objetos denotados pelo termo

predicado da mesma proposição. Note-se que a caracterização da relação de

contracomplementaridade é também, assim como da relação de complementaridade, uma

caracterização positiva. A figura “γ” de Keynes (Figura 1.2.4.2) mostra esta relação entre

“ yx ” e “ xy ”75

.

O Quadro 2.3.1.2 abaixo resume esquematicamente entre quais proposições se dão

estas três novas relações caracterizadas por Keynes, assim como qual a relação extensional

74

Lembrando que devemos considerar que “S” está por “x” e “P” por “y”. 75

Logo após apresentar estas três novas relações, Keynes faz uma referência em uma nota de rodapé dizendo que

a denominação destas relações foi sugerida por William Ernest Johnson: “Os novos termos técnicos introduzidos

aqui [„complementar‟, „subcomplementar‟ e „contracomplementar‟] têm sido sugeridos pelo Sr. Johnson.”

(Keynes, 1906, p. 132, n. 1, tradução nossa). Nas palavras de Keynes: “The new technical terms here introduced

have been suggested by Mr. Johnson” (Keynes, 1906, p. 132, n. 1). Quando Keynes apresenta a distribuição

diagramática destas relações através do Octógono de Oposições, ele, novamente em nota de rodapé, diz estar em

débito com Johnson: “Pelo octógono de oposições, na forma em que é dado aqui, eu estou em débito com o Sr.

Johnson.” (Keynes, 1906, p. 144, n. 1, tradução nossa). Em suas palavras: “For the octagon of opposition in the

form in which it is here given I am indebted to Mr. Johnson.” (Keynes, 1906, p. 144, n. 1). Contudo, Keynes não

fornece a fonte na obra de Johnson onde estes conteúdos estariam divulgados. Sabemos que Johnson publicou

em 1921 a “Part I” de seu livro Logic, seguida pela “Part II” em 1922 e pela “Part III” em 1924, porém não

tivemos acesso direto a estas obras. Encontramos, todavia, na rede mundial de computadores

(http://www.ditext.com/johnson/logic.html) uma transcrição, realizada por Andrew Chrucky em 2005, de boa

parte destes livros. No “Chapter III” da “Part I” encontra-se, segundo a transcrição de Chrucky, a definição de

proposições complementares (“complementary”), contudo, apesar do termo técnico utilizado ser o mesmo, a

acepção que Keynes dá a ele é diferente da de Johnson. Em Johnson, nesta obra, as proposições “Se p, então q” e

“Se q, então p” são ditas complementares assim como as proposições “Não ambas p e q” e “Ou p ou q”. Johnson,

então, usa o termo “complementar” para identificar pares de proposições formados, por sua vez, por proposições

compostas, quer dizer, ele está utilizando este termo no âmbito da Lógica Proposicional, diferentemente do

escopo de Keynes, que é a silogística. Além disso, cabe notar, que o livro de Keynes é anterior (1906) as obras

de Johnson, neste sentido a fonte de Keynes em Johnson deve derivar de trabalhos anteriores a estes. Não

descartamos também, que estas sugestões de Johnson foram realizadas diretamente acerca do próprio trabalho de

Keynes, já que o dois foram colegas em Cambridge.

101

que ocorre entre os termos (entre as classes de objetos denotados pelos termos) quando estas

proposições são verdadeiras, e ainda quais figuras do método diagramático representam estas

novas relações. Acerca das figuras (última coluna do quadro), na linha que corresponde à

relação de subcomplementaridade estão representadas as figuras que estão desassociadas ou

excluídas desta relação subcomplementar, ou seja, como já dissemos, quando as proposições

que formam o par de subcomplementar são verdadeiras fica excluída sua representação por

meio das figuras “α”, “β” e “γ” de Keynes.

Tipo de relação Proposições Relação extensional entre os termos Figuras

Complementar xy e yx x e y são coextensivos α *

Subcomplementar xy e yx

x e y não são coextensivos

x não está incluído totalmente em y

y não está incluído totalmente em x

α, β, γ **

Contracomplementar xy e yx inclusão total de x em y β *

Contracomplementar yx e xy inclusão total de y em x γ *

Quadro 2.3.1.2 – Novas relações lógicas entre as proposições76

Como se pode perceber, com base no Quadro 2.3.1.2, as novas relações lógicas entre

as proposições não envolvem os pares de proposições equivalentes formados pelas

proposições universais negativas (“ xy ” e “ yx ”) e pelas particulares afirmativas (“ xy ” e

“ yx ”), pois estas, como já dissemos, são convertíveis. Isso traz uma dissimetria na

distribuição destas novas relações entre as proposições, no sentido em que destas oito

proposições da silogística (ou desta silogística ampliada, já que a exposição tradicional da

silogística contém apenas quatro proposições) apenas quatro estão envolvidas nestas novas

relações. Keynes vai fornecer um aumento de simetria na distribuição das novas relações

lógicas entre as proposições, novamente, através do acréscimo de termos negativos ao

sistema, como veremos na Seção 2.3.3.

76

Onde “*” indica a associação da figura às proposições da relação e “**” indica a não associação das figuras às

proposições da relação.

102

Percebe-se também que diferentemente das relações lógicas tradicionais entre as

proposições descritas pelo Quadrado de Oposições, que buscam estabelecer o valor de

verdade de uma proposição com base no valor de verdade da outra, estas novas relações

lógicas dizem respeito, fundamentalmente, às relações extensionais que se dão entre os

termos, quando as duas proposições são verdadeiras. Mais especificamente, estas novas

relações definirão quando dois termos são coextensivos (relação complementar), quando dois

termos estão em relação de inclusão total (relação contracomplementar), e quando isso

(coextensão e inclusão total entre os termos) não ocorre (relação subcomplementar).

Apresentaremos agora, através da Figura 2.3.1.3, um diagrama similar ao Quadrado de

Oposições, este diagrama tem como objetivo apresentar didaticamente as novas relações

lógicas tratadas até aqui. Não se trata ainda do Octógono de Oposições, o qual será exposto na

Seção 2.3.3. Este diagrama da Figura 2.3.1.3 não contém termos negativos, ele apenas

apresenta as três relações lógicas existentes entre as proposições “ xy ”, “ yx ”, “ xy ” e

“ yx ”, por meio das quais estas relações extensionais entre os termos ocorrem.

Figura 2.3.1.3 – Diagrama das novas relações lógicas entre as proposições (sem termos

negativos)

103

Cabe notar, na Figura 2.3.1.3, que quatro das oito proposições estão isoladas no

diagrama, quer dizer, quatro proposições (“ xy ”, “ yx ”, “ xy ” e “ yx ”) não são usadas na

representação das novas relações lógicas. Isso expõe aquela dissimetria na distribuição destas

novas relações, a qual falávamos anteriormente. As linhas tracejadas do diagrama representam

esta ausência de relações lógicas entre as proposições (entre estas proposições que as linhas

tracejadas estão ligando).

2.3.2 Inferências Imediatas

Até agora, segundo a seção anterior, vimos que Keynes descreve três novas relações

lógicas entre proposições que envolvem apenas termos positivos, isso traz uma dissimetria ao

sistema, pois estas novas relações envolvem somente quatro das oito proposições positivas

(que possuem apenas termos positivos) da silogística. Com a introdução formal de termos

negativos à silogística, essa dissimetria será sanada. Veremos, na sequência, que esta

introdução será realizada através de inferências imediatas. Já vimos, na Seção 1.1.2, o

processo de conversão entre proposições, nesta seção, trataremos de inferências imediatas

mais complexas. Apresentaremos, em primeiro lugar, o processo formal de inferência

imediata conhecido como obversão. Em segundo lugar, abordaremos a contraposição;

veremos que Keynes distingue dois processos de contraposição: a contraposição total e a

parcial. Em terceiro lugar, trataremos da inferência imediata conhecida como inversão, que

também pode ser distinguida entre inversão total e inversão parcial. Estas inferências

imediatas, como dissemos, introduzem termos negativos ao sistema lógico, dessa maneira, no

final da seção, poderemos apresentar um quadro contendo trinta e duas diferentes proposições

que formam esta silogística ampliada de Keynes.

Diz Keynes (1906, p. 133) que a obversão é um processo formal de inferência

imediata, no qual a proposição inferida, ou seja, a obversa, mantém o termo sujeito da

proposição original, mas tem como seu predicado o complemento do termo predicado da

proposição original. Além disso, para que este processo seja válido, deve-se alterar a

qualidade da proposição inferida. Alterando a qualidade da proposição, então, podemos

validamente trocar o termo predicado da proposição pelo seu complemento, obtendo assim a

proposição obversa. Este processo ou regra de inferência imediata é legítimo para todos os

tipos de proposições.

104

Apresentaremos no Quadro 2.3.2.1 abaixo a obversão das oito proposições positivas

(que envolvem apenas termos positivos) para a silogística, das quais falamos na seção

anterior. Na notação empregada, representaremos os termos negativo “não-x” e “não-y” pelos

símbolos “ x ” e “ y ”, respectivamente, o traço acima destas letras indica, então, que estes

termos são negativos77

.

Proposição Original Obversa

xy yx

yx xy

xy yx

yx xy

xy yx

yx xy

xy yx

yx xy

Quadro 2.3.2.1 – Obversão

O Quadro 2.3.2.1 mostra que o processo formal de obversão introduz termos negativos

na posição de predicado nas proposições, a validade deste processo depende de dois

princípios muito básicos na Lógica, a saber, do Princípio de Não Contradição e do Princípio

do Terceiro Excluído. O Princípio de Não Contradição garante o processo de obversão das

proposições que envolvem termos positivos, pois este princípio nos diz que se algo (“x”, no

caso) é “y”, então ele não pode ser “não-y”, por isso é válido obtermos “Nenhum x é não-y” a

partir de “Todo x é y”78

. Já o processo inverso, quer dizer, inferir “Todo x é y” de “Nenhum x

77

Keynes, como já dissemos em nota, tem uma notação diferente, ele coloca a letra que representa o tipo de

proposição de maneira minúscula e as letras que indicam os termos de maneira maiúscula. Assim, sua

representação dos termos negativos também será diferente, ao invés do traço acima da letra, ele vai colocar um

sinal semelhante a um apóstrofo após a letra que está pelo termo, para indicar que ele é negativo. A

representação da proposição “Todo não-S é P”, por exemplo, é “ aPS ”; da proposição “Algum não-S é não-P”

é “ PiS ”, e assim por diante. 78

A validade da obversão envolvendo as demais proposições positivas (que possuem apenas termos positivos) é

garantida também pelo Princípio de Não Contradição.

