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Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidade Ana Côrte-Real de Matos Fernandes ADVERTIMENT. La consulta d’aquesta tesi queda condicionada a l’acceptació de les següents condicions d'ús: La difusió d’aquesta tesi per mitjà del servei TDX (www.tdx.cat) ha estat autoritzada pels titulars dels drets de propietat intel·lectual únicament per a usos privats emmarcats en activitats d’investigació i docència. No s’autoritza la seva reproducció amb finalitats de lucre ni la seva difusió i posada a disposició des d’un lloc aliè al servei TDX. No s’autoritza la presentació del seu contingut en una finestra o marc aliè a TDX (framing). Aquesta reserva de drets afecta tant al resum de presentació de la tesi com als seus continguts. En la utilització o cita de parts de la tesi és obligat indicar el nom de la persona autora. ADVERTENCIA. La consulta de esta tesis queda condicionada a la aceptación de las siguientes condiciones de uso: La difusión de esta tesis por medio del servicio TDR (www.tdx.cat) ha sido autorizada por los titulares de los derechos de propiedad intelectual únicamente para usos privados enmarcados en actividades de investigación y docencia. No se autoriza su reproducción con finalidades de lucro ni su difusión y puesta a disposición desde un sitio ajeno al servicio TDR. No se autoriza la presentación de su contenido en una ventana o marco ajeno a TDR (framing). Esta reserva de derechos afecta tanto al resumen de presentación de la tesis como a sus contenidos. En la utilización o cita de partes de la tesis es obligado indicar el nombre de la persona autora. WARNING. On having consulted this thesis you’re accepting the following use conditions: Spreading this thesis by the TDX (www.tdx.cat) service has been authorized by the titular of the intellectual property rights only for private uses placed in investigation and teaching activities. Reproduction with lucrative aims is not authorized neither its spreading and availability from a site foreign to the TDX service. Introducing its content in a window or frame foreign to the TDX service is not authorized (framing). This rights affect to the presentation summary of the thesis as well as to its contents. In the using or citation of parts of the thesis it’s obliged to indicate the name of the author.

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Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidade

Ana Côrte-Real de Matos Fernandes

ADVERTIMENT. La consulta d’aquesta tesi queda condicionada a l’acceptació de les següents condicions d'ús: La difusió d’aquesta tesi per mitjà del servei TDX (www.tdx.cat) ha estat autoritzada pels titulars dels drets de propietat intel·lectual únicament per a usos privats emmarcats en activitats d’investigació i docència. No s’autoritza la seva reproducció amb finalitats de lucre ni la seva difusió i posada a disposició des d’un lloc aliè al servei TDX. No s’autoritza la presentació delseu contingut en una finestra o marc aliè a TDX (framing). Aquesta reserva de drets afecta tant al resum de presentació de la tesi com als seus continguts. En la utilització o cita de parts de la tesi és obligat indicar el nom de la persona autora.

ADVERTENCIA. La consulta de esta tesis queda condicionada a la aceptación de las siguientes condiciones de uso: La difusión de esta tesis por medio del servicio TDR (www.tdx.cat) ha sido autorizada por los titulares de los derechos de propiedad intelectual únicamente para usos privados enmarcados en actividades de investigación y docencia. No se autoriza su reproducción con finalidades de lucro ni su difusión y puesta a disposición desde un sitio ajeno al servicio TDR. No se autoriza la presentación de su contenido en una ventana o marco ajeno a TDR (framing). Esta reserva de derechos afecta tanto al resumen de presentación de la tesis como a sus contenidos. En la utilización o cita de partes de la tesis es obligado indicar el nombre de la persona autora.

WARNING. On having consulted this thesis you’re accepting the following use conditions: Spreading this thesis by the TDX (www.tdx.cat) service has been authorized by the titular of the intellectual property rights only for private uses placed in investigation and teaching activities. Reproduction with lucrative aims is not authorized neither its spreading and availability from a site foreign to the TDX service. Introducing its content in a window or frame foreign to the TDX service isnot authorized (framing). This rights affect to the presentation summary of the thesis as well as to its contents. In the usingor citation of parts of the thesis it’s obliged to indicate the name of the author.

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Universidade de Barcelona Faculdade de Geografia e Historia

Departamento de Geografia Programa Doutoral: Geografia, Planeamento do Território e Gestão Ambiental

Tese de Doutoramento

Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidade

Ana Côrte-Real de Matos Fernandes Janeiro de 2011

Orientação: Professora Doutora Nuria Benach Rovira (Universidade de Barcelona).

Professor Doutor Paulo Peixoto (Universidade de Coimbra).

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Trabalho de investigação totalmente financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pelo Programa Operacional Potencial Humano da União

Europeia POPH/FSE

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Índice

Agradecimentos ................................................................................................................... 9

Resumo .............................................................................................................................. 11

Abstract .............................................................................................................................. 13

Resumen ............................................................................................................................ 15

Resum ................................................................................................................................ 17

I.

Introdução .......................................................................................................................... 19

II.

O discurso de reinvenção da ruralidade .......................................................................... 31

1. Os principais questionamentos e objectivos de investigação. (o que se quer

saber) .............................................................................................................................. 33

2. Premissas e caminhos teóricos e metodológicos para a pesquisa. (como quero

saber) .............................................................................................................................. 39

III.

O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto ........................ 43

1. A Estratégia. O discurso político e técnico pelo desenvolvimento rural ........................... 48

2. A Matéria-Prima. O Ideal Rural ou o discurso cultural de romantização da

ruralidade ........................................................................................................................ 60

3. O Rural enquanto produto e os produtos rurais. O discurso promocional e

comercial em torno do rural consumível. ......................................................................... 69

4. Ponto de Situação (Estratégia → Matéria-Prima → Produtos) ........................................ 81

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Índice

6

IV.

Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural ................................... 83

1. O Património e os valores culturais - identidade, tradição, memória. (Preservar o

Passado) ......................................................................................................................... 87

2. A Sustentabilidade e os valores ambientais - natureza e ecologia. (Garantir o

Futuro) ............................................................................................................................ 98

3. Ponto de Situação (Eixos → Valores → Missões) ......................................................... 106

V.

A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses ......................................................................................................................... 111

1. Uma estratégia urbana de reinvenção da ruralidade? A analogia com as

estratégias de requalificação dos centros históricos das cidades .................................. 113

2. Um campo para a cidade – a valorização e reinvenção da ruralidade à luz das

necessidades e expectativas urbanas ........................................................................... 123

3. O rural como um problema em que se quer pensar – os interesses culturais,

económicos e políticos que sustentam este projecto de ruralidade ............................... 132

VI.

As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada ..................................................................................... 139

1. Notas Metodológicas ..................................................................................................... 145

2. Dois Projectos de recriação da ruralidade idílica? ......................................................... 150

2.1 A Quinta do Mata-Sete ............................................................................ 150

2.2 O Núcleo Rural de Aldoar (NRA) ............................................................ 166

3. Reflexões e cruzamentos finais ..................................................................................... 186

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Índice

7

VII.

Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada ................................ 199

1. Os contornos desta ruralidade reinventada. (o que se espera das áreas rurais) ........... 201

2. As possíveis consequências deste projecto de ruralidade. (o que podem as áreas

rurais esperar neste contexto) ....................................................................................... 207

3. Considerações finais e propostas para futuras pesquisas. ............................................ 213

Bibliografia ....................................................................................................................... 217

Anexos

Anexo 1 – Mata-Sete ........................................................................................................ 243

1.1 Mapas .......................................................................................................................... 243

1.2 Tabelas ........................................................................................................................ 247

1.3 Fotos ............................................................................................................................ 257

Anexo 2 – NRA ................................................................................................................. 269

2.1 Mapas .......................................................................................................................... 269

2.2 Tabelas ........................................................................................................................ 273

2.3 Fotos ............................................................................................................................ 283

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Índice

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Agradecimentos

O trabalho de escrita de uma tese de Doutoramento, apesar de se traduzir

num processo muito solitário que, pela exigência de dedicação exclusiva, tantas

vezes nos leva a um isolamento quase conventual, faz-nos dever sempre muito a

contribuições, apoios e motivações externas. Neste sentido, é importante agradecer

às pessoas ou entidades que, pelo incentivo ou suporte dado, facilitaram o seu

desenvolvimento e, sem as quais, tudo teria sido, certamente, mais difícil.

Em primeiro lugar agradeço aos meus pais por tudo, por me terem

convencido a concorrer a uma bolsa de doutoramento e, especialmente, pelo apoio

incondicional, mesmo nas horas mais desesperadas.

Deixo também um forte agradecimento à Fundação para a Ciência e

Tecnologia, que através do fundo POPH, patrocinou generosamente os meus

estudos doutorais e a elaboração deste trabalho.

Agradeço à Professora Doutora Nuria Benach Rovira e ao Professor Doutor

Paulo Peixoto, por terem aceitado o trabalho de orientação desta pesquisa e por

terem cumprido essa tarefa com toda a disponibilidade, simpatia e exigência crítica.

Obrigada pela paciência, por partilharem comigo estas páginas, mas sobretudo por

terem sido os meus únicos “cúmplices” neste longo caminho.

Não posso deixar também de prestar a minha gratidão a todos os autores

cujas obras foram consultadas e a todas as pessoas que possibilitaram o trabalho de

campo, que serve de base ao sexto capítulo desta dissertação. Pelos motivos

óbvios, sem a disponibilidade de todos os entrevistados, sem os contributos de

todos os que forneceram material documental sobre os objectos ou que prestaram

esclarecimentos, visitas guiadas, informações, etc., esta pesquisa estaria

certamente mais pobre. Agradeço em especial à Doutora Teresa Andresen, não só

pelas ajudas no trabalho de campo, mas principalmente pela sugestão valiosa em

incluir o caso do Mata-Sete na abordagem; bem como ao Arq. João Rapagão que se

mostrou sempre muito generoso, partilhando um grande número de fotografias e

muito material documental do seu arquivo pessoal.

Importante é também agradecer a Joana Martins, pela preciosa ajuda com os

mapas, a Teresa Fernandes, pelo auxílio com as transcrições de entrevistas, bem

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Agradecimentos

10

como a Tiago Romeu e a Alexandra Côrte-Real pelo trabalho de tradução do resumo

desta dissertação.

Quero também louvar as sugestões e críticas de todas as pessoas que

debateram comigo este trabalho, nas conferências, seminários e congressos em que

participei nos últimos anos e, especialmente, na Summer School da Associação

Europeia de Sociologia Rural (realizada em Córdoba em Outubro de 2010), pelo

facto de terem sido essenciais para a sua evolução e questionamento crítico.

Agradeço calorosamente a todos os professores do Master em Planeamento

Territorial e Gestão Ambiental, da Faculdade de Geografia e História da

Universidade de Barcelona, que frequentei no âmbito da parte lectiva do programa

doutoral. Uma palavra especial vai para a Professora Doutora Rosa Tello, pelas

suas importantes sugestões durante o processo de formação da problemática que

serviu de mote a este trabalho, bem como para a Professora Doutora Dolores

Sanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu em Barcelona.

Não posso deixar de agradecer à minha grande amiga Berezi Elorrieta, que

tantas vezes me ajudou com papelada, secretaria e matriculas, bem como aos

restantes companheiros de Master: Rafa, Gartzen, Riccardo, Veronica, Pilar, Ana,

Carlos, Alexis, Joan, Paula… Obrigada pelos jantares, pelas viagens, pelos

trabalhos de grupo, pela companhia e por terem sido a minha “primeira” Turma!

(muxu bat/petons/besitos)!

Finalmente, agradeço à Professora Isabel Duarte (obrigada por me ter

ensinado porque é que “isto das cidades” é importante), a Ana Pires e Pedro Areias

(obrigada pelo apoio em Barcelona), Alexandre Pólvora e Susana Nascimento

(obrigada pelos conselhos importantes), a Jorge Vieira, Joana Botelho, Sandra

Costa, Pedro Quintela e Mariana Bessa (obrigada por termos sido uma família), a

Marta Bateira e todos os amigos do Rap (obrigada pelos essenciais momentos de

evasão) e a Pedro Geraldes (obrigada pela força, pela companhia e, sobretudo, pela

paciência!).

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Resumo

A presente tese tem como núcleo temático o discurso de reinvenção da

ruralidade. Partindo da premissa de que vem sendo disseminada e

institucionalizada, em diversas esferas da vida social, uma valorização discursiva da

ruralidade e do seu potencial de reinvenção (perante uma suposta crise demográfica

e funcional generalizada e igualmente forte nos discursos políticos, mediáticos e

sociais), pretendemos ir ao encontro do projecto de ruralidade que se precipita neste

contexto. Da assunção da crise do mundo rural parece brotar um discurso optimista

por relação às suas perspectivas de reinvenção, do qual deriva a proposta de uma

determinada versão de ruralidade. Ora, importa discutir este projecto e o seu

programa funcional para as áreas rurais, pelo seu poder e influência, já que é a partir

dos discursos e do seu trabalho de definição de significados para os lugares, que se

define o modo como vemos, valorizamos, gerimos e projectamos os territórios.

Discutimos o discurso em três dimensões fundamentais, ou seja, no seu

registo político e técnico (mais precisamente no âmbito das políticas de

desenvolvimento rural), na sua raiz cultural (a bateria de representações bucólicas

que compõe o chamado Ideal Rural) e, finalmente, no seu registo comercial (naquilo

que é a promoção dos produtos rurais e do rural enquanto produto). Posto isto,

verificamos que a estratégia política de desenvolvimento para as áreas rurais,

fortemente baseada no seu potencial natural e patrimonial, se alimenta do ideal

rural, para fazer vender um conjunto de produtos, num processo de transformação

destes territórios em espaços de consumo e não mais de produção.

Esta perspectiva de desenvolvimento baseia-se na valorização dos

patrimónios naturais e culturais e sai legitimada pelo binómio axiológico que sustenta

o discurso de reinvenção da ruralidade. De facto, património e sustentabilidade

ambiental gozam, nas sociedades ocidentais, de uma sacralidade e de uma

centralidade discursiva, que facilita a legitimação da ruralidade idílica, no sentido em

que esta é apresentada como uma reserva dos valores culturais e ambientais que

estão em risco nas cidades e na civilização. Desta feita, os argumentos e os valores

por detrás do discurso, ao mesmo tempo que reforçam o seu poder e a sua

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Resumo

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aceitação social, precipitam as grandes missões do mundo rural – preservar o

passado e garantir o futuro.

Por fazer sentido enquanto alteridade a um modelo de cidade próspera,

dominante, mas muito demonizada discursivamente, por responder às expectativas

de recreação e consumo urbanas e às suas representações idílicas de ruralidade,

por favorecer o alargamento dos negócios e mercados urbanos e a reintegração dos

recursos rurais nas lógicas de rentabilização do capitalismo, por resultar em

estratégias de requalificação territorial muito próximas das aplicadas aos centros

históricos das cidades, entre outras razões, somos levados a pensar neste

discurso/projecto pela sua origem urbana. Assim sendo, para além de analisar o

conjunto de interesses culturais, económicos e políticos que sustentam este

discurso, sempre à luz das relações territoriais e tendo em conta a forte dominação

urbana, importava ir ao corpo da cidade para palpar as materializações deste

discurso.

Escolhemos estudar espaços de recriação da ruralidade idílica, para perceber

os contornos do projecto que se impõe aos territórios rurais, ou seja, conhecer as

paisagens desejadas (e, portanto, as expectativas que pairam sobre as paisagens

reais), a partir da sua materialização cenográfica em lugares temáticos, para

usufruto urbano. Assim, através de uma incursão etnográfica, conhecemos a quinta

do Mata-Sete e o Núcleo Rural de Aldoar, que constituem pequenos nichos de

ruralidade recriada, nos dois maiores parques urbanos da cidade do Porto, “capital”

do Norte de Portugal. Encontrámos uma ruralidade educativa, patrimonial, depurada

e cómoda, adaptada às exigências de conforto urbano e derivada do ideal rural.

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Abstract

This thesis’ core theme is the rurality reinvention discourse. The starting point

is the assumption that the valuation of rurality and its reinvention potential is being

discursively disseminated (facing a supposedly generalized demographic and

functional crisis in rural territories, very centralized in political and social discourses

as well as in the media). This valuation of rurality is being institutionalized in several

layers of society. Our intention is to meet the rurality project emerging from this

context.

From the assumption of crisis in the rural world seems to grow an optimist

discourse related to its reinvention perspectives, from which the proposal of a

specific version of rurality comes out. So, considering its power and influence, it

becomes important to discuss this project and its functional programme for rural

areas. It is actually from discourse, and its job to define meanings for the places, that

we are able to define the way we see, value, manage and project territories.

We handled the discourse in three fundamental dimensions, that is, its political

and technical feature (more precisely in the scope of rural development policies), its

cultural root (the range of bucolic representations which build the so-called

Countryside Ideal) and finally, its commercial feature (the promotion of rural products

and of the rural as a product). That being said, we have noticed that the political

development strategy for rural areas, strongly based on their natural and patrimonial

potential, supports itself with the rural idyll, in order to sell a series of products, in a

process of transformation of these territories in consumption areas, and not of

production anymore.

This development perspective is based on the valuing of natural and cultural

patrimony and is legitimated by the axiological binomial which sustains the discourse

of rurality reinvention. In fact, patrimony and environmental sustainability enjoy, in

western societies, a holiness and a discursive centrality that facilitates the validation

of the idyllic rurality, in the sense that it is presented as a reserve for cultural and

environmental values at risk in cities and civilization. So, the arguments and the

values behind the discourse reinforce its power and social acceptance at the same

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Abstract

14

time they hasten the big missions of the rural world – preserve the past and grant the

future.

Because it makes sense as an alternative to a model of prosperous city,

dominant, but very discursively demonized; because it responds to urban recreation

and consumption expectations and their idyllic representations of rurality; because it

encourages business and urban market growth; because it results from territorial

requalification strategies very close to the ones used in historical city centres, among

other reasons, it makes sense to think of this discourse/project as having an urban

origin. That being so, besides analysing the group of cultural, economical and

political interests that sustain this discourse, always in the light of the territorial

relationships and their remission to urban dominance, it was important to go deep

into to the city (as an empirical object) in order to grasp the discourse’s

materializations.

We have chosen to study spaces of idyllic rurality thematization in order to

understand the outlines of the reinvention project imposed to rural territories. That is,

getting to know the desired landscapes (and thus the expectations floating over the

real landscapes), from their scenographic materialization, in thematic places for

urban fruition. Thus, through an ethnographic incursion, we have gone to the Quinta

do Mata-Sete and to the Núcleo Rural de Aldoar, which are small niches of recreated

rurality in two of the biggest urban parks in the city of Porto, “capital” of Northern

Portugal. We have found an educational, patrimonial, purified and comfortable

rurality, adapted to the urban comfort demands and arisen from the rural idyll.

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Resumen

Esta tesis tiene como núcleo temático el discurso de reinvención de la

ruralidad. Partiendo de la premisa de que, en diversas esferas de la vida social, se

viene diseminando una valoración discursiva de la ruralidad y de su potencial de

reinvención (delante de una supuesta crisis demográfica y funcional generalizada e

igualmente fuerte en los discursos políticos, mediáticos y sociales), queremos ir al

encuentro del proyecto de ruralidad que se nos depara en este contexto. De la

asunción de la crisis del mundo rural, parece brotar un discurso optimista

relacionado con sus perspectivas de reinvención, del cual deriva la propuesta de una

determinada visión de la ruralidad. Aquí nos interesa debatir este proyecto y su

programa funcional para las áreas rurales, por su poder e influencia, ya que es a

partir de su discurso y de su trabajo de definición de significados para los lugares

que se define el modo como vemos, valoramos, gestionamos y proyectamos los

territorios.

Discutimos el discurso en tres dimensiones fundamentales, es decir, en su

registro político y técnico (precisamente en el ámbito de las políticas de desarrollo

rural), en su raíz cultural (el conjunto de representaciones bucólicas que componen

el llamado Ideal Rural) y, finalmente, en su registro comercial (en lo que es la

promoción de los productos rurales y del rural en cuanto producto). Dicho esto,

verificamos que la estrategia política de desarrollo para las áreas rurales,

fuertemente basada en su potencial natural y patrimonial, se nutre del ideal rural

para hacer vender un conjunto de productos, en un proceso de transformación de

estos territorios en espacios de consumo y no más de producción.

Esta perspectiva de desarrollo se basa en la valoración de los patrimonios

naturales y culturales y sale legitimada por el binomio axiológico que sostiene el

discurso de reinvención de la ruralidad. De hecho, patrimonio y sostenibilidad

ambiental ganan, en las sociedades occidentales, una sacralidad y una centralidad

discursiva que facilita la legitimación de la ruralidad idílica, en el sentido en el que

esta se presenta como una reserva de valores culturales y ambientales que están en

riesgo en las ciudades y en la civilización. Los argumentos y valores por detrás del

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Resumen

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discurso, en cuanto refuerzan su poder y su aceptación social, precipitan las grandes

misiones del mundo rural - preservar el pasado y garantizar el futuro.

Por tener sentido en cuanto alteridad a un modelo de ciudad próspera,

dominante, aunque muy demonizada discursivamente; por responder a las

expectativas de recreación y consumo urbanas y a sus representaciones idílicas de

ruralidad; por favorecer la expansión de los negocios y mercados urbanos y la

reintegración de los recursos rurales en las lógicas de rentabilización del capitalismo;

por resultar en estrategias de recalificación territorial muy próximas de las aplicadas

a los centros históricos de las ciudades; entre otras razones, somos llevados a

plantear este discurso/proyecto por su urbanidad. Así, más allá de analizar el

conjunto de intereses culturales, económicos y políticos que sostienen este discurso,

siempre a la luz de las relaciones territoriales y teniendo en cuenta la dominación

urbana, nos importaba ir al cuerpo de la ciudad para palpar las materializaciones de

este discurso.

Elegimos estudiar espacios de recreación de la ruralidad idílica para entender

los contornos del proyecto que se impone a los territorios rurales, o sea, conocer los

paisajes deseados (y por lo tanto las expectativas que flotan sobre los paisajes

reales), a partir de su materialización escenográfica, en lugares temáticos para

usufructo urbano. Así, a través de una incursión etnográfica, conocemos la granja

del Mata-Sete y el Núcleo Rural de Aldoar, que constituyen pequeños nichos de

ruralidad recreada, en los dos más grandes parques urbanos de la ciudad de Oporto,

“capital” del Norte de Portugal. Encontramos una ruralidad educativa, patrimonial,

depurada y cómoda, adaptada a las exigencias de conforto urbano y derivada del

ideal rural.

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Resum

La present tesi te com a nucli temàtic el discurs de reinvenció de la ruralitat.

Partint de la premissa de que s’està disseminant i institucionalitzant, en diverses

esferes de la vida social, una valoració discursiva de la ruralitat i del seu potencial de

reinvenció (davant d’una suposada crisi demogràfica i funcional generalitzada i

igualment forta en els discursos polítics, mediàtics i socials), volem arribar al projecte

de ruralitat que es precipita en aquest context. De l’assumpció de la crisi del mon

rural sembla brotar un discurs optimista en relació a les seves perspectives de

reinvenció, del qual deriva la proposta d’una determinada visió de ruralitat. Ara, ens

importa discutir aquest projecte i el seu programa funcional per a les àrees rurals, pel

seu poder i influència, ja que és a partir dels discursos i del seu treball de definició

de significats per els llocs que es defineix la forma mitjançant la qual veiem, valorem,

gestionem i projectem els territoris.

Discutim el discurs en tres dimensions fonamentals, és a dir, en el seu registre

polític i tècnic (més precisament en l’àmbit de les polítiques de desenvolupament

rural), en la seva arrel cultural (el conjunt de representacions bucòliques que

composen l’anomenat Ideal Rural) i, finalment, en el seu registre comercial (en allò

que consisteix en la promoció dels productes rurals i del rural com a producte).

Arribats aquí, verifiquem que l’estratègia política de desenvolupament per a les

àrees rurals, fortament basada en el seu potencial natural i patrimonial, es nodreix

de l’ideal rural, per fer vendre un conjunt de productes, en un procés de

transformació d’aquests territoris en espais de consum i no més de producció.

Aquesta perspectiva de desenvolupament es basa en la valoració dels

patrimonis naturals i culturals i surt legitimada pel binomi axiològic que sosté el

discurs de reinvenció de la ruralitat. De fet, patrimoni i sostenibilitat ambiental

gaudeixen, en les societats occidentals, d’una sacralitat i d’una centralitat discursiva

que facilita la legitimació de la ruralitat idíl·lica, en el sentit en que aquesta és

presentada com una reserva dels valors culturals i ambiental que estan en risc en les

ciutats i en la civilització. En aquest cas, els arguments i els valors darrera el discurs,

mentre reforcen el seu poder i la seva acceptació social, precipiten les gran missions

del mon rural – preservar el passat i assegurar el futur.

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Resum

18

Per tenir sentit com a alteritat a un model de ciutat pròspera, dominant però

demonitzada discursivament, per respondre a les expectatives de recreació i consum

urbanes i a les seves representacions idíl·liques de ruralitat, per afavorir

l’allargament dels negocis i mercats urbans i la reintegració dels recursos rurals en

les lògiques de rendibilització del capitalisme, per resultar en estratègies de

requalificació territorial molt properes de les aplicades als centres històrics de les

ciutats, entre altres raons, som portats a pensar en aquest discurs/projecte per la

seva origen urbana. Així, més enllà d’analitzar el conjunt d’interessos culturals,

econòmics i polítics que sostenen aquest discurs, sempre sota la llum de les

relacions territorials i tenint en compte la forta dominació urbana, ens importava anar

al cos de la ciutat per palpar les materialitzacions d’aquest discurs.

Hem triat estudiar espais de recreació de ruralitat idíl·lica, per entendre els

contorns del projecte que s’imposa als territoris rurals, o sigui, conèixer els paisatges

desitjats (i, conseqüentment, les expectatives que pairen sobre els paisatges reals),

partint de la seva materialització escenogràfica en llocs temàtics, per gaudi urbà.

Així, mitjançant una incursió etnogràfica, coneixem la granja del Mata-Sete i el Nucli

Rural d’Aldoar, que constitueixen petits nínxols de ruralitat recreada, en els dos més

grans parcs urbans de la ciutat d’O Porto, “capital” del Nord de Portugal. Hem trobat

una ruralitat educativa, patrimonial, depurada i còmoda, adaptada a les exigències

del confort urbà i derivada de l’ideal rural.

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I. Introdução

Mas que paz se desdobra a toda a anchura do horizonte a que o olhar se faz? Esta página em branco (ou sem leitura) não terá uma chave por detrás? Eu sei ler a cidade, mas, aqui sou um dedo parado em letra morta. Uma guerra haverá, com o álibi da paisagem que a outras me transporta. 1972, Alexandre O´Neill1

Começamos por esclarecer que o argumento central a destacar da tese que

apresentamos é o de que o discurso de reinvenção da ruralidade parece ter, pelo

menos, tanto a ver com a crise do mundo rural, como com as necessidades do

mundo urbano. Assim sendo, sublinha-se que neste processo de reinvenção

satisfazem-se mais os interesses e as expectativas de consumo urbanos, do que se

encontram soluções para os problemas das áreas rurais. Por este motivo, tomamos

o discurso/projecto de reinvenção da ruralidade, no quadro de dramatização da crise

rural, pela sua urbanidade e ilustramos a pesquisa com o estudo de dois objectos

empíricos que remetem para o corpo da cidade.

O presente trabalho constitui um percurso reflexivo, progressivo e crítico, que

tem como ponto de partida a centralidade dos discursos de valorização da ruralidade

e do seu potencial de reinvenção, perante uma suposta crise funcional e

demográfica generalizada. Pela força que vem assumindo na actualidade, em

diversas esferas da vida social, esta perspectiva optimista e estimuladora do valor

estratégico e simbólico da ruralidade, deve ser tomada como objecto de interesse,

questionamento e desconstrução. Sobretudo se tivermos em conta os problemas

sociais, funcionais, demográficos e económicos associados ao mundo rural,

1 Excerto do poema “Pelo Alto Alentejo /2”, retirado de O’Neill, Alexandre (2005), Poesias Completas, Lisboa, Assírio & Alvim.

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Introdução

20

principalmente nos países do Sul da Europa, e o protagonismo que as cidades e os

recursos urbanos auferem, no seio da Globalização.

Importa perceber esta valorização discursiva e identificar a sua versão de

ruralidade, apresentada como a salvação do mundo rural, considerada essencial

para um mundo eminentemente urbano e condicionadora dos territórios, enquanto

arquétipo orientador do desenvolvimento. É essa a proposta deste trabalho de

investigação, que partirá do discurso, enquanto estrutura ideológica, suportada por

determinados valores e interesses e promotora de um determinado projecto de

território, para tentar perceber o que se espera e o que podem esperar as áreas

rurais neste contexto. Por outras palavras, pretendemos perceber e antecipar as

expectativas que configuram e precipitam os territórios, através do poder e da

influência dos discursos políticos, sociais, culturais e comerciais, que alimentam o

projecto dominante de ruralidade.

Neste sentido, assume-se a existência do discurso e de um projecto de

ruralidade derivado e inerente, como uma premissa que serve de base para todo o

caminho reflexivo. É precisamente sobre os contornos do núcleo temático deste

trabalho que se desenvolve o Capítulo II, já que, para além de explicar a origem do

questionamento que serve de mote à reflexão, as suas premissas e objectivos

fundamentais, enuncia os principais tópicos de discussão que estimulam e orientam

a sua progressão.

Para concretizar a desconstrução do discurso (já no Capítulo III), começamos

por definir teoricamente a sua identidade conceptual e aquilo que constitui e contém

enquanto noção genérica, para depois debater cuidadosamente as suas principais

dimensões, no que diz respeito, especificamente, à ruralidade. Ou seja, passamos à

análise dos seus diferentes registos e vozes (que afinal funcionam como camadas

em sobreposição), mais concretamente pela discussão da sua dimensão estratégica

(no que se constitui como o discurso político e técnico pelo desenvolvimento rural),

cultural (a bateria de representações positivas em redor da ruralidade, enraizada nos

nossos imaginários colectivos, através da arte, da literatura, etc.) e comercial

(associada aos esforços de promoção dos produtos e territórios rurais).

Desta feita, este capítulo é dedicado à reflexão em torno das orientações

estratégicas das políticas de desenvolvimento rural e sua filosofia de intervenção, do

chamado Ideal Rural e do seu poder de influência nos olhares e nas expectativas

que se impõe aos territórios, bem como dos produtos rurais que são promovidos

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Capítulo I

21

neste contexto. Sintetizando, discute-se uma estratégia de desenvolvimento, a sua

“matéria-prima” cultural e os produtos que pretende rentabilizar, naquilo que se

vislumbra como o processo de reinvenção da ruralidade, de espaço de produção (ou

em crise funcional) a espaço de consumo.

Destaca-se o pendor patrimonialista do discurso e a importância da

associação de ruralidade a cultura e a natureza, quase como uma elevação do

mundo rural a reserva do que está em risco nas cidades e no nosso tempo histórico.

Prosseguindo com esta desmontagem do discurso, no Capítulo IV remetemos o

debate para os valores que legitimam a valorização da ruralidade, dando-lhe sentido

e historicidade. De facto, pensada no quadro das grandes inquietações e

necessidades da civilização, esta ruralidade conservacionista que funciona como um

santuário ou um refúgio, é legitimada por dois valores/chavões essenciais na

estrutura axiológica das sociedades ocidentais – património histórico e

sustentabilidade ambiental.

Pelo consenso e sacralidade que aufere, no quadro da globalização e num

momento em que tanto cepticismo se concentra, em torno da viabilidade futura do

nosso modelo de desenvolvimento, este binómio é quase inquestionável e legitima,

por associação, o aparente consenso que paira sobre a importância do mundo rural,

enquanto repositório das identidades culturais e das relações harmoniosas entre o

Homem e a Natureza. Nesta lógica, importa reforçar que, com esta legitimação, são

precipitadas as grandes missões para as áreas rurais: preservar o passado e

garantir o futuro.

No Capítulo V, há lugar para justificar a afirmação da urbanidade deste

discurso, no sentido em que se explica a origem da valorização do rural, da sua

estratégia de reinvenção (em analogia com as manobras de requalificação dos

centros históricos das cidades), dos consumidores dos seus produtos e até do

aproveitamento que é feito do potencial de rentabilização do (reforçado) valor

simbólico associado à ruralidade. Por outras palavras, reitera-se a ideia de que

estamos perante um discurso urbano de reinvenção da ruralidade, da estratégia ao

consumo, das representações às expectativas, dos valores aos interesses, mas

principalmente porque esta existe como contraponto à cidade, como sua alteridade

essencial e como sua referência estável, num contexto de grandes e rápidas

transformações.

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Introdução

22

Propõe-se, portanto, um ensaio de integração do discurso no quadro das

relações territoriais e um exercício de concretização da sua desconstrução, já que

importa identificar a sua origem, justificar o seu poder e resistência e discutir os

interesses culturais, económicos e políticos que o motivam e sustentam. Nesta

lógica, estando assumido que estamos perante um discurso urbano de valorização

do rural, decidimos procurar na anatomia da cidade, espaços que servem a

alimentação do projecto de ruralidade reinventada, por via da recriação e

materialização do bucolismo veiculado. Ora, no Capítulo VI, haverá espaço para

expor as reflexões que resultam de uma abordagem etnográfica a dois espaços de

suposta encenação de ambientes campestres, na cidade do Porto (no Norte de

Portugal).

Desenvolvemos uma incursão empírica à quinta do Mata-Sete, que faz parte

do Parque da Fundação se Serralves, bem como ao Núcleo Rural de Aldoar, dentro

do Parque da Cidade do Porto, no sentido de perceber as motivações por detrás

ambos os projectos paisagísticos, os seus contornos cenográficos, a sua

arquitectura, a cultura material característica, a iconografia associada, etc., com o

intuito de os questionar enquanto exemplos de recriação da ruralidade idílica,

veiculada no discurso dominante, e identificar as suas funções sociais, usos e

principais actividades.

Conhecendo e analisando a história e configuração paisagística dos dois

lugares, ensaia-se a sua desconstrução enquanto materializações do projecto

urbano de ruralidade dominante, enquanto exemplos de hiper-ruralidade, espaços

de tematização ou de concretização do sonho bucólico. Constituindo lugares criados

com uma certa liberdade criativa ou com uma selectividade consciente, e

acumulando o carácter de paisagens imaginadas com a condição de espaços reais e

quotidianos, podem traduzir-se em materializações do sonho rural e permitir, assim,

o reforço da discussão em torno dos contornos do projecto de ruralidade, que se

dissemina discursivamente como arquétipo.

Acrescentando, e após todo este caminho reflexivo, pretendemos sistematizar

as conclusões pontuais de cada capítulo, fazendo desembocar a discussão em torno

do discurso, na enunciação dos traços que definem o seu projecto de ruralidade.

Desta feita, no Capítulo VII, além de ensaiarmos uma concretização das principais

características da ruralidade discursiva proposta para os territórios reais,

pretendemos conjecturar algumas das possíveis consequências que podem derivar

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Capítulo I

23

da sua aplicação. Resumindo, dissertaremos em torno do que é esperado dos

territórios rurais e do que podem estes esperar neste contexto. Haverá ainda

oportunidade para reforçar a pertinência da abordagem e para apresentar algumas

propostas de investigação complementar.

Posto isto, pode ser dito que começaremos por assumir a existência, a

relevância e a centralidade do discurso de reinvenção da ruralidade e por

desconstruí-lo nos seus diferentes registos e dimensões essenciais (estratégia,

matéria-prima e produtos). Analisaremos também os dois grandes axiomas que

servem de argumentos para a sua legitimação (cultura e natureza, através do

binómio património/sustentabilidade ambiental) e que precipitam a funcionalidade

social desta ruralidade reinventada: preservar o passado e garantir o futuro. Para,

posteriormente, reforçar a constatação da urbanidade do discurso, discutindo o

quadro de representações, expectativas, necessidades e interesses (culturais,

económicos e políticos) que o motivam e sustentam.

Finalmente, procuraremos no corpo da cidade materializações do projecto de

ruralidade dominante e ensaiaremos a identificação dos seus contornos, sem

esquecer a apresentação das suas eventuais consequências para os territórios

rurais. Cumprindo o trilho que parte do discurso para chegar ao seu projecto

territorial, somos animados pela convicção que é essencial conhecer as paisagens

sonhadas, desejadas, imaginadas, simbólicas e discursivas, para poder antecipar e

entender as paisagens reais. Neste sentido, reforça-se esta proposta reflexiva,

enquanto se sublinha a sua pertinência teórica e a sua utilidade, como ferramenta

para o debate em torno das questões territoriais e das estruturas ideológicas que

orientam as estratégias de desenvolvimento.

Deve ser dito que não se pretende circunscrever a abordagem à

circunstancialidade de um contexto definido, já que queremos debater o discurso

dando conta do seu carácter generalista, disseminado e aéreo. Dizendo respeito a

uma ruralidade genérica, apontando uma crise supostamente transversal às áreas

rurais, simplificando a complexidade e a diversidade territoriais e apresentando uma

estratégia de reinvenção a aplicar de forma indiferenciada, por via da valorização de

um potencial supostamente comum a todos os lugares que cabem no conceito

(também ele vago) de “mundo rural”, este discurso generaliza-se, precisamente por

ser generalista.

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Introdução

24

Sendo a abrangência uma das suas características estruturais, ao

contextualizar a abordagem, enquadrando-a numa realidade concreta, estaríamos a

podar a margem reflexiva que se exige para tomar um objecto tão etéreo e

pulverizado. Ou seja, para dar atenção à circunstancialidade e aos particularismos

de um âmbito (social ou geográfico) circunscrito, reduziríamos demasiado o espectro

do debate. Portanto, não se pretende discutir o discurso dentro de uma realidade

territorial restrita, já que estamos sensíveis ao seu carácter generalista e assumimos

a estratégia de tomá-lo como objecto, numa abordagem que se pauta por uma

abrangência correspondente.

Queremos ainda salvaguardar que um dos objectivos de fundo que estimula

este trabalho, é o de construir uma reflexão ampla e um quadro teórico polivalente,

que articule variadas temáticas (muitas vezes tratadas de forma dispersa) que

derivam do discurso de reinvenção da ruralidade, mas sobretudo, que estimule a

interpretação de diversas realidades empíricas. Ora, a amplitude do espectro de

discussão facilita o seu cruzamento com realidades múltiplas e a sua aplicação a

vários âmbitos territoriais. Também por isso, ou seja, pela abrangência da reflexão

teórica a que nos propomos e pela infinitude do seu universo temático, poderíamos

ilustrar a pesquisa com incontáveis casos empíricos.

De facto, reforça-se a intenção de desenvolver um debate teórico que articule

diversos temas, dinâmicas, questões e fenómenos que, segundo cremos, orbitam

em torno da fonte maior, que constitui este discurso de reinvenção da ruralidade, no

sentido de criar um quadro teórico robusto e organizado, que estimule o estudo de

diversos objectos empíricos. Assim, sublinhamos que a incursão ao terreno proposta

não deve ser encarada como o núcleo central deste percurso reflexivo, mas antes

como mais um input de informação para animar o debate, como um ensaio de

aplicação destas proposições teóricas (entre as múltiplas hipóteses possíveis) e

como um exercício ilustrativo, sem qualquer pretensão de produzir dados que

alcancem a representatividade.

Acrescentando, o trabalho de campo que suscita o sexto capítulo desta tese

acaba por reforçar, enquanto escolha e selecção de enfoque, a intenção de

considerar a urbanidade do projecto de ruralidade reinventada e por fazer avançar a

discussão para o plano das materializações do discurso na paisagem. Nesta lógica,

precipita a identificação dos contornos desse projecto no seu contexto de produção

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Capítulo I

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e alimentação primordial – a cidade, naquilo que acaba por ser o adiantar do

percurso reflexivo proposto.

Salvaguarda-se ainda, que centraremos o enfoque etnográfico no lado da

produção dos lugares e não no seu consumo e interpretação. Em primeiro lugar,

porque se pretende animar a discussão em torno dos contornos do projecto que

alimenta expectativas urbanas de ruralidade idílica, fazendo sentido priorizar a

abordagem em torno da produção da paisagem (enquanto modelo ou lugar de

consagração do sonho), mas também porque a perspectiva do consumo e da

interpretação do quadro suscitaria todo um novo espectro de estudo e debate, que

seria demasiado exigente e ambicioso, para o âmbito desta pesquisa. De qualquer

forma, teremos oportunidade de justificar todas as escolhas e de explicar estas

questões com mais detalhe à medida que for oportuno.

Como outra salvaguarda importante, deve ser dito que estamos

conscientes da recorrência e da centralidade assumidas pelas categorias territoriais

ao longo deste texto, onde se apresentam tantas vezes em contraponto e

cruzamento. Longe de querer reiterar a sua rigidez e sabendo que as realidades

territoriais não se coadunam com a “pureza” e a compartimentação que estas

sugerem, enquanto estruturas conceptuais, não desmerecemos a sua utilidade

teórica nesta problemática e, principalmente, o seu poder de influência ao nível das

representações e dos discursos em torno dos lugares.

De facto, mesmo que as realidades territoriais sejam complexas, híbridas e

fluidas, não cabendo facilmente em categorias estanques (de rural ou urbano, por

exemplo) e tendo em consideração o quão difícil é definir os critérios que criam e

atribuem esses rótulos, a verdade é que, no plano das ideias, dos discursos e das

representações culturais, essa compartimentação dicotómica é dominante. As

categorias territoriais servem a organização e a formulação de significados em torno

dos lugares, fornecem ferramentas para os discursos (palavras, conceitos,

oposições, etc.), orientado a forma como consideramos as suas funções, valores,

utilidades, conotações, etc.

A importância da categorização dualista rural/urbano é patente, tendo em

conta que funciona como base para a formação do imaginário popular em torno dos

territórios, mas também para a construção do património conceptual científico,

técnico e político. As categorias territoriais culturalmente estabelecidas não são

apenas “molduras” que ajudam a entender o mundo, controlando a forma como

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Introdução

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agimos dentro dele. Ora, estando os territórios compartimentados e organizados,

política e institucionalmente, segundo critérios (de uso, valor, etc.) que derivam

directamente das categorias culturalmente estabelecidas e suas conotações, as

nossas vidas são fortemente influenciadas pelo seu poder e implementação

detalhada (Vandergeest & DuPuis, 1996).

Estando a problemática do discurso hegemónico de valorização e reinvenção

da ruralidade dependente da noção de “rural”, em contraponto com a noção de

“urbano” e partindo esta discussão, precisamente, da ideia de que as estruturas de

significados, imagens e representações, em torno dos territórios, precipitam

projectos e orientações para o seu desenvolvimento, a relevância destas categorias

é inquestionável, por ser intrínseca ao próprio objecto de debate. Podendo não

funcionar para definir e compartimentar os territórios, estas categorias servem

certamente para organizar os discursos que se organizam em seu redor, residindo

nesse poder e utilidade, o seu interesse teórico e a sua pertinência conceptual.

A propósito, deve ser igualmente esclarecido que faremos uso dos termos

“rural”, “urbano”, “ruralidade”, “urbanidade”, “áreas/espaços/territórios

rurais/urbanos”, “mundo rural”, “cidade”, “campo”, etc., sem precisar com rigor

definições ou limites conceptuais, com a consciência de que essa seria uma tarefa

demasiado exaustiva e já extensamente ensaiada na literatura, precisamente pelo

facto de os territórios serem realidades dinâmicas e complexas, que dificilmente

facilitam uma reificação teórica. O mesmo acontece em relação à distinção entre os

territórios apelidados de “urbanos” ou “rurais”, no sentido em que, como foi dito, a

dualidade simplificada das categorias discursivas não corresponde à realidade

híbrida e processual dos espaços concretos, o que torna inglória a tarefa de rotulá-

los cabalmente.

“A distinção entre meios rurais e meios urbanos não é um dos objectivos

deste texto. Aliás, a transformação acelerada que uns e outros enfrentam

caracteriza-se pela impossibilidade crescente em delimitá-los, distingui-los e,

inclusivamente, aceitá-los como categorias operativas. A delimitação dos dois

conceitos, sendo necessária para facilitar a análise, conduz a resultados que não

podem nunca ser desligados dos critérios que presidem a essa delimitação e que

fazem com que esta tenha que ser relativizada. A utilização do termo ‘meios rurais’

neste texto é, assim, um mero expediente operativo de construção de um discurso

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Capítulo I

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científico que não nos afasta da consciência do carácter difuso das fronteiras desses

espaços.” (Peixoto, 2002, pág.3).

Na mesma lógica, tomaremos a liberdade de utilizar “espaço”, “território” e

“lugar” como sinónimos, para facilitar a fluidez do texto, com a consciência de que

divergem conceptualmente, por dizerem respeito a realidades distintas. Com isto

não queremos, de modo nenhum, descurar a importância da sua definição e

distinção. No entanto, para além de esse não ser o âmbito deste trabalho, seria de

certa forma despropositado alongarmo-nos com este tipo de esclarecimento

semântico que, para além de não ser vão, nem sequer consensual (exigindo um

extremo rigor conceptual), acumula já um vasto rol de material científico e

epistemológico. Pedimos, portanto, ao leitor quer releve o uso indiferenciado dos

termos em causa e que compreenda que, neste caso, serve o favorecimento da

variedade de vocabulário empregue e a fluência da prosa.

Muito importante é esclarecer que, ao tomarmos este discurso como objecto

central para o debate e ao apresentá-lo como hegemónico na sua centralidade e

transversalidade, não queremos passar a ideia de que não existem contra-discursos,

ou que esta perspectiva de ruralidade é alvo de uma unanimidade esmagadora. Pelo

contrário, estando sensíveis à existência de outras vozes e interesses,

nomeadamente do sector agrícola (para o qual interessa a manutenção dos apoios

ao rural produtivo, por exemplo), queremos questionar a predominância deste

projecto e a sua disseminação. Ou seja, pretende-se desconstruir a sua aparente

consensualidade, revelando as origens, interesses e factores que motivam e

sustentam a força deste discurso em concreto, questionando assim a retórica

altruísta que o legitima e promove.

Não queremos, de todo, ignorar a polifonia que rodeia a ruralidade e a

multiplicidade de perspectivas e interesses antagónicos, que animam a disputa pelo

controlo dos seus recursos e das suas estratégias de desenvolvimento, no entanto,

parece-nos importante destacar o projecto que institucionalmente se converte na

tónica dominante, através do discurso aglutinador e hegemónico, que condiciona as

agendas políticas a diversas escalas, dentro deste contexto de dramatização da

“crise” rural. O acentuar dos problemas funcionais, económicos e demográficos ao

nível local (ou pelo menos do seu protagonismo mediático), a consequente

fragilização dos patrimónios culturais e naturais nas áreas rurais, em paralelo com a

associação destes à (in)sustentabilidade do planeta e à suposta debilidade da

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Introdução

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memória e das identidades colectivas, levam à radicalização deste discurso e das

soluções que apresenta, no que se converte na legitimação do projecto de

reinvenção da ruralidade.

A propósito, importa esclarecer que, apesar do registo generalista desta

abordagem, estamos sensíveis ao facto de este discurso não ter expressão em

todos os contextos e realidades e, portanto, de que este questionamento acaba por

perder sentido em muitos âmbitos geográficos. Não temos pretensões de fazê-lo

reportar a todos os territórios, lembrando que remetemos sempre o discurso para

contextos de dramatização da chamada “crise das áreas rurais”. Desta feita,

sublinha-se a ligação entre o discurso e a crise dos territórios rurais (em toda a sua

eminência e protagonismo mediático e político), no sentido em que é a partir da sua

elevação a problema, em que se quer pensar e que urge resolver, que se precipita,

tanto a valorização da ruralidade, como o projecto de reinvenção.

Por outras palavras, o discurso que tomamos como objecto diz respeito a

contextos onde a desertificação, a desadequação funcional, a estagnação

económica, a delapidação da actividade agrícola, a fragilização ecológica e

patrimonial e o conjunto de problemas associados, são assumidos como flagelos

que assolam as áreas rurais e cuja solução é apresentada como essencial. Ou seja,

âmbitos em que é dado protagonismo mediático e político e se dissemina a

consideração colectiva da crise ou da decadência do mundo rural agrícola, produtivo

e habitado. Neste ambiente de preocupação, e misturada com alguma retórica do

desenvolvimento local, brota a valorização do mundo rural como algo que está em

risco, estando criadas as condições para o reforço do discurso de reinvenção e para

a legitimação do seu projecto de ruralidade patrimonial e consumível.

Ora, esta situação é patente dos países do Sul da Europa, nomeadamente

em Portugal onde o declínio da agricultura e a parca industrialização do interior do

país, a sua desertificação galopante e estagnação económica, levam a que sejam

criadas, na ausência de modernidade (motivada por inúmeros factores históricos), as

condições ideais para a disseminação do projecto pós-moderno de ruralidade

(Figueiredo, 2003). Já não é agrícola este mundo rural e, nunca tendo chegado a ser

industrial, passa de (in)produtivo a potencialmente consumível, patrimonial,

recreativo. “Esta situação parece, assim, poder conduzir a ‘uma recodificação das

áreas rurais portuguesas de pré-modernas em pós-modernas’” (Figueiredo, 2003,

pág. 153).

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Capítulo I

29

Posto isto, não sendo exclusivo, nem omnipresente, o discurso hegemónico

de reinvenção da ruralidade (em contextos de suposta decadência das áreas rurais)

que assumimos como objecto de discussão, autoriza (enquanto pretexto, trilho e

posicionamento teórico) a interpretação e a desconstrução destas questões, ao

mesmo tempo que não exclui outras realidades. A perspectiva do discurso estimula

a sensibilidade a diferentes registos, valores e interesses, permitindo diversas

leituras, articulando diferentes dinâmicas, temáticas e fenómenos, num

enquadramento teórico maior e organizado. Do seu desdobramento estender-se-á

um caminho reflexivo intenso, rumo ao projecto de ruralidade que se propõe, pela

expectativa, aos territórios.

Registos, suportes, estratégias, representações, argumentos, valores,

programas e funções, origens, interesses, expectativas, paisagens, orientações e

consequências. Discurso. Projecto. Cultura. Território. Muitas palavras (sugestivas e

poliédricas) para fazer jus à complexidade de interessantes dinâmicas culturais,

sociais e geográficas, cuja inteligibilidade se ambiciona explorar, ao longo de um

percurso que se avizinha estimulante, aberto e fértil, em múltiplas ramificações.

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Introdução

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II. O discurso de reinvenção da ruralidade

Vejo as paisagens sonhadas com mais clareza com que fito as reais. Se me debruço sobre os meus sonhos é sobre qualquer cousa que me debruço. Se vejo a vida passar, sonho qualquer cousa. Sem data, Bernardo Soares (Fernando Pessoa)2

Num contexto em que as cidades parecem concentrar os recursos humanos,

económicos, tecnológicos e culturais, competitivamente valorizados para responder

às exigências estratégicas da globalização, faz sentido pensar no papel e nas

possibilidades de desenvolvimento dos territórios mais desprovidos das

características valorizadas pelos critérios dominantes. Assim, quando pensamos nos

territórios rurais, apesar da sua definição estar longe de ser clara e alheada das

“fronteiras” urbanas, uma aparente contradição discursiva salta à vista,

principalmente num contraponto forçado por relação à cidade.

Este aparente paradoxo está relacionado com o facto de, nunca como agora,

a cidade concentrar tantos interesses e recursos estratégicos, mas ao mesmo tempo

se ter generalizado um discurso demonizador em torno da sua irreversível

insustentabilidade. Paralelamente, por correspondência, parece agigantar-se um

discurso nostálgico em relação às virtudes do mundo rural, que no entanto é

genericamente descrito como estando num estado de profunda crise funcional e

demográfica, principalmente nos países do Sul da Europa.

Desta feita, se existe uma generalização da crise dos territórios rurais, parece

existir simultaneamente uma valorização discursiva da ruralidade, quando, na

verdade, as áreas rurais, para além de não serem homogéneas, são realidades

muito complexas (até na própria definição). Estas crises anunciadas mediática,

política e sensocomunalmente, parecem brotar de discursos geminados. Assim,

sendo patente, por um lado, a disseminação do sentimento de crise que advém da

2 Excerto retirado do “Livro do Desassossego, por Bernardo Soares” (Vol. II.).

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O discurso de reinvenção da ruralidade

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prosperidade insustentável da cidade, precipita-se, por outro, a ideia de estagnação

económica do mundo rural.

Esta simetria alimenta conveniências mútuas, cujos limites são difíceis de

marcar e cuja sustentação prática e estratégica cabe a agências variadas e poucas

vezes identificáveis a um primeiro olhar. Se nem todas as cidades são “cidades da

globalização” e se nem todas as aldeias sofrem de crise económica, demográfica e

produtiva, deve ser questionada a aparente consensualidade e unanimidade nos

discursos e nas políticas territoriais. As mesmas que preparam para os territórios

urbanos e rurais, baterias de medidas voltadas para o estímulo da competitividade e

da reanimação, respectivamente.

É precisamente devido à centralidade e recorrência das questões associadas

à ruralidade, ao facto de o mundo rural concentrar atenções de vários quadrantes

(políticos, mediáticos, académicos, empresariais, sociais, etc.), de aparentemente

existir muito interesse em torno do turismo, do património e dos produtos rurais e de

estarmos num contexto de grande valorização do seu potencial estratégico (mesmo

perante tantos problemas), que somos levados a questionar estas tendências,

modas, vozes, perspectivas e interesses.

Para organizar este ensaio de desconstrução e este exercício de

questionamento crítico, consideramos a existência de um discurso optimista em

torno do potencial rural, que brota da assunção da crise e da necessidade de sua

reversão, como uma premissa para a investigação e tomamo-lo como objecto, com o

objectivo de perceber o que é esperado do mundo rural e o que podem esperar este

tipo de territórios.

Assumindo que o contraponto para com a cidade (próspera mas demonizada)

e a dramatização generalista da crise rural (principalmente nos países do Sul da

Europa) podem funcionar como um estímulo do potencial rural e de um projecto de

reinvenção, como contraste valorizador e pretexto para um reaproveitamento

estratégico, temos a intenção de desconstruir o discurso que atira o mundo rural

para a eminência de um processo de transformação, enquanto alteridade desejável

perante uma urbanidade estruturalmente insustentável.

Entendendo que o tom pesaroso em relação à situação demográfica e

económica dos espaços rurais, muito patente em Portugal, principalmente no que diz

respeito ao interior do país, vem a par do discurso complementar de valorização da

ruralidade e seu potencial cultural e ecológico, parece claro que o fatalismo serve de

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Capítulo II

33

estímulo à reversão da crise, ou pelo menos de argumento a favor de uma

reinvenção, com base em valores patrimoniais.

Importa dizer que o carácter generalista do discurso, quer do lado do alerta de

crise, quer do lado da valorização do potencial rural, ao parecer desligado de

territórios concretos, desespacializa as questões, à medida que as generaliza. No

entanto, mesmo podendo parecer aéreo e disperso no seu registo generalista, o

discurso está transversalmente consolidado em diversas esferas sociais, políticas,

económicas e culturais e apresenta uma orientação estratégica clara, difundindo

aquilo que parece ser um projecto de ruralidade patrimonial e consumível.

Desta feita, a retórica da crise acaba por servir as políticas culturais e

territoriais associadas a este projecto, no sentido em que apela à intervenção,

precipita as questões rurais e legitima-as enquanto prioridades estratégicas.

Partindo assim da ideia de que a reinvenção da ruralidade nasce deste discurso

construído culturalmente, que se traduz num projecto definido de transformação

territorial, através da valorização e capitalização de determinados aspectos e

recursos rurais, importa expor com mais detalhe os principais questionamentos e

objectivos da pesquisa a que nos propomos.

1. Os principais questionamentos e objectivos de investigação. (o que se quer saber)

Tendo como temática este discurso/projecto, a que poderíamos chamar de

“discurso de reinvenção da ruralidade”, a intenção que orienta a pesquisa seria a de

reflectir, desconstruir e discutir, por um lado, algumas das suas dimensões

essenciais e os principais argumentos que o sustentam e, por outro, as origens e

motivações que estão na génese da sua produção e difusão.

Assim, para facilitar e organizar a abordagem, dividimos o discurso em três

eixos, destacamos dois argumentos de suporte essenciais e focamos a abordagem

na sua origem e carácter urbanos.

O objectivo primário do caminho que nos propomos é o de contribuir para

uma reflexão abrangente e crítica do discurso por detrás do processo de reinvenção

da ruralidade, não especificamente num território, mas, tal como discursivamente,

num plano teórico e genérico. A preocupação não é a de seguir um processo

territorial específico de reinvenção, medir os seus impactos e consequências,

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O discurso de reinvenção da ruralidade

34

entender a relação entre os agentes locais e seus interesses em todo o processo,

etc. Mas antes a de desconstruir o discurso, por detrás dos processos de reinvenção

das ruralidades e da ruralidade simbólica, no sentido de o entender como uma

política cultural e não apenas como um projecto de território em concreto.

Esta intenção justifica-se pela importância de evitar uma fragmentação da

análise do discurso, pois ao remeter o olhar para um lugar concreto, teríamos

necessariamente de centrar a abordagem nas características específicas e

circunstanciais de um projecto de reinvenção em particular, deixando escapar um

dos principais traços do discurso – o seu carácter generalista, bem como um dos

principais traços do projecto de reinvenção por ele promovido – existir como uma

espécie de solução universal para os territórios rurais em crise, simplificados

discursivamente como homogéneos.

A naturalização do discurso e a sua função de política cultural (mais do que

territorial) o seu carácter transversal e generalista e as suas consequências ao nível

da produção de significados simplificados e aglutinadores das especificidades locais,

fazem com que se deva apostar numa abordagem ela própria abrangente,

compreensiva e de certa forma desespacializada, no sentido de encarar o objecto na

sua complexidade cultural e não apenas enquanto um projecto de território definido

geograficamente. Discutiremos cultura, mais do que territórios concretos, mas, tendo

em conta que estes se configuram a partir das concepções culturais, ideológicas,

políticas e simbólicas que se projectam como dominantes, parece-nos que começar

pelo discurso é começar pelo “início”.

Como foi dito, pretendemos organizar a desconstrução do discurso em três

eixos fundamentais, no sentido de esclarecer a proposta reflexiva. As três

dimensões do discurso seriam a estratégica, a cultural e a comercial, ou mais

precisamente o discurso na sua vertente estratégica e técnica (as políticas de

desenvolvimento rural), o discurso no seu registo sensocomunal e cultural (o

chamado Ideal Rural) e, finalmente, o discurso na sua função promocional (dos

produtos rurais e do rural enquanto produto).

Para além de pensar o discurso nestas dimensões, relacionando-as no seu

encadeamento lógico – uma estratégia de desenvolvimento que se alimenta de uma

bateria cultural como matéria-prima, para promover a ruralidade e seus produtos – é

essencial desconstruir os valores e argumentos que o sustentam e que afinal

precipitam as "novas" funções dos territórios. Identificando dois grandes valores de

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Capítulo II

35

suporte, património (memória colectiva, identidades, tradições) e sustentabilidade

ambiental, (natureza, ecologia) e duas grandes funções atribuídas, nesta lógica, às

áreas rurais - preservar o passado e garantir o futuro, pretendemos desconstruir o

seu poder e valor cultural e simbólico, em cruzamento com as dimensões acima

assinaladas.

Deste trabalho reflexivo, almeja-se o alcance do conteúdo ideológico e

axiológico de legitimação do discurso e do seu projecto de reinvenção da ruralidade,

ao mesmo tempo que nos aproximamos das motivações que o estimulam. O suporte

argumentativo do discurso remete, logicamente, para o quadro cultural, social,

político e histórico em que este é produzido e que hierarquiza a axiologia que se

precipita enquanto legítima, dominante e eminente, no nosso momento histórico.

Por relação às agências de promoção e motivações por detrás do discurso,

não se pretende uma inventariação sistemática das instituições e actores, causas e

interesses específicos, que estimulam o projecto de reinvenção da ruralidade num

determinado território. Interessa discutir, sobretudo e mais uma vez, a origem, as

motivações, interesses e necessidades culturais, territoriais, económicas e políticas,

que funcionam como transversais, marcando o nosso tempo histórico e o nosso

contexto social e que precipitam este discurso (com todas as consequências que

acarreta).

Neste sentido, deve ser apresentada outra ideia ou premissa importante para

o âmbito teórico deste trabalho, a de que este discurso deve ser olhado enquanto

um fenómeno sobretudo urbano. Pelas motivações e agências de produção do

discurso, pelo tipo de estratégia associada à concretização do projecto de

ruralidade, pelo contexto em que os seus argumentos se destacam e ganham

sentido, por questões comerciais e económicas, entre outros factores, somos

levados a remeter para a cidade, a construção e difusão da necessidade de

reinventar a ruralidade.

Os valores por detrás deste discurso representam algumas das preocupações

centrais das sociedades contemporâneas, divididas entre a necessidade de uma

ancoragem originária, de uma segurança ontológica e de uma estabilidade

axiológica e o sentimento de instabilidade e anomia social no mundo globalizado

(Bunce, 1994). Entre a busca da qualidade de vida e a insustentabilidade dos estilos

de vida. Entre um passado sonhado como mais familiar, particular, local e um futuro

que se prevê complexo, impessoal, global, etc. (Ferrão, 2000). E entre a cidade,

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O discurso de reinvenção da ruralidade

36

modelo territorial dominante e o rural, modelo territorial valorizado cada vez mais no

plano onírico, ideológico e discursivo (Williams, 2002).

Acontece que, precisamente, por rural e urbano, assim como as suas funções

e fronteiras não constituírem categorias independentes e claramente separadas e,

acrescendo o facto de que estas dinâmicas de “contraposição” dicotómica se

caracterizarem por uma promiscuidade inerente, não podemos abordar a valorização

da ruralidade enquanto um fenómeno rural (Bagli, 2006). Não parecem nascer dos

territórios rurais ou mesmo das políticas locais, as estratégias e discursos de

valorização do potencial cultural e natural rural, mesmo que exista muitas vezes um

compromisso endógeno em concretizar os projectos que daí derivam ou tentativas

de rentabilização das oportunidades que daí possam surgir.

É igualmente claro que a bateria de representações e mitos que sustenta a

renovação dos olhares que elevam a ruralidade, não brota de uma auto-estima

ruralista ou de um eventual “patriotismo” rural, mas antes das grandes cidades, em

que de forma mais intensa se persegue uma alteridade apaziguadora das

ansiedades derivadas do sentimento de “insustentabilidade” urbana, global,

quotidiana, etc. (Bunce, 1994).

Por outro lado, também não são os habitantes das aldeias o público-alvo das

estratégias de promoção dos territórios rurais para destinos turísticos, muito menos

dos seus produtos gastronómicos, artesanais ou lúdicos. Ou seja, parece ser da

esfera urbana que nascem e são alimentadas as dinâmicas discursivas, que apelam

à reconfiguração do rural em espaço de consumo, com base nos valores que fazem

sentido no quadro do eterno reajustamento axiológico num mundo em rápida

evolução e para suprir necessidades urbanas. Necessidades de expansão de

negócio (imobiliário, turístico, comercial), de lazer e evasão, de sonho e

apaziguamento de consciências, de manutenção da memória, de consumo, etc.

(Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998).

Resumindo, estamos perante um discurso urbano de valorização da sua

própria alteridade, que sustenta estratégias de alargamento das possibilidades de

consumo e negócio, ao mesmo tempo que se apresenta como uma solução para os

problemas (revalorizados) dos territórios rurais, cujos sinais do que outrora se

chamava “atraso” constituem agora “potencialidades”.

Posto isto, apresenta-se como objectivo discutir o discurso dentro das

relações rural-urbano e nesse “espaço sem chão”, de limites, dependências e forças

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Capítulo II

37

entre as categorias, procurando no urbano esta construção do rural, quer no plano

teórico, quer empiricamente, como explicaremos adiante.

Recapitulando e sistematizando, importa perceber o discurso e a estratégia

de reinvenção da ruralidade, as suas prioridades e filosofias de intervenção, bem

como dissertar sobre as consequências de uma estratégia baseada nestes valores e

promovida por este tipo de discurso, na forma como se olha a ruralidade e também,

na forma como se constrói e consome estes espaços.

Importa delinear o património imaginário que configura a ruralidade idílica, os

seus limites e poder simbólico. Relacionar esta bateria de representações enraizada

culturalmente com o discurso que dela se aproveita, enquanto a alimenta

simultaneamente, e perceber o seu impacto e presença dentro das lógicas de

promoção dos produtos da ruralidade.

Enunciar os produtos da ruralidade centralizados pela estratégia, questionar o

alcance da aposta na sua promoção e discutir os argumentos e valores que a

sustentam, é igualmente importante. Assim como a reflexão em torno dos mercados

a que se orientam, dos veículos e estratégias de sua promoção e consumo e,

também, dos elementos distintivos que os destacam no plano simbólico.

Importa igualmente e de forma quase transversal à dissertação, discutir as

relações rural/urbano e o seu carácter muitas vezes dicotómico (competitividade

urbana/marginalidade rural, insustentabilidade urbana/ideal rural), dentro do que se

configura como o discurso cultural em torno das categorias territoriais, funções,

valores e representações associadas.

Em suma poderíamos resumir as principais questões, cujas respostas

representam os objectivos teóricos da pesquisa, nos pontos seguidamente

apresentados:

Discutir e entender o discurso de valorização da ruralidade e as

estratégias de desenvolvimento rural baseadas no potencial patrimonial

rural.

Identificar e entender as linhas filosóficas, argumentativas, metodológicas,

organizativas, operativas, e prioritárias da estratégia.

Relacionar o património imaginário em torno da ruralidade, culturalmente

enraizado, com estes processos de valorização e reinvenção do rural.

Perceber a origem das imagens e narrativas difundidas.

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O discurso de reinvenção da ruralidade

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Identificar e entender a imagem de ruralidade idílica, os valores que lhe

estão associados, os seus limites e paisagens simbólicas.

Pensar o seu poder simbólico enquanto base de representações,

projectos e relações com o espaço, enquanto argumentos e elementos

distintivos associados a produtos, paisagens, actividades, manifestações

culturais, estilos de vida, etc.

Apresentar o conjunto de produtos, centralizados pelo discurso e portanto

derivados da estratégia e perceber as lógicas de sua promoção.

Identificar os mercados a que se destinam.

Enunciar as características e elementos simbólicos que supostamente

distinguem a sua ruralidade.

Pensar em que medida a sua promoção se alimenta dos valores do ideal

rural.

Discutir as possibilidades de concretização de desenvolvimento

económico através da aposta na sua promoção e consumo.

Discutir os valores que sustentam o discurso e as funções que precipitam

para os territórios rurais.

Reflectir em torno da urbanidade do discurso.

Relacionar a estratégia de reinvenção dos espaços rurais com as

estratégias de reabilitação dos centros históricos das cidades.

Contextualizar a valorização das características idílicas da ruralidade e as

expectativas de reinvenção dos territórios rurais no quadro das

inquietações, ansiedades e necessidades culturais e de consumo

urbanas.

Discutir os interesses, expectativas e motivações por detrás do projecto

de ruralidade apresentado pelo discurso.

Procurar no corpo da cidade espaços de materialização deste

projecto/sonho de ruralidade.

Conhecer os contornos do projecto de ruralidade veiculado

discursivamente.

Pensar nas possíveis consequências deste projecto para os territórios.

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Capítulo II

39

2. Premissas e caminhos teóricos e metodológicos para a pesquisa. (como quero saber)

Por entendermos esta reflexão como um caminho, começaremos por discutir

o discurso nas suas dimensões fundamentais, seguindo os questionamentos

apresentados, sem descurar o seu cruzamento com os argumentos e valores de sua

legitimação e suporte, ao mesmo tempo que desenvolveremos a sua desconstrução.

Após a concretização da reflexão em torno da ideia de que estamos perante um

discurso de reinvenção, que precipita um projecto estratégico, alimentado

culturalmente e catalisador de uma ruralidade consumível, passaremos ao

desenvolvimento crítico da segunda premissa associada, a de que estamos perante

um projecto urbano de ruralidade. Neste sentido e após um debate teórico, faremos

uma incursão ao terreno, para procurar na cidade espaços de encenação e consumo

da ruralidade idílica, com a intenção de perceber os contornos do projecto de

ruralidade difundido discursivamente e alimentado nos quotidianos urbanos.

O trabalho de reflexão teórica pretende ser uma combinação crítica de

contributos literários de diversas origens disciplinares, no sentido de cruzar

perspectivas e ensaiar uma cobertura competente e abrangente, das diversas

nuances e dimensões desta temática. Por falarmos de um discurso transversal e

naturalizado, devemos suportar a nossa reflexão num património teórico e científico

alargado, dentro do que são os estudos culturais e territoriais e recorrendo a material

bibliográfico sobre temáticas variadas como cultura, economia, territórios, consumo,

design, ecologia, comunicação, publicidade, arte, políticas de desenvolvimento,

turismo, etc.

Esta abordagem acaba por estar inserida em algumas das linhas de

investigação fundamentais da chamada Geografia Cultural, nomeadamente a

análise das paisagens pelas suas características simbólicas e de representação,

bem como a discussão em torno das categorias territoriais, enquanto construções

discursivas e culturais e do efeito da sua influência na forma de percepcionar os

espaços (Benach Rovira, 2005). De facto, podemos dizer que este tipo de caminho

de pesquisa e de questionamento, cumpre o reforço da análise da dimensão cultural

das transformações territoriais que, pela sua complexidade, não se esgotam em

explicações morfológicas e materialistas. Neste sentido, combinam-se

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O discurso de reinvenção da ruralidade

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estrategicamente as aproximações da Sociologia ao espaço e, por outro lado, da

Geografia à cultura (Benach Rovira, 2005).

É portanto uma análise, dos valores e significados da ruralidade e uma

desconstrução do discurso que os define e precipita, que pretendemos desenvolver,

por via de uma reflexão teórica progressiva, com o objectivo de contribuir para a

construção de uma grelha crítica de interpretação dessas construções simbólicas e

das relações de poder que as configuram. Pretende-se articular variadas temáticas,

habitualmente tratadas de forma divorciada, que remetem para o mesmo quadro

discursivo e ideológico matriz e que, portanto, interessa integrar. Com isto, espera-

se contribuir com a construção de um quadro teórico coeso que permita e estimule a

interpretação de uma infinidade de realidades empíricas que estão associadas à

ideia de ruralidade que deriva deste discurso dominante, bem como às suas

manifestações no território, às suas raízes culturais e políticas, à sua vertente

comercial e turística, etc.

Após discutidas teoricamente estas questões e perante a premissa que o

discurso pela reinvenção da ruralidade se apresenta sobretudo enquanto um

fenómeno urbano, cabe verificar de que forma os seus ecos são encontrados no

espaço da cidade. Sendo esse o intuito da etapa empírica do nosso percurso

reflexivo, pretendemos concretizar uma incursão ao terreno, a fim de percorrer os

trilhos da mitificação da ruralidade em espaço urbano e, especificamente, em alguns

dos lugares onde esta parece ser alimentada e consumida.

