física nuclear e partículas subnucleares - capítulo 6 – s. s. mizrahi & d. galetti

43
Capítulo 6 O sistema de dois núcleons (p-n e p-p) 6 O sistema de dois núcleons (p-n e p-p) 177 6.1 Introdução ................................................ 177 6.1.1 Duas partículas, cinemática ............................. 178 6.2 O dêuteron ................................................ 180 6.2.1 Hipóteses sobre a força internúcleon ...................... 181 6.2.2 Determinação do momentum angular orbital ............... 183 6.2.3 Efeito de spin no dêuteron: interação tensorial .............. 187 6.3 Espalhamento próton-nêutron ................................. 191 6.3.1 Comprimento de espalhamento e alcance efetivo ............ 200 6.4 Efeito do spin nas colisões p-n ................................ 205 6.4.1 Seção de choque do espalhamento de nêutrons por moléculas de H 2 ................................. 211 6.5 Espalhamento próton-próton .................................. 215 6.6 Problemas ................................................ 219 6.7 Bibliograa ............................................... 220 6.1 Introdução A abordagem mais imediata para se aprender sobre a natureza da força nuclear e de testar os modelos existentes, como descritos no capítulo 5, consiste no estudo do sis- tema próton-nêutron, porque ele pode ser olhado tanto como um estado ligado ou como duas partículas livres colidentes. O sistema próton-nêutron ligado é chamado dêuteron, ou núcleo do deutério, cujas propriedades medidas fornecem informações sobre a natureza da força nuclear que os mantêm coesos. No caso dos sistemas nêutron-nêutron ou próton-próton, eles não apresentam estados ligados, portanto só poderemos aprender sobre a natureza da força que atua entre eles a partir de dados colhidos de choques diretos e subseqüente espalhamento. Isto é feito estudando o 177 S.S. Mizrahi & D. Galetti

Upload: salomon-s-mizrahi

Post on 04-Aug-2015

119 views

Category:

Documents


7 download

DESCRIPTION

Chapter 6 – O Sistema Próton-Nêutron. Nuclear Physics and Subnuclear Particles A first course for undergraduate students. In Portuguese, by S. S. Mizrahi & D. Galetti.

TRANSCRIPT

Page 1: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

Capítulo 6

O sistema de dois núcleons(p-n e p-p)

6 O sistema de dois núcleons (p-n e p-p) 1776.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

6.1.1 Duas partículas, cinemática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1786.2 O dêuteron . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

6.2.1 Hipóteses sobre a força internúcleon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1816.2.2 Determinação do momentum angular orbital . . . . . . . . . . . . . . . 1836.2.3 Efeito de spin no dêuteron: interação tensorial . . . . . . . . . . . . . . 187

6.3 Espalhamento próton-nêutron . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1916.3.1 Comprimento de espalhamento e alcance efetivo . . . . . . . . . . . . 200

6.4 Efeito do spin nas colisões p-n . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2056.4.1 Seção de choque do espalhamento de nêutrons por

moléculas deH2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2116.5 Espalhamento próton-próton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2156.6 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2196.7 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220

6.1 IntroduçãoA abordagem mais imediata para se aprender sobre a natureza da força nuclear e detestar os modelos existentes, como descritos no capítulo 5, consiste no estudo do sis-tema próton-nêutron, porque ele pode ser olhado tanto como um estado ligado oucomo duas partículas livres colidentes. O sistema próton-nêutron ligado é chamadodêuteron, ou núcleo do deutério, cujas propriedades medidas fornecem informaçõessobre a natureza da força nuclear que os mantêm coesos. No caso dos sistemasnêutron-nêutron ou próton-próton, eles não apresentam estados ligados, portanto sópoderemos aprender sobre a natureza da força que atua entre eles a partir de dadoscolhidos de choques diretos e subseqüente espalhamento. Isto é feito estudando o

177

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 2: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

178 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

resultado de colisões, geralmente usando nêutrons como projéteis e prótons – sejamcomo átomos de hidrogênio (e seus isótopos) ou moléculas de di-hidrogênio – comoalvo.O primeiro passo nessa direção será usar os conceitos da mecânica clássica quanto

ao tratamento de duas partículas e inserí-los na estrutura formal da mecânica quântica,que é a teoria mais adequada para descrever e estudar os núcleons, conforme observado,já em 1932, por Heisenberg.No que diz respeito aos graus de liberdade espaciais dos núcleons, da mecânica

clássica sabemos que a descrição do movimento de um sistema constituído de duaspartículas pontuais, que interagem por meio de uma força que depende apenas de suadistância – de forma que a função energia potencial seja da forma V (|r1 − r2|) – ,pode ser simplificada, reduzindo o problema à situação de uma partícula fictícia sujeitaa uma força central. De fato, por uma particular transformação de coordenadas, for-malmente obtém-se uma nova descrição envolvendo agora duas partículas fictícias (quesão uma mistura de duas partículas reais) cujas equações de movimento são totalmentedesacopladas. Nominalmente, ficamos com: (1) o movimento livre da partícula de cen-tro de massa e (2) o movimento da partícula relativa, que está sujeita à ação de umafunção potencial escalar, V (r), com r = r1− r2 e r1 e r2 sendo os vetores posição dasduas partículas. Usaremos esta abordagem para estudar as propriedades do sistema nu-clear mais simples: o sistema próton-nêutron, ligado e não-ligado – historicamente, foio primeiro nuclídeo a ser investigado –, assim como o espalhamento próton-próton, quenão pode existir como estado ligado. Ademais, existem os efeitos do spin dos núcleonsque afetam a natureza das forças, conforme estudado no capítulo 5, e isso também seráabordado neste capítulo. Em suma, as propriedades inferidas das medições encontramexplicação somente com o uso da mecânica quântica, em geral, e com o uso da equaçãode Schrödinger e do grau de liberdade intrínseco spin, em particular.

6.1.1 Duas partículas, cinemática

Consideremos duas partículas pontuais de massas m1 e m2 com posições espaciais r1e r2 em um referencial arbitrário, e que o potencial de interação dependa apenas da suadistância V (|r1 − r2|). No referencial de laboratório (RL) a energia cinética é escritacomo

T =p 212m1

+p 222m2

com pi = midridt

, i = 1, 2.Definindo novas coordenadas pelas expressões

R =m1r1 +m2r2m1 +m2

e r = r1 − r2 (6.1)

e chamandoM =m1 +m2 a massa total das partículas, vemos que elas são dadas emtermos das antigas coordenadas pela relação matricialµ

Rr

¶=

µm1

Mm2

M1 −1

¶µr1r2

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 3: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.1 Introdução 179

e inversamente µr1r2

¶=

µ1 m2

M1 −m1

M

¶µRr

¶.

R é a coordenada da partícula de centro de massa (CM) e r é a coordenada da partícularelativa. Derivando a Eq. (6.1) em relação ao tempo temos duas equações de movi-mento, a primeira,

MdR

dt= P =

µm1

dr1dt+m2

dr2dt

¶= p1 + p2 (6.2)

é da partícula de CM e a segunda é da partícula relativa

µdr

dt= p =

m2

Mp1 −

m1

Mp2, (6.3)

com µ = m1m2/M sendo a massa reduzida. Invertendo nas relações Eqs. (6.2) e (6.3)temos

p1 =m1

MP + p

p2 =m2

MP − p,

que, em termos de matrizes, também podem ser escritas comoµp1p2

¶=

µm1

M 1m2

M −1

¶µPp

¶e daí, invertendo a equação matricial, obtém-seµ

Pp

¶=

µ1 1m2

M −m1

M

¶µp1p2

¶.

Um cálculo imediato mostra-nos que podemos reescrever a energia cinética de duaspartículas (uma quantidade invariante pela transformação de coordenadas) em termosdos novos momenta, P e p,

T =p 212m1

+p 222m2

=¡p1· p2·

¢µ 12m1

0

0 12m2

¶µp1p2

¶(6.4)

=¡P · p·

¢ ∙µ m1

Mm2

M1 −1

¶µ 12m1

0

0 12m2

¶µm1

M 1m2

M −1

¶¸µPp

¶=

¡P · p·

¢µ 12M 00 1

¶µPp

¶(6.5)

=P 2

2M+

p 2

2µ, (6.6)

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 4: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

180 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

onde o ponto em pk· significa produto escalar com o momentum linear no vetor colunaà direita. Em suma, por uma transformação conveniente de coordenadas podemos es-crever a energia cinética das partículas de massasm1 em2 em termos de duas partícu-las fictícias com massas (M,µ) e coordenadas

³R, r

´, chamadas partícula de CM e

partícula relativa, respectivamente.A energia total das duas partículas é escrita então como

E =p 212m1

+p 222m2

+ V (|r1 − r2|)

=P 2

2M+

∙p 2

2µ+ V (r)

¸= Ecm +Er,

com

Ecm =P 2

2Me Er =

p 2

2µ+ V (r) .

Observa-se diretamente que a partícula de CM se move livremente enquanto que apartícula relativa se move sob a ação de uma força central, ao mesmo tempo que osmovimentos das partículas são desacoplados, o que mostra uma das vantagens do usoda transformação de coordenadas adotada. Note-se que as matrizes diagonais, de di-mensões 2 × 2, nas Eqs. (6.4) e (6.5) são métricas para os momenta lineares, que serelacionam por transformações específicas.Agora vamos considerar um referencial fixo na partícula de CM. Neste caso P = 0

e este referencial é chamado referencial de centro de massa (RCM), no qual apenas omovimento da partícula relativa é relevante. No RCM a energia total e a energia dapartícula relativa coincidem,

E(RCM) = E(RCM)r =

p2

2µ+ V (r) .

Como estamos interessados em estudar o dêuteron como um sistema quântico, us-amos a equação de Schrödinger estacionária para a descrever a partícula relativa, cujaequação de autovalores é

Hψ (r) =

µ− ~

2

2µ∇2 + V (r)

¶ψ (r) = Eψ (r) ,

onde H = −¡~2/2µ

¢∇2+V (r) é o operador hamiltoniano na representação de coor-

denadas,E é o autovalor da energia eψ (r) é a função de onda associada. A componentepuramente espacial da força nuclear internúcleon é representada pela função potencialV (r).

6.2 O dêuteronOs dados experimentais mostram que o dêuteron é o núcleo mais simples da tabela denuclídeos; ele possui um único estado ligado (o estado fundamental), não existindo, por-

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 5: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.2 O dêuteron 181

tanto, estados excitados deste sistema nuclear. Algumas de suas propriedades medidassão:a) Energia de ligação, Bd = 2, 225MeV .b) Momentum angular1, J = 1.c) Paridade positiva do estado ligado, ou seja momentum angular orbital relativo l

par.d) Momento de dipolo magnético, µd = 0, 8574 µN (em magnetons nucleares).e) Momento de quadrupolo elétrico2, Qd = 0, 00282 b.f) Raio associado ao volume da distribuição de carga (medido por espalhamento de

elétrons),­r 2®1/2exp≈ 2, 1 fm.