105

é não-y” é garantido pelo Princípio do Terceiro Excluído, o qual nos diz que se algo (“x”) não

é “não-y” então ele é “y”. Assim, a validade do processo de obversão envolvendo proposições

que tem apenas termos positivos depende do Princípio de Não Contradição e a validade da

obversão para proposições que possuem termos negativos (na posição de predicado) é

garantida pelo Princípio do Terceiro Excluído. (Keynes, 1906, p. 134)

Apresentaremos ainda na sequência os processos formais de contraposição (total e

parcial) e de inversão (total e parcial). Porém, cabe dizermos, que se admitirmos o uso de

termos negativos (e Keynes justificou teoricamente sua admissão, como explicamos na Seção

2.2) poderemos obter as trinta e duas proposições diferentes desta silogística ampliada, apenas

com base nos processos de conversão e obversão. No final desta seção veremos isso de

maneira clara.

A contraposição é um processo formal que tem por objetivo inferir, a partir de certa

proposição dada, outra proposição que tenha como sujeito o complemento do termo que está

na posição de predicado na proposição original. Neste sentido, se uma proposição tem “x”

como termo sujeito e “y” como termo predicado, o objetivo da contraposição é inferir, por

inferências imediatas, uma proposição, a proposição contrapositiva, que tenha “não-y” como

termo sujeito. Keynes (1906, pp. 134-136) distingue dois tipos de contraposição: a total e a

parcial. Dissemos que o objetivo da contraposição é colocar o complemento do termo

predicado da proposição original na posição de sujeito, porém não falamos nada acerca de

qual termo será o predicado da contrapositiva. A distinção entre contraposição total e parcial

diz respeito, justamente, a qual termo estará pelo predicado na contrapositiva: se for um termo

positivo a contraposição será parcial, se for um negativo será total.

O processo formal de contraposição parcial se dará através da realização de uma

obversão da proposição original, seguida de uma conversão desta obversa. A contraposição

parcial, nada mais é então, que um processo que envolve duas outras inferências imediatas:

uma obversão, seguida de uma conversão. Este processo é válido para proposições do tipo

“A”, “E” e “O”, a proposição particular afirmativa (“I”) não tem contrapositiva, isso porque a

obversa de uma proposição “I” é uma proposição do tipo “O”, que, como já sabemos, não

pode ser convertida.

Já a contraposição total consiste em um processo de obversão da proposição original,

seguido de uma conversão desta obversa, seguido novamente por outra obversão desta

conversa. A contraposição total então envolve três inferências imediatas: uma obversão

seguida de uma conversão, seguida novamente de uma obversão. No Quadro 2.3.2.2 abaixo

106

resumiremos sistematicamente o que falamos apresentando as proposições contrapositivas

(totais e parciais) dos oito tipos de proposições positivas desta silogística ampliada de Keynes.

Proposição original Obversa Contrapositiva Parcial Contrapositiva Total

xy yx xy xy

yx xy yx yx

xy yx xy xy

yx xy yx yx

xy yx Inferência inválida

yx xy Inferência inválida

xy yx xy xy

yx xy yx yx

Quadro 2.3.2.2 – Contraposição total e parcial

Na primeira coluna do Quadro 2.3.2.2 temos as oito proposições positivas (que tem só

termos positivos) para a silogística; na segunda coluna temos as proposições obversas destas

proposições; as proposições da terceira coluna, ou seja, as proposições contrapositivas

parciais das proposições originais, foram obtidas através de uma conversão das proposições

obversas da segunda coluna; e por fim, realizando mais um processo de obversão obtemos, na

quarta coluna, as proposições contrapositivas totais.

Note-se que nas proposições contrapositivas parciais o termo predicado é sempre

positivo, contudo realizando mais um processo de obversão (quarta coluna), o predicado se

transformará em um termo negativo. Note-se também que no processo de contraposição total

apenas as proposições do tipo “E” alteram sua quantidade, as proposições inferidas pela

contraposição total de proposições do tipo “A” e “O” mantêm a sua quantidade e qualidade79

.

A validade do processo de contraposição não precisa ser demonstrada, já que ele se baseia

fundamentalmente na obversão, a qual já justificamos.

79

Por isso, Keynes (1906, p. 136), seguindo analogamente a nomenclatura das conversões, enfatiza a diferença

entre os dois tipos de contraposição, chamando as contraposições de “A” e “O” de contraposição simples e a

contraposição de “E” de contraposição por acidente.

107

Passemos agora ao processo formal de inferência imediata conhecido como inversão.

O objetivo desta inferência imediata, nos diz Keynes (1906, pp. 137-139), é inferir, a partir de

certa proposição dada, uma nova proposição que tenha o complemento do termo que está na

posição de sujeito na proposição original como sujeito na nova proposição, ou seja, na

proposição inversa. Se a proposição original tem o termo “x” como sujeito, o objetivo da

inversão consiste, então, em inferir uma proposição que tenha “não-x” como sujeito. Keynes

também faz uma distinção entre os processos de inversão total e inversão parcial, conforme se

o termo que está pelo predicado da proposição inversa seja positivo ou negativo. Novamente,

se chegarmos a um termo predicado negativo o processo formal será de inversão total, e se

chegarmos a um positivo teremos uma inversão parcial.

As proposições inversas (totais e parciais) são obtidas também através de um processo

que alterna conversões e obversões, por isso a inversão será válida apenas para proposições do

tipo “A” e “E”. A inversão total de uma proposição universal afirmativa (“A”) é obtida, então,

realizando-se uma conversão da contrapositiva total desta proposição. A contrapositiva total

de “ xy ” é “ xy ” realizando uma conversão por acidente desta última proposição obtemos a

proposição inversa total de “ xy ”, que é “ yx ”. Agora, se realizarmos mais uma obversão

desta proposição inversa total (“ yx ”), obteremos a proposição inversa parcial de “ xy ”, a

saber, “ yx ”.

Para resumir, chegamos à proposição inversa total de “A” (de “ xy ”) alternando

processos de obversão e conversão até encontrarmos “ x ” como sujeito e “ y ” como

predicado (“ yx ”); e chegamos à inversa parcial de “A” (de “ xy ”) realizando uma obversão

de sua inversa total, obtendo assim “ x ” como sujeito e “y” como predicado (“ yx ”).

(Keynes, 1906, p. 138)

As proposições inversas (totais e parciais) de “E” também são obtidas de maneira

semelhante, porém aqui alternamos processos de conversão seguidos de obversão. Neste

sentido, para encontrarmos a proposição inversa parcial de “ xy ”, por exemplo, devemos

realizar um processo de conversão, seguido de uma obversão, seguido novamente de uma

conversão, assim chegaremos a “ yx ”, a inversa parcial de “ xy ”. Agora, se efetuarmos mais

um processo de obversão desta proposição inversa parcial (“ yx ”), chegaremos a inversa total

de “ xy ”, que é “ yx ”. (Keynes, 1906, p. 138)

Resumiremos no Quadro 2.3.2.3 abaixo o processo formal de inversão:

108

Proposição original Inversa Parcial Inversa Total

xy yx yx

yx xy xy

xy yx yx

yx xy xy

Quadro 2.3.2.3 – Inversão total e parcial

O Quadro 2.3.2.3 apresenta as inversões totais e parciais das proposições do tipo “A” e

“E”, que envolvem termos positivos. Não justificaremos a validade do processo formal de

inversão já que ele também se baseia fundamentalmente na obversão, na realidade, tanto a

inversão como a contraposição são obtidas pela alternância de processos de conversões e

obversões80

. Através destes processos de inferência imediata Keynes introduz formalmente

termos negativos à silogística. Apresentaremos agora, por meio da Figura 2.3.2.4, uma tabela

contendo as trinta e duas possíveis proposições envolvendo dois termos quaisquer e seus

complementos.

Figura 2.3.2.4 – Tabela de equivalência lógica entre proposições contendo dois termos e seus

complementos (Keynes, 1906, p. 141)

80

Voltaremos a tratar do processo formal de inferência imediata denominado inversão no Apêndice A.

109

As proposições contidas na Figura 2.3.2.4 estão representadas pela a notação de

Keynes, apresentaremos aqui as proposições conforme esta notação porque esta também é a

notação usada no Octógono de Oposições81

, que será tratado na seção seguinte. É, então,

possível formular trinta e duas diferentes proposições para a silogística acrescendo os

complementos dos termos positivos. Estas trinta e duas proposições formam oito grupos

logicamente independentes entre si de proposições (as oito linhas de proposições da Figura

2.3.2.4), cada um deles contendo quatro proposições logicamente equivalentes entre si. Entre

as proposições universais temos quatro grupos logicamente independentes, que Keynes

representa por “ ”, “”, “ ” e “ ”; e entre as proposições particulares temos mais quatro

grupos logicamente independentes: “ ”, “ ”, “ ” e “ ”. A letra “ ”, então, representa a

proposição “ SaP ” e suas equivalentes “ PSe ”, “ eSP ” e “ SaP ”; “” representa “ PaS ”

e suas equivalentes, e assim por diante.

As proposições da coluna “ii” podem ser obtidas através da obversão das proposições

da coluna “i”; as proposições da coluna “iii” podem ser obtidas por conversão das proposições

da coluna “ii”; e, por fim, a coluna “iv” pode ser obtida por obversão da “iii”. É neste sentido

que dissemos anteriormente que se aceitarmos o uso de termos negativos, poderemos formar

todas as proposições possíveis para a silogística apenas com base nos processos formais de

conversão e obversão.

2.3.3 Termos negativos e as novas relações lógicas

Mostramos nas seções anteriores como Keynes chegou às trinta e duas proposições

para a silogística. Devemos agora considerar quais as relações lógicas existentes entre estas

proposições que formam esta silogística ampliada, isso se dará através da apresentação do

Octógono de Oposições.

