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| ENTREVISTA • ANA PAULA ASSIS

| 6 GVEXECUTIVO • V 18 • N 6 • NOV/DEZ 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

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| POR ALINE LILIAN DOS SANTOS E ADRIANA WILNER

G rowth and comfort do not coexist”. A frase, em inglês, está escrita na parede da sede da International Busi-ness Machines Corporation (IBM) para a América Latina, em um moderno prédio da Avenida Juscelino Kubitschek, em São Paulo. De autoria da chief execu-

tive officer (CEO) mundial da empresa, Ginni Rometty, a afirma-ção de que não é possível ficar em uma posição confortável para conseguir crescimento ilustra os desafios de quem atua no merca-do de tecnologia.

Primeira mulher a liderar a operação na América Latina, Ana Paula Assis está na IBM há 24 anos, desde que conseguiu entrar em um programa de estágio da companhia em sua cidade natal, Goiânia. Ter construído carreira na mesma empresa, no entanto, não foi nada monótono. A executiva viveu enormes transforma-ções ao longo de sua trajetória profissional, como a IBM passar de uma empresa de infraestrutura e hardware para um negócio de ser-viços e software, inserindo-se em mercados como o de computa-dores pessoais e, mais recentemente, despontando em inteligência artificial, blockchain e quantum computing. “É um constante pro-cesso de reinvenção e transformação. Na nossa indústria, não tem perdão; se você parar, vai morrer”, diz Ana Paula nesta entrevista exclusiva à GV-executivo.

LIDERANÇA360 GRAUS

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| ENTREVISTA • ANA PAULA ASSIS

GV-executivo: Estar em um setor que passa por mudanças profundas traz a você quais desafios como líder?

Ana Paula: O primeiro é a resili-ência. É você saber que vai enfrentar momentos muito difíceis, mas com a visão positiva de que vai conseguir su-perá-los e que, lá na frente, será gra-tificante passar pelo processo, muitas vezes doloroso, de ter que abandonar o passado e olhar o futuro. O segundo é como comunicar para o time, ade-quadamente, o que essa transição sig-nifica e como eles devem se capacitar e se adaptar para que sejam bem-su-cedidos. O líder precisa ser o grande catalisador da transformação de cada profissional. E, finalmente, você tem que estar o tempo todo conectado com o mercado, com os clientes, com as demandas que surgem para que possa adequar rapidamente o seu portfólio a essas necessidades. O líder hoje pre-cisa ser 360 graus. Tem que ser mui-to bom para dentro e em se conec-tar com o mercado, com as agências, com o governo, com a academia, por-que são todos esses elementos que no fim do dia entregam a foto inteira para que ele possa tomar uma decisão em melhores condições.

GV-executivo: Como apura sua vi-são de mundo para se antecipar ao que acontecerá?

Ana Paula: É nessa hora que os 24 anos de trabalho na empresa contam. O passado não é determinante do futu-ro, mas te dá conhecimento para enxer-gar alguns padrões e falar: “Já vi isso acontecer e o melhor caminho para se tomar é este ou aquele”. Outro as-pecto é não ficar muito fechado só no seu mundo. Eu, por exemplo, procu-ro circular em ecossistemas diferentes do meu, para não ficar viciada no que domino e pegar um pouco de inspira-ção de outras áreas.

GV-executivo: Poderia citar algum exemplo de ação nesse sentido?

Ana Paula: Nas últimas semanas, fiz uma imersão para conhecer o ecossis-tema de inovação de Israel e da Suécia. O que me chamou a atenção nesses pa-íses foi, em primeiro lugar, o papel do Estado em ser um fomentador de ino-vação não só do ponto de vista de re-cursos, mas também de governança. Tanto Israel quanto Suécia têm uma agência de governo focada em inova-ção com objetivos extremamente cla-ros e uma preocupação com a geração de resultado econômico e social. Outro aspecto é o quanto a China está pre-sente em todos os polos de inovação.

GV-executivo: Você enxerga dife-renças entre a liderança feminina e a masculina?

Ana Paula: Não tem como ser igual, até porque homens e mulheres são criados com focos diferentes. A mu-lher normalmente é cerceada, e o ho-mem, ao contrário, é incentivado a se expor. Esse ainda é um desafio. Acho que a mulher tem uma característica, em geral, de mais colaboração. Ela bus-ca várias fontes para finalizar um pro-cesso de tomada de decisão. Mas tal-vez o aspecto mais importante é que hoje queremos criar um ambiente que abrace a diversidade, respeite as dife-renças e garanta que todos tenham voz. Olhando para a IBM, foi um processo natural estar na posição que assumi. Em primeiro lugar, nossa CEO global é uma mulher; segundo, a IBM sem-pre viveu esses valores de inclusão. O fato de ser mulher nunca foi um tipo de desafio para mim.

GV-executivo: Então nunca enfren-tou dificuldade na carreira por ser mulher?