Assim, é nossa intenção buscar na cidade lugares em que estejam

intensamente presentes a sedução do ruralismo, o apelo ao seu consumo, ao seu

sonho idílico e em que de alguma maneira sejam reproduzidos os signos que

reforçam o encantamento pelo rural. Os lugares que de certa forma introduzem no

quotidiano urbano a tal ruralidade imaginada, ao que parece muito presente nas

representações, podem permitir vislumbrar e identificar os traços e elementos que

pautam a projecção do rural na cidade e aquilo que é esperado encontrar quando,

de facto, os urbanitas vão em busca das aldeias, das paisagens, da “natureza”

associada ao sonho pastoral. Por outras palavras, procuraremos analisar na cidade

lugares associados à ruralidade na sua dimensão idílica, concretizada na paisagem

através da reprodução arquitectónica e cenográfica da iconografia pastoral.

É necessário contudo reforçar que não é objectivo encontrar na cidade rasgos

de ruralidade “espontâneos”, ou seja, marcas ou vestígios de um passado rural,

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Capítulo II

41

nichos ou enclaves culturais de ruralidade, ou mesmo traços da influência das áreas

rurais circundantes à cidade. O objectivo é analisar lugares em que seja alimentada

uma ruralidade construída, “destilada” e purificada, introduzida no espaço urbano

através de elementos da iconografia idílica da ruralidade mitificada, dentro desta

tendência contemporânea de estetizar alguns lugares ou territórios para recriar

ambientes cujas características parecem ser culturalmente valorizadas (como

acontece muitas vezes no caso dos centros históricos das cidades).

Os lugares seleccionados para objecto de estudo e estímulo à incursão

etnográfica foram eleitos segundo os critérios que se prendem com as concepções

anteriores e estão situados na cidade do Porto. A escolha desta cidade justifica-se

com o facto de ser a “capital” da região do Norte de Portugal, de tradição fortemente

rural, mas muito influenciada pelo seu poderio económico, cultural e histórico. Assim,

importa enunciar os objectos empíricos desta pesquisa:

1) O Núcleo Rural de Aldoar, dentro do Parque da cidade do Porto.

2) A quinta do Mata-Sete, dentro do Parque da Fundação de Serralves.

A estratégia de trabalho de campo prevista baseia-se no método etnográfico,

ou seja, na visita e observação recorrentes destes lugares, a fim de os analisar,

através dos filtros da reflexão teórica que precederá o trabalho de campo. Da

recolha de material (documental, literário, fotográfico, informativo, promocional, etc.),

da experiência e observação dos lugares, das conversas e entrevistas com os

principais agentes envolvidos e testemunhas privilegiadas, pretendemos perceber se

é possível encontrar nos objectos, elementos de concretização e difusão do

projecto/discurso de reinvenção da ruralidade. Pretendemos encontrar as

ruralidades veiculadas na cidade, os seus contornos e as suas formas de sedução

do olhar, consumo e valorização. Partindo da premissa que sustenta a linha reflexiva

deste trabalho, ou seja, da ideia de que ao identificar e perceber as manifestações

do discurso, podemos de facto agarrar, entender e descrevê-lo, pretendemos

percorrer a cidade ao encontro das concretizações das projecções e representações

em torno da ruralidade, criadas e alimentadas como dominantes, no espaço urbano.

Da observação, da conversa, da recolha de materiais, do percurso, da

experiência e de todas actividades e estímulos possíveis de serem propostos ou

induzidos na cidade (mais especificamente nos lugares seleccionados),

pretendemos ser alimentados conscientemente das narrativas e valores, dos

quadros e histórias que nela constroem a ruralidade idealizada. Neste percurso,

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O discurso de reinvenção da ruralidade

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pretendemos desenhar o perfil dessa influência, dessa sedução, desse

condicionamento, desses discursos. Este caminho é também um ensaio de

estratégia metodológica, que se pretende inovadora e flexível, para trazer novos

recursos para a discussão e enriquecer a análise dos contornos do discurso que

temos como objecto central de pesquisa.

Centralizar a análise empírica na encenação da ruralidade sonhada em

espaço urbano e na sua linguagem simbólica e estética, parece-nos uma escolha

pertinente, se pensarmos na centralidade que a dimensão visual e iconográfica da

cultura tem nas nossas sociedades. Nesta linha, é comum encontrarmos na

literatura científica os termos “visual culture”, “scopic regime” e “ocularcentrism” para

reforçar a saturação imagética nos quotidianos do nosso tempo histórico (Rose,

2007).

Assim, estando a vida social impregnada de estímulos visuais e saturada de

imagens construídas ideologicamente, principalmente quando nos referimos aos

quotidianos urbanos, parece-nos que dar atenção à iconografia produzida dentro dos

valores do discurso, neste caso num registo cenográfico e paisagístico (porque

falamos de imagens, para chegar aos territórios) não só é um caminho de

investigação interessante, como pode permitir ilustrar de forma consistente a

discussão teórica a que nos propomos.

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III. O discurso nos seus diferentes registos – poder,

ideologia e projecto Os homens desertaram destas terras. Só um bacoco, a rufiar com a sombra, só um bacoco, bolsado das tabernas, em sete palmos, só, se reencontra.

Turistas fotografam cal e pedras: o cubismo de casas e ruelas. Nas soleiras sobraram umas velhas. Escorre-lhes o preto pelas canelas.

1972, Alexandre O´Neill.3

Antes de mais, é importante dizer que aqui se entende “discurso” como

construção ideológica e bateria de significados, que condiciona o olhar sobre a

ruralidade (neste caso) e se apresenta, não apenas como retórica, mas sobretudo

como uma forma de prática social, como um projecto, acção (Hall, 1997). Um

discurso, entendido nesta perspectiva, condiciona a forma como se olha para a

realidade, no sentido em que contribui para a formação das representações

(Fairclough, 1992).

Os discursos são construídos com base em narrativas, ideologias e práticas

significantes e funcionam como filtros com os quais olhamos a realidade. São

objectos de negociação e longe de serem consensuais, precipitam disputas,

desafios e transformações (Barnes & Duncan, 1992).

A linguagem e os discursos contribuem para a produção, transformação e

reprodução dos objectos, sujeitos e categorias da vida social, estando numa relação

activa com a realidade, na medida em que existe uma dialéctica permanente de

influências mútuas. Da relação entre instituições, processos económicos e sociais,

padrões de comportamento, sistemas de normas e classificações e formas de

3 Excerto do poema “Pelo Alto Alentejo /1”, retirado de O’Neill, Alexandre (2005), Poesias Completas, Lisboa, Assírio & Alvim.

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

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caracterização, produzem-se discursos que moldam a forma como vemos e

interagimos com a realidade social e territorial (Foucault, 1972).

Os discursos consolidam e difundem baterias de significados para objectos e

paisagens, que se vão recriando continuamente através das interacções sociais

entre os agentes e os territórios. Diferentes grupos e agências dão ênfase a

significados específicos, levando a uma evolução destes ao longo do tempo e da

história, num processo permanente de reinvenção do valor simbólico das paisagens

(Williams, 2002). Por esse motivo os discursos são quase sempre polifónicos,

permitindo variadas leituras, interpretações, aproveitamentos e adaptações,

consoante os poderes, os momentos, os contextos, os agentes que os

instrumentalizam, difundem e reproduzem, etc.

Um aspecto importante é que os discursos permitem que assumamos a

existência de cenários que podem não ser concretos materialmente, mas que por

serem familiares discursivamente se consolidam nas nossas representações e

passam a fazer parte da esfera das coisas “reais”.

“A strong form of argument would be that discourses allow us to see things

that are not “really” there, and that once an object has been elaborated in a

discourse, it is difficult not to refer to it as if it was real” (Boyle & Rogerson, 2001).

Os discursos têm um cariz ideológico, enquanto forma de perspectivar a

realidade, enquanto projecção e atribuição de valor e carga simbólica, sendo mais

poderosos quando naturalizados e elevados ao estatuto de “senso comum”. Esta

naturalização dos discursos permite a sua estabilidade e abrangência, no sentido em

que passam a estar instalados na realidade social, nas práticas e representações,

contribuindo para a formação do status quo (Fairclough, 1992).

A força dos discursos na influência das realidades sociais e territoriais, reside

não apenas na forma como condiciona as representações e os significados, mas

também, através deles, na sua capacidade de definir agendas políticas, prioridades

e necessidades, soluções e estratégias (Boyle & Rogerson, 2001). Os discursos

identificam crises e problemas, causas e soluções, tal como acontece no caso do

discurso de reinvenção da ruralidade, em que se anuncia a possibilidade de reverter

um quadro de decadência funcional e demográfica, por via da capitalização dos

recursos culturais e naturais dos territórios rurais, no sentido de criar novos produtos

para o consumo urbano.

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Capítulo III

45

“Discourses create, inter alia, a cast list of political and economic agents which

government must consider, objects of concern, agendas for action, preferred

narratives for making sense of the origins of current situations, conceptual and

geographical spaces within which problems of government are made recognisable.”

(Stenson & Watt, 1999, pág. 192).

É muitas vezes difícil identificar os agentes por detrás da produção e

reprodução dos discursos e seus interesses, no sentido em que a sua propaganda,

para se ir impregnando na prática social e ascender ao estatuto de senso comum,

deve passar por um processo de naturalização, que de certa forma vai apagando as

pistas que levam à respectiva “autoria”. Por outro lado, esta “política cultural”, por

recorrer a valores e signos enraizados culturalmente, convenções, categorias, etc.,

dentro da dialéctica entre discurso e estruturas sociais, ganha poder precisamente

por permitir um trabalho de produção progressiva de significado, dentro do que são

as lógicas culturais “familiares” (Boyle & Rogerson, 2001).

O poder do discurso depende do poder das agências que o promovem,

alimentando e provindo do chamado “conhecimento instalado”, ancorado nas

estruturas sociais e políticas dominantes e legitimado científica e mediaticamente

(Boyle & Rogerson, 2001). Assim, as construções sociais de significados constituem-

se por via das relações de poder, sendo os significados dos lugares um produto das

negociações entre diferentes interesses e agências. A construção de discursos em

torno de territórios e lugares acaba por ser um acto político, em que técnicos,

empresas, cientistas, actores locais, autarquias e outras entidades, negoceiam,

contestam, criam, reproduzem ou transformam os significados (Williams, 2002).

“The creation and contestation of meaning involves social interactions

structured within and by interest group formation and action, regulatory agencies,

administrative procedures, law, local government, planning processes, and so forth.

These processes are most obvious in the formal political arena, but they also occur

through everyday practices (…)” (Williams, 2002, pág.130).

Desta feita, quando falamos do discurso de reinvenção da ruralidade

podemos identificar, quer nas agendas políticas, (do poder local e central e nas

políticas europeias), quer na esfera do mercado de consumo (turístico,

gastronómico, imobiliário), um interesse em construir uma bateria de significados e

representações renovadas para os espaços rurais e em precipitar um conjunto de

necessidades e problemas, bem como das respectivas soluções e recursos, no

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

46

sentido de concretizar um projecto de ruralidade mais próximo da idealização

bucólica promovida culturalmente.

O projecto de ruralidade desejada, baseia-se num património simbólico e

mitológico idílico enraizado culturalmente, que eleva a natureza e a cultura rurais a

sinónimos de qualidade de vida, vida familiar, segurança, saúde, paz, tranquilidade,

etc. Posto isto, dentro da dialéctica entre as estruturas sociais e culturais e os

discursos, a construção da ruralidade reinventada ganha força por recorrer a valores

e significados convencionais e estáveis nas nossas sociedades, trabalhando na sua

reanimação e renovação e tendo a naturalização do discurso facilitada.

Este processo de reinvenção é em si mesmo uma reinvenção de velhas

ordens de discurso, mas em função de novos objectivos e de novas lógicas, tal

como acontece frequentemente na formação de estratégias de marketing, em que se

instrumentalizam determinados significados convencionais e estáveis, dentro de

novos tipos de discurso, no que acaba por ser uma espécie de actualização

simbólica dos mesmos (Fairclough, 1992).

A tal bateria de representações idílicas em torno de rural, as tendências e

lógicas de planificação e gestão territorial instaladas, a influência da globalização

nas dinâmicas territoriais, entre outros fenómenos culturais, económicos e políticos,

contribuem para a construção do discurso de reinvenção da ruralidade, que por sua

vez transforma o modo como vemos, interagimos, intervimos, pensamos e

imaginamos os espaços rurais e suas dimensões sociais, económicas, culturais,

naturais, etc., num processo dialéctico interessante e complexo.

Os discursos e a reinvenção de significados contribuem, portanto, para a

mudança social, no sentido em que produzem e transformam a caracterização e

classificação dos lugares, influenciando a forma como as politicas, os agentes, o

interesse público, as empresas e outros interesses intervêm nos territórios. As

imagens, a retórica, os símbolos, integrados num discurso, não funcionam apenas

enquanto elementos descritivos dos lugares, mas reforçam publicamente o seu

potencial para a mudança.

“Prevailing images, rhetoric, and symbols culturally define the parameters of

the desirable and undesirable, the feasible and impossible, and the legitimate and

illegitimate as they pertain to a locale’s present circumstances and future

possibilities.” (Mele, 2000, pág. 631).

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Capítulo III

47

A dramatização por relação à eventual crise de um bairro, de uma zona, de

uma cidade, de um território, ou mesmo de um modelo territorial, serve muitas vezes

para precipitar a necessidade de mudança, pacificando possíveis resistências,

ocultando outros interesses menos “nobres”, como manobras imobiliárias

especulativas, por exemplo, angariando o apoio da opinião pública para o projecto

de reinvenção em causa. Justificar escolhas políticas, investimentos, decisões

delicadas que suscitam conflitos e resistências, constitui-se como uma das funções

estratégicas da difusão dos discursos em torno do potencial de transformação dos

lugares, sendo a atracção de novos consumidores, para os lugares, seus projectos,

produtos e significados, essencial para a concretização da reinvenção (Mele, 2000).

A própria ideia de renascimento, renovação e reinvenção de um lugar serve

de argumento ao consumo e estímulo para um novo interesse e atractividade,

contribuindo enquanto discurso para a sua própria concretização enquanto projecto.

Os discursos enquanto investimento contribuem para valorizar os lugares em dois

sentidos fundamentais – atribuindo valor e acrescentando valor (Avrami & Mason,

2000).

No que toca ao discurso da reinvenção da ruralidade podemos questionar, por

exemplo, se o projecto de mudança, justificado com a aparente transversalidade da

crise funcional e demográfica rural, não servirá a função de “compensar” e apaziguar

o vazio deixado pelas políticas comunitárias de delapidação progressiva das

actividades agrícolas, ao mesmo tempo que se concretiza e continua a mesma

lógica política e estratégica. Na linha de colmatar um vazio funcional de territórios

outrora produtivos, estimula-se o seu potencial “consumível”, abrindo novas

possibilidades de negócio, novos mercados e produtos, ao mesmo tempo em que se

servem motivações e necessidades culturais de garantia de uma alteridade sonhada

a uma urbanidade também em suposta “crise”, mas sobre esta e outras questões

associadas reflectiremos mais adiante neste trabalho.

Estando esclarecida a noção de discurso e a sua importância enquanto

premissa para o trabalho que se propõe, cabe dizer que, a escolha de discutir a

reinvenção da ruralidade enquanto discurso e não apenas enquanto uma estratégia

política, permite um maior entendimento das construções culturais, naturalizadas na

prática e acção política e técnica, que constituem o marco de referência mais

abrangente e ao qual remetem todos os posicionamentos e intervenções que

influenciam os territórios concretos.

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

48

Mesmo perante a dificuldade de “agarrá-lo” e tomá-lo como objecto, dada a

abrangência das unidades de análise possíveis e tendo em conta o seu carácter

disperso e naturalizado, a noção de “discurso” é muito útil para esta reflexão teórica,

no sentido em que contempla e reforça a dimensão política e técnica destes

processos de construção de significados e perspectivas em redor da ruralidade.

Centrando a abordagem no discurso, não nos ficamos apenas pelo debate das

representações dominantes e das práticas correspondentes, sendo claro que

tomamos o poder e a historicidade como questões essenciais, fazendo remeter toda

a discussão para um quadro cultural, político e histórico maior (Hall, 1997).

Tendo em conta estes factores e para facilitar a abordagem do discurso,

dividimo-lo em três eixos ou registos, que funcionando como camadas em

sobreposição, mais não são do que fragmentos teóricos de um mesmo objecto.

Enunciando, discutiremos o discurso político e técnico em torno das estratégias de

desenvolvimento rural, o discurso cultural de romantização da ruralidade e o

discurso promocional dos produtos rurais e do rural enquanto produto. A sua

desconstrução ocupará as próximas páginas desta dissertação, rumo ao

aprofundamento das múltiplas facetas, que reforçam a omnipresença e

transversalidade do discurso de reinvenção da ruralidade, em diversas esferas da

vida social.

1. A Estratégia. O discurso político e técnico pelo desenvolvimento rural

A centralidade que as questões rurais auferem, nas agendas políticas

técnicas, académicas e mediáticas na actualidade exige que comecemos por

discutir, em primeiro lugar, a face mais institucionalizada do discurso de reinvenção

da ruralidade – as estratégias de desenvolvimento rural. Estas, que podemos

considerar como os processos de aplicação do projecto de ruralidade associado ao

discurso, na sua eminência e protagonismo, reiteram a assunção da “crise” do

mundo rural e a urgência das soluções. Desta feita, sublinhados que estão

discursivamente os problemas (desadequação e vazio funcional, desertificação,

estagnação económica, etc.), precipita-se um conjunto de orientações estratégicas,

desde a escala Europeia até aos poderes locais.

Neste contexto, importa discutir as linhas estratégicas que definem os

processos de reinvenção da ruralidade, concretizadas nas políticas de

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Capítulo III

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desenvolvimento para as áreas rurais. Estas caracterizam-se por um pendor

fortemente patrimonial, após a rejeição progressiva da abordagem sectorial, que

durante décadas fez confundir agricultura com ruralidade. De facto, a busca por

soluções, que possam reverter o tal quadro de marginalidade funcional e

competitiva, de crise demográfica e até de falta de auto-estima local, nos meios

rurais, conta com vários anos e parece ainda não ter tido resultados com eficácia

estrutural, encontrando-se na actualidade, numa fase de acentuado protagonismo e

de fôlego e azimute renovados.

Após vários anos de aplicação da Política Agrícola Comum (PAC), numa

abordagem sectorial aos problemas de desenvolvimento rural, o paradigma parece

ter mudado e passa a ser fortemente desencorajada a dependência das áreas rurais

unicamente no primeiro sector. De facto, desde a década de 80 (séc. XX) está em

curso uma estratégia territorial de desenvolvimento rural, que pretende estimular o

potencial endógeno e capitalizar os recursos culturais e naturais rurais, almejando

uma diversificação funcional que reanime e diversifique os tecidos económicos e

produtivos dos territórios mais marginalizados. Esta orientação política e técnica vem

acompanhada de um discurso de valorização do potencial dos recursos culturais e

naturais do mundo rural.

Ainda assim, com todas as políticas, planos, programas de desenvolvimento e

reinvenções em curso, pelo menos ao nível das representações que sobre o mundo

rural se tecem, a crise de muitos espaços rurais parece longe de uma resolução

cabal (Carpio Martín, 2000). Esta, sendo fortemente dramatizada no âmbito

mediático, tende a despertar uma espécie de escalada de preocupações que

justifica, muitas vezes, uma radicalização de soluções ao nível local, de que são

exemplo algumas medidas de incentivo à fixação de população através de subsídios

(por casamento, por filho, etc.) ou mesmo alguns casos de angariação (a que

podíamos chamar “importação”) de cidadãos brasileiros para viver em aldeias do

interior de Portugal.

São intensos os apelos à criatividade governativa e ao empreendedorismo

local, ensaiam-se novas centralidades com o fomento da mobilização cultural e

económica das chamadas cidades intermédias, no sentido de estimular o

desenvolvimento das regiões rurais circundantes. Promove-se o turismo rural de

forma intensa, a produção de produtos regionais de qualidade, os ofícios e as artes

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

50

tradicionais, numa linha de capitalização dos patrimónios naturais e culturais, como

recursos importantes para o relançamento das economias pós-agrárias em crise.

“Así, se postula cada vez más, que la cultura es una palanca importante para

luchar contra las limitaciones estruturales que mediatizan las posibilidades de

progreso en el campo, y que la intervención de los factores culturales (actitudes,

formas de proyección, parámetros de autocomprensión, hábitos de comportamiento)

pasa a ser un elemento fundamental del desarrollo de los medios rurales (...)”

(Carpio Martín, 2000, pág. 88).

De facto de pegarmos nos exemplos dos programas da Europa comunitária

pós PAC, como o LEADER (Ligação Entre Acções de Desenvolvimento da

Economia Rural) e o PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural), facilmente

constatamos que a dependência de rendimentos agrícolas tem sido fortemente

desencorajada e que o incentivo ao desenvolvimento de iniciativas privadas ligadas,

por exemplo, ao turismo rural, aparecem como a desejada “salvação” para as

economias locais (Santos Solla, 1999; Francés i Tudel, 2003).

Não cabe aqui analisar em profundidade o conteúdo destes programas, mas a

suas linhas filosóficas e operativas têm como objectivo básico impulsionar o

desenvolvimento endógeno das zonas rurais, precisamente através da diversificação

económica, para travar a regressão demográfica e aumentar os rendimentos e os

níveis de qualidade de vida dos seus habitantes (Esparcia Perez et al., 2000;

Francés i Tudel, 2003). Este novo paradigma, prevê uma abordagem territorial e não

mais sectorial dos problemas rurais, rompendo assim com a lógica da PAC (Gray,

2000; Veiga, 2004).

Pretende-se, sobretudo, que através da diversificação funcional nas áreas

rurais e com o estímulo às iniciativas privadas de negócio, se criem as condições

para reduzir a dependência subsidiária resultante da PAC e que seja possível

reanimar as economias locais, apostando nos recursos e no empreendedorismo

autóctones.

A estratégia passa pela recuperação e valorização dos valores patrimoniais,

pelo fomento do sector turístico, pelo apoio às PME’s (Pequenas e Médias

Empresas), ao artesanato e a outros serviços, numa linha que eleva o

aproveitamento dos recursos locais e a implicação dos actores locais, a elemento de

aplicação iminente (Francés i Tudel, 2003). A reanimação do tecido empresarial,

através de apoios e subsídios, o fomento de redes de cooperação entre os actores

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Capítulo III

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locais e externos e o acentuar de um discurso de valorização do potencial local,

concretizam uma perspectiva operativa centrada no estímulo público ao

desenvolvimento endógeno, que apesar de ser incentivado e apoiado externamente,

é apresentado como tendo pretensões de ser orientado e concretizado “desde baixo”

(Esparcia Perez et al., 2000; Francés i Tudel, 2003).

Dentro desta lógica, os eixos apresentados como prioritários para o

desenvolvimento rural, nomeadamente por instituições como a OCDE (Organização

para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), passam por várias dimensões

que apresentamos em seguida. No que toca à esfera política e institucional,

expressa-se a necessidade de tornar o desenvolvimento rural numa prioridade ao

nível dos programas, projectos e planos de actuação territoriais, assim como do

envolvimento das diversas agências relevantes, numa cooperação e acção

integrada, por via do estímulo à participação, ao associativismo, ao

empreendedorismo e à conjugação de interesses e contributos distintos. O aumento

da proximidade das políticas aos territórios, a garantia de enfoques globais e

integrados das políticas rurais, a dotação de maior flexibilidade às instituições

administrativas e suas linhas operativas, aparecem igualmente como uma frente

importante de transformação.

Por relação às inovações e novas possibilidades económicas, diz-se que são

indissociáveis enquanto elementos estratégicos, sendo que a busca de novas

oportunidades de mercado, ou actividades produtivas, passa por potenciar os

recursos rurais segundo novos esquemas, de forma inovadora, quer na aplicação de

tecnologias ao nível agrário, quer na promoção dos lugares e seus produtos numa

linha criativa e atenta às oportunidades em ascensão (Ivars Baidal, 2000).

Novas estratégias para “velhos” produtos ou talvez “velhas” roupagens para

novos produtos, parece ser a filosofia mais defendida nos discursos sobre o

desenvolvimento rural, no sentido em que se faz a apologia permanente da

valorização dos bens patrimoniais locais e de um passado ou herança identitários a

capitalizar, sempre enquanto recurso na promoção do que são as novas actividades

rurais, as novas linhas de gestão, as novas oportunidades de mercado e a nova

esperança do mundo rural (Kneafsey, 2000). Novas relações sociais, económicas e

territoriais são fomentadas, tal como novas actividades, novos fôlegos e lógicas de

gestão e promoção, no recurso ao que tradicionalmente caracteriza o mundo rural,

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

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agora reinventado e promovido em novas linhas e através de novos produtos e

práticas de consumo.

Fazer dos territórios rurais espaços multifuncionais implica a conjugação de

diferentes dimensões em que se apresentam diferentes interesses e necessidades.

Uma clara dimensão natural e ecológica sai destacada, neste contexto de optimismo

perante as potencialidades rurais, no sentido em que, mesmo tendo sido sempre

importante, hoje funciona como um factor ao redor do qual se legitima a valorização

da ruralidade, por contraponto aos contextos urbanos, muitas vezes descritos como

contaminados, desconfortáveis e insustentáveis. A sustentabilidade, a par do

património, constitui um dos traços discursivamente mais vincados do projecto de

ruralidade reinventada.

“La assimilación de lo natural a «aquello que no há sido modificado por el

hombre» y de ahí la identificación de los espacios naturales con las áreas rurales a

causa de una pretendida menor antropización del paisaje, otorga un valor particular

a estos espacios, que se han convertido en depositarios de un valioso patrimonio

natural cuya conservación constituye un objectivo social de primer orden que

transciende el ámbito de lo rural para convertirse en una aspiración de carácter

principalmente urbano (...)” (Kneafsey, 2000, pág. 69).

Mesmo que esta temática da valorização do património natural e da função

rural de sua preservação seja um assunto a que voltaremos mais adiante pela sua

relevância, cabe aqui dizer que neste ponto se sublinha a importância das relações

rural/urbano, na configuração das linhas funcionais, estratégicas e valorativas que se

vão “impondo” aos territórios. Assim, pode dizer-se que estas “missões” e “desafios”,

que se apresentam ao rural na actualidade, parecem brotar mais das interacções

com outros territórios e das várias escalas a que actuam as relações económicas,

políticas e culturais, do que propriamente do âmago da “ruralidade”. Mesmo que os

espaços rurais assumam de forma mais ou menos intensa estes objectivos e

funções, é clara a influência e o condicionamento, que do exterior é feito, ao nível da

sua configuração e na hierarquização das prioridades e vantagens competitivas

rurais, nomeadamente desde os centros urbanos.

Continuando com os eixos apresentados como prioritários para o

desenvolvimento rural, deve ser dito que a combinação dos interesses inerentes à

sua dimensão natural e ecológica, com as suas funções nas esferas residencial,

económica/produtiva e recreativa/turística, não só é apontada como essencial no

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Capítulo III

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lograr da tal multifuncionalidade, como deve ser aspirada sob o jugo da

sustentabilidade (Ivars Baidal, 2000). Ora, existem interesses contraditórios

dificilmente colmatados na combinação destas funções, sendo o desafio de

compatibilização essencial para concretizar a multifuncionalidade. Num exemplo

básico, a aplicação de tecnologias nas actividades agrárias, para aumentar a

produtividade e inovar os métodos de produção, muitas vezes estimulada nos

discursos sobre desenvolvimento, é um elemento que transforma a paisagem e

retira ao cenário rural a ilusão de perenidade das técnicas artesanais, muito

veiculada na promoção do turismo rural.

Apelar à tradição e à manutenção das práticas e das paisagens para

desenvolver o poder de atracção dos consumidores de turismo rural pode ser e é

muitas vezes incompatível com o paralelo apelo à inovação e à evolução económica

e técnica. Outros conflitos são claros, por exemplo na combinação dos interesses

das populações locais e dos proprietários de segundas residências, pelas diferenças

de expectativas e opiniões em relação às políticas autárquicas, ou entre os

interesses do mercado imobiliário que aposta na urbanização crescente e os

interesses patrimoniais, que defendem a preservação dos núcleos rurais

tradicionais, com edificações típicas, sem antenas parabólicas, sem espaços para

estacionamento, sem semáforos, sem “modernidade”

Em suma, destacam-se algumas dinâmicas e funções complexas que

confluem nos espaços rurais na actualidade. A dinâmica natural e ambiental, em que

se combina a valorização do património natural e a necessidade de sua

preservação, com algumas ameaças à sua integridade, derivadas dos processos de

modernização e da falta de eficiência dos instrumentos de planificação e protecção.

A dinâmica económica e produtiva, em que entram muitas vezes em choque os

ritmos sociais e culturais rurais e a progressiva influência dos mercados e dos

processos de transformação funcional, cuja adaptação e aceitação não é sempre

fácil nem bem sucedida. A dinâmica residencial, em que se assiste à necessidade

de combinar distintos usos, tipos de mobilidade e apropriação, ritmos de

urbanização, variações demográficas, etc. E finalmente a dimensão recreativa e

turística, que participa simultaneamente nas dimensões anteriores, por tomar a

natureza como um recurso fundamental, por constituir uma actividade económica e

por jogar com os processos residenciais

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

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A resposta efectiva para o equilíbrio entre as diferentes dinâmicas, numa linha

de desenvolvimento e sustentabilidade, passa pela formulação de políticas

coerentes e integradoras de todos os interesses. A dimensão ambiental funciona

como a base de todas as outras, sendo a sua preservação iminente e, assim, parece

claro que apenas através de uma linha de actuação estratégica se pode lograr a

coordenação do desenvolvimento de todos os sectores com o mesmo enfoque

dinâmico e antecipador da mudança (Ivars Baidal, 2000).

O desenho de políticas locais integradas e pensadas desde o território, é

considerado fundamental num contexto em que se exigem exemplos de

dinamização produtiva e inovação nos espaços rurais. Cooperação e flexibilidade

administrativa e produtiva, abertura ao “mundo globalizado” com simultânea

preservação da cultura local, são elementos importantes na gestão do que têm sido,

por um lado, o aproveitamento de possibilidades de desenvolvimento e, por outro, o

equilíbrio entre os desejos de “progresso” e expansão de contactos com o exterior e

a valorização dos recursos endógenos e das particularidades locais.

No entanto, para além das contradições assinaladas e apesar dos apelos ao

empreendedorismo privado e à coordenação de iniciativas, os agentes da

administração pública continuam a ter um protagonismo dominante no que são os

esforços de promover o desenvolvimento dos espaços rurais. Um exemplo desta

tendência é a falta de organização dos promotores privados de turismo rural, que

num sector muito fragmentado, não parecem alcançar níveis de associativismo e

coordenação suficientes, para concretizar estratégias integradas e potentes de

desenvolvimento. Para além disso, é notória a dependência deste mercado para

com o financiamento e coordenação das administrações públicas, que trabalham no

sentido de dotá-lo de maior eficiência e robustez, na esperança de que este se torne

um elemento dinamizador de desenvolvimento económico local.

Uma aposta na diversificação produtiva, no empreendedorismo local de

PME’s, no aproveitamento e valorização dos recursos locais, na formação de

plataformas de cooperação regionais de várias agências, etc., reflecte precisamente,

enquanto estímulo, a intenção de impulsionar a reanimação económica dos

territórios marginalizados de tradição agrária, num contexto em que a se destaca a

importância e o apoio dados ao turismo rural, pelo seu alegado potencial estratégico.

Assim, mesmo que se preveja a substituição das tradicionais economias de escala,

por economias de gama, dentro das lógicas de diversificação funcional e de

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Capítulo III

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adaptação às lógicas produtivas e comerciais actuais com enfoque ascendente e

centradas no potencial endógeno, os Estados nacionais, as autarquias, e instituições

como a União Europeia (UE), continuam a ser os principais actores que orientam e

sustentam estas políticas, existindo um défice de consistência na participação de

outras agências (Francés i Tudel, 2003).

Para além da diversificação funcional e económica e da combinação

sustentável dos distintos usos e desafios, que se propõem para os espaços rurais, a

renovação da sua imagem e a concretização de uma estratégia eficaz de marketing

territorial, apresentam-se como pontos essenciais nas políticas de desenvolvimento

local. O objectivo é apresentar uma imagem renovada de ruralidade que escape aos

estigmas e às representações associadas a um mundo rural arcaico e atrasado

(Carpio Martín, 2000). Exige-se uma estratégia de comunicação que concretize a

afirmação de uma modernidade rural através da promoção da paisagem, do

património e da identidade, enquanto ferramentas para o estímulo à mobilização de

um projecto de renovação partilhado pelos habitantes rurais, criado desde dentro,

mas voltado para o exterior.

Nas sociedades de hoje, com o peso estratégico que a comunicação social

tem na influência das representações sociais e na formação de opinião pública, a

estratégia de transformação da imagem rural deve passar por utilizar os media como

um veículo de promoção dos seus recursos (Ferrão, 2000; Beeton, 2004).

“Esta é talvez a última fronteira capaz de travar a multiplicação de mundos

rurais marginais e agonizantes” (Ferrão, 2000, pág. 53).

A criação de uma nova bateria de representações, integrada num projecto

maior de desenvolvimento, que estimule a atracção de benefícios e consumidores

para as actividades económicas, serviços e produtos locais, parece ser a linha

essencial nas políticas territoriais.

Mesmo que muitas vezes centrada na promoção do turismo rural ou dos

produtos regionais, já é clara a preocupação, nomeadamente das instituições

públicas (veja-se o caso da promoção turística assumida pelos governos das regiões

autónomas espanholas) para com a necessidade de criar e difundir uma imagem de

marca para as regiões e territórios rurais. Á imagem do que acontece nas cidades, o

marketing territorial ganha uma relevância inquestionável nos dias de hoje nos

espaços rurais, sendo elevado em diversas ocasiões a factor chave para a reversão

da marginalidade competitiva de muitos lugares e regiões.

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

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O marketing rural ao potenciar o capital local acaba por ser seu componente

indirecto, no sentido em que a capacidade de mobilização e promoção endógena é

também um traço da capacidade de iniciativa e do empreendedorismo do tecido

social e económico dos lugares (Garrod et al., 2006). A coordenação é novamente

uma necessidade importante, já que na gestão e promoção das imagens dos

territórios a contradição é prejudicial, devendo existir um trabalho integrado de

construção de uma imagem visível e unificada. A “chamada imagem de marca” deve

ser encontrada e difundida, devendo também conter a bateria de significados e

valores a acentuar, do conjunto de recursos locais mais vantajosos estrategicamente

(Ward, 1998).

Este aspecto torna-se sobretudo importante na promoção do rural enquanto

destino turístico, sendo ao redor desta questão que mais se reflecte em torno do

marketing de territórios rurais. Na promoção do rural como destino, a unificação das

imagens rurais e a sua simplificação parece ganhar força, sendo até demasiado

simplista e uniformizadora (Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998). Falaremos

adiante dos significados e valores que compõe a imagem do rural idílico que

costuma ser veiculada na promoção turística, mas podemos desde já adiantar que

pela intensidade da sua projecção nos últimos anos, tende a contribuir enquanto

elemento dominante para as representações de ruralidade com maior impacto e

abrangência.

Esta imagem do rural, enquanto paisagem sonhada e propícia à fruição

turística, uniformiza contextos rurais muito distintos sob uma mesma representação

e contribui para o novo estereótipo de ruralidade dominante, por vezes perigoso pela

sua rigidez e simplismo (Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998).

“(…) el espacio sobre el cual se efectúa el enfoque principal podría llegar a

parecer inauténtico, velado por una capa de homogeneización o estereotipación de

sus elementos que asimila todo el paisaje a una postal comercial. Las voces

resuenan con un término que reiteramos y al que se adhiere un temor común:

banalización.” (Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998, pág. 60).

Por outro lado, esta exaltação das paisagens e tradições rurais, ao

representar as identidades locais, pode servir de resposta e reacção à

homogeneização e uniformização que a globalização tende a alimentar ao nível

cultural e das representações, dentro de uma lógica de acentuação dos localismos e

sentimentos de pertença territoriais, que servem de ancoragem identitária num

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Capítulo III

57

mundo em transformação (Ferrão, 2000). A questão da autenticidade é muito

importante quando se discute a promoção dos patrimónios locais, no sentido em que

por vezes acaba por ser um “falso” valor que “naturaliza” as tradições e as

identidades. Estas como construções sociais, não podem ser encaradas e

interpretadas segundo valores e lógicas simplistas, que muitas vezes recorrem à

noção de “verdade” e “pureza” de forma demagógica.

Sendo claro que as imagens dos territórios são construções sociais, como o

são a valorização patrimonial, a percepção dos espaços, as identidades e as

representações, o seu interesse reside precisamente nas dinâmicas ideológicas,

sociais, históricas e políticas que as formatam e influenciam e não no seu

“fundamento” ou correspondência com uma eventual “realidade verdadeira”. Essas

imagens e projecções antecedem a gestão e configuração das paisagens e dos

territórios, tendo uma importância inquestionável no que são as linhas ideológicas e

filosóficas que sustentam os projectos de intervenção e percepção dos espaços.

Assim, o entendimento do que, em cada contexto geográfico e temporal, rege as

valorizações e concepções em torno do que deve ou não conter, do que é e deve

ser, um território, permite a inteligibilidade das dinâmicas de gestão dos espaços,

sua configuração e valor (Bunce, 1994; Entrena Durán, 1998).

As paisagens sonhadas são, de facto, tão reais como as materiais, no sentido

em que o seu efeito e consequência enquanto projecção a concretizar, pelo menos o

mais possível, acaba por ser palpável, nem que seja nos discursos e narrativas ou

na hierarquização do que em cada momento deve ser protegido ou promovido

(Bunce, 1994). O caso dos produtos da terra, que iremos abordar em diante, acaba

por ser paradigmático neste contexto, no sentido em que a sua valorização e

comercialização crescentes, acompanham o incrementar de representações

bucólicas, em torno do rural saudável e tradicional, que vai ganhando voz nas

nossas consciências e preferências de consumo.

A classificação de lugares e produtos como bens patrimoniais ou locais é um

exemplo da “materialização” das dinâmicas de valorização que, desde as

representações, enchem os discursos. Essas dinâmicas são alimentadas como mais

um eixo das políticas de desenvolvimento local, ao que parece dirigidas pelos

poderes públicos, mas neste caso concreto, inquestionavelmente alimentadas e

acarinhadas também pelo mercado de consumo, que hoje, como veremos, aproveita

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

58

a ruralidade para fazer vender qualquer tipo de bem, num aproveitamento do poder

que os seus significados têm na contemporaneidade.

A publicidade e o marketing territorial têm como objectivo, não só a atracção

de atenções externas, mas também a mobilização e estímulo dos habitantes locais,

para o projecto de renovação e aproximação à imagem projectada (Barrado Tímon &

Castiñera Exquerra, 1998). Como é muitas vezes apontado na literatura, esta é uma

estratégia essencial para a implicação dos actores locais, sem a qual está

impossibilitado o percurso rumo ao desenvolvimento e à “concretização das imagens

sonhadas”. O aumento da auto-estima local é sem dúvida um dos efeitos mais

positivos da promoção das paisagens e elementos rurais e sua valorização

patrimonial (Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998; Santos Solla, 1999).

Isto acontece porque se nas percepções dos urbanitas as tradições, práticas,

paisagens e estilos de vida são fortemente valorizados, aquilo que durante décadas

era visto como sinal de atraso, por oposição ao modelo de progresso industrial

urbano, é elevado a motivo de orgulho e a objecto de preservação.

“(…) hasta relativamente poco tiempo dominaba mayoritariamente en Europa

una convención positivo hacia la ciudad y negativo hacia lo rural. Por el contrario, la

idealización del campo ha supuesto el cambio de consideración de elementos antes

percibidos como negativos.” (Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998, pág. 55).

Sobre estas questões iremos tecer desenvolvimentos nas próximas secções,

mas importa referir, desde já (e uma vez mais), o facto de esta valorização partir dos

territórios urbanos e funcionar como uma substituição das antigas lógicas de

dependência territorial e das funções rurais tradicionais, pelo seu usufruto enquanto

cenário de consumo e recreação (Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998). Por

outro lado, é clara também a relação que existe entre essa valorização rural e uma

correspondente “desvalorização” da vida nas cidades, no sentido em que mesmo

não se assumindo que na ruralidade a vida seja perfeita, sublinha-se que é melhor

que nos centros urbanos. Esta comparação subliminar presente nestas

representações e lógicas de valorização, acaba por sublinhar a importância que têm

as categorias e as relações territoriais, na configuração das hierarquias de valores

que centralizam ou marginalizam os espaços, nem que seja ao nível dos discursos.

Posto isto e para sistematizar a reflexão em torno da dimensão estratégica do

discurso de reinvenção da ruralidade, importa sublinhar que o reforço da

necessidade de encontrar soluções para os problemas das áreas rurais, que

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Capítulo III

59

auferem grande protagonismo nas agendas políticas e mediáticas na actualidade,

não só precipita uma bateria de medidas e estímulos, como nos leva a afirmar que o

rural é um problema em que se quer pensar.

Outro aspecto relevante, é que as políticas de desenvolvimento rural

associadas ao discurso tendem a estimular a reconfiguração funcional e a aposta

em actividades alternativas à agricultura, numa abertura do mundo rural a novos

usos, mercados e aproveitamentos. Mais concretamente, assiste-se a uma

terciarização das áreas rurais (sob o apelo genérico à multifuncionalidade),

acompanhada de uma sua transformação em espaços de consumo e não mais de

produção.

Com isto, transformam-se as relações territoriais e as antigas lógicas de

dependência entre a cidade e o campo, ao mesmo tempo que, no processo, acaba

por sair facilitada a rentabilização do potencial rural que, no quadro de vazio

funcional de e estagnação produtiva, estava desaproveitado (dentro do que são as

lógicas do sistema capitalista). No entanto e contrariamente ao que é apresentado

como desejável pelas políticas de desenvolvimento rural, as iniciativas de

investimento, gestão e valorização do potencial rural, assim como o controlo e a

retirada de dividendos dos esforços de reinvenção, continuam a ser maioritariamente

públicos ou externos, sendo rara a endogeneidade apregoada.

De referir é também a valorização da dimensão patrimonial e ecológica da

ruralidade, patente na apologia da aposta em recursos culturais e naturais, no

quadro das estratégias de promoção e reanimação económica dos territórios rurais.

Cultura e natureza, património e sustentabilidade são, desta feita, apresentados

como sendo factores centrais e estratégicos, no projecto de ruralidade reinventada,

constituindo os recursos essenciais e distintivos do mundo rural, cuja preservação

funciona como a sua missão fundamental.

A renovação das imagens associadas aos lugares e à ruralidade em geral

aparece como um vector estratégico fundamental, apostando-se no marketing

territorial e recorrendo-se ao poder cultural do Ideal Rural (de que falaremos em

seguida), para estimular a valorização das localidades e do potencial rural e para a

reforçar a viabilidade do projecto de ruralidade reinventada. O discurso que o

veicula, nesta dimensão estratégica e política que ensaia a sua concretização, é

forte e disseminado, mas deve ser dito que a sua aplicação é ainda bastante

(es)forçada, não só pela fraca endogeneidade das iniciativas de desenvolvimento e

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

60

pela tímida reversão dos problemas rurais que logrou até aqui, mas porque as

realidades territoriais são muito complexas e poucas vezes “idílicas”.

Estando claro que estas estratégias de desenvolvimento rural passam por

uma diversificação funcional, muito dependente do fomento de actividades de

consumo e recreação, alimentadas pelas representações de uma ruralidade idílica e

que a sua promoção é eixo fundamental das políticas públicas, devem ser

esclarecidos os contornos dessa imagem sonhada e instrumentalizada. Havendo

uma estratégia política e técnica definida, que tem como objectivo a concretização

de um projecto de reinvenção da ruralidade, por via dos esforços de

desenvolvimento e de reversão da crise rural, importa conhecer a “matéria-prima”

que alimenta esta assunção de potencial de reinvenção e a promoção dos territórios

e seus produtos, tão fortemente implicada nos eixos estratégicos e operativos

concretos que apresentámos.

Importa conhecer o rural idílico, já que o espacial, social e económico, parece

ser-lhe dependente. Importa conhecer o sonho a que se aspira e em relação ao qual

se tentam aproximar os territórios, quando concretizadas as políticas e estratégias

de desenvolvimento. Se o rural é muitas vezes mais tangível enquanto construção

social ou como bateria de representações, do que enquanto território geográfico

concreto, faz falta tentar traçar os seus contornos e “puxá-lo” para a mesa, tratá-lo

como uma “coisa”, chegar perto…e é isso que se segue nas próximas páginas.

2. A Matéria-Prima. O Ideal Rural ou o discurso cultural de romantização da ruralidade

A construção e difusão de um ideal rural é temática recorrente na literatura

anglo-saxónica, principalmente porque historicamente foi fenómeno central nas

políticas de estímulo à coesão social e à identidade nacional na Inglaterra da

Revolução Industrial e das duas Grandes Guerras Mundiais. Aqui importa perceber

as origens e os contornos desse ideal e a sua aparente reascensão estratégica,

neste quadro de reinvenção dos espaços pós-rurais em crise. Sendo claro que pode

ter distintos aproveitamentos e objectivos, a construção e difusão de uma ruralidade

idílica não deixa de ser um fenómeno enraizado culturalmente nas sociedades

ocidentais, com vários séculos de sedimentação e oscilações, mas quase sempre

presente na arte e na literatura.

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Capítulo III

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De facto é longa a história de “romantização” da natureza e da vida rural nas

sociedades ocidentais, podendo ser identificados, pelo menos dois momentos, até

aos dias de hoje, em que o ideal natural e rural foi de forma mais intensa alimentado

e veiculado. Por um lado, no Renascimento, principalmente durante o século XVIII,

em que os motivos naturais eram elementos centrais na pintura e em outras formas

de arte e em que o apreço pela natureza, transformada e controlada pelo Homem,

elevava a construção de jardins a prática recorrente, sobretudo por parte das elites.

Por outro, na época Romântica do século XIX, com o avançar do capitalismo e da

industrialização, em que a natureza virgem e selvagem passa a ser alvo de grande

valorização, principalmente enquanto símbolo do que vai sendo progressivamente

“perdido” com o avançar da técnica e como possibilidade viva de um eventual

regresso às “origens” (Bertoncello, Castro & Zusman, 2003).

Acontece que hoje, existe uma elevação sem precedentes da ruralidade

enquanto espaço de uso e não apenas de contemplação, concretizando-se a

promoção e “venda” do rural enquanto produto, bem de consumo e contexto de

fruição, mas paralelamente também enquanto protagonista de uma renovação,

enquanto agente da mudança do seu próprio rumo: “The countryside itself became

the protagonist, a living being to conquered by living in it, not passively enjoyed in the

Romantic and even Modernist styles.” (Beeton, 2004, pág. 127).

O ideal rural aparece como uma alternativa à insustentabilidade urbana e a

sua valorização é fruto, tal como ciclicamente o foi no passado, das transformações

sociais e do seu “rasto” de instabilidade e insegurança (Bunce, 1994). Isto não quer

dizer necessariamente que, nos discursos, o mundo rural seja apresentado como

uma alternativa real à cidade, nem que o ideal rural promova um êxodo urbano

concreto e expressivo, mesmo se em alguns países europeus sejam palpáveis

alguns fenómenos de contraurbanização e grupos de “novos rurais” ganhem alguma

visibilidade mediática e científica. De facto, mais do que uma alternativa, o rural

idílico representa uma alteridade para a cidade, como um contraponto que permite

questioná-la, um escape para as ansiedades que a rodeiam e uma ideia de

qualidade de vida que remete para uma outra possibilidade de vida e de território.

Mais uma vez, como no passado, são as elites ou as instituições públicas

quem promove os movimentos de valorização do rural e a difusão das suas imagens

“romantizadas”, ora a partir de suas práticas ou políticas, ora pelas representações

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

62

que da ruralidade são veiculadas na arte e na literatura (e, actualmente, nos media)

(Bunce, 1994).

O ideal rural vem sendo forjado pelas sociedades urbanas e tem tendência a

intensificar-se em épocas de maior transformação e força do urbanismo e, neste

caso, do capitalismo de mercado. Assim sendo, actualmente estamos a assistir ao

auge da sua difusão, cada vez mais elevada à medida que as ansiedades,

correspondentes às mudanças e às “crises” da cidade, vão crescendo. A aparente

necessidade humana de contacto com a natureza alimenta e é, ao mesmo tempo,

aproveitada para sustentar a valorização do ideal rural nos dias de hoje, contendo a

carga simbólica e mitológica que está enraizada na cultura ocidental.

“The countryside thus becomes a symbolic landscape because it conveys

meanings which speak of the very associations which urbanism and modernism have

broken, and which our nostalgia drives us to restore.” (Bunce, 1994, pág. 208).

A carga simbólica inerente ao ideal rural difundido tem o poder de condicionar

os territórios, como foi dito, e isto revela-se de diversas maneiras em dinâmicas

múltiplas, quer nos espaços rurais, quer nos urbanos, qualquer que seja o grupo

social, muito embora nas elites o poder de concretização do “sonho” seja maior.

Como exemplos do poder do ideal rural, podemos adiantar a proliferação crescente

de segundas residências adquiridas pelos urbanistas nos espaços rurais, ou o estilo

arquitectónico rústico que muitas vezes inspira a construção das vivendas

suburbanas. Estas reapropriações do ideal rural, as “bricolages” estilísticas, os

anacronismos estéticos e os recursos a heranças imaginadas, parecem ser cada vez

mais comuns no contexto da globalização, com a exaltação de localismos e

tradições, como resposta à força uniformizadora da cultura de massas.

Sendo claro que a dominação das dinâmicas de construção destas

representações e dos veículos de sua promoção está nas mãos das elites urbanas,

não será estranho que a fruição dos “tesouros” da vida bucólica seja comercializada

nos seus circuitos, naquilo que se constitui como a reprodução das hierarquias

sociais e de consumo, ao nível das actividades de recreação e formatação dos

territórios rurais. É o olhar urbano que centraliza o ideal rural, é o urbanita quem

desfruta da ruralidade enquanto cenário de ócio, estando reforçado o carácter

externo da valorização e aproveitamento dos recursos rurais, apenas idealmente

rentabilizados e geridos endogenamente.

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Capítulo III

63

”Por tanto, el asunto puede entenderse dentro de una continuación de la

tradición de dominación urbana en clave de relaciones centro-periferia, que ahora

demanda no productos sino servicios, justificandolo a travérs de conceptos como

conservación del património, desarrollo, etc. Ya no se necesitan las materias primas

ni los alimentos, pero se está dispuesto a comprar, y desgraciadamente para los

rurales, en gran medida, controlar, un nuevo recurso que hasta ahora no había sido

internalizado por la economía: el paisaje rural.” (Barrado Tímon & Castiñera

Exquerra, 1998, pág. 55).

De extremo interesse é o facto de na actualidade a manipulação da paisagem

ser essencial para o cumprimento das estratégias de “commodification” do rural,

exigindo-se a aproximação dos espaços aos mitos e imaginários bucólicos de

ruralidade. Já não se trata apenas de aplicar manobras fachadistas de “decoração”

rústica dos povoamentos ou dos edifícios, senão que se manipula a paisagem, se

“retrocede artificialmente” nas práticas para voltar às actividades económicas

tradicionais, esconde-se a maquinaria e tudo o que possa ser conotado com o

esforço e com a crueza do trabalho agrícola, aposta-se na ostentação da

gastronomia tradicional, moldando-se os estilos de vida, a natureza, as relações

sociais e os artefactos para caber nos “sonhos” dos consumidores (Bunce, 1994;

Barrado Tímon & Castiñera Exquerra, 1998).

Mantêm-se as práticas agrícolas, por exemplo, mas não enquanto fonte

principal de rendimento ou actividade produtiva por si, senão, muitas vezes como

parte do cenário bucólico rural, ocultando os elementos associados que não

correspondem aos parâmetros idílicos. O isolamento geográfico, por exemplo, é

visto muitas vezes como uma vantagem, pelos consumidores urbanos do ideal rural,

no sentido em que está mais fortemente garantida a “pureza” da paisagem e dos

estilos de vida, em territórios menos “contaminados” com as “desvirtuantes”

influências modernas. Neste ponto é clara a divergência de interesses em que

distintos eixos de desenvolvimento podem colidir, já que se é importante a

acessibilidade para muitas actividades produtivas e para o logro do desenvolvimento

e da qualidade de vida da população, no caso do turismo rural, a ideia de

inacessibilidade pode ser vista como atraente e como factor de garantia da

autenticidade do “quadro”.

Estas mudanças nas lógicas de gestão e promoção do rural, tendem a, por

um lado, esconder os factores de mudança ou forjar um ambiente de perenidade

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

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secular de paisagens e práticas e, por outro, a ensaiar práticas criativas e

inovadoras de diversificação económica e cultural. São claros os conflitos de

interesse, divergências e contradições estratégicas que pulverizam as manobras de

reanimação dos espaços rurais, estando assim, mais uma vez, reforçada a

necessidade de desenvolver políticas integradas e direccionadas a este nível.

O território deve transformar-se ou preservar-se intacto conforme os

interesses económicos associados às actividades culturais e recreativas,

apresentadas como a “salvação” para a crise funcional do mundo rural. Noções

como “qualidade”, “autenticidade” e “tradição” são utilizadas para reforçar a

necessidade de preservação dos espaços e patrimónios rurais, cristalizados, assim,

em cenários de ócio polivalentes, capazes de proporcionar segurança e aventura,

consoante os desejos dos seus consumidores (Barrado Tímon & Castiñera

Exquerra, 1998). Estas dinâmicas são construídas politicamente, sempre com o

aproveitamento da bagagem cultural e artística, que nos nossos imaginários sociais,

há muito tinha desenhado e inculcado a imagem de ruralidade bucólica.

A ideia de que se pode construir paisagem apaga a barreira secular entre

cultura e natureza, no sentido que o que é tido como natural, tem no rural, cada vez

mais origem nas práticas culturais de “renaturalização” que forjam um património

supostamente selvagem (DuPuis, 2006).

“In the study of landscape, nature becomes entangled in the dreams of

modernity, a repository of everything civilization is not: pure, inhabited, unconscious,

non-rational, free of inhibitions and intent. In romantic thought, nature becomes the

good to civilization’s bad (…)” (DuPuis, 2006, pág. 125).

A modernidade traz consigo duas narrativas importantes e paralelas, já que,

por um lado, reforça o mito do controlo humano sobre a natureza e, por outro,

promove a nostalgia pela pureza natural perdida. Estes sentimentos aparentemente

contraditórios parecem coexistir, neste contexto, de forma irónica, na medida em que

é da manipulação humana da paisagem que se cria a ilusão de refúgios selvagens

intactos.

O ideal de ruralidade consiste num espaço socialmente homogéneo e seguro,

em que homem e natureza convivem de forma harmoniosa, em que a vida é serena

e familiar, em que as práticas agrárias e artesanais seculares ainda se mantêm

intactas e tradicionais (não sendo extenuantes), em que a gastronomia é uma

herança de saúde e de bem-estar, as construções estão integradas na paisagem e

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Capítulo III

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não cederam às “modas urbanas”, o tempo é vivido lentamente e a exuberância da

fauna e da flora promovem momentos de fruição, quer para os espíritos mais

aventureiros, quer para os que preferem o relaxamento e a contemplação. Esta

visão fortemente formatada debaixo dos valores elitistas dominantes, dificilmente

prevê a coexistência de diferentes grupos étnicos ou sociais, a não ser que seja

segundo as lógicas, também seculares, de hierarquização rígida da divisão do

trabalho, em que os momentos de contemplação e ócio estão reservados para uma

minoria privilegiada de gosto refinado (Dupuis, 2006).

Nem sob o actual interesse numa promoção intensa do turismo rural é

vantajosa uma total democratização do rural enquanto destino, no sentido em que

uma massificação não seria sustentável e os serviços estão direccionados para um

público informado e com um poder de compra mais elevado, por comparação aos

consumidores do turismo de litoral. A elite que cria, difunde e usufrui dos

aproveitamentos económicos do ideal rural, quer enquanto consumidor, quer

enquanto promotor, sendo urbana e tendo, desta feita, um controlo sob as lógicas de

gestão destes territórios, constitui uma resistência às possibilidades redistributivas

que se esperam viáveis, a bem da concretização de um projecto de desenvolvimento

real em favor das populações rurais. Os jogos de poder por detrás destas questões,

os conflitos de interesse e as dificuldades operativas de concretizar um

desenvolvimento pensado e orientado endogenamente, contribuem para que

permaneçam as dúvidas quanto à capacidade reguladora das instituições públicas

nesta matéria, mas reforçam inquestionavelmente a sua importância (DuPuis, 2006;

Short, 2006).

O ideal rural apesar de muitas vezes uniformizar e formatar

estereotipadamente as paisagens e práticas sociais, apesar de ser alimentado por

interesses muitas vezes elitistas e apesar de não ter sempre repercussões imediatas

nas dinâmicas de desenvolvimento locais, tem contudo a vantagem de reverter as

ideias negativas e os estigmas que, durante décadas, contribuíram para o

esvaziamento, decadência e paralisia dos territórios rurais em crise (Short, 2006).

Mesmo que muitos dos seus elementos continuem a ser vistos como sinais de

atraso pelos seus habitantes, maior valorização começa a ser dada pelos mesmos

aos seus patrimónios culturais e naturais e às suas práticas quotidianas.

A idealização do rural é um sintoma da urbanização, sendo na cidade que

mais facilmente se encontra as manifestações e os ecos dessa bateria de

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

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representações positivas da ruralidade. A sociedade de consumo utiliza o ideal rural

para vender quase todo o tipo de produtos, através de associações e conotações,

que remetem para os valores e elementos rurais e tradicionais mais prestigiados.

Dentro desta dinâmica de comercialização do rural, é vendido o ideal ao mesmo

tempo que se ajuda à venda de vários produtos.

“Adverts for a whole host of products and services trade on the positive

connotations of the rural. It is visible in trends in interior décor, home furnishings,

garden design and clothing ranges.” (Bell, 2006, pág. 150).

Num resumo dos ideais-tipo abrangidos pela ruralidade idílica recorrente,

teríamos o natural/selvagem, o desportivo e de aventura, e o agrícola, mas

artesanal, como os cenários mais marcados nos imaginários. Acontece que a

projecção do ideal rural condensa as suas diferentes vertentes, numa combinação

de um conjunto de elementos que por “osmose” se unem sob o signo de “rural” nas

nossas representações. Esses elementos são a natureza, o romantismo, a

autenticidade e a nostalgia, no que parece ser uma bateria de “gatilhos” emocionais

e imaginários que disparam todo o tipo de conotações idílicas a este nível, quando

se pensa em ruralidade e rapidamente se tece um quadro de moldura rústica

alimentado de visões oníricas (Bell, 2006).

“It is first and foremost a symbolic landscape into which is condensed and onto

which are projected a whole host of things: identifications, imaginings, ideologies.”

(Bell, 2006, pág. 151).

A combinação e uniformização de muitas ruralidades sob um mesmo ideal por

vezes redutor, apesar de ser simplista pode, de facto, facilitar o alcance das

representações, no sentido em que torna uma realidade complexa mais facilmente

apropriada. A inteligibilidade de cada lugar, enquanto espaço social específico e

complexo, é preterida em função de uma adopção emocional da imagem

culturalmente “familiar” e digerida pela sua recorrência na arte, na literatura, nas

narrativas, na publicidade etc., mesmo que seja demasiado limitada para

corresponder aos lugares reais e suas especificidades.

O ideal rural pode ser veiculado em diferentes suportes, adaptando-se aos

registos distintos, mas mantendo os seus contornos. Na globalização, o ideal rural

transpõe fronteiras e exalta os localismos que ancoram as identidades num

processo de adaptação e resistência aos avanços da cultura de massas; nos media

alimenta a publicidade e é exaltado em diversos tipos de programas, filmes e

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Capítulo III

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imagens; à mesa abre todo um novo rol de “velhos” paladares para degustar, está

associado à saúde, a ingredientes orgânicos e a sabores tradicionais; no turismo

apresenta-se como uma nova atracção, um novo mercado em ascensão; e nos

quotidianos, por estar presente em todas estas esferas, ganha uma centralidade

sem precedentes (Bell, 2006).

O facto de o ideal rural ser uma construção social que culturalmente está

enraizada nos nossos imaginários colectivos facilita o seu aproveitamento político.

Esse aproveitamento pode ter distintas finalidades, tendo servido, no caso da

Inglaterra da Revolução Industrial e das duas Grandes Guerras, como um reforço da

coesão social e nacional. Hoje, no contexto da globalização, contribui para dar

sentido ontológico num tempo de instabilidade e de suposta homogeneização

cultural à escala mundial. Ao passo que, integrado no discurso de reinvenção da

ruralidade e nas suas estratégias de desenvolvimento, está ao serviço da reversão

do quadro de marginalidade funcional do mundo rural, nomeadamente como um

poderoso recurso para o marketing territorial.

Aproveitar as oportunidades de mercado, que a centralidade do ideal rural vai

abrindo, de forma a lograr desenvolvimento, numa linha de mobilização endógena

de recursos e projectos, implicaria que a dominação urbana da sua construção,

alimentação e consumo, não estivesse tão estabelecida em circuitos elitistas de

poder. De facto, em muitas esferas o usufruto das virtualidades da ruralidade

turística, gastronómica, paisagística e artesanal, está monopolizada, tanto no

consumo, como na promoção e nos lucros, por uma minoria privilegiada de urbanitas

ou proprietários, que mesmo podendo ser de origem rural, assumem muitas vezes

estilos de vida urbanos e estão envolvidos em redes sociais exteriores às

comunidades locais.

Deve ser pensada uma solução para estas limitações ao nível da

redistribuição dos dividendos retirados dos “negócios” alimentados pelo ideal rural, já

que discursivamente é apresentado como objectivo, que estes revertam em favor

das comunidades. Por outro lado, sendo uma construção social urbana, que faz

sentido enquanto alteridade ao seu modelo de organização territorial, e que vive

sobretudo (promocional e oniricamente) no espaço da cidade, torna-se difícil

deslocar o domínio da produção destas representações e seu controlo para o mundo

rural, até porque este não tem o mesmo poder competitivo a nível económico e a

mesma força de influência cultural no seio da globalização. De qualquer forma, por

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

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todas estas razões, o papel dos poderes públicos sai reforçado, naquilo que diz

respeito à regulação, orientação e gestão destes problemas e potencialidades, bem

como na coordenação das estratégias de promoção e desenvolvimento territoriais.

Deve ser igualmente reforçado que o turismo rural aparece como a actividade

sobre a qual são depositadas mais esperanças, enquanto fonte de rendimento e

estímulo ao desenvolvimento do mundo rural, e que é em torno desta actividade que

mais se reforça e utiliza o poder de atracção e promoção do ideal rural. Para além

do turismo, a gastronomia, o artesanato e os chamados “produtos da terra”, parecem

compor o conjunto dos produtos rurais mais promovidos e conectados ao ideal rural.

Percorridas as estratégias e eixos de desenvolvimento e reanimação do mundo

rural, discutida a sua “matéria-prima” cultural, pela descrição das dinâmicas que

rodeiam a produção, aproveitamento e promoção do ideal rural, importa então

pensar nos produtos, apregoados como estratégicos neste processo de reinvenção.

As actividades e produtos “vendidos” sob o signo da ruralidade podem ajudar

a percorrer o caminho que vai desde as intenções políticas que regem as estratégias

de desenvolvimento, baseadas em grande parte na imagem idílica de ruralidade

(cultura, tradição, património, paisagem, artes e ofícios), até aos serviços e bens de

consumo que na realidade concreta e económica, são apresentados como

potenciais alavancas para as crises funcionais e produtivas do mundo rural.

Esperamos analisar as linhas em torno das quais se tecem as potencialidades e os

valores estratégicos destes produtos e entender até que ponto alimentam e são

alimentados da imagem de rural idílica, ao que parece cada vez mais difundida e

dominante nas negociações simbólicas que de forma competitiva se constroem ao

redor dos territórios.

Posto isto, e porque o turismo rural assume uma centralidade ímpar nos

discursos sobre as possibilidades de desenvolvimento rural, tomá-lo-emos de forma

mais aprofundada, para depois ir tocar na gastronomia, nos “produtos da terra” e no

artesanato, e desenhar assim o quadro de produtos mais recorrentes nos discursos

em torno desta ruralidade consumível.

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Capítulo III

69

3. O Rural enquanto produto e os produtos rurais. O discurso promocional e comercial em torno do rural consumível.

Três grandes factores contribuem para que na actualidade o turismo rural

assuma tanta visibilidade, pelo menos discursivamente. Por um lado, o papel

incentivador do sector público, que no quadro das políticas de desenvolvimento rural

tem promovido e apoiado iniciativas de implantação de serviços turísticos como uma

das principais medidas de concretização da diversificação funcional do mundo rural

e muitas vezes como a possível “salvação” para decadência económica destes

territórios. Por outro, as transformações nas pautas de comportamento dos

consumidores turísticos nos últimos anos, que faz ascender destinos alternativos, ao

turismo massivo de litoral, numa linha de valorização dos patrimónios natural e

cultural, como elementos essenciais para a qualidade e consistência dos espaços

turísticos. Finalmente, a importância do crescimento dos discursos e práticas

ecológicas na contemporaneidade, que impõe progressivamente preocupações de

sustentabilidade às práticas turísticas e que, no rural, parecem encontrar

possibilidades de sua concretização, aliadas ao usufruto do contacto com a natureza

(Mediano, 2004).

A primeira dinâmica prende-se com as estratégias políticas de

desenvolvimento rural que anteriormente já foram exploradas e com o importante

papel das administrações públicas no incentivo e apoio financeiro à implantação de

actividades turísticas no mundo rural. A segunda, por seu turno, cabe desenvolver

brevemente neste ponto e diz respeito a um novo tipo de consumo turístico que

ganha cada vez maior peso, enquanto influência da oferta de destinos e serviços. As

características do chamado “turista pós-fordista” prendem-se com a sua preferência

por destinos pouco procurados ou sem os desconfortos de uma concentração

massiva de turistas, com o carácter eclético das suas escolhas, podendo ser muito

distintas ao longo do tempo, com o seu elevado poder de compra e capital cultural e

com o facto de terem preocupações com a qualidade, autenticidade e

sustentabilidade dos elementos patrimoniais de cada lugar visitado (Mediano, 2004).

Uma maior segmentação do mercado turístico, um crescimento em termos de

importância do segmento de maiores de 55 anos, uma maior exigência de qualidade,

tanto do destino como dos serviços prestados, uma preferência por experiências

turísticas mais participativas, um aumento do número de viagens independentes e

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

70

de viagens de longos percursos e um binómio recorrente – falta de

tempo/disponibilidade de dinheiro, são as tendências que actualmente marcam a

procura turística. Estas, aliadas à referida eminência das preocupações com o meio

ambiente, justificam a preferência crescente que o turismo rural tem angariado nos

últimos anos (García Henche, 2006).

Este último ponto prende-se com a importância da consciência ecológica que

deve acompanhar tanto a promoção como o consumo turísticos nos contextos rurais

na actualidade, a bem da sustentabilidade dos patrimónios naturais que compõe os

destinos e da manutenção da aura de “turismo inofensivo”, que dita as preferências

dentro destas novas lógicas de consumo. Assim, no rural, este elemento deve

assumir cada vez mais centralidade, tanto enquanto argumento de sua promoção

como destino, como enquanto preocupação a contemplar nas políticas públicas de

seu incentivo e nas medidas reguladoras dos diversos níveis de administração

(Mediano, 2004). Estes apelos à sustentabilidade, bem como os que se prendem

com os elevados níveis de exigência dos “novos consumidores turísticos”,

heterogéneos nas escolhas e com alto nível de informação, aumentam, de facto, a

necessidade de cumprir uma elevada fasquia no turismo rural, que deve contemplar

diversos tipos de demandas e oferecer serviços à altura de um público multifacetado

(Ivars Baidal, 2000).

Definir “turismo rural” ou “turismo em espaço rural” pode ser uma tarefa

complexa, atendendo, como vimos à própria noção de ruralidade, que tampouco

parece ser simples de traçar. No entanto, remetendo para a definição de turismo da

Organização Mundial de Turismo (1993) podemos assumir que turismo rural é o

conjunto de actividades realizadas pelos indivíduos durante as suas viagens e

estâncias em lugares diferentes ao seu contexto habitual, por um período de tempo

consecutivo inferior a um ano e superior a uma noite, com fins de desfrutar dos

atractivos do “rural”, em territórios de tradição agrária recente ou em curso, com

paisagens naturais abundantes, baixa densidade de povoamentos e edificações e

em que esteja garantida a sustentabilidade dos patrimónios naturais e culturais.

Dentro do que são os “derivados” do turismo rural, apontamos consoante a

procura (motivação, tipo de práticas a desenvolver e serviços exigidos), um conjunto

de ofertas ou tipologias relacionadas, mas distintas em determinados elementos.

Pode identificar-se o agro-turismo, cuja procura está motivada pelo contacto e

fruição das actividades agrícolas ou pecuárias; o ecoturismo, motivado pela vontade

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Capítulo III

71

de participar em trabalhos de preservação ambiental, ou pela intenção de visitar e

conhecer reservas, parques naturais ou todo o tipo de espaços de preservação dos

ecossistemas, o turismo desportivo ou de aventura; o turismo cultural rural; o turismo

de interior, definido pela demanda com critérios geográficos de selecção excludentes

das franjas litorais; o turismo alternativo, entre outros (Ivars Baidal, 2000).

A filosofia por detrás do turismo rural assume, como dissemos, a

sustentabilidade como valor inalienável, sendo vasto o conjunto de factores que

suportam a sua garantia. Entre eles podemos apontar, de forma sintética, a

integração dos empreendimentos de acordo com a paisagem, a escala da

comunidade local, a autenticidade dos elementos “vendidos”, o contacto pessoal

entre turistas e autóctones, a predominância de empresas familiares, o

favorecimento do desenvolvimento local, a preservação do meio ambiente, o

incrementar do conhecimento e qualidade do património cultural, o apoio aos meios

de vida rurais, a implicação da população na gestão e controlo do desenvolvimento

turístico, e uma visão integrada e a longo prazo, voltada para o desenvolvimento

territorial.

Assim, quando nos discursos políticos e técnicos se fala de turismo rural, é

patente a omnipresença do argumento que este é de grande utilidade para

desenvolvimento local, dentro da filosofia de valorização do empreendedorismo

local, associado sempre às questões de sustentabilidade ambiental e de

preservação dos patrimónios culturais.

“Los fundamentos de los paradigmas del desarrollo mencionados parten de

una sensibilidad sociopolítica que se plasma en un proceso de desarrollo, con

objectivos preferentemente cualitativos, instrumentado a través de una organización

institucional adecuada y de un necesário apoyo técnico.” (Ivars Baidal, 2000, pág.

79).