Para descrever algumas dessas propriedades vamos fazer uso da mecânica quântica.Sendo constituído de duas partículas, o estado fundamental do dêuteron pode ser de-composto nos movimentos da partícula de CM, que evolui livremente, e da partícularelativa, que deve, em príncípio, descrever suas propriedades intrínsecas. Para determi-nar a função de onda da partícula relativa adotamos a hipótese de que o dêuteron possuisimetria esférica (condição que será, posteriormente, relaxada), o que permite escrevê-lacomo o produto de duas funções ψ (r) = Rnl(r)Ylm (θ, φ), onde Rnl(r) = unl(r)/r éa componente radial e Ylm (θ, φ) é um harmônico esférico que descreve a parte angular.A equação de Schrödinger em coordenadas esféricas é escrita como

− ~2

∙1

r2∂

∂r

µr2

∂r

unl(r)

r

¶Ylm (θ, φ)−

1

r2unl(r)

rΛYlm (θ, φ)

¸+V (r)

µunl(r)

rYlm (θ, φ)

¶= E

µunl(r)

rYlm (θ, φ)

¶,

onde L2 = −~2Λ é o operador do momentum angular orbital quadrático, e µ =mpmn/ (mp +mn) é a massa reduzida do sistema próton-nêutron, sendo mp e mn

as massas do próton e do nêutron, respectivamente. Como a equação de autovalorespara a parte angular é escrita como

ΛYlm (θ, φ) =

½1

sin θ

∙∂

∂θ

µsin θ

∂θ

¶+

1

sin θ

∂2

∂φ2

¸¾Ylm (θ, φ)

= −l (l + 1)Ylm (θ, φ) ,portanto a equação para unl(r) é

− ~2

d2unl(r)

dr2+

∙~2l (l + 1)2µr2

+ V (r)

¸unl(r) = Eunl(r). (6.7)

Assim como no caso clássico,

~2l (l + 1)2µr2

+ V (r) = Vef (r)

1Em unidades de ~.2Lembrando que a unidade de medida do momento de quadrupolo é o barn, simbolizado por b, que

equivale a 10−24 cm2.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 6: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

182 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

é o potencial efetivo; o potencial adicional, ~2l (l + 1) /2µr2, é o chamado potencialcentrífugo. A equação (6.7) é parecida com a equação de Schrödinger em uma dimen-são, exceto pelo fato que a coordenada é definida em uma semi-reta 0 ≤ r < ∞. Nãoiremos considerar, no momento, o spin dos núcleons, ou então podemos supor que am-bos se encontram em um mesmo estado de spin, por exemplo ξ(p)1/2ξ

(n)1/2, e que a força

independe do spin; estas restrições serão relaxadas na subseção 6.2.3.

6.2.1 Hipóteses sobre a força internúcleon

Além de considerar a força F (r) = −∇V (r) como sendo central, ela também deve seratrativa e de curto alcance. Na realidade, estas são hipóteses para um tratamento sim-plificado do problema que não leva em conta dois fatos: 1) o dêuteron tem um pequenomomento de quadrupolo elétrico; 2) o seu momento magnético difere ligeiramente dasoma dos momentos magnéticos do próton e do nêutron. Levaremos essas propriedadesem conta na subseção 6.2.3 com a hipótese de que as forças nucleares devem dependerdo spin dos núcleons que interagem entre si.Por ser mais simples de tratar formalmente, admite-se que a força nuclear seja uma

força de contato – não obstante, sem perda de conteúdo físico –, sendo representada pelafunção vetorial com dependência radial F (r) = −V0δ (r −R0) r, onde δ (r −R0) nãoé uma função no sentido usual, mas uma distribuição3. A função energia potencial éentão escrita como

V (r) = −V0Θ (R0 − r) =

½−V0 para 0 ≤ r ≤ R00 para R0 < r <∞, (6.8)

sendo Θ (R0 − r) a função de Heaviside4 que, no nosso caso, representa um poçoquadrado de alcance R0 ≈ 2− 3 fm e profundidade V0; veja a Figura 6.1

6.2.2 Determinação do momentum angular orbital

O valor experimental do momento magnético do dêuteron5, µd = 0, 8574 µN , é próx-imo, mas não igual, à soma dos momentos magnéticos do próton e do nêutron (µp =2, 7928 µN , µn = −1, 9130 µN e µp + µn ' 0, 8798 µN ), logo os dois dipolos de-vem estar alinhados (mesma direção, mas de sentidos opostos), mas os spins devem

3A distribuição δ (r −R0) é também conhecida como “função” delta de Dirac; no entanto, ela não éuma função no sentido estrito da matemática. Ela só tem sentido em um contexto mais amplo, como funçãogeneralizada, quando, sob o símbolo de integração, ela multiplica uma função regular. Aqui ela possui oseguinte significado: é nula para r 6= R0 e tem valor indefinido em r = R0.

4A derivada de δ (x− x0) em relação a x é a função de Heaviside, que é regular nos intervalos (−∞, x0)e (x0,∞) , e é indefinida no ponto x0

Θ (x− x0) =1 para x0 < x0 para x < x0.

Entretanto, esta última condição é relaxada e admite-se aqui que ela toma o valor 1 no ponto x0.5Por motivos de ordem prática, consideramos apenas quatro casas decimais para expressar o valor do

momento de dipolo, embora o valor experimental seja µd = 0, 8574376± 0, 0000004 µN .

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 7: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.2 O dêuteron 183

Figura 6.1: Poço de potencial atrativo “quadrado” com superfície singular, de alcance R0 e in-tensidade V0. Bd é a energia de ligação do dêuteron.

ter mesma direção e sentido. Por conseguinte, número quântico spin total6 S = 1(S = sp + sn). Uma vez que o momentum angular total observado é J = 1 e, lem-brando que |J − S| ≤ l ≤ J + S, os possíveis valores do número quântico momen-tum angular orbital são l = 0, 1, 2. Devido ao seu sinal positivo, a barreira centrífuga+~2l (l + 1) /2µr2, para l 6= 0, contribui com um incremento de energia, cujo efeito émanter os núcleons mais afastados um do outro do que estariam no caso l = 0. Assim,o estado fundamental deve ter momentum angular l = 0, pois para qualquer potencialesfericamente simétrico o estado de energia mais baixa é aquele com l = 0.Desta forma, a equação de Schrödinger para a variável radial r é escrita como (veja

a Figura 6.1) µ~2

d2

dr2+ V0 +E

¶uI(r) = 0, para r < R0µ

~2

d2

dr2+E

¶uII(r) = 0 para r > R0

para os dois intervalos do domínio da função radial u(r), ou

d2uI(r)

dr2+ κ2uI(r) = 0, para r < R0 (9a)

d2uII(r)

dr2− α2uII(r) = 0, para r > R0. (9b)

Aqui

κ2 =mN

~2(V0 −Bd) , α2 =

mNBd

~26Sempre em unidades de ~, embora a constante de Planck seja omitida.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 8: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

184 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

com E = −Bd, e consideramos mn ≈ mp ≈ mN (mN = 939 MeV/c2 é definidacomo a massa do núcleon, um valor intermediário entre a massa do próton e a donêutron). As soluções para as equações dadas em (??) são

uI(r) = A1 sinκr e uII(r) = A2e−αr, (6.10)

referentes às regiões I e II, respectivamente, onde A1 e A2 são constantes a serem de-terminadas a partir da condição de normalizaçãoZ R0

0

µuI(r)

r

¶2r2dr +

Z ∞R0

µuII(r)

r

¶2r2dr = 1. (6.11)

As funções uI(r) e uII(r) exibem comportamentos distintos como função de r, oprimeiro é oscilante, significando que a partícula relativa está dentro do raio de alcancedo potencial e o segundo apresenta atenuação, que expressa o fato que, estando em umestado ligado, a probabilidade de a partícula estar longe da borda do núcleo decai ex-ponencialmente com a distância; ou seja, a partícula tem pouca probabilidade de existirna região longe – à direita – da borda do potencial. Como as funções uI(r) e uII(r)e suas derivadas devem ser contínuas no ponto r = R0, ou seja, uI(R0) = uII(R0) e(duI(r)/dr = duII(r)/dr)r=R0

, obtemos destas equações as seguintes relações entrecoeficientes e parâmetros,

A1 sin (κR0) = A2e−αR0

(6.12)A1κ cos (κR0) = −A2αe−αR0

O cálculo da razão entre termos correspondentes dos dois lados das equações (6.12) levaà equação transcendental

κ cot (κR0) = −α, (6.13)que permite determinar a profundidade do poço de potencial V0. A constante α−1 = rdé comumente associada ao tamanho do dêuteron, i.e., é uma medida de seu raio. Pelacondição de normalização, Eq. (6.11), obtemos uma segunda equação que relaciona asconstantes A1 e A2,

A212κ(2κR0 − sin (2κR0)) +

A22αe−2αR0 = 2. (6.14)

Esta última equação, juntamente com uma das duas equações (6.12), permite determinaras constantes A1 e A2.Como pode ser visto, a equação (6.13) relaciona a profundidade do poço de potencial

V0 e seu alcance R0 com a energia de ligação Bd. Agora, com base nessa observação,vamos mostrar que o dêuteron não pode ter um estado excitado, que ele só existe noestado fundamental. Empiricamente, sabe-se que o alcance da força nuclear está entre 2e 3 fm, mas vamos supor, como hipótese de trabalho, que R0 = 2 fm e, como Bd =

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 9: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.2 O dêuteron 185

Figura 6.2: As intersecções entre as duas curvas são as raízes da equação transcedental (6.16).

2, 225 MeV , reescrevemos então a Eq. (6.13) como uma equação transcendental navariável adimensional x = κR0,

x cotx = −αR0. (6.15)Visto que α ≈ 0, 23 fm−1 e αR0 = R0/rd ≈ 0, 46, (qualitativamente o valor α−1 =4, 35 fm pode ser identificado com o tamanho do núcleo, que seria seu diâmetro, por-tanto o raio do dêuteron estimado é 2, 17 fm, próximo do valor experimental de 2, 1fm) a Eq. (6.15) é escrita como

cotx = −0, 46x

. (6.16)

Traçando separadamente as curvas correspondentes às expressões dos lados esquerdo edireito da equação, y1 = cotx e y2 = − 0, 46/x respectivamente, conforme visto naFigura 6.2, os pontos de intersecção correspondem às raízes da Eq. (6.16), que podemser escritas aproximadamente como (n+ 1/2)π, com n = 0, 1, 2, 3.... Por inspeção dográfico vemos que para o estado fundamental (n = 0) temos

π

2. kR0 < π. (6.17)

No que se refere à segunda desigualdade, uma pergunta pertinente é: por que kR0 < π?A resposta é a seguinte: como a função de onda radial do estado fundamental é escritacomoRI (r) = A1 sin (kr) /r, para r ≤ R0, segue então que a probabilidade de encon-trar o dêuteron em algum ponto entre r e r + dr é P (r) dr = 4πr2 [uI (r) /r]

2 dr =

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 10: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

186 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

4πA21 sin2 (kr) dr. No seu estado fundamental, o elemento de probabilidade P (r) dr

não poderá ser nulo em nenhum ponto do poço, 0 < r ≤ R0, exceto na origem dosistema de coordenadas, portanto, kR0 < π para 0 < r ≤ R0.Agora vamos estimar o valor de V0, a profundidade do poço de potencial: por uma

verificação numérica encontramos7 κ ≈ 0, 91 fm−1 e constatamos que

κ2(= 0, 83)À α2(= 0, 053).