Ana Paula: Você trabalha tanto, sempre focada no resultado, que nem

presta muita atenção no que está acon-tecendo. Sempre estive muito bem pre-parada para tudo. E, isso é uma ver-dade, a mulher não tem muito espaço para erro. Então, você tem que se pre-parar o dobro.

GV-executivo: Isso a levou a sacri-ficar o lado pessoal?

Ana Paula: Para mim, nunca foi um sacrifício. Não tenho vergonha de di-zer que sou workaholic, mas imagino que, para muitas mulheres, deva ser pe-sado. Na hora em que você quer cons-truir uma família, muitas vezes tem que abrir mão da sua carreira, porque não consegue acomodar as duas coisas.

GV-executivo: Em sua opinião, quais tendências tecnológicas vão mudar nossa vida nos próximos anos?

Ana Paula: Nos próximos meses? Tenho muito medo de responder a essa pergunta, porque a verdade é que não sabemos. Quando estive na Suécia, um futurista disse uma frase em uma apre-sentação que me marcou: “O futuro não começa, ele explode”. Mas arrisco dizer que blockchain vai ser uma tec-nologia que vai revolucionar a forma como as empresas e a sociedade tran-sacionam. Acho que inteligência ar-tificial ainda está na infância. Vamos ver um conjunto de aplicações que vai transformar o modo como trabalhamos com dados. Segurança vai ser um de-safio à medida que as empresas vão se abrindo, porque hoje trabalhamos em ecossistema. O 5G vai mudar a nossa vida. Conforme o mundo da internet das coisas (IoT) passar a ser de verda-de, vamos ver um nível de automação e de autonomia muito significativo.

GV-executivo: Qual filme serve de inspiração para você?

Ana Paula: O filme da minha vida foi Blade Runner. De certa maneira,

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FOTO: DIVULGAÇÃO

RAIO X Ana Paula Assis Graduada em Ciência da

Computação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Possui especialização em

Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas Possui MBA pela Fundação

Dom Cabral Presidente da IBM para a

América Latina

é a minha grande preocupação daqui para frente, como não perder o contro-le. Somos os criadores, não podemos deixar a criação tomar conta. O pro-pósito não é substituir as pessoas; é como libero tempo e energia para que possamos focar numa classe de novos problemas, o que vai ser fundamental para a nossa sobrevivência.

GV-executivo: Com os efeitos das mudanças tecnológicas no trabalho, a função do administrador de em-presas vai mudar?

Ana Paula: Talvez essa seja uma das profissões que terá mais demanda. Hoje, há tantos problemas que não es-tavam previstos que a única maneira de resolvê-los é no momento em que surgem. Você monta uma equipe, que chamamos de squad. Terminou o pro-blema, desarma, vamos atrás do próxi-mo. Essa gestão mais fluida e menos hierárquica, burocrática e definida é a forma de administração do futuro. O gestor vai ser um grande facilitador da construção de equipes multidiscipli-nares de resolução de problemas. Um segundo aspecto é a empatia que esse profissional precisará ter para enten-der os desafios do cliente e as deman-das que vêm do mercado para, rapida-mente, conseguir ajustar os produtos e processos da empresa.

GV-executivo: Muitas inovações sur-gem em função do que os clientes trazem para vocês?

Ana Paula: Sim, totalmente. E, mui-tas vezes, o cliente vem: “Eu quero fa-zer alguma coisa inovadora”, só não sabe muito bem o que. Um dos traba-lhos que fazemos, e toda a metodolo-gia do design thinking ajuda nisso, é você se colocar no lugar da pessoa, do cliente, e pensar: o que esse cara gos-taria de ter? O que seria uma experi-ência encantadora para esse usuário? A

partir daí, saem as ideias e as iniciati-vas. No desenvolvimento de soluções para o futuro, o que contratamos de designers foi algo absurdo. Essa ques-tão do design em tudo o que fazemos é muito importante, e acho que é uma disciplina que deveria estar nas escolas de Administração.

GV-executivo: Como desenvolver as competências necessárias ao gestor nas faculdades de Administração?

Ana Paula: Acredito que dê para ensinar com case, com experimenta-ção, colocando problemas que envol-vam interagir com o cliente para os alu-nos resolverem. Acho que a academia precisa estabelecer uma conexão forte

com as empresas. As disciplinas deter-minísticas de Administração, Finanças, Contabilidade... Isso tudo o robô vai fazer. As soft skills são o que, de fato, vão fazer a diferença, assim como a capacidade de entender como as no-vas tecnologias devem ser aplicadas no negócio.

GV-executivo: Quando falamos de América Latina, como você vê o pre-paro dos negócios no Brasil para esse cenário de mudança?