Objectivos como a satisfação das necessidades da população, a sua

manutenção e o seu favorecimento primordial, segundo lógicas institucionais e

organizativas em que os distintos poderes agem de forma concertada e em

coordenação e existe a participação dos contributos privados, em articulação com

actores públicos, numa estratégia planificada a longo prazo, que antecipe as

mudanças, faça a gestão de recursos escassos e proceda a uma monitorização

permanente dos resultados, são apresentados como preocupações de

sustentabilidade na implementação do turismo rural. A estas linhas soma-se a

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

72

existência de uma ampla e sólida base social, uma sensibilidade para com a escala

local, seus recursos, necessidades, dinâmicas específicas, etc., a preservação dos

ecossistemas e o logro da tão referida diversificação funcional (Ivars Baidal, 2000).

Como foi referido aquando da reflexão sobre o ideal rural, os consumidores

de turismo rural procuram uma mudança de ambiente, uma ruptura com o contexto

urbano do dia-a-dia, num lugar tranquilo, que permita o contacto com a natureza, o

convívio humano, uma alimentação saudável ou com sabores alternativos aos do

quotidiano, uma sensação de “familiaridade” com um eventual passado perdido e

uma espécie de regresso à tradição.

“Los turistas que deciden realizar turismo rural tienen en mente romper con la

formalidad de su comportamiento en la ciudad. Buscan el campo y una oportunidad

para restituir sus energías y el equilibrio. Un turista que valora su calidad de vida

busca un pueblo pequeño, tranquilo, con naturaleza viva y cultura local atrayente.”

(García Henche, 2006, pág. 137).

A procura turística tem como intenção encontrar os traços que do ideal rural

se pretendem transpor para os territórios, a saber, povoações pequenas e pouco

densas, uma estrutura produtiva agrícola e artesanal, uma paisagem natural aberta

e que favoreça a contemplação, contactos interpessoais facilitados, maior ligação

entre os espaços privados e públicos, gastronomia típica, arquitectura tradicional,

etc. (Millán Escriche, 2002). O rural, enquanto produto turístico, tem, de facto, as

suas especificidades e entre elas está o facto de não estar implantado nos grandes

circuitos de comercialização, nem conter grandes empreendimentos, tal como em

outros tipos de turismo.

A falta de presença do turismo rural nos grandes circuitos de promoção e

comercialização turística, aliada à necessidade de criar uma estratégia de marketing

e gestão apropriada, que possibilite o aumento da procura e mantenham ao mesmo

tempo os níveis de qualidade exigidos pelo público deste tipo de produto, destaca a

necessidade de revisão das estruturas organizativas existentes. O associativismo é

extremamente aconselhado, já que, os agentes privados e empresas familiares, que

normalmente constituem os promotores do turismo rural, parecem não ter um grau

de coordenação e uma estratégia comum, suficientemente capazes de reverter as

dificuldades, que a pulverização dos empreendimentos, a fragmentação de

propriedades e agências, a juventude do mercado em causa e a falta de instituições

de alçada, vão criando ao desenvolvimento deste sector.

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Capítulo III

73

De facto, a criação de estruturas organizativas comuns a todos os

intervenientes da cadeia turística rural, com a inclusão da população, a definição

institucional de uma estrutura de liderança, que sirva de rosto e orientação para o

sector, o desenho de uma estratégia concertada, com metas e linhas operativas

claras, constituída participativamente, e a garantia de uma efectiva monitorização

desta, para o logro do sucesso dos objectivos, são algumas das condições

essenciais para que o turismo rural evolua positivamente e se cumpra enquanto

factor de reanimação económica do mundo rural.

Falta igualmente que os instrumentos de ordenação e protecção dos espaços

rurais se orientem para a preparação de estruturas de oferta turística de qualidade,

sustentáveis e benéficas ao desenvolvimento. Falta uma apresentação eficaz com

denominação clara do produto turístico rural, dentro de estratégias de comunicação

concisas mas capazes de informar com rigor os possíveis consumidores. Falta atrair

mais público sem ceder, contudo, à massificação. Falta constituir um amplo rol de

actividades complementares, para dar resposta às exigências ecléticas da procura,

mas também para estimular actividades económicas várias (Millán Escriche, 2002).

A qualificação e a profissionalização da mão-de-obra seriam desejáveis a

bem da qualidade dos serviços, mas também como forma de dotar o tecido social

local de maiores possibilidades de emprego e maiores níveis de escolaridade

(García Henche, 2006). Uma aposta na qualidade dos destinos e serviços pode

igualmente ajudar à diferenciação e prestígio do rural como produto turístico, bem

como para fidelizar um público muitas vezes disperso e errante. Outro elemento

essencial à consolidação do sector do turismo rural é um incremento do número de

publicações, folhetos, itinerários, guias e todo o tipo de suportes e veículos de

promoção e informação (García Henche, 2006).

Como consequências positivas possíveis do turismo no desenvolvimento

rural, podemos apontar o facto de este sector poder contribuir para a diversificação

funcional e para o incremento das rendas de algumas famílias rurais, para a fixação

da população, para a preservação patrimonial e cultural local, para o aumento do

emprego e principalmente do emprego feminino, para a melhoria dos acessos,

meios de comunicação e infra-estruturas das localidades e para uma valorização do

potencial rural (Mediano, 2004).

Ainda assim, com tantas possibilidades e potencialidades auspiciosas, deve

ser assinalada a ilusão que, muitas vezes, rodeia o turismo rural, mais

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

74

concretamente, a sua recorrente sobrevalorização enquanto panaceia para a

resolução de todos os problemas do mundo rural. Mesmo havendo casos de

sucesso, existem diversos sinais de que muitas contradições existem ainda, para

que seja inquestionável o papel mobilizador do turismo rural no desenvolvimento das

localidades (Santos Solla, 1999; Ivars Baidal, 2000; Ribeiro & Marques, 2002; Silva,

2009).

A falta de coordenação entre os diferentes serviços locais (pousadas,

restaurantes, artesãos, etc.) e o isolamento de grande parte dos serviços turísticos

não permite, muitas vezes, a desejável disseminação dos consumidores pelos

diversos negócios da localidade visitada, o que limita o efeito estimulador das

economias locais, discursivamente atribuído ao turismo em espaço rural (Silva,

2009).

O facto da actividade turística ser caracterizada ainda por uma sazonalidade

marcada e por épocas de grande estagnação, pode ser um motivo para que não

possa ser considerada uma alternativa consistente ao progressivo abandono do

sector primário (Ivars Baidal, 2000).

O facto de que um eventual desenvolvimento do turismo rural possa contribuir

para o abandono total das actividades agrícolas e para um desenvolvimento

excessivo do sector terciário, deve ser, de facto, motivo de algumas preocupações,

no sentido em que a perda das práticas agrárias significa o desaparecimento de um

elemento central na cultura rural e na identidade colectiva das comunidades.

“En defenitiva, vemos o turismo como a gran salvación do mundo rural en

declive dende hai bastantes décadas, malia as contínuas matizacións do seu papel e

a cautela á hora de lle atribuir excesiva importância.” (Santos Solla, 1999, pág. 151).

Dúvidas existem, por exemplo, quanto ao real favorecimento comunitário com

estas actividades, já que são recorrentes os exemplos em que apenas uma minoria

de proprietários privilegiados é directamente beneficiada. O facto de serem

preferidas as construções de maior qualidade e dimensão, em melhor estado de

conservação, para o estabelecimento de serviços de alojamento, implica, em muitos

casos, a exclusão das pequenas casas camponesas e a preferência estratégica por

solares de famílias de classes sociais favorecidas (Santos Solla, 1999; Ribeiro &

Marques, 2002).

Outro aspecto importante é a tendência para que sejam os proprietários, com

maior capital cultural e social, aqueles que tomam a iniciativa de solicitar apoios e

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Capítulo III

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subsídios para investir em serviços de turismo rural. A escassez de informação,

escolaridade, disponibilidade económica, capacidade de iniciativa e de redes de

conhecimentos, impede que os agricultores ou habitantes rurais consigam mobilizar-

se para o trabalhoso e burocrático percurso de solicitar apoios públicos e começar

um projecto turístico (Santos Solla, 1999;).

Obstáculos deste tipo, apresentam-se igualmente após a implantação dos

empreendimentos, aparentemente pelas mesmas razões, no sentido em que o trato

com os turistas, o domínio de outros idiomas, a capacidade de gestão do negócio, a

falta de fluidez financeira para sua manutenção, carências ao nível da

profissionalização e qualificação, para a flexibilidade exigida neste tipo de trabalho,

entre outros factores, podem contribuir para que apenas uma minoria de

privilegiados possa ter sucesso no sector (Santos Solla, 1999).

Outro aspecto contraditório é o baixo nível de criação de outros postos de

trabalho, fora do círculo familiar dos empresários que, mesmo que recorram a mão-

de-obra local, fazem-no sazonalmente, sem exigências de qualificações e sob

grande precariedade laboral. Isto porque, para além de serem escassos os

trabalhadores rurais qualificados para serviços de hotelaria e turismo, a contratação

de um trabalhador especializado é custosa e vista muitas vezes com desconfiança,

principalmente porque os proprietários não estando profissionalizados, preferem não

ver a sua autoridade ameaçada por pessoal mais preparado (Francés i Tudel, 2003).

Por outro lado, o trabalho feminino, que tendencialmente é mais requisitado

pelo sector turístico em espaços rurais, mesmo que pouco qualificado, tem permitido

que as mulheres rurais ganhem independência progressiva, maior contacto com

pessoas externas à comunidade, mais auto-estima, um incremento do seu

rendimento e, consequentemente, do peso deste nos orçamentos familiares (Santos

Solla, 1999).

No entanto, para além deste exemplo, não é líquido que se tenha sentido um

grande aumento do número de postos de trabalho nas comunidades já integradas

nos circuitos de turismo rural (Santos Solla, 1999). Ora, na realidade, os

rendimentos do sector têm crescido significativamente, estando a aparente

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

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sobrevalorização do turismo rural bastante afastada, a este nível, dos dados

estatísticos disponíveis em vários países da Europa4.

Como última crítica a assinalar, volta a ser necessário apontar a carência de

coordenação das políticas de promoção turística e desenvolvimento nos espaços

rurais, já que podem ser encontrados muitos exemplos de medidas infrutíferas ou

contraditórias (Santos Solla, 1999). A integração e coordenação de políticas é

essencial para a implementação do sector turístico no mundo rural, sob pena de

estas contradições e obstáculos perpetuarem os desequilíbrios sociais, económicos,

funcionais e ambientais existentes.

Para que o turismo favoreça as comunidades locais e o desenvolvimento, há

que reverter as lógicas de exclusão e manutenção das hierarquias seculares no

mundo rural e ensaiar novas formas de mobilização colectiva, para que de facto a

evolução seja endógena e democrática. Também aqui, há que sublinhar a

exterioridade do controlo dos recursos e actividades locais, fortemente

condicionadas pelo poder de dominação das elites urbanas.

“Isto leva-nos cara a outra consideración non menos importante que é que o

turismo non é tanto (ou non debería ser) o motor do desenvolvemento local, como

unha consequencia deste último. É decir, unha vez que unha comunidade rural

acadou un elevado greo de equilibrio, no relativo a dinamismo económico e respecto

polo seu patrimonio, é cando debería entrar o turismo. De suceder o contrario, ou

sexa, o turismo como impulsor do desenvolvemento, moi probabelmente as

cosecuencias serían perniciosas.” (Santos Solla, 1999, pág. 160).

* Importa agora centrar a reflexão nos chamados “produtos da terra”, na

gastronomia, no artesanato e em alguns outros elementos que, em conjunto com o

turismo, constituem o quadro de produtos em suposta ascensão, dentro das

estratégias de reinvenção e desenvolvimento para as áreas rurais.

Sobre o artesanato, a gastronomia, a arquitectura tradicional rural, a

paisagem e alguns elementos específicos, como o cavalo, por exemplo, deve ser

dito que parecem estar sob uma valorização ascendente, enquanto actividades,

experiências, elementos ou produtos, incluídos nas ofertas do turismo rural. A

arquitectura rural serve de motivo de atracção para os serviços de alojamento

4 Sobre o caso Português aconselha-se a consulta de Silva, Luís (2009), Casas no Campo – Etnografia do Turismo Rural em Portugal, Lisboa, ICS.

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Capítulo III

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turístico, os produtos artesanais funcionam como os souvenirs da estância turística e

a gastronomia típica compõe a experiência idílica de regresso à tradição (Barrado

Tímon & Castiñera Ezquerra, 1998).

O cavalo, se no passado tinha uma função essencialmente produtiva, hoje é

um elemento central nas actividades desportivas e recreativas (e até terapêuticas)

do turismo rural, bem como mais um pormenor iconográfico que completa a

paisagem sonhada. Aliás, em Portugal o burro aparece também como um animal

muito associado às actividades recreativas em contexto rural, sendo até elevado, em

algumas regiões, a património ecológico autóctone, justificando a criação de

pequenos centros de preservação da espécie, transformando-se em pretexto de

visita turística e em souvenir regional, como em Miranda do Douro, por exemplo.

Estes elementos, que durante décadas constituíam sinais do atraso rural, por

não acompanharem os avanços industriais da produção em massa, os

desenvolvimentos tecnológicos, as mudanças nos estilos de vida e nos quotidianos,

passam hoje a ser, como nunca antes tinham sido, motivos de curiosidade, bens de

consumo e objectos de prestígio (Barrado Tímon & Castiñera Ezquerra, 1998). O

artesanato, por exemplo, destaca-se por rejeitar os métodos de produção em série,

sendo os seus produtos valorizados, por serem sempre únicos, por remeterem aos

ofícios tradicionais, por estarem invariavelmente ligados a um território e porque, por

todas estas razões, se diferenciam dos produtos industriais.

O vínculo de todos estes elementos (arquitectura, paisagem, artesanato,

gastronomia) a um lugar, a uma cultura e a uma suposta tradição, destaca-os dos

bens de consumo industriais do mundo globalizado, tidos como homogéneos e

desvinculados dos territórios de origem. Aqui importa referir que os “produtos da

terra” sobressaem nesta lógica, no sentido em que, tal como os vinhos, estão cada

vez mais integrados em sistemas de classificação e garantia de qualidade, baseadas

na denominação de origem. Esta revalorização passa, sobretudo, por estarem

associados a uma paisagem, a um património cultural e a um modo de vida, o que

os dota de uma aura de confiança e qualidade, que aumenta o seu prestígio e o seu

valor (real e simbólico) nos mercados de produtos alimentares (Barrado Tímon &

Castiñera Ezquerra, 1998).

Os produtos alimentares artesanais, além de uma origem determinada,

destacam-se por serem fruto de modelos de produção não industrial, sendo que,

mesmo quando não se tratam de bens transformados, derivam de formas de cultivo

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menos intensivas e pouco modernizadas (Espeitx Bernat, 1996). Não são apenas

produtos “feitos à mão”, mas são sobretudo produtos associados à natureza, à

tradição, à não contaminação e à ruralidade, em oposição à indústria que é

conotada com o meio urbano.

“Esta oposición está en la base de uno de los discursos más ampliamente

interiorizados en relación a estos produtos.” (Espeitx Bernat, 1996, pág. 87).

O seu carácter tradicional e a aura de perenidade de que gozam, são motivo

de grande valorização, no sentido que a ideia de que sempre se produziram da

mesma maneira, que sempre existiram, que mantêm as mesmas características,

sendo fruto de uma sabedoria que passou de geração em geração, tende a

incrementar o seu valor simbólico e a facilitar a sua preferência. No entanto, com as

novas exigências sanitárias e mesmo com o aumento da procura, os métodos de

produção têm sofrido alterações, sendo claro que estes “velhos” produtos não

deixam também de se renovar ao longo do tempo, técnica e, como dissemos,

simbolicamente (Espeitx Bernat, 1996).

Os consumidores não querem apenas um produto, mas sobretudo o que por

ele é sugerido e evocado, sendo interessante perceber que os conteúdos simbólicos

associados a bens de consumo tendencialmente mais valorizados na actualidade

estão precisamente relacionados com os valores do ideal rural – natureza, ecologia,

saúde, tradição, etc. Para além deste aspecto, a associação de alimentação e

tecnologia tende a ser vista socialmente como algo perigoso ou negativo, pelo que,

em contraposição, os produtos rurais se apresentam como objectos de confiança. A

noção de que a natureza é imutável e que, pelo contrário, a técnica é falível e

incerta, reforça esta tendência para preferir os produtos ditos naturais, aos

industriais e de origem tida como urbana (Espeitx Bernat, 1996).

O binómio de valorização destes produtos mais estabelecido -

qualidade/origem - tem vindo a ser legitimado pelas políticas públicas de

classificação e normalização, no sentido de proteger e promover estes patrimónios

alimentares e fomentar o desenvolvimento das actividades económicas com eles

relacionadas. Aproveitando uma tendência crescente do mercado, os produtores

apoiados pelas instituições públicas, têm vindo a desenvolver uma estratégia de

aumento da sua rentabilidade, quer através de um incremento na produção, quer

através de mecanismos de garantia de qualidade e denominação de origem.

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Capítulo III

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Dentro da linha política que advoga a reanimação económica dos meios

rurais, através de uma diversificação funcional que rentabilize os recursos locais,

esta estratégia de promoção e protecção dos produtos da terra faz todo o sentido,

levando a que, desde as mais diversas escalas de poder, fosse iniciado um

processo de sua classificação. Esta estratégia visa a reinvenção imagética dos

produtos e alia o rigor técnico do controlo de qualidade, a uma visão de mercado

adaptada às novas exigências de competitividade.

“La autenticidad, la tradición, las raíces son objeto de una intensa

manipulación en una época en que la comunicación lo domina todo. Son muchas las

partes implicadas en esta apropiación de la imagen. Muchas entidades locales

buscan una identidad. Las entidades administrativas que representan a las regiones

adquieren un protagonismo cada vez mayor en Europa.” (Bérard & Marchenay,

1996, pág. 35).

De facto, desde 1992, que no contexto da União Europeia, existem pelo

menos dois instrumentos de classificação deste tipo de produtos, a DOP –

Denominação de Origem Protegida e a IGP – Indicação Geográfica Protegida, que

certificam, respectivamente, produtos cujas características se devem exclusivamente

ao lugar de origem e produtos que por algum aspecto remetem para um contexto

geográfico preciso (Bérard & Marchenay, 1996). Estes selos de qualidade ou de

origem determinada implicam uma fiscalização exigente, uma selecção cuidada das

candidaturas e a avaliação técnica necessária, para determinar as delimitações

geográficas e as especificidades de cada bem de consumo.

Por outro lado, também é certo que nem sempre é fácil ou justa esta

selecção, no sentido em que muitos produtos são excluídos por falta de

documentação histórica que comprove a sua proveniência específica, ou por outros

critérios semelhantes, o que mais uma vez facilita a classificação de produtos de

países, regiões, localidades e produtores com maiores rendimentos, capacidade de

iniciativa, capital social e cultural, etc. Em qualquer caso, a origem geográfica parece

ser mais valorizada do que as questões temporais, como a antiguidade do produto,

do método de produção, etc., já que esta estratégia política tem uma tónica

profundamente territorial, isto porque é uma medida proteccionista que visa

desenvolver os tecidos económicos das áreas rurais e, paralelamente, fazer frente à

tendência crescente de deslocalização das empresas de produção agro-alimentar

(Bérard & Marchenay, 1996).

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A avaliação, das candidaturas de classificação e protecção destes produtos,

tende a ser mais técnica que cultural, definindo sobretudo a especificidade da

origem de cada elemento. Paralelamente, as denominações deste tipo de produto

tendem a remeter para os nomes das suas localidades ou regiões, reforçando-se,

uma vez mais, a importância dos vínculos territoriais. De facto, a questão da tradição

é mais difícil de definir, se comparada com a origem geográfica, não deixando,

apesar disso, de ser socialmente assumida como uma garantia importante da

qualidade do produto, num plano menos técnico e mais simbólico de valorização do

bem de consumo.

“A pesar de las situaciones de desigualdad entre denominaciones, de los

casos de inadecuación al procedimiento, incluso de abuso, hay que destacar la

originalidad del funcionamiento de esta protección, cuyo cometido es definir, para

protegerlo, productos que pertenencen colectivamente a quienes han sabido

ponerlos de manifesto y son sus depositarios.” (Bérard & Marchenay, 1996, pág. 48).

É óbvio que a valorização destes produtos parte dos espaços de consumo

urbano e que estes bens estão integrados na bateria de representações idílicas, em

torno do rural, que se vêm centralizando. Pratos que no passado eram comida dos

trabalhadores do campo, pouco variada e feita com os ingredientes menos nobres,

hoje são petiscos inigualáveis nos restaurantes para urbanitas, em busca da

diversificação dos paladares. A autenticidade e a tradição são, também aqui, valores

aclamados de forma recorrente e remetem, uma vez mais, para as construções

sociais que, em torno das valorizações culturais do rural e do passado, vão sendo

tecidas (Espeitx Bernat, 1996).

Se a iconografia rural, estilizada o mais das vezes, vai sendo, como

dissemos, cada vez mais utilizada na venda de todo o tipo de bens de consumo, no

caso dos produtos da terra permite uma valorização simbólica acrescida, que muitas

vezes justifica um preço bastante superior ao dos produtos industriais equivalentes.

Os produtos nacionais, os produtos locais e regionais, os produtos “gourmet”, os

produtos familiares, e todos os bens que remetem para um imaginário do prazer e

da qualidade da vida rural, ganham prestígio, ainda que a sua comercialização

continue bastante inferior numericamente à dos produtos comuns.

Na verdade estes produtos sempre foram comercializados, acontece que hoje

ganham prestígio e deixam de ser restritos ao contexto de produção, cruzando

fronteiras e conquistando as “mesas” dos urbanitas, que no paladar parecem

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Capítulo III

81

encontrar uma porta para um passado imaginado seu, uma herança, uma tradição,

que hoje todos partilham, por fazer parte da bagagem de representações e

valorizações territoriais mais recorrentes. Os mitos da natureza, da vida rural, da

tradição, parecem condensados na carga simbólica destes produtos, cujo consumo

é sentido como uma pequena ruptura, também ela simbólica, com a vida urbana e

com o consumo de massas.

Claro que diferentes imaginários remetem para diferentes produtos, estando o

consumo e a produção bastante diversificados e fragmentados, mesmo que debaixo

do mesmo “chavão” – “produtos da terra”. Certamente, que a sua produção e

comercialização não é suficiente para reanimar economicamente os espaços rurais,

como o seu consumo não o é, na concretização de experiências de vida rural e

natural para os consumidores urbanos. No entanto, não deixam de ser muito

importantes no seio das relações rural/urbano que, dentro das novas pautas de

valorização rural para consumo urbano se apresentam e para o entendimento da

influência do ideal rural em produtos concretos ou bens de consumo quotidiano. Em

resumo, os produtos rurais concretizam, alimentam e são alimentados pela imagem

de ruralidade promovida politicamente e fortemente valorizada discursiva e

comercialmente, dentro das estratégias de desenvolvimento e reanimação do mundo

rural, hoje muito baseadas nos patrimónios naturais e culturais das localidades.

4. Ponto de Situação (Estratégia → Matéria-Prima → Produtos)

Em jeito de recapitulação, pode dizer-se que estamos perante uma estratégia

de desenvolvimento, que desencoraja a dependência funcional para com a

agricultura e estimula a aposta nos recursos patrimoniais rurais, alimentada por um

conjunto de representações e mitos que romantizam e legitimam esse potencial de

reanimação e fazem vender os chamados produtos rurais. Por outras palavras,

assistimos ao desenvolvimento de uma estratégia de reinvenção da ruralidade,

sustentada por um património estável e disseminado de representações positivas,

que facilitam a promoção das áreas rurais enquanto espaço de consumo.

Desta feita, as diferentes dimensões do discurso, aqui “artificialmente”

apartadas, constituem um corpo de dependências, remissões e sobreposições. O

registo político e técnico ganha força e legitimidade por via da sustentação oferecida

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O discurso nos seus diferentes registos – poder, ideologia e projecto

82

pelas concepções romantizadas da ruralidade culturalmente disseminadas, ao

mesmo tempo que estas são continuamente reforçadas pela institucionalização

deste clima de consenso em torno da valorização do mundo rural. Nesta relação

dialéctica promovem-se os produtos rurais e o rural enquanto produto, já que o

registo promocional do discurso é permanentemente amplificado, estando cada vez

mais próxima a concretização do projecto de ruralidade reinventada (ou, se

quisermos, consumível).

Para avançar na discussão, deve ser referido que este projecto de ruralidade

é legitimado pelos valores patrimonialistas que sacralizam os patrimónios culturais e

naturais, atribuindo-se aos espaços rurais a missão de preservar tudo o que está em

risco na cidade e nas sociedades ocidentais em geral. A ruralidade romantizada

preserva o passado, as identidades, as tradições, ao mesmo tempo que garante o

futuro, a natureza, a sustentabilidade e os patrimónios ecológicos. Posto isto e dado

o interesse e a importância social e histórica destas questões, importa desenvolvê-

las com mais detalhe no próximo capítulo, sendo em torno deste campo temático

que seguiremos desde já.

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IV. Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e

valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

He who controls the present, controls the past.

He who controls the past, controls the future.

1949, George Orwell.5

Quando pensamos nos valores que legitimam o discurso de valorização desta

ruralidade patrimonial e simultaneamente projectada para o futuro e para a

renovação, somos levados a seleccionar um binómio de argumentos, centralizados

nos apelos à construção de uma ruralidade conservacionista - Cultura e Natureza,

ou mais concretamente Património e Sustentabilidade Ambiental.

De facto, o exercício de desconstrução do discurso de reinvenção da

ruralidade passa, necessariamente, pela reflexão em torno dos valores que

sustentam e legitimam a sua aparente consensualidade e os critérios de definição do

projecto veiculado. É nossa intenção, portanto, dedicar alguma atenção aos valores

por detrás do seu pendor patrimonialista e conservacionista, integrando-os nas

dinâmicas culturais maiores, que servem de contexto a esta valorização e que

orientam o apuramento desta ruralidade reinventada.

Assim, tomaremos as preocupações com a preservação patrimonial e

ambiental como temática central das próximas páginas, no sentido de perceber os

valores que, enquanto argumentos para o discurso, reforçam o seu poder e facilitam

a sua disseminação e aceitação cultural. Por serem valores que gozam de uma

considerável consensualidade no nosso contexto histórico, pela sacralização que

rodeia a memória e a natureza, principalmente no contexto urbano (em que se sente

mais a fragilidade e volatilidade do mundo tal como o conhecemos), acabam por

conferir, por associação, algum desse consenso e sacralidade a este projecto de

ruralidade.

5 Frase retirada do famoso livro “1984”.

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

84

A ruralidade é sentida como estando em risco, tal como a natureza, as

tradições, as identidades e tudo o que está associado com a nossa memória

colectiva. Ao mesmo tempo, valoriza-se a ruralidade precisamente por conter, nos

contornos deste projecto de reinvenção, a memória e a natureza e por funcionar

como uma reserva do que, supostamente, nos arriscamos a perder com a

urbanidade e com o avanço da civilização. De facto, é através destas associações

mútuas que, nos discursos, se tece a legitimação axiológica deste projecto de

ruralidade patrimonial, próximo da ruralidade-refúgio, que funciona como uma

reserva para os valores em risco.

Nesta linha, sublinham-se discursivamente as funções culturais desta

ruralidade em reinvenção, também por correspondência para com os valores que

acumula, protege, representa e alimenta. Ou seja, atribui-se ao mundo rural a

missão de preservar esses valores, conservando património e natureza, no sentido

de garantir a perenidade de um passado construído como melhor e a

sustentabilidade, perante um futuro incerto e desesperadamente frágil.

Desta feita, encontramos nesta valorização da ruralidade uma associação

com a necessidade de preservação dos patrimónios culturais, das memórias e das

tradições – conservar o Passado. Estes elementos recordatórios, muito embora

remetam aos lugares, acabam por agigantar-se e representar o "património de

todos", a matéria-prima de uma identidade comum, que distingue os povos até à

escala nacional e que reitera uma origem unificada. A importância dada à

preservação deste vínculo, que supostamente a cidade vai delapidando, acaba por

funcionar como um aglutinador de consensos, em torno da importância da ruralidade

e enquanto seu repositório.

Por outro lado, encontramos a sacralização do património natural e ecológico,

que praticamente remete para os espaços rurais a missão de conservação (para as

gerações vindouras), não apenas dos ecossistemas, mas sobretudo do "segredo"

por detrás da manutenção de relações harmoniosas entre o Homem e a natureza –

garantir o Futuro. Mais uma vez como contraponto, por relação à suposta

incapacidade de garantir, na cidade, uma sustentabilidade a esse nível e,

novamente, como um ponto de consenso – a indiscutível importância da ruralidade

para o bem geral e não apenas das comunidades locais.

Resumindo, pode ser dito que é atribuída aos territórios rurais a missão de

preservar o passado (imaginado e não histórico) e garantir o futuro, ou por outras

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Capítulo IV

85

palavras, conservar o património cultural, as tradições, a memória colectiva, etc. e,

ao mesmo tempo, proteger os patrimónios naturais para as gerações futuras.

Património e sustentabilidade ambiental acabam assim por remeter genericamente

para o espaço (o rural como paisagem simbólica ou como categoria territorial) e para

o tempo (percepcionado colectivamente como herança e projecto) em forma de

passado e de futuro. Estes, são construídos no presente, quer enquanto matéria-

prima para as identidades, quer enquanto argumentos e valores que precipitam a

nova ruralidade e, ainda, enquanto emblemas de um tempo histórico de grandes

ansiedades estruturais.

Se cultura e natureza são os valores a preservar, património e

sustentabilidade funcionam como as bandeiras que estimulam a acção,

precisamente por remeterem para os projectos de passado e de futuro colectivos,

enquanto arquétipos que condicionam ideologicamente o nossa concretização de

presente. A transversalidade desta lógica axiológica legitima os discursos que

patrimonializam a ruralidade, mas sobretudo revela as ansiedades estruturais do

nosso tempo histórico.

Parece claro que em diversas esferas da vida social existe um interesse

crescente pela natureza e pela cultura e pelas diversas actividades e elementos

patrimoniais que lhes estão associados. No turismo, por exemplo, é nítida esta

centralidade, havendo mais procura orientada por motivações culturais e ecológicas

(Padró Werner, 2002). Esta valorização da herança e o progressivo alargamento dos

critérios de sua selecção têm vindo a intensificar-se desde a Segunda Guerra

Mundial, mas sobretudo desde os anos 80, tal como acontece com as preocupações

ambientais, dentro das chamadas culturas ocidentais.

A destruição causada pela Segunda Grande Guerra Mundial, as primeiras

crises energéticas, a globalização, com a progressiva homogeneização cultural, a

expansão das preocupações ecológicas, entre outros factores históricos e sociais,

levaram a que os governos nacionais e organizações mundiais como a UNESCO

(United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), por exemplo,

começassem a mostrar interesse e vontade política em proteger o meio ambiente e

o património cultural dos povos (Santana Talavera, 2003).

Na actualidade, as preocupações ambientais e a valorização dos patrimónios

culturais fazem parte da vida quotidiana, da vida política e da vida económica dos

países ocidentais, sendo discursivamente inquestionáveis, mesmo que na prática

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

86

não se revertam em acções efectivas de preservação. A esta valorização dos

patrimónios naturais e culturais está profundamente associada a sustentabilidade,

enquanto preocupação com o futuro e com o legado a ser deixado para as próximas

gerações (Santana Talavera, 2003).

É precisamente sobre a "indiscutível" centralidade dos argumentos

patrimoniais (culturais e ecológicos) e sobre a emblemática omnipresença das

preocupações com a sustentabilidade ambiental que nos debruçaremos nesta etapa

da reflexão. Não apenas pela sua importância no discurso de reinvenção da

ruralidade e na sua própria (re)definição, mas também pela sua centralidade

conjuntural e histórica, que obviamente faz, deste processo discursivo e cultural,

uma manifestação das grandes lógicas, tendências e valores que caracterizam os

nosso tempo histórico.

Estas são aqui discutidas com remissão aos territórios, precisamente, porque,

ao nível dos discursos, a necessidade de preservação patrimonial resulta na

atribuição de uma missão conservacionista aos territórios rurais, cujo património

natural e cultural é elevado a bem comum. Este é assim "expropriado" ao mesmo

tempo que circunscrito a uma territorialidade estratégica, que facilita a sua leitura,

gestão, apropriação e sobretudo a sua comercialização.

Chegados a este ponto, deve ser dito que, no mesmo discurso, é

precisamente no potencial de rentabilização desses patrimónios que reside a

contrapartida para a sua preservação, no sentido em que natureza e cultura são

apresentadas como as grandes oportunidades de negócio e renascimento

económico dos territórios rurais. Nesta dinâmica, as cidades parecem

desresponsabilizadas da função de preservação destes patrimónios, que afinal

ganham importância precisamente pelo suposto fracasso urbano a este nível. Ao

mesmo tempo que assim se redefinem as relações rural-urbano, nesta nova

perspectiva da funcionalidade rural. Ainda nesta linha, as cidades passam a ocupar

a posição de consumidoras e beneficiárias do recém identificado potencial

estratégico rural, que tem, nesta lógica, o retorno da tarefa de preservação e

manutenção dos valores comuns.

O discurso de reinvenção da ruralidade pende, de facto, para um forte cariz

patrimonialista (tanto no sentido cultural como ecológico), tendo uma perspectiva

estratégica baseada no potencial patrimonial, estando baseado num conjunto de

representações da ruralidade que romantizam os elementos tradicionais e naturais e

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Capítulo IV

87

apresentando possibilidades de negócio que assentam principalmente na sua

rentabilização. Ora, não sendo linear nem de fácil abordagem, importa desconstruir

o discurso também por aquilo que parecem ser os argumentos indiscutíveis que o

legitimam, enquanto estratégia e projecto de ruralidade.

Esses argumentos, paradigmas ou valores patrimoniais, destacam os

patrimónios e a sustentabilidade ambiental como bens de importância transversal e

necessidade inalienável, sendo sobre si que se constrói o próprio discurso e que

assenta toda a lógica de reinvenção da ruralidade e quase a sua própria definição

renovada. De facto, deixando de ser definida pela sua funcionalidade agrícola, a

ruralidade passa a definir-se pela sua nova funcionalidade patrimonial

(conservacionista e consumível) e por aquilo que encerra e constitui.

Indo mais longe, sendo a sua principal função a preservação das suas

características patrimoniais e ecológicas, que afinal a definem enquanto objecto e

enquanto agente, pode dizer-se que a própria ruralidade passa a definir-se também

como patrimonial. A crescente promiscuidade entre os conceitos de território e de

património e o paralelo alargamento da definição do último, contribuem para que

mais do que histórico ou temporal o património seja territorial, no sentido em que se

associa aos lugares. Estes passam a constituir eles próprios os objectos

patrimoniais, enquanto elementos e paisagens simbólicas com funções

emblemáticas (Peixoto, 2002).

"No limite, a elasticidade da noção de património revela que estamos perante

um processo de patrimonialização de um território." (Peixoto, 2002, pág. 8).

Importa, portanto, reflectir em torno do poder do património enquanto valor

aglutinador de consensos e enquanto argumento de legitimação do discurso de

reinvenção da ruralidade. Importa discuti-lo na sua versatilidade e abrangência, em

toda a sua flexibilidade e remetendo para o rural, para a cultura, para a natureza,

antes de prosseguirmos para o segundo grande argumento - a Sustentabilidade.

1. O Património e os valores culturais - identidade, tradição, memória. (Preservar o Passado)

Vivemos num momento histórico em que a noção de património se alarga

permanentemente para abarcar um conjunto cada vez mais vasto de objectos.

Quase tudo é património e uma espécie de obsessão pelo passado parece

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

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concretizar-se numa progressiva colecção, classificação, conservação e promoção

de objectos, que pretendem ser representativos de uma vasta herança colectiva

(arquitectónica, natural, cultural, musical, urbana, rural, genética, ecológica, etc.)

(Guillaume, 2003).

Celebra-se o passado através de reciclagens e reinvenções de antigas

tradições, renegociando-se os significados dos velhos rituais e recriando-se os

particularismos culturais, no sentido de reconstruir o sentido de localidade

(Hobsbawm, 2002; Featherstone, 1997; Fortuna e Silva, 2001). Por esta via as

colagens de estilos e tradições, bem como de pastiche de símbolos e

representações, vão fazendo renascer o sentimento de pertença territorial e cultural,

num contexto em que a instabilidade axiológica e referencial vai fazendo crescer a

necessidade de segurança ontológica e de uma ancoragem originária (Featherstone,

1997).

Entre esta tendência para o revivalismo exclusivista e a abertura à

diversidade global, associados à intenção competitiva dos lugares, existe todo um

posicionamento estratégico e consciente, em relação ao contexto mundial e às

relações territoriais, orientado por políticas culturais, que promovem as

especificidades locais, os particularismos históricos e geográficos, etc.

Assim, o tema do património parece conseguir um consenso cada vez mais

alargado, ainda que muitas vezes bastante superficial. Expande-se o conjunto de

elementos que podem constituir património, acelera-se o processo de

patrimonialização e sobretudo emerge uma lógica de gestão patrimonial que ganha

terreno em relação a uma mera preocupação com a sua preservação (Peixoto,

2002). O património, não sendo algo espontâneo ou eterno, constitui-se como uma

construção social moderna, que funciona como uma espécie de religião laica,

sacralizando discursos e os objectos que neles são exaltados, segundo uma

sustentação científica e política (Prats, 2006).

"It is a secular version of the consolations of religion, addressed to the

adherents of contemporary 'habitus'." (Brett, 1996, pág. 158).

Um conjunto de relíquias patrimoniais contribui para a consolidação das

identidades, nacionais, regionais e locais, por relação a um conjunto de referências

padrão que estabelecem as imagens culturais percebidas, no que diz respeito a um

passado imaginado e à construção de uma memória colectiva, à natureza em estado

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Capítulo IV

89

puro ou intocada e à excepcionalidade ou genialidade como transgressão dos limites

humanos (Prats, 2006).

Existe portanto um estabelecimento dogmático (técnico, científico e político e

não mais religioso) das referências em relação às quais nos definimos enquanto

humanidade no nosso tempo histórico (e noutras escalas enquanto nação, cidade,

lugar, etc.). Estas são dominantemente patrimoniais e configuram as representações

que ditam o que é (ou deve ser) a cultura, a memória, a natureza... (Prats, 2006).

"At its best, heritage fabrication is both creative and an act of faith. By means

of it we tell ourselves who we are, where we came from, and to what we belong.

(Lowenthal, 1997, pág. xviii).

Os governos nacionais e locais alimentam a propaganda e a política do

património, numa postura proteccionista por relação aos objectos que eles próprios

definem como sendo dignos e representativos do passado construído e assumido

como dominante. Após a generalização de um sentimento colectivo de perda

patrimonial, a figura do Estado protector fortalece a ideia de recuperação e

preservação dos objectos destacados primeiro como vulneráveis e depois como

preciosos (Guillaume, 2003).

Esta dinâmica política não se concretiza apenas no plano discursivo ou

ideológico, sendo que as instituições públicas mobilizam grupos e agentes sociais e

desenvolvem um conjunto de dispositivos legais e normativos para fortalecer a

preservação patrimonial. Este reforço proteccionista do Estado fortalece o controlo

territorial, no sentido em que este acréscimo normativo e institucional acaba por criar

novas dinâmicas e novos dispositivos de segregação e organização espacial

(Guillaume, 2003).

Enquanto negócio, o património expande o seu espectro de possibilidades e

nele são depositadas vastas expectativas de criação de emprego, riqueza,

desenvolvimento e oportunidades. A chamada "indústria do património" é alimentada

pelo sector público e por grandes organizações internacionais como a UNESCO, por

exemplo, através de financiamento de projectos, criação de infra-estruturas,

mecanismos de promoção e classificação, etc. Este tipo de medidas é encarado e

apresentado como um investimento num sector em franco crescimento, sendo

divulgado como um passo estratégico para o desenvolvimento local (Brett, 1996).

Os seus recursos são inesgotáveis, na medida em que múltiplos passados

são resgatados e exaltados pela recriação, desde a pré-história à última década,

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

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proliferando memoriais e monumentos, restauros e classificações e mesmo os

objectos mais corriqueiros do quotidiano ascendem a elementos de valorização

(Lowenthal, 1997).

"To reiterate, heritage is that part of the past which we select in the present for

contemporary purposes, be they economic, cultural, political or social. (...) Clearly, it

is an economic resource, one exploited everywhere as a primary component of

strategies to promote tourism, economic development and rural and urban

regeneration. But heritage also helps define the meanings of culture and power and

is a political resource; and it thus possesses a crucial socio-political function."

(Graham et al., 2000, pág. 17).

O aparecimento da expressão "indústria do património" demonstra bem o

reforço da noção de que as apostas na conservação patrimonial são cada vez mais

encaradas como investimentos estratégicos. Isto porque, em todos os níveis de

governação e tanto no sector público como no privado, são esperados retornos e

mais-valias e abertas, progressivamente, novas oportunidades de negócio, no que

parece ser um campo inesgotável de recursos patrimoniais a explorar e rentabilizar

(Graham et al., 2000). Desta dinâmica de permanente aglutinação de novos

recursos e de grande abrangência de consideração, é exemplo a oficialização da

categoria de Património Imaterial (convencionada em 2003 pela UNESCO) e serve a

protecção dos elementos culturais intangíveis dignos de valorização.6

Para além da utilidade estratégica e económica do património enquanto

recurso, a sua crescente centralidade justifica-se por um conjunto de dinâmicas

históricas e sociais, que acabam por ser transversais ao mundo globalizado. As

transformações ao nível da família, cada vez mais nuclear e desenraizada, o

aumento das migrações, a atomização social, grandes destruições com causas

naturais e humanas, o desenvolvimento do capitalismo e da tecnologia, com a

proliferação exponencial dos bens de consumo cada vez mais descartáveis, ou a

chamada "sociedade do desperdício", o acentuar dos problemas ambientais e da

consciência colectiva destes, os efeitos da globalização ao nível da homogeneização

cultural, etc., têm contribuído para o fortalecimento desta tendência de valorização

patrimonial (Lowenthal, 1997).

6 Deve ser dito que uma importante parte da "indústria do património" se concretiza no âmbito das políticas locais, no sentido em que são as localidades que disseminam as práticas de preservação e promoção territorial e, na insinuação dos seus "pequenos tesouros", rasgam os limites e a abrangência do termo.

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Capítulo IV

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Esta valorização do passado, da herança, das tradições, vem assim colmatar

o vazio e a insegurança que estas dinâmicas e transformações vêm provocando,

constituindo um processo regenerativo de luto que facilita a restauração cultural da

confiança no futuro. A constância das referências patrimoniais serve de contraponto

à contingência e instabilidade material e cultural que caracteriza o nosso tempo

histórico.

"Jogando com uma certa sensibilidade ecológica, ele surge em todo o caso

como um contraponto razoável às ameaças e incertezas do futuro." (Guillaume,

2003, pág. 39).

Numa sociedade em que a efemeridade das coisas é permanentemente

relembrada pelo ritmo das mudanças, existe assim a necessidade de algo duradouro

e estável (Lowenthal, 1997). Esta reacção contra o desaparecimento ou contra a

"morte" das coisas é uma forma de regenerar a confiança no futuro (seja do mundo,

do nosso modelo de desenvolvimento, do nosso estilo de vida, do nosso bairro, da

nossa família, etc.), mas é igualmente um recurso para o futuro, se pensarmos na

sua dimensão estratégica (política e económica) (Peixoto, 2002).

"Para aqueles que já não possuem nem território nem identidade social

própria, a única possibilidade que continua aberta é a da reconstrução de "raízes",

de um espaço compensatório fictício no passado, uma pseudo-topia, numa tentativa

de aí recriarem artificialmente as diferenças que o presente já não tolera. O

passado, como a ecologia, torna-se um valor refúgio." (Guillaume, 2003, pág. 41).

Desta feita, o património funciona como um conversor de resíduos históricos

em "comprovativos" das nossas virtudes ancestrais enquanto povos, para que não

se acumulem despojos e ruínas que atestem a nossa efemeridade colectiva e a

fragilidade do nosso mundo (Lowenthal, 1997).

O passado através do património é apresentado como uma narrativa

simplificada e enaltecedora dos aspectos que permitem sustentar o presente e

projectar a possibilidade de um futuro desejado, naquilo que pode ser considerado

uma espécie de encenação e até uma configuração performativa do pretérito. Esta

tendência, sendo tão característica do nosso tempo histórico, justifica que

apelidemos o património de “invenção moderna” (Faria, 2006).

O património não é apenas um conjunto de relíquias do passado pois,

enquanto invenção cultural, funciona como representação de tudo o que nos

arriscamos a perder e, enquanto repositório de tudo o que nos define, daquilo que

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

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compõe a nossa identidade colectiva (Peixoto, 2006 b). Esta "magnificação do

defunto" permite que se proceda ao luto que facilita a assimilação colectiva da

mudança (Peixoto, 2006 b).

"O momento de concessão de um estatuto patrimonial corresponde ao

reconhecimento que algo desapareceu ou deixou de estar integrado nas práticas

quotidianas. A consagração patrimonial é um acto de luto. Mas é um acto de luto

exacerbado, magnificado, porque corresponde a um momento de depuração."

(Peixoto, 2006 b, pág. 73).

A perda ou morte de que é feita a história, o vazio ou amputação, são assim

reinventados e redefinidos, destilados em património, para compor uma imagem de

passado e consequentemente de presente (uma identidade), que melhor sirva os

propósitos culturais, políticos, económicos e territoriais que nos projectam para o

futuro. Os objectos excluídos do quotidiano são assim devolvidos com uma

roupagem e uma encenação que reforça o seu poder de indução identitária e que os

torna, pelo exagero, mais reais do que nunca.

A valorização do património constitui-se como um produto da modernização,

precisamente pela sua importância cultural, perante a necessidade de "segurança

trans-histórica" num tempo de profundas e rápidas transformações sociais (Brett,

1996). Do património pretende-se que confira esta ancoragem cultural e identitária,

pelo que deve ser permanentemente reforçado o seu carácter selectivo e purificado.

Ora, deste processo constante de selecção, depuração e reinvenção dos vestígios

do passado, que se quer o espelho da nossa cultura, resulta uma identidade cultural

genérica para auto-contemplação passiva (Choay, 1982).

Desta feita, o património parece ser processual e dinâmico, dada a sua

permanente construção e actualização, ao mesmo tempo que é defensivo e

cristalizado, no que diz respeito ao dogmatismo selectivo com que faz representar o

passado desejado ou dominante (Choay, 1982). Sobretudo, constitui-se como uma

figura narcísica que tem nessa solidez (temporal e ideológica) e sacralidade

(científica e política) o seu poder tranquilizador (Choay, 1982).

"The appeal of heritage is based more than anything else upon this freedom

from real, concrete time because to be held within heritage is, like the fly in amber, to

be preserved from real time and from what Eliade describes as 'the terror of history' -

the fear that human actions have no meaning, that wickedness is not punished, that

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Capítulo IV

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there is no redemption and that we stand continually at the point of maximum

responsibility and utter helplessness." (Brett, 1996, pág. 158).

Num período histórico em que o tempo e o espaço são redefinidos

permanentemente, nas práticas, nos imaginários e também ao nível identitário dos

sujeitos, o confronto dinâmico e transversal do velho e do novo constitui um traço

importante das reinvenções que neste campo se vão tecendo (Fortuna, 1999). Os

vestígios dum passado colectivo estimulam a definição das identidades no presente,

na medida em que, ao reconstituir o primeiro, segundo os cânones actuais, dota-se

de sentido o segundo, encontrando o rasto dos caminhos que o construíram

(Fortuna, 1999).

As interpretações subjectivas do passado, trazidas e digeridas para e num

presente em assimilação e redefinição, substituem a ausência da materialidade dos

quotidianos perdidos, mas acentuam a irrealidade do sentimento comum de uma

identidade, de um imaginário, de uma ancoragem originária, que fazem falta no

agora (Fortuna, 1999). Assim, os exemplares do património de uma história comum

assumem a condição de espaços ritualísticos, onde é mais fácil imaginar sentidos

para o passar do tempo e para o desenrolar dos acontecimentos e, portanto, mais

acessível suportar as transformações identitárias colectivamente, como se de um rito

de passagem partilhado se tratasse (Fortuna, 1999).

“Só um rito colectivo de passagem, que inclua o luto e a magnificação do

defunto, permite aos indivíduos suportar ou admitir a mudança, dando início à

regeneração.” (Peixoto, 2003, pág. 214).

A assimilação colectiva do presente e do futuro é facilitada, no sentido em que

a consciência patrimonial ajuda a responder às necessidades no porvir de uma

comunidade. A invenção cultural do património parece constituir um mecanismo

reactivo em relação ao desenraizamento e atomização social que caracterizam a

acelerada vivência contemporânea, já que faz renascer, na partilha de um passado

colectivo, um sentimento comunitário, modos de vida tradicionais, ofícios, sabores e

paisagens perdidas e nessa recuperação reforça a consciência retórica de uma

possível sustentabilidade cultural urbana, tendo um efeito “calmante” nas

preocupações relativas ao futuro deste modelo de cidade (Peixoto, 2003).

As estratégias e os objectivos políticos e económicos funcionam como os

condutores destas valorizações e destas buscas por uma autenticidade identitária

definida e estanque, artificialmente localista e pura. Desta feita, não são critérios

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

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objectivos, nem a sensatez científica e despojada de poder, que estabelecem os

limites da patrimonialização. Também por isso acaba por prevalecer a incessante

necessidade de conquistar e garantir (a tal) autenticidade e a tendência para a

inventariação infindável de bens a valorizar, numa voragem que sobrepõe, muitas

vezes, quantidade a qualidade (Bourdin, 1996).

Fazer da autenticidade uma bandeira é, de facto, entrar em contradição com o

inerente dinamismo social e territorial, na medida em que habitualmente esta atitude

faz-se acompanhar por uma cristalização purificante dos elementos patrimoniais,

que perdem assim a sua historicidade e se transformam, ao invés de se vitalizarem,

em testemunhas embalsamadas de uma origem artificialmente estabelecida

(Bourdin, 1996; Ferreira, 2004).

Quer se emblematizem os elementos patrimoniais, como relíquias em vitrinas

que se preservam cuidadosamente, quer se especializem demasiado os seus usos,

profissionalizando-os rigidamente num jogo de mise en scène, estaremos a restringir

os seus significados, a negar-lhes uma evolução “espontânea” e abrangente,

retirando-lhes a sua participação no processo imprevisível de “lugar” (Bourdin, 1996;

Ferreira, 2004).

Como referimos, a necessidade de ancorar a passagem do tempo através da

cristalização e conservação de objectos patrimoniais deriva do "pânico" social

provocado pela consciência da efemeridade e contingência da nossa existência

colectiva. As relíquias funcionam assim como "objectos de sutura" que vêm colmatar

as carências e fechar as feridas simbólicas e os vazios mnemónicos das sociedades

ocidentais. Estas, estando tão vulneráveis às ansiedades, que a aceleração do

tempo e da história parece ter tornado crónicas, acabam por definir-se nesta

carência e instabilidade, como traços da sua personalidade colectiva (Guillaume,

2003).

"A efemeridade do presente e o individualismo têm o seu contraponto na

conservação colectiva, que acentua compensatoriamente os valores da duração e

do passado." (Guillaume, 2003).

"Com efeito, esta necessidade imperiosa de uma imagem de si forte e

consistente pode ser interpretada como um refúgio das sociedades contemporâneas

face a transformações de que não dominam nem a profundidade, nem a aceleração

e que parecem pôr em causa a sua própria identidade. A adição de cada novo

fragmento de um passado distante, ou próximo e dificilmente moderado, concede a

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Capítulo IV

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esta figura narcísica mais solidez, precisão e autoridade. Num certo sentido, torna-a

mais tranquilizadora e mais capaz de conjurar a angústia e as incertezas presentes."

(Choay, 1982, pág. 253).

A nossa imagem de passado e, consequentemente, as representações que

tecemos em relação a nós enquanto colectividade, são construídas através das

camadas de valores patrimoniais que seleccionamos para colecção e cristalização.

Talvez não seja uma realidade reflexiva ou uma verdade histórica e científica, mas é

certamente a poderosa versão de uma identidade que adoptamos como emblema,

uma narrativa que funciona como "retrato de família" e que preservamos e

difundimos como a melhor e mais estável imagem de nós próprios (Hall, 2000; Prats,

2006).

A consagração dos elementos a cristalizar e a adoptar como próprios e

emblemáticos passa, não só por uma selecção, como também pelo reconhecimento,

que deve ser intergeracional e legitima a bagagem cultural vinculada ao sentimento

de grupo (Santana Talavera, 2003). Esta eleição sociocultural da história, que

processada, resultará em património e portanto em identidade, compõe-se de muitas

nuances e trabalha com a mitologia, com as ideologias, com os nacionalismos, o

patriotismo e os orgulhos locais, com o marketing, a arte e a literatura, etc. (Santana

Talavera, 2003).

"Se trata de discursos coherentes y bien fundados en las academias, que

explican las afinidades de los vivos presentes con los muertos de ayer. Se trata de

idearios que, sin concretar, indican las pautas posibles para mirar los bienes y la

naturaleza cultural." (Santana Talavera, 2003, pág. 9).

A utilização dos recursos da história e do passado na construção das

identidades, neste contexto de intenso e quase obsessivo retorno às raízes, resulta

mais naquilo em que nos tornamos e em que nos queremos tornar, do que

simplesmente na assunção daquilo que fomos ou somos neste momento, ou seja,

nesta dinâmica de negociação das rotas mais do que das raízes, ainda que estas

constituam o ponto de partida (Hall, 2000).

É importante ter em mente que as identidades são construídas dentro e pelos

discursos, discursos esses que remetem sempre para um conjunto de circunstâncias

definidas e para um poder dominante (Hall, 2000). O mesmo poder que define a

história e portanto o património de onde se reconhece e consagra a matéria-prima

dessas mesmas identidades. É esse o discurso que interessa discutir, mais

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precisamente no que diz respeito ao seu papel na construção da ruralidade que, a

partir do que é o património rural (por ele seleccionado, valorizado, consagrado e

promovido) parece estar em processo de reinvenção.

De facto, esta aparente histeria patrimonial encontra nos meios rurais uma

ampla e nutritiva possibilidade de alargamento do seu espectro de colecção e

valorização. O património e os argumentos patrimoniais, sendo destacados,

enquanto recurso dos territórios rurais, pela necessidade de resolução de problemas

funcionais e económicos, saem reforçados pelos discursos em torno do

desenvolvimento rural, como aliás já foi referido anteriormente (Peixoto, 2002).

"Évoquer ensemble campagne et patrimoine revient presque à comettre un

pléonasme (...)"(Ratenberg et al., 2000, pág. 1).

A elasticidade da noção de património permite que várias dimensões e

múltiplos aspectos da ruralidade sejam incluídos no rol de bens a preservar e

promover, tanto no que diz respeito à cultura e às tradições como no que se refere à

natureza e à paisagem. Tudo parece ser património rural, desde os produtos

agrícolas e gastronómicos, como os saberes, as construções, os ecossistemas, os

costumes, o folclore, as danças e os cantares, as celebrações, os trajes, os

instrumentos agrícolas tradicionais, etc. Assim, ao património construído junta-se

tudo o que sobreviveu à passagem do tempo e que compõe o património imaterial, a

memória colectiva, as manifestações culturais e a vida quotidiana (Alves, 2004).

O rural é desta feita um poderoso campo patrimonial, no sentido em que, ao

acumular potencial cultural/histórico e natural/ecológico, concretiza na plenitude a

polivalência e a elasticidade que a noção de património tem ganho neste processo

de crescente valorização (Peixoto, 2002). De facto, se pensarmos que "Rural",

"natureza" e "ecologia" têm vindo a transformar-se em palavras de culto (Uzzell,

1989), ao mesmo tempo que os apelos à valorização patrimonial têm crescido,

facilmente constatamos que estamos perante uma conjuntura cultural em que a

ruralidade ganha em valorização, precisamente por combinar ambos os recursos.

Em paralelo, deve ser dito que esta valorização se deve igualmente à ideia de

que a ruralidade está em risco ou que muitos dos seus elementos já se perderam ou

caíram em desuso, mas que ainda podem ser salvos do esquecimento (Lowenthal,

1997). Assim, para além de concretizar a elasticidade da noção de património, o

rural acumula uma segunda condição importante para auferir o estatuto patrimonial,

a sua fragilidade ou um desaparecimento iminente. Verifica-se, portanto, que a

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Capítulo IV

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elevação da ruralidade a vasto campo patrimonial, coincide com o anúncio da sua

"morte" (Peixoto, 2002).

Ora, desta constatação de eventual desaparecimento e do correspondente

luto nascem novas possibilidades de renascimento para a ruralidade ou assim

anunciam os discursos políticos e técnicos que incitam à conversão desta "glória"

patrimonial em recurso para o futuro. Se pensarmos que em poucas décadas os

símbolos da vida rural passaram de sinais de atraso a conteúdo de cartões postais,

ou que as refeições camponesas figuram hoje nos menus dos melhores restaurantes

urbanos, constatamos que este processo de reinvenção dos significados associados

à vida rural acompanha, de facto, o ritmo veloz dos processos de patrimonialização.

"Qualquer artefacto patrimonial necessita, para substituir e perdurar, de ser

alvo de uma reinvenção ou de uma reactivação por indivíduos que o introduzem no

seu quotidiano. Por isso, numa época de grande transformação, a descoberta do

património pelos meios rurais traduz-se na constatação que é necessário repensar

certos espaços e objectos em função de novos usos, atribuindo-lhes outras

finalidades e integrá-los, mesmo que tenham sido marginalizados durante muito

tempo, nas dinâmicas do novo desenvolvimento local." (Peixoto, 2002, págs. 13 e

14).

Esta patrimonialização serve assim de reacção à ideia disseminada que o

rural está em crise (uma crise genérica e desespacializada), ao mesmo tempo que

cria uma imagem renovada e um conjunto de "novos" recursos e possibilidades de

negócio para, em alguns territórios, fazer efectivamente frente aos problemas

funcionais e económicos. Por outro lado, constitui também uma reacção à

atomização social e a algumas inquietações da vida moderna, no sentido em que

corresponde à valorização de uma alteridade à vida urbana e de tudo o que pode

servir de contraponto e compensação para os problemas ambientais, para o

sentimento de desenraizamento e para outras inquietações culturais que

caracterizam o nosso tempo histórico (Peixoto, 2002).

A patrimonialização do rural pode promover a efectiva descoberta e a

recuperação de legados materiais e culturais, mas suscita igualmente a invenção de

supostas tradições ou a encenação de quadros bucólicos que nunca existiram,

forçando muitas vezes os territórios rurais a corresponder a um conjunto de

expectativas e exigências, precipitadas pela voragem patrimonial na sua vertente

mais economicista e tecnocrática. Deve ser dito igualmente, que o aproveitamento

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do potencial patrimonial oscila entre alguns projectos concretos de recuperação e

capitalização dos recursos patrimoniais em espaço rural, que servem efectivamente

o desenvolvimento local, e uma retórica inconsequente de exaltação folclórica

(Peixoto, 2002).

A "descoberta" do património rural reveste-se de uma dupla importância para

os territórios. Por um lado, encontramos a renovação dos significados associados à

ruralidade, naquilo que se constitui como uma valorização cultural e simbólica do

património rural e por sua via, dos territórios em si. E, por outro, podemos apontar a

sua utilidade económica e política, quando pensamos no património como recurso

estratégico para a reinvenção funcional dos meios rurais. Desta feita, parece claro

que existe uma consciencialização social crescente da importância memorial e

simbólica, mas também económica e política do património rural (Alves, 2004).

De facto, existe um amplo consenso social em torno da importância e do

potencial do património rural, alimentado pelas instituições públicas, através da

disponibilização de meios para incentivar o seu estudo, preservação, promoção e

divulgação. Inúmeros movimentos cívicos apelam à sua preservação, os media dão

centralidade e recorrência ao tema, nos meios científicos e académicos é objecto de

um vasto interesse e literatura, configurando-se portanto um discurso disseminado e

coeso em torno do património rural (Alves, 2004), que pretendemos aqui

desconstruir.

2. A Sustentabilidade e os valores ambientais - natureza e ecologia. (Garantir o Futuro)

As preocupações com a natureza e o meio ambiente crescem

progressivamente à medida que crescem também as ameaças à vida no planeta.

Nas últimas décadas os temas ambientais foram ganhando espaço nos discursos

sociais, nos quotidianos, nas agendas políticas, nos programas escolares, nos

media etc., ao mesmo tempo que o jargão que lhes está associado se torna familiar

e disseminado (Adam, 1998). O termo "sustentabilidade" é um bom exemplo por ter

vindo a ganhar uma recorrência e uma centralidade que o destacam como conceito,

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mas sobretudo como valor ou argumento, mesmo se muitas vezes a sua

omnipresença nos discursos sirva a sua banalização.7

"Efectivamente, se hoje "tudo é ambiente", o risco é que amanhã "nada seja

ambiente"! Com a noção de sustentabilidade passa-se algo de semelhante: hoje, a

maior parte dos comportamentos sociais e das práticas políticas devem ser

"sustentáveis" - o que, só por si, não deixa de ser uma afirmação banal, se não

mesmo redundante." (Ferreira, 2004, pág. 96).

Existem múltiplas definições de sustentabilidade, mas para simplificar e

porque não se pretende esmiuçar todas as suas nuances etimológicas, diríamos que

tem como ideia fundamental a continuidade intergeracional da saúde dos

ecossistemas (porque falamos de sustentabilidade ambiental). Por outras palavras, a

garantia do futuro da biosfera ou a responsabilidade da sua manutenção em

condições óptimas para as próximas gerações (Heywood, 1992).

Os valores relacionados com a noção de sustentabilidade têm portanto uma

grande correspondência com a lógica de defesa do património, no sentido em que

estão relacionados com o esforço de garantir a continuidade de uma herança, de

preservar um legado que está em risco e cuja centralidade se deve, precisamente, à

consciência da possibilidade de sua perda iminente. Ou seja, tal como no caso do

património, na proximidade da perda sacraliza-se o objecto a preservar e acentua-se

nos discursos a recorrência das preocupações com a sustentabilidade ambiental.

Este conceito que aparece na segunda metade do século XX nos círculos

internacionais de discussão dos problemas ambientais, começa por ganhar

recorrência em relatórios, recomendações e planos das instituições públicas, mas

depressa passa para outros registos e suportes discursivos, à medida em que

cresce também em abrangência.

De facto, tal como no caso do património, crescem os apelos à

sustentabilidade de um conjunto muito vasto de coisas e a sua polivalência e largura

7 O termo "sustentabilidade" deriva da noção de "desenvolvimento sustentável", que surge pela primeira vez em 1987 no Relatório Bruntland, preparado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Foi sendo instituído e reforçado nos anos seguintes, através de iniciativas como a chamada “Agenda 21” (oficializada em 1992 na Conferência Eco-92 da ONU – Organização das Nações Unidas) e consequentes revisões, de onde se assinala a criação dos chamados Objectivos para o Milénio (2000). Outro instrumento importante para a reafirmação e a institucionalização da noção de “sustentabilidade ambiental” é a Campanha Europeia das Cidades e Vilas Sustentáveis (CECVS), lançada numa Conferência Europeia realizada em 1994, da qual resultou na chamada “Carta de Aalborg”. Estas iniciativas visaram incentivar a reflexão em torno da sustentabilidade do ambiente urbano, o intercâmbio de experiências entre países, a difusão das melhores práticas ao nível local e o desenvolvimento de recomendações para influenciar positivamente as políticas ao nível Mundial, Europeu e local.

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conceptual são incrementadas. De sustentabilidade ambiental e desenvolvimento

sustentável, passamos para sustentabilidade económica, social, cultural, etc.,

naquilo que se concretiza como um valor a aplicar em todas os aspectos da vida

humana em que é desejável uma continuidade.

No entanto, no âmbito desta reflexão, centrar-nos-emos naquilo que diz

respeito à sustentabilidade ambiental, não só porque remete para a génese

ideológica e histórica do termo, mas sobretudo porque é precisamente no quadro

das preocupações ambientais que a sua recorrência marca os discursos de

valorização da ruralidade.

De facto, existe uma estreita conotação da ideia de sustentabilidade com a

vida rural e seus elementos, por oposição à cidade, tantas vezes definida como

insustentável nos discursos e portanto nas representações, mas também pela

associação de perenidade aos estilos de vida campestres. O valor da continuidade,

patente na aparente secularidade dos hábitos e dos espaços rurais, é assim

contraposto com a volatilidade urbana, aparentemente incompatível com a

manutenção da vida natural.

No reforço desta ideia, deve ser dito igualmente que nos discursos sociais,

ecologistas inclusive, as comunidades rurais tidas como tradicionais e os estilos de

vida que lhes estão associados, nomeadamente no que diz respeito às relações

entre Homem e Natureza, são frequentemente apresentados como inofensivos para

o ambiente e até exemplos de boas práticas (Szerszynski, 1996). Ora isso não

acontece com a agricultura industrializada, que para além de não estar conotada nas

representações, nem com a ruralidade tradicional, nem com esta ruralidade “em

crise” centralizada nos discursos de reinvenção, acumula grande criticismo em torno

das suas consequências ambientais.

"In contemporary environmentalism, it manifests in the conviction that

vernacular communities, living through traditional forms of knowledge, are by their

nature ecologically benign." (Szerszynski, 1996, pág. 120).

Nos nossos dias, a valorização da natureza e as preocupações ambientais

deixaram de estar circunscritas à sensibilidade artística ou a facções políticas

radicais, respectivamente e como acontecia no passado. De facto, assistimos à

disseminação dos discursos ecologistas e das manifestações de romantismo

bucólico, naquilo que parece ser uma maior consciencialização para os problemas

ambientais, mas ao mesmo tempo uma suavização ideológica do debate e da

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ecologia (dominante), que resulta da adopção da causa por parte do mainstream

(Szerszynski, 1996).

Voltando às preocupações patrimoniais, podemos dizer que se agora tudo é

património, também somos todos ecologistas, o que inevitavelmente transforma a

natureza dos discursos ambientalistas (Szerszynski, 1996). Se a valorização

patrimonial e rural, em particular, é reforçada pela necessidade cultural de pertença

identitária e de segurança ontológica, remetendo para a construção de uma

ruralidade refúgio, ao estilo reserva ambiental e cultural, ao que parece, hoje a

natureza é também discursivamente apresentada, não só como mãe, nascente, raiz

ou génese, mas precisamente também, como refúgio, santuário e enclave a

preservar.

Tal como o passado ou o mundo rural - "Nature is the home you can go back

to." (Smith, 1996, pág. 43).

Ainda na mesma linha de raciocínio, tal como a valorização patrimonial,

também as preocupações ambientais e as consequentes práticas de preservação da

natureza (selecção de prioridades, hábitos de consumo "verde", capacidade de

interpretação e reprodução dos discursos e argumentos ecologistas, entre outros

exemplos) acabam por ser profundamente elitistas, ainda que em vias de

democratização e massificação (Smith, 1996).

No entanto, deve ser acrescentado que apesar de tantas correspondências

entre a centralidade das questões patrimoniais e ambientais, a sustentabilidade e a

natureza constituem valores de poder acrescentado, enquanto argumento, mas

sobretudo enquanto necessidade, precisamente por serem biologicamente vitais. A

ideia de que a vida do planeta e, consequentemente, da humanidade depende da

preservação da natureza vai-se disseminando e com ela saem logicamente

reforçados os discursos ambientalistas e a inquestionável importância de garantia da

sustentabilidade.

A romantização da natureza e a ecologia como corrente ideológica constituem

reacções à industrialização e à urbanização. Por um lado, com o Romantismo do

século XIX, que dissemina imagens purificadas da vida rural e sacraliza a natureza

no contexto da revolução industrial e de um crescimento urbano sem precedentes,

sai reforçada a tendência cultural para alimentar o ideal rural e um certo misticismo

naturalista transversal às culturas ocidentais (Heywood, 1992; Bunce, 1994).

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Por outro, a partir da segunda metade do século XX, intensificam-se os

discursos ecologistas num período de grande aceleração do capitalismo, ao nível da

produção e do consumo e perante as consequentes dúvidas em relação à

sustentabilidade deste modelo de desenvolvimento económico, dos estilos de vida,

das cidades, dos recursos, etc. (Heywood, 1992). Assim, ao que parece, é em

alturas de maior ansiedade por relação às transformações sociais e económicas, de

maior incremento das ameaças à sustentabilidade dos recursos e da saúde do

planeta e de maior distanciamento para com o "estilo de vida rural", tal como está

estabelecido culturalmente nos nossos imaginários colectivos, que se acentuam os

discursos de preservação e louvor à natureza.

De facto, nos discursos dominantes, natureza e ruralidade confundem-se,

sendo nos imaginários urbanos que começa esta promiscuidade. Neles a natureza é

uma paisagem pastoral que existe "por aí" e que está sempre acessível para

promover a fruição, o relaxamento, o consumo ascético e a nossa redenção

colectiva (Adam, 1998).

No entanto, se a natureza e a ruralidade recolhem um conjunto de conotações

positivas, o ambiente, pelo contrário está associado à poluição e às preocupações

ecologistas, ainda dentro das representações moldadas pelos discursos dominantes

(Adam, 1998). Desta feita, a natureza corresponde nos imaginários colectivos a uma

entidade ou mundo alheio e exterior à produção humana, à técnica, aos artefactos e

à cultura, ao mesmo tempo que o ambiente, por seu turno, (enquanto meio natural

em que nos encontramos e, portanto, que não nos é estranho ou apartado) está

esvaziado de qualquer conotação idílica e é fortemente associado à intervenção

nefasta da humanidade (Adam, 1998).

A ideia de natureza intocada e pura, por pertencer a um tempo ido, condensa

a ideia de primitivismo e transmite nostalgia. Passamos a considerar o mundo

primitivo e selvagem como o mundo máximo, o verdadeiro mundo, depois de

abandonado o antropocentrismo e a sua visão utilitária da natureza, característico da

modernidade (Oelschlaeger, 1991). Ou seja, depois de rejeitarmos colectivamente a

ideia de que a dominação da natureza pelo Homem é natural, no verdadeiro sentido

do termo, depois de termos construído uma consciência colectiva que não só

externaliza como universaliza a natureza e depois de louvarmos o nosso

saudosismo culpado perante a sua destruição (Oelschlaeger, 1991).

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Capítulo IV

103

Este eco-centrismo contemporâneo rodeia a natureza de misticismo, na

medida em que reitera a indiscutibilidade da sua beleza e perfeição ascéticas e

reforça a sua independência por relação aos homens e as mulheres (Oelschlaeger,

1991).

"Nature is an established, trenchant and powerful weapon in 'western'

discourse; its power trades precisely on the slippage from externality to the

universality of nature. The authority of 'nature' as a source of social givenness and

unalterability of natural events and processes that are not susceptible to social

manipulation." (Smith, 1996, pág. 41).

A consciência dos problemas ambientais e a disseminação das preocupações

com a preservação da natureza contribui para a construção de uma "cidadania

ambiental global" e para um sentido de comunidade global unificada pela

abrangência das ameaças. Perante um risco global ergue-se, portanto, um

sentimento global de pertença, de responsabilidade e de missão que tem sido

aproveitado e capitalizado pela, também global, economia de mercado e pelas

grandes corporações (Smith, 1996).