O Octógono de Oposições é uma figura que busca sistematizar didaticamente as

relações lógicas existentes entre as trinta e duas proposições possíveis de serem formadas com

base em dois termos e seus complementos. Estas trinta e duas proposições, como dissemos

(ver Figura 2.3.2.4), estão divididas em oito grupos logicamente independentes entre si

(dentro dos quais existem quatro proposições logicamente equivalentes entre si), dessa

81

Já mostramos como adequar a notação de Keynes a nossa, neste caso basta considerar que o termo “S” está

pelo termo “x” e o termo “P” pelo termo “y”, assim como seus respectivos complementos.

110

maneira, se faz necessário a consideração de apenas oito destes trinta e dois tipos de

proposições, cada uma delas representando um grupo composto por quatro proposições

equivalentes. São elas, na notação de Keynes, “ SaP ”, “ PaS ”, “ SeP ”, “ PeS ”, “ SiP ”,

“ PiS ”, “ SoP ” e “ PoS ” representadas no Octógono de Oposições por “ ”, “”, “ ”,

“ ”, “ ”, “ ”, “ ” e “ ”, respectivamente. A Figura 2.3.3.1 abaixo expõe Octógono de

Oposições:

Figura 2.3.3.1 – Octógono de Oposições (Keynes 1906, p. 144)

Utilizamos momentaneamente a notação usada por Keynes para que pudéssemos

introduzir mais facilmente o Octógono de Oposições, voltaremos agora a empregar a nossa

notação, porém faremos um pequeno acréscimo: quando quisermos representar uma

111

proposição que tem os dois termos negativos usaremos o apóstrofo depois da letra que indica

o tipo de proposição correspondente. Por exemplo, anteriormente usávamos a expressão

“ yx ” para representar “Todo não-x é não-y”, agora também usaremos a expressão “ xy ”,

isso facilitará a visualização no Octógono de Oposições, já que lá elas são representadas desta

maneira.

Consideraremos, acerca do Octógono de Oposições, primeiramente, as relações

lógicas já contidas no Quadrado de Oposições, ou seja, apresentaremos quais proposições

estão em relação de contraditoridade, contraridade, subcontraridade e subalternidade.

Posteriormente, trataremos das novas relações lógicas (complementaridade,

subcomplementaridade e contracomplementaridade), já apresentadas na Seção 2.3.1.

Nesta silogística ampliada pelos termos negativos, então, existem quatro pares de

opostas contraditórias (formados por proposições não equivalentes ou logicamente

independentes), são elas: “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e

“ xy ”. Lembrando, novamente, que cada uma destas proposições é logicamente equivalente a

outras três proposições (ver Quadro 2.3.2.4), assim as relações entre as proposições descritas

aqui são válidas também para as proposições equivalentes a estas. Por exemplo, o par de

opostas contraditórias “ xy ” e “ xy ” é equivalente aos pares “ xy ” e “ xy ”, “ yx ” e

“ yx ”, “ yx ” e “ yx ”, sendo assim todos estes pares de proposições estão em relação de

oposição contraditória, o mesmo vale para os pares equivalentes as demais proposições. As

oito linhas diagonais centrais do Octógono de Oposições, conforme a Figura 2.3.3.1,

representam esta relação de oposição contraditória.

Cabe notar que todos os oito grupos logicamente independentes de proposições estão

envolvidos na relação de oposição contraditória, desta maneira, todas as trinta e duas

proposições desta silogística ampliada também estão envolvidas na relação de

contraditoriedade. Como já dissemos na Seção 1.3 a validade desta relação não exige

pressuposto existencial de nenhum dos termos envolvidos, nem dos termos “x” e “y”, nem

dos seus complementos.

Passemos agora para a relação de oposição contrária, existem quatro pares de opostas

contrárias (não equivalentes), a saber: “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”,

“ xy ” e “ xy ”. Esta relação é representada no Octógono de Oposições por uma linha

pontilhada horizontal na parte superior do diagrama, cada linha pontilhada, então, substitui

quatro linhas de ligação entre duas proposições não equivalentes. Para que esta relação de

oposição seja válida devemos pressupor a existência do termo sujeito no primeiro par, do

112

complemento do termo predicado no segundo par, do termo predicado no terceiro par e do

complemento do termo sujeito no último par.

A relação de oposição subcontrária também envolve quatro pares de proposições (não

equivalentes): “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”. A

validade desta relação depende do pressuposto existencial do termo sujeito no primeiro par,

do termo predicado no segundo, do complemento do predicado no terceiro e do complemento

do sujeito no quarto. A relação subcontrária é representada por uma linha pontilhada

horizontal na parte inferior do diagrama.

E por fim a relação de subalternidade ocorre entre oito pares de proposições (não

equivalentes): “ xy ” é subalterna de “ xy ” “ xy ” é subalterna de “ xy ”, “ xy ” é

subalterna de “ xy ”, “ xy ” é subalterna de “ xy ”, “ xy ” é subalterna de “ xy ”, “ xy ”

é subalterna de “ xy ”, “ xy ” é subalterna de “ xy ”, “ xy ” é subalterna de “ xy ”. A

validade desta relação pressupõe a existência do termo sujeito nos dois primeiros pares, do

complemento do termo sujeito no terceiro e quarto pares, do termo predicado no quinto e

sexto pares e do complemento do termo predicado nos dois últimos pares. Esta relação é

representada no Octógono de Oposições pelas duas linhas pontilhadas verticais. Cabe notar

que, do mesmo modo como ocorre no Quadrado de Oposições, apenas a validade da oposição

contraditória não depende de compromissos existenciais.

Na sequência vamos tratar das novas relações entre as proposições relacionadas com

estes oito grupos não equivalentes de proposições. Lembrando que, como já dissemos na

Seção 2.3.1, quando estas novas relações são consideradas apenas acerca de proposições

positivas (que tem apenas termos positivos), existe uma certa dissimetria no sistema lógico,

no sentido em que somente a metade (quatro das oito) das proposições estão envolvidas nestas

novas relações lógicas.

Se ampliarmos a silogística acrescendo termos negativos não teremos apenas um par

de proposições complementares, mas sim dois pares (de proposições logicamente

independentes): “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”. Como já foi dito, esta relação lógica

estabelece que quando as duas proposições complementares são verdadeiras a classe de

objetos denotados pelo sujeito é coextensiva a classe de objetos denotados pelo predicado.

Neste caso aqui, à medida que as duas proposições de cada par complementar são verdadeiras,

esta relação lógica vai determinar: no primeiro par, que o termo “ x ” é coextensivo ou

extensionalmente idêntico ao termo “ y ” e também que o termo “ x ” é coextensivo ao termo

113

“ y ”; e no segundo par, que o termo “ x ” é coextensivo ao termo “ y ” e que o termo “ x ” é

coextensivo ao termo “ y ”. (Keynes, 1906, p. 143)

A relação subcomplementar também vai envolver dois pares de proposições

(logicamente independentes): “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”. Quando as duas proposições

de cada para são o caso, esta relação lógica estabelece: acerca do primeiro par de proposições,

que os termos “ x ” e “ y ” não são nem coextensivos, nem um deles está extensionalmente

incluído (totalmente) no outro, o mesmo vale para os termos “ x ” e “ y ”; e sobre o segundo

par, que os termos “ x ” e “ y ” não são nem coextensivos, nem um está extensionalmente

incluído (totalmente) no outro, o mesmo vale também para os termos “ x ” e “ y ”. (Keynes,

1906, p. 143)

Por fim, a relação de contracomplementaridade vai ocorrer entre quatro pares de

proposições (logicamente independentes): “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e “ xy ”, “ xy ” e

“ xy ”, “ xy ” e “ xy ”. À medida que as duas proposições de cada par de

contracomplementares são o caso, esta relação lógica vai estabelecer: no primeiro par, que o

termo “ x ” está extensionalmente contido (totalmente) no termo “ y ” e que o termo “ y ” está

também extensionalmente contido (totalmente) no termo “ x ”; no segundo par, que “ x ” está

extensionalmente contido (totalmente) em “ y ” e também que “ y ” está totalmente contido

em “ x ”; no terceiro par, que “ x ” está totalmente contido em “ y ” e que “ y ” está totalmente

contido em “ x ”; e no quarto e último par, que “ x ” está totalmente contido em “ y ” e

também que o termo “ y ” está extensionalmente contido (totalmente) no termo “ x ”. (Keynes,

1906, pp. 143-144)

Cabe notar que todos os oito grupos logicamente independentes de proposições, e

assim, consequentemente, todas as trinta e duas proposições possíveis, estão envolvidas nas

novas relações lógicas. Ao contrário, então, de somente a metade das proposições estarem

vinculadas a estas relações, como ocorre se considerarmos apenas termos positivos, nesta

silogística ampliada pelos termos negativos ocorre uma maior simetria na distribuição das

destas novas relações entre os pares de proposições. O próprio diagrama do Octógono de

Oposições, comparado com a Figura 2.3.1.3 que expõe estas relações entre as proposições

positivas (que tem apenas termos positivos) somente, serve para demonstrar essa maior

simetria.

Salientamos também que nenhuma destas novas relações lógicas entre as proposições

(complementaridade, subcomplementaridade e contracomplementaridade) exige o

114

comprometimento existencial de qualquer um dos termos envolvidos, nem dos termos

positivos nem de seus respectivos complementos. Assim, voltando a discussão que

levantamos na Seção 1.3, se sustentarmos que a Lógica não deve ter esse tipo de compromisso

ontológico, caracterizado pela pressuposição de existência dos termos, então estas novas

relações lógicas descritas por Keynes juntamente com a oposição contraditória devem ser

assumidas como as únicas relações lógicas legítimas na silogística. Já que as demais relações

entre as proposições (contraridade, subcontraridade e subalternidade) exigem este tipo de

compromisso ontológico para, do ponto de vista da Lógica contemporânea, garantir sua

validade.