Comoκ2 =

mNV0~2

− α2,e ~2/mN ≈ 41, 5MeV fm−2, daí resulta um poço de potencial profundo,

V0 =~2

mN

¡κ2 + α2

¢≈ 36, 6MeV,

quando comparado com a energia de ligação do dêuteron, Bd = 2, 225 MeV . ComoκR0 ≈ 1, 82 < π, definindo κ20 = V0mN/~2 = κ2 + α2 ≈ 0, 88 temos κ0R0 =pκ2R20 + α2R20 =

q(1, 82)2 + (0, 46)2 ≈ 1, 88 < π; logo

π

2. κ0R0 < π. (6.18)

Como um passo seguinte nessa discussão, podemos procurar o primeiro estado ex-citado com n = 1. Neste caso, temos uma expressão semelhante à inequação (6.17),

2. κ∗R0 =

qκ20 − β2 R0 < κ0R0, (6.19)

onde β =pmN |E1| /~2, E1 (> E0) é a energia do primeiro estado excitado e

κ∗ =£mN (V0 − |E1|) /~2

¤1/2. Mas a desigualdade (6.19) está em contradição coma desigualdade (6.18), κ0R0 < π, portanto concluímos que não deve existir um estadoexcitado com l = 0 (estado S).Agora vamos verificar que não podem existir estados ligados com momenta angu-

lares l = 1, 2, ... . Para isto vamos escrever a equação radial

d2uI(r)

dr2+

mN

~2(V0 +E)uI(r)−

l (l + 1)

r2uI(r) = 0 para r ≤ R0 (6.20)

7Também pode-se fazer uma um pequeno cálculo formal: escrevemos κR0 = π/2 + , onde ¿ π/2,que substituímos na Eq. (6.15). Em primeira ordem em temos

π

2+ cot

π

2+ ≈ π

2+ (− ) ≈ −π

2,

logo

−π

2≈ −αR0 ou ≈ 2αR0

π.

Temos entãoκR0 ≈

π

2+2αR0

πe κ ≈ π

2R0+2α

π≈ 0, 93 fm−1,

valor próximo daquele obtido numericamente.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 11: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.2 O dêuteron 187

ed2uII(r)

dr2+

mNE

~2uII(r)−

l (l + 1)

r2uII(r) = 0 para r > R0. (6.21)

A solução da Eq. (6.20) é dada em termos da função de Bessel esférica, ul(r)/r = jl(r),pois jl(r) é regular (não tem divergência) na origem, logo para l = 1

ψI(r) = A1j1 (κr)Y1m (Ω) para r ≤ R0 (6.22)

e para a Eq. (6.21) a solução que é regular em r =∞ é

ψII(r) =A2r2

Y1m (Ω) para r > R0. (6.23)

As condições de continuidade para as funções e suas derivadas levam à seguinte equaçãotranscendental

j1 (κR0) +1

2kbj01 (κR0) = 0, (6.24)

onde j01 (κR0) é a derivada em relação ao argumento. Como

j1 (κR0) =sin(κR0)

(κR0)2 −

cos(κR0)

κR0,

a Eq. (6.24) simplifica-se parasin (κR0) = 0,

o que permite escrever κR0 = nπ, n = 1, 2, 3... . Admitindo que o primeiro nívelde energia excitado seja E1 ≈ 0, temos que κ ≈ κ0 e κ0R0 = π, o que, novamente,está em contradição com a condição (6.18). Conclui-se, portanto, que um poço depotencial de profundidade V0 ≈ 36, 6MeV e alcance R0 = 2 fm não suporta mais doque um único estado ligado. A fraca ligação entre os núcleons, mesmo em seu estadofundamental, é devida ao fato de terem uma distância média relativamente grande. Emum estado excitado, a distância média seria ainda maior e a ligação se romperia.Por conseguinte, vimos que com uma simples análise em termos da equação de

Schrödinger de uma partícula sujeita a um potencial "quadrado"atrativo, com alcancede 2 fm, e com energia de ligação de 2, 225 MeV , foi possível explicar o porquê daexistência do único estado ligado do dêuteron.

6.2.3 Efeito de spin no dêuteron: interação tensorial

Cálculos teóricos feitos, usando o potencial da seção anterior, para o momento de dipolomagnético e o momento de quadrupolo elétrico do dêuteron apresentam discrepânciascom os valores experimentais. Para explicá-la torna-se necessário fazer hipóteses adi-cionais sobre a natureza da força nuclear com base no conhecimento empírico. Assim,deve-se supor que a força nuclear contém, além dos termos de força puramente centrale central com dependência de spin, uma componente tensorial. De forma mais geral,iremos considerar uma função potencial da forma

V (r) = Vc (r) + 4VS (r) s1 · s2 + VT (r) S12 (6.25)

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 12: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

188 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

com r = r1 − r2 e o operador tensorial

S12 = 3 (s1 · r) (s2 · r)− s1 · s2, (6.26)

que à semelhança da interação entre dois dipolos elétricos, cujo potencial de inter-ação depende da orientação de seus dipolos8, é não-central. O operador S12 possuias seguintes propriedades: (1) é invariante pela troca das coordenadas das partículasr1 À r2 e dos spins s1 À s2; (2) é invariante pela operação de inversão espacial,r → −r e (3) a média em ângulos, ou seja, a média sobre todas as direções na Eq.(6.26), o primeiro termo do lado direito contribui com um fator 1/3

h(s1 · r) (s2 · r)iθφ =1

Z(s1 · r) (s2 · r) dΩ =

1

3s1 · s2,

portanto a média em ângulos da força tensorial é nula, isto é,DS12

Eθφ= 0. Visto que as

relações de comutaçãohS12, J

2i= 0 e

hS12, Jz

i= 0 se verificam, existe um conjunto

de estados ortogonais e normalizados que conservam os números quânticos J e de suaprojeção M sobre o eixo z; os estados são representados por YM

LSJ (Ω) e constituemuma base adequada para o tratamento do problema em questão9. Para J = M = 1tem-se,

3S1 : Y1011 (Ω) = Y00 (Ω)χ11

3D1 : Y1211 (Ω) =r3

5Y20 (Ω)χ1−1 −

r3

10Y21 (Ω)χ10 +

r1

10Y20 (Ω)χ11

1P1 : Y1101 (Ω) = Y11 (Ω)χ00

3P1 : Y1111 (Ω) =1√2Y11 (Ω)χ10 −

1√2Y10 (Ω)χ10, (6.27)

onde χSMsé o estado coletivo de spin de duas partículas de spins individuais s1 =

s2 = 1/2, logo (veja o apêndice A do capítulo 2) S = 0, 1 e pode-se também verificarque

S12Y1011 (Ω) =√8Y1211 (Ω) (6.28)

S12Y1211 (Ω) =√8Y1011 (Ω)− 2Y1211 (Ω) . (6.29)

8A energia potencial entre dois dipolos elétricos d1 e d2 situados a uma distância r um do outro é

− 1

r33 d1 · r d2 · r − d1 · d2 ,

com r = r/r. Note a dependência da interação com r−3, que é conseqüência da natureza r−1do potencialcoulombiano.

9Veja o livro [1] para maiores detalhes. Os estados podem ser representados pela notação espectroscópica,2S+1LJ , e para o momentum angular orbital L = 0, 1, 2, 3, 4, 5..., usam-se as letras S, P ,D, F ,G,H,...,respectivamente, continuando com a seqüência alfabética.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 13: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.2 O dêuteron 189

O estado fundamental do dêuteron pode ser representado como uma superposição dosestados 3S1 e 3D1, ambos com J = 1, S = 1 e L par, ou seja,

Ψdeut (r) = R0 (r)Y1011 (Ω) +R2 (r)Y1211 (Ω) , (6.30)

pois a paridade espacial do estado deve ser uma quantidade conservada, PYMLSJ (Ω) =

(−)L YMLSJ (Ω), sendo P o operador paridade. As funções radiais R0 (r) e R2 (r) de-

vem satisfazer a condição de normalizaçãoZ ∞0

Ψ†deut (r)Ψdeut (r) d3r = η2 + ν2 = 1 (6.31)

com10 Z ∞0

[R0 (r)]2r2dr = η2,

Z ∞0

[R2 (r)]2r2dr = ν2.

Agora vamos calcular o valor esperado do operador de dipolo magnético, µ =gpsz (p) + gnsz (n) (veja o capítulo 2). Não é difícil verificar que, em unidades demagneton nuclear µN ,

µχ00 =1

2(gp − gn)χ10

µχ11 =1

2(gp + gn)χ11

µχ10 =1

2(gp − gn)χ00

µχ1−1 = −12(gp + gn)χ1−1.

Estes resultados, juntamente com as propriedades de ortonormalizaçãoZY ∗LML

(Ω)YL0M 0L(Ω) dΩ = δLL0δMLM 0

Le χ†SMs χS0M 0

s= δSS0δMSM 0

S,

permitem obter uma expressão para o valor esperado

hµi =

ZΨ†deut (r) µΨdeut (r) r

2drdΩ

= χ†11µχ11η2 +

∙3

5χ†1−1µχ1−1 +

3

10χ†10µχ10 +

1

10χ†11µχ11

¸ν2

=gp + gn2

η2 +

∙3

5

µ1− gp + gn

2

¶+3

10

1

2+1

10

gp + gn2

¸ν2

=gp + gn2

η2 +

∙1

4− 34

µ1− gp + gn

2

¶¸ν2 = 0, 8797η2 + 0, 3101ν2.

(6.32)

10A integral ∞0 R0 (r)R2 (r) r2dr não é necessariamente nula.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 14: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

190 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Agora, visto que o valor experimental é µexpd = 0, 8574 µN , e considerando a últimaigualdade na Eq. (6.32) juntamente com a Eq. (6.31), podemos determinar o valor doscoeficientes η2 ' 0, 96 e ν2 ' 0, 04, o que descreve o dêuteron como um estado desuperposição cuja componente principal é um estado S e, com menor peso, um estadoD. A presença da componenteD é uma indicação da existência de um pequeno desvioda esfericidade na forma do dêuteron, que pode ser constatado através do cálculo domomento de quadrupolo nuclear. As coordenadas do próton e do nêutron são rp =R+ r/2 e rn = R− r/2, e no RCM são rp = r/2 e rn = −r/2; como apenas o prótoncontribui para o momento de quadrupolo, tem-se

Q =

Z؆deut (r)

Ãr16π

5(r/2)2 Y20 (Ω)

!Ψdeut (r) r

2drdΩ

=

√2

10

Z ∞0

R0 (r)R2 (r) r4dr − 1

20

Z ∞0

(R2 (r))2 r4dr. (6.33)

Logo, diferentemente do cálculo do momento de dipolo magnético, aqui é necessárioconhecer as funções radiais, que são solução da equação de Schrödinger para o potencial(6.25); no estado tripleto S = 1, tem-se½

− ~2

mN∇2 + V0 (r) + VT (r) S12

¾Ψdeut (r) = EΨdeut (r) , (6.34)

com V0 (r) = Vc (r) + VS (r). Substituindo a função de onda (6.30) em (6.34) echamando R0 (r) = u0 (r) /r e R2 (r) = u2 (r) /r, vamos escrever as equações difer-enciais para as funções u0 (r) e u2 (r). Inicialmente reescrevemos a equação de Schrö-dinger (6.34) comoµ

− ~2

mN∇2 + V0 (r)−E

¶µu0 (r)

rY1011 (Ω) +

u2 (r)

rY1211 (Ω)

¶+VT (r)

∙u0 (r)

r

√8Y1211 (Ω) +

u2 (r)

r

³√8Y1011 (Ω)− 2Y1211 (Ω)

´¸= 0 (6.35)

e sabendo-se que ∇2 = r−2∂/∂r¡r2∂/∂r

¢− L2/r2, obtemos

∇2µu0 (r)

rY1011 (Ω)

¶=

1

r

d2u0 (r)

dr2Y1011 (Ω)

∇2µu2 (r)

rY1211 (Ω)

¶=

µ1

r

d2u0 (r)

dr2− 1

r

2 (2 + 1)

r2u2 (r)

¶Y1211 (Ω) .