Neste domínio, deve ser dito que tal como a valorização patrimonial, também

esta atenção reforçada para com as questões ambientais parece abrir um vasto rol

de novas perspectivas de negócio, ao invés de podar o crescimento económico e o

capitalismo de mercado tal como o conhecemos.

"Likewise, as the enthusiastic bureaucratic appropriation of 'sustainable

development' makes clear, environmental policy actually provides a new, clean, and

socially acceptable cover for imperialism at a global scale - that is, business as

usual." (Smith, 1996, pág. 41).

Paradoxalmente, a valorização da natureza é argumento para estimular o

consumo de um vasto conjunto de produtos, não parecendo existir uma retracção no

consumo ou um sério apelo à sua contenção que se compare à intensidade do

marketing dos produtos "verdes". Esta lógica de promoção reforça a ideia de que é

um dever ecológico comprar certo tipo de produtos, já que protegem o ambiente,

acentuando a sua rentabilidade através do poder comercial, simbólico e

argumentativo de tudo o que está associado com a ecologia (Urry, 1998).

Nesta linha, para além do negócio dos produtos "verdes", da rentabilidade das

novas fontes de energia renovável, do mercado internacional de compra e venda de

quotas de emissão de CO2, entre outros exemplos, temos na capitalização dos

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

104

patrimónios naturais para promoção turística e dentro das disputas competitivas

territoriais, uma forte manifestação da lógica de rentabilização das preocupações

sociais para com a natureza e o ambiente. É patente a aposta nos patrimónios

naturais (enquanto recurso para o desenvolvimento económico e territorial), numa

clara tendência para a chamada "ecologia de restauro", traduzida num investimento

na renaturalização das paisagens, na reabilitação e promoção dos patrimónios

naturais e rurais, em busca de uma rentabilização do seu valor simbólico

acrescentado (Smith, 1996).

É importante olhar para as preocupações ecológicas como um discurso, no

sentido em que os problemas ambientais são tidos como indiscutíveis e é na sua

interpretação que se focam as atenções (Hajer, 1995). Como dissemos, a ecologia

deixa de pertencer às margens e perde o radicalismo ideológico, à medida que se

torna inclusiva, pela construção da tal comunidade de risco global, disseminando-se

como discurso nestes valores, interesses e responsabilidades comuns. A unificação

do problema, do património planetário, da missão de salvamento, da culpa e das

responsabilidades, reitera a axiologia e o imaginário que legitimam o discurso, ao

mesmo tempo que o dota de poder, precisamente por via da força sustentadora da

cultura. Resumindo, perde-se em radicalismo ideológico mas acentua-se a

radicalização patrimonial (da natureza, da cultura, da ruralidade, etc.)

"Hence, sustainable development should also be analysed as a story-line that

has made it possible to create the first global discourse-coalition in environmental

politics. (Hajer, 1995, pág. 14).

Existem certamente conflitos na interpretação do discurso, que não deixa de

ser fragmentado, contraditório e volátil consoante os interesses, a conjuntura, as

conveniências, as lutas de poder, as práticas, as agências, etc. De qualquer forma, é

o discurso dominante, baseado nas representações colectivas em torno da natureza

e das ameaças e problemas ambientais, que molda e legitima as políticas

ambientais, segundo um conjunto de valores e argumentos ancorados culturalmente

(Hajer, 1995). Qualquer estratégia discursiva deve ser, portanto, vista em

perspectiva, dentro do contexto social em que se enquadra. Pelo facto de ser o

discurso dominante que hierarquiza os problemas ambientais, as prioridades ao

nível da acção e as agendas políticas, atribuindo significado aos fenómenos,

identificando culpados, etc., esta é certamente uma questão de poder (Hajer, 1995).

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Capítulo IV

105

Uma determinada calamidade natural só existe para as consciências

colectivas se for devidamente constituída como tal política e discursivamente, se for

criado em seu redor um significado, se for disseminada e promovida

mediaticamente, por parte de agências com poder de influência e segundo uma

estratégia insistente de enumeração, descrição, inventariação das suas

características, preferencialmente através do jargão científico. Por outras palavras, é

o discurso que faz com que determinados fenómenos sejam considerados

calamidades e é o discurso que as torna reais nas consciências colectivas (Hajer,

1996). Esse é o poder do discurso. O discurso é poder.

"Environmental discourse is essentially political, shaped by vested interests

struggling to control the future and shrouded, therefore, in a great deal of 'expressive

propaganda'." (Milton, 1996, pág. 226).

A ciência aufere neste âmbito uma centralidade sem precedentes ao nível dos

processos de decisão política, principalmente porque é através dela que se

identificam os problemas, se comprova a sua gravidade e se encontram estratégias

de solução. A ciência legitima o discurso para o qual contribui, enquanto saber e

agência de poder dominante (Hajer, 1996). Nas questões ambientais, a ciência têm

de facto um poder de influência reforçado ao nível do discurso, atingindo um nível de

autoridade muito elevado, no que toca à definição das estratégias de conservação

dos patrimónios naturais (Ashworth & Howard, 1999).

"Natural heritage experts are very loath to surrender their scientific status. Of

course they are very aware that the difficult decisions of what to conserve and when

and where are political and social decisions, but they have used their scientific

authority very successfully in the past." (Ashworth & Howard, 1999, pág. 28).

Importa dizer, sobretudo, que a disseminação das preocupações ecológicas,

em paralelo com o reforço do ideal rural, tem contribuído para a legitimação do

discurso de valorização da ruralidade. Não apenas no plano da valorização do

chamado património natural rural, mas principalmente por via da atribuição de uma

função central aos territórios rurais, a conservação da natureza. Aparentemente,

espera-se que a agricultura seja progressivamente substituída por actividades de

preservação da natureza, mais precisamente a manutenção e protecção das

florestas, a renaturalização progressiva das paisagens, a conservação da fauna

autóctone, etc.

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

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Assim, para além da preservação das tradições, das identidades, da memória

colectiva e dos valores familiares, os territórios rurais têm como missão a protecção

da natureza e a garantia da sustentabilidade ambiental. O mundo rural vem sendo

centralizado pelos argumentos patrimonialistas e ecologistas, que tendem a valorizar

o seu potencial conservacionista. O poder que estes argumentos e valores atingem

culturalmente nos nossos dias e a sua disseminação nos discursos dominantes

reforça o poder da ruralidade enquanto paisagem simbólica e legitima o optimismo

que cresce em torno das suas possibilidades de reinvenção funcional.

O valor simbólico e o potencial funcional da ruralidade, legitimados pelos

valores patrimonialistas e ecologistas, fazem parecer viável a transformação dos

territórios rurais, mas sobretudo tornam-na essencial às nossas consciências. Por

outras palavras, os argumentos patrimonialistas e ecologistas transformam o mundo

rural no passado que não podemos deixar para trás e, ao mesmo tempo, na nossa

garantia de um futuro e de uma continuidade. Em suma, reiteram a estratégia da

reinvenção dos espaços rurais, reforçam a sua matéria-prima cultural e os

argumentos de sua promoção e consumo, ajudando, no processo, a definir a sua

funcionalidade reinventada.

3. Ponto de Situação (Eixos → Valores → Missões)

Valores

Eixos

Património

Sustentabilidade Ambiental

Estratégia (acções legitimadas pelos valores)

Estímulo à substituição da agricultura por actividades ligadas aos recursos patrimoniais locais. Conservação e promoção do património rural. Reanimação das tradições locais. Aposta nas artes e nos ofícios. Investimento no Turismo Rural.

Conservação da natureza. "Renaturalização" das paisagens. Aposta em actividades ecológicas e de preservação da natureza. Promoção da sustentabilidade na agricultura (agricultura biológica) e no turismo (ecoturismo).

Matéria-prima (representações positivas legitimadas e reforçadas pelo poder dos valores)

Exaltação do passado. Pertença vs. Instabilidade. Rural conotado com tradições, valores familiares, coesão social, estabilidade, etc.

Sacralização da natureza. Biológico vs. Tecnológico. Rural conotado com saúde ambiental, paz, pureza, equilíbrio nas relações entre o Homem e a natureza, etc.

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Capítulo IV

107

Produtos (centralidade de valores e argumentos na promoção de produtos e territórios)

Autenticidade, tradição, retorno às raízes, cultura, identidade, continuidade, passado... (gastronomia, artes e ofícios, arquitectura rural, trajes e musica tradicional, etc.)

Qualidade de vida, relaxamento, saúde, fauna e flora selvagens ou autóctones, ecologia, futuro... (paisagens naturais, fauna e flora, agricultura, etc.)

Missões (funções discursivamente atribuídas à ru\alidade reinventada)

Preservar o Passado

Garantir o Futuro

Para facilitar o entendimento de como se cruzam, na prática, os eixos do

discurso e os valores de suporte que assinalámos, apresentamos o quadro síntese,

que concretiza essa relação com alguns exemplos. Deve ser dito que o quadro não

pretende ser exaustivo, mas antes ilustrativo de como os alicerces axiológicos do

discurso legitimam e reforçam o mesmo, nos seus diferentes registos. Pretende-se

que seja sintético e claro, porque a sua função é precisamente permitir que neste

ponto da reflexão se consolide a relação dos pontos essenciais expostos

anteriormente.

Assim, cruzamos a estratégia, ou o discurso técnico e político pelo

desenvolvimento rural, com os valores patrimonialistas e ecologistas, para ilustrar de

que forma as acções, levadas a cabo no âmbito dos projectos de intervenção que

dele brotam, são legitimadas por estas tendências de valorização. Neste âmbito,

percebemos que os apelos à diversificação funcional das economias rurais, com

aposta em actividades de rentabilização dos recursos patrimoniais (naturais e

culturais) endógenos, saem fortemente reforçados, por esta aparente unanimidade

cultural que rodeia a valorização desse potencial.

Integrados nesta tendência cultural, os discursos e estratégias que pretendem

estimular o desenvolvimento local incentivam, de facto, a que os espaços rurais

assumam funções de conservação e promoção dos patrimónios identitários e

ecológicos e que não só cumpram com a preservação das tradições e dos vestígios

do passado (construído e imaginado como colectivo), mas também com o garante

da sustentabilidade ambiental das nossas sociedades. Neste sentido, a estratégia

não só é legitimada e reforçada por esta lógica de valorização cultural do património

e da sustentabilidade ambiental como valores e, neste caso, como argumentos,

como não faria sentido sem esta remissão.

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

108

Quanto ao cruzamento do segundo eixo com ambos os valores, é nítido que a

bateria de representações idílicas em torno do rural brota da mesma matriz cultural,

que enaltece o passado purificado e sacraliza a natureza. As representações

positivas em torno da ruralidade saem reforçadas pela valorização patrimonial no

que diz respeito à perspectiva de que o rural é uma espécie de enclave tradicional

em que ainda se mantêm os valores, laços e elementos que, supostamente, se

foram perdendo com o tempo e com o avançar da civilização.

Por outro lado, reforça-se ainda mais com esta tendência cultural para a

defesa do meio ambiente, já que na génese, o ideal rural e a sacralização da

natureza se confundem e saem reforçados (simultaneamente) nos mesmos períodos

históricos (no Renascimento, durante o Romantismo e na actualidade). Resumindo,

podemos dizer que o ideal rural (a matéria-prima do discurso) condensa e atribui um

conjunto de características à ruralidade, que correspondem precisamente àquelas

que são mais valorizadas e centralizadas por estas tendências culturais de

valorização do património e do ambiente.

Para enunciar algumas delas, podemos apontar a manutenção das tradições,

dos localismos, da herança identitária, da memória colectiva, dos saberes e ofícios,

da arquitectura secular, do vernáculo, das paisagens, da fauna e da flora

autóctones, de um estilo de vida sustentável, da relação harmoniosa entre o Homem

e a natureza, etc. O ideal rural está associado aos valores patrimonialistas e aos

valores ecologistas precisamente por sair reforçado enquanto resposta às

inquietações transversais da civilização.

A instabilidade de um tempo em aceleração e as inquietações de um mundo

globalizado levam à necessidade de uma ancoragem cultural reforçada e à

construção sôfrega de pertenças em torno das quais gerar um sentimento. A

insustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento e a disseminação da

consciência de que o planeta está em risco, acrescentam valor ascético à natureza e

ao que lhe é amigável. A estabilidade rural é exaltada por comparação à

instabilidade que supostamente a vida urbana representa, ao mesmo tempo que o

biológico é glorificado por relação a um mundo tecnológico (em demonização).

Em suma, a matéria-prima do discurso, dizendo respeito à sua dimensão

cultural, acaba por constituir uma condensação destas lógicas de valorização, para o

que ao rural diz respeito. O poder dos valores legitima os elementos que no rural se

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Capítulo IV

109

concentram e que ao nível do mito, do imaginário e do projecto, parecem

corresponder exactamente ao que é socialmente enaltecido.

Por último, cruzando a dimensão comercial do discurso com os valores que

destacámos, percebemos facilmente que estes funcionam como a estrutura

axiológica, simbólica e representativa em que assenta toda a lógica promocional do

rural enquanto produto. Os produtos rurais e a própria ruralidade são promovidos

pelo seu potencial patrimonial, ou pelo menos tradicional, através de fortes apelos

ao saudosismo urbano, e também pela sua dimensão natural.

Ora, estas características não seriam alvo de destaque promocional, nem

objectos de interesse comercial, caso não fossem valorizadas culturalmente.

Perante estas tendências de valorização patrimonial e ambiental é lógico que se

exaltem este tipo de virtualidades da vida rural, sendo o seu poder simbólico

indissociável deste contexto cultural.

Sintetizando, a valorização patrimonial e ambiental legitima a orientação

estratégica para o desenvolvimento das áreas rurais, integrada no discurso de

reinvenção da ruralidade, reforça o ideal rural e com isso oferece os argumentos

para a promoção da ruralidade e dos seus produtos. Neste processo, precipitam-se

as funções conservacionistas da ruralidade reinventada, enquanto reserva para a

memória colectiva (tradições e identidades) e enquanto santuário ambiental, onde a

harmonia das relações entre Homem e natureza é preservada e reproduzida, como

uma sabedoria transmitida de geração em geração.

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Preservar o passado e garantir o futuro – os argumentos e valores que sustentam o discurso e precipitam as missões do mundo rural

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V. A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia,

representações e interesses Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas, Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta, Saber que existe o mar e as praias nuas, Montanhas sem nome e planícies mais vastas Que o mais vasto desejo, E eu estou e ti fechada e apenas vejo Os muros e as paredes, e não vejo Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas. Saber que tomas em ti a minha vida E que arrastas pela sombra das paredes A minha alma que fora prometida Às ondas brancas e às florestas verdes. 1944, Sophia de Mello Breyner Andresen.8

Não podemos discutir o discurso de reinvenção da ruralidade, suas

dimensões e suporte axiológico e cultural, sem pensar na sua origem e nas

expectativas e interesses que o alimentam. Tendo já tocado esta temática ao longo

deste percurso reflexivo, importa aprofundá-la, reforçando por um lado o carácter

urbano do discurso e debatendo, por outro, as relações territoriais, dentro desta

lógica de reinvenção da funcionalidade das áreas rurais.

Por outras palavras, pretendemos justificar e explicar a afirmação da

urbanidade deste projecto de ruralidade, enquanto o integramos nas lógicas que

regem as relações territoriais, neste contexto. Olhar para o discurso de reinvenção

da ruralidade como um fenómeno urbano, parece-nos ser a melhor forma de explicar

a sua centralidade e contextualizar os contornos do projecto veiculado. Parece-nos a

melhor forma de o situar e integrar numa matriz cultural e ideológica e de o

relacionar com as grandes lógicas conjunturais que dominam os territórios e a vida

quotidiana na actualidade.

“(…) jamais o ponto de vista do habitante rural esteve tão longe das decisões

sobre o destino dos seus espaços de vida.” (Figueiredo, 2003 b, pág. 165). “Existe

8 Poema “Cidade”, retirado de Andresen, Sophia de Mello Breyner (1995), Obra Poética I, Porto, Caminho.

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

112

um outro olhar sobre a natureza, o ambiente e a vida rural que se tem,

inclusivamente, revelado mais importante que o das populações rurais: o olhar dos

urbanos e o olhar do Estado.” (Figueiredo, 2003 b, pág. 170).

Importa então esclarecer a origem urbana deste discurso e reforçar a

exterioridade das expectativas que conduzem esta reinvenção no mundo rural. A

dominação dos estímulos e da influência urbana na reconfiguração funcional,

paisagística, demográfica, cultural e imagética da ruralidade, não só é clara, como é

patente em todas as dimensões do discurso e nos valores que o sustentam e

projectam. Senão vejamos...

A estratégia de requalificação funcional e simbólica das aldeias, com base no

seu potencial patrimonial, com vista a uma rentabilização turística e residencial, vai

beber muito ao que foi ensaiado nos centros históricos das cidades. Baseando-se

numa lógica muito semelhante, para satisfazer propósitos muito próximos e com

base nos mesmos recursos, a estratégia de desenvolvimento que projecta o rural

patrimonial, não só é pensada e estimulada externamente, como respeita uma

tendência urbana de gestão e promoção territorial.

A matéria-prima deste discurso e projecto de reinvenção, o chamado ideal

rural, bem como os valores ambientalistas e patrimonialistas que o reforçam e

precipitam, fazem sentido no quadro das grandes inquietações urbanas e, afinal, da

civilização. A valorização das virtualidades rurais não brota do orgulho interno, mas

é, antes, uma consequência da urbanização, principalmente em períodos históricos

em que esta se acentua e ensombra, pela dominação, outras formas de território.

A ruralidade idílica é um enclave simbólico ou um refúgio imaginário que se

afirma nas consciências e nos discursos, sempre como um contraponto à cidade

demonizada. Tendo poder enquanto alteridade, esta ruralidade projecta-se como

nunca, num contexto em que muito criticismo se acumula, em torno do nosso

modelo de desenvolvimento, e em que muito cepticismo vai afastando a esperança

na sustentabilidade das cidades e do estilo de vida urbano.

As "missões" de preservação dos patrimónios ecológicos e culturais,

delegadas discursivamente ao mundo rural e que, afinal, desresponsabilizam as

cidades, em jeito de compensação por um eventual fracasso a este nível, parecem

ser concedidas dentro de uma lógica urbana de "divisão territorial do trabalho".

Quanto aos produtos rurais e ao rural enquanto produto, deve ser dito que

estão igualmente orientados para os consumidores urbanos e que são as suas

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Capítulo V

113

necessidades de consumo, entretenimento, habitação, etc. que moldam a

reinvenção funcional do mundo rural, adaptado para corresponder às expectativas

dominantes. Indo mais longe, não é líquido que os dividendos a retirar destes novos

negócios se convertam em desenvolvimento local, nem que sejam autóctones os

seus grandes promotores, existindo fortes possibilidades de que, muitas vezes, um

grande aproveitamento do potencial comercial rural seja feito, por parte de

empresários externos.

Assim, estando perante uma lógica urbana de gestão e promoção de um

potencial territorial, valorizado segundo um conjunto de valores e representações,

que fazem sentido no contexto das necessidades e inquietações urbanas e que

promove um conjunto de produtos para consumo urbano, eventualmente também

para servir interesses externos ao mundo rural, reforça-se a pertinência de

discutirmos este projecto de ruralidade pelo seu vínculo à cidade.

Será este o âmbito das próximas páginas, seguindo a sequência apresentada.

Começaremos por discutir a estratégia de reinvenção dos territórios rurais, em

analogia com o caso de requalificação dos centros históricos das cidades, para

posteriormente continuar a reflexão em torno do contexto do qual derivam as

representações e de onde saem reforçados os valores que alimentam a ruralidade,

enquanto alternativa idílica à cidade demonizada. Espaço haverá, ainda, para

debater os interesses e expectativas por detrás destas transformações, bem como

para perceber a quem poderá favorecer a aplicação deste projecto de ruralidade

consumível.

1. Uma estratégia urbana de reinvenção da ruralidade? A analogia com as estratégias de requalificação

dos centros históricos das cidades

Tal como no caso do desenvolvimento rural, nas últimas décadas, muita

centralidade tem sido dada aos centros históricos das cidades, aos seus problemas,

potencialidades, possibilidades de futuro, etc.

Após um período em que as cidades perderam gradualmente os seus

habitantes para as periferias, em que viram a sua prosperidade económica posta em

risco pela mudança das lógicas produtivas e foram sendo vítimas de inúmeras

mortes anunciadas, com a sobreposição dos problemas às suas vantagens, ensaia-

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

114

se um “renascimento” urbano em que o potencial patrimonial é recurso estratégico

(Ferreira, 2004). Durante esse processo, os antigos centros que encarnavam todos

os sinais de decadência e se confundiam até com estes nos imaginários colectivos,

passam a estar associados aos melhores traços de urbanidade e a importantes

trunfos para o futuro.

Os impactos dos novos desafios desta fase do capitalismo parecem exigir o

incremento da capacidade de redescobrir as potencialidades económicas, culturais e

sociais dos aglomerados urbanos e também dos seus antigos centros. Nesta

dinâmica, estes passam de obsoletos e desertos a “históricos”, nos discursos de

quem tomou consciência de que alguns problemas, se reinventados, podem passar

a mais-valias, no processo de construção de um protagonismo territorial (Ferreira,

2004).

Aposta-se assim no património, na sua reabilitação, preservação e promoção,

como mais um factor de desenvolvimento e como riqueza e benefício para a

comunidade local. Desse potencial espera-se que seja capaz de estimular a

reanimação económica, atraindo turismo, investimentos, melhorando a imagem do

lugar e reforçando a identidade deste, para que sejam alcançadas simultaneamente

singularidade e visibilidade à escala global.

“La cultura, el patrimonio cultural, ya no sólo es importante por su valor

histórico y por ser el soporte de la identidad de los pueblos, sino que se ha revelado

como un recurso de desarrollo fundamental“(Bernal Santa Olalla, 2000, pág. 32).

Óbvio parece ser, portanto, que os mesmos princípios que, como vimos, se

aplicam às actuais estratégias de desenvolvimento rural, estão patentes nesta lógica

de promover a cidade e requalificar a sua imagem e o seu tecido económico, com

base nos seus patrimónios culturais e históricos. Da crise ensaia-se a rentabilização

patrimonial, o vazio funcional dá lugar a usos recreativos, turísticos, emblemáticos e

mnemónicos, em manobras de reinvenção muito semelhantes, orientadas sob os

mesmos cânones.

A gestão das cidades segundo moldes quase empresariais e a sua promoção

através da utilização dos métodos do marketing urbano, recorre, muitas vezes, às

relíquias e elementos emblemáticos da paisagem construída da cidade, na

elaboração de uma imagem de marca forte e vendável. O património histórico das

cidades encerra um valor concorrencial e comunicacional inquestionável, sendo isto

claro se pensarmos que “As cidades históricas representam, aliás, um dos modelos

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Capítulo V

115

identitários de desenvolvimento urbano que mais se tem multiplicado, embora, com

alguma frequência, essas cidades não sejam eminentemente históricas.” (Peixoto,

2003).

A dinamização cultural, a “reciclagem” das paisagens urbanas e a nutrição do

“espírito de lugar”, são etapas importantes do processo de, no âmbito local, agir para

acompanhar os desafios impostos pela economia global, que exigem uma reacção e

adaptação territorial a diferentes escalas. Isto acontece principalmente em contextos

em que a reconversão das capacidades competitivas tem na sua base o património,

que funciona como a “tábua de salvação” habitual para as localidades que não

possuem outros motivos de mediatização, singularidade identitária e prestígio, ou

outros recursos a capitalizar (Peixoto, 2001).

Ora, mais uma vez, esta não parece ser uma tendência exclusivamente

urbana, aplicando-se, como vimos, aos espaços rurais. A capitalização dos recursos

patrimoniais, a reversão de estigmas e reputações pejorativas e a promoção dos

territórios, com base nos seus elementos mais distintivos (produtos locais, estâncias

termais, reservas florestais, fenómenos naturais específicos, artesanato típico,

gastronomia, etc.) ensaiam-se, assim, para fazer frente a situações de

marginalidade competitiva no quadro da globalização.

Neste contexto e tal como acontece com a ruralidade, os centros históricos

convertem-se numa representação do que, supostamente, está em risco de

desaparecer nas cidades, remetendo para valores ou arquétipos que,

eventualmente, podem nunca ter sido concretizados, mesmo no passado, tais como:

espaço público, qualidade de vida, o modelo tradicional de família, a cidade à escala

humana, segurança, ausência de tráfego automóvel e poluição, entre outros. E se a

cidade histórica é a cidade "melhor" que nos arriscamos a deixar para trás, o mundo

rural é o enclave natural e tradicional que desaparece com ela e que importa

preservar.

Podendo ser reconfortantes, por confirmarem a possibilidade de uma

continuidade e de um renascimento, os vestígios do passado podem igualmente ser

angustiantes, caso estejam deixados ao abandono. Isto porque no seu carácter

ultrapassado e por vezes decrépito, está patente a transitoriedade e contingência

dos tempos e dos espaços e ilustrado o imediatismo dum presente que pode não

conhecer um futuro, mesmo que das ruínas se construam os alicerces de um futuro

mais próspero (Fortuna, 1999). Reabilitando as ruínas da história e do passado,

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

116

apaziguam-se as consciências, no sentido em que os sinais de descuido, abandono,

destruição e degradação da cidade construída estão associados à noção de uma

cultura arruinada, a um presente hipotecado e a um futuro pouco provável (Fortuna,

1999; Ashworth, 2000).

Os lugares históricos são, assim, decisivos na construção da ideia que temos

da cidade, bem como da possibilidade do seu futuro e continuidade. Desta feita, a

forma como são tratados acaba por ser um barómetro identitário para os urbanitas,

cujas consciências parecem descansar perante a sua saúde e preservação. Estes

elementos espacializam a utopia urbana, fixam os sujeitos aos seus significados, ao

mesmo tempo que alimentam os seus imaginário e confundem plasticamente

tempos e espaços contraditórios, em combinações singulares dispostas à

apropriação (Fortuna, 1999, Ashworth, 2000). Identitariamente, então, os vestígios

do passado jogam um papel muito importante, principalmente no sentido em que

dotam os lugares de singularidade num contexto de grande homogeneização das

referências culturais dominantes (Choay, 1982).

Assim, as cidades e as aldeias patrimoniais têm a sua valorização, em boa

parte, associada à função de dotar o tempo de sentido histórico e sequencial e de

materializar os testemunhos de um passado imaginado, representando territórios

idealizados, que servem de compensação e contraponto para os desconfortos dos

territórios reais. Nesta lógica e quando pensados e desconstruídos, os centros

históricos permitem analisar o hiato entre a cidade vivida e a cidade imaginada

(Peixoto, 2003).

Como referimos, o centro histórico das cidades representa os valores da

cidade perdida, no curso de uma urbanização desequilibrada, estando na sua

degradação o sentimento de um presente inviável e na sua recuperação um novo

fôlego e esperança identitária. Enquanto testemunho de um passado comum,

enquanto ancoragem originária de uma comunidade em busca de um sentido e de

um lugar no curso da globalização, ou enquanto recurso para atrair os fluxos

turísticos, é pretexto para todas as atenções, preocupações e intervenções.

Neste sentido, não podemos deixar de estender estas funções a outros

territórios patrimoniais e, nomeadamente, aos rurais, no sentido que acabam por

constituir igualmente referentes identitários, pontos de ancoragem cultural, projectos

de território mais próximos da sustentabilidade e dos valores tradicionais, novos

campos de negócio e pretextos para o consumo, mas sobretudo bálsamos para as

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Capítulo V

117

inquietações urbanas, enquanto enclaves livres dos problemas associados às

cidades.

"Cette sensibilité a pris forme lorsque est née une critique de l'urbanisme

moderne s'appuyant sur un double mouvement: la redécouverte du centre historique

et attrait pour l'écologie." (Remy, 2004, pág. 258).

Sendo assim e porque esta noção (de centro histórico) é recente, a

proeminência que ganha só é possibilitada pelo que existe de novo e crescente na

cidade. Por outras palavras, o protagonismo da cidade histórica reside na alteridade

que revela em relação ao resto da urbe e em relação ao que é construído no rasto

do processo de urbanização, alvo do habitual criticismo. Neste quadro, os centros

históricos das cidades e o mundo rural acabam por ser problemas em que se quer

pensar, pois nas soluções para a sua decadência, para além de recursos

importantes, pode encontrar-se a ilusão de uma sustentabilidade urbana, há muito

desacreditada.

Se pensarmos que na busca de um futuro para esse passado, garantimos a

ilusão de sustentabilidade do presente, que muitas vezes é sentido como despojado

de esperanças e projectos, e provamos, mesmo que ilusoriamente, que o nosso

modelo de desenvolvimento pode não ser assim tão contingente e volátil, ganhamos

em segurança neste cenário de instabilidade.

É frequente designar por "centro histórico" áreas que não são nem centrais

nem históricas, já que na intenção de reforçar o potencial competitivo das cidades e

dos seus recursos, cria-se muitas vezes uma imagem de autenticidade e de tradição

que não tem qualquer fundamento técnico ou científico. O sucesso da cada projecto

de reinvenção e promoção territorial depende mais das suas repercussões políticas

e mediáticas, do que de uma eventual “verdade” histórica ou geográfica (Peixoto,

2003).

É no centro histórico que a reposição simbólica das identidades é efectuada,

passando este a conter o poder de representação da cidade em geral, mesmo que

dela não seja de forma nenhuma representativo, correspondente ou fiel, quer na

realidade construída, como nos modos de vida, no ambiente ou na vivência

concreta. Nestes processos, transformam-se as zonas históricas em lugares

restringidos funcionalmente, que se destinam a actividades festivas e cénicas,

invocadoras do passado e da identidade urbana, em que muitas vezes é olvidada a

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

118

riqueza e diversidade que decorre da passagem de diferentes usos e tempos,

gentes e imaginários (Martínez, 2001).

Da reinvenção e promoção destes territórios resulta, frequentemente, uma

simplificação destas justaposições e a construção de uma imagem agregadora e de

fácil apropriação, numa tendência mercantilista e normalizadora que pretende

facilitar a sua gestão e aproveitamento. Tal como sucede nos centros históricos das

cidades, nos territórios rurais sob o mesmo tipo de processos de reinvenção, é

comum existir uma redução do espectro de imagens que correspondem a tão

estruturadas e poderosas expectativas. Por outras palavras, o que se espera das

paisagens rurais é um conjunto bastante reduzido de imagens e significados, que

pelo seu romantismo e perfeição, dificilmente são compatíveis com a diversidade e

complexidade das realidades sociais e territoriais.

Simplifica-se a projecção dos lugares, estruturam-se expectativas e como

consequência exige-se que os territórios se moldem para caber na "reputação

construída" que os precede. Ora o peso dessas exigências pode, muitas vezes, ditar

uma homogeneização de territórios que tinham a distintividade como principal trunfo.

O trabalho de renaturalização de paisagens, de criação de cenas agrícolas

inspiradas em técnicas arcaicas, a ocultação dos sinais do tempo e do progresso

(como antenas, maquinaria, estufas, etc.), a redução do rural ao património, ao

passado e à natureza, etc., podem de facto, ser factores opressores e

condicionadores das vidas autóctones e das possibilidades de desenvolvimento

destes lugares.

Sendo claro que nenhum renascimento pode ser concretizado sem uma crise

ou decadência prévia, encontramos em ambas as estratégias de desenvolvimento,

um difundido consenso por relação à existência de quadros de marginalidade e

entorpecimento anteriores ou ainda presentes. Nos discursos populares, políticos e

mediáticos, a crise rural e a crise dos centros históricos passa (ou pelo menos

passou muitas vezes, num passado não muito distante) pelos mesmos consensos:

abandono, desfuncionalidade, degradação, ruína, falta de oportunidades de futuro,

nostalgia por um eventual passado de prosperidade, etc. Mesmo sendo territórios

diferentes, encontramos de forma recorrente os mesmos valores e narrativas,

naquilo que são os argumentos para a necessidade de uma intervenção pública

capaz de transformar e fazer renascer estes espaços.

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Capítulo V

119

Enquanto pretexto para uma intervenção urgente e pela centralidade que a

zona histórica tem hoje na nossa ideia de cidade, a concentração dos esforços

autárquicos na reabilitação do centro patrimonial urbano faz, muitas vezes, desviar

as atenções de outras áreas ou problemas urbanos, segundo os interesses do poder

político e de outras agências influentes. É comum a dramatização da condição dos

centros históricos, a fim de difundir uma imagem calamitosa da cidade, para atrair

investimentos e agilizar os esforços de recuperação ou mesmo para legitimar

decisões políticas e despesas públicas.

Assim, não deixa de ser preocupante a sobreposição da centralidade dos

espaços patrimoniais em relação às áreas de mais recente urbanização, que são

muitas vezes mais problemáticas social e ecologicamente e que ficam, assim,

relegadas para uma posição, que pela carência comparativa de mediatismo e

“representatividade”, impede que cheguem ao estatuto de prioridade política

(Peixoto, 2003).

Extrapolando, podemos questionar também as causas da centralidade

crescente das questões rurais e dos possíveis interesses por detrás de tamanha

"consensualidade" discursiva, em torno da urgência das soluções e do potencial dos

seus recursos. Como foi dito, estes são problemas em que se quer pensar e para os

quais se exige todos os esforços possíveis, não só porque se encara a reinvenção

como uma solução, mas principalmente também (a nível discursivo) como uma

oportunidade de desenvolvimento e atracção de mais-valias. Desta feita e

institucionalizada esta perspectiva, os poderes públicos encabeçam as estratégias

de desenvolvimento e promoção destes territórios, no sentido de criar as condições,

para que os interesses privados aproveitem estes recursos locais e os mobilizem

económica e culturalmente, de maneira a reproduzir os estímulos à sua

requalificação funcional.

No turismo este ponto é claro, no sentido em que o poder público reabilita o

património, apoia financeiramente o estabelecimento de iniciativas e promove o

potencial local mediaticamente, esperando das empresas que aproveitem o estímulo

fertilizador de economias em ascensão, materializadas nestes novos investimentos,

iniciativas, exemplos, interesses, etc.

Esta lógica, mesmo que em escalas e estruturas diferentes, é aplicada tanto

nos mercados turísticos, patrimoniais e simbólicos dos centros históricos das

cidades, como nas localidades apresentadas como rurais, que aspiram à sua

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

120

diversificação funcional, com base nas estratégias que apresentamos anteriormente.

Assumindo que os recursos simbólicos e materiais capitalizados, embora diferentes

e até alternativos, se baseiam nos mesmos critérios de valorização, no mesmo tipo

de lógicas culturais e discursivas de exaltação e nos mesmos argumentos

legitimadores (de atenção e investimento), podemos apresentar ambas as dinâmicas

como integradas numa mesma matriz de gestão territorial e de estímulo ao

desenvolvimento.

Esta estratégia procura rentabilizar os recursos patrimoniais e a aura

romantizada dos espaços, tendo como argumento a urgência de uma intervenção

pública que resolva uma aparente crise generalizada e assume, na

contemporaneidade, uma transversalidade tendencial. Não sendo uma coincidência,

deve ser dito que as diferentes políticas territoriais têm uma origem comum,

derivando de estados nacionais, governos locais, técnicos de planeamento,

empresas e promotores, que estão inevitavelmente integrados num sistema

económico e cultural dominante, cujos interesses devem ser servidos (Williams,

1990).

As políticas territoriais são uma forma de remediar os impactos e jogar com as

oportunidades de um modelo de desenvolvimento esmagador, que dificilmente pode

ser contrariado. As decisões políticas devem, portanto, favorecer os interesses

económicos dominantes, remetendo para a uma orientação estratégica maior

(Williams, 1990). Neste sentido, devem ser interpretadas enquanto manifestações

ideológicas dessas vontades e conveniências e relacionadas pela sua coerência e

complementaridade, no sentido em que, enquanto discursos científicos e técnicos,

contribuem para o status quo e estão integradas nos processos hegemónicos de

produção de significados (Foucault, 1972).

No que toca ao conteúdo dos valores, trabalhados enquanto recursos, que

preenchem os discursos e determinam as potencialidades a promover, podem

igualmente ser encontradas muitas semelhanças em ambos os casos. O património

histórico e cultural, em conjunto com a paisagem e os elementos naturais (no caso

dos espaços rurais), funciona como a base dos argumentos proteccionistas, dentro

de uma mesma lógica de valorização das tradições, traços identitários, mitos,

lendas, estilos de vida do passado, ícones e outros aspectos relacionados. Estes

valores são centrais nos discursos de valorização e promoção, legitimando a

valorização e indicando os recursos essenciais para o renascimento territorial.

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Capítulo V

121

O trabalho de reforço dos laços identitários e do espírito do lugar, construído

com base nos elementos patrimoniais, bem como o trabalho de transformação e

promoção de uma imagem potente e atractiva destes espaços, também feito a partir

destes, são processos semelhantes e com objectivos comuns – o desenvolvimento e

o fomento das capacidades competitivas de territórios em crise ou desadequados

funcionalmente perante as exigências contemporâneas. De um quadro de abandono

demográfico, marginalidade funcional e competitiva e de inadaptação às lógicas

produtivas, económicas e territoriais em configuração há várias décadas, ensaia-se

uma centralização, por via de um passado reinventado e posto sobre a mesa, como

recurso e valor de futuro.

Por outro lado, se a cidade histórica refeita e requalificada apresenta a ilusão

de um passado urbano sustentável, em que os valores e os estilos de vida não

“contaminados” pela globalização, representam singularidade, identidade e tradição,

o mesmo acontece no rural idílico, onde se publicita o resgate da vida pastoral e

campestre, em que as famílias urbanas podem desfrutar do contacto com a natureza

e da tranquilidade perdida nas teias da modernidade. O regresso aos elementos

sonhados do passado, constitui em ambos os casos, uma esperança para um futuro

sustentável, em que a qualidade de vida, a cultura, a tradição e a família podem

sempre viver e ser encontradas por perto ou em lugares mais isolados, num enclave

de autenticidade e paz, que promova alguma segurança ontológica e ancoragem

originária, neste mundo rápido e globalizado.

A teatralização e a estetização dos lugares patrimoniais, rurais ou não,

funcionam em lógicas igualmente simétricas, no sentido em que a transformação de

espaços multifuncionais em espaços lúdicos ou turísticos, mesmo que numa

situação de entorpecimento ou marginalidade, implica a sua simplificação e

adaptação a leituras simbólicas de apreensão comercial, em que as paisagens são

manipuladas para corresponder a um sonho, a um imaginário, a uma narrativa.

Exige-se um trabalho de construção de uma autenticidade tecida a partir de um

projecto onírico de território e identidade, exige-se a concretização de toda a

iconografia natural ou histórica que materialize as narrativas e faça corresponder o

espaço vivido ao espaço sonhado.

Museifica-se e cristaliza-se o espaço para preservar a pureza que atrai os

olhares, como se parasse o tempo e tudo tivesse ficado ali, tal como havia deixado a

nossa memória colectiva, alimentada e construída, pelos discursos políticos e

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

122

mediáticos que, dos patrimónios culturais, pretendem fazer ascender novas

oportunidades, de desenvolvimento (para os territórios) e de fruição (para os eternos

turistas que, ao que parece, devemos ser todos). Numa dupla dinâmica desenham-

se estratégias políticas de desenvolvimento, aproveitando aquilo que culturalmente

“sempre” foi valorizado, como a natureza e o património e, promovendo esses

elementos como produtos culturais, que em osmose, constituem óptimos recursos

para vender e fazer viver os territórios mais frágeis nas engrenagens da

globalização.

Problemas como a sustentabilidade, tendo em conta a utilidade lúdica e

turística, ou como a possível descaracterização e esvaziamento simbólico, podem

ser encontrados tanto no rural idílico, como nos centros históricos das cidades,

dados os processos frequentes de gentrificação, museificação e aproveitamento

comercial excessivo, os desequilíbrios relacionados com os limites da estetização,

as contradições vindas da necessidade de combinar diferentes interesses e usos,

entre outras debilidades. A falta de rigor na denominação de “centro” e de “histórico”

e até de “rural”, a falta de garantia de que as populações locais possam de facto ser

os maiores beneficiados nestes processos de valorização e renascimento, a falta de

regulação pública dos aproveitamentos privados ou externos excessivos, a falta de

conteúdo de muitos processos de patrimonialização, que são reproduzidos

mimeticamente de casos de sucesso anteriores, etc., devem ser motivo de

preocupação em qualquer tipo de lugar, a bem da sustentabilidade deste tipo de

políticas.

Dúvidas existem ainda que estes processos de reinvenção e requalificação

sejam sempre bem sucedidos ou que constituam uma “tábua de salvação” para

todos os territórios. Mesmo que em muitas cidades europeias a reabilitação e

promoção dos centros históricos tenha resultado num novo fôlego e prosperidade,

muito através do turismo cultural urbano e da atracção de grandes eventos e seus

investimentos, não pode ser dito cabalmente que isso tenha sido, em tudo,

vantajoso. A cidade histórica pode ter passado a representar a cidade como um

todo, mas fez esquecer as áreas menos nobres e mais problemáticas, em que não

se quer ainda pensar e que não têm nenhum valor patrimonial; pode ter passado a

ser uma fonte de rendimento, mas perdeu em muitos casos os seus habitantes e

com eles a sua aura de espaço vivido, a sua dinâmica própria, a sua graça e

identidade.

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Capítulo V

123

Na mesma lógica, podem existir já pequenas povoações rurais que vivam do

turismo, do artesanato, dos produtos regionais, mas deve ser sempre questionado

se são as suas gentes que estão por detrás dos negócios, das políticas, das

campanhas e não apenas atrás dos balcões e das vassouras. Deve ser questionado

se por causa da teatralização do rural se desligaram as máquinas agrícolas ou os

sistemas de rega, conseguidos com os subsídios comunitários anteriores, para não

estragar o quadro e não incomodar os visitantes. Deve ser questionado se os

habitantes não passaram a figurantes, se os rurais não preferiam ter passado a

urbanos e se não temem que a moda passe e volte o esquecimento e a

invisibilidade. Deve ser questionada a tradição dos produtos, a reprodução dos

monopólios e privilégios dos senhores rurais, que ainda vêm da cidade para vender

a outros urbanitas o seu pedaço de vida bucólica. Entre outras coisas, entre outras

dúvidas.

Sobretudo, deve ser questionada esta estratégia enquanto receita, para todos

os espaços e as intenções que a promovem, já que os espaços, os seus recursos e

populações não são todos iguais e não deixa de ser recorrente que, do poder

privado, venha mais o aproveitamento dos dinheiros públicos e o monopólio dos

benefícios, do que a continuidade dos investimentos e dos estímulos a novas

oportunidades para as comunidades locais. Importa reforçar assim que, por muito

que se simplifiquem discursivamente as realidades territoriais e as respectivas

abordagens políticas, estas não deixam de ser complexas demais para que a

aplicação deste tipo de soluções estandardizadas conduza, de facto, ao

desenvolvimento e à real e sustentável resolução de problemas tão diversos e

difíceis.

2. Um campo para a cidade – a valorização e reinvenção da ruralidade à luz das necessidades e expectativas urbanas

Vivemos num mundo em permanente transformação, em que o ritmo da

mudança se acelera e em que a par do alongamento espácio-temporal, quase todas

as esferas da vida social e económica parecem desespacializar-se (Giddens, 2000).

A vida urbana concentra o trabalho e os sintomas da globalização, acabando assim

por representá-la, enquanto modelo de desenvolvimento territorial e económico, mas

sobretudo enquanto civilização.

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

124

Neste quadro, a natureza e as tradições ganham uma importância reforçada,

por representarem a continuidade com o passado e darem sentido às

transformações. Elas dão a noção de eternidade e organização temporal,

respectivamente, dando uma ancoragem à vida descontextualizada e volátil das

cidades da globalização (Giddens, 2000).

Com a erosão da família alargada e das redes de solidariedade tradicionais,

com a aceleração temporal e a descontextualização espacial de diversas esferas da

vida social, com tantas dúvidas em relação à sustentabilidade ambiental do nosso

modelo de desenvolvimento, com o crescimento dos sentimentos de insegurança,

com as crises económicas e a vulnerabilidade do emprego, com a escassez de

recursos energéticos, com os problemas associados ao terrorismo internacional,

entre outras questões transversais ao nosso mundo globalizado, a vida nas cidades

está imbuída de um vasto conjunto de inquietações e problemas.

"Em resumo: as cidades converteram-se no depósito de lixo de problemas de

origem mundial. Os seus habitantes e aqueles que os representam confrontam-se

habitualmente com uma tarefa impossível, seja para onde for que viremos os olhos:

a de encontrar soluções locais para contradições globais." (Bauman, 2005, pág. 28).

A incerteza por relação ao futuro e o sentimento de insegurança, tornam-se

assim omnipresentes no mundo globalizado, à medida que cresce a noção de que

as nossas vidas dependem de factores, forças e decisões que escapam ao nosso

controlo individual e que se apresentam como longínquas e deslocalizadas

(Bauman, 2005).

Neste sentido, a aparente imutabilidade do mundo rural é promovida e

valorizada como um contraponto à volatilidade da vida moderna e como um

elemento estabilizador num mundo em constante e acelerada mutação (Lengkeek et

al., 1997). A própria figura do camponês sai reforçada enquanto referência para o

Homem urbano, estável e segura, como modelo e representação da ruralidade que

dele depende (Chamboredon, 1980).

As grandes dinâmicas associadas à globalização têm influenciado de forma

complexa os territórios rurais, já que, por um lado, têm contribuído para a sua

marginalização competitiva, numa lógica económica que centraliza fortemente as

cidades, pelos seus recursos e capacidade de consumo, trabalho e comunicação e,

por outro, têm elevado e promovido as suas virtualidades ambientais e culturais

(Veiga, 2006).

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Capítulo V

125

"As we shall see, the significance of the rural as a cultural "reservoir" is usually

in complete contrast to its importance as an economic space." (Lowe et al.,1995,

pág. 65).

De facto, o rural profundo e remoto, onde tudo permanece intocado pelo

tempo e que, sem a respectiva valorização, poderia ser considerado estagnado ou

obsoleto, representa precisamente a estabilidade e eternidade que sai valorizada,

nos contextos em que a grande efervescência económica parece vir acompanhada

de grandes inquietações e ansiedades (Veiga, 2006). Assim, o mundo rural acaba

por constituir um locus de resistência aos efeitos da globalização, mais precisamente

às consequências dos processos de desespacialização, aceleração temporal,

homogeneização cultural e insustentabilidade ambiental (Wanderley, 2000).

Assumindo este potencial de valorização e principalmente devido à sua

associação com a preservação do meio ambiente, o rural passa a ser encarado

como um valor indispensável ao futuro, reconfigurando-se, assim, as relações e o

diálogo entre o mundo rural e a sociedade (Wanderley, 2000). Esta, por ser

eminentemente urbana e dominada pela influência de uma globalização construída

nas e pelas cidades, confunde-se com a urbanidade. As crises da civilização são a

crise da cidade, que representa o capitalismo, a modernidade, o poder e, portanto,

os problemas que lhes estão associados (Williams, 1990).

Desta feita, a dicotomia rural/urbano continua a ser central na definição e no

entendimento que fazemos de nós próprios, enquanto civilização e continua a servir

de forte referente identitário (Lowe et al. 1995). O rural parece manter o que a cidade

perdeu, precisamente porque não possui os recursos que tornaram a cidade no

motor da civilização. Sendo assim, se a urbe é essencial à motricidade da

globalização e da economia capitalista, o mundo rural insinua-se como essencial à

sua saúde ambiental e "mental", por manter a esperança na sustentabilidade e no

futuro e por preservar uma estabilidade cultural, identitária e ontológica.

A centralidade desta dicotomia reforça a importância dos conflitos ou

distâncias, entre ambas as categorias e entre aquilo que lhes está associado. Essa

tensão está contida na dificuldade de combinar progresso económico e tecnológico

com sustentabilidade ambiental, futuro com tradição, diversidade e mudança com

estabilidade e segurança, prosperidade e justiça social, territórios desejados e

territórios reais, resumindo, está contida nos dilemas da civilização.

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

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"A ideia de campo tende à tradição, aos costumes humanos e naturais. A

ideia de cidade tende ao progresso, à modernização, ao desenvolvimento. Assim,

num presente vivenciado enquanto tensão, usamos o contraste entre campo e

cidade para ratificar uma divisão e um conflito de impulsos ainda não resolvidos, que

talvez fosse melhor encarar em seus próprios termos." (Williams, 1990, pág. 397).

A manutenção desta dicotomia facilita o encontro de um sentido no caos

social, permitindo um posicionamento mais claro dentro de um conflito complexo

que, mesmo não se reduzindo aos territórios, utiliza-os como contentores ou

referentes que autorizam a sua interpretação e a sua "digestão" social e individual

(Williams, 1990).

Aproveitando as associações positivas que em torno da ruralidade se tecem,

as estratégias de reinvenção da ruralidade pretendem dar resposta ao interesse

urbano no rural (preservado enquanto alteridade). Procura-se restaurar a aura de

tradição e sustentabilidade nos espaços rurais, projectando as suas características

não-urbanas, não só para reforçar a possibilidade de sua preservação no mundo

actual, inocentando assim a ordem capitalista, mas também para as rentabilizar e

integrar no jogo económico urbano/global (Sampaio, 2002).

Como aliás já aconteceu no passado, assiste-se a uma reconfiguração

funcional e produtiva dos territórios rurais, para melhor servirem as lógicas do

mercado. O capitalismo reage às crises buscando novas formas de acumulação e

rentabilização dos recursos, sendo que, no caso do rural, assiste-se à tentativa de

colmatação do vazio funcional, de reversão da marginalidade competitiva e da

aparente desadequação às exigências destas novas lógicas territoriais e

económicas, através da substituição do anterior modelo. Desta feita, transforma-se o

rural agrícola, ou o rural em crise, numa ruralidade reinventada (patrimonial ou

consumível) (Perkins, 2006).

Uma nova lógica de rentabilização do rural enquanto recurso é posta em

prática, à medida que recua a dominação do sector agrícola e crescem estas novas

formas de produção e consumo. Por outras palavras, nascem novos tipos de

negócio, ligados a recursos que ultrapassam o sector primário e terciarizam o mundo

rural. Assim, para além da agricultura muito especializada e de ponta, de actividades

ligadas à floresta e das emergentes actividades "verdes" (como a produção de

energias renováveis, por exemplo), que podem estar ainda associados ao sector

primário, embora numa versão "up-to-date", insinuam-se principalmente o turismo, o

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comércio de produtos artesanais e gastronómicos e os negócios imobiliários (para

segunda residências, por exemplo) (Perkins, 2006).

Estimula-se, portanto, com este projecto de reinvenção, uma combinação

aparentemente paradoxal entre uma ruralidade intencionalmente tradicional e

pastoral (na apresentação) e uma ruralidade rentável e integrada nas lógicas de um

mercado urbano feroz e exigente. Para manter a aura pastoral e depurada dos

territórios rurais, exige-se um trabalho de renaturalização das paisagens e

camuflagem das marcas de modernidade, esperando-se alcançar, com este

"regresso às origens", o reforço do potencial de consumo dos espaços e, portanto,

um novo fôlego para enfrentar os desafios do futuro. Acontece que os processos de

pastoralização da ruralidade, estão habitualmente próximos de uma exacerbação

cenográfica, que “hiper-ruraliza” os lugares para que estes correspondam às

expectativas dos consumidores urbanos.

"Recognizing the potential for profit, in recent times entrepreneurs in

conjunction with local governments have attempted to satisfy consumers desire for

this imagined countryside." (Perkins, 2006, pág. 253).

Os novos negócios podem ter um impacto económico mais modesto, se

comparados com a agricultura intensiva, mas a aposta na qualidade e em sectores

de mercado com consumidores de elevado poder de compra, como é o caso do

turismo rural, por exemplo, faz com que as expectativas de relançamento económico

se mantenham elevadas, nem que seja ao nível dos discursos políticos, já para não

falar da apregoada garantia da sustentabilidade ambiental, que obviamente aparece

como outra vantagem compensatória. Espera-se assim algum retorno económico,

até porque, se espera destes sectores de actividade que reproduzam exigências e

oportunidades de negócio, ao nível dos transportes, por exemplo, para fazer face às

necessidades de mobilidade quer de turistas, quer de produtos perecíveis (Perkins,

2006).

O facto de exigirem uma forte aposta na promoção territorial, no sentido em

que os produtos valem pelo vínculo à localidade, faz com que se defendam estes

novos negócios, pelo seu potencial de requalificação da imagem dos lugares e,

consequentemente, de relançamento económico. Neste quadro, diversos interesses

se erguem na tentativa de retirar um maior aproveitamento destas novas

oportunidades. Sendo o sector público responsável por grande parte dos

investimentos, necessários ao estímulo desta tentativa de reanimação económica,

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

128

muito espaço fica para que o aproveitamento privado possa seguir o isco, com vista

a tirar partido das tais oportunidades de negócio.

Os territórios bafejados pelos estímulos públicos ao turismo ou associados a

um produto de prestígio, promovido com apoios institucionais, e cuja imagem se

encontra em requalificação, passam frequentemente também a ser rentáveis como

mercado de segundas residências e a recolher conotações positivas. A promoção

destes lugares, estando já em curso e com o apoio das instituições públicas, tem um

poder acrescido, sendo aproveitado esse trabalho de reinvenção do valor simbólico

dos territórios, para potenciar o negócio de compra e venda de terrenos, construção

de vivendas, etc.

Com o aumento da procura de casas de campo, por parte de habitantes

urbanos, aumentam também as manobras especulativas, o preço dos terrenos, dos

víveres no comércio local e de alguns serviços, exacerbando-se um conjunto de

dinâmicas muitas vezes prejudiciais e excludentes para os rurais, o que acaba por

criar complexos conflitos de interesses (Perkins, 2006). Por outro lado, também

sucede que pequenas empresas de material agrícola ou mesmo antigos

trabalhadores do sector, prejudicados pela crise na agricultura e em situações de

grande dificuldade, passem a servir os novos proprietários de terrenos, normalmente

adeptos da jardinagem e da horticultura, criando-se novas perspectivas de negócio e

de pequeno emprego (Perkins, 2006).

Os solos passam progressivamente para o controlo externo, à medida que

são adquiridos ou geridos por promotores turísticos, proprietários de casas de férias,

instituições públicas de gestão de reservas naturais e extensões florestais, etc.

Neste processo, acentua-se a influência das leis do mercado em boa parte dos

terrenos rurais e, por outro lado, reitera-se progressivamente o espaço rural como

paisagem, na medida em que o seu valor deixa de ser considerado produtivo,

passando a funcionar mais como cenário de actividades recreativas e

contemplativas (Chamboredon, 1980).

A progressiva apropriação dos solos rurais por parte de entidades externas

tem acentuado a demarcação de propriedades, a normativização e burocratização

da gestão desses terrenos e, portanto, o controlo desses territórios. Este poder

crescente é facilitado pela desestruturação das comunidades camponesas, muito

fragilizadas pelo êxodo, pelo envelhecimento demográfico, pela consequente

delapidação das redes familiares, pelo enfraquecimento dos sistemas de agricultura

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Capítulo V

129

comunitária, pela miséria, pela dependência subsidiária, pela distância que as afasta

das agências decisoras, entre muitos outros factores (Chamboredon, 1980). Desta

feita, a utilização urbana dos espaços rurais passa não só pela reinvenção dos

territórios segundo os imaginários colectivos e expectativas correspondentes, mas

também pelo aproveitamento das fraquezas deixadas pela desestruturação das

sociedades camponesas (Chamboredon, 1980).

O reinventado projecto de ruralidade combina, assim, interesses económicos

e culturais, naquilo que se constitui como um ensaio de território em que se cruza a

“ocidentalidade” (consumo, potencial de negócio, conforto material, etc.) com todas

as premissas que compõe a retórica do desenvolvimento sustentável, numa espécie

de reencontro com a natureza e o passado, sem renunciar às comodidades da vida

moderna (Favareto, 2006).

Rentabilizar o poder simbólico e argumentativo da natureza e dos valores

patrimoniais passa, não apenas pelo aproveitamento do seu magnetismo comercial

e reanimador, mas também por uma utilização retórica da sua sacralidade, para

legitimar e inocentar os interesses por detrás das manobras de transformação dos

territórios.

"Os "materiais antigos" são usados para fins modernos – mais particularmente

para criarem legitimidade para os sistemas de poder emergentes." (Giddens, 2000,

pág. 90).

As ideias e valores associados aos territórios exprimem interesses e os

territórios são então levados a corporificar esses projectos e representações, naquilo

que é uma produção estratégica e ideológica dos lugares para finalidades previstas

(Williams, 1990).

"The attachment of value to a particular environment or landscape feature

reflects the wider power relations and social divisions. Science, scientists, politicians,

policies continue to pay attention to certain representations against others. Through

their 'scientific' power and policy power they provide legitimacy and authority to these

representations. The final result is a complex politics of representation of the

environment and of rurality, a constructed imagination." (Hadjimichalis, 2003, pág.

111).

Desta feita, o valor impresso nos espaços rurais para diferentes finalidades,

quer seja para o turismo, para uso residencial, para protecção ambiental ou para fins

agrícolas, depende das estratégias de gestão e regulação das agências políticas e

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

130

económicas envolvidas e das suas dinâmicas de poder. Ora, estas acabam por criar

novas e diversas geografias de valor, o que complexifica as realidades territoriais, a

sua hierarquização e relações mútuas (Marsden, 1999).

Indo mais longe, a existência de conflitos de interesse vem acrescentar ainda

maior complexidade a estes processos, já que disputas existem quer no plano da

definição de usos para os espaços e consequente valor simbólico e material, quer ao

nível do aproveitamento das possíveis vantagens a retirar e mesmo no âmbito da

competição entre as diferentes agências e grupos envolvidos (Lengkeek et al.,

1997). Existe a luta pelo uso do espaço e pelo controlo do curso dos

acontecimentos, sendo esta competição acentuada com o integrar dos territórios

rurais nos circuitos de consumo urbano (Lengkeek et al., 1997).

As disputas pelo controlo dos territórios rurais acabam por abranger diversos

tipos de regiões e contextos, pois nas zonas com proximidade às cidades sobem os

preços dos solos devido à pressão da expansão urbana e cresce o interesse no

loteamento, ao mesmo tempo que nas aldeias mais remotas aumenta o interesse no

potencial idílico, florescendo o negócio imobiliário de segundas residências ou de

promoção turística (Lengkeek et al., 1997).

"Rural space begins to play a key role in the political economy of the modern

consumerist state. By becoming variable repositories of consumption relations, rural

areas become more attractive to the outsider, in legitimating inequality in markets

and in social relationships." (Marsden, 1999, pág. 207).

Vende-se o mundo rural aos habitantes urbanos como o seu "quintal", numa

estratégia de promoção turística que, apesar de ser apresentada como a "tábua de

salvação" para estes territórios, acarreta dinâmicas especulativas que inflacionam os

custos de vida nas localidades e colide com eventuais intenções de estimular a

fixação dos seus habitantes. Isto acontece precisamente por se sobreporem as

expectativas de consumo dos tais visitantes ou consumidores, às expectativas de

desenvolvimento das populações locais (Hoggart, 2001; Silva, 2009).

"Significantly, the fiercest struggles in this redefinition of rural space were not

with ordinary country people, who remained idealised but neglected, but between the

conflicting recreational tastes and means of different urban strata and landed

interests, such as the hunting and shooting of the gentry, plutocrats and nouveaux

riches, the botanising, rambling and golfing of the genteel middle class, and the

hiking and coursing of the working class. The battles between these groups over

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Capítulo V

131

rural space were microcosms of their struggles for control over the urban social

order." (Lowe et al., 1995, pág. 70/71).

A complexidade destes processos de reinvenção acarreta, portanto, diversos

conflitos e disputas de interesses, nomeadamente pela multiplicidade de agentes

envolvidos e dado o facto que é extremamente difícil hierarquizar pacificamente os

aspectos ambientais, económicos, culturais e políticos, em territórios que

tradicionalmente se organizavam apenas sob a égide dominadora do sector agrícola

(Favareto, 2006). De qualquer forma, fica clara a influência externa nestes

processos de reinvenção e a crescente complexificação das dinâmicas territoriais

neste novo mundo rural.

É, sem dúvida, na procura urbana que se deposita o futuro das áreas rurais,

tal como têm evoluído (Ferrão, 2000). Depois da delapidação da agricultura e da

indústria, em muitos casos, resta esta rentabilização dos recursos patrimoniais e

naturais, naquilo que se traduz na transformação dos territórios rurais em espaços

de consumo, orientados para as exigências e expectativas urbanas (Chamboredon,

1980). O rural não produtivo e terciarizado, ao integrar-se nas lógicas de consumo

urbano e ao transformar assim as suas dinâmicas relacionais e económicas, acaba

por urbanizar-se cultural, territorial e laboralmente (Wanderley, 2000).

"Les territorires/patrimoines ruraux ne se construisent ni seuls, ni dans un

face-a-face avec les pouvoirs publics: les mondes extérieurs, assimilés

grossièrement à l'urbain, représentés par les figures du touriste, du consommateur,

du néo-rural ou du fonctionnaire, disent chacun leur mot, en manifestant avec leurs

pieds lor des fêtes de transhumance, en restaurant le patrimoine bâti, en étant à la

pointe de ce qu'on pourrait nommer les «traditions innovantes» que sont les

productions dites de terroir. Par leur action, leur présence, ils vont signifier aux

habitants l'intérêt de leurs «patrimoines» paysager, agricole, culturel. Ils vont

favoriser la relance d'anciennes pratiques ou productions, ils seront à la fois des

aiguillons, des médiateurs et les principaux agents de promotion de cette campagne

«reinventée»." (Rauntenberg et al., 2000, pág. 9).

Fica claro que as expectativas, interesses e a procura urbana estimula,

configura e orienta a concretização deste projecto de ruralidade reinventada, mas há

igualmente que reforçar que a dominação urbana é conjuntural e soberana às

relações territoriais a várias escalas (Hadjimichalis, 2003). As cidades como motores

do desenvolvimento económico, como centros de comunicação e informação e como

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

132

referências culturais, dentro de um jogo competitivo feroz à escala global, que as

hierarquiza e legitima em termos de soberania, têm uma influência inabalável na

forma como se orientam as dinâmicas territoriais e, consequentemente, na forma

como se configuram os próprios territórios e suas possibilidades de desenvolvimento

(Hadjimichalis, 2003).

Nesta linha, deve ser dito que este projecto de ruralidade nasce das

necessidades urbanas, configura-se segundo as suas representações e

expectativas, favorece a expansão do consumo e dos negócios urbanos e

apresenta-se como cultural e ambientalmente benéfico para a sociedade como um

todo (Hadjimichalis, 2003). No entanto, é interessante notar que nos discursos em

torno do desenvolvimento rural, os quais, afinal, ensaiam a aplicação deste projecto

de ruralidade, a tónica é sempre posta nos interesses locais e na urgência em

solucionar a afamada e supostamente generalizada crise do mundo rural. Neste

discurso é, assim, notório e transversal um certo paternalismo que, pensando bem,

acaba por condizer com a soberania urbana nestas matérias (Marsden, 1999).

3. O rural como um problema em que se quer pensar – os interesses culturais, económicos e políticos que sustentam este projecto de ruralidade

Depois de vários anos, muitos esforços e elevados investimentos nas políticas

de desenvolvimento rural, os resultados continuam a ser modestos e ainda não se

encontram muitos exemplos de territórios que, efectivamente, tenham logrado

alcançar um renascimento económico consistente, sob esta estratégia de

rentabilização patrimonial. Ainda assim, nem o discurso de reinvenção e respectivo

projecto de ruralidade patrimonial e consumível, nem as políticas que ensaiam a sua

aplicação, parecem estar a esmorecer, o que nos faz indagar qual o quadro de

motivações por detrás desta persistência e convicção política (Silva, 2009).

A título ilustrativo, entre 1985 e 2007 movimentaram-se em Portugal 306

milhões de euros de dinheiros públicos, maioritariamente provenientes dos fundos

europeus, apenas para a promoção do turismo rural, não havendo ainda sinais

irrefutáveis que os impactos positivos deste sector, no desenvolvimento local, se

aproximem sequer, das altas expectativas tantas vezes apregoadas (Silva, 2009).

Apesar disso e tal como dissemos, não temos assistido a um abrandamento da

apologia dos seus benefícios nos discursos políticos e, muito menos, a um

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Capítulo V

133

enfraquecimento do projecto maior, em que se integra a actividade turística e que

prevê a transformação do mundo rural num cenário de consumo e contemplação.

A justificação para a resistência deste discurso pode estar pulverizada no

vasto conjunto de interesses culturais, económicos e políticos que parecem

estimular o seu projecto de ruralidade.

O poder de apaziguamento das consciências, que está contido na ruralidade

"verde", está, para as preocupações ambientais e para as dúvidas em relação às

possibilidades de sustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento, como a

suposta estabilidade da dimensão tradicional e cultural do mundo rural parece estar,

para a complexidade das dinâmicas espácio-temporais da globalização. A ruralidade

serve de referente identitário, permite uma ancoragem cultural e providencia

espaços de materialização do sentido histórico da nossa existência colectiva. Assim,

concede alguma segurança a uma civilização ensombrada por inquietações, cujas

causas parecem estar demasiado longe do nosso alcance, para deixarem de ter

consequências pouco inteligíveis.

Com o reforço da ruralidade como referência apaziguadora, como alternativa

retórica e refúgio permanentemente disponível, atenua-se o espanto colectivo

perante a aparente falta de futuro dos nossos estilos de vida, das nossas cidades,

dos nossos recursos, dos nossos desejos de consumo e conforto, etc. Desta feita,

prolonga-se a esperança, estendem-se as possibilidades de futuro do mundo, tal

como o conhecemos, aliviando-se o cepticismo ou o pessimismo realista e,

sobretudo, inocentando-se em boa medida a ordem capitalista.

Resumindo, esta função atenuante, contida na ruralidade idealizada, alivia a

preocupação colectiva com o futuro, dá um sentido ao caos identitário e temporal,

que a globalização faz pairar sob a civilização e subtrai alguma da culpa capitalista.

Isto porque, dando a ilusão de um novo futuro, desresponsabilizado as cidades da

preservação ambiental e aliviando algum do desconforto estrutural ao nosso modelo

de desenvolvimento (em si insustentável e fracturante), esta ruralidade "disponível"

vem, enquanto suposta compensação, renovar os votos de confiança no sistema

capitalista, permitindo a manutenção e a legitimação dos mesmos estilos de vida.

Culturalmente, estas parecem ser as funções e as causas que justificam a

força e a transversalidade do discurso, mesmo perante a sua aparente

inconsequência ao nível do desenvolvimento local. Mas indo mais longe,

arriscaríamos questionar se este discurso não funcionará igualmente, em

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

134

antecipação, como uma forma de domesticar e integrar, nas tendências do

mainstream, eventuais ímpetos rebeldes de ruptura com a cidade/civilização,

perante tão poucos sinais de esperança, de sustentabilidade e de futuro. Por outras

palavras, como uma forma de rentabilizar esse potencial desviante ou alternativo,

por via da sua integração nos circuitos de consumo e, consequentemente, pelo seu

esvaziamento ideológico e eventualmente revolucionário.

Nesta lógica, perguntamos se a manutenção deste sonho de ruralidade

disponível e desta alteridade que "trabalha" a favor da cidade, não contraria ou

atrasa um eventual êxodo urbano progressivo ou possivelmente iminente, ou pelo

menos, se não rentabiliza esse potencial de ruptura. De qualquer forma, parece

claro que estamos perante uma tentativa de reintegração do rural enquanto recurso

desaproveitado, nos circuitos económicos urbanos, naquilo que é uma

reorganização das relações territoriais, com o reforço da dominação urbana.

Desta feita, se pensarmos nas motivações económicas que podem ajudar a

justificar a consistência deste projecto de reinvenção da ruralidade, facilmente

relacionamos a expansão dos negócios e do consumo urbanos, com os estímulos à

disseminação desta versão trendy do mundo rural. Neste sentido, se não são

palpáveis os resultados positivos das políticas e investimentos, para concretizar este

projecto patrimonial de ruralidade ao nível local (entenda-se nas áreas rurais), não

será de todo complicado, por outro lado, enunciar algumas das suas vantagens para

os mercados e habitantes urbanos.

De facto, o turismo rural pode não ter tido ainda grandes impactos no

desenvolvimento rural, mas já se consolidou como uma franja importante do

mercado turístico e tem vindo a ganhar prestígio e valorização, enquanto actividade

económica. Indo mais longe, se a requalificação das imagens associadas à

ruralidade não fez ainda desaparecer alguns dos estigmas que assombram as

localidades marcadas pela marginalização, nem fez, por exemplo, recuar a sua

desertificação progressiva, no contexto urbano, por seu turno, alimenta um circuito

comercial crescente de lojas de produtos rurais, que ascendem ao estatuto de

gourmet (e isto só para dar um exemplo dos inúmeros aproveitamentos que se têm

feito do poder comercial do chamado ideal rural).

Ora, com isto pretende ilustrar-se que, mesmo que não sirva o

desenvolvimento rural, apresentado como prioridade estratégica e legitimadora de

esforços e investimentos, a disseminação desta ruralidade reinventada é certamente

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Capítulo V

135

favorável à vitalidade dos circuitos de comércio e consumo urbanos. Neste processo

de abertura do espaço rural ao exterior e através do seu usufruto turístico e

residencial, consolida-se a sua apropriação pelas classes médias, naquilo que se

apresenta como uma espécie de democratização do ideário pastoral, outrora apenas

reservado a uma elite de gosto requintado e de elevado poder de compra (Silva,

2009).

Se a propriedade de uma casa de campo deixa de ser um luxo reservado a

grandes herdeiros e se banalizam progressivamente actividades como a ornitologia,

a caça, o turismo termal, a contemplação da paisagem, o montanhismo, etc.,

podemos encontrar nesta integração do rural e dos seus produtos, nos circuitos

comerciais urbanos, uma espécie de vitória da classe média, ainda que se

mantenham diferenças de oferta, para distintas franjas de públicos, segundo o poder

de compra (Lengkeek et al., 1997).

Importa ainda acrescentar às motivações culturais e económicas enunciadas,

os interesses políticos que reforçam a sustentação e a robustez deste projecto de

reinvenção da ruralidade.

Ora, as questões rurais constituem temas centrais das políticas da União

Europeia, aliás como é notório, se pensarmos que as políticas agrícolas e de

desenvolvimento rural constituem a maior fatia de despesa da instituição até aos

nossos dias (Favareto, 2006).

Há, de facto, que reforçar "(...) a centralidade que a questão dos espaços

rurais - seu surgimento, sua dinamização - vem assumindo no debate sobre a

própria construção da União Europeia e em torno da qual se expressa uma grande

diversidade de interesses, de grupos sociais e de regiões particulares. Neste caso, o

"rural" se constitui como um locus de onde emergem questões, conflitos e rupturas."

(Wanderley, 2000, pág. 27).

Tendo este peso na conjuntura política à escala Europeia, importa

desconstruir as motivações estratégicas e ideológicas por detrás das orientações

políticas que rodeiam as questões rurais, até porque estas acabam por influenciar de

forma intensa não apenas e, obviamente, as políticas nacionais e locais, mas

principalmente a forma como, a estas escalas, se constroem os discursos e se

perspectiva a situação do mundo rural e dos seus problemas (Billaud et al., 1997).