Contudo, como já dissemos, entender a silogística apenas sob a ótica da Lógica

Matemática contemporânea e assim não considerar as relações lógicas criadas por Aristóteles,

seria negligenciar as razões pelas quais ele desenvolve a sua teoria da dedução, razões estas

que vão além deste aspecto puramente formal. Além disso, cabe salientarmos, que as

situações que tornam as relações de contraridade, subcontraridade e subalternidade inválidas,

a saber, quando as proposições universais são vacuamente verdadeiras ou quando as

particulares são vacuamente falsas, são situações incomuns para a silogística. Ou seja, se não

considerarmos o pressuposto existencial dos termos poderemos chegar a situações que sirvam

de contraexemplo, segundo a Lógica contemporânea, para a validade destas relações lógicas,

porém não se tratam de situações comuns no uso da silogística.

Apresentaremos ainda, outro Octógono de Oposições proposto por Edward Hacker,

em 1975, em seu breve artigo “The Octagon of Opposition”, publicado no “Notre Dame

Journal of Formal Logic”. Este octógono lógico de oposições de Hacker também relaciona as

trinta e duas proposições possíveis para a silogística se considerarmos dois termos quaisquer e

seus complementos.

Porém as relações entre as proposições que Hacker expõe diagramaticamente são

apenas aquelas contidas no Quadrado de Oposições. A Figura 2.3.3.2 abaixo mostra este

Octógono de Oposições de Hacker. Como pode ser visto então, através da Figura 2.3.3.2, as

linhas que contém as letras “cy” representam as relações de oposição contrária, as linhas que

tem as letras “s-cy” representam a oposição subcontrária, as linhas com as setas direcionadas

para baixo representam as relações de subalternidade, e, por fim, as linhas diagonais que estão

assinaladas por um círculo no centro do diagrama representam a oposição contraditória. Desta

maneira, este diagrama de Hacker não abarca as novas relações lógicas para a silogística

(complementaridade, subcomplementaridade e contracomplementaridade) trabalhadas nesta

seção.

115

Figura 2.3.3.2 – Octógono de Oposições de Hacker (Hacker, 1975, p. 353)

Para finalizar, queríamos dizer que, analogamente ao que ocorre no Quadrado de

Oposições, designa-se todas as relações contidas no Octógono de Oposições (da Figura

2.3.3.1) como relações de oposição. Como se percebeu, optamos por não denominá-las assim,

apesar de que, conforme a definição que apresentamos em nota no início da Seção 1.3, estas

novas relações lógicas ocorrem, muitas vezes, entre proposições com qualidades diferentes, e

assim deveriam ser, propriamente, caracterizadas por relações de oposição. Contudo, o que

estas relações lógicas buscam estabelecer, e este é o ponto que queremos enfatizar, não são,

116

essencialmente, as oposições (as relações) entre o valor de verdade de uma proposição e o

valor de verdade de outra, como fazem as relações de oposições tradicionais da silogística.

Em vez disso, o que sim, fundamentalmente, estas novas relações lógicas estabelecem são as

relações extensionais que ocorrem entre os termos e seus respectivos complementos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação apresentou e discutiu a ampliação que Keynes fez da silogística

através do acréscimo formal de termos negativos. Antes, porém, de entrarmos diretamente

neste tema, realizamos, no Capítulo 1, uma apresentação sistemática da silogística tradicional

aristotélica, além de uma exposição de alguns métodos diagramáticos para testar a validade

das inferências na silogística. Entre os métodos diagramáticos expostos, destacamos o método

de Keynes envolvendo a representação dos termos negativos, o qual foi desenvolvido a partir

do conhecido método diagramático com figuras circulares de Euler.

Os conteúdos apresentados no Capítulo 1, referentes à silogística tradicional, serviram

de base para elucidarmos, no Capítulo 2, as ampliações que Keynes realizou; já que na época

de Keynes, quer dizer, no final do século XIX e início do século XX, a silogística ainda era

tomada como o modelo teórico no estudo da Lógica. Assim, na comparação da silogística

tradicional com a silogística ampliada de Keynes, observamos, na Seção 2.3, um aumento do

número de proposições possíveis nesta última silogística (a de Keynes) em relação à

silogística tradicional. Com efeito, ao considerar dois termos quaisquer (“ x ” e “ y ”),

independentemente de sua posição como sujeito ou como predicado, Keynes pôde formar,

com o acréscimo dos termos negativos (“ x ” e “ y ”), um conjunto de trinta e duas

proposições diferentes na sua silogística ampliada; um número quatro vezes superior àquele

formado pelas oito proposições possíveis na silogística tradicional.

Contudo, o uso dos termos negativos na Lógica era, na época de Keynes (e ainda hoje,

porém em menor medida) fonte de discussão. Neste sentido, fazia-se necessária uma

argumentação que amparasse a concepção de Keynes acerca dos termos negativos, uma

argumentação que legitimasse este uso formal destes termos na silogística. Foi justamente

isso o que fizemos na Seção 2.2, mostrando que, sob um ponto de vista intensional, Keynes

entende que o termo negativo e seu correspondente positivo dizem respeito a um mesmo

conceito; ou seja, em uma análise intensional destes termos há uma única coleção de notas

características comuns a um termo positivo e ao seu correspondente termo negativo.

Entretanto, do ponto de vista extensional, Keynes entende o termo negativo como o

complemento absoluto do correspondente termo positivo, ou seja, como o complemento do

termo positivo em relação ao universo do discurso. E é esta concepção extensional acerca dos

termos negativos que vai legitimar seu uso formal na silogística. Ou seja, a interpretação

118

extensional que Keynes fez dos termos negativos propicia a introdução de uma notação

independente para estes termos, que podem ser representados por “ x ” e “ y ”, isto é, uma

notação diferente daquela empregada para representar os termos positivos (“ x ” e “ y ”).

Keynes justifica as trinta e duas proposições diferentes na silogística, como vimos na

Seção 2.3, por meio da consideração de quatro tipos de inferências imediatas. Além do

processo formal de conversão, que já está presente na silogística tradicional, Keynes valida

mais três tipos destes processos formais, a saber: a obversão, a contraposição (parcial e total)

e a inversão (parcial e total). Cabe notar, então, que na silogística ampliada de Keynes se dá

um aumento significativo do número de inferências imediatas válidas em relação à silogística

tradicional; aumento este decorrente do uso formal dos termos negativos.

Estas trinta e duas proposições diferentes da silogística de Keynes podem ser

divididas, com base nos processos de inferências imediatos mencionados acima, em oito

grupos logicamente independentes de proposições, cada um deles contendo quatro

proposições logicamente equivalentes entre si; estes oito grupos de proposições formam o

Octógono de Oposições de Keynes. O Octógono de Oposições representa didaticamente as

diferentes relações lógicas entre as proposições desta silogística ampliada. Além das quatro

relações contidas no Quadrado de Oposições, a saber, a relação de contraditoridade, de

contraridade, de subcontraridade e de subalternação, o Octógono de Oposições contém as

relações de complementaridade, de subcomplementaridade e de contracomplementaridade.

Salientamos, então, que na silogística ampliada de Keynes ocorre um aumento das relações

lógicas entre as proposições.

A relação de complementaridade afirma que, se as duas proposições que formam o par

complementar são verdadeiras, então seus termos são extensionalmente idênticos

(coextensivos). A relação de subcomplementaridade estabelece que, em caso das duas

proposições que formam o par subcomplementar serem verdadeira, os seus termos não serão

nem coextensivos nem um estará extensionalmente incluído no outro. Por fim, a relação de

contracomplementaridade estabelece uma relação de inclusão extensional entre os termos que

formam o par de proposições contracomplementar. Desse modo fica claro que o intuito destas

novas relações lógicas descritas por Keynes, as quais são apresentadas por ele mesmo antes da

consideração dos termos negativos na silogística, é estabelecer o tipo de relação extensional

que se dá entre os termos à medida que duas determinadas proposições são verdadeiras.

Destacamos que a vigência de nenhuma destas três relações no Octógono de Oposições

119

depende do pressuposto existencial dos termos envolvidos, do mesmo modo como ocorre com

a relação de oposição contraditória.

Já na Seção 1.2, quando apresentamos os dois grupos de diagramas de Keynes, o

primeiro, contendo figuras que representam apenas termos positivos, e o segundo, com figuras

que envolvem a representação de termos positivos e negativos, mostramos que o método

diagramático com termos negativos traz um aumento de simetria entre o número de figuras

associadas a cada proposição. No Apêndice A de nossa dissertação exemplificaremos o uso

destes métodos diagramáticos de Keynes através da demonstração de algumas inferências

(imediatas e mediatas) na silogística. Veremos que a concepção de negação terminística de

Keynes obedece ao Princípio do Terceiro Excluído e que ela é diferente do uso que fazemos

dos termos negativos na linguagem coloquial. Apresentaremos, entretanto, um método

diagramático onde o termo positivo e o negativo não necessariamente se complementam no

universo do discurso, ou seja, apresentaremos um método diagramático no qual a negação de

termos não obedece ao Princípio do Terceiro Excluído. Este método valida todas as

inferências imediatas que são válidas também na silogística com termos complementares.

Ficará em aberto a questão de se as inferências mediatas, quer dizer, os modos

silogísticos, serão validados também neste método diagramático que faz uso de uma negação

terminística não clássica. Aliás, se a silogística pode abarcar dois tipos de negação, a saber,

uma negação judicativa clássica e uma negação terminística não clássica, podemos pensar se

o mesmo pode ser realizado acerca da Lógica contemporânea. Neste sentido caberia um

estudo subsequente tratando, por exemplo, de como funcionaria uma Lógica Quantificacional

em que as negações aplicadas às fórmulas abertas não obedecessem ao Princípio do Terceiro

Excluído, e, por outro lado, as negações aplicadas às fórmulas fechadas obedecessem a ele.

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Apêndice A - Vantagens e Desvantagens do Uso dos Termos Negativos

Keynes concebe um termo negativo como sendo o complemento extensional do seu

correspondente termo positivo relativamente ao universo do discurso, neste sentido, a negação

de termos, ou negação terminística, obedece, para Keynes, ao Princípio do Terceiro Excluído.