Multiplicando a Eq. (6.35) à esquerda por¡Y1011 (Ω)

¢† e integrando em dΩ, a seguirmultiplicando novamente a Eq. (6.35) por

¡Y1211 (Ω)

¢† e integrando, obtemos duasequações diferenciais lineares acopladas,

− ~2

mN

d2u0 (r)

dr2+ (V0 (r)−E)u0 (r) = −

√8VT (r)u2 (r) (6.36)

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 15: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.3 Espalhamento próton-nêutron 191

− ~2

mN

µd2u2 (r)

dr2− 6u2 (r)

r2

¶+(V0 (r)− 2VT (r)−E)u2 (r) = −

√8VT (r)u0 (r) .

(6.37)Daí vemos que a componente tensorial do potencial nuclear acopla as funções de ondaradiais de momenta angulares 0 e 2, pois, para VT (r) = 0, as equações se desacoplam.As Eqs. (6.36) e (6.37), obtidas em 1941 [2], são conhecidas como equações de Rarita-Schwinger. Postulando a forma dos potenciais V0 (r) e VT (r), as equações podem serresolvidas numericamente para determinar as funções u0 (r) e u2 (r), que são necessáriaspara calcular o momento de quadrupolo (6.33). Em princípio, são quatro os parâmet-ros que entram nos potenciais: alcance e profundidade dos poços V0 (r) e VT (r), quepodem ser ajustados para reproduzir a energia de ligação e o momento de quadrupolo,permanecendo ainda dois parâmetros livres.

6.3 Espalhamento próton-nêutronPara estudar o espalhamento do sistema próton-nêutron vamos supor que no RL osnêutrons sejam os projéteis e átomos de hidrogênio sejam o alvo, embora, no RCM, istonão seja relevante. Iremos abordar aqui o problema do espalhamento a baixas energiascinéticas (em relação às massas dos núcleons, E < 10MeV , ou então, que o compri-mento de onda do projétil seja muito maior que o tamanho do alvo) e sem considerara influência do spin; introduziremos os efeitos de spin na seção 6.4. Por permitir obtersoluções analíticas simples de serem analisadas, vamos considerar, como no caso dodêuteron, o mesmo potencial de interação (6.8).Formalmente, a diferença essencial entre um dêuteron e o espalhamento, ou estado

livre n−n ou n−p, é que, neste caso, a energia da partícula relativa assume valores pos-itivos, E > 0. Em uma análise semiclássica do espalhamento, consideramos o nêutroncomo uma partícula pontual e a colisão com o alvo como essencialmente frontal, veja aFigura 6.3, ou que o tamanho do alvo é pequeno em comparação com o comprimentode onda associado à partícula incidente. Neste caso, a partícula relativa incide sobre umcentro de força, com parâmetro de impacto

b¿ ~µv

=~p= λ/2π

(µ = mN/2) e com momentum angular l¿ 1, que caracterizam as colisões que efeti-vamente contribuem para a seção de choque. Portanto, no tratamento quântico pode-sesupor que l = 0.Agora pergunta-se: qual deve ser a energia da partícula relativa para que seja válida

a condição l = 0? A energia cinética da partícula relativa é escrita como

T =1

2µv2 ≈ 1

4mNv

2.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 16: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

192 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Figura 6.3: Trajetória do projétil incidindo com pequeno parâmetro de impacto b.

Como é necessário que v ¿ 2~/mNb e usando b = 2 fm, que é o valor estimado parao alcance do potencial nuclear, obtemos com esta escolha

T =1

4mNv

2 ¿ 1

4mN (2~/mNb)

2=

¡e2¢2 ¡

e2/~c¢−2

(mNc2) b2

=(1, 44× 137)2 MeV 2fm2

939× 22 MeV fm2≈ 10, 4MeV ,

portanto, somente para baixas energias cinéticas (T ¿ 10MeV ) podemos considerarl = 0. Nestas condições a solução da equação de Schrödinger para o poço quadradocom E > 0, veja a Figura 6.4, é

ψ (r) =u(r)

rY00(Ω)

com a função de onda radial dada por

u(r) =

⎧⎪⎪⎪⎪⎨⎪⎪⎪⎪⎩uI (r) = A0 sin (k1r) com k1 =

pk2 + κ20, para r ≤ R0

euII (r) = C sin(kr + δ0) com k =

√2µE/~, para r > R0

ouuII (r) = C 0 sin (kr) +D0 cos (kr), com C0 = C cos δ0 eD0 = C sin δ0,

(6.38)

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 17: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.3 Espalhamento próton-nêutron 193

Figura 6.4: Poço quadrado atrativo, projétil incidindo com energia E.

que assume valores diferentes dependendo da região espacial, uI (r) para a região I euII (r) para a região II, e κ20 = 2µV0/~2. Como é necessário que as condições decontinuidade da função de onda e de sua derivada sejam satisfeitas em r = R0,

uI (R0) = uII (R0) eduI (r)

dr

¯r=R0

=duII (r)

dr

¯r=R0

,

então, à semelhança com o caso do dêuteron, estas equações levam à seguinte equaçãotranscendental para a energia E,

k1 cot (k1R0) = k cot (kR0 + δ0) , (6.39)

onde o parâmetro δ0 é chamado deslocamento de fase (phase shift), ele contém toda ainformação sobre a forma e a natureza do potencial espalhador. O efeito de V0 sobrea função de onda e o significado de δ0 são vistos na Figura 6.5. Na parte superiorvemos a forma senoidal regular da onda na ausência de potencial, no centro vemos aonda senoidal distorcida pela presença de um potencial atrativo – a onda é espremida naregião do potencial –, o que causa um deslocamento por uma fase positiva na onda, emcomparação com a onda livre. Quando o potencial é repulsivo a onda senoidal se dilatana região do potencial, como pode ser constatado na parte inferior da Figura 6.5, o quecausa um deslocamento por uma fase negativa. Esses deslocamentos na fase da ondasão medidos e os resultados fornecem informação sobre o potencial.Para uma partícula livre, a função de onda com l = 0,

ψ(V0=0)l=0 (r) = A

sin (kr)

kr,

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 18: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

194 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Figura 6.5: Comportamento do deslocamento de fase δ0 para potenciais atrativos e repulsivos.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 19: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.3 Espalhamento próton-nêutron 195

( ψl=0(r) ≡ u0(r)/r) pode ser convenientemente reescrita como

ψ(V0=0)l=0 (r) =

A

2ik

µeikr

r− e−ikr

r

¶pois esta forma permite uma análise física mais evidente. O termo eikr/r representauma onda esférica que emerge do centro do RCM e e−ikr/r corresponde a uma ondaesférica imergente sobre o centro do RCM (ou uma onda incidente sobre o centro doRCM, embora, na realidade, para projéteis monoenergéticos a onda incidente é umaonda plana; isto será considerado adiante), veja a Figura 6.6. Na presença de um alvo,a parte emergente da função de onda adquire uma fase β, sendo então escrita como

ψ(V0 6=0)0 (r) =

A

2ik

µei(kr+β)

r− e−ikr

r

¶. (6.40)

Mas da Eq. (6.38) temos

ψ(V0 6=0)0 (r) =

C

2i

µei(kr+δ0)

r− e−i(kr+δ0)

r

¶=

Ce−iδ0

2i

µei(kr+2δ0)

r− e−ikr

r

¶(6.41)

e, comparando a Eq. (6.40) com a Eq. (6.41), identificamos

A = kCe−iδ0 e β = 2δ0.

A fase δ0 deve depender do número de onda k do projétil e, em princípio, da forma dopotencial V (r). Como a função de onda (6.41) contém também uma parte imergente(parte da onda que incide sobre a origem do referencial), a parte puramente espalhada(emergente) da função de onda é obtida fazendo a subtração seguinte

ψesp0 (r) = ψ(V0 6=0)0 (r)− ψ

(V0=0)0 (r) =

A

2ik

¡ei2δ0 − 1

¢ eikrr.

Partículas monoenergéticas incidindo sobre um alvo podem ser espalhadas; de formamais geral (l 6= 0), cada uma delas será representada por uma superposição de duasondas: uma onda plana incidente na direção k = kz, que é dada por eik·r → eikz , euma onda esférica emergente que representa a partícula espalhada,

ψ (r) ∼= ψinc (r) + ψesp (r) = A

∙eikz + f(θ, k)

eikr

r

¸, (6.42)

onde o símbolo ∼= significa assintoticamente igual a. A função f(θ, k) é chamada am-plitude de espalhamente11 e θ é o ângulo de espalhamento no RCM. Em particular, a

11Devido à consideração de simetria axial podemos fazer a seguinte expansão em polinômios de LegendrePl (cos θ),

f(θ, k) =∞

l=0

(2l+ 1) fl (k)Pl (cos θ) .

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 20: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

196 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Figura 6.6: Ondas esféricas emergente e imergente na ausência de um potencial. Na parte inferiorda figura, ondas planas incidindo a partir de diversas direções.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 21: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.3 Espalhamento próton-nêutron 197

onda parcial l = 0 (presente da onda espalhada ψesp (r)) é dada por

ψl=0 (r)∼= ψinc (r) + ψesp0 (r) = A

∙eikz + f0(k)

eikr

r

¸, (6.43)

e identificamos1

2ik

¡ei2δ0 − 1

¢−→ f0(k),

o que mostra que a amplitude de espalhamento (assim como a defasagem δ0) independedo ângulo θ.Vamos agora calcular os fluxos das partículas espalhadas (por unidade área e por

unidade de tempo) pelo alvo e das partículas incidentes sobre o alvo, para l = 0, pormeio de suas respectivas correntes. Para a onda espalhada ψesp0 (r),

jesp (r) ∼=~2iµ

µ(ψesp0 (r))

∗ dψesp0 (r)

dr− ψesp

d (ψesp0 (r))∗

dr

¶=

~k |A|2

µ (kr)2sin2 δ0, (6.44)

e para a onda incidente, ψinc (r) = Aeikz, temos

jinc =~k |A|2

µ.

A fração de partículas incidentes que são espalhadas para dentro do elemento de árear2dΩ (no elemento de ângulo sólido dΩ e a uma distância r do alvo no RCM, veja aFigura 6.7) é chamada de elemento de seção de choque diferencial,

dσ0 (Ω) =jesp (r) r2dΩ

jinc=sin2 δ0k2

dΩ,

que pode ser interpretada como a probabilidade de que uma partícula incidente – commomentum angular l = 0 – sobre o centro espalhador seja defletida para o elemento deárea r2dΩ, na direção do ângulo sólido dΩ e à distância r.A seção de choque diferencialé definida como

dσ0 (Ω)

dΩ=sin2 δ0(k)

k2,

e dado que

f0(k) =1

2ik

³ei2δ0(k) − 1

´,

Assintoticamente, a onda plana é escrita como

eikz = eikr cos θ ∼=∞

l=0

il (2l+ 1)sin (kr − lπ/2)

krPl (cos θ) .

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 22: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

198 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Figura 6.7: Cone de espalhamento.

tem-se

|f0(k)|2 =sin2 δ0(k)

k2.

Portanto, verifica-se que existe uma relação direta entre a seção de choque diferencial e omódulo ao quadrado da amplitude de espalhamento que está presente na parte espalhadada função de onda (6.43). Essa relação também se mantém para l 6= 0 e a seção dechoque diferencial é escrita como

dσl (Ω)

dΩ= |fl(θ, k)|2 .