Ana Paula: O Brasil tem uma for-ça e uma importância grande na re-gião. O problema é que é um país en-simesmado, que olha mais para dentro do que para fora. Poderíamos ser mais

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conectados não só com o mercado re-gional, mas também com o global. Na Argentina, as startups, por exemplo, não pensam no mercado argentino, e sim no americano, no europeu. Uni-córnios como Mercado Livre e Deco-lar saíram de lá com essa visão globa-lizada. Quando encontro empresários do Brasil e pergunto: “Qual é a sua es-tratégia para ser uma empresa global?”, eles ficam meio assustados. O Méxi-co, por sua vez, é uma economia ain-da muito dependente do dinheiro vivo, mas, quando falamos de indústria 4.0, talvez esteja mais bem preparado em termos de infraestrutura que o Brasil, pois se especializou em ser uma plan-ta industrial para os Estados Unidos. O Brasil tem recursos naturais, tem talento, não falta dinheiro. O que fal-ta é governança e uma direção clara.

GV-executivo: Você entrou na IBM porque abriu uma vaga de estágio em Goiânia. Como descobrir talen-tos de diferentes lugares e classes sociais?

Ana Paula: Recentemente fizemos uma maratona chamada Behind The Code, que significa: eu quero conhe-cer o developer, o desenvolvedor. Che-gamos a desenvolvedores de todos os estados brasileiros. Dos ganhadores, só um foi de São Paulo capital. Esse projeto abriu a perspectiva de acessar-mos potenciais 27 mil profissionais que estavam totalmente invisíveis ao sis-tema. Temos outro programa, o Ha-ckatruck, um caminhão que vai para as universidades. Você acaba tendo contato com escolas que não são as mais tradicionais.

GV-executivo: Você costuma dizer que a frase que melhor a represen-ta é: “Conheça a si mesmo”. Por quê?

Ana Paula: Autoconhecimento te ajuda a fazer escolhas na vida. Você

não toma decisões sem coerência com aquilo em que acredita e que o move. Teve um momento na minha vida que eu estava meio perdida na carreira e contratei uma coach externa, que me ajudou a identificar onde estavam os meus problemas. Ela falou: “Você está se sabotando”. Acho importante conse-guir fazer esse autodiagnóstico e essa autoanálise porque, à medida que você vai assumindo postos maiores de lide-rança, o seu impacto é muito grande em tudo o que está à sua volta. A or-ganização é um reflexo direto do seu líder, não tem como negar isso. Um professor que eu adoro do Instituto Eu-ropeu de Administração de Empresas (INSEAD), Subramanian Rangan, fala que CEO não é chief executive officer, porque execute é a equipe que tem que fazer. O CEO é um chief emotions offi-cer, seu papel é garantir a emoção po-sitiva no ambiente de trabalho. Você só vai conseguir fazer isso se estiver bem, e só estará bem se tiver um ní-vel de autoconsciência alto. Faço ioga, tenho os meus momentos de medita-ção, preciso fazer as minhas viagens de descobrimento e coaching. Sempre que pego algum desafio maior, procuro pedir a ajuda de alguém para me auxi-liar, para entender o tamanho do desa-fio, quais gaps tenho para aquele de-safio e o que tenho que desenvolver.

Gv-executivo: Você consegue en-xergar os seus limites?

Ana Paula: Sim, consigo perceber quando estou passando do ponto. No fim do primeiro semestre, depois de muitas viagens, eu estava em um voo para Miami e, quando a aeromoça me acordou para tomar o café da manhã, eu perguntei: “Onde eu estou?”. Foi então que falei: “Exagerei... Foi um pouco demais”. Mas tento não me li-mitar. Tenho uma missão muito defini-da. Se alguém vier me pedir uma ajuda

ou um ponto de vista, eu digo: “Conta comigo, vamos lá”.

GV-executivo: Qual legado você quer deixar com sua gestão?

Ana Paula: Em primeiro lugar, gos-taria que a IBM América Latina fosse realmente reconhecida como ator re-levante no processo de transformação digital da América Latina, seja corpo-rativo, seja governamental. Depois, quero deixar uma organização trans-formada no sentido de estar apta a li-dar com os desafios desse mundo em constante transformação. É o que cha-mo de learning organization, que é uma organização que constantemen-te, de forma orgânica e natural, con-segue se adaptar às novas vicissitudes que surgem. Não precisa estar o tempo todo fazendo um task force de trans-formação, mas consegue ela mesma reconhecer os desafios e se adaptar. É um belo desafio que tenho me impos-to, mas acho que esse é o futuro das empresas. Elas têm que sair de um mo-delo de comando e controle para se-rem um modelo em que você empo-dera quem está ali na ponta, tomando a decisão na frente do cliente.

GV-executivo: O que você recomen-da para os jovens que querem se-guir carreira na área de tecnologia?

Ana Paula: Estudar matemática, física, as stand disciplines. No entan-to, hoje as disciplinas sociais são um complemento importante. Não adian-ta o cara ser um excelente matemático se não entende o problema do clien-te. Quem combina essas duas coisas é uma mosquinha branca, tem um valor absurdo no mercado.

ALINE LILIAN DOS SANTOS > Jornalista da GV-executivo > [email protected] WILNER > Editora adjunta da GV-executivo > [email protected]

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