Assim, quando consideramos um termo positivo e o seu correspondente negativo o universo

do discurso fica dividido em, apenas, duas partições: a partição que contém os objetos

denotados pelo termo positivo, e a partição que contém os objetos denotados pelo termo

negativo. Poderíamos entender esta acomodação ao Princípio do Terceiro Excluído da

negação terminística como uma desvantagem na aceitação do uso dos termos negativos na

silogística, já que deste modo a denotação dos termos negativos fica formada por um conjunto

bastante heterogêneo de objetos, ao ponto de questionarmos se estes termos possuem

significação. Isto é o que Keynes (1906, p. 59) chama de caráter indefinido ou infinito dos

termos negativos, porém para ele, isso, ao contrário de representar uma desvantagem, é, na

verdade, justamente o que fornece significação aos termos negativos: sua significação é dada

em função de sua extensão, os termos negativos, como dissemos, são o complemento

extensional dos termos positivos, ao passo que intensionalmente eles se referem ao mesmo

conceito. Os conceitos dos objetos denotados pelo termo negativo são marcados pela ausência

de uma ou mais notas que compõem a conotação do termo positivo correspondente82

. Assim,

antes de ser uma desvantagem, a adequação ao Princípio do Terceiro Excluído da negação

terminística é o que, para Keynes, fundamenta o seu uso extensional na silogística.

Trataremos, neste apêndice, de algumas outras vantagens e desvantagens do uso dos

termos negativos no âmbito da silogística, considerando, principalmente, a aceitação ou a não

aceitação do Princípio do Terceiro Excluído na negação de termos. Para isso consideraremos

algumas das ideias contidas no artigo de Ross “Inversion and the Diagrammatic

Representation of Negative Terms”83

. Neste artigo Ross exemplifica o uso dos termos

negativos na Lógica a partir da consideração da inferência imediata conhecida como inversão,

e com base nisso avalia as vantagens e desvantagens do uso destes termos.

82

Apresentamos esta discussão que diz respeito ao significado dos termos negativos, a concepção extensional de

Keynes acerca dos mesmos, ao seu caráter indefinido ou ilimitado, assim como outras considerações já na Seção

2.2. 83

ROSS, 1913.

126

Inicialmente relembraremos, acompanhando paralelamente o texto de Ross, este

processo formal de inferência imediata conhecido como inversão e apresentaremos as provas,

utilizando o método diagramático de Keynes para a silogística incluindo termos negativos, da

validade desta inferência imediata. Em segundo lugar, destacaremos o aumento do número de

inferências imediatas possíveis na silogística com a consideração dos termos negativos,

apresentaremos, no momento, um novo tipo de inferência imediata que chamaremos de

“conversão obvertida”. Em terceiro lugar, veremos em que medida a aceitação do Princípio do

Terceiro Excluído em relação à negação terminística influencia na validade destas inferências

imediatas abarcadas por esta silogística ampliada; voltaremos ao exemplo da inversão e

analisaremos um argumento de Ross para a invalidade desta inferência imediata levando em

conta o uso prático dos termos negativos em nossa comunicação através da linguagem

coloquial. Por fim, apresentaremos um método diagramático para uma “silogística” que não

necessariamente considere que o termo positivo e o seu correspondente negativo se

complementam no universo do discurso; e veremos que a validade de todas as inferências

imediatas expostas aqui é garantida por este método.

Keynes (1906, p. 137) destaca que o processo formal de inversão serve para obtermos

inferencialmente uma proposição que tenha o complemento do termo sujeito da proposição

original na posição de sujeito na proposição inferida, quer dizer, na proposição inversa. Deste

modo se temos na proposição original o termo “x” como sujeito, então, o objetivo do processo

de inversão é obter uma proposição (a proposição inversa) com o termo “não-x” como sujeito.

Para isso tanto a qualidade quanto a quantidade pode ser alterada da proposição original para

a proposição inversa. Keynes distingue ainda dois tipos de inversões: a inversão parcial e a

inversão total, na inversão parcial o termo predicado se mantém inalterado na proposição

inversa, já na inversão total a proposição inversa tem como predicado o complemento do

termo que se encontra na posição de predicado na proposição original.

O processo formal de inversão (do mesmo modo que o processo de inferência imediata

conhecido como contraposição) envolve os processos de conversão e de obversão, isto é, para

chegarmos a uma proposição que tenha o complemento do termo sujeito da proposição

original na posição de sujeito na proposição inferida devemos alternar processos de conversão

e de obversão. Existem duas maneiras de se fazer isso: primeiro, iniciando o processo formal

por uma conversão da proposição original, seguida de uma obversão, seguida novamente de

uma conversão, e assim por diante, até chegarmos à proposição inversa desejada; e segundo,

iniciando o processo formal por uma obversão, alternando na sequência conversões e mais

obversões até chegarmos à proposição inversa. É isso o que Keynes (1906, pp. 137-138) faz

127

para proposições que contenham apenas termos positivos e que, além disso, tenham fixado o

termo “S” como sujeito e o termo “P” como predicado, ou seja, ele mostra quais das

proposições “Todo S é P”, “Nenhum S é P”, “Algum S é P” e “Algum S não é P” admitem o

processo de inversão.

A conclusão de Keynes (1906, pp. 137-139) é que iniciando pelo processo de

conversão seguida pela obversão apenas a proposição universal negativa “Nenhum S é P” está

sujeita validamente à inversão (parcial e total). A prova para este processo formal de inversão

é a seguinte:

Nenhum S é P. Proposição Original

Logo, Nenhum P é S. (por conversão simples)

Logo, Todo P é não-S. (por obversão)

Logo, Algum não-S é P. (por conversão por acidente) Proposição Inversa Parcial

Logo, Algum não-S não é não-P. (por obversão) Proposição Inversa Total

As demais proposições (“Todo S é P”, “Algum S é P” e “Algum S não é P”) não

admitem este tipo de inferência imediata, isso se deve à mesma razão: no processo formal de

inversão destas proposições tem-se uma proposição particular negativa no momento em que

se deve realizar uma conversão, assim a prova não evolui, pois a particular negativa não pode

ser convertida. Realizando-se uma conversão tanto da universal afirmativa como da particular

afirmativa chega-se a uma proposição particular afirmativa e realizando-se, na sequência, uma

obversão desta proposição tem-se uma proposição particular negativa, deste modo a prova é

interrompida. Acerca da proposição “Algum S não é P” a prova não pode nem ser iniciada

(novamente porque a particular negativa não admite conversão).

Mostramos que partindo de conversão seguido de obversão e assim por diante

podemos realizar a inversão apenas da proposição universal negativa. Vejamos agora quais

destas proposições analisadas por Keynes (“Todo S é P”, “Nenhum S é P”, “Algum S é P” e

“Algum S não é P”), as proposições tradicionais da silogística aristotélica, fixadas as posições

dos termos sujeito e predicado, admitem a inversão se iniciarmos o processo formal pela

obversão seguida da conversão. Keynes demonstra que, desta maneira, apenas a proposição

universal afirmativa está sujeita a este tipo de inferência imediata, a prova é a seguinte:

Todo S é P. Proposição Original

Logo, Nenhum S é não-P. (por obversão)

Logo, Nenhum não-P é S. (por conversão simples)

Logo, Todo não-P é não-S. (por obversão)

128

Logo, Algum não-S é não-P. (por conversão por acidente) Proposição Inversa Total

Logo, Algum não-S não é P. (por obversão) Proposição Inversa Parcial

Nas demais proposições (“Nenhum S é P”, “Algum S é P” e “Algum S não é P”) não

pode ser realizada a inversão, novamente porque durante o processo formal chega-se a uma

proposição particular negativa no momento em que se deve realizar uma conversão, como

sabemos, assim a prova não evolui. Desta forma, apenas as proposições universais podem ser

invertidas: a inversa parcial de “Nenhum S é P” é “Algum não-S é P”, e sua inversa total é

“Algum não-S não é não-P”; e a inversa parcial de “Todo S é P” é “Algum não-S não é P”,

sua inversa total é “Algum não-S é não-P”84

.

As provas formais desta inferência imediata chamada de inversão constituem um

exemplo do uso dos termos negativos na silogística. Apresentaremos agora as provas

diagramáticas, com base nos diagramas de Keynes para a silogística contendo termos

negativos, da validade da inversão das proposições universais tradicionais da silogística

(“Todo S é P” e “Nenhum S é P”).

Sabemos que o método diagramático de Keynes para a silogística segue os moldes do

método de Euler, para a silogística ampliada pelos termos negativos Keynes opera com sete

diagramas, dois a mais que os cinco diagramas básicos do método envolvendo apenas termos

positivos. Cabe lembrarmos85

que a silogística tem pressuposição existencial dos termos

envolvidos, isso implica a pressuposição de não universalidade dos mesmos, o que significa

na representação diagramática que nenhum dos termos pode ser idêntico extensionalmente ao

universo do discurso. Isso justifica o acréscimo de apenas dois diagramas ao método com

termos negativos, pois os diagramas “α”, “β” e “γ”86

do método de Keynes (1906, p. 158)

para termos positivos só podem ser representados, cada um deles, por um diagrama no

método de Keynes (1906, pp. 171-172) para termos negativos (por “i”, “ii” e “iii”87

,

respectivamente). Quer dizer, não podemos construir, no método para termos negativos,

diagramas que contenham o mesmo número de áreas de “α”, “β” e “γ”, sem ferir a

pressuposição de não universalidade dos termos, isto é, sem que pelo menos um dos termos

seja idêntico extensionalmente ao universo do discurso.

84

Tínhamos apresentado o processo formal de inferência imediata denominado inversão na Seção 2.3.2, porém

naqueles momento não descrevemos as provas formais desta inferência imediata. 85

Ver Seção 1.2.4. 86

Figura 1.2.4.2. 87

Figura 1.2.4.4 e Figura 1.2.4.5.

129

Salientamos também, que no método com termos negativos apresentado por Keynes

(1906, pp. 171-172) através de círculos88

a inserção de um círculo em outro não deve ser

entendida como uma inclusão extensional destes círculos. Ela deve ser entendida apenas como

a divisão entre áreas distintas. Neste sentido, este tipo de representação que contém a inserção

entre círculos pode ser enganosa, porém lembramos que Keynes (1906, p. 173) também

apresenta seu método por meio de diagramas retangulares89

, o qual elimina o engano da

consideração de inclusão extensional entre áreas. Usaremos, por esta razão, nas provas de

validade do processo de inversão estes diagramas retangulares.