A seção de choque total, obtida integrando-se sobre os ângulos,

σl (k) =

Z|fl(θ, k)|2 dΩ,

é proporcional à fração das partículas incidentes que são espalhadas em todas as di-reções de forma que. Para l = 0,

σ0(k) =4π sin2 δ0(k)

k2(6.45)

depende da energia através da razão δ0(k)/k2. Para o poço de potencial quadrado, naEq. (6.39) vamos denotar

ϑ (k) ≡ −k1 cot (k1R0) , (6.46)o que permite reescrever a Eq. (6.39) como

sin2 δ0 (k) =[cos (kR0) + (ϑ (k) /k) sin (kR0)]

2

1 + (ϑ (k) /k)2, (6.47)

ou então comotan δ0 (k) =

k/ϑ (k) + tan (kR0)

(k/ϑ (k)) tan (kR0)− 1, (6.48)

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 23: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.3 Espalhamento próton-nêutron 199

que leva à expressão da seção de choque total

σ0(k) =4π

k2 + ϑ2 (k)[cos (kR0) + (ϑ (k) /k) sin (kR0)]

2 . (6.49)

Para energias cinéticas de incidência muito baixas, por exemplo E = 10 keV , k2 ¿ϑ2 (k) e com V0 = 36, 6MeV , obtemos

k ≈ 0, 015 fm−1 e k1 ≈ 0, 94 fm−1,verificando que k ¿ k1. Tomando R0 = 2 fm, então kR0 = 0, 03¿ 1, o que mostraque a seção de choque (6.49) é praticamente constante. De fato, escrevendo

ϑ0 = ϑ (0) = −κ0 cot (κ0R0) , (6.50)para κ0 = 0, 94 teremos ϑ0 ≈ 0, 30 fm−1, de onde obtemos o valor da seção dechoque

σ0 (0) ≈ 4π¡ϑ−10 +R0

¢2 ≈ 3, 6 b, (6.51)que, comparado com as medições experimentais – cerca de 20 b, veja na Figura 6.8 –mostra-se um valor muito baixo. A causa da discrepância entre o valor calculado (σ0 ≈

Figura 6.8: Seção de choque total de espalhamento de nêutrons por prótons, l = 0, a baixasenergias. Pontos experimentais das Refs. [4, 5].

3, 6 b) e o experimental (σexp ≈ 20, 4 b) deve-se ao fato de não havermos considerado oefeito do spin relativo dos núcleons colidentes. Na realidade, para um feixe de nêutronsnão-polarizados incidentes sobre um alvo constituído de prótons, a seção de choquetotal deve ser escrita como

σ0 (k) =3

4σ0t (k) +

1

4σ0s (k) , (6.52)

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 24: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

200 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

onde σ0t (k) e σ0s (k) são as seções de choque dos estados de tripleto (S = 1) e desingleto (S = 0) do par p− n colidente, e os fatores multiplicativos 3/4 e 1/4 provêmdas frações do número total de estados, admitindo-se que os quatro são igualmenteprováveis. No cálculo efetuado consideramos que o par p − n estava em um estadotripleto puro (spins paralelos), portanto, na realidade, nós calculamos σ0t = 3, 6 b,mas como σexp0 ≈ 20, 4 b, então, da Eq. (6.52), deduz-se que σ0s ≈ 70, 8 b. Assim,conjectura-se que a força nuclear deve depender dos spins dos núcleons interagentes.Voltaremos ao assunto na seção 6.4.

6.3.1 Comprimento de espalhamento e alcance efetivo

Vimos que a baixas energias a seção de choque total é praticamente constante, istopermite definir uma quantidade, a0, que tem dimensão de comprimento e que independeda forma do potencial, denominada comprimento de espalhamento,

a0 = limk→0

µ− sin δ0(k)

k

¶= lim

k→0

µ−δ0(k)

k

¶= lim

k→0

µ− tan δ0(k)

k

¶= lim

k→0

µ−1

k cot δ0(k)

¶.

Qualquer uma dessas quatro formas é encontrada na literatura e o sinal negativo foiescolhido por convenção. Assim, no limite k → 0 a seção de choque total (6.45) éescrita como

σ0 (0) = limk→0

σ0 (k) = 4πa20. (6.53)

No caso do potencial quadrado, da Eq. (6.51) o comprimento de espalhamento é escritocomo

a0 =¡ϑ−10 +R0

¢,

que pode ser positivo ou negativo. No caso considerado na subseção anterior o compri-mento de espalhamento assume o valor a0 ≈ 5, 3 fm. Apesar de sua denominação, oparâmetro a0 é uma medida da natureza da força e não somente do alcance do potencial,de fato ele depende de V0 assim como de R0.Vamos considerar, em particular, uma das formas para o comprimento de espal-

hamento, a0 = − limk→0 δ0(k)/k; assim, para k → 0, necessariamente δ0 → 0 e a0está presente na função de onda espalhada,

ψesp0 (r) =Aeiδ0 sin δ0

k

eikr

r≈ −Aa0eiδ0

eikr

r,

contribuindo com um fator multiplicativo. Escrevendo a solução da equação de Schrödingerda região exterior ao potencial (r > R0) na forma

uII(r) = C sin (kr + δ0) ≈ C sin k(r − a0),

vemos que, para baixas energias, k ≈ 0, a expressão se reduz à equação de uma reta

uII(r) ≈ Ck(r − a0).

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 25: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.3 Espalhamento próton-nêutron 201

Figura 6.9: O comprimento de espalhamento a para o sistema próton-nêutron; estado de tripletoe de singleto.

Colocando esta função em um gráfico, ver-se-á que a reta corta a abcissa no pontoa0, veja a Figura 6.9. No caso dos núcleons estarem no estado tripleto de spin, a retaintercepta a abcissa no lado positivo do eixos, portanto a0 > 0. Porém, se o estadofor um singleto de spin, não há estado ligado e a reta interceptará a abcissa na “regiãonegativa de r”, ou seja a0 < 0. Portanto, nesse limite de baixas energias, o sinal dea0 diz se a força nuclear permite, ou não, um estado ligado; em suma, o sinal de a0 dáinformação sobre a natureza do potencial.No caso do potencial quadrado, a0 > 0 =⇒ tan (κ0R0) < κ0R0 enquanto que

a0 < 0 =⇒ tan (κ0R0) > κ0R0.Agora vamos considerar a dependência da seção de choque com a energia em ordem

mais baixa. Para isso vamos reescrever a seção de choque (6.45) como

σ0(k) =4π

k2 + (k cot δ0(k))2 (6.54)

e para o caso do potencial quadrado,

k cot δ0(k) =(k/ϑ (k)) tan (kR0)− 11/ϑ (k) + (tan (kR0)) /k

=k tan (kR0)− ϑ (k)

1 + ϑ (k) (tan (kR0)) /k.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 26: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

202 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Para pequenos valores de k, considerando termos até ordem k2, obtemos12

ϑ (k) ≈ ϑ0 +R02

µ1 +

ϑ20a0κ20R0

¶k2

e

k cot δ0(k) ≈ −1

a0+1

2R0

µ1− 1

3

R20a20+

1

a0R0κ20

¶k2 = − 1

a0+1

2refk

2. (6.55)

A quantidade

ref = R0

∙1− 1

3

R20a20+

1

a0R0κ20

¸(6.56)

é chamada alcance efetivo (effective range) e tem dimensão de comprimento, sendo daordem de grandeza do alcance da força nuclear. A seção de choque se escreve entãocomo

σ0(k) =4π

k2 +¡−a−10 + 1

2refk2¢2 . (6.57)

Desta forma, na aproximação feita, torna-se possível ajustar a seção de choque cal-culada para coincidir com a experimental, para energias E < 10 MeV (desde queo efeito do spin dos núcleons seja levado em conta). Constata-se que, por meio damedição de defasagens, as únicas informações adquiridas sobre a natureza do potencialnuclear são o comprimento de espalhamento e o alcance efetivo. Independentemente daforma do potencial V (r) determina-se qual é a profundidade do poço V0 e o alcanceR0,(a0, ref )−→(V0, R0). Para um potencial de forma genérica o alcance efetivo é definidocomo

ref = 2 limk→0

¯d

d (k2)(k cot δ0(k))

¯.

Levando-se em conta os efeitos de spin (estado de singleto e de tripleto), a seção dechoque total para o espalhamento – com ausência de polarização tanto do projétil comodo alvo (6.52) – é escrita como

σs+t0 (k) =1

4

k2 +¡−a−10s + 1

2ref,sk2¢2 + 34 4π

k2 +¡−a−10t + 1

2ref,tk2¢2 , (6.58)

que depende de quatro parâmetros: o comprimento de espalhamento e o alcance efe-tivo de cada uma das duas contribuições. Os valores obtidos de dados experimentaisfornecidos na sreferências [3, 6], são

a0t = 5, 426± 0, 004 fm re,t = 1, 763± 0, 005 fma0s = −23, 715± 0, 015 fm re,s = 2, 73± 0, 03 fm.

(6.59)

12Lembrando as expansões em série de Taylor, tanx = x+ x3

3+ 2x5

15+ ..., para |x| < π/2, e cotx =

1x− x

3− x3

45− ..., para 0 < |x| < π.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 27: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.3 Espalhamento próton-nêutron 203

Iremos agora mostrar que a Eq. (6.55) pode ser obtida independentemente da formafuncional do potencial V (r). Para l = 0 e dois valores de energia, E = 0 e ~2k2/mN ,as respectivas funções de onda são soluções das equações diferenciais

u000 (r)−mNV (r)

~2u0 (r) = 0, (6.60)

u00k (r) +

µk2 − mNV (r)

~2

¶uk (r) = 0, (6.61)

com V (r), um potencial de alcance finito, mas não necessariamente "quadrado", po-dendo ter diferentes formas funcionais como

Potencial V (r)

Gaussiano −V0e−r2/R2

0 ,

Exponencial −V0e−r/R0 ,

Yukawa −V0 e−r/R0r/R0

.

Multiplicando a Eq. (6.60) por uk (r) e a Eq. (6.61) por u0 (r), e subtraindo asegunda equação da primeira, obtemos

d

dr[uk (r)u

00 (r)− u0 (r)u

0k (r)] = k2u0 (r)uk (r) . (6.62)

Agora consideremos duas funções auxiliares, v0 (r) e vk (r), que são soluções das Eqs.(6.60) e (6.61) para V (r) = 0,

v000 (r) = 0, (6.63)v00k (r) + k2vk (r) = 0 (6.64)

e, procedendo da mesma forma como fizemos para as funções u0 (r) e uk (r), obtemos

d

dr[vk (r) v

00 (r)− v0 (r) v

0k (r)] = k2v0 (r) vk (r) . (6.65)

Subtraindo (6.65) de (6.62) e integrando em r de 0 a∞, ficamos com

[uk (r)u00 (r)− u0 (r)u

0k (r)− vk (r) v

00 (r) + v0 (r) v

0k (r)]

∞0

= k2Z ∞0

[u0 (r)uk (r)− v0 (r) vk (r)] dr. (6.66)

Assintoticamente, longe da região onde o potencial atua, podemos fazer coincidir asfunções u (r) com as funções v (r), isto é, para r À R0, uk (r) = vk (r) e u0 (r) =v0 (r). Na origem, em r = 0, é necessário que as funções u0 (r) e uk (r) se anulem,u0 (0) = uk (0) = 0, pois u (r) /r não pode apresentar divergência, logo a Eq. (6.66)se reduz a

vk (0) v00 (0)− v0 (0) v

0k (0) = k2

Z ∞0

[u0 (r)uk (r)− v0 (r) vk (r)] dr.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 28: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