De facto, a substituição de uma abordagem sectorial por uma perspectiva

territorial das questões rurais, operada com a reformulação da PAC (Política Agrícola

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

136

Comum) na década de 80, veio a desencadear a consolidação de um novo

paradigma de desenvolvimento rural, não só no âmbito dos programas europeus,

mas em geral nos discursos sociais sobre estas matérias (Veiga, 2004).

O aperfeiçoamento deste pacote de medidas, um dos primeiros

compromissos políticos à escala comunitária, culmina com o programa LEADER (já

na década de 90), cuja filosofia de intervenção tem resistido até à actualidade,

enquanto orientação estratégica e posicionamento ideológico a manter, perante os

desafios que se apresentam às áreas rurais. Falamos de uma estratégia de

desenvolvimento baseada na diversificação funcional e na rentabilização dos

recursos culturais e naturais locais, que pretende estimular o empreendedorismo

endógeno e, assim, fazer recuar progressivamente a dependência subsidiária, que

ficou como consequência dos apoios à actividade agrícola da PAC (Gray, 2000).

Reforça-se discursivamente a importância do potencial local e da capacidade

de endogenamente serem tomadas as rédeas da reanimação económica, bem como

de diminuir a aposta na agricultura, naquilo que parece ser uma forma de reduzir a

despesa pública com o sector. Por um lado porque o sector de maior exigência

subsidiária (o primário) é estimulado a perder peso relativo e, por outro, porque se

consolida a substituição de uma lógica de grande intervencionismo público, para

uma modalidade em que a UE dá maior espaço às supostas iniciativas privadas de

negócio. Ainda que se mantenha o apoio a estes projectos, não estamos mais

perante a sustentação financeira de um sector produtivo, mas antes de uma

estratégia de estímulo ao pequeno empreendedorismo, acompanhado caso a caso,

negócio a negócio.

A redução da dependência subsidiária ou o "desmame" da PAC e em geral da

despesa pública com as áreas rurais, que como dissemos anteriormente, constituía

a maior fatia do orçamento da UE, pode constituir, de facto, pela sua importância

económica, uma das grandes motivações políticas para a disseminação deste

discurso e projecto de desenvolvimento para o mundo rural (Ray, 2000). Mas

podemos ir mais longe, se pensarmos que esta pode ser uma forma de recuperar a

confiança nas instituições europeias, após anos de grande conflituosidade social,

resultante da implementação da PAC, devido ao grande prejuízo que esta

representou para muitas das áreas rurais (principalmente nos países do Sul da

Europa), subitamente desprotegidas e marginalizadas num quadro competitivo,

assimétrico e feroz (Ray, 2000).

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Capítulo V

137

Esta estratégia política pós PAC para as áreas rurais, faz transparecer uma

sensibilidade e um interesse reforçado nos patrimónios locais, na participação

popular, na iniciativa privada, nas especificidades de cada contexto, etc. Ora, a

estratégia de estimular a rentabilização destes elementos pode, de facto,

apresentar-se como um interesse quase humanitário de dar voz à participação

popular na gestão dos seus valores e territórios, o que não deixa de ser muito

favorável à imagem da União Europeia, à escala regional e local (Ray, 2000).

Estreitar as distâncias entre as localidades e as instituições europeias, cicatrizar

algumas das feridas deixadas pela conflitualidade e pelas polémicas em torno da

PAC, criar ou recuperar a confiança na autoridade política europeia e reforçar assim

a sua legitimidade, bem como, melhorar a sua imagem institucional, constituem, sem

dúvida, boas razões para que se mantenha o interesse na continuidade desta

estratégia.

Podemos ainda acrescentar que este novo paradigma político de

desenvolvimento, ao apelar ao envolvimento privado e endógeno, ensaia o reforço

da legitimação da sua agenda estratégica, na medida em que ao integrar a

participação local na sua aplicação, acaba por consolidar uma espécie de conivência

para com as orientações políticas que estão a montante (Ray, 2000). Em suma, com

esta estratégia de reinvenção dos territórios rurais, legitimam-se as escolhas

políticas da UE, que melhora a sua imagem junto das comunidades locais, diminui-

se a despesa pública com a agricultura e com os territórios rurais e recupera-se,

assim, de algumas das mazelas deixadas pela PAC. Desta feita, este parece

constituir um conjunto de interesses políticos suficientemente fortes, para manter a

convicção no projecto de ruralidade que discutimos e para angariar esforços e

consensos, em torno da sua aplicação.

A nova ruralidade começa a ser consolidada nos documentos e políticas da

UE e é principalmente através destes que se dissemina o discurso de valorização do

potencial consumível do rural e dos seus produtos (Hadjimichalis, 2003). São as

políticas europeias que ensaiam a aplicação da visão urbano-cêntrica da ruralidade

e é o discurso europeu que, permanentemente, reforça a importância que a

preservação, do rural ambiental e patrimonial, tem para o bem da sociedade como

um todo (Gray, 2000). No entanto, deve ser dito que os interesses políticos, latentes

às políticas europeias de desenvolvimento rural, estão associados por seu turno a

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A urbanidade deste projecto de ruralidade – estratégia, representações e interesses

138

interesses culturais, económicos e territoriais, como os que discutimos

anteriormente.

Neste sentido, a mudança de abordagem estratégica às questões rurais, com

a revisão da PAC e a posterior criação do programa LEADER, corresponde ao fim

de um longo período, em que o lobby do sector agrícola representava um grupo de

pressão poderoso, às escalas nacional e europeia. Este parece ter sido suplantado,

pela influência dos interesses das classes médias urbanas, cujas práticas de

consumo ultrapassam os limites da cidade e se estendem progressivamente sob os

territórios rurais, onde vivem, onde passam férias, onde depositam os seus planos

para a idade da reforma, onde ancoraram as suas identidades culturais, onde

recuperam a esperança no futuro, onde encontram um sentido para a existência,

onde compensam os desconfortos urbanos, etc. (Hadjimichalis, 2003).

Desta feita, as políticas e perspectivas em torno da ruralidade, através dos

discursos que lhes estão associados, acabam por revelar muito do que são os

grupos, as influências, os interesses e a forma como, em cada contexto, estes se

agigantam, para controlar os territórios e o rumo do seu desenvolvimento.

"For example, the imaginative shift in rural space, from production to

consumption/leisure, is a crucial cultural factor of enormous political, economic and

social significance as the assumptions, pre-images and stereotypes on which is

based predetermine decisions and strategies. Without grasping the significance of

geographical imagination it is impossible to identify the broad direction of changes in

Europe and on global scale." (Hadjimichalis, 2003, pág.104).

Concluindo, é interessante discutir estes discursos para que, ao traçar o

projecto de ruralidade que estes precipitam, consigamos vislumbrar o que se espera

dos territórios e o que se prevê que estes concretizem num futuro próximo. Por

outras palavras, ao agarrarmos o discurso para conhecer o projecto de ruralidade,

que se tenta politicamente materializar, estamos a conhecer as "mãos" que moldam

os territórios e as forças que as animam, bem como os contornos do modelo de

ruralidade que se estabelece como desejado. Posto isto e perante a urbanidade

destas dinâmicas, torna-se mais do que pertinente descer à cidade em busca da

anatomia dessas expectativas, sendo precisamente esta a linha que seguirá a

presente investigação.

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VI. As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia

urbana ao encontro da ruralidade recriada Por isso ele tinha aquela grande tristeza Que ele nunca disse bem que tinha, Mas andava na cidade como quem não anda no campo E triste como esmagar flores em livros E pôr plantas em jarros... 1925, Alberto Caeiro (Fernando Pessoa).9

Feito este caminho reflexivo e após ter sido discutido o discurso de

reinvenção da ruralidade nas suas diferentes dimensões, os argumentos que o

sustentam e legitimam, os interesses que o estimulam, e chegados à assunção do

seu carácter urbano, cumpre-se de certa forma um dos objectivos deste trabalho.

Isto porque uma das suas ambições centrais era a de conseguir articular

teoricamente, numa mesma reflexão, muitas das temáticas que rodeiam as

discussões em torno do mundo rural na actualidade, tratadas frequentemente de

forma dispersa e divorciada.

Pretendia-se contribuir para estes debates, fornecendo um quadro teórico e

reflexivo coerente e íntegro, que servisse de mote para múltiplas possibilidades de

trabalho de campo. Ou seja, proporcionar uma problematização base que, ao

suscitar diversas questões interessantes, articuladas, mesmo que diferentes,

pudesse sugerir e apoiar variados caminhos de investigação.

Apesar das questões ligadas ao desenvolvimento rural e ao potencial

patrimonial rural estarem bastante em voga na actualidade, quer no que toca às

suas políticas e programas, quer no que diz respeito ao turismo e aos produtos da

terra, às preocupações ecológicas, etc., não tem sido alcançada a articulação destes

debates, por via da sua relação e interdependência "na fonte". Achamos, de facto,

que o que aqui se ensaia é o colmatar dessa dispersão reflexiva, por via da

consolidação da indissociabilidade destas questões, e o destaque desconstrutivo da

9 Excerto do poema “Cesário Verde”, in “O Guardador de Rebanhos – Poema III”.

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As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada

140

sua ascendência original, ou seja, do discurso hegemónico de valorização

estratégica de uma determinada versão consumível da ruralidade.

Integrando estes debates numa mesma reflexão e centrando-a no discurso

dominante (que agrega nas suas versões, argumentos, interesses, origem e

consequências, aquilo que são as principais expectativas e influências para os

territórios rurais na actualidade), compõe-se, como foi dito, um estímulo poderoso e

versátil para múltiplas possibilidades de pesquisa empírica. Não se pretendia,

portanto, direccionar demasiado a reflexão teórica central deste trabalho, para servir

o estudo de um objecto muito específico e circunscrito.

Pelo contrário, foi assumida a ambição clara de discutir o discurso

hegemónico de reinvenção da ruralidade, de forma suficientemente genérica e

abrangente, para lhe ser condizente (já que este é, em si, generalista e agregador

das diferenças, dirigindo-se aos territórios rurais como se estes fossem de definição

una, tivessem os mesmos problemas, recursos e soluções), mas sobretudo para se

adaptar à infinidade de realidades empíricas, que podem ser estudadas, sob o

prisma da hegemonia deste discurso de reinvenção, quer na sua dimensão política,

quer cultural, comercial, axiológica ou estratégica.

Para dar alguns exemplos ou sugestões, poderíamos partir deste quadro

teórico para estudar a ruralidade veiculada na literatura portuguesa de tradição

pastoralista, de Júlio Dinis ou Eça de Queiroz, por exemplo, pela influência cultural

que tem tido desde a modernidade em Portugal, ou até fazer a análise da

publicidade a serviços de turismo em espaço rural, para perceber quais os valores

simbólicos instrumentalizados nas estratégias de atracção de turistas urbanos. Seria

também interessante estudar a evolução do comércio de produtos rurais em espaço

urbano, ou a evolução do mercado das residências de férias em espaço rural,

identificar os públicos para estes circuitos comerciais, conhecer as suas motivações,

etc.

Assim, partindo desta reflexão teórica e com a noção da infinidade de

possibilidades de objectos de estudo, decidiu-se seleccionar um caminho de

investigação empírica que centrasse o olhar fora do mundo rural. Em primeiro lugar,

no reforço da ideia de que não estamos a discutir territórios determinados, mas

antes paisagens imaginadas ou projectos de território; segundo, porque nos parece

importante reforçar a urbanidade do discurso e ir à sua origem (a cidade); e por

último, porque as manifestações e influências do discurso em meio rural acabam por

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Capítulo VI

141

estar mais estudadas, nomeadamente com os estudos de caso sobre

patrimonialização e promoção turística de aldeias, parques naturais, tradições locais,

etc.

Desta feita, se este é um discurso urbano, importa ir procurá-lo no corpo da

cidade, encontrar os espaços em que este se materializa antes de "sair" da urbe e ir

moldar, pela expectativa, os territórios rurais. Importa conhecer os lugares onde se

alimenta a imaginação colectiva, em que se materializam os contornos das

paisagens rurais sonhadas e onde se "abre o apetite" urbano para os produtos rurais

e o rural enquanto produto.

Escolhemos, portanto, procurar na cidade espaços de recriação da ruralidade

idílica veiculada pelo discurso. Da sua análise, pretende ensaiar-se a desconstrução

dos projectos de bucolismo, que se adiantam sobre os territórios "reais", bem como

das paisagens desejadas dominantes, para assim reforçar a noção do que se espera

dos territórios rurais, dentro desta lógica de correspondência às expectativas do

mercado de consumo urbano.

Se, como vimos, os discursos precipitam projectos para os territórios,

configurando as paisagens reais através da influência das paisagens imaginadas,

em disseminação cultural, política, comercial, etc., nos espaços de recriação

combinam-se dois aspectos interessantes: o facto de serem a sua materialização,

mas simultaneamente, de manterem o carácter onírico e fantasioso, que só uma

encenação permite. Quase como um ensaio de lugar, conseguem ser, portanto,

paisagem real e paisagem imaginada, condensando num só espaço a materialidade

e a fantasia, as pedras e os sonhos.

Conhecer estes cenários acaba por ser um meio para conhecer os projectos

de lugar que, através dos discursos, exercem pressões sobre os territórios, forjando

os espaços que se aproximam, imprimindo o poder das expectativas, concretizando,

em suma, a hegemonia urbana sobre o mundo rural.

Obviamente que esta pesquisa não tem a pretensão de, ao analisar exemplos

de recriação da ruralidade em espaço urbano, alcançar resultados que possam ser

extrapolados ou tidos como representativos, daquilo que são esses projectos ou

expectativas. Pretende-se antes que esta incursão ao terreno sirva para incrementar

a reflexão que até aqui se tem desenvolvido, testá-la enquanto filtro para a análise

da realidade territorial e cultural e demonstrar o seu interesse, enquanto quadro

teórico de base para novas pistas de investigação.

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As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada

142

Recapitulando, após a ponderação de diversas possibilidades de trabalho

empírico para ilustrar esta pesquisa, tornou-se claro que o objectivo seria o de

encontrar e desconstruir possíveis casos de recriação da ruralidade idílica no corpo

da cidade. Desta feita, através de algum trabalho de prospecção e selecção, tomam-

se dois casos de suposta recriação da ruralidade e desce-se ao terreno para

perceber se, de facto, podemos afirmá-lo e, mais ainda, se estamos perante a

recriação de uma ruralidade depurada e bucólica, como a que é veiculada pelos

discursos dominantes, que servem de tema ao presente trabalho de investigação.

O objectivo desta investigação empírica é alcançar um entendimento profundo

dos dois casos seleccionados e perceber se podemos considerá-los exemplos de

recriação da ruralidade idílica, tradicional e natural que temos vindo a discutir. O foco

de análise centrar-se-á assim nas motivações, projectos e estratégias que

concretizam a suposta recriação da ruralidade nos casos estudados, bem como na

sua utilidade pública e funções sociais. Ensaia-se, portanto, uma avaliação do seu

carácter ou potencial bucólico e cenográfico, em articulação com a discussão dos

contornos da ruralidade desejada, que é alimentada pelo discurso urbano.

Não se espera representatividade dos dois casos analisados, nem que a partir

da sua análise possamos extrapolar ilações para outras cidades, outros casos de

recriação, outras paisagens, ou outras ruralidades. Pretende-se sim alimentar o

debate e a reflexão em torno destas questões e, sobretudo tentar contribuir para a

identificação das linhas que desenham a ruralidade desejada em espaço urbano,

linhas essas que servem de molde para forjar os territórios reais, por via da pressão

de desenvolvimento que é imposta ao mundo rural, naquilo que é a sua reintegração

nos mercados de consumo capitalistas e urbano-cêntricos.

Dos espaços de recriação, dos lugares encenados e "acondicionados",

acabam por ser (re)alimentadas as paisagens rurais imaginadas (que inspiraram em

primeiro lugar a sua criação), ao mesmo tempo que se precipitam modelos para

forjar os territórios reais, engolidos na voragem das expectativas e dos interesses

urbanos de consumo e recreação, bem como dos estímulos políticos e económicos

ao seu desenvolvimento patrimonial e turístico.

Posto isto e perante o objectivo de ir à cidade procurar pelos lugares em que

se alimenta essa ruralidade desejada, restava decidir qual a cidade que serviria de

meandro para essa busca e, dentro dela, dos casos, em redor dos quais, se

centraria a pesquisa e a partida para a reflexão. Escolhe-se então a cidade do Porto

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Capítulo VI

143

(41,5 Km2 e cerca de 265 mil habitantes10), por ter uma dimensão considerável,

principalmente tendo em conta a sua área metropolitana, mas ao mesmo tempo

estar muito ligada, pela localização, concentração de serviços, equipamentos e infra-

estruturas, bem como pela influência cultural, económica e política, a todo o Norte

de Portugal.

“Toda a actividade da Região Norte se desenvolve à volta deste centro

urbano, em forma de círculos concêntricos, cuja importância se vai esbatendo à

medida que o raio aumenta e portanto a distância ao Porto se vai tornando maior.”

(Ayres, 1981, pág. 204).

Funcionando como a "capital" do Norte de Portugal, o Porto acaba por

representar, na sua urbanidade indiscutível, uma região de grande tradição rural e

palco de uma ampla aplicação das estratégias de desenvolvimento rural, mais

centradas no potencial estratégico dos patrimónios culturais e naturais. A região

(que combina Minho, Douro Litoral e Trás-os-Montes) é a zona do país com a maior

concentração de Parques Naturais, o maior número de produtos de origem

classificada, entre os quais se destaca o Vinho do Porto, que foi o primeiro produto

no mundo de origem protegida (por via dos esforços de protecção do Marquês de

Pombal) e, finalmente, de maior concentração e crescimento de equipamentos de

turismo rural e de natureza. De facto, no que diz respeito ao turismo em espaço

rural, a região norte acumula 44% da oferta (dados de 2008) (Silva, 2009).

“Tal situação estará associada ao facto de ser no Norte que encontramos o

maior número de estruturas físicas susceptíveis de adaptação ao turismo e um

espírito mais empreendedor por parte dos proprietários. É nesta área do país que

existe o maior número de solares e casas apalaçadas, muitos deles afectos ao

turismo de habitação, especialmente no Minho, que é justamente considerado o

berço desta forma de alojamento turístico.” (Silva, 2009, págs. 67/68).

Sendo uma cidade com um passado rural muito recente, devido a uma

expansão urbana tardia e exponencial, na segunda metade do séc. XX, o Porto

caracteriza-se por ter um tecido social fortemente ligado ao mundo rural, identitária,

histórica e demograficamente. A sua recente expansão e consolidação urbana e

metropolitana e o forte êxodo rural que sempre serviu para aumentar a população da

10 Dados do Instituto Nacional de Estatística, Sensos de 2001.

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As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada

144

cidade, explica a estreita ligação de uma grande parte da sua população à vida rural

e, em grande medida, a uma origem regional.

Assim, reforça-se o interesse de escolher o Porto como ponto de partida,

muito pela eventualidade desse apelo cultural e histórico das origens rurais, mas

também pela proximidade com uma região que se projecta económica e

identitariamente por via do seu potencial patrimonial e natural dominantemente rural.

A cidade do Porto, funcionando quase como a “ponta urbana de um iceberg

regional”, que ensaia o seu desenvolvimento dentro do que destacamos como o

conjunto de estratégias de valorização do potencial patrimonial rural, acaba por ser,

por um lado, o seu consumidor mais imediato e, por outro, a “montra” daquilo que

mais se insinua no mercado de consumo.

Por outras palavras, acaba por ser na cidade que mais se alimentam as

representações, que projectam a ruralidade nos circuitos de consumo urbano e

onde, de forma mais intensa, são geridas estas economias simbólicas. É na cidade

que se define a ruralidade desejada e as linhas com que esta se desenha nas

imaginações e, posteriormente, nos territórios. Portanto, tendo o Porto esta

importância e influência estratégica no contexto da região Norte e tendo esta, tanta

importância e poder de influência, no que são as dinâmicas económicas e culturais

rurais, à escala nacional, pelo facto de ser a zona do país de mais extensa e

profunda implementação das estratégias patrimonialistas de desenvolvimento rural,

tomá-lo como ponto de partida para esta fase da pesquisa acabou por ser uma

decisão lógica e até estratégica.

Dentro da cidade, era necessário encontrar os tais espaços de recriação da

ruralidade e assim tentar conhecer os seus contornos. No Porto destacam-se dois

aparentes exemplos de recriação da ruralidade que importava explorar, pelo seu

interesse e protagonismo, já que estão ambos integrados nos dois maiores parques

urbanos públicos da cidade e representam origens e épocas diferentes de

valorização da ruralidade idílica11.

Um, integrado no Parque de Serralves, criado na primeira metade do séc. XX,

dentro do que era a influência da tradição romântica do séc. XIX, e de origem

privada, fruto do poder económico de um aristocrata ligado à indústria têxtil, de

educação refinada, com grande influência cultural europeia. E um outro, de iniciativa

11 Ver mapas em anexo para localização precisa da cidade do Porto no território nacional, dos dois parques urbanos referidos no espaço da cidade e, dentro destes, de ambos os objectos de estudo.

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145

pública (CMP – Câmara Municipal do Porto), bastante recente, inaugurado na última

década, resultante da recuperação de uma zona de pequenas quintas e integrado no

Parque da Cidade do Porto.

Ao primeiro exemplo chamaremos Mata-Sete, nome original do lugar onde foi

construída a quinta que tomaremos por objecto e, ao segundo caso, daremos o

nome de Núcleo Rural de Aldoar (NRA), que é aliás a sua denominação oficial e

pública. Mas antes de avançarmos com a apresentação dos casos tomados como

objecto nesta parte da pesquisa, devem ser esclarecidas as opções metodológicas

que pautaram o trabalho de campo.

1. Notas Metodológicas

A parte empírica da presente investigação tem por base o trabalho de campo

realizado ao logo dos primeiros quatro meses de 2010. Este serviu-se de uma

metodologia qualitativa para concretizar uma abordagem compreensiva dos dois

objectos seleccionados. Uma combinação de diferentes técnicas, permitiu uma

recolha de material rica e extensa, cuja análise autorizou uma problematização dos

objectos, pautada pela destreza e pela segurança que se exige numa pesquisa

desta natureza.

Especificando, desenvolveram-se diversas visitas, a ambos os espaços, para

conhecê-los e perceber os seus quotidianos e foram tiradas cerca de 250 fotografias

para análise posterior. A propósito, assinala-se que uma selecção destas fotografias,

devidamente legendada, está disponível para consulta em anexo, para ilustrar o

corrente capítulo, facilitar o seu entendimento e permitir ao leitor interpretar e

verificar por si próprio, algumas das ilações apresentadas.

Salvaguarda-se igualmente, que não faremos remissões foto a foto, no corpo

do capítulo, para não criar demasiadas interferências à leitura e para evitar que o

mesmo caia num registo demasiado descritivo. Também por isso, optámos por uma

legendagem mais detalhada (das fotos presentes em anexo), pontuada por algumas

remissões comparativas, no caso do NRA, já que (para este objecto) apresentamos

fotografias relativas a dois momentos diferentes.

Pelo facto de termos tido acesso ao levantamento fotográfico feito ao NRA,

antes das obras de requalificação, pudemos apresentar uma selecção de fotos

desse período, para ilustrar e demonstrar o alcance da sua transformação,

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146

nomeadamente por comparação com as imagens tiradas recentemente (durante o

trabalho de campo). Desta feita e para esclarecer qualquer tipo de dúvida a este

respeito, basta consultar a selecção fotográfica em anexo.

Foram igualmente desenvolvidas várias conversas informais, circunstanciais

ou com marcação prévia e seis entrevistas semi-directivas com marcação prévia e

gravação em formato áudio com pessoas que, pela sua vida profissional, estiveram

ou ainda estão envolvidas com os objectos em estudo e, portanto, em posição de

prestar esclarecimentos e contribuir com informações interessantes para a pesquisa.

Distinguimos as entrevistas das conversas informais, pela existência ou inexistência

de guião orientador preparado, senão com perguntas, pelo menos com tópicos de

conversação a abordar.

Sobre aspectos relacionados com o Núcleo Rural de Aldoar tivemos a

oportunidade de falar com:

Arq. João Rapagão (autor do projecto de recuperação do espaço);

Dr.ª Maria João Vasconcelos (historiadora, autora do estudo de

levantamento patrimonial do NRA, quando ainda se cogitava a hipótese

de transformá-lo no Pólo Rural do Museu da Cidade do Porto e uma das

primeiras pessoas a valorizar e alertar para o seu potencial patrimonial);

Dr.ª Maria do Céu Moreira (responsável pelo Centro de Educação

Ambiental do NRA) - conversa informal, não transcrita;

Eng. Orlando Gaspar (Vereador do Ambiente da CMP na altura do

projecto de recuperação do NRA, mentor do projecto de recuperação e

autor da iniciativa de preservação do conjunto).

Sobre o Mata-Sete, sua história, evolução e função educativa realizámos

entrevistas com:

Dr.ª. Teresa Andresen (actual directora do Parque de Serralves e membro

da comissão instaladora de Serralves, uma das primeiras pessoas a

entrar e intervir no Mata-Sete depois de ter passado para o domínio

público);

Arq. André Tavares (autor do livro "Os Fantasmas de Serralves" que

resulta de uma profunda investigação sobre o processo de construção do

projecto de casa/jardim/quinta do Conde de Vizela);

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Eng. Elisabete Alves (coordenadora do serviço educativo do Parque de

Serralves na actualidade);

Dona Teresinha (antiga caseira do segundo proprietário da quinta, Delfim

Ferreira, moradora do espaço por cerca de cinquenta anos) – conversa

telefónica informal, não transcrita;

Arq. Nuno Tasso de Sousa (especialista na obra do Arq. Marques da

Silva, autor do conjunto) – conversa informal, não transcrita.

Durante as visitas, as entrevistas e algumas incursões a bibliotecas, centros

de documentação, livrarias, lojas, páginas Web, entre outros locais de interesse, foi

recolhido um considerável número de material documental, literário e alguns outros

elementos relevantes (fotografias, livros, artigos científicos, estudos, mapas,

merchandising, folhetos, etc.) que vieram incrementar o conjunto de pistas e

objectos a aprofundar e analisar.

Deve ser dito que o encadeamento das conversas, das entrevistas, das visitas

e dos momentos de recolha de materiais foi pouco programado e foi sendo

precipitado pelas pistas e sugestões que iam surgindo, segundo o ritmo do próprio

trabalho de campo. Ou porque um entrevistado sugeria uma conversa com outra

testemunha, ou porque fornecia um documento que levava à busca de um novo

elemento ou material, ou até porque na pesquisa e posterior leitura de um artigo, se

abriam novas dúvidas que suscitavam o contacto com outras testemunhas

estratégicas, outros textos, documentos, olhares, perspectivas, etc.

Mesmo no caso das entrevistas com marcação prévia, semi-directivas, em

que se contactava a pessoa em causa com antecedência, explicando o motivo do

interesse na entrevista e todo o trabalho de investigação por detrás da incursão ao

terreno, não foi uma preocupação preparar os guiões muito estruturados,

precisamente porque se pretendia que a cadência do raciocínio do entrevistado e os

conteúdos por ele abordados, não fossem podados por eventuais ideias prévias do

que era esperado ouvir.

No entanto, alguma orientação foi dada, por via de perguntas ou pelo

lançamento de tópicos ou temas de conversa, para que fossem esclarecidas as

principais dúvidas da pesquisa. Nomeadamente, se estamos, de facto, perante dois

casos de recriação da ruralidade, se esta é a ruralidade idílica e depurada, que é

veiculada pelos discursos políticos, culturais e comerciais dominantes e qual a

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história, as motivações, os contornos e as estratégias de concretização desses dois

projectos.

Importante é também relembrar que, logicamente, o convite para a entrevista

e a explicação da temática do trabalho, bem como, da motivação por detrás da

mesma, podem ter tido, por si só, uma influência na forma como as pessoas

contactadas conduziram os seus discursos sobre o objecto em causa. De qualquer

forma, foi sempre uma intenção e orientação clara, tentar dar às entrevistas

realizadas a aura de conversas informais, em que o interlocutor tivesse o máximo de

liberdade para conduzir o encadeamento dos conteúdos e das suas opiniões, com o

mínimo possível de perguntas estruturadas, precisamente para não influenciar a

relevância dada a cada item, ou a forma como se expunham os pontos de vista.

Comparativamente, pode ser dito que o volume de informação recolhido em

torno dos dois objectos é equivalente, não havendo grandes desequilíbrios, mesmo

perante algumas diferenças. Isto porque, se pensarmos por exemplo que, no caso

do Mata-Sete, a literatura científica é mais abundante, mesmo que não

especificamente sobre a quinta, mas em torno de Serralves, no caso do NRA,

apesar da escassez de estudos científicos relacionados, o material documental

original, sobre o projecto de recuperação do espaço e sua abertura ao público, foi

bastante acessível, acabando por ser compensada a diferença.

Desta feita, mesmo estando um dos objectos integrado numa Fundação, com

centro de documentação e biblioteca próprios, e o outro, eventualmente por ser

municipal e estar integrado num parque público, não ter uma estrutura de

preservação de memória tão visível ou organizada, não foi sentida uma grande

discrepância no volume de informação disponível.

Talvez pelo facto de o projecto de recriação do NRA ser mais recente e pelo

contacto com o Arquitecto João Rapagão (um dos autores do projecto) e com o

antigo Vereador da CMP Orlando Gaspar (de quem foi a iniciativa de aproveitamento

do conjunto) se terem verificado muito frutíferos, no que diz respeito à cedência de

material documental sobre o caso. Ou até mesmo porque ainda existem algumas

dúvidas e lacunas na documentação sobre o processo de construção do complexo

casa/jardim/quinta de Serralves e em torno da sua história. O que é facto é que foi

logrado um volume de material recolhido bastante equilibrado para os dois objectos

e com bastante interesse para ilustrar a pesquisa.

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149

Para facilitar a análise, organizando e sintetizando a informação recolhida,

foram realizadas diversas tabelas resumo, disponíveis em anexo para consulta

integral, cuja leitura oferece uma noção clara dos conteúdos das entrevistas, da

documentação, das fotografias e de todo o restante material. Estes quadros resumo

estão divididos e organizados para que o primeiro ofereça uma síntese da

caracterização genérica do objecto, o segundo enuncie todo o material recolhido e

os restantes três sistematizem os seus conteúdos, segundo o tipo de suporte.

Por outras palavras, na primeira tabela (Tabela síntese de caracterização e

análise – 1.1 e 2.1) resume-se toda a caracterização do objecto, segundo diversos

critérios de análise, a saber, a sua história e localização, as construções e

equipamentos que contém, a sua fauna e flora, estilo arquitectónico e decorativo e

actividades que nele têm lugar, em dois momentos diferentes (um primeiro

destacado no passado e o segundo nos meses correspondentes à realização do

trabalho de campo).

É também incluída na tabela a informação respeitante aos equipamentos

comerciais, apenas existentes no caso do NRA. Esta caracterização específica é

organizada e concretizada pelas seguintes categorias: tipo de actividade comercial,

produtos vendidos, espaço ocupado, estilo decorativo da loja. Finalmente há ainda

espaço no quadro para acrescentar outras observações suplementares, que

eventualmente não tenham tido lugar em nenhuma das outras entradas da tabela.

O segundo quadro (Tabela resumo do material recolhido – 1.2 e 2.2) tem

lugar para o registo de todo o material angariado durante o trabalho de campo,

dividido por várias categorias, listando-se separadamente as entrevistas e conversas

realizadas, o material documental conseguido, a literatura consultada, o número de

fotografias cedidas ou tiradas e outros elementos suplementares, que possam ter

sido considerados.

Finalmente, foram criadas mais três tabelas para resumir os conteúdos das

entrevistas (1.3 e 2.3), do material documental recolhido (1.4 e 2.4) e das fotografias

(1.5 e 2.5), separadamente, sendo que, no caso do Mata-Sete, a síntese foi

adaptada para incluir outros materiais de interesse, que não necessariamente

documentais.

Com este exercício de síntese e organização das informações e materiais

recolhidos ou, em suma, dos elementos de caracterização de ambos os objectos,

era pretendido lograr uma visão geral e, ao mesmo tempo, detalhada e rigorosa, de

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toda a matéria-prima de análise extraída. Neste tipo de incursão ao terreno, em que

se combinam diversas técnicas de investigação, materiais e conteúdos, sob um

intenso trabalho de observação e recolha, nem sempre é fácil sistematizar e

organizar com rigor todos os resultados e elementos, pelo que se exige um esforço

acrescido de síntese e arrumação das informações.

Ora, tratando-se da análise de dois objectos distintos e, portanto, de

diferentes fontes, materiais, suportes, testemunhas, etc., mais importante se tornava

sistematizar a informação através de critérios de organização e síntese

semelhantes, para que fosse possível lograr uma análise equilibrada e coerente de

ambos os casos em estudo.12

São precisamente os resultados deste trabalho de recolha e análise que

iremos apresentar, enquadrados na reflexão e problematização maior que tem lugar

nas próximas páginas e que pretende partir dos dois casos de suposta recriação da

ruralidade, para tentar agarrá-la, enquanto o projecto de paisagem que é precipitado

discursivamente, em tantas esferas da vida social.

Começaremos pelo Mata-Sete.

2. Dois Projectos de recriação da ruralidade idílica?

2.1 A Quinta do Mata-Sete

A Quinta do Mata-Sete está integrada naquilo que é vulgarmente chamado de

Parque de Serralves e a sua história passa invariavelmente pela referência a Carlos

Alberto Cabral (Segundo Conde de Vizela). Isto porque os 18 hectares que compõe

a propriedade de Serralves foram por ele agrupados, por via de aquisições de

terrenos e permutas, para alargar as terras que herdara de sua família e concretizar

um projecto para a sua residência na cidade do Porto. O talhão do Mata-Sete resulta

precisamente de uma troca efectuada com o seu irmão, em mais uma diligência

esforçada para cumprir com um plano ambicioso de expansão da sua propriedade

(Andrade, 2009).

12 Sublinha-se que os mapas de localização dos objectos no espaço da cidade, as tabelas resumo referidas e algumas fotografias seleccionadas e legendadas estão disponíveis para consulta em anexo.

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A história deste processo, estando relativamente estudada e documentada13,

não responde, contudo, de forma cabal e inequívoca às questões, que se prendem

com as motivações por detrás de tão ambicioso projecto, cujos limites se imaginam,

mas não se podem confirmar com toda a certeza. Especula-se, por exemplo, que o

Conde quisesse alargar a sua propriedade até ao Douro e que quisesse fazer da

Avenida da Boavista a sua mais visível frente, mas sobre estas e muitas outras

questões existem ainda algumas deficiências de documentação.

De qualquer forma, é possível traçar no essencial a história deste projecto,

que remonta ao princípio do século XX e marcou sem dúvida a história da cidade do

Porto. Fá-lo-emos em seguida, embora de forma breve, por já existir bastante

literatura que, de forma detalhada, tenta contar a história de Serralves, mas

sobretudo para nos podermos alongar mais, no que diz respeito especificamente ao

Mata-Sete.

Carlos Alberto Cabral (1895-1968), filho do Conde de Vizela, empresário da

Indústria Têxtil, herda em 1923, para além das fábricas, da fortuna e dos negócios

da família, uma propriedade na Rua de Serralves, composta por uma casa com

capela, jardim e alguns terrenos agrícolas. Esta funcionava com a casa de veraneio

da família que, como era costume no seio da classe mais abastada da cidade, saía

do centro para ir passar os meses quentes do ano à Foz ou a outras zonas

periféricas da cidade e que hoje fazem parte integrante do seu denso tecido urbano

(Tavares, 2007; Andrade, 2009).

Nos terrenos herdados já existiam jardins requintados, que serviam de

cenário para “chás dançantes” e outros eventos, um lago, algumas hortas e alguns

terrenos lavrados, aos quais foram acrescentadas, como foi dito, parcelas e quintas

vizinhas, para compor o actual Parque de Serralves.

Em 1925, Carlos Alberto Cabral vai a Paris para visitar a Exposição

Internacional das Artes Decorativas e Industriais, acompanhado pelo Arquitecto

Marques da Silva, mestre de arquitectura da cidade do Porto e responsável por

muitos dos seus edifícios emblemáticos (Andresen & Marques, 2001; Andrade,

2009). Ao que parece, esta experiência tem uma influência preponderante na

transformação, do que era a intenção inicial de remodelação da casa da família

13 Sobre a história detalhada do projecto de construção da Casa de Serralves consultar Andrade, Sérgio C. (2009), Serralves - 20 anos e outras histórias, Porto, Fundação de Serralves e Tavares, André (2007), Os fantasmas de Serralves, Porto, Dafne Editora.

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Cabral, numa nova ambição de construir de raiz uma casa com jardim, segundo os

cânones arquitectónicos, decorativos e paisagísticos mais modernos.

Desta feita, auxiliado por Marques da Silva, contacta com os mais afamados

arquitectos e decoradores franceses (como Charles Siclis e Jacques-Émile

Ruhlmann) e inicia o projecto colectivo que resultou na casa de Serralves (Tavares,

2007). Esta fica pronta no ano de 1944 (após alguns atrasos provocados pela

Guerra Civil Espanhola e pela Segunda Guerra Mundial) e é considerada a obra de

Art Déco mais notável em Portugal, mesmo tendo sido construída numa fase

posterior ao período áureo deste estilo arquitectónico.

A casa caracteriza-se pela opulência e pela sua dimensão exagerada, sendo

quase desmesurada, aliás como toda a propriedade circundante. O seu requinte é

visível na qualidade dos materiais (mármores e madeiras exóticas) e a sua

importância é patente na avultada fortuna gasta na construção, bem como no tempo

e nos esforços empregues em todo o processo de junção dos diversos terrenos do

parque. De assinalar é também a preocupação em escolher os melhores artistas e o

cuidado com o detalhe, até ao mais ínfimo pormenor, naquilo que foi um projecto

hercúleo, principalmente se pensarmos que foi feito por um privado e não por uma

grande empresa ou instituição pública.

O jardim é encomendado ao paisagista Jacques Gréber, cujo projecto data de

1932 e é um exemplo único, na cidade, do cruzamento hábil e harmonioso, entre os

ideais românticos e modernos, na arte de fazer jardins. Este jardim, integra

elementos anteriores, como o lago, por exemplo, combina ambientes de traçado

organicista, numa estrutura geral bastante geometrizada, e alcança uma

modernização das suas influências clássicas, quase como uma reinvenção Déco

dos jardins franceses dos séculos XVI e XVII (Andresen & Marques, 2001).

A educação primorosa do Conde, com uma forte influência da cultura

francesa, as suas permanentes viagens à Europa, as suas estadias prolongadas na

sua casa em Biarritz, bem como os seus contactos pessoais com a “fina flor”

cosmopolita da cidade do Porto, tiveram uma influência determinante em todo o

projecto de Serralves. Mais do que um homem da indústria, Carlos Alberto Cabral

era um homem do mundo, um homem moderno e de grande sensibilidade, mas

sobretudo um homem determinado em transformar todas as suas influências num

projecto, que apesar de ter sido sempre colectivo, foi acima de tudo pessoal

(Andrade, 2009).

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Capítulo VI

153

Apesar dos esforços e investimentos, Carlos Alberto Cabral e a sua esposa

Blanche Daubin tiveram poucos anos para desfrutar do complexo casa/jardim/quinta

em Serralves (apenas habitaram lá de 1944 até 1957), já que, devido a problemas

financeiros na sua fábrica de fiação, se viram obrigados a vender a propriedade. O

comprador foi outro industrial da cidade, Delfim Ferreira, que prometeu não

transformar a obra e preservá-la cuidadosamente na sua integridade. Foram

precisamente os seus herdeiros que, em 1986, venderam ao Estado toda a

propriedade para albergar um Museu de Arte Moderna.

Uma comissão instaladora prepara a abertura ao público da casa e do parque

de Serralves, que abre as portas à cidade em 1987, deixando de ser a misteriosa

“casa do Conde”, para passar a albergar actividades educativas e exposições de

arte. Com a institucionalização da Fundação de Serralves solidifica-se e materializa-

se (em 1996) o projecto de criação de um Museu de Arte Contemporânea, reforçam-

se os trabalhos de preservação do património arquitectónico e natural deixado pelo

Conde de Vizela e consolidam-se as actividades de educação para a arte e para o

ambiente (Millan, 2000). Actualmente, o Museu e o Parque de Serralves são

visitados por cerca de 350 mil pessoas por ano e a sua projecção, prestígio e

utilidade pública chegam a ser incontestáveis.

Como um intrigante contraponto à casa e como remate de um jardim

desmesurado, aparece a quinta do Mata-Sete, situada na extremidade sul do

parque. Trata-se de um conjunto de edifícios rodeados de terrenos de cultivo,

aparentemente destinados a actividades relacionadas com a agricultura, projectados

pelo Arquitecto Marques da Silva em 1934. Os terrenos do Mata-Sete,

acrescentados à propriedade do Conde em 1918, por via de uma permuta, eram

previamente agricultados, constituindo já uma quinta com casa, jardim, horta,

palheiro, eira, pomar, etc., que foi demolida e transformada para criar a paisagem

que existe até à actualidade (Cardoso, 1992).

O conjunto é constituído por duas casas e cavalariça, uma delas de habitação

e a outra (desde sempre) chamada de pavilhão/salão de caça, ambas com fachadas

praticamente idênticas, unidas por um telheiro. Nas traseiras, existe também uma

construção que alberga uma adega e um celeiro, que completam o fechamento das

casas sobre um pátio interior, emparedado pelos próprios edifícios e por alguns

muretes complementares. Em redor deste “núcleo” existe ainda um estábulo

(aumentado posteriormente pela Fundação), um pequeno anexo que armazena

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As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada

154

carros e alfaias agrícolas e uma eira acompanhada de um pequeno edifício de

apoio.

“As construções seguem uma disposição ortogonal e são construídas com

paramentos de granito em blocos contrafiados com asnas de madeira para a

cobertura em telha Marselha. Os lintéis de portas e janelas são em betão armado

aparente, com acabamento bojardado de modo a não contrastarem excessivamente

com as paredes de granito de que fazem parte. Nos cunhais, o depósito de água, as

chaminés das lareiras e os telheiros de protecção das entradas são desenhados de

modo a dissolver a racionalidade das formas e a conferir um toque pitoresco ao

conjunto.” (Tavares, 2007, pág. 277).

As suas funções originais, sugeridas pelos próprios edifícios e pelos nomes

que (perdurando no tempo) ainda hoje lhes estão associados, levam-nos a pensar

que, para além da casa de habitação e do salão de caça, as restantes construções

estariam directa ou indirectamente ligadas a actividades agrícolas. No entanto, pela

dimensão dos terrenos da quinta e pelo facto de o Conde ter outras propriedades

agrícolas, nomeadamente em Vizela, onde se localizava o Solar da família e detinha

uma grande propriedade vinhateira e agrícola, as dimensões e qualidade dos

equipamentos do Mata-Sete não deixam de ser despropositadas.

De facto, o Mata-Sete, desde a concretização do projecto de Marques da

Silva para o Conde de Vizela, não pode ser considerado propriamente uma quinta

de produção agrícola, no sentido em que o volume da sua produção parece ter sido

sempre irrisório e insuficiente para justificar a dimensão do seu celeiro ou da sua

adega. Assim, dúvidas se levantam em torno das motivações que estimularam a

criação do conjunto e das razões que terão levado a tamanho investimento e

cuidado na construção, orientada inclusivamente por Marques da Silva.

“Ele era o mestre da arquitectura do Porto, e o facto de ter sido chamado a

trabalhar para a família Cabral demonstra bem o grau de exigência desta.” (Andrade,

2009, pág. 20).

Nesta pequena quinta viviam, segundo o que foi apurado, alguns empregados

do Conde, substituídos após a venda a Delfim Ferreira, por um casal de “caseiros”,

que arrendava a casa e os terrenos agrícolas e que permaneceu até à última

década. O casal chegou a participar inclusive em algumas actividades desenvolvidas

no Mata-Sete, já enquanto equipamento público, transmitiu informações importantes

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Capítulo VI

155

sobre a memória do lugar à comissão instaladora e colaborou com a administração

do Parque na manutenção do espaço, até à sua saída em 2008.

Actualmente e praticamente desde que a propriedade passou para as mãos

do Estado, a quinta serve para albergar a administração do Parque e grande parte

das actividades do Serviço Educativo da Fundação. As construções mantêm-se

exteriormente intactas, mas os interiores foram, em grande medida, transformados

para acolher as novas funcionalidades. Foi construído mais um estábulo, o pavilhão

de caça transformado em escritórios, o celeiro, o lagar e o armazém da eira em

espaços para actividades educativas, entre outras pequenas alterações

arquitectónicas.

Apesar das significativas alterações de funcionalidade, o aspecto exterior do

edificado foi preservado intacto. Em redor das construções existem, por outro lado,

algumas alterações ou acrescentos, nomeadamente uma cabana de palha com chão

de madeira, recheada de mesas e cadeiras, bem como um bebedouro para

pássaros, ladeado de uma mesa em xisto, no meio de um concentrado de ciprestes,

que compõem a obra paisagística da artista Maria Nordman, uma pequena estufa e

possivelmente muitos outros detalhes que serão impossíveis de conferir.

Os caminhos de terra batida circundam os campos que estão delimitados por

sebes de madeira. Existe um prado que serve de pasto para os animais da quinta

(vacas, ovelhas e um burro) e vários tanques, uma represa, um antigo poço e uma

levada, quase todos originais. Podem ser vistos tractores em circulação e muitas

crianças a participar em actividades educativas. As chamadas “hortas pedagógicas”

(desenvolvidas nas oficinas que envolvem a comunidade escolar) têm localização

central, mesmo em frente à casa, rodeadas pela cabana de palha, antes do prado,

entre a instalação de Maria Nordman e os estábulos que abrigam os animais.

Não é possível saber se as vinhas e os animais que existem na actualidade

são em maior ou menor número do que nos primeiros anos do Mata-Sete, nem que

tipo de produtos agrícolas eram cultivados. O facto de existir um celeiro e um lagar

pressupõe que houvessem cereais e vinhas, em todo o caso, a extensão da

propriedade reservada para o cultivo, mesmo que este fosse muito produtivo, não

parece ser suficiente para “encher” tamanhos equipamentos.

De facto, somos levados a pensar que, tal como hoje, a quinta não fosse

primordialmente produtiva, mesmo que tivesse um trabalho de lavoura permanente,

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156

coisa que não acontece na actualidade, tirando as pequenas hortas tratadas pelos

grupos escolares.

De qualquer forma, mais do que comparar o “antes” e o “depois”,

estabelecendo as principais diferenças entre a quinta do Conde e a quinta da

Fundação de Serralves, interessa aqui discutir, por um lado, se esta foi construída

enquanto recriação de uma qualquer ruralidade fantasiada e quais as motivações

por detrás disso e, por outro, qual a função social e o aproveitamento que é feito

deste espaço desde que foi aberto à comunidade e se este passa, de alguma forma,

pela exaltação de um eventual carácter bucólico.

Por outras palavras, interessa discutir o Mata-Sete enquanto eventual projecto

de recriação de uma ruralidade, discutir se essa ruralidade cabe no chamado Ideal

Rural veiculado pelos discursos culturais dominantes de valorização do mundo rural

e que tipo de aproveitamento tem sido feito desse eventual bucolismo, no quadro

das suas novas funcionalidades, enquanto equipamento público.

Em primeiro lugar, há que destacar novamente o facto de os equipamentos da

quinta serem desmesurados para as reais necessidades produtivas da propriedade

que, apesar de grande, não dispôs nunca de muitos terrenos de lavoura. De reforçar

é, também, o facto de o seu criador e proprietário inicial ter outras quintas realmente

produtivas, não fazendo grande sentido investir de forma tão intensa e cuidada nos

equipamentos de uma quinta de produção agrícola residual como o Mata-Sete. “Desde sempre fiquei muito impressionada com a qualidade arquitectónica e muito

surpreendida pela dimensão dos celeiros e dos lagares, porque aquilo que havia à roda dos muros da

quinta eram umas ramadas de vinho americano, até já postas pela Teresinha e pelo Sr. Júlio e,

portanto, tudo aquilo era um bocadinho non sense, era seguramente uma estrutura “afuncional”, sem

uma função propriamente pré-definida, a não ser para resolver o problema da extremidade da quinta

(…)”. (Teresa Andresen14).

“O Conde Vizela manifestamente não precisava daquilo, daquele projecto para a sua quinta,

porque ele nunca viu a sua quinta como um espaço de produção, mas sim uma quinta da lazer, de

passeio e de percurso.” (Teresa Andresen).

“Porque esta é a segunda casa, ele vinha lá de Vizela, onde tinha as fábricas de têxtil, tinha lá

um casarão. (…) É uma casa enorme, que tem uma zona de vinhas que impressiona bastante

14 Arquitecta Paisagista. Actual Directora do Parque de Serralves e membro da Comissão Instaladora que preparou a abertura da propriedade ao público. Uma das primeiras pessoas a entrar e intervir na quinta do Mata-Sete, já enquanto equipamento cultural.

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Capítulo VI

157

quando se vem da estrada. (…) Ou seja, ele tem esse espaço de produção agrícola nesse contexto,

portanto isto no Porto é só para fazer de conta.” (André Tavares15).

Nesta linha, faz sentido indagar qual a função e a motivação por detrás da

construção de uma pequena quinta, munida de todos os equipamentos comuns de

uma quinta de produção agrícola, numa propriedade cujo projecto de transformação

se pauta por uma orientação vanguardista e por uma ambição quase desmedida em

seguir as novas tendências da arquitectura, do design e do paisagismo europeu.

Se, por um lado, podemos interpretar este elemento como um apontamento

saudosista numa obra voltada para o futuro e, sendo assim, como um aparente

paradoxo, por outro, faz sentido olhar para a quinta precisamente como uma

manifestação das influências do mais requintado paisagismo europeu e como uma

provável aproximação à chamada Arquitectura Regional Francesa, em toda a sua

modernidade. “O Conde é um homem de grande modernidade, das modas que vão no mundo e é um

homem que conhece muito bem a cultura francesa. Estes espaços eram comuns nos jardins…

Versailles era um dos casos típicos e não estou a comparar Serralves a Versailles, mas há memória

que se pretende reproduzir, de uma coisa para a outra… tem um grande palácio e depois tem o

chamado “l´Hameau de la Reine”, feito pelo Luís XV para a sua cortesã, um sítio idílico…portanto

Versailles tem também a sua versão rural erudita… Depois vemos isso nos grandes parques alemães

também…Há um parque na Alemanha, em Weimar, que é no rio Ilm, em que a certa altura temos a

cabana do Goethe. Hoje chegamos lá e é um parque urbano e depois há lá uma casinha rural onde o

Goethe fazia colecção de plantas, lia e escrevia…mas é um sítio perfeitamente romântico do século

XIX.” (Teresa Andresen).

“Nos anos 30, em 1937, quando se faz a quinta do Mata-Sete, na exposição de Paris, estava

uma espécie de Portugal dos Pequeninos, uma França mas à escala 1/1, com as várias regiões

francesas, como já se tinha feito em Turim e na Suíça, no final do séc. XIX, mas com essas lógicas

construtivas de grande racionalidade. O conde foi à exposição, porque o Porteneuve, que é um dos

arquitectos da casa, diz-lhe que tinha o trabalho atrasado porque ia apresentar na exposição e o

Gréber, que fez os jardins, também era o arquitecto chefe da exposição, portanto o conde foi à

exposição e deve ter achado graça àquilo para o seu jardim. Mas acho que a coisa não foi com a

intenção de fazer igual, mas mais pela noção de cultura que está ali subjacente e de relação da

construção e das formas com determinadas ideias… com essa ideia de que é possível construir

racionalmente coisas que tivessem essa expressão mais campestre e rústica.” (André Tavares).

De facto, ao olhar para o estilo arquitectónico e construtivo do Mata-Sete é

notório um grande racionalismo, apesar dos apontamentos rústicos e pitorescos que

15 Arquitecto. Autor do livro “Os Fantasmas de Serralves” (2007), Porto, Dafne Editora, resultante de uma profunda investigação sobre o projecto da Casa de Serralves e respectivo processo de construção.

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As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada

158

dão a aura “campestre” aos seus edifícios. Os materiais (pedra e betão) estão

expostos, assim como a transição entre eles, assiste-se a uma grande simplicidade

nos adornos, prevalecem as linhas direitas e a lógica ortogonal na organização do

espaço, sendo o quadro desenhado sob um racionalismo pragmático,

aparentemente paradoxal num espaço “inútil”.

“A quinta do Mata-Sete não revela nenhuma procura identitária baseada na

redescoberta de elementos formais do passado e sua reinvenção numa síntese

original, mas exprime uma grande racionalidade na organização dos processos

construtivos, que são expostos sem pudor e que, com essa exposição, revelam uma

imagem sugestiva e equiparável à construção popular. O carácter agrícola da função

e a necessidade de criar espaços ligados à tradição vernácula (espigueiro, eira,

adega, galinheiros, etc.) complementam essa proximidade da expressão do

construído com o imaginário rural propagandeado para a cultura portuguesa à

construção do conjunto.” (Tavares, 2007, pág. 279).

Assim, apesar da racionalidade do projecto e da construção, o ruralismo do

conjunto garante-se pela presença dos equipamentos agrícolas que são recorrentes

nas quintas do norte de Portugal (adega, eira, tanques, etc.), bem como pelos

apontamentos arquitectónicos pitorescos que dão detalhe aos seus edifícios

simples, como é o caso das grandes chaminés, dos alpendres, da cozinha com

mobiliário popular e forno de lenha, dos tectos com grandes vigas de madeira, etc.

Estas opções de estilo e nomeadamente a combinação entre a simplicidade estética

e construtiva com o detalhe pitoresco e popular, parecem estar, de facto, associadas

a uma forte influência da Arquitectura Regionalista Francesa16 (Tavares, 2007).

Esta corrente estilística e as políticas culturais na sua retaguarda, advogam,

de facto, o recurso e a preservação de elementos tradicionais e folclóricos, na

construção de um mundo moderno “melhor”. Incentiva-se a modernização e o

progresso que conservem activamente os patrimónios tradicionais, ao mesmo tempo

que estes se tornam mais atractivos pelo aperfeiçoamento que só o

desenvolvimento da técnica pode lograr (Whalen, 2007).

16 A chamada Arquitectura Regionalista Francesa nasce, ou pelo menos intensifica-se com a necessidade de reconstrução rápida e massiva em França, após a Primeira Guerra Mundial, bem como da intenção política em reforçar a identidade nacional, numa Europa em conflito e num tempo histórico pautado por grandes e rápidas mudanças. Consistiu no estudo dos estilos arquitectónicos populares de cada região francesa, para a criação de modelos construtivos de habitação familiar que, apesar de simples, económicos, equipados com as comodidades modernas e de fácil reprodução, mantinham detalhes e características tradicionais, no sentido de perpetuar e até reforçar os patrimónios identitários locais e trabalhar na criação de paisagens “tipicamente” francesas. Resulta numa espécie de moderno pitoresco (Vigato, 1994).

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Da mesma forma, ao nível da arquitectura e no que respeita o Mata-Sete, os

elementos rústicos são reinterpretados e combinados com o conforto e a qualidade

dos materiais e da construção. Assim, projecta-se uma quinta com belíssimos

equipamentos, materiais nobres, uma casa confortável, casas de banho modernas e

amplas, uma cozinha de decoração rústica mas com todos os apetrechos comuns

nas cozinhas urbanas da época, etc.

Esta clara combinação de referências à arquitectura popular, com o

modernismo das construções apresenta-se, de facto, como uma forte intenção de

louvar o ruralismo, mantendo lógicas construtivas racionais, métricas e tipicamente

urbanas (normalmente antitéticas da circunstancialidade desordenada e orgânica da

habitação rural). E se, num primeiro olhar, parece estranha esta combinação do

bucolismo ruralista com o racional e o moderno, tanto no estilo construtivo

regionalista, como no projecto de Serralves, de tanta audácia e luxo, devemos

pensar que a valorização das tradições, do passado, da natureza e (na sua

combinação) da ruralidade, acaba por ser um dos maiores sinais de modernidade e

até de contemporaneidade (Peer, 1989).

Na exposição Internacional de Paris de 1937, que o Conde Vizela visita, no

mesmo ano em que se constrói o Mata-Sete, existe um grande destaque da França

rural e do seu folclore, por via da mostra das casas regionais francesas, mas

também pela venda de produtos “da terra”, demonstrações de ofícios e artesanato,

desfiles de trajes tradicionais, etc. É patente uma forte intenção política de reforçar a

identidade francesa, por via do louvor e do reforço da ruralidade tida como

tradicional e das suas manifestações culturais, num tempo de grandes conflitos,

incertezas, anomia social e de rápida industrialização e urbanização (Peer, 1989).

As especificidades locais, as particularidades identitárias, a vida campestre,

os produtos artesanais e orgânicos são, na altura, tomados como objecto de

valorização, precisamente enquanto contraponto e quase como um antídoto para a

estandardização cultural, a “americanização” da sociedade e a produção

mecanizada e em massa, tidas como as manifestações ruins da industrialização, da

urbanização, mas principalmente da modernidade (Peer, 1989).

“In sum, then, the positive representations of folklore in the 1937 Exposition

did not constitute a disinterested tribute to rural and provincial folk. Instead, they

provided a nostalgic refuge from industrial capitalism in crisis.” (Peer, 1989, pág. 72).

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Um mundo rural imaginado e colectivo era estrategicamente centralizado

como referência útil à modernidade, pelo seu poder de animar os valores sociais em

crise, acalmar as ansiedades culturais, mobilizar interesses políticos e promover

produtos regionais (Whalen, 2007). Este reencontro com as origens rurais do povo

francês garantia também uma ponte para o auto-entendimento e para o reforço da

identidade colectiva, sobretudo porque definia um património nacional e uma

unidade cultural, a partir dos patrimónios regionais e locais e suas particularidades

(Whalen, 2007).

De facto, se a consideração do património colectivo das nações, por via do

estímulo à valorização quase emocional das paisagens, no caminho para a

formação das identidades, é fruto do século XIX e da tendência neo-romântica, não

podemos, por outro lado, ler os últimos parágrafos sem associar estas estratégias

políticas e culturais, de instrumentalização do louvor à ruralidade, àquilo que é o

discurso actual correspondente e que se constitui como tema central desta pesquisa.

Sendo esta valorização dos patrimónios rurais uma resposta às crises e

ansiedades dos tempos e da civilização, sendo a ruralidade e os modos de vida que

lhes estão associados, apresentados como uma fonte de boas práticas e quase de

lições para a cidade e para a sociedade como um todo, tratando-se de uma

instrumentalização de referentes culturais, reforçados como tradicionais, para

satisfazer interesses políticos e promover bens de consumo, é impossível não tecer

paralelismos entre o chamado Regionalismo Francês do princípio do século XX, com

a tendência equivalente que se tem acentuado nas últimas décadas nas sociedades

ocidentais.

No passado, tal como hoje, a fantasia pastoral é vendida aos “parisienses”,

habitantes de grandes cidades e primeiras vítimas das suas ansiedades, de forma

mais sugestiva do que autêntica e, sobretudo, sob uma estratégia comercial

fortíssima, movida pelos interesses em alargar os mercados de consumo urbano e

animar os mercados locais no mundo rural, cuja rentabilização é exigida pelo

capitalismo, que não aprova o seu atraso e desaproveitamento, dentro dos exigentes

cânones do progresso.

“This strategy succeeded politically because it linked existing cultural interests

to emerging business practices.” (Whalen, 2007, pág. 55).

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“Indeed, the commercialization of tradition potentially extended even to

lifestyles and landscapes which could also be packaged as objects of consumption.”

(Peer, 1989, pág. 73).

No passado, tal como na actualidade, promovem-se as referências culturais

rurais e seus patrimónios vernáculos no sentido de estimular o turismo, o comércio

de produtos rurais e a rentabilização capitalista do mundo rural, ao mesmo tempo

que se visa legitimar escolhas e tendências políticas e apaziguar as consciências,

em tempos de grande incerteza em relação ao futuro.

No passado, tal como nos dias de hoje, a imagem de ruralidade que é

veiculada e alimentada nos imaginários colectivos está longe da dureza do trabalho

agrícola, da modéstia das habitações, da imprevisibilidade das colheitas e de todos

os desconfortos e dificuldades que estão ligadas à vida no campo. Pelo contrário,

disseminam-se imagens que exploram a vertente tradicional, familiar, pastoral,

gastronómica e paisagística da ruralidade, por uma perspectiva eminentemente

positiva e quase que purificada. Desta feita, passa-se a ideia de que o mundo rural

funciona como uma reserva de perenidade cultural, harmonia com a natureza, saúde

e qualidade alimentar, serenidade e paz, valores familiares, seculares e tradicionais,

etc.

Neste sentido, se pensarmos nesta influência dos princípios do chamado

Regionalismo Francês no projecto do Mata-Sete e o interpretarmos como uma

leitura desta valorização da ruralidade tradicional, adaptada às exigências de

conforto e funcionalidade da vida moderna, é lógico pensar nele como uma recriação

da ruralidade idílica, segundo uma perspectiva urbana e contemporânea. E, sendo

esta uma parte importante do “projecto de representação” do Conde, não só

estamos perante uma recriação requintada da arquitectura popular portuguesa sob

uma perspectiva urbana, racional e de grande qualidade construtiva, como estamos

perante a elevação desta a elemento de ostentação e sinal de status. Ora, isto não é

mais do que uma valorização da ruralidade reinterpretada e destilada pelo filtro das

exigências urbanas, ao ponto de a considerar dimensão importante de um projecto

de tanta exigência, qualidade e investimento e, sobretudo, pautado por uma

modernidade sem precedentes, no contexto da cidade do Porto.

Assim sendo, a quinta, para além de funcionar como uma “solução” para o

final do jardim, resolvendo a sua transição com a área circundante (quase que

completamente rural e agricultada à data da construção da quinta) e dando escala e

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limite a um jardim que, pela sua dimensão exagerada, está perto de perder a

domesticidade, deve ser sobretudo pensada como quinta de recreio à moda

europeia e como espaço de representação ou símbolo de status. “A ideia do Conde de Vizela, de facto, é criar uma fantasia. Ele tem de dar uma solução ali em

baixo e, portanto, faz um núcleo rural, sobredimensionado. (…) Nos desenhos do Arquitecto Marques

da Silva, percebe-se que aquilo é manifestamente intencional, de recriar lá em baixo uma quinta de

ambiente idílico como contraponto aos seus jardins formais, com grandes alamedas, tanques,

lagos…” (Teresa Andresen.)

“No caso da quinta do Mata-Sete, (…) fazia parte do conjunto e colocava precisamente essa

contraposição entre a casa de representação, completamente cosmopolita a querer ser Paris e essa

representação do mundo rural. Mas acho que é mesmo uma questão de representação, pura e

simplesmente, aliás como toda a casa. Aquela casa não serve para nada, é assim uma espécie de

casa inútil, um casarão de 2000 m2 ou coisa assim, é claramente para mostrar e eu acho que é isso

que faz sentido. E para mostrar também essa preocupação e valorização do mundo rural e etc.”

(André Tavares).

Perante estas influências e motivações para o projecto da quinta do Mata-

Sete, é também importante discutir se, com a passagem do património de Serralves

para o domínio do Estado e a sua consequente abertura ao público e dinamização,

este carácter ruralista e temático foi aproveitado e alimentado. Por outras palavras,

importa pensar se o trabalho da Fundação e, nomeadamente, da Administração do

Parque e do seu Serviço Educativo, tem mantido a sua aura campestre e

aproveitado esse potencial simbólico, quer ao nível paisagístico (com a preservação

ou alteração do seu aspecto inicial) quer nas actividades desenvolvidas (com a

integração e utilização dos seus elementos e equipamentos ou, simplesmente,

tomando-os como sua moldura contextual).

Ora, como já foi referido, no que toca o aspecto exterior dos edifícios e sua

paisagem circundante, foi intenção da Fundação respeitar e preservar o projecto de

Marques da Silva e do Conde de Vizela e, neste sentido, não foram feitas grandes

alterações ao edificado, a não ser nos interiores, adaptados para as novas

funcionalidades. Foi também indiscutivelmente preservada a aura agrícola do

contexto, com a existência de animais de quinta, para os quais foram aumentados

os estábulos, com o cultivo de hortas com as crianças, com a presença de uma

meda de palha e de uma estufa, com a preservação de quase todos os tanques e

com o acrescento de novos pontos de água, com a manutenção dos terrenos de

cultivo para as pastagens, com a presença de tractores, videiras, sebes de madeira

e de muitos outros elementos que, de facto, perpetuam a ideia de que estamos

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numa quinta agrícola, mesmo que não seja produtiva (aliás como se especula que já

acontecesse no tempo do Conde).

Como as principais intervenções paisagísticas que contribuíram para acentuar

o ambiente rural do espaço, devemos enunciar a construção da vacaria, para

possibilitar o aumento do número de animais na quinta, o desafogo da alameda que

vem do jardim até ao Mata-Sete (com a substituição de árvores e a retirada de uma

piscina que rematava o eixo de passagem), o que favorece a sua visualização desde

o caminho e, portanto, a sua valorização e destaque enquanto cenário, bem como a

transladação do horto da casa, destruído com a construção do Museu de Arte

Contemporânea e transferido para as imediações da quinta, para ser convertido em

jardim de plantas aromáticas (Millan, 2000).

Aliadas à cabana de palha e à estufa, por exemplo, estas opções acabam por

acrescentar potencial cénico à quinta, incrementando o seu carácter lúdico e

pedagógico, tendo em conta que existem mais animais e um horto de aromáticas,

mas sobretudo enriquecendo o seu leque de elementos iconográficos e cenográficos

e dando maior protagonismo paisagístico à quinta, não mais escondida atrás de

grandes árvores, como no passado, em que não era tão visível do jardim. De facto,

com as alterações efectuadas, as actividades desenvolvidas e com a vivência e

apropriação do espaço, a quinta tem ganho em diversidade de equipamentos e

elementos paisagísticos e tem desenvolvido muito o seu potencial educativo. “Transferiu-se uma estufa e o jardim de aromáticas para o local onde está actualmente, como

memória a um espaço que tinha desaparecido e simultaneamente ampliou-se o espaço das quintas

para crianças. As aromáticas estão naquele nível mais alto e as hortas das crianças ocuparam uma

área muitíssimo maior do que tinha sido assumido inicialmente, portanto aumentou-se a vacaria,

instalaram-se as hortas e, simultaneamente, o celeiro e o lagar e a cavalariça foram sendo

transformados em espaços de educação ambiental.” (Teresa Andresen).

“Na estratégia de recuperação foi assumido que esta área da propriedade,

que tinha um carácter rural de qualidade e de excepção numa envolvente

densamente urbanizada, reunia a maior aptidão para introduzir, na quinta, uma

componente pedagógica de promoção da percepção da arte e da natureza.”

(Andresen & Marques, 2001, pág. 99).

De facto, enquanto espaço para actividades pedagógicas, subordinadas ao

projecto educativo da Fundação de Serralves (que pretende combinar a

sensibilização das crianças para a Arte e para a Natureza), o Mata-Sete tem

sobretudo acolhido (tal como o parque em geral) as que dizem respeito à educação

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164

ambiental e científica, sendo que as artísticas têm no Museu o seu palco

preferencial.

Desde as visitas à quinta e ao parque (aos animais, plantas, árvores, etc.),

passando pelas oficinas regulares de manutenção das hortas ou de recolha de

material para análise científica e respectiva monitorização de resultados, debates e

pequenas actividades experimentais e laboratoriais, até aos eventos com as

famílias, que assinalam determinados momentos e festividades (como a desfolhada

e o magusto, o dia do ambiente, etc.), deve ser dito que existe um leque muito

completo de abordagens educativas (Marques, 1996; Millan, 2000). Organizam-se

também colóquios, seminários e exposições, dirigidos ao público adulto e é clara a

intenção de envolver pais, professores e a comunidade em geral no projecto

educativo, no sentido de tornar o processo de sensibilização ambiental e

alfabetização científica mais efectivo, abrangente e adaptado às necessidades do

nosso tempo histórico.

Apesar das transformações que têm ocorrido no trabalho educativo do parque

de Serralves, devido ao elevar das exigências (de eficiência e abrangência),

provocado pelo aumento acentuado do número de visitantes, sobretudo após a

abertura do Museu de Arte Contemporânea em 1996, o aproveitamento do carácter

rural do Mata-Sete permanece claro. Isto porque as actividades ligadas à sua

identidade de quinta, iconograficamente construída como agrícola (pela presença de

elementos geralmente associados a granjas produtivas, como as hortas e os

animais), se mantêm, mesmo com a progressiva preocupação em acrescentar

actividades de pendor mais laboratorial, ligadas às ciências naturais e ambientais.

Sendo verdade que o celeiro e o lagar se transformaram em pequenos

laboratórios e salas de actividades de educação ambiental e científica, não se

conservando pela sua funcionalidade original, parece continuar a existir a vertente

agrícola e rural do projecto educativo, já que este ainda contempla as hortas

pedagógicas e, mesmo que pontualmente, alguns eventos que reforçam supostas

tradições rurais, como a construção de espantalhos, por exemplo.

Se no início do projecto educativo de Serralves, este pendor para a realização

de actividades de quinta era uma tendência mais acentuada, com os anos a

abordagem científica tem ganho protagonismo. No entanto, o Mata-Sete é ainda

valorizado pela sua função social de aproximar as crianças da cidade, aos

elementos naturais e rurais esquecidos pela vida urbana, e é associado ainda à sua

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Capítulo VI

165

função agrícola. Isto é patente se pensarmos, por exemplo, nos produtos vendidos

na loja de Serralves como sendo do Mata-Sete, como os cabazes e produtos como a

marca “Sabores de Serralves”, como compotas de frutas variadas, ervas aromáticas

para infusões e saquinhos de condimentos, que não sendo produzidos na quinta,

são associados a ela, perpetuando a ilusão (agrícola) que parece ter rodeado

sempre a sua função (lúdica e cénica). “Esses equipamentos fizeram parte de toda a orientação para o programa, sempre

orientámos o Mata-Sete numa matriz rural e montámos o projecto dos espantalhos para aproximar as

crianças da vida do campo, da vida da natureza. (…) Tínhamos um velho jardineiro que tinha

trabalhado durante 50 anos em Serralves, o Mestre Sousa, mais o carpinteiro Mestre António, o Sr.

Júlio e a Teresinha e juntando os conhecimentos do carpinteiro, do lavrador, do jardineiro, montámos

uma quinta para crianças e continuámos sempre a fazer as cabanas de milho, a transmitir-lhes o que

os que sabiam fazer podiam ensinar. (…) E portanto era um entrosamento entre as pessoas e os

saberes das pessoas que estavam lá e as crianças e tudo associado ao ritmo das estações do ano.”

(Teresa Andresen).