Uma outra maneira de eliminar o engano de entender o método diagramático de

Keynes como envolvendo relações de inclusões extensionais entre áreas seria através de uma

exposição do método por meio de gráficos de pizza, conforme a Figura A.1 abaixo:

Figura A.1 – Diagramas básicos de Keynes com termos negativos, expostos através de

gráficos de pizza

88

Figura 1.2.4.4 e Figura 1.2.4.5. 89

Figura 1.2.4.7.

130

Contudo, como dissemos, vamos fazer uso, nas provas seguintes, dos diagramas

retangulares. Para usarmos o método diagramático de Keynes com termos negativos para

testarmos a validade desta inferência imediata devemos seguir as seguintes etapas: primeiro,

tendo em vista que a verdade de cada proposição da silogística é associada a um grupo de

diagramas90

, devemos estabelecer qual o grupo de diagramas corresponde à premissa (a

proposição original). Entre este grupo de diagramas, ou melhor, entre cada diagrama deste

grupo devemos considerar uma relação de disjunção, no sentido em que a verdade da

proposição é devida à satisfação da situação representada por um dos diagramas deste grupo:

ou por um, ou por outro, ou por um terceiro e assim por diante.

O segundo passo é determinar o grupo de diagramas que corresponde à conclusão (a

proposição inversa). Cada um destes grupos de diagramas correspondem, então, ao conteúdo

semântico ou a informação veiculada por cada proposição, e quanto maior o número de

diagramas em um grupo menor será o nível de informação veiculada por ele, menor será a

precisão ou exatidão do seu conteúdo semântico. Um conteúdo ou informação que está

associado a uma relação de disjunção entre, por exemplo, cinco diagramas, cada um deles

representando uma situação, é menos preciso ou menos exato que um conteúdo associado à

disjunção entre dois diagramas, por exemplo; quer dizer, a razão entre o nível de informação é

inversamente proporcional ao número de diagramas associados a cada proposição. Usamos

estes exemplos: de cinco diagramas associados a uma proposição, por um lado, e de dois

diagramas associados à outra proposição, por outro lado; porque eles correspondem,

justamente, ao número de diagramas associados às proposições particulares (cinco) e

universais (dois). Neste sentido, cabe notar, que o conteúdo ou informação semântica

veiculada pelas proposições universais é mais preciso ou exato do que a informação veiculada

pelas proposições particulares, considerando este método diagramático. Cabe notar ainda, que

como temos um maior número de diagramas para a silogística com termos negativos do que

para a silogística sem termos negativos, e considerando que os diagramas dos dois métodos

são comparáveis entre si, então, o método de decisão com termos negativos é mais expressivo

do que aquele envolvendo apenas termos positivos.

Sabemos que a proposição universal afirmativa está associada aos diagramas “i” e “ii”

de Keynes91

(1906, pp. 171-172), a universal negativa aos diagramas “vi” e “vii”, a particular

afirmativa a “i”, “ii”, “iii”, “iv” e “v” e, por fim, a particular negativa às figuras “iii”, “iv”,

“v”, “vi” e “vii”. Porém, no teste de validade desta inferência imediata (inversão) ocorrerá que

90

Ver Quadro 1.2.4.6. 91

Ver, novamente, Quadro 1.2.4.6.

131

na conclusão (proposição inversa) haverá termos negativos, e sendo assim precisamos

modificar os diagramas que representam proposições com estes termos. Se o termo

representado no diagrama é positivo precisamos modificá-lo para negativo e vice-versa. Por

exemplo, a proposição particular negativa “Algum não-S não é P” está associada aos

diagramas “iii”, “iv”, “v”, “vi” e “vii”, contudo como o termo sujeito desta proposição é

negativo precisamos alterar a representação diagramática: onde está representado o termo

“ S ” devemos modificar para “ S ” e onde está representado “ S ” devemos modificar para

“ S ”. Nas provas diagramáticas que apresentaremos a seguir vamos assinalar ao lado do

diagrama, entre parênteses, quando ele for modificado e quais termos foram alterados. Cabe

notar que na diagramação desta inferência imediata todos os diagramas associados a

conclusão serão modificados.

Por fim, como um último passo, basta compararmos estes dois grupos de diagramas, o

grupo da premissa e o grupo da conclusão, conferindo se cada um dos diagramas associados à

premissa também é um diagrama associado à conclusão. Em caso positivo a inferência é

válida em caso negativo é inválida. Note-se que o método diagramático de Keynes não é

criativo, pelo contrário é um método mecânico com passos fixos. Em lugar da preservação da

verdade, a validade é entendida aqui como um não aumento do conteúdo semântico veiculado

pelas proposições, no sentido em que o conteúdo semântico expresso pela conclusão deve

estar contido no conteúdo semântico veiculado pela premissa.

Vamos agora, então, testar a validade da inversão, com base neste método

diagramático, das proposições universais já descritas acima (“Todo S é P” e “Nenhum S é P”),

iniciando pela universal afirmativa:

Todo S é P. .

Algum não-S não é P.

Todo S é P.:

(i) SP S´P´

(ii) SP S´P S´P´

Algum não-S não é P.:

(modificando o termo sujeito)

(modificando o termo sujeito)

(iii) S´P S´P´ SP´

(iv) S´P S´P´ SP SP´

132

(modificando o termo sujeito)

(modificando o termo sujeito)

(modificando o termo sujeito)

Fica provado, pois, que esta inferência imediata é válida, já que os dois diagramas

associados à proposição original (premissa) também estão associados à proposição inversa

(conclusão): o diagrama “i” da premissa é idêntico ao diagrama “vii” da conclusão e o

diagrama “ii” da premissa representa a mesma situação do diagrama “v” da conclusão. Não

houve aumento da informação veiculada pela conclusão (o contido) em relação à premissa (o

continente)92

. Esta foi a prova diagramática da inversão parcial da universal afirmativa,

passemos agora para a prova diagramática da validade de sua inversão total:

Todo S é P. .

Algum não-S é não-P.

Todo S é P.:

(i) SP S´P´

(ii) SP S´P S´P´

Algum não-S é não-P.:

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

A inferência imediata é válida porque todos os diagramas associados à premissa são

também associados à conclusão: o diagrama “i” da premissa corresponde ao diagrama

(modificado) “i” da conclusão e o diagrama “ii” da premissa corresponde ao diagrama

92

Lembrando que nos diagramas associados à conclusão (iii”, “iv”, “v”, “vi” e “vii”) o termo sujeito foi

modificado: onde havia, no diagrama original, o termo “ S ” alteramos para “ S ” e onde havia “ S ” alteramos

para “ S ”.

(v) S´P S´P´ SP

(vi) S´P´ SP SP´

(vii) S´P´ SP

(i) S´P´ SP

(ii) S´P´ SP´ SP

(iii) S´P´ S´P SP

(iv) S´P´ S´P SP´ SP

(v) S´P´ S´P SP´

133

(modificado) “iii” da conclusão. Na sequência provaremos a validade da inversão parcial da

proposição universal negativa:

Nenhum S é P. .

Algum não-S é P.

Nenhum S é P.:

Algum não-S é P.:

(modificando o termo sujeito)

(modificando o termo sujeito)

(modificando o termo sujeito)

(modificando o termo sujeito)

(modificando o termo sujeito)

A prova diagramática demonstra a validade desta inferência imediata, já que

constatamos que as duas situações representadas pelos dois diagramas associados à premissa,

a saber, “vi” e “vii”, também estão representadas na conclusão: elas correspondem aos

diagramas modificados “iii” e “i”, respectivamente, associados à conclusão. Faltou

mostrarmos a validade da inversão total da proposição universal negativa, o que será feito a

seguir:

Nenhum S é P. .

Algum não-S não é não-P.

Nenhum S é P.:

Algum não-S não é não-P.:

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

(vi) SP´ S´P S´P´

(vii) SP´ S´P

(i) S´P SP´

(ii) S´P SP SP´

(iii) S´P S´P´ SP´

(iv) S´P S´P´ SP SP´

(v) S´P S´P´ SP

(vi) SP´ S´P S´P´

(vii) SP´ S´P

(iii) S´ P´ S´P SP

134

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

(modificando o termo sujeito e o termo predicado)

Novamente, a validade da inferência imediata fica comprovada pela presença dos

diagramas associados à premissa também na conclusão: os diagramas “vi” e “vii” que

representam a premissa “Nenhum S é P” correspondem aos diagramas modificados “v” e

“vii”, respectivamente, da conclusão “Algum não-S não é não-P”.

Dissemos anteriormente que as demais proposições da silogística, ou seja, as

proposições particulares não admitem a inversão (parcial ou total) devido a que, no decorrer

deste processo formal chega-se a uma proposição particular negativa no momento em que se

deve efetuar uma conversão desta proposição. Assim, a prova é interrompida já que a

conversão da particular negativa não é válida. Neste sentido, as proposições particulares não

admitem a inversão pela invalidade da conversão da particular negativa. Mostraremos, agora,

com base no método diagramático de Keynes esta invalidade da conversão da particular

negativa, assim apresentaremos um tratamento completo da inversão das proposições

tradicionais da silogística. Poderemos utilizar o método de Keynes envolvendo apenas termos

positivos, pois a conversão é uma inferência imediata que não acrescenta termos negativos na

proposição conversa, e estamos considerando premissas que não contenham termos negativos

(com efeito, estamos considerando a conversão somente de “Algum S não é P”).

No método diagramático de Keynes (1906, p. 158) para termos positivos a proposição

particular negativa está associada à disjunção dos diagramas “γ”, “δ” e “ε”93

. Como, para que

a inferência seja válida, todos os diagramas associados à premissa precisam estar associados

também à conclusão, a proposição convertida não pode ter a ela associado um número de

diagramas inferior ao número de diagramas associados à premissa, quer dizer, se a premissa

“Algum S não é P” está associada a três diagramas a conclusão deve estar associada à no

mínimo três diagramas também. Ora, a proposição universal afirmativa está associada a dois

diagramas e a universal negativa à apenas um, logo a proposição particular negativa não pode

ser convertida em nenhuma delas. Ela só pode ser convertida a uma mesma proposição

93

Ver Quadro 1.2.4.3.