204 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Como queremos soluções de (6.63) e (6.64) perto da origem, usamos a liberdade deescolha para escrever, v0 (r) = 1 − r/a0 e vk (r) = sin (kr + δ0 (k)) / sin δ0 (k) doque obtemos

k cot δ0 (k) = −1

a0+ k2

Z ∞0

[v0 (r) vk (r)− u0 (r)uk (r)] dr, (6.67)

que, comparada com a Eq. (6.55), permite identificar

ref = 2

Z ∞0

[v0 (r) vk (r)− u0 (r)uk (r)] dr, (6.68)

que, mesmo assim, parece depender de k. Entretanto, como, por construção, as funçõesauxiliares são próximas das funções u0 (r) e uk (r), para r > R0 o integrando em (6.68)se torna praticamente nulo. Para r < R0, como consideramos pequenos valores de k,vk (r) ≈ v0 (r) e uk (r) ≈ u0 (r), a Eq. (6.68) simplifica-se para

ref = 2

Z R0

0

h(v0 (r))

2 − (u0 (r))2idr, (6.69)

que independe de k, e é da mesma ordem do alcance do potencial R0. Visto que osexperimentos de espalhamento consistem na determinação de deslocamentos de fase, arelação (6.55) diz que que a0 e ref são os únicos parâmetros que podem ser determina-dos a baixas energias, E < 10MeV , e nessas energias é praticamente impossível poderdistinguir entre diferentes formas de potenciais, pois os deslocamentos de fase levarãoa mesmos valores de a0 e ref . Em suma, as propriedades do sistema próton-nêutron abaixas energias de espalhamento são insensíveis à forma do potencial nuclear. O mesmotratamento vale tanto para estados de tripleto como de singleto.Já vimos que a seção de choque é escrita como

σ0 (k) ≈4π

ϑ2 (k)(1 + ϑ (k)R0)

2 = 4πR20

µ1− k1R0 cot k1R0k1R0 cot k1R0

¶2, (6.70)

com ϑ (k) = −k1 cot (k1R0), então para k = 0 temos

σ0 (0) = 4πR20

µ1− tanκ0R0

κ0R0

¶2= 4πa20, (6.71)

com o comprimento de espalhamento dado por

|a0| = R0

¯1− tanκ0R0

κ0R0

¯.

Nota-se que para certos valores da profundidade do potencial V0, podemos ter, paraum dado centro espalhador, tanκ0R0 = κ0R0 =⇒ |a0| = 0, ou σ0 = 0, o que sig-nifica ausência de espalhamento para ondas S. Este fenômeno é conhecido como efeitoRamsauer-Townsend e foi descoberto, de forma independente, por C. Ramsauer em

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 29: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.4 Efeito do spin nas colisões p-n 205

Figura 6.10: A seção de choque espalhamento σ0 em função de x = κ0R0. A linha pontilhadacorresponde a σ0= 4πR20.

1921 e por J. S. Townsend, em 1922, no espalhamento de elétrons por átomos de gasesinertes, como Ar, Kr e Xe. Nesses experimentos, eles encontraram seções de choquemuito pequenas para energias em torno de 0, 7 eV . Este fato só pôde ser explicado como advento da mecânica quântica, num tratamento cuja forma do potencial dos átomosinertes pode ser aproximado por um potencial esférico quadrado. Já para os valoresκ0R0 = nπ, n = 1, 2, ..., resulta σ0 = 4πR20, significando que o comprimento de es-palhamento se iguala ao alcance do potencial, e para a relação κ0R0 = (n+ 1/2)π,verifica-se que |a0|→∞, indicando que há um forte espalhamento, o que correspondea ressonâncias nestes casos. Veja a Figura 6.10 para o gráfico da Eq. (6.71) e note ospicos acentuados das ressonâncias. Naturalmente, a seção de choque medida experi-mentalmente não tende ao infinito porque os níveis de energia possuem uma largura delinha. De forma prática pode-se dizer que k1 é um número complexo e o argumento datangente torna-se complexo, o que elimina as divergências, e o valor da seção de choqueé finito em κ0R0 = (n+ 1/2)π.

6.4 Efeito do spin nas colisões p-nComo ressaltado na seção 6.3 a força nuclear depende do estado de spin dos núcleons

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 30: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

206 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

colidentes e esta característica precisa ser levada em conta no cálculo da seção dechoque. Portanto, esta deve depender dos estados de spin antes e depois da colisãoe isto consiste em incluí-los na função de onda (6.42). Lembrando que estamos trabal-hando com duas partículas distinguíveis, escrevemos

ψ (r) = eikzΓ†fΓi +³Γ†f f(θ, k)Γi

´ eikr

r,

onde Γi e Γf são os estados de spin dos núcleons antes e depois da colisão. Agora ooperador amplitude de espalhamento é definido como

f(θ, k) =∞Xl=0

hfl,0 (k, θ) Λs + fl,1 (k, θ) Λt

i,

ondeΛs =

1

4(1− σ1 · σ2) e Λt =

1

2(3 + σ1 · σ2) (6.72)

são operadores que, aplicados a um estado de spin qualquer, projetam o estado desingleto (χ00) e tripleto (χ1M ) respectivamente13. Por exemplo, para a superposiçãode estados finais na forma Γf = αχ00 +

PMs

βMχ1M , resulta ΛsΓf = αχ00 eΛtΓf =

PM βMχ1M . Agora, considerando o espalhamento a baixas energias, apenas

o momentum angular l = 0 contribui e f(θ, k)→ f(k) (não há dependência no ânguloθ), sendo

f(k) = a0s(k)Λs + a0t(k)Λt (6.73)o operador amplitude de espalhamento, com componentes a0s(k) e a0t(k) de estadosde singleto e de tripleto de spin. A matriz associada a esse operador é diagonal na basedos estados de singleto e tripleto, mas não é diagonal na base de estados individuais despin14; os elementos de matriz Γ†f f(k)Γi, com Γ

†f = ξ

†(1)m0 ξ

†(2)m e Γi = ξ(1)m ξ(2)m , são

dados na Tabela 6.1

ξ(1)12

ξ(2)12

ξ(1)12

ξ(2)

− 12

ξ(1)

− 12

ξ(2)12

ξ(1)

− 12

ξ(2)

− 12

ξ†(1)12

ξ†(2)12

a0t(k) 0 0 0

ξ†(1)12

ξ†(2)− 12

0 12 (a0s(k) + a0t(k))

12 (a0s(k)− a0t(k)) 0

ξ†(1)− 12

ξ†(2)12

0 12 (a0s(k)− a0t(k))

12 (a0s(k) + a0t(k)) 0

ξ†(1)− 12

ξ†(2)− 12

0 0 0 a0t(k).

Tabela 6.1. Elementos de matriz do operador (6.73) na base de estados de spins inde-pendentes (não acoplados).

13São projetores mutuamente ortogonais, ΛsΛt = ΛtΛs = 0.14No limite limk→0 (a0s(k), a0t(k)) = (a0s, a0t), obtém-se os comprimentos de espalhamento para

estados de singleto e tripleto.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 31: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.4 Efeito do spin nas colisões p-n 207

A seção de choque total para uma transição de um estado de spin inicial para umfinal é escrita como

σm1,m2→m01,m

02(k) =

Z ¯ξ†(1)m01ξ†(2)m02f(k)ξ(1)m1

ξ(2)m2

¯2dΩ.

Agora vamos considerar as seções de choque sem inversão (SIn) e com inversão (In) deestado de spin (spin-flip)

SIn: σ 12 ,

12→ 1

2 ,12(k) = σ− 1

2 ,− 12→− 1

2 ,− 12(k) = 4πa20,t(k)

SIn: σ 12 ,− 1

2→ 12 ,− 1

2(k) = σ− 1

2 ,12→− 1

2 ,12(k) = π [a0,s(k) + a0,t(k)]

2

In: σ 12 ,−

12→−

12 ,

12(k) = σ− 1

2 ,12→

12 ,−

12(k) = π [a0,s(k)− a0,t(k)]2 .

A fim de ilustrar o formalismo, vamos considerar algumas situações para o cálculode seções de choque, com a condição geral de conservação da projeção total de spin,m1 +m2 = m0

1 +m02, e com o uso da Tabela 6.1.

(1) Colisão incoerente: o feixe incidente de nêutrons não é polarizado e os pró-tons do alvo têm polarização aleatória, assim a seção de choque σnpol (k) é calculadatomando-se a média das seções de choque de transição (somando-se sobre todos os es-tados iniciais) e depois soma-se sobre todos os estados finais permitidos,

σnpol (k) =X

m01,m

02

"1

(2s1 + 1) (2s2 + 1)

Xm1,m2

σm1,m2→m01,m

02(k)

#

= 4π

µ3

4a20t(k) +

1

4a20s(k)

¶, (6.74)

que é um resultado esperado pois os pesos 3/4 e 1/4 decorrem do número de estadospossíveis para os estados de tripleto e singleto, com s1 = s2 = 1/2.(2) A colisão não inverte o spin dos nêutrons e prótons, originalmente não-polarizados.

Isso introduz a condição m1 = m01 e m2 = m0

2: calcula-se a média sobre os estadosiniciais,

σSInnpol (k) =1

(2s2 + 1) (2s1 + 1)

Xm1,m2

σm1,m2→m1m2 (k)

= 4π1

4

½2a20t(k) +

1

2[a0s(k) + a0t(k)]

2

¾.

(3) A colisão inverte o spin de ambos, nêutron e próton, o que introduz a condiçãom01 = −m1 em0

2 = −m2, logo

σInnpol (k) =1

(2s2 + 1) (2s1 + 1)

Xm1,m2

σm1,m2→−m1,−m2 (k)

= 4π1

8[a0s(k)− a0t(k)]2 .

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 32: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

208 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Note-se que σnpol (k) = σSInnpol (k)+σInnpol (k); isto permite determinar a fração de col-isões que não contribuem para a inversão dos spins e a fração daquelas que contribuem,

FSIn (k) =σSInnpol (k)

σnpol (k)=2a20t(k) + [a0s(k) + a0t(k)]

2/2

3a20t(k) + a20s(k)

,

e

F In (k) =σInnpol (k)

σnpol (k)=[a0s(k)− a0t(k)]2 /23a20t(k) + a

20s(k)

,

respectivamente. Se a0s(k) = a0t(k) o número de inversões de spin é nula, F In (k) =0, enquanto que se a razão a0s(k)/a0t(k) = −3 a fração atinge o máximo valor,F In (k) = 2/3 – significando que em duas dentre três colisões os núcleons colidentessofrerão inversão de spin. Neste último caso, além da razão, que em módulo é 3, énecessário que os comprimentos de espalhamento de singleto e tripleto tenham sinaisopostos, veja a Figura 6.11. Entretanto, usando os coeficientes da amplitude de espal-

Figura 6.11: A linha sólida representa a fração de colisões com inversão de spin, em função darazão das componentes da amplitude de espalhamento, a0s/a0t. A primeira (de baixo para cima)linha tracejada indica o valor assintótico que a função atinge quando a0s/a0t → ±∞ e a outralinha tracejada mostra a posição do maior valor, 2/3.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 33: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.4 Efeito do spin nas colisões p-n 209

Figura 6.12: A fração de nêutrons polarizados F In(k) em função do número de onda k. Afração diminui com o aumento da energia cinética.

hamento

a0s(k) =

"k2 +

µ−a−10s +

1

2ref,sk

2

¶2#−1

a0t(k) =

"k2 +

µ−a−10t +

1

2ref,tk

2

¶2#−1

com comprimentos de espalhamento e alcances efetivos dados por (6.59), a baixas en-ergias, E < 10MeV (k < 0, 49 fm−1), a fração F In (k) atinge valores bem menores,conforme pode ser visto na Figura 6.12 onde F In (k) está dada em função do númerode onda k. As maiores taxas de inversão ocorrem para os valores de k mais baixos, nãoultrapassando 25, 7% e anulando-se para k = 0, 25 fm−1, o que corresponde a umaenergia cinética de 2, 60MeV .No caso de uma partícula genéricaN (pode ser um átomo ou uma molécula) de spin