“Depois temos também o projecto das hortas pedagógicas que está mais ligado à ideia de

rural, em que as crianças do pré-escolar vêm todas as semanas cultivar os canteiros em modo

biológico, aliás estamos a trabalhar sob o conceito de permacultura que é muito interessante e mais

uma vez é a ideia de promover a biodiversidade e o potencial da biodiversidade, inclusive na

produção orgânica de alimentos e também contactam com animais, com as árvores, etc. e muitas das

crianças são da cidade e nunca tiveram essa oportunidade e esse contacto é muito interessante.”

(Elisabete Alves17).

“Por vezes recriamos, quer com escolas, quer com famílias, ao fim de semana, alguns

momentos mais ligados à tradição rural, porque faz parte do imaginário, faz parte da história e faz

algum sentido. Por exemplo, tivemos a festa do Outono no ano passado, em Setembro, foi um

domingo todo, uma coisa lindíssima para as famílias, em que tivemos cá ranchos folclóricos, em que

se fez a desfolhada e andou um burro a passear e os miúdos a perceber a importância do burro,

porque representava a força e o trabalho, tivemos também espantalhos… (…) E é interessante

recuperarmos essas tradições e essas vivências. A minha melhor recordação foi de quando

estávamos a fazer uns espantalhos pequeninos que os pais faziam com as crianças e tínhamos

palha, pauzinhos, tecidos e eles iam fazendo experiências e o mexer com a palha foi completamento

inebriante para as famílias, eu só posso dizer que eram 19h já tinha terminado a festa do Outono, já

só tínhamos palha, não havia mais nada e toda a gente estava a fazer bonecos de palha com palha.

Ora eu acho que isto é algo a reflectir, talvez pela orgânica do material, pelo regresso às origens,

quer dizer, há coisas que acontecem que nem estão previstas e são profundamente interessantes e

depois estavam ali horas numa felicidade e depois desceu a luz do fim do dia e as pessoas estavam

mesmo bem... foi como uma ligação à Terra, foi fantástico.” (Elisabete Alves).

17 Engenheira do Ambiente. Coordenadora do Serviço Educativo do Parque de Serralves.

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166

De facto, com a abertura ao público e respectiva dinamização, o Mata-Sete

parece ter ganho em potencial cénico, em complexidade iconográfica e em

protagonismo, não só no contexto envolvente (por estar mais aberto ao jardim e pelo

destaque, que a urbanização crescente, da zona da cidade em que se encontra, lhe

confere pelo contraste) como socialmente, dado o elevado número de visitantes que

recebe por ano (em crescimento nos últimos anos). Adicionalmente, este

protagonismo social e a sua utilização educativa vão acrescentando importância e

valor ao próprio lugar, sobretudo pelo reforço da sua função social.

Desta feita, o Mata-Sete não é apenas uma recriação da ruralidade, outrora

privada, que vai sendo aperfeiçoada e divulgada publicamente ao longo dos anos,

constituindo principalmente um espaço que alimenta a ligação dos habitantes da

cidade àquilo que é tido, à distância, como ruralidade, bem como ao conhecimento

dos saberes e imaginários, associados a um rural de pendor agrícola, numa versão

limpa, organizada, lúdica, educativa e agradável.

Por outro lado, sendo a Fundação de Serralves uma instituição de grande

prestígio nacional e internacional, conotada com arte contemporânea, arquitectura e

cultura em geral, o Mata-Sete na sua ruralidade depurada, acaba por reforçar e

actualizar a elevação/associação do bucolismo a bom gosto, como aliás já tinha feito

o Conde Vizela. De facto, tendo sido construída como uma fantasia de gosto

refinado para recriação e ostentação de status no passado, a ruralidade moderna e

limpa do Mata-Sete continua associada, ainda hoje, com contemporaneidade e

cultura.

Resumindo, o Mata-Sete não é apenas a recriação de uma ruralidade

amigável ao olhar urbano, mas sobretudo um seu catalisador, pela sua função social

de alimentá-la e perpetuá-la nos imaginários colectivos.

2.2 O Núcleo Rural de Aldoar (NRA)

Ao contrário do Mata-Sete, o Núcleo Rural de Aldoar nasce da valorização

patrimonial de um lugar e da vontade de preservá-lo, enquanto objecto mnemónico.

Se o Conde de Vizela, como um homem da modernidade, não poupou a casa da

sua família e, muito menos, a quinta que havia no local do Mata-Sete, para a

construção do seu projecto vanguardista, na actualidade, pelo contrário, é muito

comum a valorização dos vestígios do passado, numa perspectiva muito abrangente

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Capítulo VI

167

do que pode ser considerado património. Sendo o NRA um projecto do final do séc.

XX, inaugurado já no novo milénio, acaba por ser fruto desta tendência e por revelar

o interesse público no passado e no que é elevado a património. Ao mesmo tempo,

é um exemplo da valorização de uma dimensão específica da memória colectiva,

mais concretamente, a que se prende com a ruralidade e com o passado rural da

cidade e dos seus habitantes. Por estas razões é um objecto de estudo muito

interessante e que importa analisar cuidadosamente.

O espaço do NRA está localizado na Freguesia de Aldoar, na Cidade do

Porto, mais precisamente no Beco de Carreiras, entre a Rua da Vilarinha e uma das

extremidades do Parque da Cidade (Nordeste), funcionando inclusivamente como

uma das suas entradas. Ora, o lugar que hoje constitui o NRA era, até ao inicio da

década de 90 (altura em que se realizaram os primeiros levantamentos e projectos

preliminares), um conjunto de quatro quintas de propriedade municipal, três das

quais habitadas por famílias ligadas à agricultura. Este conjunto estava confinado

entre a malha urbana densificada da freguesia de Aldoar (uma zona fortemente

residencial da cidade do Porto) e a vasta área destinada ao Parque da Cidade,

funcionando como uma espécie de enclave de ruralidade residual dentro da urbe.

As quatro pequenas quintas compunham um conjunto de quatro casas

idênticas (apesar de duas delas estarem ligadas entre si por um acrescento

posterior), rodeadas de múltiplos anexos, telheiros e galinheiros, um celeiro, três

eiras e dois sequeiros, tudo aconchegado por detrás de um muro que separava o

lugar do resto da cidade. Este muro do Beco de Carreiras tem abertura em quatro

portões numerados e é a única face visível do conjunto para quem passa na rua da

Vilarinha, como se este estivesse de costas voltadas para a cidade e apenas aberto

para as bouças, baldios e terrenos lavrados que, há pouco mais de duas décadas,

foram convertidos no Parque da Cidade do Porto.

Foi o pelouro do Ambiente da Câmara Municipal do Porto (CMP) que tomou a

decisão de preservar o conjunto, durante o processo de criação do Parque da

Cidade, para transformá-lo num equipamento público, preservando com isso alguns

vestígios do Porto rural. O facto das quintas serem de propriedade municipal

facilitava a intervenção e a sua localização privilegiada, numa das extremidades do

Parque da Cidade (ainda em construção na altura), garantia-lhe um certo

protagonismo. Estes dois factores potenciaram o interesse no lugar e foram tomadas

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168

todas as diligências para concretizar um projecto de transformação das quatro

quintas em causa, num equipamento público.

Os seus habitantes foram realojados e foi encomendando um projecto de

transformação das quintas (entretanto realizado pelos Arquitectos João Rapagão e

César Fernandes) e que resultou na sua conversão em espaço comercial,

estabelecimento de hotelaria e num centro de educação ambiental. O lugar foi então

baptizado de Núcleo Rural de Aldoar e inaugurado em 2001, estando aberto ao

público até aos dias de hoje.

Deve ser dito, porém, que a valorização patrimonial deste lugar partiu

inicialmente do Pelouro da Cultura da CMP, mais concretamente do Departamento

de Museus e Património Cultural, de onde saiu o interesse em preservar o núcleo e

transformá-lo no pólo rural de um futuro Museu da Cidade do Porto, que nunca

chegou a ser concretizado. Foram inclusivamente encomendados pareceres sobre a

musealização do núcleo e lavrada a programação preliminar dos pólos do Museu da

Cidade, em que o NRA figurava como o primeiro, dedicado ao passado rural do

Porto.

Foi ainda realizada uma exposição acompanhada de livro18, que pretendia

atrair interesse público e sensibilizar a cidade, para a riqueza deste lugar como

património e vestígio da sua história. Esta valorização baseava-se no potencial do

lugar enquanto “zona da cidade onde permanecem ainda, embora em condições

degradadas e em condições de abandono, construções e vivências que

documentam uma das formas mais recuadas de viver nos “arrabaldes” da cidade”19.

De facto, durante a década de 90, este projecto de musealização do núcleo

corria a par e em colaboração, com as primeiras diligências do Pelouro do Ambiente,

que tentava dar seguimento ao processo de transformação do conjunto do Beco de

Carreiras. No entanto, devido a eventuais divergências estratégicas ou políticas, ou

simplesmente dado o facto de o projecto do Museu da Cidade se ter protelado

indefinidamente, a orientação do projecto acabou por ser tarefa exclusiva do Pelouro

18 Vasconcelos, Maria João (1995), Essas Pedras Quebradas... Permanências da Ruralidade no Contexto Urbano, Porto, Departamento de Museus e Património Cultural - Casa Tait, CMP. Livro tratado enquanto material documental relativo ao objecto e não como literatura científica, para mais detalhe consultar Tabela Resumo de Material Documental do NRA (2.4) em anexo. 19 Viana, Teresa e Mª João Vasconcelos (1993), Programa Preliminar para o Museu da Cidade, pág. 35 e 36. Texto tratado e referenciado como material documental e não como literatura científica – para mais detalhe consultar Tabela Resumo de Material Documental do NRA (2.4) em anexo.

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Capítulo VI

169

do Ambiente, até porque a gestão de todos os assuntos relacionados com o Parque

da Cidade eram de sua tutela.

Assim, não se concretizou a ideia inicial de combinar as funções

museológicas com o projecto do Pelouro do Ambiente, mais voltado para a

polivalência do espaço, acabando este por resultar num equipamento de pendor

comercial, recreativo, paisagístico e de educação ambiental. No entanto, mesmo não

tendo nenhuma pretensão museológica, o NRA nunca deixou de ser encarado como

patrimonial e como um lugar que representa a memória da cidade.

Desta feita, da intenção em elevar o lugar a pólo do Museu da Cidade ou

simplesmente a património histórico protegido, resultou uma valorização do potencial

do lugar, que pela localização e conveniência, foi tomado pelo Pelouro do Ambiente

como objecto de reconversão e integrado no grande projecto do Parque da Cidade.

A valorização patrimonial do conjunto, a sua consideração como pretexto para

lembrar a história da evolução da cidade e a sua existência como lugar com

potencial para acolher a nostalgia dos muitos portuenses com passado rural,

justificaram o projecto. No entanto, o NRA não se constitui como sítio histórico, como

museu ou muito menos como monumento, nem a intervenção nele feita pode ser

considerada um restauro.

Para perceber melhor o NRA e o projecto se sua transformação, devemos

discutir o seu alcance e respectivos contornos visíveis, bem como as motivações e

as linhas filosóficas que sustentaram a intervenção. Começaremos por destacar as

mudanças fundamentais ocorridas no espaço e por descrever o lugar, os seus

edifícios, equipamentos e elementos, para depois reflectir em torno dos critérios e

orientações que pautaram o projecto e a intervenção. Queremos perceber o que foi

valorizado, o que foi destruído e de que forma foi aproveitado o carácter rural que

justificou, em primeiro lugar, a sua valorização. Em suma, queremos perceber se

estamos perante uma recriação de uma ruralidade adaptada às expectativas e

memórias urbanas, construídas no quadro do discurso que dá mote a este trabalho

de investigação.

Até às obras de criação do Parque da Cidade, as quintas do Beco de

Carreiras eram ocupadas por três famílias que desenvolviam actividades agrícolas e

pecuárias nos terrenos contíguos às casas. Não sendo uma grande propriedade

com um volume produtivo de assinalar, a agricultura praticada era provavelmente

para subsistência familiar e para combinar com rendimentos resultantes de outras

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actividades. O ambiente do lugar era fortemente marcado por este pendor agro-

pecuário, já que, para além das construções relacionadas com a lavoura (sequeiros,

celeiro, eiras, etc.), os animais, as ferramentas e utensílios vários, a omnipresença

de videiras e esteios, a vegetação hortícola, entre muitos outros elementos,

preenchiam o lugar e reforçavam a sua aura rural.

O conjunto era complexo e saturado de elementos, no sentido em que, às

construções originais se sobrepunham acrescentos e anexos em madeira e chapa

metálica com aspecto abarracado e todos os recantos estavam carregados, com os

tais utensílios e objectos ligados às actividades domésticas e agrícolas, os esteios e

ramadas acrescentavam densidade ao quadro, diversos vasos estavam distribuídos

pelas escadarias, havia ainda inúmeros tanques em pedra e um poço de água, entre

despojos, tralhas e sinais de vivência intensa do lugar. Assim, apesar das quatro

casas serem iguais, era difícil vislumbrar o traçado original, por entre tantos

acrescentos, anexos, telheiros e com esta parafernália de objectos espalhados.

As casas eram de arquitectura popular característica da região entre o final do

século XVIII e princípio do século XIX. Tinham dois pisos (um térreo para as lojas e

estábulos e um piso superior para habitação) e cozinhas de forno exteriores. As

paredes eram de granito, os telhados em telha "Marselha" e as estruturas dos tectos

em madeira. A subida para o primeiro andar fazia-se pelas escadarias exteriores,

que culminavam em pequenos alpendres que protegiam as portas de entrada. O

chão era em madeira no primeiro piso e de terra batida no piso térreo. As portas de

madeira tinham dimensões muito variáveis e por vezes eram reforçadas com chapa

metálica. As janelas eram em "guilhotina" e, no interior, algumas eram

acompanhadas de "namoradeiras". Algumas paredes tinham nichos e reentrâncias.

Antes do realojamento das famílias que habitavam o Beco de Carreiras, todo

o conjunto sofria de um acentuado grau de degradação. É bastante visível nas

fotografias do espaço (ainda habitado) e no levantamento fotográfico feito antes das

obras20, o elevado desgaste nas construções e seus materiais: madeiras

envelhecidas, portas e janelas remendadas, paredes com a tinta muito gasta,

telhados precários, etc. Como foi dito, o traçado original das construções estava

consideravelmente alterado pelo acrescento dos diversos anexos e telheiros e os

caminhos e muros de pedra estavam camuflados por entre a vegetação.

20 Reforça-se que algumas dessas fotografias (devidamente legendadas) estão disponíveis para consulta em anexo.

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Existiam videiras e múltiplos esteios e arames pendentes ao longo de todas

as quintas, um esgoto a céu aberto e bastantes animais domésticos à solta (como

galinhas, vacas, cães, coelhos, etc.). As casas estavam rodeadas de hortas,

pequenas pastagens e da vegetação autóctone, típica da chamada "bouça"

(pequena mata, cercana a lameiros e terrenos agrícolas) muito comum na região.

Deve ser dito que, vendo as fotografias do espaço antes das obras, pode

parecer difícil vislumbrar o potencial "pitoresco" do lugar, dado o elevado grau de

degradação do conjunto e alguma insalubridade. No entanto, pela intensidade da

apropriação quotidiana que dele era feita, pela sua vida e pela diferença que

representava, quando contraposto com a cidade envolvente, tornava-se num lugar

muito particular e interessante, principalmente porque era nessa especificidade que

estava fundada a sua valorização.

“E havia, sobretudo, o Beco de Carreiras, que a citadinos habituados aos

brilhos rutilantes do Guarany e do Coliseu oferecia a experiência de espaços,

cheiros, ruídos e gente que mais pareciam figuras de Aldeia da Roupa Branca ou

desenhos da D. Laura Costa, no livro da 4ª classe, do que lugares portuenses.”

(Pacheco, 2002, pág. 32).

Actualmente, o aspecto do conjunto é muito diferente. Apesar de se terem

preservado todas as construções originais e em pedra (o muro, as quatro casas e

respectivos anexos e cozinhas, os sequeiros, as eiras, o celeiro, os tanques e o

poço), tendo sido apenas destruídos os acrescentos em madeira e chapa metálica

de carácter provisório e de fraca qualidade, as obras de recuperação do edificado,

as operações de limpeza, as novas utilizações e a integração do conjunto no Parque

da Cidade, transformaram profundamente o lugar e o seu ambiente.

As construções originais, agora remodeladas, foram convertidas em

equipamentos de uso público ou, simplesmente, em elementos decorativos, como é

o caso do sequeiro, por exemplo. Numa das casas funciona o Centro de Educação

Ambiental (que faz parte da rede municipal de equipamentos do género), composto

por escritórios, uma sala de reunião, espaços para oficinas e formação de crianças e

jovens, uma cozinha exterior e as hortas pedagógicas nas imediações. No celeiro

funciona uma casa de chá, com esplanada na eira junto ao sequeiro. Nas duas

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casas “siamesas21” tem actividade uma escola de gastronomia, com loja de produtos

“gourmet” e os respectivos escritórios. Nos anexos maiores funciona uma loja de

“comércio justo” e uma loja de produtos biológicos, apelidadas de “Ecolojas” no

mapa afixado à porta do núcleo. Sendo as restantes construções ocupadas por

armazenamento de materiais relacionados com as actividades citadas, bem como

pelos serviços de apoio ao NRA e ao próprio Parque da Cidade (não sendo de

assinalar com pormenor).

Deve ser reforçado, que estas utilizações dizem respeito ao período do

trabalho de campo, visto que, ao longo dos anos de funcionamento do núcleo,

existiram inúmeras alterações de uso e funcionalidade em alguns equipamentos e

espaços. Para dar um exemplo importante, ainda faz parte do conjunto um picadeiro

para póneis, construído no processo de transformação do espaço, que funcionou

durante vários anos, mas que neste momento está inoperante. Mesmo com

mudanças e trespasses, verifica-se que as construções se têm mantido

praticamente inalteradas, pelo menos exteriormente, desde a sua recuperação e

que, no geral, o ambiente e aspecto do conjunto não tem sofrido grandes alterações,

segundo o que foi apurado.

Acrescentadas foram as casas de banho modernas para uso público,

inexistentes até às obras, bem como o mobiliário de jardim que caracteriza os

parques urbanos (caixotes do lixo, bancos, iluminação, etc.). Foram incluídos

também uma espécie de cobertos com um banco no interior, de tecto e chão em

madeira, desenhados pelos arquitectos responsáveis pelo projecto do NRA e

inspirados nas ripas de madeira dos sequeiros tradicionais, que estão reproduzidas

nas suas paredes. Este tipo de mobiliário assume um certo protagonismo visto que

figura em diversos recantos do núcleo, estando espalhado, desde os jardins

circundantes às casas até para além dos terrenos das hortas, já em pleno parque

urbano.

Estes cobertos servem, por um lado, como elemento de transição das quintas

para o parque, já que estão pintados com o mesmo vermelho das portas e janelas

das casas, estando-lhes relacionados pela cor e pela alusão aos seus sequeiros e,

por outro, como espaços de descanso e contemplação para os visitantes, que

podem sentar-se e abrigar-se do sol ou da chuva, sem deixar de ver

21 Chamamos “siamesas” a duas das casas do núcleo por estarem ligadas por uma varanda de madeira e por, na prática, funcionarem como um só imóvel.

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Capítulo VI

173

confortavelmente o pitoresco conjunto, através das ripas, quase como nas cabanas

para observação de aves, existentes em muitos parques naturais. Como acrescento,

pode ser encontrado ainda o tal picadeiro de póneis, que embora não esteja mais

em funcionamento, como foi dito, continua a fazer parte do conjunto e a ter uma

localização central para quem olha para o núcleo desde o parque.

Não existem animais de quinta, nem outro tipo de espécies, desde a

desactivação do picadeiro de póneis. Existem pequenas hortas de leguminosas e

ervas aromáticas, feitas durante os ateliers do Centro de Educação Ambiental,

mantidas nas visitas semanais das crianças das escolas do Conselho do Porto,

inscritas nesta actividade. Para além disso, não existe produção agrícola e a

vegetação existente está integrada nas opções paisagísticas do Parque da Cidade

do Porto. Se no passado o lugar tinha usos residenciais e agro-pecuários,

actualmente serve de palco para actividades comerciais e de hotelaria, bem como

para as actividades educativas do Centro de Educação Ambiental. De assinalar é

também a sua função recreativa, no sentido em que o núcleo está completamente

integrado no parque urbano que o rodeia e no seu ambiente, funcionando como um

lugar de passeio, desporto, contemplação, convívio, etc. De acrescentar é ainda o

facto de o NRA acolher a feira semanal de produtos biológicos (ao sábado de

manhã), em que se reúnem produtores e consumidores de legumes, fruta, pão,

compotas, mel, frutos secos e flores, com selo de produção em modo biológico.

Esta feira, a loja de produtos do chamado “comércio justo”, a loja da

NaturoCoop (cooperativa de produtores de agricultura biológica) e a loja “gourmet”,

que compõe o conjunto de estabelecimentos comerciais do núcleo, estão

associadas a este universo de produtos de qualidade, ecológicos ou do chamado

“consumo consciente” (relembra-se aliás que são chamadas de “Ecolojas”). Estes

espaços caracterizam-se por decorações simples, em que predomina a madeira, no

chão, tecto e estantes e o granito das paredes, sendo salvaguardado o

protagonismo dos edifícios rústicos e despojados do NRA e mantido o ambiente

singelo e rural do lugar.

A loja “gourmet”, por exemplo, vende bens alimentares de origem classificada,

produtos regionais de qualidade superior ou muito prestigiados (vinhos, compotas,

conservas, chocolates, chás e infusões, biscoitos, etc.) que, mesmo não sendo

todos de origem rural, estão associados a modos de confecção artesanal, a

matérias-primas seleccionadas, a saberes seculares e a tradições, em suma, a todo

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o universo simbólico que rodeia a manufactura, por oposição à produção

tecnológica, massiva, industrial, etc. Em consonância com o contexto do próprio

NRA e com os produtos vendidos, na sua decoração predomina o mobiliário rústico.

Destacam-se os armários de madeira pintada e as inúmeras cestas de vime,

de vários tamanhos, usadas para expor a mercadoria. É nítido que as características

arquitectónicas do edifício orientam o estilo decorativo, pelas cores usadas no

mobiliário (que condizem com a cor da madeira dos tectos e das janelas), pelos

materiais, mas também pelo aproveitamento do potencial do espaço, por exemplo

com a utilização dos nichos e das “namoradeiras” como recantos para dispor os

produtos.

O pendor ecológico e gastronómico destes negócios parecem estar em

consonância com a dimensão educativa do núcleo e com a ideia de que estamos

num nicho de ruralidade, principalmente se pensarmos que culturalmente se associa

o mundo rural à harmonia entre o homem e a natureza e à qualidade alimentar

(com produtos orgânicos, saudáveis, saborosos e opostos à comida de “plástico”

que supostamente se come nas cidades).

O Centro de Educação Ambiental, por seu turno, desenvolve actividades

regulares com crianças das escolas do concelho do Porto, no âmbito da

sensibilização para as boas práticas ecológicas e para temas mais ligados à vida

rural. Assim, existem oficinas ligadas à reciclagem e ao aproveitamento de resíduos

domésticos para artes plásticas, ao conhecimento de árvores, de plantas, das

estações do ano e dos pássaros, bem como à manutenção de pequenas hortas e de

algumas ervas aromáticas.

De mencionar são também as actividades culinárias, que têm lugar na

cozinha (exterior) da casa ocupada pelo centro educativo, em que se ensina às

crianças algumas receitas simples e se faz a articulação teórica e prática, entre

natureza e alimentação. Este espaço, que possui um velho forno de lenha original,

está também decorado com mobiliário de estilo rústico, toalhas de padrões

campestres, louça com pequenos detalhes figurativos, alusivos a frutos e legumes,

potes metálicos, vassouras artesanais, entre outros elementos que reforçam a ideia

de que estamos numa cozinha rural.

Em todo o processo de transformação das quintas, é sobretudo claro que

existiu um enorme esforço de limpeza e salubrização, não só em termos sanitários

obviamente (com a ligação das casas à rede de saneamento básico e a instalação

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Capítulo VI

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de casas de banho modernas), mas também de melhoria do aspecto geral do

conjunto. A recuperação dos edifícios, com a pintura e destruição dos anexos

abarracados que proliferavam, aliada ao desaparecimento dos animais e seus

detritos, dos objectos, vasos, ferramentas, sacos, lixo e todo o tipo de tralha que

estava espalhada pelo lugar, bem como a pavimentação de algumas zonas que

eram lamacentas, contribuíram seriamente para dar uma imagem menos caótica e

degradada às quintas.

A diminuição do número de arames e ramadas, a limpeza das ervas invasivas

que proliferavam entre as pedras dos muros e dos caminhos e o ajardinamento das

imediações, deram também um aspecto mais limpo ao conjunto, para além de

permitirem destacar pormenores pitorescos, como as condutas em pedra, que

levavam a água da rega, na berma dos caminhos, por exemplo. Neste sentido, deve

ser dito que o projecto de transformação do núcleo resultou numa profunda

transformação do seu ambiente, de um espaço vivido, mas degradado e

desordenado, para um espaço limpo, arranjado, salubrizado, mas sem a aura de

lugar habitado. A complexidade de um lugar vivido e portanto desalinhado e

desgastado, foi substituída por uma simplificação e limpeza que realça o potencial

pitoresco do conjunto, mas que lhe retira a riqueza da vivência quotidiana de outrora.

Esta consequência era aliás prevista pelos autores do projecto, muito conscientes da

dificuldade de manter a aura castiça do lugar, após a concretização da operação de

limpeza e transformação que se exigia. Assim, se por um lado existia a urgência de

salubrizar e ordenar um espaço que, apesar de valorizado, era considerado sujo e

degradado, existia também a intenção de manter muitos dos elementos originais que

lhe davam o ambiente rústico e particular. “Foi esta a conjugação que se tentou fazer, que foi tentar manter alguma verdade, embora

obviamente há ali muito trabalho de limpeza, porque há ali zonas que não eram pavimentadas e nós

tivemos de pavimentar para as pessoas não andarem em lama, mas grosso modo, os caminhos de

entre muros estão exactamente na mesma, todos tortos, com as pedras irregulares, aquela ideia de

calçada...” (João Rapagão22).

“Aqui, por exemplo, era a tal casa de banho, isto era surrealista porque era directamente cá

para baixo, aqui estava uma vaca, em baixo e o piso de cima terminava nesta construção que não sei

o que terá sido antes, mas a família fez um buraco, meteu uma sanita em cima e eles faziam

directamente em cima dos animais que estavam cá em baixo... Era um cheiro...Este compartimento

22 Arquitecto. Autor do projecto de requalificação do NRA em conjunto com o Arquitecto César Fernandes.

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em baixo, quando abrimos a porta... eram dezenas de anos de porcaria acumulada com os animais a

pisar... portanto era a porcaria dos animais mais a dos humanos, tudo junto.” (João Rapagão).

“Houve muita coisa que só se viu durante a obra, porque haviam zonas que estavam tão

cheias de coisas que não entrava a luz e haviam gatos mortos há anos e anos e sacos de farinhas e

coisas abandonadas e ratos, quer dizer, haviam zonas em que não se conseguia sequer entrar para

fazer o levantamento, quer dizer, foi muito no processo de desmantelamento, que umas coisas foram

repostas e outras foram eliminadas para pôr à vista alguma verdade...” (João Rapagão)

“Para nós original seria tudo... eu é que tinha pena de tirar, mas era preciso para fazer as

obras, haviam muitos esteios e ramadas muito interessantes que davam um ar carregado e habitado

àquilo tudo, mas para fazer a obra foi preciso tirar tudo, tudo, tudo, como é evidente. Tivemos que

descarnar aquele corpo todo e depois a minha preocupação foi repor isso e portanto se reparar em

todas elas existem esteios, ou perfis metálicos ou cabos ou arames, à espera e há muita vinha que

está a começar a trepar, mas claro que demora, porque aquilo tinha uma carga de dezenas de anos

que agora é preciso esperar que o tempo faça o resto.” (João Rapagão)

A vontade de preservar o mais possível as características arquitectónicas,

iconográficas e decorativas do espaço, funcionou quase como uma tentativa de

cristalizar a aura rural e pitoresca do lugar, retirando-lhe a sua vivência e

apropriação residencial e agrícola, juntamente com as suas consequências menos

agradáveis (o mau cheiro, a confusão, o desgaste, os detritos dos animais, etc.).

Como num processo de destilação, tenta-se preservar uns elementos e fazer

desaparecer outros (menos compatíveis com as exigências de um equipamento

público e do olhar urbano), mas sobretudo (e paradoxalmente) debaixo da ambição

simultânea de manter o ambiente original do conjunto, pelo seu carácter habitado,

vivo, popular, rústico, castiço e rural.

Foi intenção preservar o mais possível todas as construções, mesmo os

anexos e galinheiros, de pequenas dimensões, foram recuperados e aproveitados

para arrumação de material de esplanada, por exemplo. Foram apenas destruídos

os acrescentos que não eram em pedra, com aspecto precário e que escondiam a

semelhança entre as quatro casas. Aliás, esse foi o critério principal, revelar o

desenho original das quatro quintas geminadas e a sua lógica de envelhecimento e

adaptação às vivências e funcionalidades atribuídas. Interessava também valorizar o

facto de, ao longo do tempo, o conjunto se ter densificando, pela construção de mais

anexos em pedra, ao redor das casas, no que resultou numa espécie de fechamento

em casco, contra o muro do Beco. “Nesta procura da verdade daquela casa e daquela estrutura toda, nós percebemos que

aquelas quatro casas eram exactamente iguais, se reparar, as quatro casas mãe, que nós

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177

designamos de casas mãe, são as únicas que têm sempre rés-do-chão e primeiro andar e que têm

uma escada exterior, são exactamente iguais, as quatro casas (…) portanto há medida do tempo,

foram sendo desenvolvidas pelas famílias ocupantes à medida das suas necessidades e (…) a nossa

preocupação foi manter legível esta verdade de envelhecimento daquela lógica. Umas dispensaram

anexos e estruturas de apoio agrícola e outras, porque se viraram mais para os animais, iam

precisando muito de anexos, cortes, por ali fora, de uma série de coisas de apoio e, portanto, isso foi-

se mantendo. A primeira, por exemplo, não tem nada porque era a casa do padre e o padre devia

viver do que lhe davam e, portanto, não precisava de coisa nenhuma e a casa estava completamente

solta. Portanto a nossa preocupação foi muito a de manter esta legibilidade do conjunto em que há

alguma preocupação de verdade, entre aspas, histórica, arqueológica e etc. e também arquitectónica,

no sentido de mostrar os valores daquela ruralidade que ali está. Porque depois as construções

abarracadas eram impossíveis também de manter, porque eram chapas tortas, tijolos mal

encaixados, portanto nem sequer construtivamente aquilo era compatível... E há ali um processo

muito engraçado que é... as casas teriam estado soltas no terreno e à medida que a cidade cresce

aquilo vai se fechando em forma de casca. Quando entramos no beco de Carreiras vemos um muro

quase cego com 4 portões...que são das 4 quintas e é engraçado como esta espécie de evolução da

cidade, esta espécie de invasão daquele território por parte da cidade, corresponde a um fechar das

quintas sobre si mesmas e esse fechar vai sendo feito com muros, mas principalmente com anexos e

os anexos vão se fechando em forma de casca protectora, muitas vezes muito mal resolvidos… há ali

construções muito mal resolvidas e nós deixamo-las ficas todas. Nós só tiramos mesmo o que tinha

ar de ser tirado com o vento quase...” (João Rapagão).

De facto, as casas foram recuperadas, mantendo-se o traçado original e os

mesmos materiais. A pedra foi limpa, as madeiras foram poupadas o mais possível,

restauradas e pintadas de vermelho (janelas, portas, etc.) e as paredes exteriores e

interiores de branco. Os tectos em madeira e o soalho dos pisos superiores foram

restaurados e mantidos. Nos pisos térreos, a terra batida foi coberta por estrados de

pôr e tirar. Os anexos em pedra, os tanques, os poços, o sequeiro, as eiras e os

estábulos foram mantidos e recuperados. Já o celeiro foi reconstruído, pois tinha

sido destruído num incêndio que ocorreu antes das obras. Em alguns locais o

tabique foi propositadamente exposto e as técnicas construtivas de recuperação

foram inspiradas nas tradicionais.

Foram instalados os circuitos eléctricos, o isolamento térmico, o sistema de

aquecimento, de telecomunicações e todas as infra-estruturas próprias para os

estabelecimentos comerciais e de hotelaria, para além da, já referida, ligação à rede

de saneamento pública. Por outras palavras, o conjunto foi adaptado às exigências

de conforto, comunicação, salubridade e modernização, que um equipamento

público comporta, principalmente dada a sua diversidade de funções. Aliás o

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programa previsto para o núcleo e que serviu de orientação para o projecto, era

bastante aberto e destacava a necessidade de preparar as quintas para receber

serviços muito distintos (desde comércio, até à educação ambiental, passando por

actividades equestres e por escritórios). “Acabámos por decidir que vamos recuperar as casas, instalar todos os meios actuais

modernos, para que a casa fique preparada para ter uma exposição de arte contemporânea, se for

preciso, que as casas possam receber um restaurante, possam receber computadores, possam

receber telefones, tudo é viável, mantendo sempre a lógica do soalho de madeira no piso de cima,

mas em baixo manter a ideia da terra, embora quando houvesse necessidade púnhamos um estrado

de madeira que é de pôr e tirar.” (João Rapagão).

O objectivo era o de conseguir lograr um equilíbrio entre a preservação das

características arquitectónicas do conjunto e do seu ambiente rústico e a adaptação

do espaço às novas funcionalidades. Esta proposta é bem patente no Estudo Prévio

do NRA, elaborado pelos autores do projecto de transformação do lugar, os

arquitectos João Rapagão e César Fernandes: “Fecha-se, assim, um sistema interno

de vivências e de usos que associam as necessidades funcionais colectivas e

recreativas e as necessidades funcionais e operativas, aos valores arquitectónicos

do conjunto edificado, caracterizado pela sua identidade rural. Sem descaracterizar

o construído existente, julga-se ter encontrado um equilíbrio entre o existente e o

proposto, sem perda da identidade do núcleo rural.”23

Não nos cabe a nós julgar se foi uma tarefa ganha, mas deve ser destacado,

a propósito, que esta perspectiva de transformação do lugar afasta-se do restauro

(científico, pela fidelidade histórica) e aproxima-se da recriação, precisamente por

estar baseada na selectividade estratégica ou subjectiva, do que é cristalizado,

recuperado, enaltecido e, por outro lado, adaptado, suprimido, disfarçado,

substituído. Esta abordagem tem em atenção, por um lado, as necessidades de

adaptar o espaço aos novos usos e, por outro, assume como referência uma ideia

de ruralidade, que orienta os critérios de selecção e que se aproxima mais do

romantismo do que de uma ruralidade “real”. Esta realidade seria o ponto de partida

(as quintas do Beco de Carreiras antes da transformação) que, através de um

processo de selecção, limpeza e remodelação, é reconfigurada para corresponder a

novas funcionalidades e a determinadas exigências e expectativas (estabelecidas

discursiva e culturalmente, diríamos nós).

23 Para mais detalhe sobre o documento em causa consultar a Tabela Resumo de Material Documental do NRA (2.4) em anexo.

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“Chamaria uma recuperação ou uma renovação. Porque, de facto, restauro não é, porque o

restauro passa muito pela manutenção da função e aquilo não tem uma manutenção da função...

Repare quando eu tenho de meter cozinhas industriais, para responder à ASAE, por exemplo, não

posso chamar isto de restauro. Há ali num ou dois sítios há ali uma intervenção mais violenta, porque

é impossível que os espaços antigos respondam a 100%, porque há ali casas que se julga terem 300

e 400 anos, portanto, é impossível que satisfaçam os requisitos actuais. Mesmo larguras de portas...

eu cheguei a andar, entre aspas, em guerra com o provedor para as pessoas com deficiência, porque

em grande parte daqueles sítios os deficientes não entram, mas para proporcionar o acesso dos

deficientes motores a todo o lado, também vou perder os valores arquitectónicos que estiveram na

origem da manutenção das quintas e se vou meter rampas ou elevadores eu perco os espaços,

porque há ali espaços tão exíguos, que se eu lá meto um elevador dentro, o espaço deixa de ser útil.

Portanto, é impossível, é incompatível. Portanto há ali toda uma operação de adaptação que não é de

restauro, por isso, nós afastamo-nos cada vez mais da ideia de restauro.” (João Rapagão).

“Para nós os muros e toda aquela divisão, o não se ver tudo de uma vez, o ir descobrindo, o

andar encaminhado, portanto toda essa lógica muito... eu diria romântica, porque tem muito a ver

com as memórias que as pessoas fabricam e que tem que ver até com alguma aproximação, a uma

ideia que eu detesto, mas que é cada vez mais permanente, que é a ideia de parque temático e que

as pessoas procuram muito nos parques de aventura, em que é tudo muito ficcional, mas que é

limpo, entre aspas, é como ir ao shopping e não encontrar lixo, nem prostitutas na rua, portanto é

muito mais simpático viajar no shopping. Desta ideia toda do mundo limpo e preparado para

receber…” (João Rapagão).

De facto, cristaliza-se aquilo que são as características valorizadas,

acrescentam-se as comodidades e recursos, que as necessidades contemporâneas

e urbanas fazem prevalecer, mas suprimem-se outras, tidas como negativas. Neste

processo, transforma-se o lugar numa versão daquilo que era, numa recriação sua,

mais amigável ao olhar urbano e mais próxima da ruralidade imaginada como

tradicional e como “nossa” (cultural e historicamente), mesmo que agora esteja

adaptada a novas funções e usos.

Aliás, na perspectiva de Sérgio Infante, a propósito do projecto do NRA,

espera-se das intervenções no património arquitectónico, que provoquem este tipo

de reacções: “Parece que não fizeram quase nada… Mas, ainda bem que mexeram

nisto. Está melhor do que antes das obras!” (Infante, 2003, pág. 32). Isto porque se

almeja a aproximação do construído ao imaginado, porque se adapta o património

ao sonho e às representações que o classificam enquanto tal (num primeiro

momento), gerando-se uma aura de familiaridade e naturalidade, em torno do que é

produzido com cada “matéria-prima”. Nesta lógica, é maior a identificação com a

reinvenção, do que com o “original”.

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Em suma, busca-se corresponder às expectativas colectivas de reencontro

com o passado, transformando-se os territórios para serem como se sente e imagina

terem sido sempre, nos nossos patrimónios simbólicos, nos nossos discursos, nas

nossas memórias colectivas. E tal como não nos lembramos do nosso próprio

nascimento, colectivamente esquecemos a circunstancialidade, a convencionalidade

e a efemeridade, destas ideias construídas, naturalizadas pelas mesmas políticas

culturais que as convertem em cultura e, por isso mesmo, as fazem parecer inatas.

Posto isto, pode ser assumido que estamos perante um caso de conversão de

um enclave de ruralidade residual dentro da cidade, numa sua recriação, em versão

destilada, limpa, confortável e adaptada ao aproveitamento e usufruto urbano.

Depois de tantos anos de fechamento e alheamento em relação à cidade, o lugar foi

aberto e tornado público, propriedade de todos os portuenses. Por ironia, foi

precisamente essa sua “virgindade” e “integridade” que suscitaram a sua valorização

inicial. Agora o núcleo é da cidade, mas ainda lhe chamam “Rural”, concretizando a

ideia urbana da ruralidade, numa versão domesticada do que foi, para parecer que

foi assim sempre.

Ora, importa então discutir a sua função social e a razão porque justificou este

interesse e investimento. Interessa perceber porque é importante para a cidade e de

que forma é que se legitima o gasto de 1.838.987,97 euros24 com a sua reconversão

e outro tanto na sua manutenção permanente. Nesta linha e recorrendo às palavras

dos responsáveis pela sua valorização e transformação, o NRA pretende servir de

tributo à memória da cidade. Em primeiro lugar pelo seu passado rural muito

recente, já que grande parte do concelho só foi urbanizada na segunda metade do

séc. XX e, depois, porque uma larga fatia da sua população, resultante do êxodo

rural, tem as suas raízes nas aldeias do Minho e Trás-os-Montes. “Nós na perspectiva da ruralidade, era muito importante também ser o espaço onde muita

gente poderia encontrar ligação à sua própria origem fora do Porto, porque para além dos espaços da

própria cidade serem rurais até há muito pouco tempo, há uma necessidade de muita gente (...) de

origem rural próxima, de geração anterior ou duas, que vinham de zonas rurais e eu penso que o

24 Valor retirado da apresentação Power Point “Metodologia de Construção do Parque da Cidade do Porto”, de

Março de 2006, realizada pelo Eng. Francisco Sendas (Director do Departamento Municipal de Espaços Verdes

e Higiene Pública da CMP), no Congresso Internacional de Parques Urbanos e Metropolitanos, disponível em

http://www.cmporto.pt/users/0/66/FranciscoSendas_79a0958f2144199b769db6b0413ada4e.pdf

Esta apresentação foi tratada como material documental, sendo que para mais detalhe pode consultar-se a Tabela Resumo de Material Documental do NRA (2.4) em anexo.

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Porto tem essa ligação ao resto do Norte pouco trabalhada. (...) A ligação daquele espaço (NRA) à

vida da cidade passava por essas dimensões de documentar do ponto de vista histórico a evolução

da própria cidade, mas era um bom pretexto para trazer à tona alguns desses patrimónios, que as

pessoas às vezes nem reconhecem como tal e nós só temos de dar o mote para que elas passem a

reconhecer.” (Maria João Vasconcelos25).

“E tudo isto é memória, o núcleo rural é memória, estar ali, conservada e preservada, através

da vontade de alguém ou de um grupo de pessoas. E portanto, aquilo também foi um tributo à

memória, a recuperação do NRA, foi também um tributo à memória. Foi por isso que todo aquele

trabalho foi feito com muita paixão. Portanto, é importante preservar a memória, eu mesmo tenho

muito orgulho em dizer que sou aldeão. E até porque, ouça... até há pouco tempo dizia-se "vou de

férias para a Foz!" metiam-se em carros de bois e vinham de Campanhã e dessa zona toda do centro

e iam fazer as férias na Foz, como se fosse uma grande distância, de maneira que ainda há pouco

tempo metade do Porto era rural.” (Orlando Gaspar26).

De facto, a cidade do Porto evoluiu de uma forma particularmente rápida,

depois de séculos confinada ao seu núcleo original. Até à segunda metade do

século XX, verificava-se que o crescimento populacional não era acompanhado pela

dispersão da mancha urbana no território e que em redor do núcleo central antigo,

caracterizado por uma elevadíssima densidade populacional, apenas existiam

pequenos povoados rurais, praticamente sem construções. Este tardio avanço da

urbanização, cristalizada no Porto durante muitos séculos de história, resultou no

paradoxal facto de as periferias terem tido um desenvolvimento anterior à ocupação

total do território municipal (Matos, 2001).

O desenvolvimento das estradas e das linhas de transportes públicos

contribuíram para a urbanização de algumas zonas periféricas ao município (como

Matosinhos, Gondomar ou Vila Nova de Gaia), onde as rendas e os terrenos eram

mais baratos e havia menos entraves burocráticos à construção, muito antes de a

sua extensão se ter urbanizado. Assim, entre o núcleo fundador da cidade (hoje

considerado o seu centro histórico) e as periferias em desenvolvimento, existia uma

vasta coroa de terrenos agrícolas, matas e baldios, apenas pontuados por pequenos

lugares (Matos, 2001).

As freguesias de Ramalde, Aldoar, Lordelo, Paranhos e Campanhã (hoje

integrantes do tecido urbano completamente densificado do Porto) eram compostas

25 Historiadora. Autora do estudo de levantamento patrimonial do NRA e uma das primeiras pessoas que promoveu a sua valorização e conservação, inclusive através da tentativa de torná-lo no Pólo Rural de um eventual Museu da Cidade.

26 Engenheiro Civil. Antigo Vereador do Ambiente da Câmara Municipal do Porto responsável pela iniciativa de requalificação do núcleo.

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por pequenas aldeias e denominadas de “arrabaldes” da cidade. Esta designação

dizia respeito à sua situação de exterioridade por relação ao núcleo urbano principal

e ao facto de terem um cariz rural. Estes “arrabaldes” tinham duas funções

essenciais, a de funcionarem como a “horta” de abastecimento da cidade, mas

também como espaço de lazer para os seus habitantes mais abastados. De facto,

era nas freguesias ocidentais da cidade que se construíam os palacetes de veraneio

para as famílias ricas do Porto irem passar os meses quentes (Fonseca, 1998).

A proximidade do mar e da natureza, o contexto campestre, a distância do

buliço urbano, dos seus desconfortos e epidemias, favorecia o descanso e era muito

apreciado por burgueses endinheirados e aristocratas, como a família do Conde de

Vizela (criador da quinta do Mata-Sete), por exemplo.

“O arvoredo das freguesias periféricas do Porto, escondia numerosas quintas,

propriedades de famílias ricas, que nutriam um particular interesse por estas áreas

rurais, reflectindo também o resultado de uma pujante actividade comercial. O gosto

pela construção de habitações nos arrabaldes, em espaços amplos, começou a ser

bastante frequente principalmente em famílias abastadas, pelo que a ligação ao

campo e à propriedade rural foi algo que ficou marcado na paisagem pela

imponência das construções então realizadas.” (Fonseca, 1998, pág. 66).

Só na década de 50, com a construção da Via Norte e da Via Rápida, da

ponte da Arrábida e da zona industrial de Ramalde, foram abertas novas frentes de

urbanização. O Plano de Melhoramentos da Cidade do Porto de 1956 e o Plano

Director da Cidade do Porto de 1962, aceleraram esta dinâmica que levou à

transferência de uma grande parte da população da cidade para as freguesias

periféricas. Este processo funcionou como uma forma de higienização do centro, a

braços com problemas de insalubridade, dada a exagerada densidade construtiva e

populacional e permitiu também a sua terciarização progressiva (Fonseca, 1998;

Matos, 2001).

Novas políticas urbanas, autorizaram a descentralização residencial, a

proliferação de novos empreendimentos e o aumento da qualidade habitacional,

nomeadamente pelo investimento público em habitação social. De facto, diversos

bairros sociais, disseminados nas freguesias periféricas, foram inaugurados como

fruto destas políticas e a serviço do realojamento de habitantes do centro da cidade.

Para dar um exemplo desta evolução repentina, só na década de 60, a freguesia de

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Ramalde (hoje a mais populosa da cidade) sofreu um aumento populacional de

41,4% (Fonseca, 1998).

Assim, “No período de uma geração, a superfície urbanizada foi

substancialmente aumentada e aquilo a que no início do século era habitual chamar-

se arrabalde ou periferia urbana, tornou-se componente, por excelência, do espaço

urbanizado, que vai avançando em detrimento dos espaços rurais mais próximos.

Esta expansão urbanística e demográfica, contribuiu para o abandono progressivo

da actividade agrícola, transformando toda esta área num espaço eminentemente

urbano, cuja posição excêntrica em relação ao centro da cidade do Porto e

Matosinhos vai progressivamente diminuindo.” (Fonseca, 1998, pág. 4).

Desta feita, a ideia de que a cidade necessita de um espaço de reencontro

com o seu passado rural, legitima a valorização do lugar do Beco de Carreiras e

posteriormente a sua transformação em equipamento público. O núcleo, na sua

versão pública, funciona como um aproveitamento de um espaço degradado que era

necessário transformar, aquando da criação do Parque da Cidade (dada a sua

localização), mas constitui-se nos discursos (políticos, técnicos, promocionais, etc.)

como um retalho do Porto rural, que importa preservar e acarinhar, a bem da saúde

identitária da cidade.

Este argumento é bem patente, por exemplo, no livro associado à exposição

de 1995, “Essas Pedras Quebradas… Permanências da Ruralidade no Contexto

Urbano”, realizada para sensibilizar a cidade para o valor do lugar do Beco de

Carreiras, na altura em que a valorização do seu potencial museológico (para o pólo

1 do Museu da Cidade) começa a ganhar corpo, ainda pelo trabalho conjunto dos

Pelouros da Cultura e do Ambiente, e em que se encomendam os primeiros estudos,

levantamentos, pareceres e projectos preliminares.

O texto, realizado por um conjunto de historiadores e técnicos da Câmara

Municipal do Porto, coordenado pela Dra. Maria João Vasconcelos, fala do projecto

de musealização do núcleo, centrando-se precisamente no seu valor patrimonial e

no destaque para a importância deste nicho de ruralidade residual, na reconstrução

da história da cidade e como referência simbólica para a sua identidade colectiva.

Curioso é perceber que no texto é colocada a iniciativa de preservação e valorização

do lugar na própria cidade, como se esta fosse o agente mobilizador do projecto,

elevado a necessidade inadiável e quase “natural”, no contexto civilizacional em que

nos encontramos.

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“O que torna este projecto deveras singular é o facto de ele ser gerado pela

cidade enquanto sistema cultural, que desta forma procura manter os seus

fantasmas de referência, a memória de si própria. (…) Desta forma, o ritmo biológico

da cultura rural, em especial os seus signos e valores. Desperta o fascínio de um

tempo antigo que adquiriu um estatuto de raridade, assumindo-se, por sua vez como

uma espécie de paradigma perdido que urge retomar. Dir-se-ia que num período

civilizacional pós-moderno, aparentemente esgotado de inovação, se retomam os

valores de referência do período romântico de oitocentos, no qual o campo, e a

província, adquiriram uma função de catarse em relação ao industrialismo então

nascente.” (Vasconcelos, 1995, pág. 10).

A nostalgia urbana do passado e da vida rural, que talvez nunca tenha

existido como se imagina colectivamente, é identificada como o sentimento

mobilizador do interesse pelo lugar do Beco de Carreiras, reputado como sendo uma

amostra dos tempos idos e da cidade que já existiu, uma saudosa “não-cidade” em

que ainda havia espaço para o rústico e para o tradicional. Esta preservação e

apropriação pública do núcleo, é então apresentada como uma vitória desta

necessidade identitária e nostálgica e como uma garantia do respeito por essa

procura, por esse reencontro, por esse louvor ao passado e à história urbana

colectiva.

A nostalgia funciona como um catalisador da valorização destes espaços de

preservação do passado, relíquias que ajudam ao luto e a sossegar a ansiedade

perante as rápidas mudanças e a fracturante volatilidade urbana.

“De tempos a tempos passo na Vilarinha. (…) Mas, confesso, entro naquela

rua com misto de prazer e receio. O prazer de reencontrar a vereda do cemitério, as

moradias oitocentistas (…), o fontanário, o Beco de Carreiras, as casas e os

canastros da aldeia… O receio de que tudo isto, junto ou separado e em nome do

progresso que por aí apregoam, apareça do dia para a noite arrasado ou, o que é o

mesmo, achincalhado pela anarquia urbanística a que estamos habituados e a que

vamos ficando insensíveis.” (Pacheco, 2002, pág. 33).

A função social deste espaço é existir como amostra desse ideário e como a

cristalização de uma imagem do passado. Esta, mesmo retocada e falsa, (e talvez

por isso) encaixa bem na nossa identificação e com o nosso sonho recordatório. É

adorável, agradável, limpa, não lembra trabalho, nem esforço, está ali bem perto (a

poucos minutos de carro) e sobretudo é familiar, num duplo sentido. Primeiro porque

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Capítulo VI

185

é própria para as famílias da cidade, tendo todas as comodidades habituais (casas

de banho, iluminação, comércio, serviço de hotelaria, bancos para contemplar a

paisagem, relva para desfrutar, etc.), e segundo porque é reconhecível, próxima,

relembra a “casa”.

Paralelamente, identificamos a função comercial e educativa do espaço, que

pelas suas características potencia o valor simbólico dos equipamentos que acolhe.

Isto porque o próprio contexto e poder sugestivo do núcleo amplificam o potencial

das suas funções educativas e comercias. O centro de educação ambiental encontra

no seu seio diversos elementos, pretextos e condições para reforçar o interesse e a

atractividade das suas actividades (o espaço das hortas integrado no cenário rural, a

cozinha rústica com forno de lenha para as aulas de culinária, todo o património

arquitectónico ligado à lavoura, etc.), podendo dizer-se que o conjunto é aproveitado

pela alusão à ruralidade e suas conotações ecológicas.

As lojas de produtos biológicos, “gourmet” e de comércio justo, bem como a

feira semanal, na sua associação a valores como a qualidade, a ecologia, a tradição

e a saúde, acabam por ser favorecidas pela aura rural do contexto que, de certa

forma, corrobora essa conotação positiva e acrescenta valor simbólico aos produtos.

Desta feita, o comércio e o centro educativo, ao mesmo tempo que dinamizam e

enriquecem as virtualidades do espaço, alimentam-se do seu ambiente bucólico. A

associação do núcleo com estes equipamentos, fundidos num mesmo conjunto,

reforça a correspondência simbólica deste universo de valores (ecologia, tradição,

qualidade, saúde) à ruralidade, nos imaginários urbanos.

Assim, a versão dominante de ruralidade alimentada discursivamente, e

veiculada neste tipo de recriações no espaço da cidade, para além de estar

associada à memória, está também conotada com a ética de preservação da

natureza. A memória e o património, a sustentabilidade e a ecologia, parecem, de

facto, acompanhar a ideia de ruralidade, sendo esta sua recriação marcada pela

função social de alimentar essa associação. O NRA não só cumpre a função social

de preservar a memória da cidade, enquanto seu património histórico e referência

identitária, como alimenta a associação da vida rural aos valores que a vida urbana,

supostamente, ameaça.

A qualidade alimentar, a sustentabilidade ambiental, o consumo consciente e

os produtos orgânicos, aproximam-se do ideário pastoral por oposição à ideia de

cidade tecnológica, insustentável, plástica e contaminada. Ora, passado e futuro,

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186

património e sustentabilidade, são afinal os valores associados ao binómio

axiológico que cultural e discursivamente legitima o discurso de reinvenção e

valorização da ruralidade. Como vimos, a sacralização dos patrimónios cultural e

natural, funciona como o reforço da consensualidade em torno da valorização do

rural, não só pelo seu potencial comercial, mas como depósito de tudo o que nos

arriscamos a perder com o estilo de vida urbano.

Assim, o mundo rural, não só se torna atractivo enquanto mercado, como

concentra a responsabilidade de preservar o passado e garantir o futuro. O NRA

enquanto sua recriação, condensa precisamente o pendor patrimonial, ecologista e

comercial, associado à ruralidade, com a vantagem de, sendo um espaço destilado,

encenado e acondicionado, poder corresponder ao sonho e às expectativas urbanas

de uma forma optimizada e perfeitamente adaptada a um consumo quotidiano, livre

dos inconvenientes que a “realidade” acarreta.

3. Reflexões e cruzamentos finais

Constituindo uma espécie de campo de fim-de-semana27, que os habitantes

da cidade integram nos seus passeios pelo Parque, o NRA tem uma função, de

certa forma, complementar ao Mata-Sete, que é mais activo durante a semana, com

as actividades educativas para grupos escolares. De qualquer forma, ambos os

objectos podem ser aproximados pelo seu carácter recriativo e pelo facto de

cumprirem funções bastante semelhantes.

O Mata-Sete deve ser perspectivado como uma dupla recriação, em duas

épocas diferentes: num primeiro momento de origem privada e inspirada nas modas

europeias de valorização do ideário pastoral (séc. XIX e princípio do séc. XX), com

um pendor moderno e requintado e, num segundo momento, pela adaptação ao uso

público, em que se reforça o seu potencial pastoral e educativo. Esta adaptação e

abertura à cidade aproximam os dois objectos, no sentido em que, apesar de terem

origens diferentes e terem nascido em épocas distintas, convertem-se ambos em

equipamentos públicos com funções comuns.

27 É de assinalar o facto de o NRA ter uma afluência muito superior ao fim-de-semana, pela proximidade com o Parque e eventualmente pela feira semanal de produtos biológicos, o que justifica até que a loja de produtos NaturoCoop esteja fechada aos dias úteis.

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Capítulo VI

187

Nesta linha, podemos questionar se o NRA não funcionará como uma versão

contemporânea e pública do Mata-Sete, no sentido em que acaba por constituir uma

recriação da ruralidade adaptada às exigências urbanas, dentro da tendência actual

de valorização patrimonial. De facto, a distância temporal acaba por justificar essa

diferença fundamental, que consiste no facto de o NRA resultar do aproveitamento

de um lugar pré-existente e da sua valorização patrimonial, ao contrário do Mata-

Sete, que se enquadra na visão modernista do Conde de Vizela, apesar de tudo,

menos saudosista.

Ainda dentro desta questão, acrescenta-se a possibilidade de o NRA

constituir uma espécie de Mata-Sete democratizado, como um espaço de

valorização do imaginário rural, de origem pública e aberto à cidade. Por outras

palavras, como o emblema da apropriação mainstream do elitismo pastoralista,

outrora reservado às famílias abastadas, sensíveis às modas românticas e com

possibilidades de desfrutar da paisagem campestre, sem a associar ao trabalho e à

dureza da vida do campo.

Esta democratização do ideário pastoral acompanha a abertura do espectro

de patrimonialização, que passa a incluir os conjuntos arquitectónicos e as

manifestações culturais populares e não apenas monumentais, bem como a

massificação do turismo. Por outro lado, sai também facilitada pela facilidade de

recuperação e recriação paisagística de um cenário pastoral, isto porque o quadro

valorizado, sendo singelo e campestre, acaba por ser de fácil e económica

recriação, baseando-se muito na sua “cultura material” (Denis, 1998; Hitchcock,

2000), com a presença de elementos cenográficos domésticos e até corriqueiros

(cestas de vime, alfaias, poços, etc.), associados a uma arquitectura simples e

popular (chaminés, celeiros, casas térreas, etc.) e à presença da fauna e flora de

quinta (hortas, galinhas, árvores de fruto, vinhas, rebanhos, etc.) (Claval, 2003).

Acrescentando, pode dizer-se que a cultura material associada ao mundo

rural, ganha prestígio e valor simbólico e, consequentemente, utilidade e poder

cenográfico, integrando-se nas paisagens urbanas para concretizar os tais quadros

pastorais e bucólicos. No entanto, tal como acontece na composição de cenários

turísticos, a cultura material aproveitada para a “decoração” dos lugares e,

consequentemente, para a exaltação da experiência turística, é cuidadosamente

seleccionada, no sentido de alimentar uma determinada dramatização (neste caso)

da ruralidade. Desta feita, em ambos os objectos estudados e devido à selecção e

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188

aproveitamento progressivo do seu potencial cénico, a cultura material “original” dos

lugares, difere (principalmente no NRA) daquela que materializa a sua rusticidade na

actualidade.

A valorização contemporânea do mundo rural, constitui uma generalização de

algumas práticas de valorização associadas ao ideário bucólico, que se reforça

sobretudo durante o Romantismo, sendo, de facto, muito interessante pensá-la

como a abertura às massas de um património simbólico, que num passado recente

era reservado a gostos requintados e que, hoje, pelo contrário, é amplamente

veiculado pelas políticas públicas. Estas, por via da generalização do discurso na

sua dimensão estratégica, apoiam-se na estabilidade destes referentes simbólicos

culturalmente enraizados, cuja robustez se deve, em grande medida, ao poder das

elites que, ao longo dos últimos séculos, têm contribuído para elevar a ruralidade a

bucolismo.

Neste contexto e como já foi amplamente exposto neste trabalho, as políticas

culturais e territoriais, constroem paisagens, estratégias de desenvolvimento, criam

equipamentos públicos e programas educativos, dentro de uma estrutura discursiva

multifacetada, que agrega e capitaliza o poder cultural, de um universo simbólico

enraizado, generalizando-se eficazmente em todas as esferas da vida social. Ora, o

enraizamento cultural da valorização da ruralidade e a aparente consensualidade

dos argumentos que a sustentam, justifica-se, em grande medida, pelo facto de os

interesses e perspectivas em torno dos territórios, que moldam e movem este

discurso, serem as hegemónicas, ou seja, as que estão, não apenas no lado das

cidades, mas sobretudo do lado das elites, antes de se generalizarem socialmente.

As paisagens concretizam um ponto de vista estabelecido segundo os

interesses hegemónicos. As instituições e agências do poder têm um espectro de

influência paisagística suficientemente capaz para reformular as paisagens

vernaculares que, à partida, não estariam sob a sua égide (mais directamente ligada

à monumentalidade, por exemplo). É esse o caso do NRA, que ascende a

“paisagem”, no sentido em que se torna um lugar digno de contemplação e fruição e

deixa de ser apenas uma amostra de “campo” e espaço de trabalho de lavoura,

associado a todos os desconfortos e injustiças sociais que historicamente lhe estão

imputados (Zukin, 1991).

É como se o campo se elevasse a paisagem, através do condão da

intervenção urbanística e da promoção simbólica, que reformula as manifestações

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Capítulo VI

189

históricas e populares, através da hipérbole ruralista. Constrói-se assim um

microcosmos saudosista em que a paisagem é utilizada como um tema visual e em

que a descontextualização anacrónica do lugar autoriza um reforço do seu potencial

de consumo. A decadência dá lugar à novidade, a utilidade dá lugar ao consumo, o

presente dá lugar a um passado actualizado, enquanto os habitantes dão lugar aos

visitantes, tanto no NRA como no mundo rural (Zukin, 1991).

Voltando ao cruzamento dos casos estudados, é importante reafirmar a sua

coerência em muitos aspectos importantes e sublinhar ambos os objectos, como

uma recriação urbana da arquitectura rural e da iconografia cenográfica que lhe está

associada. Ambas as paisagens ensaiam a reprodução de cenários campestres,

mas estão adaptadas a exigências urbanas de comodidade e modernidade, que as

afastam da rusticidade tosca e singela. Desta feita, estão transformadas em versões

sofisticadas e limpas de quinta, paisagem, quadro rural, em que se combinam

cozinhas rústicas e casas de banho modernas, pormenores arquitectónicos

populares e com travo a saudade, com apontamentos de design moderno, etc.

Disto são exemplos os bancos cobertos de linhas modernas, inspirados nas

ripas de madeira dos espigueiros (no NRA) ou a instalação de Maria Nordman no

Mata-Sete, composta por uma mesa de xisto ladeada de um bebedouro para

pássaros e por um conjunto de ciprestes. Estes elementos contemporâneos e

potencialmente ousados, acrescentados aos conjuntos, longe de serem intrusos no

meio de edifícios valorizados patrimonial e arquitectonicamente, servem a integração

dos lugares no contexto temporal e territorial em que se encontram (a cidade de

hoje), ao mesmo tempo que lhes acrescentam requinte.

Os detalhes de modernidade aproximam os lugares das expectativas de

conforto dos visitantes. Deve ser dito a propósito que, em nenhum dos casos, existe

a cristalização fundamentalista do quadro, ou algum puritanismo exacerbado por

relação à sua preservação patrimonial. De facto, os objectos não são tomados como

sítios históricos sacralizados, que importa manter intactos, pelo contrário, foram

sendo aproveitados de forma adaptada (a usos e exigências evolutivas) e foram

sendo recriados, pelo acrescento de novos elementos (como a estufa e a cabana no

Mata-Sete, as hortas pedagógicas, o picadeiro do NRA, etc.).

É esse potencial plástico que reforça a sua força cenográfica e o poder

adaptativo às novas funções e exigências, para estar à altura dos elevados

standards urbanos de eficiência, conforto, recreação e riqueza iconográfica. Estas

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As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada

190

dinâmicas de preservação selectiva de determinados elementos e sua adaptação

aos novos usos, permite reforçar a ilusão de que evoluímos como civilização, sem a

perda daquilo que de bom seleccionamos do passado (Park & Coppack, 1994).

Neste caso, conservamos o bucolismo rural, excluindo os seus desconfortos e

combinando as conveniências da vida urbana moderna.

Nestes processos de transformação de paisagens, com base numa rede

complexa de imagens, percepções, mitos e estruturas sentimentais associados ao

mundo rural, muitos lugares acabam por tornar-se o negativo fotográfico da sua

realidade histórica (Park & Coppack, 1994). Lugares decadentes ou disfuncionais,

exageradamente povoados ou desertos, transformam-se, através de processos

minuciosos de requalificação, restauro e “maquilhagem”, em paisagens bucólicas e

adoráveis. É quase como um resgate de paisagens familiares, no que diz respeito às

referências estáveis do nosso ideário colectivo (Park & Coppack, 1994; Remy,

2004).

A nostalgia ruralista, para além de uma forte dimensão sentimental e cultural

e de uma poderosa e lucrativa dimensão comercial e promocional (que lhe é

derivada), concretiza-se, de facto, numa vertente cénica, que não pode ser ignorada

(Park & Coppack, 1994). O rural é tratado como um espectáculo e usado como um

tema, ao qual aludem inúmeros lugares, embalados para consumo recreativo e

turístico (Urry, 1990). As encenações e recriações de ambientes rurais acabam por

ter, desta feita, grande correspondência com os chamados “parques temáticos”, por

se basearem na imaginação e por superarem, muitas vezes, a realidade que se

pretende simetrizar (Clavé, 1999).

É comum encontrar na tematização uma obsessão pela “autenticidade

encenada” (MacCannell, 1973) e pela qualidade da cópia, que resulta no paradoxo

de vermos os lugares mais sorridentes na “morte” do que em vida, mais genuínos e

credíveis do que o modelo em que se basearam (Baudrillard, 1981; Frenkel &

Walton, 2000). Numa época em que se reciclam todos os detritos históricos e os

despojos do tempo em passagem, a voragem conservadora assume proporções

hiperbólicas ao revitalizar faculdades, estilos de vida e hábitos perdidos, através da

sua exacerbação (técnica, ideológica, estética, etc.) (Baudrillard, 1982).

Este perfeccionismo está relacionado com dois binómios interessantes que

rodeiam as tentativas de recriação: nostalgia/utopia e simulação/dissimulação. Isto

porque nascem da necessidade de fazer o luto pela perda, restabelecendo valores

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em extinção, suprindo um vazio histórico por suturar, mas estabelecem nessa

referência e alusão ao passado, as directrizes para definir uma utopia, um projecto

de futuro desejável, um sonho a concretizar. Por outro lado, constituem um ensaio

de simulação de um quadro, projectado a partir de referências reais e imaginárias

que, pelo seu carácter assumidamente utópico de upgrade da realidade, exige a

dissimulação de alguns aspectos mais incómodos e realistas.

Pelo facto de vivermos num tempo de grandes transformações, mas também

de um aparente vazio histórico, exacerba-se o fetiche pelo valor perdido, um apego

ao passado, uma fixação no trauma. A história acaba por funcionar como o último

grande mito, pelo poder tranquilizante de oferecer um encadeamento narrativo, num

contexto de grande volatilidade. Esta “era da história”, funciona também como a “era

do romance”, em que o passado é apresentado fabulosamente, sendo mistificado ao

mesmo tempo em que se ensaiam todo o tipo de conservações da sua fugidia

materialidade. A nostalgia exige a restituição. (Baudrillard, 1981).

“Quando o real já não é o que era, a nostalgia assume todo o seu sentido.

Sobrevalorização dos mitos de origem e dos signos da realidade. Sobrevalorização

de verdade, de objectividade e de autenticidade de segundo plano. Escalada do

verdadeiro, do vivido, ressurreição do figurativo onde o objecto e a substância

desapareceram.” (Baudrillard, 1981, pág. 14).

As cidades revelam muitas dessas simulações, pelo facto de grande parte da

arquitectura urbana ser de inspiração histórica e revivalista. As festividades

históricas, as reproduções miméticas, as alusões referenciais, as miniaturas e as

tematizações, constituem uma espécie de disfarces para a urbanidade

contemporânea e um conjunto de esforços para manter um vínculo “umbilical” com

estilos de vida em extinção ou, simplesmente, apresentados como extintos nas

grandes cidades (Sorkin, 1992).

A nostalgia pelo passado revela o descontentamento com o presente, com a

suposta perda de valores, a desilusão com a ordem estabelecida e o medo em

relação ao futuro. A exploração deste saudosismo nos espaços temáticos,

comerciais e musealizados, acaba por ser eficaz por suprir (suposta e

aparentemente) a necessidade colectiva de lugares de carácter comunitário,

verdadeiramente públicos, com significados estabelecidos colectivamente, livres da

instrumentalização privada e sem a planificação e o design calculista que

caracterizam as cidades contemporâneas, seus edifícios, equipamentos, etc. (Goss,

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1993). Por estas razões, a conservação selectiva e criteriosa dos lugares e a criação

de ambientes temáticos e históricos, remete para a utopia.

Ora, o saudosismo por alguns elementos do passado e a criação de quadros

que, baseando-se neles, os ultrapassam em perfeição, sofisticação, segurança e

beleza, acabam por revelar as linhas com que se projectam os lugares utópicos, as

paisagens desejadas, o mundo perfeito. As simulações e encenações funcionam

como uma apresentação de alternativas à realidade quotidiana, pelo que, enquanto

paisagens, podem ser lidas como uma expressão palpável do nosso desejo de vida

em colectividade (Sorkin, 1992).

Num mundo hiper-simulado em que os mapas precedem e engendram os

territórios e o real perde a racionalidade, podendo ser virtual, infinitamente

reproduzível e em que a noção de viabilidade é muito abrangente e podem

concretizar-se materialmente quase todos os sonhos, mesmo que estapafúrdios, a

simulação consegue esbater as diferenças entre o verdadeiro e o falso, o real e o

imaginário (Baudrillard, 1981). A simulação assente no passado apresenta uma

historicidade genérica, através da imagética pura, que prescinde da realidade e é de

imediata apreensão, por estar simplificada em alguns referentes simbólicos e

iconográficos convencionais e amplamente disseminados (Sorkin, 1992).

Finge-se o que não se tem e dissimula-se o que não se quer ter (Baudrillard,

1981). Sendo que, neste caso, a cidade dissimula as suas carências, com relicários

e lugares de celebração mnemónica, simulando paisagens imaginárias. No caso do

NRA, por exemplo, em que se aproveita um conjunto pré-existente, é clara a

dissimulação de muitas das características e de muitos dos elementos, que se

afastam da referência romântica a que se almeja. Por outras palavras, simulam-se

ambientes rurais em que estão dissimulados os aspectos incómodos, numa espécie

de sanitarização histórica.

Esta arquitectura “semiótica”, no sentido em que joga com referências e

significados, cria ambientes de falsa familiaridade, mas que simultaneamente se

distanciam da cidade quotidiana e “real” (Sorkin, 1992). De facto, o lugar temático

destaca-se pela diferença, oferecendo um ambiente próprio à recreação e ao

consumo, sendo a ruptura com o habitual, um dos elementos preponderantes na

captação de turistas, consumidores, curiosos, etc. (Frenkel & Walton, 2000). A

alienação criada pelos ambientes acondicionados e cenográficos e em que,

nomeadamente, se incita ao consumo e à recreação, é concretizada precisamente

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por uma patine de nostalgia, por um toque carnavalesco e pela essência icónica de

se estar “num outro lugar” (Goss, 1993).

A atracção pela “fuga” e a necessidade de romper com a rotina da cidade,

leva a que os urbanitas ensaiem estratégias de evasão, que vão desde o turismo, às

casas de campo, passando pelos espaços temáticos e, neste caso, de recriação de

uma ruralidade depurada. Esta associação entre ruralidade e fuga à cidade,

reencontro com as raízes culturais e contacto com a natureza, eleva o poder

comercial do mundo rural e acrescenta valor simbólico aos seus produtos,

alimentares, turísticos, imobiliários, etc. (Bessiére, 1998). A este respeito e,

relacionando com os objectos estudados, importa relembrar a importância que os

produtos alimentares ditos “da terra” assumem neste contexto.