(iv) S´P´ S´P SP´ SP

(v) S´P´ S´P SP´

(vi) S´P SP´ SP

(vii) S´P SP´

135

particular negativa que contém, obviamente, o mesmo número de diagramas ou a uma

proposição particular positiva, que está associada a quatro diagramas.

Vamos na sequência, então, testar a validade da conversão da particular negativa

“Algum S não é P” em uma mesma proposição particular negativa, que seria “Algum P não é

S”; seria, para seguir a nomenclatura tradicional, a “conversão simples” da particular

negativa. Nas proposições que alternam a posição do termo sujeito com a posição do termo

predicado, precisamos também alterar, na representação diagramática, a posição dos círculos

que correspondem a cada termo, nas provas realizadas a seguir apontaremos, entre parênteses

após a figura, quando houver alteração de posição dos termos nos diagramas. Como se trata

de um teste de validade de um processo de conversão, na conclusão ocorrerá sempre alteração

na posição dos termos, e consequentemente, nos diagramas, ocorrerá sempre a alteração, dos

círculos que estão representando estes termos.

Algum S não é P.

Algum P não é S.

Algum S não é P.:

Algum P não é S.:

(alterando o termo sujeito pelo termo predicado)

(alterando o termo sujeito pelo termo predicado)

136

(alterando o termo sujeito pelo termo predicado)

Fica provado que a inferência é inválida porque a situação representada por um dos

diagramas associado à premissa, a saber, pelo diagrama “γ” não está associada a nenhum dos

diagramas da conclusão. Assim, apesar das situações representadas pelos diagramas “δ” e “ε”

das premissas serem as mesmas daquelas representadas pelos diagramas modificados “δ” e

“ε” da conclusão, é inválida a conversão da particular negativa “Algum S não é P” na

proposição “Algum P não é S”. Vamos testar agora a validade da conversão da particular

negativa “Algum S não é P” na proposição particular afirmativa “Algum P é S”.

Algum S não é P.

Algum P é S.

Algum S não é P.:

Algum P é S.:

(alterando o termo sujeito pelo termo predicado)

(alterando o termo sujeito pelo termo predicado)

137

(alterando o termo sujeito pelo termo predicado)

(alterando o termo sujeito pelo termo predicado)

O método prova a invalidade desta inferência devido a que a situação representada

pelo diagrama “ε” da premissa não está contida na representação diagramática da conclusão,

assim a conclusão não veicula toda a informação presente na premissa, o que atesta a

invalidade da conversão da particular negativa em uma proposição particular afirmativa.

Realizamos até agora provas diagramáticas apenas de inferências imediatas, provas de

argumentos com somente uma premissa. Centramo-nos, fundamentalmente, na inferência

imediata conhecida como inversão, pois ela representa um bom exemplo do uso dos termos

negativos na silogística.

Contudo, faremos agora uma prova diagramática não de uma inferência imediata, mas

sim de uma inferência mediata, de um silogismo. Demonstraremos a validade do modo

silogístico da primeira figura Celarent, para isso estabeleceremos em primeiro lugar, quais

diagramas estão associados a cada premissa e, como em inferências mediatas existe a

presença do termo médio, modificaremos os diagramas para que eles expressem corretamente

as proposições com estes termos. Em segundo lugar, precisamos combinar os diagramas

associados a uma premissa aos diagramas associados à outra, eliminando o termo que as

premissas têm em comum, isto é, eliminando o termo médio. Posteriormente estabeleceremos

quais diagramas estão associados à conclusão. Por fim, basta conferirmos se todos os

diagramas resultantes da combinação dos diagramas das premissas estão também associados à

conclusão, em caso positivo o argumento será válido.

Nenhum M é P.

Todo S é M. .

Nenhum S é P.

Nenhum M é P.:

138

Todo S é M.:

Combinação dos diagramas associados às premissas eliminando o termo médio:

Nenhum S é P.:

Fica demonstrado que o argumento é válido porque a combinação dos diagramas

associados às premissas resultou na figura “ε”, a qual corresponde, justamente, a única figura

associada à conclusão. Ou seja, o conteúdo semântico expresso pelas duas premissas juntas,

que está representado pela figura “ε”, está expresso também na conclusão, por isso o

argumento é válido.

Após este breve excurso, no qual apresentamos a prova diagramática de uma

inferência mediata, voltaremos a discutir as vantagens e desvantagens do uso dos termos

negativos nesta silogística ampliada. Constatamos que a consideração de proposições que

contenham termos negativos amplia consideravelmente o número de inferências imediatas

possíveis na silogística. Enquanto que na silogística com termos positivos são possíveis

apenas dois tipos de inferências imediatas, a saber, a subalternação e a conversão, mais

especificamente: duas formas de subalternação, sendo a primeiro a obtenção de “Algum S é

P” a partir de “Todo S é P”, e a segunda a obtenção de “Algum S não é P” a partir de

139

“Nenhum S é P”94

; e três formas de conversão, primeiro, a conversão simples de “Nenhum S

é P” em “Nenhum P é S”, segundo, a conversão simples de “Algum S é P” em “Algum P é

S”, e terceiro, a conversão por acidente de “Todo S é P” em “Algum P é S”. Na silogística

com termos negativos sete tipos de inferências imediatas são válidas: a subalternação e a

conversão, que são admitidas também na silogística com termos positivos, e além delas, a

obversão, a contraposição parcial, a contraposição total, a inversão parcial e a inversão total95

.

Acrescentaremos ainda uma inferência imediata que chamaremos de “conversão

obvertida”, que consiste, justamente, na realização de um processo de obversão das

proposições convertidas. Assim são válidas: a conversão obvertida da universal afirmativa (de

“Todo S é P” infere-se “Algum P não é não-S”), a conversão obvertida da universal negativa

(de “Nenhum S é P” infere-se “Todo P é não-S”), e a conversão obvertida da proposição

particular afirmativa (de “Algum S é P” infere-se “Algum P não é não-S”). Note-se que o

resultado da conversão obvertida das proposições afirmativas (universal e particular) é o

mesmo. A proposição particular negativa não admite esta inferência imediata porque ela não

pode ser convertida.

Com estes oito tipos de inferências imediatas temos, na silogística com termos

negativos, a possibilidade da alternância completa da posição dos termos nas proposições, ou

seja, os termos “S”, “não-S”, “P” e “não-P” podem dispor-se validamente, a partir de um

determinado tipo de inferência imediata, tanto na posição de sujeito como na posição de

predicado. Esta disposição dos termos pode, inclusive, servir para caracterizar estas

inferências imediatas, no sentido em que (considerando uma proposição original ou premissa

em que “S” está pelo sujeito e “P” pelo predicado): na subalternação o termo sujeito da

conclusão mantém-se sendo “S” e o termo predicado também se mantém sendo “P”; na

obversão o termo sujeito da conclusão mantém-se “S” já o seu termo predicado altera-se para

“não-P”; na inversão parcial o termo sujeito da conclusão altera-se para “não-S” e o seu termo

predicado mantém-se “P”; na inversão total o termo sujeito da conclusão altera-se para “não-

S” e o termo predicado altera-se para “não-P”; na conversão o termo sujeito da conclusão

altera-se para “P” e o seu termo predicado para “S”; na conversão obvertida o termo sujeito da

conclusão é “P” e o predicado é “não-S”; na contraposição parcial o termo sujeito da

94

Salientamos que Keynes não identifica as relações lógicas de subalternação entre as proposições como um tipo

de inferência imediata, uma possível explicação para isso estaria no fato de que o objetivo, por assim dizer, da

subalternação na determinação da validade dos silogismos está ligado somente ao estabelecimento de modos

silogísticos subordinados. 95

Já apresentamos todos estes processos de inferências imediatas, ver Seções 1.1.2, 1.3.1 e 2.3.2.

140

conclusão é “não-P” e o predicado é “S”; e por fim, na contraposição total, “não-P” é o sujeito

da conclusão e “não-S” o predicado.

A consideração dos termos negativos aumenta, então, de dois tipos para oito tipos de

inferências imediatas possíveis na silogística, e este oito tipos de inferências validam as oito

posições diferentes em que podem se dispor em pares os quatro termos desta silogística (“S”,

“não-S”, “P” e “não-P”). Esta vantagem, caracterizada pelo aumento das inferências imediatas

possíveis ao sistema lógico, leva em conta um uso da negação terminística que aceita o

Princípio do Terceiro Excluído, ou seja, o termo negativo é entendido nesta silogística

ampliada como o complemento extensional do termo positivo.

Mas, e se a negação terminística não obedecesse ao Princípio do Terceiro Excluído,

quer dizer, e se o termo negativo não complementasse o termo positivo correspondente em

relação ao universo do discurso? Isso equivale a dizer que existirão certos objetos do universo

do discurso não cairão nem sob a denotação do termo positivo nem sob a denotação do termo

negativo correspondente. Sabemos que Keynes não aceita este tipo de negação terminística96

,

para ele a negação de um termo obedecerá sempre ao Princípio do Terceiro Excluído. Apesar

de Keynes saber que o uso prático que fazemos dos termos negativos em nossa fala cotidiana

não obedece a este princípio: sempre que usamos um termo negativo em nossa linguagem

coloquial ele é considerado como um complemento relativo do termo positivo

correspondente, relativo a uma parte própria do universo do discurso. Quando, por exemplo,

usamos o termo positivo “doador” (de órgãos) e seu correspondente negativo “não-doador”

estamos sempre limitando suas denotações aos objetos incluídos no grupo dos seres humanos,

ou seja, não consideramos que este termo negativo tenha em sua denotação objetos tais como

as pedras ou os unicórnios, nós sempre relativizamos o complemento do termo positivo.

Ross (1913, pp. 255-256) considera este uso da negação terminística sem a aceitação

do Princípio do Terceiro Excluído. De acordo com ele algumas inferências imediatas, neste

caso, serão invalidas. Ele apresenta um argumento, por exemplo, para provar a invalidade da

inversão, mais especificamente para provar a invalidade da inversão da proposição universal

afirmativa. Segundo Ross, se considerarmos a proposição universal afirmativa “Todos os

combatentes foram mortos” que tem a forma “ xy ”, então podemos inferir por inversão

parcial a proposição “Alguns não-combatentes não foram mortos” com a forma “ yx ”.