I , com número quântico I ≥ 1/2, incidindo sobre um próton p de spin s (s = 1/2),os possíveis valores do número quântico J para o spin total J = I + s serão I + 1/2e I − 1/2 respectivamente. Lembrando que s = σ/2, a generalização dos projetores

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 34: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

210 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

(6.72) é dada por

ΛJ=I+1/2 =1

2I + 1

h(I + 1) 1 + 2s · I

ie ΛJ=I−1/2 =

1

2I + 1

³I 1− 2s · I

´,

e o operador amplitude de espalhamento é escrito como

f(k) =⇒ a0,I−1/2(k)ΛI−1/2 + a0,I+1/2(k)ΛI+1/2, (6.75)

sendo a0,I−1/2(k) e a0,I+1/2(k) as componentes para J = I ∓ 1/2. Generalizando aexpressão (6.74), a seção de choque para as partículas N e prótons, ambos não polar-izados, é

σInpol (k) =X

M 0I ,m

0

⎡⎣ 1

2 (2I + 1)

XMI ,m

σ³ξ(N)MI

ξ(p)m → ξ(N)M 0Iξ(p)m0 ; k

´⎤⎦= 4π

µI

2I + 1a20,I−1/2(k) +

I + 1

2I + 1a20,I+1/2(k)

¶,

onde ξ(N)MIe ξ(p)m são os estados de spin da partícula N e do próton respectivamente,

com −I ≤MI ≤ I em = −1/2, 1/2. Para I = 1/2 recupera-se o resultado (6.74).

6.4.1 Seção de choque do espalhamento de nêutrons por moléculasdeH2

Com o intuito de sugerir um experimento capaz de testar a hipótese de Wigner da de-pendência com o spin da interação nuclear, em um trabalho teórico publicado em 1937,Schwinger e E. Teller [8] apresentaram cálculos prevendo a determinação das seções dechoque e do comprimento de espalhamento de nêutrons a baixas energias por prótons.Para isso eles consideraram como alvo uma mistura de para-hidrogênio (S = 0) comorto-hidrogênio (S = 1). Mais tarde, em 1954, em um experimento de espalhamento denêutrons, embasado nos cálculos de Schwinger e Teller, G. L. Squires e A. T. Stewart[7] conseguiram fazer medições bastante precisas do comprimento de espalhamento dosestados de singleto e tripleto, na colisão n− p a baixas energias (ou a energias clássicasno dizer de Bethe), fazendo incidir nêutrons não sobre alvos de átomos de hidrogênio,mas sobre moléculas de di-hidrogênioH2 (H −H).Diferentemente de experimentos feitos anteriormente, Squires e Stewart usaram um

gás daquelas moléculas a uma temperatura de 20 K, ponto de ebulição do hidrogênio.Os nêutrons incidentes foram gerados em um cíclotron e sua velocidade média, reduzidaem parafina, foi selecionada para 770 m/s (λ ≈ 4 A), valor bem menor do que avelocidade média dos nêutrons térmicos, v ' 2 200m/s.Com energia de incidência suficientemente pequena, os nêutrons têm o comprimento

de onda muito maior que a distância que separa os dois prótons da molécula (0, 74 A),de forma a produzir uma superposição das duas ondas espalhadas (cada uma advindade um próton), |ψtotal|

2= |ψ1 + ψ2|

2, que irão interferir, caracterizando um espal-hamento coerente. Caso o comprimento da onda dos nêutrons incidentes fosse muito

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 35: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.4 Efeito do spin nas colisões p-n 211

menor que a distância entre os prótons, eles os “veriam” como centros espalhadoresindependentes, produzindo um espalhamento incoerente da forma |ψ1|

2 + |ψ2|2, sem

termos de interferência. Omovimento térmico da moléculaH2 (com formato de um hal-tere) é ignorado e, portanto, considera-se que a molécula se mantém em seus níveis maisbaixos de energia de seu espectro rotacional15. Historicamente, antes da descoberta dograu de liberdade de spin, devido às suas diferentes propriedades, pensava-se que exis-tiam dois tipos diferentes de moléculas de H2, o para-hidrogênio e o orto-hidrogênio.Posteriormente, foi reconhecido que a molécula é de um tipo só, sendo que ela apresentapropriedades diferentes devido apenas aos seus estados de spin,

H2

½↑↓ para-hidrogênio, S = 0, singleto, spins anti-paralelos,↑↑ orto-hidrogênio, S = 1, tripleto, spins paralelos.

O para-hidrogênio (S = 0) apresenta uma banda rotacional de momenta angularesR =0, 2, 4, ... enquanto o orto-hidrogênio (S = 1) tem uma banda rotacionalR = 1, 3, 5, ...,e por causa da baixa energia de incidência dos nêutrons – insuficiente para excitar níveisrotacionais ou vibracionais – não poderá ocorrer a inversão de spin (spin flip, R = 0→R = 1), ou seja, transformar o para-hidrogênio em orto-hidrogênio. Entretanto, sendo 1o momentum angular rotacional mais baixo do orto-hidrogênio, os nêutrons, colidindoinelasticamente com uma molécula de H2, podem retirar energia, permitindo assim atransição R = 1 → R = 0, transformando uma molécula de orto-hidrogênio em umade para-hidrogênio, veja a Figura 6.13.Há duas defasagens associadas a diferentes tipos de espalhamento, δ0t e δ0s, uma

para o estado tripleto e outra para o singleto, que levam a diferentes tipos de espal-hamento, e portanto a diferentes seções de choque, σt e σs. À semelhança da expressão(6.73), o operador amplitude de espalhamente para orto- e para-hidrogênio é escritocomo

limk→0

f(k) =⇒ f0 =4

3

ha0s

³Λs,1 + Λt,1

´+ a0t

³Λs,2 + Λt,2

´i(6.76)

comΛs,k =

1

4

¡1− 4sn · sk

¢e Λt,k =

1

4

¡3 1 + 4sn · sk

¢, (6.77)

onde sn é o spin do nêutron e sk, k = 1, 2, são os spins dos dois prótons na moléculaH2;naturalmente, sn = s1 = s2 = 1/2. O fator 4/3 em (6.76) foi introduzido por Fermipara corrigir a massa reduzida no comprimento de espalhamento de prótons ligados,que deve diferir daquele medido em prótons livres. Este argumento pode ser entendidocom as seguintes considerações: a teoria de Born para o cálculo do comprimento deespalhamento fornece uma relação deste com a massa reduzida16; assim, se um próton

15A expressão para os níveis de energia do movimento rotacional de um corpo rígido éEJ = AJ (J + 1),onde J é o número quântico associado ao momentum angular da molécula, eA é uma constante associada aomomento de inércia.

16Na aproximação de Born, em primeira ordem, a relação entre o potencial V (r) e a defasagem é dada por

sin δl(k)

k≈ − µ

~2∞

0V (r) jl (kr) r

2dr,

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 36: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

212 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

Figura 6.13: Bandas rotacionais de níveis de energia correspondentes ao para-hidrogênio (mo-menta angulares pares) e ao orto-hidrogênio (momenta angulares ímpares). A baixas temperat-uras as transições ocorrem entre os níveis fundamentais, 1 −→ 0.

alvo está rigidamente ligado a uma molécula de massaMmol, a razão dos comprimentosde espalhamento é dada por

aproton ligado0

aproton livre0

=µligadoµlivre

=(1/mn) + (1/mp)

(1/mn) + (1/Mmol)=

2

1 + (mN/Mmol),

(onde, de novo, consideramos mn = mp = mN na última igualdade) e no caso damolécula H2, Mmol = 2mN , por conseguinte aproton ligado

0 = 43a

proton livre0 . Desta

forma, usando os projetores (6.77) reescrevemos a Eq. (6.76) como

f0 =2

3

h(a0s + 3a0t) 1 + 2 (a0t − a0s) sn · S

i, (6.78)

onde S = s1+s2 (S = 0, 1) é o spin dos dois prótons. Para a soma vetorial J = sn+S,a relação triangular dá a desigualdade |S − 1/2| ≤ J ≤ S + 1/2. Logo, para S = 0 o

onde jl (kr) é a função de Bessel esférica e µ é a massa reduzida. Logo,

a0 = limk→0

sin δl(k)

k∝ µ.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 37: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.4 Efeito do spin nas colisões p-n 213

único valor possível é J = 1/2 e a seção de choque para o para-hidrogênio é17

σpara0 = 4π1

2

XMJ

¯¿1

201

2MJ

¯f0

¯1

201

2MJ

À¯2= 4π

4

9(a0s + 3a0t)

2 . (6.79)

Para o orto-hidrogênio, S = 1, os possíveis valores do número quântico J são 1/2 e3/2 . Visto que o espalhamente é incoerente (feixe de nêutrons sobre prótons não po-larizados do alvo), os valores experimentais colhidos são a média das seções de choquepara os dois valores de J ; então, para fazer a comparação correta com a experiência, nocálculo teórico deve-se efetuar a média das seções de choque para cada valor de J , enão nas amplitudes de espalhamento. Para isso define-se o “operador seção de choque”σ0 = 4πf

20 e a média é calculada como (sem inversão de spin – orto­ para)

σorto0 =XJ,MJ

¿1

21JMJ

¯σ0

¯1

21JMJ

À/

⎛⎝XJ,MJ

1

⎞⎠= 4π

1

6

XJ=1/2,3/2

(2J + 1)

¿1

21JMJ

¯f 20

¯1

21JMJ

À.

Logo o valor teórico para as seção de choque do orto-hidrogênio é18

σorto0 = 4π4

9

∙(a0s + 3a0t)

2+1

24 (a0s − a0t)

2

¸= σpara0 +

32π

9(a0s − a0t)

2 . (6.80)

Levando em conta os efeitos térmicos na velocidade das moleculas do gás de H2 (T =20, 4 K), os coeficientes em (6.79) e (6.80) (16π/9 = 5, 6; 32π/9 = 11, 2), ficam

17O autovalor do operador sn · S para o autoestado |snSJMJ i é dado por

1

2[J (J + 1)− S (S + 1)− sn (sn + 1)] ,

sendo que no caso sn = 1/2 ele vale

=

⎧⎨⎩ 0 para S = 0 e J = 1/212

J (J + 1)− 114

=−1 para S = 1, J = 1/2+1/2 para S = 1, J = 3/2

18Note que

J

(2J + 1)1

21JMJ sn · S

1

21JMJ = 0,

J

(2J + 1)1

21JMJ sn · S

2 1

21JMJ = 3.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 38: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

214 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

ligeiramente modificados

σpara0 ≈ 5, 7 (a0s + 3a0t)2 , σorto0 ≈ σpara0 + 12, 9 (a0,s − a0,t)2. (6.81)

Se a força nuclear fosse independente de spin, o resultado experimental seria σ0s =σ0t e também a0s = a0t, e, por conseguinte, σpara0 = σorto0 . Entretanto, os resultadosdas medições foram (omitindo aqui o erro experimental)

σpara0,exp = 3, 2 b e σorto0,exp = 108 b. (6.82)Resolvendo para os comprimentos de espalhamento encontram-se

aexp0t = 5, 35 fm e aexp0s = −23, 58 fm, (6.83)o que permite calcular

σexpt = 3, 60 b e σexps = 69, 87 b =⇒ σexp0 = 20, 17 b. (6.84)Mesmo quando comparados com os valores experimentais mais precisos (6.59), os val-ores teóricos calculados

σ0t = 4πa20t = 3, 6 b −→ a0t = 5, 35 fm

σ0s = 4πa20s = 70, 8 b −→ a0s = −23, 74 fm (6.85)permanecem consistentes, corroborando assim a teoria sobre o espalhamento a baixasenergias e a hipótese de que a força nuclear deve depender do estado de spin dos nú-cleons.