Não deve ser descurado o facto do comércio presente no NRA ser quase

exclusivamente dedicado a bens alimentares e, especificamente, de origem

biológica, regional ou de “comércio justo” e que nos espaços comerciais da

Fundação de Serralves sejam vendidos produtos alimentares ditos “gourmet”, numa

lógica de associação com a quinta do Mata-Sete. O valor acrescentado deste tipo de

produtos, que tantas vezes ultrapassam a condição de simples alimentos e são

oferecidos como lembranças pessoais, ou experiências de degustação para

ocasiões especiais, faz com que sejam encarados e utilizados como prolongamentos

da “fuga”, após a visita (Bessiére, 1998).

O consumo enquanto statement, tomada de posição, afirmação identitária e

escolha ideológica, reforça a assunção de que a aquisição deste tipo de produto

pode ser entendida como um reforço das estratégias de evasão, naquilo que se

parece com uma “fuga de levar para casa”. Como um souvenir da experiência

turística, este tipo de produto alimentar, adquirido nos espaços de recriação, tem no

local de compra (enquanto contexto com um determinado poder simbólico) um

acrescento valorativo importante, por conotação e associação. O seu pendor

alternativo (por serem produtos biológicos certificados, tradicionais e dentro da

categoria “gourmet” e, portanto, diferentes dos consumidos no quotidiano ou, ainda,

por estarem associados ao trabalho de Organizações Não Governamentais com

preocupações ecológicas e humanistas) em associação com a alteridade do próprio

contexto (que rompe com a cidade), reforça o corte ideológico, a fuga e a rejeição

simbólica para com a ordem estabelecida, a norma e o modelo de civilização.

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Continuando e dentro da ideia de ruptura e fuga à cidade, não é de descurar o

facto de ambos os objectos estarem integrados nos dois maiores parques urbanos

da cidade e de terem ambos uma dimensão educativa importante, ao nível da

sensibilização das crianças para as preocupações ambientais. Ora, isto remete,

como já referimos, para a associação da ruralidade com os valores ecologistas e

com a harmonia entre o Homem e a Natureza, bem como para a missão do mundo

rural preservar o que a cidade supostamente se arrisca a destruir e em servir-lhe de

exemplo de sustentabilidade, integração pacífica e respeitadora com o meio

ambiente, de estilos de vida saudáveis e de baixo impacto contaminante, etc.

A ligação dos parques urbanos com a ideia de ruralidade é latente desde a

sua origem histórica, no sentido em que estes nasceram da necessidade de

preservar ou trazer para o corpo da cidade, alguns dos elementos naturais e

ascéticos, associados ao mundo rural, nomeadamente no contexto de forte

urbanização resultante da Revolução Industrial (Burchardt, 2002; Jones & Wills,

2005). O parque representa a natureza, numa dimensão controlada, doméstica e

confortável, que, tal como o rural, concretiza o controlo harmonioso da natureza pelo

Homem (Cauquelin, 2008). O parque, tal como o mundo rural, deve ser acolhedor,

esperando-se dele que eleve moralmente o Homem na sua vivência, por este

contacto do espírito com a natureza e que funcione como um pulmão verde para a

cidade, tantas vezes contaminada e insalubre (Jones & Wills, 2005).

“The reason why reformers and planners of the nineteen century chose the

park over playgrounds, town squares and amusement complexes had to do with

education. (…) The park represented a moral landscape. The crucial ingredient that

lent the park this hallowed reputation as a site of redemption and emancipation was

the presence of nature itself. With its landscape of trees, meadows, lakes and

flowers, the city park represented a conscious attempt to re-create the country in the

city. (…) Park popularity pivoted on the concept of nature as a repository of purity,

simplicity, harmony and morality – rendering an ideal foil for the perceived

degradation, complexity, tension and corruption of city life.” (Jones & Wills, 2005,

pág. 45).

De facto, em grande medida por influência dos pensadores do Romantismo,

generalizou-se a ideia, nas sociedades ocidentais, de que a vida rural (pelo

sacralizado contacto com a terra) garante uma vida mais natural e portanto uma

existência mais realizada aos indivíduos. Ainda dentro desta linha de pensamento, o

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campo é visto como o “lado bom” da civilização, onde ainda existe o espírito

comunitário, a existência plena e natural do Homem, a harmonia com a natureza e

uma estabilidade moral e familiar preservada. Desta feita, o mundo rural é elevado a

refúgio mental e físico para a vida urbana e civilizacional (Bunce, 1994).

“O jardim é, com efeito, a imagem daquilo que de melhor existe no homem, ao

residir aí, torna-se semelhante ao que o envolve.” (Cauquelin, 2008, pág. 48).

Acrescentando, é comum nos discursos mediáticos e populares, tomar-se as

questões ambientais como algo que diz respeito a uma outra esfera (que não a

urbana) – o mundo rural. Este representa o exemplo de boas práticas ecológicas e

por isso mesmo, os parques acabam por funcionar como ensaios de representação

do que idealmente deveria ser a paisagem urbana (Crouch, 1994). Não só enquanto

espaços harmoniosos, naturais e saudáveis, mas também como espaços abertos,

livres e públicos, sobretudo num contexto em que as cidades se assumem como

espaços hiper-privatizados e, pelo contrário, os parques urbanos se democratizam

progressivamente (Jones & Wills, 2005).

A natureza, as paisagens rurais, a arquitectura popular, as pequenas aldeias

e a ideia de “campo”, estabelecida culturalmente nos imaginários colectivos, têm

influenciado em grande medida o tratamento e intervenções feitas dentro da própria

cidade, muito dentro do que são os esforços em lograr maior qualidade de vida e

sustentabilidade urbana. A construção de parques, a preservação de espaços

verdes, a construção de subúrbios ajardinados, entre outros exemplos, funcionam

como tentativas de aproximar a paisagem urbana às referências paisagísticas rurais

e reflectem também a influência dos valores ambientalistas nas cidades (Bunce,

1994).

Por este motivo também, procurar as manifestações destas dinâmicas no

corpo da cidade, não deixa de ser importante, dentro da linha de perceber no

território as influências, não só dos discursos, estratégias políticas e modas

dominantes, mas sobretudo das grandes linhas culturais, axiológicas e históricas do

nosso tempo. As exigências sociais, logísticas, políticas, económicas das

civilizações, invariavelmente articuladas ao campo das ideias, têm influência nas

paisagens e na configuração física do mundo. Para perceber esta relação é

importante confrontar a realidade empírica com a sua dimensão teórica, reflexiva e

discursiva. Por outras palavras, é importante cruzar as concepções que

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As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada

196

colectivamente se tecem em torno do mundo e a forma como estas são projectadas

na paisagem (Duncan, 1990).

Desta forma, ensaia-se nesta reflexão a articulação entre a valorização de

uma ruralidade bucólica, alternativa à cidade, com aquilo que são as crises,

necessidades, ansiedades e desejos da civilização, bem como com um exemplo de

sua influência nas paisagens urbanas (os espaços de recriação e reencontro com o

rural romantizado). Escolhemos procurar estes impactos na paisagem,

concretamente na paisagem urbana e, mais precisamente em paisagens

“fantasiosas”, pela urbanidade do discurso (como já foi referido), pelo poder deste

tipo de lugares imaginados em sugerir as utopias colectivas e em definir, por

contraste, aquilo que não se quer para os territórios (como também já foi exposto),

mas, antes disso e simplesmente, pelo poder simbólico das paisagens.

A paisagem é um dos elementos centrais de um sistema cultural, por

funcionar como uma espécie de autobiografia das sociedades. Esta, mesmo que

seja escrita inconscientemente, é orquestrada pelos seus mentores. Assim,

enquanto composição de diferentes objectos, este texto ou sistema significante,

comunica um sistema social, revelando sobretudo o que os poderes ideológicos

dominantes querem que se reitere materialmente. A paisagem reifica e incorpora, de

forma aparentemente fixa, as linhas ideológicas do discurso hegemónico. No

entanto, uma espécie de “amnésia cultural”, provocada pela naturalização do

discurso e pela habituação quotidiana às paisagens, mascara o seu carácter

ideológico e estratégico, ao mesmo tempo que reforça o seu poder (Duncan, 1990).

Vivendo nós num mundo hiper-visual, em que tudo é engolido pela voragem

imagética e até os territórios físicos se tornam objectos de consumo contemplativo

(através da generalização de actividades como o sight-seeing, por exemplo) e de

reificação iconográfica, as paisagens, enquanto matéria visual e recreativa, são

instrumentos e recursos poderosos (Brett, 1996). Ora, se pensarmos na importância

estratégica, económica e cultural que o turismo adquire na actualidade, acabamos

por reforçar a relevância do poder de produzir paisagem e associá-la aos esforços

que, um pouco por todo mundo, têm sido feitos para, através da requalificação dos

territórios, lograr distintividade, competitividade, valorização patrimonial,

correspondência para com as representações sociais em redor dos lugares, da

natureza, etc. (Urry, 1995).

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Capítulo VI

197

De facto, políticos, comunidades locais, técnicos, entre outras entidades, vêm

sendo sensíveis à importância estratégica de melhorar e promover a imagem física e

simbólica dos territórios, no sentido de incitar ao seu consumo visual e turístico,

dentro dos mercados regionais, nacionais e globais fortemente competitivos (Urry,

1995). O trabalho de produção de paisagem está, assim, suportado por interesses

económicos e orientações estratégicas, bem como por patrimónios simbólicos e

culturais, habilmente geridos e utilizados, na composição de quadros que se

pretendem atractivos, competitivos e, portanto, fiéis a todas as expectativas.

“The spatial consequences of combined social and economic power suggest

that landscape is the major cultural product of our time.” (Zukin, 1991, pág. 22).

Pelo seu poder, é importante perceber as “mensagens” transmitidas pela

paisagem e a forma como estas são dadas a ler, ou seja, é eminente desconstruir o

significado das paisagens e a sua retórica (Duncan, 1990). Tal como nos

propusemos a fazer nesta etapa da reflexão, para chegar à desconstrução dessa

retórica, é importante que se tenha em conta o impacto físico, a materialidade e

efectividade do discurso, bem como a forma como este é inscrito na paisagem.

Pegando na paisagem como um texto, pretende ler-se a mensagem e identificar as

figuras de estilo usadas para transmiti-la: as alegorias e alusões, as representações

do todo pela parte (supostamente) representativa, ou as miniaturas, as repetições,

as hipérboles, etc. (Duncan, 1990).

Desta feita, se olharmos para os objectos paisagísticos estudados,

percebemos que uma imagem de ruralidade limpa, ordenada, recreativa, educativa e

ecológica, é veiculada, por via de uma retórica que se faz valer de alusões à

arquitectura popular campestre, à hipérbole da sua iconografia rural simplificada

(chaminés, espigueiros, cabanas, hortas, entre outros elementos amplamente

disseminados socialmente em associação à vida no campo) e à metonimia, já que,

acaba por sugerir-se que estes lugares figuram em representação da totalidade do

mundo rural.

As paisagens, enquanto produtos de interesses, poderes, conveniências e

hegemonias, acabam por funcionar como narrativas moralizantes e por ser

normativas e prescritivas, no sentido em que concretizam materialmente e de forma

intencional e orquestrada, as orientações ideológicas de que são fruto (Brett, 1996).

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As marcas do discurso no corpo da cidade – Uma etnografia urbana ao encontro da ruralidade recriada

198

“This double movement is a profound one: architecture is always dream and

function, [an] impression of a utopia and instrument of a convenience.” (Barthes,

1979, pág. 6).

Por isso mesmo, a sua análise possibilita o acesso às orientações que a

moldaram enquanto projecto, sendo uma janela para os valores, necessidades e

motivações dos seus autores.

“A direct study of the physical manifestations of heritage – quite literally its

construction – reveals something of the values and ideological functions of the

concept.” (Brett, 1996, pág. 12).

Falar de paisagem é falar de imaginação, sendo que no caso dos objectos em

estudo, esta ligação é ainda mais clara. Urbanistas, arquitectos, artistas, trabalham

todos com o imaginário como matéria-prima. Desta feita, sai reforçada a importância

da evolução dos imaginários, precisamente porque a evolução das imagens,

representações, projectos e ideologias que precedem as paisagens, resulta na

evolução dos territórios e portanto até das sociedades. Assim, tratar a cidade

imaginária é tratar do seu tecido urbano e da forma como se organiza o seu espaço

social, os seus quotidianos, a sua existência concreta (Augé, 1997).

“Imagination is after all the place where our landscapes begin” (Hoppkins,

1998, pág. 79).

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VII. Conclusões.

Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais. O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo. Sem data, Bernardo Soares (Fernando Pessoa).28

Após percorrido um intenso caminho de questionamento e desconstrução do

discurso de reinvenção da ruralidade, importa recapitular brevemente as principais

ideias e concretizar os contornos do projecto de ruralidade veiculado. Ou seja,

importa fazer desembocar este percurso reflexivo em torno do discurso, no projecto

que este faz pairar sob os territórios (quase como um programa que impõe

directrizes funcionais e estéticas) e que acaba por orientar as expectativas e

políticas de desenvolvimento.

Assim e antes de mais, deve ser reforçado que tomámos como objecto de

debate o discurso de valorização da ruralidade, num quadro de simultânea

generalização da ideia de “crise” funcional, económica e demográfica nas áreas

rurais. Assumimos a intenção de discuti-lo teoricamente e de forma genérica, para

poder pensá-lo no seu carácter desespacializado e abstracto, sem ter de

circunscrevê-lo às circunstancialidades de um contexto ou território. Naturalizado,

disseminado e homogeneizador de todas as ruralidades, que nele partilham

características, crises, soluções e recursos, o discurso é veiculado em diversas

esferas, sendo difícil abraçar analiticamente toda a sua complexidade.

Dividido e discutido em três dimensões fundamentais, o discurso revela-se

nas suas múltiplas sobreposições de registos (político e técnico, cultural e artístico,

promocional e comercial), no sentido em que vive de um jogo de dependências

mútuas entre diversas vozes, que o instrumentalizam e alimentam simultaneamente,

reforçando o seu poder e coerência. Simplificando, o discurso é concretizado

estrategicamente por um conjunto de políticas de desenvolvimento rural, baseadas

28 Excertos retirados do “Livro do Desassossego, por Bernardo Soares” (Vol. II).

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

200

num potencial patrimonial atribuído à ruralidade e legitimado pela sua enraizada

romantização cultural, enquanto, no processo, institucionaliza esta valorização e

ajuda a “vender” o mundo rural e um conjunto de produtos que lhe estão associados.

Desta feita, mesmo que em âmbitos e registos diferentes, salta à vista a

unanimidade em torno da valorização patrimonial da ruralidade romantizada e do

seu potencial comercial.

A robustez deste discurso está fortemente relacionada com a

consensualidade de dois valores transversais à axiologia das sociedades ocidentais

e que funcionam como poderosos argumentos a favor da valorização da ruralidade.

O binómio cultura/natureza, condensado na sacralização dos patrimónios culturais e

naturais e materializado nos esforços de sua preservação, centraliza a ruralidade

enquanto reserva do que está em risco nas cidades e no nosso tempo histórico.

Nesta lógica, precipitam-se as missões fundamentais para as áreas rurais, no que se

configura como um programa de cariz conservacionista para a ruralidade: preservar

o passado (a memória colectiva, as tradições, as identidades culturais, a coesão

social, etc.) e garantir o futuro (a sustentabilidade ambiental, a chave da harmonia

das relações entre Homem e natureza, etc.).

Fazendo sentido enquanto contraponto à cidade e a um modelo de

desenvolvimento insustentável, sendo moldada pelas expectativas urbanas de

consumo e evasão, estando orientada para o mercado urbano e favorecendo um

conjunto de interesses que lhe são externos e que remetem para a cidade, esta

ruralidade deve ser encarada como um projecto urbano. Desta feita, assumimos a

urbanidade do discurso e, por isso mesmo, fomos ao encontro de exemplos de sua

materialização e alimentação na anatomia da cidade, para perceber como se

desenha e inculca nos imaginários urbanos este sonho ruralista.

Este percurso serviu para explorar a assunção da urbanidade do projecto e

para agregar, pela sua remissão a uma fonte comum, um conjunto de questões e

temáticas, habitualmente tomadas de forma divorciada, mas que brotam do discurso

maior de reinvenção da ruralidade. Assim, foi nossa intenção construir um quadro

teórico coeso, organizado e clarificador, que servisse a interpretação das múltiplas

realidades empíricas associadas ao discurso/projecto de ruralidade reinventada

(suportes, manifestações do mesmo, consequências, seu consumo e promoção,

etc.).

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Capítulo VII

201

Posto isto, consideramos que grande parte dos objectivos da pesquisa foram

sendo cumpridos ao longo do desenvolvimento desta dissertação e que resta,

sobretudo, concretizar de forma mais directa e sistematizada, as linhas que compõe

o projecto de ruralidade veiculado pelo discurso e adiantar algumas das suas

possíveis consequências para os territórios. Por outras palavras, importa

sistematizar os contornos da ruralidade depurada, que se impõe por via destas

dinâmicas (discursivas e portanto políticas, culturais e comerciais), para esclarecer o

que é esperado das áreas rurais e o que podem estas esperar neste contexto.

Para isto, enunciaremos as principais ideias e conclusões a destacar do

percurso desenvolvido, já que toda esta discussão serviu para ir desvendando este

projecto, por via da desconstrução do discurso que o tece, difunde e concretiza. Que

ruralidade é esta, a que chamamos de “reinventada”? Quais os seus contornos?

Que consequências parece precipitar para as áreas rurais? São questões que têm

resposta por via da sistematização das conclusões a extrair desta reflexão e que

importa ver satisfeitas.

1. Os contornos desta ruralidade reinventada. (o que se espera das áreas rurais)

Em primeiro lugar importa reforçar que o interesse crescente na ruralidade,

que é visível em diversas esferas da vida social e que foi amplamente explorado ao

longo deste trabalho, é fortemente selectivo, dizendo respeito a uma versão

específica e simplificada de mundo rural. É um olhar, um interesse ou um discurso,

que exclui e enfatiza determinadas dimensões da ruralidade e, neste processo de

destilação, depura as características idílicas que melhor servem de contraponto à

urbanidade dominante. Desta feita, assistimos a uma simplificação da ruralidade e à

sua conversão naquilo que é amigável dentro dos parâmetros dominantes.

A diversidade e complexidade dos territórios rurais são simplificadas

discursivamente, para reforçar uma ruralidade coesa e de apreensão imediata.

Nesta lógica, as paisagens mesmo sendo apresentadas como reais e acessíveis,

históricas e patrimoniais, passam a fazer parte do domínio dos mitos. Isto porque

ganham protagonismo e valor, ao estarem fora do tempo e da norma (pela aura de

imutabilidade de que gozam e por funcionarem enquanto alteridade) e porque são

destiladas exaustivamente até ao referente essencial que facilita a promoção, o

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

202

entendimento, a estandardização, o consumo e a repetição (Santana Talavera,

2002).

Esta é uma ruralidade depurada e simplificada.

Esta simplificação e adaptação às expectativas de conforto e consumo

urbanos, não só é clara nos casos de recriação estudados empiricamente nesta

pesquisa, como é comum em áreas rurais convertidas em destino turístico,

alargando-se discursivamente à ruralidade representativa. Os lugares (pela

recriação ou turistificação) e a ruralidade como categoria territorial (nos discursos e

representações culturais) vão se afastando dos elementos objectivos que os

ancoram a um contexto (geográfico, social e histórico), ao mesmo tempo que se

moldam ao ideal rural (Santana Talavera, 2002).

Assim, assistimos à difusão de uma versão limpa e amigável da ruralidade,

em que se excluem os desconfortos do trabalho agrícola, a insalubridade dos

animais, a decadência ou a modernização das actividades produtivas, etc. Esta

ruralidade cómoda aproxima-se do ideal rural que, afinal, é a matéria-prima deste

discurso e o arquétipo de perfeição ruralista que paira sobre os territórios e orienta

os seus esforços de reinvenção. Desta feita (e como vimos no casos empíricos

analisados), dissimulam-se determinados aspectos, menos condizentes com o

modelo de ruralidade romantizada (a decadência e insalubridade do NRA, por

exemplo) e simulam-se outros, para compor o quadro (enormes equipamentos

agrícolas como um celeiro e um lagar para uma produção quase inexistente, no caso

do Mata-Sete).

Esta é uma ruralidade idílica.

Outro aspecto que nunca é demais sublinhar, é que o apuramento, a

valorização, a promoção e o aproveitamento desta ruralidade, tem um carácter

externo e que as preocupações institucionais com as questões rurais brotam,

sobretudo, daquilo que são as necessidades urbanas. Este projecto de ruralidade

tem um programa funcional, uma configuração paisagística e um valor simbólico e

económico que respondem às expectativas dominantes. Em todas as dimensões do

discurso que a precipita (nas esferas política, cultural e económica), nos valores

sociais que legitimam a suas “novas” funcionalidades, nos circuitos de sua gestão e

consumo, etc., esta ruralidade é desenhada por mãos alheias.

“De tudo o que ficou dito anteriormente podemos concluir que as políticas

para o mundo rural em Portugal ao mesmo tempo que reconhecem (e materializam)

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Capítulo VII

203

a importância desse mesmo mundo para a sociedade entendida globalmente e que

para ele propõem estratégias de desenvolvimento social e económico, acabam por

dar resposta quase exclusivamente às necessidades criadas externamente. (…) a

ênfase na protecção e preservação do ambiente e da cultura rurais, tendo como

objectivo explícito a promoção do turismo, do recreio e do lazer revela uma atitude

institucional de reinvenção do rural que não é compatível, na maior parte dos casos,

com as aspirações, interesses e necessidades das populações locais. “ (Figueiredo,

2003 a, pág. 16).

“O rural proposto pelas políticas de desenvolvimento nacionais e comunitárias

é (…) uma aposta num rural que aparentemente apenas existe na imaginação de

largos sectores da população urbana e dos técnicos responsáveis pela elaboração e

implementação dos programas e medidas de desenvolvimento.” (Figueiredo, 2003 a,

pág. 16).

Esta é uma ruralidade urbana.

Desta feita, faz sentido dizer que esta ruralidade, mais do que uma categoria

territorial, uma paisagem simbólica ou uma bateria de representações, destaca-se

enquanto recurso. Um recurso para reinvenção das áreas rurais e para a reversão

da “crise” que lhes está associada. Um recurso para a indústria do património e do

turismo, em permanente renovação e sempre em busca de novos mercados e

produtos. Um recurso para o capitalismo, que a reaproveita sob novas lógicas de

rentabilização, após um período de desadequação funcional. Um recurso para a

cidade, enquanto bem de consumo, mercado, referente, ponto de fuga, contraponto,

alteridade, etc.

Esta ruralidade é um recurso.

Acrescentando, há que apontar um outro traço essencial para compor esta

ruralidade desejada – a sua aura de imutabilidade. O carácter genérico,

descontextualizado e arquetípico que a define, faz como que se olhe para o mundo

rural como um “fóssil”, em que estão cristalizadas as boas práticas de um passado

romantizado, ou como um enclave (felizmente) intocado pelo progresso. A vantagem

ilusória desta ruralidade e o seu poder enquanto contraponto à cidade e à

civilização, prendem-se precisamente com o facto de esta funcionar como uma

espécie de variável constante que serve de referência no caos.

Neste contexto, o “atraso” evolutivo e a suposta estagnação do mundo rural

são convertidos discursivamente numa mais-valia. E tendo em conta esta

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

204

valorização da “estabilidade” rural, chega a ser paradoxal constatar que, na verdade,

este mesmo processo de reinvenção simbólica e estrutural é, em si mesmo, a

demonstração cabal da falsidade dessa imutabilidade. Já que na verdade, as áreas

rurais não são de forma nenhuma estáveis ou imutáveis, ao contrário desta

ruralidade arquetípica e mitificada.

Esta ruralidade é imutável.

Ora, esta ausência de historicidade, enquanto qualidade conservacionista das

áreas rurais, remete para ideia de que estas devem funcionar como uma espécie de

reserva ecológica e cultural. O mundo rural deve ser uma reserva da ruralidade,

enquanto arquétipo cultural que condensa estilos de vida, valores, práticas, relações

sociais, identidades, etc., ou seja, os elementos que, supostamente, estão em vias

de extinção nas sociedades ocidentais. Funcionando como um depósito daquilo que

se perspectiva e constrói discursiva e culturalmente como rural e sendo mais fiel a

paisagens imaginadas do que a paisagens concretas, esta ruralidade é pautada por

um conservacionismo selectivo e muito associado ao chamado ideal rural (aliás

como é patente no caso do NRA).

O mundo rural representa, desta feita, uma reserva natural e ecológica, uma

reserva patrimonial, mas transversalmente uma reserva moral/moralizante, num

planeta em risco e num mundo carente de referências e “bancos de estabilidade”.

Por outro lado, faz sentido enquanto reserva de si próprio, no sentido em que a sua

valorização é estimulada, em primeiro lugar, pela suposta iminência do seu

desaparecimento. Ora, se tivermos em conta a sua associação com os valores em

risco na contemporaneidade, a sua fragilidade demográfica e evolutiva e a obsessão

patrimonialista que caracteriza as nossas sociedades, a sua elevação a reserva é,

mais do que uma valorização, um repto e a atribuição de uma função (Figueiredo,

2003; 2003 a; 2003 b).

Esta ruralidade é uma reserva ecológica e cultural.

Essa ruralidade a conservar tem, como foi dito anteriormente, duas

dimensões fundamentais – a patrimonial e a ecológica – e, nestes âmbitos, destaca-

se também pela sua utilidade recreativa e consumível. Isto porque está muito

associada ao turismo e a actividades de lazer, normalmente relacionadas com a

natureza ou a gastronomia, funcionando como um pretexto, um suporte e um espaço

de consumo (Urry, 1995). Para além da terciarização e turistificação das áreas rurais

propriamente ditas, que deixam de ser produtivas e passam a servir de palco para o

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Capítulo VII

205

consumo, a ruralidade, enquanto referente simbólico com uma carga muito positiva,

é instrumentalizado para fazer vender todo o tipo de produtos, desde bens

alimentares (de origem rural ou não) até condomínios de habitação, clínicas e casas

de repouso, mobiliário, equipamento para jardins, etc.

Esta ruralidade é consumível.

A ruralidade produtiva deu lugar à ruralidade referencial, patrimonial,

simbólica, lúdica e, portanto, consumível, mas também à ruralidade educativa. Já

que, enquanto reserva, é um palco para o contacto urbano com o (que é construído

como sendo o seu) passado, com as raízes e as tradições, mas também com a

natureza e as boas práticas ecológicas. A associação entre ruralidade e educação

ambiental é muito estreita (nomeadamente nos dois casos empíricos estudados) e a

sua importância enquanto referência cultural, do que devem ser as relações entre o

Homem e a natureza e até dentro do seu próprio âmbito comunitário, continua a

pairar sob a cidade (tida como individualista, insustentável, desvinculada…). O rural

funciona como exemplo moralizante e também como o “último” ponto de contacto do

Homem urbano com a (ideia de) natureza.

Esta ruralidade é educativa.

Por todas estas razões, o mundo rural é visto como um refúgio ou um escape,

um contexto apartado dos desconfortos quotidianos, onde é possível encontrar a paz

e a qualidade de vida. Quer como paraíso de fim-de-semana, quer como “valor

refúgio” que apazigua as consciências e mantém a esperança no futuro, funciona

como um santuário ou um ponto de fuga, para as ansiedades urbanas e da

civilização. Enquanto referência, reserva ou alteridade, esta ruralidade é um escape

para a urbanidade hegemónica. Assim, o rural imaginário torna-se essencial para a

saúde da cidade real, premente, dominante, omnipresente (Urry, 1995).

Esta ruralidade é um escape.

De qualquer forma, se esta ruralidade ganha centralidade e valor enquanto

contraponto à cidade, não chega a alcançar o estatuto de alternativa real, no sentido

em que não se verificam fluxos de êxodo urbano significativos (pelo menos nos

países do Sul da Europa), nem se apresenta como um modelo territorial e de

desenvolvimento passível de funcionar como um substituto estrutural viável, no

contexto actual. Por outras palavras, apesar de discursivamente ser apresentada

como desejável e de constituir uma referência comparativa, para as vozes que

alimentam o criticismo que rodeia o nosso modelo urbano-cêntrico de organização

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

206

social e económica, esta ruralidade não se precipita como uma proposta viável de

alternativa.

Esta ruralidade funciona como alteridade, mais do que como alternativa.

Sendo uma referência, um arquétipo e um modelo de território depurado e

radicalizado, esta ruralidade é mais “rural” do que a própria realidade. Enquanto

construção idealizada, ultrapassa a corriqueira materialidade dos lugares concretos,

dos quais se espera uma aproximação ao mito, sob pena de não sobreviverem à

exigência da comparação. Desta feita, quer nos cenários de recriação estudados,

quer nas concepções discursivas em torno das áreas rurais, é dado um destaque à

cultura material, aos estilos arquitectónicos e decorativos, às iconografias e às

funcionalidades que servem a dramatização da ruralidade real. Os territórios rurais

traduzem-se, assim, em espaços hiper-rurais, para facilitar a sua leitura, o seu

consumo e a sua performance, enquanto tal.

Esta é uma ruralidade hiper-rural.

Importa ainda reforçar a ideia de que estamos perante uma versão

democratizada da ruralidade valorizada, no sentido em que, apesar de se ter

massificado e não estar mais reservada a uma elite de gosto refinado (como no

passado), continua a ser um “valor” e a ser elevada a objecto de culto, sacralização,

fruição e conservação. Estando longe do património monumental e sendo próxima

dos patrimónios vernaculares, sendo de fácil recriação, encenação e dramatização,

estando presente em diversas esferas da vida social e quotidiana, no espaço da

cidade e no mercado de consumo (em associação a todo o tipo de produtos), a

ruralidade idílica está democratizada.

Esta é uma ruralidade democratizada.

Contudo, o mesmo não pode ser dito da sua rentabilização enquanto

mercado, valor capitalizável, território, solo ou força produtiva, que não tem revertido

a favor do desenvolvimento local e regional, como seria desejável, e tem pouco de

endógena ou redistributiva. A propósito, importa questionar quais as consequências

deste processo de reinvenção da ruralidade para os territórios rurais em concreto, ou

seja, urge enunciar os possíveis impactos deste modelo de ruralidade que, como

vimos, tem orientado as políticas territoriais.

Se os territórios são incentivados a cumprir este programa, a concretizar este

projecto e a corresponder às expectativas urbanas, é sem dúvida importante

conjecturar a respeito dos resultados da sua aplicação. Enquanto solução para a

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Capítulo VII

207

crise do mundo rural e bálsamo para a falta de perspectivas de futuro, esta

reinvenção surge (supostamente) para contrapor o seu desaparecimento. No

entanto, podemos perguntar qual o preço desta ressurreição e se esta não será, em

si mesma, um desaparecimento do rural real, que precipitou esta valorização num

primeiro momento e cuja decadência tem sido tão lamentada (Figueiredo, 2003 a).

Assim, sabendo o que é esperado das áreas rurais, importa discutir o que

podem estas esperar neste contexto.

2. As possíveis consequências deste projecto de ruralidade. (o que podem as áreas rurais esperar neste contexto)

As possíveis consequências deste projecto estão obviamente relacionadas

com a sua orientação e depreendem-se pela programação funcional que lhe está

associada. Neste sentido, podemos especular em torno das suas diversas

possibilidades, por entre esta recapitulação das propostas que discursivamente se

apresentam às áreas rurais. Antes disso, importa salvaguardar que aquilo que aqui

se ensaia é uma reflexão acerca das eventuais consequências da concretização do

projecto de ruralidade veiculado pelo discurso, num plano, mais uma vez, genérico e

desespacializado.

Isto porque, como já foi dito, pretende discutir-se o discurso e seu projecto de

ruralidade (e neste ponto as suas possíveis consequências) de forma abrangente e

genérica, já que é desta forma que são apresentados como panaceia para as áreas

rurais em crise. Não queremos, também aqui, circunscrever a reflexão à

circunstancialidade de um lugar concreto, de um projecto particular ou de um

exemplo específico.

Estando desconstruído o discurso e desenhado o seu projecto para todos os

territórios que cabem na sua definição de crise, queremos aqui pensar e adiantar as

suas sequelas prováveis, de forma igualmente aglutinadora e abrangente. Por outro

lado, importa também referir que, sendo este um projecto de ruralidade em aplicação

e, portanto, ainda em desenvolvimento, qualquer tentativa de adiantamento dos seus

resultados, acaba por ser conjectural.

Remetendo para o que foi dito anteriormente, este processo de reinvenção da

ruralidade favorece uma simplificação, no sentido em que contribui para que a

complexidade das realidades territoriais seja reduzida a uma versão

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

208

“monocromática” e linear, que seja de fácil apropriação e leitura. Não é só a ideia de

ruralidade que se estreita, os lugares também são reduzidos ao denominador

comum estabelecido pela ruralidade idílica, por via da delapidação dos seus

múltiplos significados, grupos e funcionalidades. Por outras palavras, a ruralidade

patrimonial, recreativa e consumível agiganta-se, ao ponto de ocultar, ou passar a

representar, todas as outras realidades rurais, ao mesmo tempo que os lugares, que

antes acumulavam diversos usos e apropriações, correm o risco de afunilar para ir

de encontro ao programa discursivamente estabelecido.

Constrói-se discursivamente uma imagem agregadora da ruralidade, ao

mesmo tempo que, para aproveitar esta tendência cultural de valorização do rural,

se promovem os territórios dentro desta lógica simplificadora. Desta feita, espera-se

do mundo rural que corresponda à ideia sintética do ideal, que domina os nossos

imaginários colectivos, e negoceiam-se visibilidades locais, por via destes códigos,

numa tradução redutora das diversidades territoriais. Esta simplificação acaba,

portanto, por condicionar o olhar sobre as localidades, a sua gestão, a sua

promoção e as expectativas externas e internas, que se tecem em torno das

paisagens e das suas perspectivas de desenvolvimento.

Simplificação.

Esta simplificação pode acarretar uma homogeneização, se pensarmos que

para de ir de encontro ao arquétipo de ruralidade, não só é provável uma redução da

complexidade territorial (que facilite a leitura e a promoção dos lugares), como se

pode cair na tendência de normalizar ou estandardizar as paisagens, as práticas, os

produtos, etc. Nesse caso, ao invés de prestigiar e rentabilizar as particularidades

locais, este projecto estaria a estimular a sua aproximação e adaptação à ideia de

rural estabelecida, ao quadro idealizado e à norma de ruralidade apreciada. Mesmo

que ao nível paisagístico e cultural não se venha a verificar esta tendência, pelo

menos a nível funcional a homogeneização é esperada, já que, a aposta em

actividades terciárias que rentabilizem e promovam os patrimónios culturais e

naturais é incentivada, quase de forma indiferenciada.

Homogeneização.

Nesta linha, há que assinalar a forte possibilidade de exacerbação

cenográfica dos lugares para corresponder ao quadro de ruralidade idílica

promovido. A reconfiguração paisagística, por via da renaturalização do meio e do

restauro arquitectónico do edificado tradicional, pode, de facto, cair no recurso

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Capítulo VII

209

exagerado a elementos rústicos e na tematização. Os lugares, dentro de uma lógica

decorativa e cenográfica, são dramatizados para evocar costumes perdidos, práticas

agrícolas ancestrais, memórias familiares, estilos de vida comunitários, etc.

Convertendo-se facilmente em materializações de uma narrativa de ruralidade,

engolidos pelo pastiche e pelo tema que dá mote à encenação, os lugares podem

desaparecer por detrás da estetização, ficando descaracterizados e vazios de

significado.

Exacerbação cenográfica.

Tematização.

Outra possibilidade associada prende-se com a aura de imutabilidade que

rodeia esta noção de ruralidade e concretiza-se no risco de cristalização das áreas

rurais. Ora, se para este projecto é central a ideia de eternidade e estabilidade do

mundo rural, como reserva natural e cultural e como referência sólida num mundo

em rápida transformação, não é despropositado conjecturar esta tentação de

“congelar” e museificar os lugares, para que seja materializada essa ilusão de

perenidade.

Tal como nos centros históricos das cidades, nas áreas rurais, a

patrimonialização pode vir acompanhada da tentativa de parar a evolução

paisagística dos lugares, para que a sua “espontaneidade” não prejudique a

preservação das características e dos ambientes que são valorizados. Desta feita

seleccionam-se os traços que melhor correspondem às expectativas idílicas e, da

mesma forma que se amplifica o seu poder de sugestão cenográfica, cristaliza-se a

sua materialidade sob o argumento (sacro) de conservação patrimonial.

Cristalização.

Com a delapidação das actividades agrícolas e, assim sendo, da função

produtiva das áreas rurais, acentuam-se os estímulos à aposta no turismo e noutros

serviços relacionados com o seu potencial recreativo e patrimonial. Os territórios

rurais passam a espaços de consumo e, neste processo de terciarização, aprofunda-

se a desestruturação das sociedades camponesas, já muito fragilizadas pelo êxodo,

pelo envelhecimento, pela miséria, pela decadência do seu modo de vida secular e

pela dominação externa dos seus destinos. Por outro lado, a terciarização pode

servir para fixar a população mais jovem e qualificada, que pretende romper com a

tradição agrícola e apostar em novas oportunidades de negócio e emprego.

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

210

De qualquer forma, passagem de espaço de produção a espaço de consumo,

a terciarização, mas principalmente um eventual desaparecimento da agricultura,

podem contribuir para a descaracterização dos lugares e desvirtuação identitária das

comunidades locais. Ora, simplificando e reduzindo a complexidade das realidades

territoriais para facilitar a leitura da sua ruralidade exacerbada, cristalizando a sua

evolução paisagística para preservar a sua aura de perenidade, erodindo as suas

particularidades para lograr uma aproximação à norma ou ao standard de ruralidade

e substituindo a sua actividade produtiva principal por novos serviços, não é

arriscado prever uma descaracterização dos contextos locais em favor do projecto

de ruralidade dominante.

Terciarização.

Descaracterização.

Com a prevalência do aproveitamento lúdico e turístico da ruralidade,

aumenta a possibilidade de conversão do mundo rural numa espécie de colónia de

férias, numa reserva aberta a visitantes, num bairro de segundas residências ou

num povoado de “novos rurais”. Destas transformações demográficas e turísticas

podem advir dinâmicas especulativas em torno do valor do solo e dos víveres, que

prejudiquem as comunidades locais. De facto, com o interesse externo e com o

reforço do valor simbólico das localidades, pode esperar-se um aumento do preço

dos terrenos, a inflação dos preços dos serviços e dos produtos no comércio local e,

consequentemente, um processo de exclusão progressiva da população local.

Desta feita, não se conjectura apenas uma gentrificação, mas também um

aumento da conflituosidade de interesses, derivada da diversificação social dos

lugares. Com a abertura das comunidades rurais a novos habitantes e visitantes, a

nova funcionalidades, a diferentes usos e expectativas de desenvolvimento, estão

criadas as condições para que se intensifiquem os conflitos de interesses. Para dar

alguns exemplos, se para as comunidades locais, as vias de comunicação são

essenciais ao desenvolvimento, para os “novos rurais”, turistas ou proprietários de

segundas residências, o isolamento é um factor positivo, que garante a preservação

das características do quadro e a sua imutabilidade; se para as populações

autóctones a maquinaria agrícola facilita o trabalho da lavoura, para os externos

desvirtua a paisagem pastoral…

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Capítulo VII

211

Gentrificação.

Conflitos de interesse.

Tendo em conta este rol de possíveis consequências e considerando a

externalidade da produção e gestão destas dinâmicas de reinvenção do mundo

rural, com base no projecto urbano que descrevemos, podemos questionar se não

está latente uma urbanização destes territórios. A substituição da população

autóctone, a terciarização e delapidação da agricultura, a “comodificação” dos

espaços e a sua adaptação aos usos, expectativas e exigências de conforto dos

citadinos, a par da inclusão das áreas rurais nos circuitos de consumo urbano, pode,

muito provavelmente, significar uma urbanização, no sentido lato do termo e não

propriamente de expansão urbanística.

Urbanização.

Com este exercício não se pretende compor um quadro demasiado

pessimista em torno das consequências possíveis para este projecto de ruralidade,

já que a abertura das áreas rurais, a novas actividades, funcionalidades e grupos

sociais, pode de facto, significar novas perspectivas de desenvolvimento,

empreendedorismo, diversidade e vitalidade. Acrescentando, este processo de

reinvenção simbólica e funcional da ruralidade acarreta a destruição de alguns

estigmas, que rodeavam as áreas rurais.

De facto, se era comum olhar para os territórios rurais como atrasados e

decadentes, neste contexto de requalificação simbólica, podem progressivamente

acumular conotações positivas e, consequentemente, melhorar a auto-estima local.

É ainda de assinalar a importância que a valorização cultural e ecológica pode ter,

no incremento dos esforços de preservação dos ecossistemas e dos patrimónios

locais, bem como, a ajuda que todos estes factores podem constituir, para a fixação

de população nas áreas mais desertificadas. Neste sentido a reinvenção simbólica

da ruralidade pode trazer uma renovação funcional, cultural, demográfica, ecológica,

patrimonial e, sobretudo, um reforço da auto-estima rural.

Destruição de estigmas.

Renovação.

Em todo o caso, tendo em conta os contornos e possíveis consequências do

projecto de ruralidade veiculado pelo discurso, é interessante discutir as suas

possibilidades de concretização de desenvolvimento, principalmente se

considerarmos a sua origem externa e o carácter urbano dos interesses que o

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

212

sustentam. Como vimos, apesar de constituir uma espécie de retórica do

desenvolvimento rural, o discurso de reinvenção da ruralidade não é rural e não

parece ter como prioridade a concretização do desenvolvimento.

Não são ainda visíveis grandes impactos positivos neste domínio, sendo mais

líquido o favorecimento dos circuitos de consumo urbano, a diminuição dos apoios

económicos às áreas rurais (nomeadamente com a delapidação progressiva dos

apoios da U.E. ao sector agrícola, sob o argumento de mudança de paradigma

político e estratégico), o crescimento dos negócios imobiliários e turísticos de

operadores externos às comunidades, ou que não revertem em postos de trabalho e

em reprodução/disseminação da despesa dos visitantes, etc.

Importa, como já dissemos, questionar se os habitantes das zonas rurais não

passarão a figurantes e se as aldeias não se transformarão em parques temáticos

para fruição externa; se esta não é mais uma estratégia de rentabilização do rural,

enquanto recurso, e uma forma de o reintegrar nos mercados e nas lógicas do

capitalismo; se temos motivos para confiar nesta retórica e na sua orientação

programática para os meios rurais e se, de facto, esta pode contribuir para uma

reversão real da crise, que assola muitos contextos (principalmente nos países do

Sul da Europa, historicamente mais prejudicados pela PAC e com economias mais

vulneráveis).

Neste sentido, esta reflexão ultrapassa os limites deste trabalho e deve

perpetuar-se até que sejam encontradas repostas para estas questões e,

eventualmente, novas propostas de desenvolvimento para as áreas rurais. Desta

feita, importa reforçar este olhar incisivo e atento, em torno deste processo de

reinvenção da ruralidade, para que o carácter naturalizado e omnipresente do

discurso, não embriague e turve o nosso sentido crítico e a nossa capacidade de

questionar e monitorizar a forma como se produzem, gerem, promovem e

aproveitam os territórios rurais na actualidade. De facto, no caso das áreas rurais

esta necessidade é premente, considerando a externalidade da dominação que se

exerce sobre os seus destinos e o fraco poder de determinação e gestão dos seus

próprios projectos de desenvolvimento.

Finalmente, e concluíndo que o projecto de ruralidade veiculado combina

rusticidade e urbanidade (num reencontro entre natureza e passado, enquanto

referências educativas e moralizantes, com modernidade, comodidade e uma forte

dimensão comercial) e que esta é uma ruralidade patrimonial que deve funcionar

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Capítulo VII

213

como uma reserva dos valores em risco, nas cidades e no nosso tempo histórico,

somos levados a pensar se esta não será acima de tudo a busca por um projecto de

cidade melhor. E se a grande questão, inquietação e preocupação, ou pelo menos, o

debate mais urgente, não será a cidade que temos, o modelo territorial dominante, o

nosso estilo de vida, a insustentabilidade do quotidiano e as possibilidades reais do

nosso futuro colectivo …

3. Considerações finais e propostas para futuras pesquisas.

Posto isto, deve reforça-se a pertinência desta abordagem e a sua relevância

para os processos de tomada de decisão sobre os territórios. Não só se logrou uma

contextualização das políticas de desenvolvimento rural e das lógicas de promoção

das áreas rurais, seus produtos e, sobretudo, da ruralidade enquanto referente

simbólico, como se desvendou e discutiu criticamente os interesses que movem e

alimentam estas tendências. Nesta linha, integrou-se o discurso e o seu projecto

para os lugares, no quadro das grandes lógicas culturais e territoriais, que

influenciam a forma como se perspectivam a realidade e se valorizam determinados

recursos, em detrimento de outros.

De facto, conhecer os valores, as representações e os interesses por detrás

das ideias que se veiculam sobre os territórios, é essencial para interpretar, avaliar e

monitorizar as estratégias de desenvolvimento que lhes estão associadas. Assim

sendo, este exercício pretendeu organizar a reflexão e construir ferramentas teóricas

que sirvam essa interpretação, ao mesmo tempo que ensaiou demonstrar a

importância dos discursos no condicionamento da visão, hierarquização, gestão e

produção dos territórios. Neste âmbito, é importante, uma vez mais, sublinhar que

entendemos o discurso, não só enquanto estrutura de significados, mas sobretudo

enquanto projecto, que pressupõe sempre a remissão a um poder e a uma

historicidade.

Esta reflexividade é importante, não só por ser essencial à ciência, mas

principalmente porque exige que se discutam as estruturas ideológicas por detrás do

poder instalado. Se o discurso dominante é produzido pelo poder e se a ciência e a

técnica tendem a alimentar a sua legitimação e difusão, importa subverter a

sedimentação cultural destas dinâmicas e questionar as consensualidades que, na

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

214

voragem naturalizada da norma, perpetuam as lógicas hegemónicas ao serviço dos

interesses mais robustos.

Só através desta consciência, é possível partir para uma discussão

aprofundada das questões territoriais, ou seja, considerando as estruturas

discursivas e ideológicas que produzem as categorias, as agendas, os significados e

as propostas, que antecedem e precipitam os lugares e que condicionam a forma

como os pensamos (em primeiro lugar), como sociedade, como cientistas e como

técnicos.

Num contexto em que a competição territorial é feroz e as disputas por

recursos e visibilidade ocorrem, em grande medida, no plano simbólico, é

interessante dissecar os processos de construção de representações em torno dos

lugares, bem como as políticas culturais que precipitam e legitimam as estratégias

de desenvolvimento, no sentido de contextualizar as realidades empíricas e

entender a origem e orientação dos fenómenos sociais e territoriais (Harvey, 1993).

As ideias forjam os lugares, ao mesmo tempo que os lugares forjam as ideias. Ora,

sendo esta a filosofia por detrás desta abordagem, partimos do discurso para

conhecer a ruralidade que se impõe sobre os lugares, descemos aos lugares para

palpar a materialidade desse condicionamento e voltamos com os contornos do

projecto que resulta desta dialéctica. A partir daqui sugerem-se múltiplas

possibilidades de pesquisa e questionamento.

Como já foi referido, um dos objectivos centrais deste trabalho é precisamente

estimular o estudo de objectos empíricos associados a esta discussão teórica,

enquanto filtro para a sua interpretação e elemento integrador de realidades e

temáticas, que parecendo muitas vezes dissociadas, remetem para o mesmo quadro

discursivo em torno da ruralidade. Assim sendo, poderíamos enunciar uma infinitude

de objectos de pesquisa, que dando continuidade a esta reflexão, serviriam para

concretizar esses esforços. No entanto, para não sugerir indiferenciadamente ou

seleccionar de forma quase aleatória alguns dos caminhos possíveis, dada a

multiplicidade de temáticas relacionadas com esta problemática, parece-nos mais

interessante adiantar possibilidades de aprofundamento do estudo dos casos

empíricos abordados nesta mesma pesquisa.

Assim, seria interessante desenvolver e dar continuidade à incursão aqui

iniciada, em redor dos dois espaços de recriação da ruralidade veiculada pelo

discurso (na cidade do Porto), de forma a ultrapassar a análise da sua produção e

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Capítulo VII

215

respectivas motivações, e explorar também o seu consumo e interpretação, sob o

ponto de vista dos visitantes. Por outras palavras, interessaria completar a

abordagem desenvolvida, com o estudo das vivências e representações dos utentes

do NRA e do Mata-Sete, para perceber como é experimentada e perspectivada a

ruralidade de ambos os lugares. Ou seja, através de uma perspectiva complementar

que facilitasse um contraponto entre os projectos, como foram aqui explorados (pela

análise dos seus contornos, motivações e orientações criadoras) e a sua

interpretação, leitura, utilização e consumo.

Cruzar a produção e o consumo destes lugares poderia levar à identificação

de eventuais contradições e novas atribuições de sentido e significados, mas

também ao contacto com as representações que brotam da sua leitura, com as

apropriações diversas que podem ser feitas e com possíveis conflitos entre usos,

perspectivas, interesses, etc. Desta feita, serviria para dar seguimento à abordagem,

já que estudamos o projecto e a materialização do quadro pastoral sugerido pelo

discurso, e seria interessante aprofundar o seu impacto, nas representações de

quem o consome, para acompanhar o seguimento da sua existência e influência,

enquanto eventual arquétipo ou referência de ruralidade nos imaginários urbanos.

Ainda dentro do âmbito do consumo, era igualmente interessante perceber se

aqueles que frequentam os lugares estudados e que habitualmente recorrem a estes

espaços para usufruir da sua aura de ruralidade e da sua dimensão recreativa (e

comercial, no caso do NRA), são também consumidores assíduos de outros

produtos rurais. Ou seja, indagar se estes lugares estão integrados num circuito de

práticas de consumo recorrente, ou mais abrangente, da ruralidade e dos produtos

que lhe estão associados, como os produtos biológicos, o turismo rural, os desportos

de natureza, as casas de campo, etc.

De facto, uma abordagem aos objectos pela perspectiva do consumo seria

deveras interessante e certamente reveladora, permitindo inúmeros caminhos e

contendo múltiplas nuances. No entanto e também por isso, ficamo-nos apenas pelo

estudo do projecto, considerando que seria demasiado ambicioso da nossa parte

desenvolver essa abordagem complementar, ainda no corpo desta pesquisa (tendo

em conta, principalmente, que o volume de visitantes de ambos os objectos por ano

é quase incalculável). E porque nos pareceu que as motivações por detrás da

produção dos espaços, a sua identidade paisagística e o seu eventual carácter

bucólico, respondiam por si só ao âmbito desta pesquisa. Ou seja, permitiam

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Conclusões. Do discurso ao projecto de ruralidade reinventada

216

aprofundar o percurso reflexivo, ao encontro dos contornos da ruralidade veiculada

nos discursos, que era afinal o nosso objectivo. Simplificando, para cumprir a

proposta de investigação que estimula este trabalho, era premente procurar a

materialização do projecto, antes sequer de pensar em explorar o seu consumo.

Para finalizar, queremos reforçar uma vez mais que esta é uma discussão

que se mantém em aberto e que, por isso mesmo, importa continuar a debater e a

aprofundar estas questões e a contribuir para o questionamento crítico e para a

produção científica, em torno dos discursos que precipitam os projectos e as

dinâmicas territoriais. Conhecer esses projectos é essencial para prever, planear e

preparar os territórios que se aproximam e, portanto, para trabalhar no sentido do

desenvolvimento. Neste sentido, este trabalho pretende constituir uma humilde

contribuição para essa importante, ambiciosa e sempre inacabada tarefa.

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Anexos

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Anexo 1 - Mata-Sete

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Anexo 1 - Mata-Sete

243

1.1 Mapas

Mapa 1: Localização do distrito e do concelho do Porto no território português.

Legenda:

1. Portugal. 2. Distrito do Porto. 3. Concelho do Porto.

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Anexo 1 - Mata-Sete

244

Mapa 2: Localização do Parque de Serralves dentro do concelho.

Legenda:

1. Cidade do Porto. 2. Centro histórico. 3. Rotunda da Boavista. 4. Avenida da Boavista. 5. Parque de Serralves.

Mapa 3: Localização da quinta do Mata-Sete no Parque de Serralves.

Legenda:

1. Parque de Serralves. 2. Mata-Sete. 3. Museu de Arte Contemporânea. 4. Casa de Serralves.

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Anexo 1 - Mata-Sete

245

Fotografia Aérea 1: Imagem da quinta do Mata-Sete

(retirada do serviço Google Earth). Legenda:

1. Casa. 2. Salão de Caça. 3. Celeiro/Lagar. 4. Eira. 5. Pátio. 6. Estábulo. 7. Hortas pedagógicas. 8. Instalação de Maria Nordman. 9. Prado. 10. Jardim das plantas aromáticas.

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Anexo 1 - Mata-Sete

246

Mapa 4: Espaço da Fundação de Serralves (parque, jardim, quinta, casa, museu e

restantes infra-estruturas) com legenda detalhada (imagem retirada de

www.serralves.pt).

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Anexo 1 - Mata-Sete

247

1.2 Tabelas

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vinh

as jo

vens

e u

ma

horta

de

erva

s ar

omát

icas

, tra

nsfe

rida

para

os

limite

s da

Qui

nta,

des

de a

con

stru

ção

do M

useu

de

Arte

co

ntem

porâ

nea

nos

terr

enos

em

que

est

ava

loca

lizad

o o

pom

ar d

a pr

oprie

dade

, par

a al

ém d

e di

vers

as á

rvor

es c

ente

nária

s e

outra

s m

ais

jove

ns (c

omo

na o

bra

de M

. Nor

dman

).

Page 249: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 1 - Mata-Sete

248

Tabe

la 1

.2.1

. (co

nt.)

Sínt

ese

de C

arac

teriz

ação

e A

nális

e da

Qui

nta

do M

ata-

Sete

(1

)Orig

inal

men

te

(2)A

ctua

lmen

te

Dec

oraç

ão, M

ater

iais

e

Estil

o A

rqui

tect

ónic

o O

bra

do A

rqui

tect

o M

arqu

es d

a S

ilva,

pre

sum

ivel

men

te in

spira

do p

ela

Arq

uite

ctur

a R

egio

nal F

ranc

esa,

que

resu

lta n

um c

onju

nto

de e

difíc

ios

de li

nhas

sim

ples

e c

onst

ruçã

o ra

cion

al, f

eito

s em

ped

ra d

e gr

anito

, co

m a

lgun

s ap

onta

men

tos

rúst

icos

, com

o as

cha

min

és

desm

esur

adas

, a p

edra

por

pin

tar,

acab

amen

tos

de m

adei

ra, e

tc. A

s ja

nela

s tê

m p

orta

das

de m

adei

ra p

inta

da d

e ve

rmel

ho, s

endo

que

al

gum

as s

ão e

m a

rco

e de

gra

ndes

dim

ensõ

es e

out

ras

func

iona

m

com

o po

rtas

e tê

m g

rand

es p

orta

das

de c

orre

r. D

esta

ca-s

e a

elev

ada

qual

idad

e da

con

stru

ção

e a

dim

ensã

o ex

ager

ada

dos

equi

pam

ento

s,

já q

ue a

pare

ntem

ente

não

se

trata

va d

e um

esp

aço

de g

rand

e pr

oduç

ão a

gríc

ola.

As

cons

truçõ

es e

stão

fech

adas

sob

re s

i pró

pria

s cr

iand

o um

pát

io e

div

erso

s re

cant

os m

ais

conf

inad

os, q

ue d

e ce

rta

form

a en

tram

em

con

trast

e co

m a

imen

sidã

o da

pro

prie

dade

. É d

e as

sina

lar a

coz

inha

do

pavi

lhão

de

caça

, pel

o fo

rno

a le

nha

e m

obiliá

rio rú

stic

o qu

e a

pree

nche

, ten

do e

m c

onta

o g

osto

do

seu

prop

rietá

rio p

or m

obili

ário

de

desi

gn a

rroj

ado.

Ao

que

pare

ce a

qui

nta

esta

va d

e ce

rta fo

rma

esco

ndid

a po

r um

a al

amed

a de

cip

rest

es q

ue a

se

para

vam

do

jard

im e

da

mat

a.

O a

spec

to e

xter

ior d

os e

difíc

ios

man

tém

-se,

as

trans

form

açõe

s no

in

terio

r bas

eara

m-s

e na

sub

stitu

ição

de

pavi

men

tos,

em

peq

uena

s re

cupe

raçõ

es, p

intu

ras

e na

inst

alaç

ão d

e m

obiliá

rio a

prop

riado

a

novo

s us

os. P

or e

xem

plo,

no

laga

r nad

a fo

i des

truíd

o, a

pena

s se

ef

ectu

ou à

lim

peza

e o

cupa

ção

do e

spaç

o co

m m

ater

ial l

abor

ator

ial e

m

esas

de

traba

lho.

Por

out

ras

pala

vras

, par

ece

ter s

ido

obje

ctiv

o tra

nsfo

rmar

o m

ínim

o po

ssív

el d

os e

spaç

os, n

a ad

apta

ção

a no

vas

func

iona

lidad

es.

No

exte

rior p

odem

enc

ontra

r-se

ban

cos

de ja

rdim

em

mad

eira

, m

obili

ário

de

jard

im e

m v

erga

, seb

es e

m m

adei

ra, c

amin

hos

empe

drad

os o

u ar

eado

s, ta

nque

s de

ped

ra e

a c

aban

a de

pal

ha.

Act

ivid

ades

Dir-

se-ia

que

terá

sid

o um

a qu

inta

de

recr

eio,

com

um

a pr

oduç

ão

agríc

ola

redu

zida

. E

spaç

o pa

ra a

ctiv

idad

es e

duca

tivas

e e

spaç

o de

pas

seio

e fr

uiçã

o pa

ra o

s vi

sita

ntes

do

parq

ue.

Act

ivid

ade

Prod

utos

Es

paço

Ocu

pado

D

ecor

ação

Eq

uipa

men

tos

Com

erci

ais

(cas

o ex

ista

m)

X

X X

X

Out

ros

elem

ento

s ou

ob

serv

açõe

s

A h

istó

ria d

a P

ropr

ieda

de d

e S

erra

lves

est

á at

é ho

je p

ouco

esc

lare

cida

, exi

stin

do a

lgum

as d

úvid

as p

or re

laçã

o ao

pro

cess

o de

sua

con

stru

ção,

ao

que

exi

stia

ant

es, à

s m

otiv

açõe

s qu

e es

timul

aram

um

a ob

ra tã

o am

bici

osa,

à u

tilid

ade

da Q

uint

a, e

tc.,

pelo

que

exi

ste

um c

arác

ter d

e ce

rta

form

a es

pecu

lativ

o na

ver

são

veic

ulad

a pe

la li

tera

tura

cie

ntífi

ca q

ue e

m to

rno

dela

se

tece

. No

enta

nto,

a il

ação

de

que

esta

mos

per

ante

um

a qu

inta

de

recr

eio

sobr

edim

ensi

onad

a e

com

dem

asia

da q

ualid

ade

para

o n

orm

al n

a re

gião

e s

obre

tudo

par

a um

a pr

oprie

dade

que

não

era

pr

odut

iva,

não

é co

nsen

sual

, com

o é

coer

ente

com

a id

eia

de q

ue to

do o

pro

ject

o do

Con

de d

e V

izel

a se

reve

ste

de u

ma

espé

cie

de

meg

alom

ania

de

repr

esen

taçã

o, m

ais

para

ost

enta

ção

do q

ue p

ara

usuf

ruto

. Ist

o po

rque

não

era

prop

rietá

rio d

e di

vers

as o

utra

s ca

sas

e pr

oprie

dade

s, d

e re

crei

o e

agríc

olas

, com

o re

vela

um

a am

biçã

o ex

ager

ada

no q

ue re

spei

ta a

esc

ala

da c

asa,

do

jard

im, d

a qu

inta

, à s

ua

qual

idad

e (c

ontra

tand

o os

mel

hore

s ar

quite

ctos

), ár

ea, e

tc.

Not

a: Q

uand

o nã

o es

peci

ficad

o, a

car

acte

rizaç

ão re

fere

-se

sem

pre

ao p

erío

do d

e re

aliz

ação

do

Trab

alho

de

Cam

po, o

u se

ja, a

os 4

prim

eiro

s m

eses

de

2010

.

Page 250: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 1 - Mata-Sete

249

Tabela 1.2.2. Resumo do Material Recolhido (Trabalho de Campo)

Mata-Sete

Entrevistas (ver 3.2_Tabela das Entrevistas para mais detalhe)

Teresa Andresen (Directora do Parque de Serralves). Dona Teresinha (antiga Caseira da Quinta do Mata-Sete) - conversa informal, não transcrita. Nuno Tasso de Sousa (Arquitecto, especialista na obra de Marques da Silva) - conversa informal, não transcrita. André Tavares (Arquitecto e Autor de um livro sobre a Casa de Serralves). Elisabete Alves (Coordenadora do Serviço Educativo do Parque de Serralves).

Material Documental (ver 4.2_ Tabela Resumo dos materiais relativos ao Mata-Sete para mais detalhe)

Folheto informativo relativo aos Programas Educativos (Actividades e Projectos) da Fundação de Serralves para o ano lectivo 2009/2010. (*) Livros: ( ) Leite, Elvira e Helena Captivo (2004), Á

descoberta de Serralves, Porto, Fundação de Serralves

AA. VV (1997), Espant' homens - exposição de fotografia de Gérard Castello-Lopes, Porto, Fundação de Serralves

(*) Analisaremos o catálogo "Espant'homens" e as duas páginas, que dizem respeito ao Mata-Sete, do livro "À Descoberta de Serralves", como material documental relativo ao objecto e não como literatura científica, pelo facto dos seus autores estarem envolvidos com o Serviço Educativo da Fundação de Serralves.

Fotografias 32 Fotografias de Gérard Castello-Lopes tiradas no

ano de 1996, presentes no livro "Espant'homens", que retratam a quinta e algumas das actividades nelas desenvolvidas na primeira década de Serviço Educativo no Mata-Sete.

95 Fotografias próprias, tiradas durante o Trabalho de Campo, ao espaço da Quinta e seus equipamentos, fauna, flora e actividades.

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Anexo 1 - Mata-Sete

250

Tabela 1.2.2. (cont.) Resumo do Material Recolhido (Trabalho de Campo) Literatura AA. VV (1997), Espant' homens - exposição de

fotografia de Gérard Castello-Lopes, Porto, Fundação de Serralves (*)

Andrade, Sérgio C. (2009), Serralves - 20 anos e outras histórias, Porto, Fundação de Serralves

Andresen, Teresa (1988), "O Parque de Serralves", in AA. VV, Casa de Serralves - Retrato de uma Época, Porto, Fundação de Serralves

Andresen, Teresa & Teresa P. Marques (2001), Jardins Históricos do Porto, Lisboa, Edições INAPA

Cardoso, António (1992), O Arquitecto José Marques da Silva e a arquitectura do Norte do País na primeira metade do séc. XX, Porto, Edições FAUP

Leite, Elvira e Helena Captivo (2004), Á descoberta de Serralves, Porto, Fundação de Serralves (*)

Marques, Teresa & Teresa Andresen (1989), "A Garden Restauration in Porto", in Seminário Internacional: "Restauració de Jardins Histórics", Barcelona, April, pp. 7-11 (Policopiado)

Marques, Teresa (1996), "Parque de Serralves. Passado e Actualidade.", in Horto do Campo Grande Magazine, nº 2

Millan, Maria (2000), Parque de Serralves - Intervenções (Prova Final), Porto, FAUP

Tavares, André (2007), Os fantasmas de Serralves, Porto, Dafne Editora

Outros (ver 4.2_ Tabela Resumo dos materiais relativos ao Mata-Sete para mais detalhe)

Página Web da Fundação de Serralves. Mapa de Telles Ribeiro de 1982. Produtos da Quinta de Serralves (compotas, chás, condimentos, azeite, azeitonas, etc.). Página Web dos arquitectos Ivo Poças Martins e Matilde Seabra, responsáveis pela transformação de alguns equipamentos da Quinta do Mata-Sete para fins educativos.

Page 252: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 1 - Mata-Sete

251

Tabe

la 1

.2.3

. Sín

tese

das

Ent

revi

stas

(Mat

a-Se

te)

En

trev

ista

do

D

ata

Fu

nção

/Car

go

Pr

inci

pais

Idei

as

Tere

sa A

ndre

sen

01/0

3/20

10

Dire

ctor

a do

Par

que

de

Ser

ralv

es

H

istó

ria d

e S

erra

lves

(des

de o

pro

ject

o do

Con

de d

e V

izel

a at

é ao

s no

ssos

dia

s)

H

istó

ria d

a qu

inta

do

Mat

a-S

ete

(os

dife

rent

es o

cupa

ntes

e u

sos,

a tr

ansi

ção

para

o

dom

ínio

púb

lico,

as

inte

rven

ções

e tr

ansf

orm

açõe

s do

esp

aço,

toda

a s

ua

evol

ução

até

aos

nos

sos

dias

)

O p

roje

cto

educ

ativ

o pa

ra a

qui

nta

(o c

once

ito in

icia

l, os

obj

ectiv

os, o

pro

ject

o do

s es

pant

alho

s, a

lgum

as o

utra

s ac

tivid

ades

, o a

prov

eita

men

to d

o ca

ráct

er ru

ral d

o es

paço

, etc

.).

A

gra

nde

dim

ensã

o e

qual

idad

e do

edi

ficad

o do

Mat

a-S

ete

e o

apar

ente

so

bred

imen

sion

amen

to d

os s

eus

equi

pam

ento

s pa

ra a

sua

(apa

rent

emen

te)

sem

pre

mod

esta

pro

duçã

o ag

rícol

a.

M

ata-

Set

e co

mo

espa

ço d

e fa

ntas

ia ru

ralis

ta d

o C

onde

de

Viz

ela,

com

o es

paço

de

recr

eio

e en

cena

ção,

com

o re

prod

ução

das

influ

ênci

as e

mod

as e

urop

eias

de

valo

rizaç

ão d

o bu

colis

mo

e da

vid

a ru

ral.

Don

a Te

resi

nha

08/0

3/20

10

Ant

iga

case

ira d

o M

ata-

Set

e (c

onve

rsa

info

rmal

- nã

o tra

nscr

ita)

Tr

ivia

lidad

es s

obre

a q

uint

a, a

spec

tos

ligad

os a

o se

u pa

ssad

o e

à pr

oduç

ão

agríc

ola.

Nun

o Ta

sso

de S

ousa

08

/03/

2010

A

rqui

tect

o, e

spec

ialis

ta

na o

bra

de M

arqu

es d

a S

ilva

(con

vers

a in

form

al -

não

trans

crita

)

His

tória

dos

jard

ins

do P

orto

.

Vid

a e

obra

do

Arq

uite

cto

Mar

ques

da

Silv

a.

In

form

açõe

s so

bre

a hi

stór

ia d

e S

erra

lves

e d

as a

mbi

ções

do

Con

de d

e V

izel

a.

Page 253: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 1 - Mata-Sete

252

Tabe

la 1

.2.3

. (co

nt.)

Sínt

ese

das

Entr

evis

tas

(Mat

a-Se

te)

En

trev

ista

do

D

ata

Fu

nção

/Car

go

Pr

inci

pais

Idei

as

And

ré T

avar

es

24/0

3/20

10

Arq

uite

cto

e au

tor d

o liv

ro

" Os

Fant

asm

as d

e S

erra

lves

"

H

istó

ria d

a co

mpr

a do

s te

rren

os d

e S

erra

lves

, do

proj

ecto

do

Con

de d

e V

izel

a e

parti

cula

rmen

te d

o pr

ojec

to d

o M

ata-

Set

e.

A

lgun

s pa

rado

xos

arqu

itect

ónic

os q

ue m

arca

m a

obr

a do

Mat

a-S

ete

(com

bina

ção

de u

ma

arqu

itect

ura

mui

to ra

cion

al e

alg

uns

deta

lhes

rúst

icos

) e a

lgum

as d

úvid

as

em to

rno

da m

otiv

ação

por

det

rás

da s

ua c

onst

ruçã

o (fa

lta d

e ne

cess

idad

e de

um

a ca

sa ru

ral,

vist

o já

ter u

ma

vast

a pr

oprie

dade

pro

dutiv

a em

Viz

ela,

gra

nde

dim

ensã

o do

edi

ficad

o pa

ra u

m u

so m

uito

lim

itado

, o a

pare

nte

vazi

o fu

ncio

nal d

o es

paço

, etc

.).

Id

eia

de q

ue to

do o

pro

ject

o de

Ser

ralv

es, i

nclu

indo

o M

ata-

Set

e é

mot

ivad

o po

r um

des

ejo

de o

sten

taçã

o do

Con

de n

a su

a m

egal

oman

ia.

In

fluên

cia

da A

rqui

tect

ura

Reg

iona

l Fra

nces

a.

M

ata-

Set

e co

mo

uma

recr

iaçã

o ra

cion

al e

"urb

ana"

de

uma

quin

ta ru

ral,

pela

par

ca

rust

icid

ade

e pe

la e

leva

da q

ualid

ade,

raci

onal

idad

e e

dim

ensã

o da

s co

nstru

ções

. E

lisab

ete

Alv

es

14/0

4/20

10

Coo

rden

ador

a do

ser

viço

ed

ucat

ivo

do p

arqu

e de

S

erra

lves

O

bjec

tivos

, orie

ntaç

ões

e fil

osof

ia p

or d

etrá

s do

pro

ject

o ed

ucat

ivo

de S

erra

lves

e

sua

evol

ução

ao

long

o do

s an

os.

D

escr

ição

das

act

ivid

ades

real

izad

as n

o pa

rque

e n

a qu

inta

.

Dife

renç

as n

o S

ervi

ço E

duca

tivo

ante

s e

depo

is d

a ab

ertu

ra d

o M

useu

de

Arte

C

onte

mpo

râne

a de

Ser

ralv

es (n

ovas

esc

ala

de a

ctua

ção,

nov

as e

xigê

ncia

s, n

ovas

am

biçõ

es e

obj

ectiv

os).

A

prov

eita

men

to d

o po

tenc

ial d

o es

paço

(qui

nta

e pa

rque

).

Idei

a de

que

a ru

ralid

ade

do e

spaç

o nã

o é

forç

ada

ou a

cent

uada

.

Exe

mpl

os d

as a

ctiv

idad

es q

ue e

xplo

ram

o c

arác

ter r

ural

do

espa

ço e

de

algu

mas

ex

periê

ncia

s de

recr

iaçã

o de

act

ivid

ades

rura

is c

om fa

míli

as (d

esfo

lhad

a, c

orte

jo

de b

urro

, con

stru

ção

de e

span

talh

os, c

onta

cto

com

a p

alha

, etc

.).