Porém, a proposição contraditória desta última, a proposição contraditória de “ yx ”, a saber,

“Todos os não-combatentes foram mortos” (“ yx ”), parece ser compatível com a primeira,

96

Conforme Seção 2.2.

141

com “Todos os combatentes foram mortos” (“ xy ”), no sentido em que, se ocorresse, em um

combate, um massacre geral onde todas as pessoas fossem mortas (combatentes e não-

combatentes), então as situações descritas por estas duas proposições (“ xy ” e “ yx ”)

seriam o caso, por isso Ross conclui que esta inversão deve ser inválida: se a proposição

contraditória da conclusão de uma inferência imediata é compatível com a premissa o

argumento é inválido.

Ross tem consciência de que a força deste argumento baseia-se no uso prático que

fazemos dos termos negativos, se baseia na recusa do Princípio do Terceiro Excluído na

negação terminística. Pois, quando aceitamos a verdade da proposição contraditória da

conclusão “Todos os não-combatentes foram mortos” na situação de um massacre geral

estamos considerando que o escopo do termo negativo “não-combatentes” inclui apenas as

pessoas, ou seja, estamos considerando o termo negativo “não-combatentes” como relativo

apenas aos seres humanos. Neste sentido é verdade que em um massacre geral todos os

combatentes e todos os não-combatentes foram mortos, e assim parece estar comprovada a

invalidade da inversão. Contudo, esquecemos que para que esta inferência seja válida

devemos considerar o termo negativo como o complemento extensional do termo positivo, no

exemplo de Ross, isso equivale a dizer o termo “não-combatente” não denota apenas as

pessoas, mas tudo que não cai sob o termo “combatente”, o que inclui as pedras, as armas, o

Sol, etc. Assim, se aceitarmos o Princípio do Terceiro Excluído na negação terminística, não é

verdade, neste exemplo, que a proposição contraditória da conclusão é o caso, quer dizer, a

proposição “Todos os não-combatentes foram mortos” não é verdadeira mesmo na situação de

um massacre geral, já que as pedras são também não-combatentes e elas, evidentemente, não

foram mortas.

O uso da negação de termos recusando o Princípio do Terceiro Excluído pode trazer,

então, de acordo com Ross, uma certa desvantagem para a silogística: a invalidade de algumas

inferências imediatas tais como a inversão [Ross (1913, p. 256) argumenta também que a

obversão seria inválida neste caso]. Sem a consideração do Princípio do Terceiro Excluído a

inversão seria, então, inválida, contudo, o uso dos termos negativos seria, neste caso,

condizente com o nosso uso prático dos mesmos em nossa fala cotidiana. É tendo isso em

mente que Ross, ironicamente, afirma que “a inversão quando válida é sem valor e quando

têm valor é inválida”97

(Ross, 1913, pp. 256-257, tradução nossa).

97

“The result of this investigation might be expressed in the case of inversion by the maxim that „the inverse

when valid is valueless and when valuable is invalid‟.” (Ross, 1913, pp. 256-257).

142

A sujeição da negação terminística ao Princípio do Terceiro Excluído traz, então, um

aumento das inferências imediatas válidas para a silogística, enquanto que a não aceitação

deste princípio, e consequentemente, um uso dos termos negativos segundo nossa linguagem

cotidiana, invalida algumas destas inferências imediatas, ou como diz Ross as torna sem

valor. Para resolvermos este impasse, consideraremos um tipo de negação terminística que

não está sujeito, indiscriminadamente, ao Princípio do Terceiro Excluído, mas também que

não rejeita situações onde este princípio é válido. Este tipo de negação de termos será exposta

através de outro método diagramático para a silogística; neste método o termo negativo não

necessariamente complementa o termo positivo correspondente no universo do discurso. É

importante destacar que o termo negativo, neste método, não necessariamente representa o

complemento do termo positivo no universo do discurso, mas podem ocorrer situações em

que isso ocorra. Utilizaremos neste método diagramático para a silogística com termos

negativos não necessariamente complementares uma representação também por gráficos de

pizza; a Figura A.2 abaixo expõe este método:

Figura A.2 – Diagramas básicos de Keynes com termos negativos não necessariamente

complementares

143

Na realidade este método para termos negativos não necessariamente complementares

(para termos negativos que não necessariamente representem o complemento extensional dos

termos positivos no universo do discurso), conforme a Figura A.2, duplica o número de

diagramas básicos do método para a silogística com termos negativos complementares (que

representam o complemento extensional dos termos positivos no universo do discurso). Já

apresentamos, anteriormente, as sete figuras (Figura A.1) para a silogística com termos

negativos complementares, para este método com termos negativos não necessariamente

complementares teremos, então, um conjunto de quatorze diagramas.

Pode-se notar que cada diagrama do método com termos negativos complementares

corresponde, neste método agora exposto, a dois diagramas: um que é idêntico a aquele (os

diagramas assinalados pela letra “a”, ou seja, “i-a”, “ii-a”, “iii-a”, “iv-a”, “v-a”, “vi-a” e “vii-

a”, que são iguais a “i”, “ii”, “iii”, “iv”, “v”, “vi” e “vii”, respectivamente) e outro que é

semelhante a aquele mas que possui uma área a mais (os diagramas marcados pela letra “b”:

“i-b”, “ii-b”, “iii-b”, “iv-b”, “v-b”, “vi-b” e “vii-b”). Nos diagramas assinalados pela letra “a”,

então, os termos negativos estão sujeitos ao Princípio do Terceiro Excluído, eles são o

complemento extensional do termo positivo correspondente. Já nos diagramas assinalados

pela letra “b” este princípio não é seguido, pois existe uma área que não corresponde nem a

extensão do termo positivo nem a extensão do termo negativo correspondente.

O acréscimo dos sete diagramas assinalados pela letra “b” neste método é dado, como

se pode notar, em função da disposição de um círculo maior que abarca os diagramas

(antigos) marcados pela letra “a”, este círculo maior representa o universo do discurso.

Anteriormente falamos que a representação por gráficos de pizza elimina o erro de

considerarmos relações de inclusão extensional entre áreas, porém nestes gráficos de pizza

(Figura A.2) existe a inserção de um círculo em outro, o que pode sugerir a relação de

inclusão extensional. Contudo, e queremos destacar isso, a inserção de um círculo em outro

aqui não representa, como não representava nos diagramas de Keynes (1906, pp. 171-172)98

,

uma relação de inclusão entre áreas, a área entre os círculos neste método deve ser entendida

apenas como mais uma área nos diagramas.

Dissemos anteriormente que a consideração, na silogística, de uma negação

terminística que (apenas) rejeitasse o Princípio do Terceiro Excluído e assim se adequasse ao

nosso uso coloquial dos termos negativos colocaria em dúvida a validade de algumas

inferências imediatas, em especial, da inversão. Neste método para termos negativos não

98

Figura 1.2.4.4 e Figura 1.2.4.5.

144

necessariamente complementares existem situações representadas pelos diagramas em que

não vale este princípio (e, também, situações em que ele é obedecido), quer dizer, através

deste método diagramático temos uma exposição da silogística que se adéqua, pelo menos em

parte, ao nosso uso coloquial dos termos negativos. Porém, nesta silogística ampliada por

termos negativos não necessariamente complementares todas as oito inferências imediatas

descritas anteriormente (subalternação, conversão, obversão, contraposição parcial,

contraposição total, inversão parcial, inversão total e conversão obvertida) são válidas.

O argumento provando a validade destas inferências imediatas neste método

diagramático se baseia no método diagramático para termos negativos complementares. Neste

sentido, se uma inferência imediata é válida para a silogística com termos negativos

complementares, e, como sabemos, todas estas inferências citadas são válidas nesta ampliação

da silogística, com o acréscimo de um “novo” diagrama associado à premissa, ou seja, um

diagrama do tipo “b”, o correspondente “antigo” diagrama (do tipo “a”) também estará

associado à premissa. E, como a inferência é válida, neste método com termos

complementares, o diagrama “antigo” (do tipo “a”) estará associado à conclusão, mas, dessa

forma, o “novo” diagrama (do tipo “b”) correspondente também estará associado à conclusão.

Logo a inferência é valida, pois todos os diagramas associados à premissa também estarão

associados à conclusão.

As inferências que são inválidas no método com termos complementares também

serão inválidas nesta silogística com termos negativos não necessariamente complementares,

pois o mesmo diagrama “antigo” (do tipo “a”) que serve de contraexemplo naquele método

(com termos complementares) também servirá de contraexemplo neste (para termos negativos

não necessariamente complementares). Só que, em acréscimo, teremos também como

contraexemplo os diagramas “novos” (do tipo “b”) associados aos “antigos”. Ou seja, se o

diagrama “i” servia de contraexemplo de uma inferência imediata no método da silogística

com termos negativos complementares, então, no método da silogística com termos negativos

não necessariamente complementares, os diagramas “i-a” e “i-b” servirão de contraexemplo

para esta mesma inferência.

Desta maneira, esta silogística ampliada por termos negativos não necessariamente

complementares, além de se adequar, em parte, ao nosso uso prático dos termos negativos,

mantém a validade de todas as inferências imediatas citadas. Cabe notar que fica mantida a

validade destas oito inferências imediatas, porém não existe um aumento do número de

inferências imediatas válidas nesta ampliação da silogística com termos complementares para

a silogística com termos não complementares, como existiu um aumento, de duas para oito,

145

do número de inferências imediatas válidas da consideração da silogística (apenas) com

termos positivos para a silogística com termos negativos (complementares). O acréscimo dos

termos negativos na silogística constitui, claramente, uma vantagem na capacidade expressiva

do sistema lógico; a representação diagramática atesta essa vantagem. O próprio aumento de

simetria na representação diagramática da silogística, o qual motivou Keynes a acrescentar os

termos negativos (complementares) ao sistema, fica em segundo plano diante desta vantagem

na capacidade expressiva e poder inferencial desta silogística ampliada. Tentamos analisar

aqui alguns tipos de negações terminística possíveis na silogística e constatamos que estas

vantagens se mantém mesmo considerando situações em que o Princípio do Terceiro Excluído

não é seguido.