6.5 Espalhamento próton-prótonA análise do espalhamento p − n envolve apenas a força nuclear; entretanto, apesardesta independer da carga elétrica dos núcleons, o espalhamento p − p introduz doisaspectos novos:(A) Pela descrição quântica, os prótons colidentes são partículas indistinguíveis e,

portanto, os detetores não podem discernir o próton 1 do próton 2; este fato deve serlevado em conta no cálculo da seção de choque. Como os prótons são férmions, oestado conjunto de ambos (estado de configurações e de spin) deve ser antissimétricopela troca das coordenadas espaciais e de spin. Quanto ao isospin, dois prótons estãoem um estado simétrico pela troca dos estados dos mesmos, portanto o seu estado éum tripleto de spin (T = 1)19. Conforme se vê na Figura 6.14, após a colisão, asduas trajetórias possíveis não são distinguíveis: os detetores no lado esquerdo (1) e nolado direito (2), (via de regra estão situados a grande distância do local da colisão), sãoincapazes de distinguir o próton 1 do próton 2. Por conseguinte, a função de onda total

19Lembrando que o estado de isospin de dois núcleons é escrito comoΛTMT(1, 2), trocando as partículas,

o novo estado difere do anterior por um fator de fase ΛTMT(2, 1) = (−)1−T ΛTMT

(1, 2). Assim, paraT = 0, 1, o estado é antissimétrico e simétrico, respectivamente.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 39: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.5 Espalhamento próton-próton 215

Figura 6.14: Trajetórias (concepção clássica) de espalhamento de partículas idênticas no RCM.Duas possibilidades que não podem ser distinguidas entre si pelo detetores: dois prótons (idênti-cos) colidem, um emerge com ângulo θ e o outro com ângulo π − θ.

dos prótons deve ser antissimétrica; assim, para um estado de spin singleto ou tripleto aparte espacial deve ser simétrica ou antissimétrica, então devemos ter a superposição

ΨaS (1, 2) =

½³eikz + (−)S e−ikz

´+hfS (θ, k) + (−)S fS (π − θ, k)

i eikrr

¾×χSMS

(1, 2)Λ11(1, 2), (6.86)

com coordenadas da partícula relativa z = z1 − z2 e r = |r1 − r2|. A amplitude deespalhamento depende da diferença entre os vetores de onda dos prótons, fS (θ, k) =fS

³k1 − k2

´, e trocando o próton 1 pelo próton 2, ela é então escrita como fS (π − θ, k).

Da Figura 6.14-a vê-se que no espalhamento as trajetórias dos prótons 1 e 2 diferem dastrajetórias da Figura 6.14-b pela troca do ângulo θ → π − θ. Dado que χSMS

(2, 1) =

(−)1−S χSMS(1, 2), verifica-se facilmente que a função de onda (6.86) é antissimétrica

pela troca dos prótons. No caso de haver mudança no estado de spin após a colisão,

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 40: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

216 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

S → S0, a seção de choque diferencial é escrita comodσS→S0 (θ, k)

dΩ=¯χ†S0M 0

S(1, 2)

hfS (θ, k) + (−)S fS (π − θ, k)

iχSMS

(1, 2)¯2

e sem mudança no estado de spindσS (θ, k)

dΩ=¯fS (θ, k) + (−)S fS (π − θ, k)

¯2.

A seguir vamos considerar colisões sem troca de estado de spin.(B) Além da força nuclear também entra em cena a interação coulombiana. A seção

de choque para a interação coulombiana pura entre duas partículas com mesma cargaelétrica Ze foi estudada por N. Mott, e a expressão por ele deduzida é conhecida porseção de choque de Mott

dσS (θ, k)

¯Mott

=

µZ2e2

2µv2

¶2 ¡sin−4 (θ/2) + cos−4 (θ/2)

+ (−)S2 cos

£η ln tan2 (θ/2)

¤sin2 (θ/2) cos2 (θ/2)

!, (6.87)

onde µ é a massa reduzida dos prótons, v é a sua velocidade relativa e η = Ze2/~vé um parâmetro adimensional. O primeiro termo (também chamado termo direto) queestá nos parênteses de (6.87), sin−4 (θ/2), é aquele descoberto por Rutherford no espal-hamento coulombiano entre partículas distinguíveis – partícula α sobre átomos de ouro–; o segundo termo (termo de troca) está presente por causa da indistinguibilidade daspartículas (note-se que cos (θ/2) = sin ((π − θ) /2)) e o terceiro termo provém de umefeito quântico (~ está presente apenas no parâmetro η). Este reflete a interferência entreas amplitudes de espalhamento, sendo que ele atinge seu maior valor, em módulo, paraθ = π/2, o que corresponde ao ângulo π/4 no RL. Para pequenas energias, ou baixasvelocidades, η À 1, o terceiro termo da seção de choque apresentará fortes oscilaçõespresentes em cos

£η ln tan2 (θ/2)

¤. Efetuando a média sobre pequenos intervalos de θ,

sua contribuição será praticamente nula, portanto a baixas velocidades o termo de inter-ferência pode ser ignorado. Também, para pequenos ângulos de espalhamento, θ ¿ 1,o termo de interferência pode ser desconsiderado. No caso de colisão no estado tripleto,a seção de choque se anula para θ = π/2, isto é, dσS (π/2, k) /dΩ|Mott = 0, portantopara um feixe de prótons com polarização aleatória incidindo em uma particular direção(π/4 no RL), o detetor acusará apenas os prótons espalhados no estado de singleto comos prótons do alvo, ou seja os prótons – projétil e alvo – que tiverem spins opostos.Para os prótons – projétil e alvo – sem polarização definida (polarização aleatória),

a generalização da equação (6.74) édσnpol (θ, k)

dΩ=1

4|f0 (θ, k) + f0 (π − θ, k)|2 + 3

4|f1 (θ, k)− f1 (π − θ, k)|2

=

µe2

mpv2

¶2(sin−4 (θ/2) + cos−4 (θ/2)−

cos£ηp ln tan

2 (θ/2)¤

sin2 (θ/2) cos2 (θ/2)

), (6.88)

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 41: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.5 Espalhamento próton-próton 217

com ηp = e2/ (2~v) e podemos considerarmpv2 = 2T , sendo T a energia cinética do

próton-projétil no RL, quando o próton-alvo estiver em estado de repouso. Quando aforça nuclear é levada em conta, a seção de choque deve conter também seus efeitos;para a colisão p − p (prótons não polarizados) ela foi calculada por J. D. Jackson e J.M. Blatt [9]. Aqui apresentamos a sua expressão para a onda l = 0,

dσnpol,0 (θ, k)

dΩ=

dσnpol (θ, k)

¯Mott

+sin δ0k

½e2

mpv2×"

cos£δ0 + 2ηp ln sin

2 (θ/2)¤

sin2 (θ/2)+cos£δ0 + 2ηp ln cos

2 (θ/2)¤

cos2 (θ/2)

#)

+

µsin δ0k

¶2, (6.89)

onde k = µv/~ (µ = mp/2) é o número de onda relativo. Na expressão entre chaves,os dois termos entre colchetes provêm da interferência entre a força coulombiana e anuclear, enquanto que o último termo é a contribuição puramente nuclear. No espal-hamento p− p a contribuição nuclear deve ser determinada, como feito previamente, apartir de modelos para os potenciais, cujos parâmetros deverão ser ajustados a partir dosdados experimentais e da seção de choque a ser ajustada (melhor ajuste) com os dadosexperimentais; note que apenas o termo sin δ0 será a parte desconhecida. Para o estadosingleto os valores experimentais obtidos para o comprimento de espalhamento e parao alcance efetivo são

a0 = −7, 82± 0, 01 fmref = 2, 79± 0, 02 fm.

O comprimentode espalhamento negativo é um indicativo de que não existe um estadoligado de dois prótons.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 42: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

218 Capítulo 6. O sistema de dois núcleons (p-n e p-p)

6.6 Problemas1. Dê as velocidades v1 e v2 de duas partículas, no referencial do laboratório (RL), emfunção das velocidades relativa v e de centro de massa V . Quais são as velocidadesv1,CM e v2,CM no referencial do centro de massa (RCM)? Se a partícula 2 estiver emestado de repouso no RL (v2 = 0) qual é a relação entre as energias no RL e no RCM?

2. Obtenha a equação (6.14).

3. O dêuteron pode ter suas principais propriedades razoavelmente explicadas resol-vendo a equação de Schrödinger para a partícula reduzida. Vimos que a função de ondaradial para o estado fundamental (l = 0) é R(r) = u(r)/r, onde

u(r) =

½A1 sin kr, para r ≤ R0A2e

−αr, para r > R0

eR0 é o alcance do potencial. Pela necessidade de continuidade da função de onda e desua derivada no ponto r = R0 e pela condição de normalização em todo o espaço de-termine os valores de A1 e A2.

4. Verifique se o potencial quadrado com alcance R0 = 4 fm admite mais de umúnico estado ligado.

5. Verifique o resultado (6.44).

6. Calcule o raio quadrático médio do dêuteron,D(r/2)2

E=

R∞0|u(r)|2 (r/2)2 drR∞0|u(r)|2 dr

7. Calcule o momento de quadrupo elétrico do dêuteron

Q2 =p(0, 04) (0, 96)

√2

10

Z ∞0

u0 (r)u2 (r) r2dr − (0, 04) 1

20

Z ∞0

(u2 (r))2r2dr

onde foram usadas as funções de onda ......., com

u0 (r) =

½A1

sinκrr para r < R

A2e−αr para r > R

u2 (r) =©B1j2 (κr) para r < R

8. A partir da Figura 6.3 faça uma análise do processo de espalhamento em termosda relação entre comprimento de onda da partícula incidente e o tamanho do alvo.

9. Verifique os resultados (6.47) e (6.48).

S.S. Mizrahi & D. Galetti

Page 43: Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 6 – S. S. Mizrahi & D.  Galetti

6.7 Bibliografia 219

10. Usando as Eqs. (6.81) e os valores experimentais (6.82) obtenha os valoresnuméricos (6.83) e (6.84).

11. Faça gráficos da seção de choque (6.87) para S = 0, 1 e diversos valores de η.

6.7 Bibliografia

[1] Roy R. R. e Nigam B. P., 1967, Nuclear Physics: theory and experiment, JohnWi-ley & Sons Inc; e mesmos autores, 1996, Nuclear Physics, New Age International.

[2] Rarita W. e Schwinger J., 1941, Phys. Rev. 59, 436.

[3] Davis J. C. e Barshall H. H., 1968, Phys. Lett. 27B 636.

[4] Adair R. K., 1950, Rev. Mod. Phys. 22, 249.

[5] Houk T. L., 1970, Phys. Rev. C 3, 1886.

[6] Noyes H. P. e Lipinski H. M., 1971, Phys. Rev. C4 995.

[7] Squires G. L. e Stewart A. T., 1955, Proc. Roy. Soc. A 230, 19.

[8] Schwinger J. e Teller E., 1937, Phys. Rev. 52, 286.

[9] Jackson J. D. e Blatt J. M., 1950, Rev. Mod. Phys. 22 77.

S.S. Mizrahi & D. Galetti