Page 254: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 1 - Mata-Sete

253

Tabe

la 1

.2.4

. Res

umo

dos

Mat

eria

is re

lativ

os a

o M

ata-

Sete

Tipo

de

Mat

eria

l O

rigem

ou

Aut

oria

D

ata

Des

criç

ão

Inte

ress

e O

bser

vaçõ

es

Pág

ina

Web

Fu

ndaç

ão d

e S

erra

lves

Em

pe

rman

ente

ac

tual

izaç

ão

Pág

ina

da F

unda

ção

onde

est

ão to

das

as

info

rmaç

ões

de

cont

acto

, act

ivid

ades

, hi

stór

ia, e

tc. d

a Fu

ndaç

ão (p

arqu

e,

mus

eu, c

asa,

bib

liote

ca,

audi

tório

, ser

viço

ed

ucat

ivo,

etc

.).

Con

têm

div

ersa

s in

form

açõe

s út

eis

sobr

e a

hist

ória

da

Qui

nta,

sob

re a

s ac

tivid

ades

real

izad

as n

o es

paço

do

Mat

a-S

ete,

co

ntac

tos

útei

s e

apre

sent

a os

pro

duto

s al

imen

tare

s,

vend

idos

com

o se

ndo

do

Par

que

de S

erra

lves

.

Dis

poní

vel e

m:

ww

w.s

erra

lves

.pt

Livr

o co

m o

títu

lo

"Esp

ant'h

omen

s"

Vár

ios

Aut

ores

/ Fu

ndaç

ão d

e S

erra

lves

19

97

Livr

o de

text

os e

fo

togr

afia

s so

bre

10

anos

do

proj

ecto

"Arte

E

fém

era

na P

aisa

gem

", ou

sej

a do

pro

ject

o ed

ucat

ivo

de c

onst

ruçã

o de

esp

anta

lhos

pel

as

cria

nças

na

quin

ta d

o M

ata-

Set

e.

Des

envo

lve

e ex

plic

a o

conc

eito

do

proj

ecto

ed

ucat

ivo

para

o M

ata-

Set

e,

naqu

ilo q

ue c

onst

ituiu

a

prim

eira

déc

ada

do s

eu

Ser

viço

Edu

cativ

o, m

uito

ba

sead

o na

liga

ção

entre

ar

te e

nat

urez

a e

na

apro

xim

ação

das

cria

nças

à

rura

lidad

e.

Dei

xa p

erce

ber o

s co

ntor

nos

do a

prov

eita

men

to d

o ca

ráct

er ru

ral d

o es

paço

e

seu

refo

rço

no

dese

nvol

vim

ento

do

proj

ecto

ed

ucat

ivo.

Est

e pr

ojec

to e

spec

ífico

- "A

rte E

fém

era

na P

aisa

gem

" já

não

est

á em

vig

or, m

as

man

tém

-se

com

o o

proj

ecto

m

ais

mar

cant

e e

com

mai

s re

perc

ussã

o e

proj

ecçã

o de

senv

olvi

do a

té h

oje,

no

âmbi

to d

o se

rviç

o ed

ucat

ivo

para

o P

arqu

e de

Ser

ralv

es e

m

ais

prec

isam

ente

no

espa

ço

do M

ata-

Set

e. A

impo

rtânc

ia

do S

ervi

ço E

duca

tivo,

par

a pe

rceb

er o

uso

que

é fe

ito d

o M

ata-

Set

e (d

esde

que

o

parq

ue é

púb

lico)

, aca

ba p

or

ser i

nque

stio

náve

l, se

pe

nsar

mos

que

tam

bém

lhe

cham

am “Q

uint

a da

s C

rianç

as” e

que

a s

ua

prin

cipa

l fun

ção

é se

rvir

de

pret

exto

e s

upor

te p

ara

activ

idad

es e

duca

tivas

.

Page 255: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 1 - Mata-Sete

254

Tabe

la 1

.2.4

. (co

nt.)

Res

umo

dos

Mat

eria

is re

lativ

os a

o M

ata-

Sete

Tipo

de

Mat

eria

l O

rigem

ou

Aut

oria

D

ata

Des

criç

ão

Inte

ress

e O

bser

vaçõ

es

Exc

erto

de

Livr

o In

fant

il co

m o

títu

lo

"Á D

esco

berta

de

Ser

ralv

es"

(sel

ecci

onou

-se

apen

as

a pa

rte re

lativ

a à

quin

ta

do M

ata -

Set

e)

Elv

ira L

eite

e H

elen

a C

aptiv

o /

Fund

ação

de

Ser

ralv

es

2004

D

uas

pági

nas

ilust

rada

s qu

e re

trata

m c

rianç

as n

a Q

uint

a do

Mat

a -S

ete

a tra

balh

ar n

a ho

rta e

a

usuf

ruir

da o

bra

de

Mar

ia N

ordm

an, c

om

pequ

enos

diá

logo

s e

text

os a

lusi

vos

ao

espa

ço e

às

activ

idad

es

nele

des

envo

lvid

as.

Rev

ela

uma

preo

cupa

ção

em

reite

rar a

liga

ção

entre

arte

e

natu

reza

, par

tindo

da

obra

pa

isag

ístic

a de

Mar

ia

Nor

dman

. As

cria

nças

re

trata

das

refo

rçam

o

inte

ress

e e

a ut

ilidad

e da

ob

ra e

ass

ocia

m o

seu

ca

ráct

er e

util

idad

e à

natu

reza

, lou

vand

o a

impo

rtânc

ia d

a ar

te e

de

stac

ando

o e

spaç

o em

ca

usa

da c

idad

e e

dos

seus

ba

irros

. U

m p

eque

no te

xto

expl

ica

a ob

ra e

out

ro e

xplic

a qu

e a

Qui

nta

das

Cria

nças

tem

ac

tivid

ades

rela

cion

adas

com

a

natu

reza

e o

s se

us c

iclo

s,

exis

tindo

tam

bém

um

a al

usão

ao

culti

vo d

as h

orta

s,

o qu

e ac

aba

por d

ivul

gar e

re

forç

ar a

impo

rtânc

ia d

ada

à ap

roxi

maç

ão d

as c

rianç

as à

s ac

tivid

ades

agr

ícol

as.

As

auto

ras

faze

m p

arte

do

conj

unto

de

cons

ulto

ras

do

Ser

viço

Edu

cativ

o de

S

erra

lves

, est

ando

env

olvi

das

no p

roje

cto

educ

ativ

os h

á vá

rios

anos

, pel

o qu

e to

mam

os e

ste

docu

men

to

com

o m

ater

ial d

ocum

enta

l (o

rigin

ário

da

equi

pa

resp

onsá

vel p

elas

act

ivid

ades

da

Qui

nta

das

Cria

nças

). Tr

ata-

se d

e um

livr

o qu

e pr

eten

de d

ar a

con

hece

r S

erra

lves

ao

públ

ico

infa

ntil,

ac

aban

do, d

e ce

rta fo

rma,

por

fu

ncio

nar c

omo

uma

espé

cie

de p

ropa

gand

a da

Fun

daçã

o.

Folh

eto

Info

rmat

ivo

Fund

ação

de

Ser

ralv

es /

Ser

viço

E

duca

tivo

Ano

Lec

tivo

2009

/201

0 Fo

lhet

o qu

e ap

rese

nta

as a

ctiv

idad

es

educ

ativ

as p

revi

stas

pa

ra o

ano

lect

ivo,

no

mea

dam

ente

as

visi

tas

e as

ofic

inas

, pa

ra d

ifere

ntes

gru

pos

esco

lare

s e

etár

ios.

Per

mite

con

hece

r as

prin

cipa

is a

ctiv

idad

es

educ

ativ

as a

nuai

s de

senv

olvi

das

no M

ata -

Set

e e

perc

eber

par

a qu

e pú

blic

os

estã

o di

recc

iona

das.

Exi

ste

info

rmaç

ão

com

plem

enta

r sob

re e

stas

m

atér

ias

na p

ágin

a W

eb d

a Fu

ndaç

ão e

nou

tros

folh

etos

in

form

ativ

os, c

omo

é o

caso

do

pan

fleto

com

a

cale

ndar

izaç

ão d

os p

eque

nos

curs

os li

gado

s à

jard

inag

em e

ag

ricul

tura

, par

a ad

ulto

s, q

ue

têm

luga

r no

Par

que,

ao

long

o do

ano

.

Page 256: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 1 - Mata-Sete

255

Tabe

la 1

.2.4

. (co

nt.)

Res

umo

dos

Mat

eria

is re

lativ

os a

o M

ata-

Sete

Tipo

de

Mat

eria

l O

rigem

ou

Aut

oria

D

ata

Des

criç

ão

Inte

ress

e O

bser

vaçõ

es

Map

a Te

lles

Rib

eiro

18

92

Map

a da

cid

ade

do

Porto

que

con

tem

pla

e re

gist

a à

data

ap

roxi

mad

a de

189

2 os

te

rreno

s qu

e ho

je

com

põe

o Pa

rque

de

Serra

lves

.

Dem

onst

ra q

ue a

ntes

da

cons

truçã

o do

gra

nde

proj

ecto

de

casa

/qui

nta/

jard

im d

o C

onde

de

Viz

ela,

gra

nde

parte

dos

te

rreno

s do

par

que

e da

s ár

eas

circ

unda

ntes

era

m

agríc

olas

e q

ue e

xist

iam

al

gum

as c

onst

ruçõ

es n

o lo

cal o

nde

fora

m c

onst

ruíd

os

os e

difíc

ios

do M

ata-

Set

e.

As

cons

truçõ

es re

ferid

as

pare

cem

cor

resp

onde

r a u

ma

casa

lade

ada

de u

m ja

rdim

e

rode

ada

de te

rreno

s ag

rícol

as.

Pro

duto

s A

limen

tare

s Lo

ja d

a Fu

ndaç

ão /

Par

que

de

Serra

lves

(ta

mbé

m d

ispo

níve

l na

loja

O

nlin

e de

Ser

ralv

es:

http

://w

ww

.ser

ralv

es.p

t/cat

alog

o/

deta

lhes

_pro

duto

.php

?id=

1293

ht

tps:

//ww

w.s

erra

lves

.pt/c

atal

ogo/

lis

tapr

odut

os.

php?

cat=

11&

sess

ao=1

&p=

1 )

2010

C

ompo

tas

de v

ário

s fru

tos,

chá

s e

infu

sões

de

erv

as a

rom

átic

as,

cond

imen

tos

varia

dos,

az

eite

e a

zeito

nas,

ap

rese

ntad

os c

omo

send

o pr

odut

os d

o P

arqu

e de

Ser

ralv

es.

Dem

onst

ra u

m a

pare

nte

inte

ress

e em

pas

sar a

idei

a de

que

se

prod

uzem

re

alm

ente

pro

duto

s al

imen

tare

s ar

tesa

nais

na

quin

ta d

e S

erra

lves

, qua

ndo

na v

erda

de e

stes

não

são

de

prod

ução

pró

pria

, o q

ue

pare

ce re

flect

ir a

inte

nção

de

perp

etua

r a a

ura

agríc

ola

e pr

odut

iva

da Q

uint

a qu

e é

hoje

Par

que

Urb

ano.

Des

taqu

e da

do p

ara

o C

abaz

da

Qui

nta

do M

ata-

Set

e,

com

post

o po

r um

a ga

rrafa

de

Aze

ite, u

ma

com

pota

e u

ma

lata

de

cond

imen

tos

à es

colh

a, v

endi

dos

dent

ro d

e um

a la

ta v

erm

elha

com

o

sím

bolo

de

Serr

alve

s.

Pág

ina

Web

Iv

o P

oças

Mar

tins

e M

atild

e Se

abra

(Arq

uite

ctos

) 20

10

Pág

ina

Web

do

Gab

inet

e de

arq

uite

ctur

a re

spon

sáve

l pel

a tra

nsfo

rmaç

ão d

e al

guns

ed

ifíci

os d

a Q

uint

a do

M

ata -

Set

e em

eq

uipa

men

tos

educ

ativ

os e

ad

min

istra

tivos

.

Con

tém

foto

graf

ias

e pl

anta

s do

s es

paço

s tra

nsfo

rmad

os e

a

trans

form

ar, e

xplic

a os

ob

ject

ivos

dos

pro

ject

os e

m

caus

a e

anun

cia

as p

róxi

mas

in

terv

ençõ

es, p

erm

itind

o pe

rceb

er o

tipo

de

adap

taçõ

es e

util

izaç

ões

que

têm

tido

luga

r e/o

u qu

e es

tão

prev

ista

s pa

ra o

edi

ficad

o do

M

ata-

Set

e.

Dis

poní

vel e

m:

http

://w

ww

.poc

asm

artin

s-se

abra

.com

/

Page 257: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 1 - Mata-Sete

256

Tabe

la 1

.2.5

. Res

umo

das

Foto

graf

ias

(Mat

a-Se

te)

Nº d

e Fo

tos

(por

gru

po)

Aut

oria

D

ata

ou

mom

ento

do

retr

ato

Con

teúd

os

retr

atad

os

Des

criç

ão g

eral

dos

con

teúd

os

retr

atad

os

Obs

erva

ções

32

Gér

ard

Cas

tello

-Lo

pes

1996

R

eban

ho d

e ov

elha

s no

pr

ado,

hom

em a

sem

ear,

feno

, con

stru

ção

de m

edas

de

pal

ha, e

span

talh

os,

cons

truçã

o de

esp

anta

lhos

(c

om id

osos

e c

om

cria

nças

/ no

inte

rior e

no

exte

rior )

, act

ivid

ades

ed

ucat

ivas

e g

rupo

s de

cr

ianç

as, e

spec

tácu

lo/fe

sta

dos

espa

ntal

hos,

de

sfol

hada

, tra

balh

os

agríc

olas

com

cria

nças

, qu

eim

a do

s es

pant

alho

s.

As

foto

graf

ias

retra

tam

as

activ

idad

es d

esen

volv

idas

na

prim

eira

cada

de

Ser

viço

Edu

cativ

o no

Mat

a-S

ete,

nom

eada

men

te o

pr

ojec

to "A

rte E

fém

era

na P

aisa

gem

", qu

e co

nsis

tia n

a co

nstru

ção

de e

span

talh

os c

om a

s cr

ianç

as d

as e

sco l

as d

a ci

dade

, sua

exp

osiç

ão n

os te

rreno

s da

qui

nta

e po

ster

ior

cele

braç

ão, n

uma

fest

a qu

e te

rmin

ava

com

a q

ueim

a do

s m

esm

os. O

pro

ject

o pr

eten

dia

acom

panh

ar e

cel

ebra

r os

cicl

os

da n

atur

eza

e is

so é

reve

lado

nas

foto

s em

três

mom

ento

s,

com

eçan

do c

om a

col

heita

dos

cer

eais

(1) e

apr

ovei

tam

ento

da

palh

a na

con

stru

ção

dos

espa

ntal

hos

(2) e

aca

band

o co

m a

de

volu

ção

das

suas

cin

zas

à te

rra

com

o fe

rtiliz

ante

(3).

S

ão re

trata

dos

igua

lmen

te a

ctiv

idad

es a

gríc

olas

e a

lgum

as d

elas

re

aliz

adas

em

con

junt

o co

m a

s cr

ianç

as, c

omo

a de

sfol

hada

, a

sem

ente

ira o

u o

trata

men

to d

o fe

no. É

vis

ível

e in

tere

ssan

te

nest

as im

agen

s o

envo

lvim

ento

de

vário

s la

vrad

ores

e p

esso

as

idos

as n

as a

ctiv

idad

es, a

o qu

e pa

rece

a re

aliz

ar o

s tra

balh

os e

a

dem

onst

rar à

s cr

ianç

as a

mel

hor f

orm

a de

os

faze

r. D

e re

alça

r é ta

mbé

m o

fact

o de

em

mui

tas

das

activ

idad

es

retra

tada

s o

núm

ero

de p

artic

ipan

tes

ser m

uito

ele

vado

, tra

nspa

rece

ndo

um fo

rte d

inam

ism

o e

mui

ta a

nim

ação

.

Foto

graf

ias

pres

ente

s no

liv

ro:

AA

. VV

(199

7), E

span

t' ho

men

s - e

xpos

ição

de

foto

graf

ia d

e G

érar

d C

aste

llo-L

opes

, Por

to,

Fund

ação

de

Ser

ralv

es

95

Pró

pria

Fo

togr

afia

s tir

adas

no

s pr

imei

ros

4 m

eses

de

2010

, du

rant

e o

traba

lho

de

cam

po.

Pan

orâm

icas

e d

etal

hes

do

espa

ço. P

rado

, ani

mai

s,

cons

truçõ

es n

o in

terio

r (c

ozin

ha, m

obili

ário

, WC

, sa

las,

por

men

ores

de

cora

tivos

, etc

.) e

exte

rior

(alp

endr

es, c

ham

inés

, ja

nela

s, te

lhad

os, c

adei

ras

de v

erga

, etc

.), ta

nque

s,

poço

s, ra

mad

as,

cam

inho

s, m

uros

, eira

, re

pres

a, h

orta

s, c

arro

s e

alfa

ias,

trac

tore

s, c

aban

a,

estu

fa, p

ipas

de

vinh

o,

vege

taçã

o, e

tc.

As

foto

graf

ias

retra

tam

os

edifí

cios

no

seu

exte

rior e

inte

rior

(cas

a, c

aval

ariç

a, p

avilh

ão d

e ca

ça, l

agar

, cel

eiro

, arm

azém

de

cere

ais,

est

ábul

o). E

xist

em v

ária

s fo

tos

dos

deta

lhes

ar

quite

ctón

icos

com

o as

par

edes

de

pedr

a, a

s ja

nela

s e

porta

das,

cha

min

és, o

s te

ctos

de

mad

eira

, ass

im c

omo

da

cozi

nha

de d

ecor

ação

rúst

ica

com

fogã

o e

forn

o de

lenh

a, d

o la

gar e

sua

s do

rnas

e re

stan

te e

quip

amen

to v

iníc

ola,

do

mob

iliár

io d

as s

alas

de

activ

idad

es, m

esas

, cad

eira

s, la

bora

tório

, et

c.

No

espa

ço e

xter

ior d

esta

cam

-se

as h

orta

s, a

eira

, os

prad

os, a

ve

geta

ção

envo

lven

te, o

s po

ntos

de

água

em

redo

r (re

pres

a,

tanq

ues,

poç

os, l

evad

as),

a ca

bana

e a

est

ufa,

os

telh

eiro

s co

m

mat

eria

l agr

ícol

a, a

lfaia

s, c

arro

s, p

ipos

e c

esto

s. O

mob

iliár

io

exte

rior c

omo

os b

anco

s de

ped

ra e

de

jard

im e

m m

adei

ra, a

s m

esas

e c

adei

ras

em v

erga

. Vêm

-se

tract

ores

em

and

amen

to e

ac

tivid

ades

de

cons

erto

de

ram

adas

. Cria

nças

a p

asse

ar p

elo

espa

ço e

ani

mai

s no

pas

to.

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Anexo 1 - Mata-Sete

257

1.3 Fotos

Fotografias relativas à quinta do Mata-Sete29.

Foto 1: Caminho central do Mata-Sete. Vista sobre o edificado para quem desce vindo do Parque. Do lado esquerdo encontram-se as hortas pedagógicas, do lado direito podem ver-se crianças em actividades educativas e em frente o casario da quinta. Destaque para a grande dimensão da chaminé.

Foto 2: Casa de habitação do Mata-Sete, onde moravam os caseiros da quinta. Repare-se nos pormenores de construção: a pedra de granito bem ordenada e com juntas em betão, as portadas em madeira pintada, a grande chaminé, o telhado em telha Marselha, etc.

29 Fotografias tiradas durante o Trabalho de Campo, ou seja, nos quatro primeiros meses de 2010.

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Anexo 1 - Mata-Sete

258

Foto 3: Hortas pedagógicas. Estábulo ao fundo.

Foto 4: Cabana de madeira com mesas no interior para actividades educativas.

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Anexo 1 - Mata-Sete

259

Foto 5: Instalação de Maria Nordman (mesa de xisto com bancos e bebedouro para pássaros no meio de um conjunto de árvores).

Foto 6: Prado com vacas em pasto, sebes de madeira e o arvoredo denso do parque ao fundo.

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Anexo 1 - Mata-Sete

260

Foto 7: Tractor em funcionamento na alameda que ladeia o prado.

Foto 8: Estábulo dos animais da quinta, ampliado pela administração do Parque, enquanto equipamento de suporte às actividades do Serviço Educativo.

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Anexo 1 - Mata-Sete

261

Foto 9: Caminho coberto por ramada de vinha nas traseiras dos edifícios da quinta.

Foto 10: Pátio central do Mata-Sete. Vista para o pavilhão de caça, desde o alpendre do lagar e do celeiro. Repare-se nas grandes portas e janelas de madeira, na vegetação que cobre as paredes de pedra, e no pavimento empedrado que cobre o pátio.

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Anexo 1 - Mata-Sete

262

Foto 11: Alpendre do celeiro e respectiva entrada. Mesas e cadeiras em verga e grandes portas de madeira.

Foto 12: Banco no pátio central.

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Anexo 1 - Mata-Sete

263

Foto 13: Interior do lagar.

Foto 14: Mesas para as actividades educativas no interior do lagar.

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Anexo 1 - Mata-Sete

264

Foto 15: Interior da cozinha, com mobiliário original.

Foto 16: Alameda de acesso ao Mata-Sete para quem desce do jardim. Do lado esquerdo pode ver-se o prado com o casario no horizonte.

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Anexo 1 - Mata-Sete

265

Foto 17: Tanque de pedra com nenúfares.

Foto 18: Caminho que conduz ao portão traseiro da quinta, entre o muro que a separa do exterior e o relvado onde se localiza a instalação de Maria Nordman. Repare-se no rigor e na perfeição do empedrado e na ramada de vinha em toda a extensão do caminho.

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Anexo 1 - Mata-Sete

266

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Anexo 2 - NRA

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Anexo 2 - NRA

269

2.1 Mapas

Mapa 1: Localização do distrito e do concelho do Porto no território português.

Legenda:

1. Portugal. 2. Distrito do Porto. 3. Concelho do Porto.

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Anexo 2 - NRA

270

Mapa 2: Localização do Parque da cidade dentro do concelho.

Legenda:

1. Cidade do Porto. 2. Centro histórico. 3. Rotunda da Boavista. 4. Avenida da Boavista. 5. Parque da cidade.

Mapa 3: Localização do NRA no Parque da Cidade.

Legenda:

1. Parque da Cidade. 2. NRA.

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Anexo 2 - NRA

271

Fotografia Aérea 1: Imagem da quinta do NRA (retirada do serviço Google Earth).

Legenda:

1. Beco de Carreiras. 2. Casas “siamesas” (loja de produtos “gourmet”). 3. Centro de Educação Ambiental. 4. “Ecolojas”. 5. Celeiro (cafetaria). 6. Esplanada na eira. 7. Picadeiro (inactivo). 8. Anexos.

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Anexo 2 - NRA

272

Mapa 4: Localização dos diversos equipamentos do núcleo.

Nota: Esta imagem é uma fotografia do mapa que está localizado na entrada do NRA. A sua legenda não está actualizada: os espaços 4 e 5 estão desactivados, sendo que o espaço do Restaurante foi ocupado pela loja de produtos “gourmet”.

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Anexo 2 - NRA

273

2.2 Tabelas

Tabe

la 2

.2.1

. Sín

tese

de

Car

acte

rizaç

ão e

Aná

lise

do N

RA

His

tória

(o

rigem

e e

volu

ção)

O lu

gar q

ue h

oje

cons

titui

o N

RA

era,

até

ao

inic

io d

a dé

cada

de

90 (s

éc. X

X) o

u m

ais

prec

isam

ente

das

obr

as d

o P

arqu

e da

Cid

ade

do P

orto

, um

con

junt

o de

4

quin

tas

de p

ropr

ieda

de m

unic

ipal

, 3 d

as q

uais

hab

itada

s po

r fam

ílias

liga

das

à ag

ricul

tura

. Est

e co

njun

to e

stav

a co

nfin

ado

entre

a m

alha

urb

ana

dens

ifica

da e

a

vast

a ár

ea d

estin

ada

ao P

arqu

e da

Cid

ade,

func

iona

ndo

com

o um

a es

péci

e de

enc

lave

de

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lidad

e re

sidu

al, d

entro

da

cida

de. O

pel

ouro

do

Ambi

ente

da

CM

P

deci

de p

rese

rvar

o c

onju

nto

e tra

nsfo

rmá -

lo n

um e

spaç

o de

pre

serv

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dos

ves

tígio

s do

Por

to ru

ral,

real

ojan

do o

s se

us h

abita

ntes

e e

ncom

enda

ndo

um

proj

ecto

de

trans

form

ação

das

qui

ntas

, em

esp

aços

com

erci

ais

e de

hot

elar

ia e

num

cen

tro d

e ed

ucaç

ão a

mbi

enta

l. O

NR

A fo

i ina

ugur

ado

em 2

001.

Tom

arem

os

com

o o

mom

ento

(1) o

per

íodo

pré

vio

ao re

aloj

amen

to d

as 3

fam

ílias

que

hab

itava

m a

s qu

inta

s, o

u se

ja, a

ntes

do

iníc

io d

o pr

ojec

to d

e tra

nsfo

rmaç

ão e

, por

m

omen

to (2

), os

prim

eiro

s 4

mes

es d

e 20

10, o

u se

ja, o

per

íodo

do

Trab

alho

de

Cam

po.

Espa

ço

(áre

a e

loca

lizaç

ão)

O e

spaç

o do

NR

A e

stá

loca

lizad

o na

Fre

gues

ia d

e A

ldoa

r, na

Cid

ade

do P

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, mai

s pr

ecis

amen

te n

o B

eco

de C

arre

iras,

ent

re a

Rua

da

Vila

rinha

e u

ma

das

extre

mid

ades

do

Par

que

da C

idad

e (N

orde

ste)

, fun

cion

ando

incl

usiv

amen

te c

omo

uma

das

suas

ent

rada

s.

(1

)Orig

inal

men

te

(2)A

ctua

lmen

te

Con

stru

ções

e

Equi

pam

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s Q

uatro

qui

ntas

, con

stitu

ídas

por

qua

tro c

asas

, dua

s de

las

ligad

as, c

ozin

has,

rios

anex

os e

est

ábul

os, p

oços

e ta

nque

s, tr

ês e

iras,

doi

s se

quei

ros,

um

ce

leiro

e v

ária

s co

nstru

ções

aba

rraca

das,

des

tinad

as a

o de

pósi

to d

e m

ater

ial

dom

éstic

o e

agríc

ola,

etc

. Exi

stia

m a

inda

, alg

umas

alfa

ias

agríc

olas

, hor

tas

e ca

mpo

s ag

ricul

tado

s.

Ape

nas

fora

m d

estru

ídos

os

anex

os a

barra

cado

s e

prov

isór

ios

e ac

resc

enta

das

algu

mas

cas

as d

e ba

nho

para

uso

do

públ

ico.

For

am m

antid

as

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onst

ruçõ

es o

rigin

ais,

rem

odel

adas

e c

onve

rtida

s em

vár

ios

equi

pam

ento

s ou

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ele

men

tos

deco

rativ

os (c

omo

é o

caso

do

sequ

eiro

, por

exe

mpl

o): u

m

Cen

tro d

e E

duca

ção

Ambi

enta

l (co

m e

scrit

ório

s, s

ala

de re

uniã

o, e

spaç

os p

ara

atel

iers

e fo

rmaç

ão, u

ma

cozi

nha,

etc

.), u

ma

casa

de

chá

no a

ntig

o ce

leiro

e

com

esp

lana

da n

a ei

ra ju

nto

ao s

eque

iro, u

ma

esco

la d

e ga

stro

nom

ia c

om lo

ja

de p

rodu

tos

“gou

rmet

” e re

spec

tivos

esc

ritór

ios,

um

a lo

ja d

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omér

cio

just

o”,

uma

loja

de

prod

utos

bio

lógi

cos.

A

o lo

ngo

dos

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exi

stira

m a

lgum

as a

ltera

ções

de

uso

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ncio

nalid

ade

em

algu

ns e

quip

amen

tos

e es

paço

s, d

even

do s

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ito q

ue a

list

agem

ant

erio

r se

refe

re a

pena

s ao

s m

eses

de

traba

lho

de c

ampo

. No

enta

nto,

ver

ifica

-se

que

as

cons

truçõ

es s

e tê

m m

antid

o qu

ase

inal

tera

das,

pel

o m

enos

ext

erio

rmen

te,

mes

mo

com

dis

tinta

s ut

iliza

ções

. A

cres

cent

adas

fora

m a

s ca

sas

de b

anho

e o

s co

berto

s co

m b

anco

inte

rior q

ue

estã

o es

palh

ados

nos

jard

ins

circ

unda

ntes

ao

núcl

eo. C

omo

mai

s um

ac

resc

ento

, pod

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r enc

ontra

do a

inda

um

pic

adei

ro d

e pó

neis

, que

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bora

o es

teja

mai

s em

func

iona

men

to, c

ontin

ua a

faze

r par

te d

o co

njun

to.

Faun

a e

Flor

a

Vár

ios

anim

ais

de q

uint

a, c

omo

galin

has,

vac

as, c

ães,

coe

lhos

, etc

. Hor

tas,

pa

stag

ens,

veg

etaç

ão a

utóc

tone

, típ

ica

da c

ham

ada

"bou

ça" (

pequ

ena

mat

a,

cerc

ana

a la

mei

ros

e te

rreno

s ag

rícol

as) m

uito

com

um n

a re

gião

.

Não

exi

stem

ani

mai

s de

qui

nta,

nem

out

ro ti

po d

e es

péci

es, d

esde

a

desa

ctiv

ação

do

pic a

deiro

de

póne

is. E

xist

em p

eque

nas

horta

s de

le

gum

inos

as e

erv

as a

rom

átic

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eita

s du

rant

e at

elie

rs d

o C

entro

de

Edu

caçã

o Am

bien

tal,

man

tidas

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vis

itas

sem

anai

s da

s cr

ianç

as d

as e

scol

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o C

onse

lho

do P

orto

, ins

crita

s ne

sta

activ

idad

e. J

á nã

o ex

iste

pro

duçã

o ag

rícol

a e

a ve

geta

ção

está

inte

grad

a na

s op

ções

pai

sagí

stic

as d

o P

arqu

e da

Cid

ade

do P

orto

.

Page 275: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

274

Tabe

la 2

.2.1

. (co

nt.)

Sínt

ese

de C

arac

teriz

ação

e A

nális

e do

NR

A

(1

)Orig

inal

men

te

(2)A

ctua

lmen

te

Dec

oraç

ão,

Mat

eria

is e

Est

ilo

Arq

uite

ctón

ico

Qua

tro c

asas

com

plet

amen

te ig

uais

, sen

do q

ue d

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esta

vam

liga

das

entre

si

por u

ma

espé

cie

de v

aran

da e

m m

adei

ra. C

asas

de

arqu

itect

ura

popu

lar,

do

final

do

sécu

lo X

VIII

, prin

cípi

o do

séc

ulo

XIX,

com

doi

s pi

sos

(pis

o té

rreo

para

as

loja

s e

está

bulo

s e

piso

sup

erio

r par

a ha

bita

ção)

e c

ozin

has

exte

riore

s.

Par

edes

e e

scad

as e

xter

iore

s de

gra

nito

, com

peq

ueno

s al

pend

res,

telh

ados

de

telh

a "M

arse

lha"

, chã

o de

mad

eira

no

prim

eiro

pis

o e

de te

rra b

atid

a no

pis

o té

rreo,

por

tas

de d

imen

sões

mui

to v

ariá

veis

em

mad

eira

e p

or v

ezes

re

forç

adas

com

cha

pa m

etál

ica,

jane

las

"gui

lhot

ina"

. No

inte

rior d

as c

asas

ex

iste

m a

lgun

s ni

chos

de

pedr

a na

s pa

rede

s e

"nam

orad

eira

s" n

os re

cant

os

das

jane

las.

O

con

junt

o é

dens

ifica

do p

or in

úmer

os a

nexo

s de

gra

nito

, um

cel

eiro

, um

se

quei

ro, c

onst

ruçõ

es p

recá

rias

e te

lhei

ros

de m

adei

ra e

zin

co, p

oços

e

pequ

enos

tanq

ues

de p

edra

, e fe

chad

o po

r det

rás

de u

m m

uro

de p

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que

ace

sso

ao B

eco

por q

uatro

por

tões

. Tod

o o

conj

unto

sof

re d

e um

ace

ntua

do

grau

de

degr

adaç

ão, s

endo

vis

ível

um

gra

nde

desg

aste

nos

mat

eria

is:

mad

eira

s en

velh

ecid

as, p

orta

s e

jane

las

rem

enda

das,

par

edes

com

tint

as

mui

to g

asta

s, te

lhad

os p

recá

rios,

etc

. O tr

açad

o or

igin

al d

as c

onst

ruçõ

es

esta

va c

onsi

dera

velm

ente

alte

rado

pel

o ac

resc

ento

dos

div

erso

s an

exos

e

telh

eiro

s. O

s ca

min

hos

e m

uros

de

pedr

a es

tava

m c

amuf

lado

s po

r ent

re a

ve

geta

ção.

Exi

stia

m v

idei

ras

e m

últip

los

este

ios

e ar

ames

pen

dent

es a

o lo

ngo

de to

das

as q

uint

as. P

ara

além

dos

obj

ecto

s do

més

ticos

e d

e m

ater

ial a

gríc

ola,

ex

istia

m d

iver

sos

vaso

s co

m p

lant

as a

o lo

ngo

das

esca

daria

s e

em a

lgun

s re

cant

os ju

nto

às c

asas

e b

asta

ntes

ani

mai

s do

més

ticos

à s

olta

. [V

endo

as

foto

graf

ias

do e

spaç

o no

mom

ento

(1) é

sur

pree

nden

te p

erce

ber o

qu

ão d

ifíci

l par

ecia

vis

lum

brar

o s

eu p

oten

cial

"pito

resc

o", d

ado

o el

evad

o gr

au

de d

egra

daçã

o do

con

junt

o, a

pesa

r de

ser u

m lu

gar i

nter

essa

nte

pela

in

tens

idad

e da

apr

opria

ção

quot

idia

na q

ue d

ele

era

feita

.]

As

casa

s fo

ram

recu

pera

das,

man

tend

o-se

o tr

açad

o or

igin

al e

os

mes

mos

m

ater

iais

. Tod

as a

s co

nstru

ções

pre

cária

s e

pequ

enos

telh

eiro

s e

acre

scen

tos

fora

m d

estru

ídos

. O c

ritér

io fo

i ir d

e en

cont

ro à

sem

elha

nça

orig

inal

ent

re a

s qu

atro

cas

as p

rinci

pais

, ape

sar d

e se

ter m

antid

o a

ligaç

ão e

ntre

as

duas

ca

sas

"sia

mes

as".

Os

anex

os e

m p

edra

, os

tanq

ues,

os

poço

s, o

seq

ueiro

, as

eira

s e

os e

stáb

ulos

fora

m m

antid

os e

recu

pera

dos.

A p

edra

foi l

impa

, as

mad

eira

s ex

terio

res

pint

adas

de

verm

elho

(jan

elas

, por

tas,

etc

.), a

s pa

rede

s ex

terio

res

e in

terio

res

de b

ranc

o. O

s te

ctos

em

mad

eira

e o

soa

lho

dos

piso

s su

perio

res

fora

m re

stau

rado

s e

man

tidos

. Nos

pis

os té

rreos

a te

rra b

atid

a fo

i co

berta

por

est

rado

s de

pôr

e ti

rar.

Os

cam

inho

s e

mur

os d

e pe

dra

fora

m

limpo

s de

veg

etaç

ão. O

cel

eiro

foi r

econ

stru

ído.

As

porta

s, ja

nela

s e

porta

das

fora

m m

antid

as e

rest

aura

das.

Tod

o o

conj

unto

foi l

impo

e d

esta

cam

-se

a pe

dra

de g

rani

to li

mpa

, as

pare

des

bran

cas

e as

mad

eira

s em

ver

mel

ho. T

odos

os

telh

ados

fora

m re

cons

truíd

os. O

núm

ero

de e

stei

os e

ara

mes

dim

inui

u dr

astic

amen

te, e

xist

indo

ape

nas

algu

mas

vid

eira

s em

cre

scim

ento

. A

dens

idad

e do

con

junt

o fo

i de

certa

form

a si

mpl

ifica

da p

ela

dest

ruiç

ão d

os

este

ios,

das

con

stru

ções

pre

cária

s e

dos

telh

eiro

s de

zin

co, p

ela

inex

istê

ncia

do

s ob

ject

os d

omés

ticos

e a

gríc

olas

pel

os c

anto

s, p

elo

desa

pare

cim

ento

dos

va

sos,

dos

ani

mai

s e

da v

eget

ação

inva

siva

. O e

spaç

o fo

i de

certa

form

a sa

lubr

izad

o, c

om a

lim

peza

dos

esg

otos

a c

éu a

berto

e d

os d

etrit

os d

os

anim

ais,

com

a c

oloc

ação

de

casa

s de

ban

ho e

com

a c

onst

ruçã

o da

rede

de

sane

amen

to.

Nos

terre

nos

ajar

dina

dos

em re

dor d

o nú

cleo

fora

m c

oloc

ados

uns

peq

ueno

s co

berto

s co

m c

hão

de m

adei

ra e

um

ban

co n

o in

terio

r, ro

dead

os d

e rip

as d

e m

adei

ra p

inta

da d

e ve

rmel

ho, i

nspi

rado

s no

s se

quei

ros

tradi

cion

ais

e qu

e se

rvem

de

espa

ço d

e de

scan

so p

ara

os v

isita

ntes

que

pod

em s

enta

r-se

e

abrig

ar-s

e do

sol

ou

da c

huva

e c

ontin

uar a

con

tem

plar

o n

úcle

o e

o pa

rque

at

ravé

s da

s rip

as, q

uase

com

o na

s ca

bana

s pa

ra o

bser

vaçã

o de

ave

s,

exis

tent

es e

m m

uito

s pa

rque

s na

tura

is.

[A c

ompl

exid

ade

de u

m lu

gar v

ivid

o e

porta

nto

desa

linha

do e

des

gast

ado,

foi

subs

tituí

da p

or u

ma

sim

plifi

caçã

o e

limpe

za q

ue re

alça

o p

oten

cial

pito

resc

o do

co

njun

to, m

as q

ue lh

e re

tira

a riq

ueza

da

vivê

ncia

quo

tidia

na e

real

ista

de

outro

ra.]

Act

ivid

ades

Uso

s re

side

ncia

is e

agr

ícol

as.

Act

ivid

ades

de

laze

r, ed

ucat

ivas

, com

erci

ais

e de

rest

aura

ção.

Page 276: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

275

Tabe

la 2

.2.1

. (co

nt.)

Sínt

ese

de C

arac

teriz

ação

e A

nális

e do

NR

A

Act

ivid

ade

Prod

utos

Es

paço

Ocu

pado

D

ecor

ação

Eq

uipa

men

tos

Com

erci

ais

(cas

o ex

ista

m)

1.

Cas

a de

chá

. 2.

N

atur

oCoo

p (a

pena

s ab

erta

ao

fim d

e se

man

a).

3.

Altr

omer

cado

. 4.

10

00 P

alad

ares

.

1.

Pro

duto

s de

caf

etar

ia.

2.

Pro

duto

s al

imen

tare

s e

dom

éstic

os d

e ag

ricul

tura

bio

lógi

ca.

3.

Pro

duto

s va

riado

s de

"C

omér

cio

Just

o"

(brin

qued

os, r

oupa

, ar

tesa

nato

, pro

duto

s al

imen

tare

s, o

bjec

tos

deco

rativ

os, e

tc.).

4.

P

rodu

tos

alim

enta

res

"gou

rmet

".

1.

Cel

eiro

. 2.

A

nexo

. 3.

A

nexo

. 4.

C

asa

com

o n

º65.

1.

Tect

o e

chão

sem

elha

ntes

aos

do

cele

iro o

rigin

al,

pare

des

em p

edra

, cad

eira

s de

ver

ga, m

esas

de

mad

eira

e

vitri

nas

que

expõ

e br

inqu

edos

. 2.

P

ared

es e

m p

edra

, tec

to, c

hão

e m

obiliá

rio d

e m

adei

ra.

3.

Par

edes

em

ped

ra, t

ecto

, chã

o e

mob

iliário

de

mad

eira

. 4.

Te

ctos

e p

ared

es p

inta

das

de v

erde

e m

óvei

s de

mad

eira

pi

ntad

os ta

mbé

m a

ver

de o

u a

verm

elho

esc

uro.

M

obiliá

rio d

e m

adei

ra n

obre

, pin

tada

e e

nver

niza

da o

u em

vid

ro, o

ra c

om li

nhas

rúst

icas

, ora

de

desi

gn m

oder

no

e at

é m

inim

alis

ta. C

esta

s de

vim

e e

caix

as d

e m

adei

ra

ocup

am v

ário

s re

cant

os c

omo

expo

sito

res

de p

rodu

tos.

O

s ni

chos

na

pare

de e

m g

rani

to e

as

"nam

orad

eira

s" s

ão

apro

veita

das

para

dis

por a

mer

cado

ria.

Out

ros

elem

ento

s ou

obs

erva

ções

Dev

e se

r acr

esce

ntad

a, c

omo

uma

activ

idad

e im

porta

nte

no N

RA

, a fe

ira s

eman

al d

e pr

odut

os b

ioló

gico

s ao

sáb

ado

de m

anhã

, no

espa

ço e

ntre

a c

asa

e a

eira

do

nº6

7 do

Bec

o de

Car

reira

s, o

nde

dive

rsos

pro

duto

res

ou re

vend

edor

es d

e pr

odut

os d

e ag

ricul

tura

bio

lógi

ca, m

onta

m a

s ba

ncas

com

a m

erca

doria

deb

aixo

do

telh

eiro

do

portã

o, o

u m

esm

o de

baix

o de

gua

rda-

sóis

. É u

ma

pequ

ena

feira

com

cer

ca d

e 10

ban

cas,

em

que

os

prod

utos

est

ão d

ispo

stos

em

mes

as o

u em

ca

ixas

, com

o nu

m m

erca

do e

se

vend

em fr

utos

, leg

umes

, flo

res,

mel

, pão

, com

pota

s, c

erea

is, f

ruto

s se

cos,

etc

.

Not

a: Q

uand

o nã

o es

peci

ficad

o, a

car

acte

rizaç

ão re

fere

-se

sem

pre

ao p

erío

do d

e re

aliz

ação

do

Trab

alho

de

Cam

po, o

u se

ja, a

os 4

prim

eiro

s m

eses

de

2010

.

Page 277: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

276

Tabela 2.2.2. Resumo do Material Recolhido (Trabalho de Campo)

NRA

Entrevistas

(ver 3.1_ Tabela Síntese das Entrevistas para mais

detalhe)

Arquitecto João Rapagão (um dos autores do projecto de recuperação do NRA) Historiadora Maria João Vasconcelos (uma dos responsáveis pela valorização patrimonial do NRA) Maria do Céu Moreira (Centro de Educação Ambiental) - conversa informal, não transcrita. Orlando Gaspar (Vereador do Ambiente da CMP à data da recuperação do NRA)

Material Documental

(ver 4.1_Tabela Resumo do Material Documental do

NRA (*) para mais detalhe)

Folheto sobre as Actividades de Educação Ambiental da CMP. Programa Preliminar para o Museu da Cidade do Porto. Folheto da Exposição sobre o NRA. Livro: Vasconcelos, Maria João (coord.) (1995), Essas Pedras Quebradas... Permanências da Ruralidade no Contexto Urbano, Porto, Departamento de Museus e Património Cultural - Casa Tait, CMP Estudo prévio do NRA.

Fotografias 45 Fotografias da autoria do Arquitecto João Rapagão, no âmbito do levantamento fotográfico prévio à recuperação do NRA. 21 Fotografias da autoria do Arquitecto João Rapagão, tiradas durante os trabalhos de recuperação do NRA. 156 Fotografias próprias tiradas durante o Trabalho de Campo, ao NRA, seus equipamentos e actividades.

Page 278: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

277

Tabela 2.2.2. (cont.) Resumo do Material Recolhido (Trabalho de Campo)

Literatura Infante, Sérgio (2003), "Reabilitação. Núcleo Rural de Aldoar, parque da cidade, Porto. Arqs. João Rapagão e César Fernandes", in Arquitectura e Vida, nº 37 Pacheco, Hélder (2002), Porto, Memória e Esquecimento, Porto, Afrontamento

Outros Apresentação Power Point da autoria do Eng. Francisco Sendas (Director do Departamento Municipal de Espaços Verdes e Higiene Pública da CMP e, portanto, Administrador do Parque da Cidade do Porto) com o título "Metodologia de Construção do Parque da Cidade do Porto", para o Congresso Internacional de Parques Urbanos e Metropolitanos, datada de Março de 2006. (*)

Page 279: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

278

Tabe

la 2

.2.3

. Sín

tese

das

Ent

revi

stas

(NR

A)

En

trev

ista

do

D

ata

Fu

nção

/Car

go

Pr

inci

pais

Idei

as

Jo

ão R

apag

ão

19/0

1/20

10

Arq

uite

cto,

aut

or d

o pr

ojec

to d

e re

cupe

raçã

o do

NR

A

H

istó

ria d

o lu

gar e

do

proj

ecto

de

recu

pera

ção.

Exp

licaç

ão d

as ra

zões

por

det

rás

da in

icia

tiva

de in

terv

ençã

o, d

a su

a or

igem

e d

os

cont

orno

s da

"enc

omen

da" d

o pr

ojec

to d

e re

cupe

raçã

o.

E

xplic

ação

dos

obj

ectiv

os e

orie

ntaç

ões

do p

roje

cto,

crit

ério

s e

filos

ofia

de

inte

rven

ção,

esc

olha

s, p

olém

icas

e re

sulta

dos.

Des

criç

ão d

o nú

cleo

ant

es d

a re

cupe

raçã

o (e

stad

o, c

arac

terís

ticas

, pot

enci

al).

E

num

eraç

ão d

o qu

e fo

i pre

serv

ado,

des

truíd

o, tr

ansf

orm

ado

e po

rquê

.

Exp

osiç

ão d

e al

gum

as id

eias

que

exi

stem

par

a o

futu

ro d

o nú

cleo

. M

ª Joã

o V

asco

ncel

os

11/0

3/20

10

His

toria

dora

, aut

ora

do

estu

do e

leva

ntam

ento

pa

trim

onia

l do

NR

A

E

xplic

ação

da

idei

a de

tran

sfor

mar

o N

RA

no

Pól

o R

ural

do

Mus

eu d

a C

idad

e do

P

orto

(que

pre

cede

u à

sua

recu

pera

ção

e co

nstit

uiu

a pr

imei

ra in

icia

tiva

de

valo

rizaç

ão p

atrim

onia

l do

luga

r).

H

istó

ria d

a ev

oluç

ão d

a ci

dade

. Pas

sado

rura

l mui

to re

cent

e de

mui

tas

zona

s da

ci

dade

e d

e gr

ande

par

te d

os s

eus

habi

tant

es, e

nqua

nto

mot

ivo

impo

rtant

e pa

ra a

va

loriz

ação

do

patri

món

io e

da

mem

ória

rura

l do

Porto

.

Raz

ões

para

a v

alor

izaç

ão d

aque

le lu

gar e

spec

ífico

(loc

aliz

ação

est

raté

gica

, pr

oprie

dade

mun

icip

al, e

xigê

ncia

de

inte

rven

ção

imin

ente

).

Mª d

o C

éu M

orei

ra

12/0

3/20

10

Res

pons

ável

pel

o C

entro

de

Edu

caçã

o Am

bien

tal

do N

RA

(con

vers

a in

form

al -

não

trans

crita

)

Exp

licaç

ão e

enu

mer

ação

das

act

ivid

ades

edu

cativ

as re

aliz

adas

no

NR

A.

A

pres

enta

ção

do e

spaç

o.

Orla

ndo

Gas

par

25/0

3/20

10

Ver

eado

r do

Ambi

ente

da

CM

P n

a al

tura

do

proj

ecto

de

recu

pera

ção

do N

RA

H

istó

ria d

o P

arqu

e da

Cid

ade

do P

orto

, seu

pro

ject

o e

conc

retiz

ação

.

Rec

uper

ação

do

NR

A b

asea

da e

m té

cnic

as d

e co

nstru

ção

tradi

cion

ais.

Exp

licaç

ão d

o pr

ogra

ma

prev

isto

par

a o

NR

A e

dos

obj

ectiv

os d

a in

terv

ençã

o.

R

azõe

s qu

e m

otiv

aram

o p

roje

cto

de in

terv

ençã

o no

NR

A.

Im

portâ

ncia

de

pres

erva

r a m

emór

ia ru

ral d

o Po

rto, p

elo

seu

pass

ado

e ev

oluç

ões

rece

ntes

.

Page 280: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

279

Tabe

la 2

.2.4

. Res

umo

do M

ater

ial D

ocum

enta

l rec

olhi

do s

obre

o N

RA

Tipo

de

Doc

umen

to

Títu

lo

Dat

a A

utor

ia

Ediç

ão

Sínt

ese

de

Con

teúd

o (in

tegr

al o

u em

alg

uns

caso

s se

lecc

iona

do,

pelo

que

diz

resp

eito

ao

obj

ecto

)

Obs

erva

ções

Folh

eto

Info

rmat

ivo

Gui

a de

Act

ivid

ades

de

Edu

caçã

o A

mbi

enta

l A

no L

ectiv

o 20

09/2

010

Gab

inet

e do

A

mbi

ente

da

CM

P.

CM

P e

LIP

OR

D

escr

ição

e

cale

ndar

izaç

ão d

as

activ

idad

es d

e ed

ucaç

ão a

mbi

enta

l do

s vá

rios

cent

ros

educ

ativ

os d

a C

MP

, in

clui

ndo

o do

NR

A.

Folh

eto

forn

ecid

o no

C

entro

de

Edu

caçã

o A

mbi

enta

l do

NR

A.

Folh

eto

Des

dobr

ável

N

úcle

o R

ural

de

Aldo

ar.

Par

que

da C

idad

e do

P

orto

Mar

ço d

e 20

02

Pel

ouro

do

Ambi

ente

da

CM

P.

CM

P.

Apr

esen

taçã

o do

NR

A

e da

exp

osiç

ão q

ue

pret

ende

des

crev

er o

pr

oces

so d

e su

a re

cupe

raçã

o.

Folh

eto

da e

xpos

ição

so

bre

o N

RA

re

aliz

ada

em 2

002,

o di

spon

ível

na

actu

alid

ade.

Doc

umen

to d

e Te

xto

Pol

icop

iado

P

rogr

ama

Pre

limin

ar d

o M

useu

da

Cid

ade

do

Por

to

1993

Te

resa

Via

na e

M

aria

Joã

o V

asco

ncel

os

CM

P.

Apr

esen

taçã

o do

pr

ojec

to d

o M

useu

da

Cid

ade,

que

teria

o

NR

A c

omo

seu

pólo

ru

ral.

Enun

ciaç

ão d

os

obje

ctiv

os e

das

or

ient

açõe

s m

etod

ológ

icas

par

a o

pólo

tem

átic

o do

NR

A.

Par

ecer

sob

re a

m

usea

lizaç

ão d

o N

RA

.

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Anexo 2 - NRA

280

Tabe

la 2

.2.4

. (co

nt.)

Res

umo

do M

ater

ial D

ocum

enta

l rec

olhi

do s

obre

o N

RA

Tipo

de

Doc

umen

to

Títu

lo

Dat

a A

utor

ia

Ediç

ão

Sínt

ese

de

Con

teúd

o (in

tegr

al o

u em

alg

uns

caso

s se

lecc

iona

do,

pelo

que

diz

resp

eito

ao

obj

ecto

)

Obs

erva

ções

Livr

o E

ssas

ped

ras

queb

rada

s...

Per

man

ênci

as d

a ru

ralid

ade

em c

onte

xto

urba

no.

1995

(c

oord

.) M

aria

Joã

o V

asco

ncel

os

Dep

arta

me n

to d

e M

useu

s e

Pat

rimón

io C

ultu

ral -

C

MP

.

Apr

esen

taçã

o da

idei

a de

tran

sfor

maç

ão d

o B

eco

de C

arre

iras

no

pólo

rura

l do

Mus

eu d

a C

idad

e e

expl

icaç

ão d

a im

portâ

ncia

de

pres

erva

r a m

emór

ia

do P

orto

rura

l. A

lgum

as

refle

xões

sob

re

rura

lidad

e re

sidu

al,

trans

for m

açõe

s ur

bana

s, m

emór

ia e

pa

trim

ónio

.

O li

vro

em c

ausa

ac

ompa

nha

uma

expo

siçã

o co

m o

m

esm

o no

me,

que

co

ntem

pla

um e

spól

io

de o

bjec

tos

utili

tário

s e

agríc

olas

do

quot

idia

no ru

ral

portu

ense

do

final

do

séc.

XIX

/ pr

incí

pio

do

séc.

XX.

Doc

umen

to d

e Te

xto

Pol

icop

iado

E

stud

o P

révi

o do

N

úcle

o R

ural

de

Aldo

ar

Sem

Dat

a Jo

ão R

apag

ão e

C

ésar

Fer

nand

es

Dire

cção

do

Pro

ject

o M

unic

ipal

de

Par

ques

Urb

anos

- C

MP

.

Res

umo

e ex

plic

ação

do

pro

gram

a de

oc

upaç

ão fu

ncio

nal

para

os

vário

s es

paço

s do

NR

A

Apr

esen

taçã

o Po

wer

P

oint

M

etod

olog

ia d

e C

onst

ruçã

o do

Par

que

da C

idad

e do

Por

to

Mar

ço d

e 20

06

Eng

. Fra

ncis

co

Sen

das

Con

gres

so

Inte

rnac

iona

l de

Par

ques

Urb

anos

e

Met

ropo

litan

os

Des

criç

ão d

o pr

oces

so

de c

onst

ruçã

o do

P

arqu

e da

Cid

ade

do

Por

to. B

reve

ap

rese

ntaç

ão d

o N

RA

, su

as fu

nçõe

s e

proc

esso

de

recu

pera

ção.

A

pres

enta

ção

deta

lhad

a do

s cu

stos

da

obr

a do

Par

que,

in

clui

ndo

os g

asto

s co

m o

NR

A.

Dis

poní

vel e

m:

http

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.cm

porto

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user

s/0/

66/F

ranc

isco

Sen

das

_79a

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Anexo 2 - NRA

281

Tabe

la 2

.2.5

. Res

umo

das

Foto

graf

ias

(NR

A)

Nº d

e Fo

tos

(por

gru

po)

Aut

oria

D

ata

ou

mom

ento

do

retr

ato

Con

teúd

os

retr

atad

os

Des

criç

ão g

eral

dos

con

teúd

os

retr

atad

os

Obs

erva

ções

45

Jo

ão

Rap

agão

Fo

togr

afia

s tir

adas

an

tes

das

obra

s de

re

cupe

raçã

o, a

quan

do

do le

vant

amen

to

foto

gráf

ico

do n

úcle

o.

Cas

as n

o ex

terio

r e, p

or

veze

s, n

o in

terio

r, ca

min

hos,

mur

os,

cons

truçõ

es a

barra

cada

s e

anex

os, s

eque

iros,

cel

eiro

, te

lhei

ros,

reca

ntos

, ani

mai

s,

porm

enor

es d

e co

nstru

ção

e pe

quen

os d

etal

hes

(jane

las,

por

tas,

reló

gio

de

sol,

esca

das,

pila

res,

na

mor

adei

ras,

etc

.),

este

ios,

ram

adas

, hor

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po

rtões

, poç

o, v

asos

, va

rand

as e

alp

endr

es.

As

foto

graf

ias

estã

o or

gani

zada

s po

r cas

a. E

m c

ada

grup

o, c

om

mai

or o

u m

enor

det

alhe

, est

ão re

trata

dos

os e

xter

iore

s e

zona

s ci

rcun

dant

es, o

u se

ja, a

s fa

chad

as e

con

stru

ções

ane

xas,

pát

ios

e ou

tros

elem

ento

s em

redo

r de

cada

cas

a, c

omo

vaso

s, m

ater

ial

agríc

ola,

ram

adas

, ani

mai

s, h

orta

s, e

tc. E

xist

em p

ouca

s fo

togr

afia

s do

s in

terio

res,

sen

do q

ue a

s ex

iste

ntes

tend

em a

retra

tar

porm

enor

es a

rqui

tect

ónic

os p

artic

ular

es, c

omo

pila

res,

jane

las

com

nam

orad

eira

s, p

orta

s ou

a e

stru

tura

inte

rior d

o ce

leiro

. Al

gum

as d

as fo

togr

afia

s re

trata

m d

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hes

mui

to e

spec

ífico

s co

mo

o re

lógi

o de

sol

e o

utra

s, p

elo

cont

rário

dão

um

a vi

são

gera

l do

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unto

. Exi

ste

tam

bém

um

con

junt

o de

foto

graf

ias

que

retra

tam

o

beco

, ou

seja

, o e

xter

ior d

o co

njun

to à

face

da

rua,

bem

com

o, d

os

cam

inho

s la

dead

os d

e m

uros

em

ped

ra, i

nter

iore

s ao

núc

leo.

Foto

graf

ias

que

com

põe

o Le

vant

amen

to

Foto

gráf

ico

do N

RA

.

21

Jo

ão

Rap

agão

Fo

togr

afia

s tir

adas

du

rant

e os

trab

alho

s de

recu

pera

ção.

Fach

adas

, tel

hado

s,

inte

riore

s, e

scad

aria

s,

viga

s, c

asas

em

ger

al, e

m

traba

lhos

de

recu

pera

ção

e re

stau

ro.

São

vis

ívei

s di

vers

os p

orm

enor

es d

e en

caix

es d

e vi

gas

de

mad

eira

, de

esca

das

e te

ctos

prin

cipa

lmen

te, b

em c

omo

estru

tura

s de

sup

orte

dos

soa

lhos

. Exi

stem

imag

ens

do in

terio

r e e

xter

ior d

as

casa

s em

ple

na o

bra

de re

cons

truçã

o. E

stru

tura

s de

telh

ados

em

pr

oces

so d

e ap

licaç

ão d

e te

lhas

. Chã

o po

r em

pedr

ar. C

asas

ro

dead

as d

e an

daim

es o

u já

com

as

fach

adas

em

ava

nçad

o pr

oces

so d

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peza

. E fi

nalm

ente

as

casa

s já

aca

bada

s e

pint

adas

de

fresc

o, c

om a

s ei

ras

e ca

min

hos

limpo

s, a

o qu

e pa

rece

imed

iata

men

te a

pós

a fin

aliz

ação

dos

trab

alho

s.

Con

junt

o de

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s de

sord

enad

as e

m

istu

rada

s co

m a

lgum

as

plan

tas,

esq

uiço

s, fo

tos

aére

as d

o lo

cal,

post

ais

antig

os e

out

ras

imag

ens

já in

cluí

das

no

leva

ntam

ento

foto

gráf

ico.

Page 283: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

282

Tabe

la 2

.2.5

. (co

nt.)

Res

umo

das

Foto

graf

ias

(NR

A)

Nº d

e Fo

tos

(por

gru

po)

Aut

oria

D

ata

ou

mom

ento

do

retr

ato

Con

teúd

os

retr

atad

os

Des

criç

ão g

eral

dos

con

teúd

os

retr

atad

os

Obs

erva

ções

15

6

Pró

pria

Foto

graf

ias

tirad

as n

os

prim

eiro

s 4

mes

es d

e 20

10, d

uran

te o

tra

balh

o de

cam

po.

Inte

rior e

ext

erio

r das

ca

sas,

nom

eada

men

te e

co

m d

etal

he a

cres

cido

as

sala

s, m

obili

ário

e

equi

pam

ento

do

cent

ro d

e ed

ucaç

ão a

mbi

enta

l. O

s pá

tios,

reca

ntos

, tan

ques

, ei

ras,

seq

ueiro

s, te

lhei

ros

e re

stan

tes

elem

ento

s co

nstru

ídos

do

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unto

. O

cele

iro e

nqua

nto

casa

de

chá

e su

a es

plan

ada,

as

loja

s (p

or fo

ra e

por

den

tro)

seus

pro

duto

s, d

ecor

ação

e

mob

iliário

, o p

icad

eiro

, as

casa

s de

ban

ho, a

feira

de

prod

utos

bio

lógi

cos,

a

cozi

nha,

div

erso

s po

rmen

ores

de

cons

truçã

o,

o be

co d

e C

arre

iras

e os

po

rtões

que

dão

ent

rada

pa

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núc

leo,

as

horta

s,

cant

eiro

s, v

eget

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e o

s co

berto

s es

palh

ados

pel

os

jard

ins

circ

unda

ntes

.

As

foto

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ias

tirad

as re

trata

m d

esde

o c

onju

nto

com

o um

todo

, co

m p

anor

âmic

as d

as s

uas

casa

s e

espa

ços

circ

unda

ntes

, até

aos

de

talh

es d

e co

nstru

ção

e a

todo

o ti

po d

e po

rmen

ores

com

in

tere

sse,

com

o po

r exe

mpl

o, o

s ró

tulo

s do

s pr

odut

os v

endi

dos

nas

loja

s do

NR

A.

Des

ta fe

ita, p

odem

obs

erva

r-se

as c

asas

, pel

as fa

chad

as e

el

emen

tos

arqu

itect

ónic

os c

arac

terís

ticos

(tel

hado

s, ja

nela

s,

alpe

ndre

s, e

scad

aria

s, e

tc.),

mas

tam

bém

por

den

tro, s

ala

a sa

la,

pass

ando

pel

o m

obiliá

rio e

pel

os p

orm

enor

es d

e co

nstru

ção

visí

veis

inte

rnam

ente

(nic

hos

em p

edra

, tab

ique

exp

osto

, etc

.).

São

retra

tado

s os

cam

inho

s, re

cant

os, e

scad

as, m

uros

e p

átio

s,

tanq

ues,

poç

os, c

ante

iros

e ve

geta

ção

circ

unda

nte,

os

anex

os q

ue

albe

rgam

arru

mos

e lo

jas,

a c

asa

de c

há e

sua

esp

lana

da, o

pi

cade

iro c

entra

l, as

cas

as d

e ba

nho,

etc

. Em

resu

mo,

toda

s as

co

nstru

ções

, equ

ipam

ento

s, re

stau

rado

s ou

acr

esce

ntad

os, c

omo

os c

ober

tos

com

ban

co, p

or e

xem

plo.

A

s ac

tivid

ades

com

erci

ais

estã

o ig

ualm

ente

doc

umen

tada

s, a

feira

se

man

al, m

as ta

mbé

m a

s lo

jas,

cuj

a de

cora

ção

e pr

odut

os e

stão

re

gist

ados

, com

mui

to d

etal

he p

rinci

palm

ente

no

que

toca

à lo

ja d

e pr

odut

os “g

ourm

et “

"100

0 pa

lada

res"

. O

con

junt

o é

pate

nte

pelo

lado

do

parq

ue, r

etra

tado

de

long

e co

m

o pi

cade

iro a

o ce

ntro

e a

s ca

sas

por t

rás

rode

adas

do

cele

iro, d

e pe

quen

os m

uros

, seq

ueiro

s e

pequ

enos

ane

xos,

mas

tam

bém

foi

regi

stad

o o

beco

e o

mur

o qu

e ro

deia

o n

úcle

o pe

lo la

do e

xter

ior

ao p

arqu

e, a

pena

s ab

erto

pel

os p

ortõ

es d

e ac

esso

às

quat

ro

quin

tas.

Não

foi e

nsai

ada

uma

corre

spon

dênc

ia ri

goro

sa

no re

trato

foto

gráf

ico

do

NR

A p

ara

logr

ar u

ma

com

para

ção

foto

a fo

to

com

o le

vant

amen

to fe

ito

ante

s da

s ob

ras,

no

enta

nto,

é p

ossí

vel,

em

mui

tos

caso

s, fa

zer e

sse

exer

cíci

o de

form

a ba

stan

te d

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hada

, o

que

está

pat

ente

na

sele

cção

de

imag

ens

lege

ndad

as e

m a

nexo

.

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Anexo 2 - NRA

283

2.3 Fotos

a) Fotografias relativas ao Núcleo Rural de Aldoar (NRA) Antes das obras de requalificação30

Foto 1: Beco de Carreiras.

Foto 2: Pequeno pátio de acesso a uma das casas (hoje ocupada pelo Centro de Educação Ambiental). Note-se o avançado estado de desgaste dos materiais de construção, os inúmeros vasos dispostos junto à casa e nos degraus da escada, as videiras e a antena de televisão.

30 As fotografias apresentadas são da autoria do Arq. João Rapagão e fazem parte do levantamento fotográfico ao NRA, desenvolvido antes da intervenção.

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Anexo 2 - NRA

284

Foto 3: Um dos caminhos de ligação entre as quintas, cujo empedrado se encontra fortemente coberto por vegetação invasiva, tal como os muros de pedra.

Foto 4: Uma das casas do núcleo, num estado visivelmente degradado. Repare-se no alpendre de chapa, com aspecto precário, que alberga diversos caixotes e víveres.

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Anexo 2 - NRA

285

Foto 5: Outra perspectiva da mesma casa e da respectiva eira.

Foto 6: Pátio entre os diversos estábulos e galinheiros, ocupado por várias aves e um vitelo, sombreado por inúmeros esteios metálicos e troncos de videira.

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Anexo 2 - NRA

286

Foto 7: Vista para o núcleo, desde os campos que hoje constituem o Parque da Cidade. Do lado esquerdo pode ver-se o celeiro, atrás do qual se encontra um espigueiro, enquanto que, do lado direito (por detrás dos muretes de pedra), estariam as casas de habitação e os estábulos. Note-se as pequenas hortas e cultivos, rodeados de sebes feitas de paus e de canas, no campo que rodeia o celeiro.

Foto 8: O celeiro original, que ficou destruído num incêndio que ocorreu pouco antes das obras.

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Anexo 2 - NRA

287

Foto 9: Interior do celeiro.

Foto 10: Vista para o sequeiro (à esquerda), para as traseiras do celeiro (do lado direito) e para a eira que os separa. Este espaço é actualmente ocupado pela esplanada da cafetaria (localizada no celeiro).

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Anexo 2 - NRA

288

Foto 11: Tanque de lavar roupa, telheiro metálico, bacias e outros objectos do quotidiano.

Foto 12: Poço, rodeado de vasos, algumas vassouras e outros objectos. Repare-se no telheiro precário (entretanto desaparecido depois das obras) e nos paus que sustentam a sua estrutura.

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Anexo 2 - NRA

289

Foto 13: Pequenos estábulos ou galinheiros.

Foto 14: Pátio onde se localizam as cortes e os galinheiros (portas do lado direito).

Page 291: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

290

Foto 15: Pormenor de uma das casas que, segundo o que foi apurado, funcionava como uma espécie de esgoto ou fossa a céu aberto.

Foto 16: Coberto, eventualmente usado para albergar animais ou guardar o feno.

Page 292: Do discurso ao projecto urbano de reinvenção da ruralidadediposit.ub.edu/dspace/bitstream/2445/42008/2/AMF_TESE.pdfSanchez Aguilera, pelo apoio e pela simpatia com que me recebeu

Anexo 2 - NRA

291

Foto 17: Beco entre casas.

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Anexo 2 - NRA

292

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Anexo 2 - NRA

293

b) Fotografias relativas ao Núcleo Rural de Aldoar (NRA) Recentemente (primeiros meses de 2010).31

Foto 1a: Beco de Carreiras. No canto inferior esquerdo da fotografia pode ver-se a placa da Câmara Municipal do Porto que assinala a entrada no “Núcleo Rural de Aldoar”.

Foto 4a: Uma das entradas para o pátio do Centro de Educação Ambiental. Pequeno caminho coberto e ladeado de portas (de antigos estábulos e galinheiros). Aqui, tal como em todos os edifícios do NRA, as portas e madeiras estão pintadas de vermelho.

31Fotografias tiradas durante o Trabalho de Campo, ou seja, nos quatro primeiros meses de 2010.

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Foto 5a: Recanto entre a Loja da NaturoCoop e o Centro de Educação ambiental. Ao centro podem ver-se as escadas e a porta que dá acesso ao campo das hortas pedagógicas e o espaço onde tem lugar a feira semanal de produtos biológicos.

Foto 6a: Cozinha do Centro de Educação Ambiental, com forno de lenha original e decoração rústica.

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Foto 7a: Sala do Centro de Educação Ambiental com trabalhos feitos pelas crianças que participam nas actividades.

Foto 8a: Casas “siamesas” (por estarem ligadas por um acrescento posterior, que foi mantido nas obras de recuperação) e respectiva eira. São actualmente ocupadas pela loja de produtos “gourmet” e pelo seu escritório.

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Foto 9a: Varanda que liga as duas casas “siamesas” e que funciona como alpendre de acesso à loja de produtos “gourmet”. Do lado esquerdo podem ver-se os telhados dos anexos e estábulos que estão em redor do edifício.

Foto 10a: Interior da loja de produtos “gourmet”, com os produtos dispostos nas suas estantes de madeira pintada e em algumas cestas de vime ao pé das “namoradeiras” da janela.

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Foto 11a: Edifício das chamadas “Ecolojas”. A porta aberta do lado esquerdo corresponde à loja de “comércio justo”, enquanto a do lado direito diz respeito à loja de produtos biológicos (apenas aberta ao fim de semana).

Foto 12a: Estantes no interior da loja de produtos biológicos.

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Foto 13a: Celeiro reconstruído. Funciona como uma cafetaria (ver Foto 8 relativa ao período anterior à transformação).

Foto 14a: Interior do celeiro/cafetaria (ver Foto 9 relativa ao período anterior à intervenção).

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Foto 15a: Caminho ladeado de muros de pedra, espigueiro recuperado e (do lado direito, atrás deste) a esplanada da cafetaria (ver Foto 10 relativa ao período anterior à transformação).

Foto 16a: Vista geral do NRA (para quem vê do Parque da Cidade), do lado esquerdo pode ver-se o celeiro/cafetaria, no centro o picadeiro para póneis (actualmente desactivado) e, do lado direito, o edifício do Centro de Educação Ambiental (ver Foto 7 relativa ao período anterior às obras de requalificação).

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Foto 17a: Feira semanal de produtos biológicos. Repare-se nos esteios metálicos, que mesmo sem vinhas, foram repostos depois das obras, na tentativa de manter o carácter rústico do lugar.

Foto 18a: Um dos bancos cobertos da autoria dos Arquitectos João Rapagão e César Fernandes, inspirados nas ripas de madeira dos sequeiros do Norte de Portugal, pintados com o mesmo vermelho das portas e janelas dos edifícios do núcleo, que estão espalhados pelos terrenos circundantes ao conjunto (quase como pontos de observação para a paisagem do NRA).

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Foto 19a: Poço (bastante simplificado e “despido” se compararmos com a Foto12 do período anterior à intervenção).

Foto 20a: Coberto recuperado (ver Foto 16 relativa ao período anterior à recuperação do núcleo).

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Foto 21a: Beco entre casas (ver Foto 17 relativa ao período anterior à recuperação do núcleo).