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3 COMPLEXO HOSPITALAR EDMUNDO VASCONCELOS XXXV JORNADA DE TRABALHOS CIENTíFICOS Carla Caroline Lopes Borges Natacha Harumi Sakai

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COMPLEXO HOSPITALAR EDMUNDO VASCONCELOS

XXXV JORNADA DE TRABALHOS CIENTíFICOS

Carla Caroline Lopes Borges

Natacha Harumi Sakai

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ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS DE DOENÇAS

REUMÁTICAS E VASCULITES AUTOIMUNES NA INFÂNCIA

São Paulo

2014

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Carla Caroline Lopes Borges

Natacha Harumi Sakai

ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS DE DOENÇAS

REUMÁTICAS E VASCULITES AUTOIMUNES NA INFÂNCIA

Trabalho Científico do Programa de Residência Médica em Pediatria do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos

Orientadora: Drª. Mª Teresa Terreri

6

São Paulo

2014

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Critérios para Classificação da Artrite Idiopática Juvenil ..............

4

QUADRO 2 – Critérios de classificação para Lúpus Eritematoso Sistêmico........

4

QUADRO 3 – Critérios de diagnóstico para Dermatomiosite Juvenil...................

5

QUADRO 4 – Critérios de classificação para púrpura de Henoch-Schönlein .....

5

QUADRO 5 – Valores de referência para hemoglobina e hematócrito................

6

QUADRO 6 - Valores normais de referência dos leucócitos................................

7

7

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Dados demográficos e clínicos dos pacientes com doenças reumáticas e vasculites auto imunes ........................................................

9

TABELA 2 – Tipos de alterações hematológicas nos pacientes com doenças reumáticas e vasculites auto-imunes...........................................

9

TABELA 3 – Associação entre alterações hematológicas e atividade da doença........................................................................................................

10

TABELA 4 – Associação entre as alterações hematológicas e o uso de medicamentos ...........................................................................................

10

8

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................... 3 2. PACIENTES E MÉTODOS................................................................... 4 2.1 Pacientes ................................................................................ 4

2.2 Métodos .................................................................................. 2.2.1 Anemia ......................................................................... 2.2.2 Alteração de células brancas ....................................... 2.2.3 Plaquetas ..................................................................... 2.2.4 Critério de atividade de doença ...................................

5 5 6 7 7

3. RESULTADOS...................................................................................... 9 4. DISCUSSÃO......................................................................................... 11 5. CONCLUSÕES..................................................................................... 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 15 ANEXO 1 .............................................................................................. 18 ANEXO 2 .............................................................................................. 20

1. INTRODUÇÃO

As doenças reumáticas e as vasculites autoimunes afetam principalmente as

articulações, entretanto, frequentemente se associam a alterações em outros sistemas,

como renal, sistema nervoso central, hematológico, entre outros.

A análise criteriosa da alteração hematológica e sua associação com a doença

reumática autoimune pode auxiliar significativamente nos diagnósticos diferenciais das

diversas doenças.

As doenças reumáticas levam a processos inflamatórios de diferentes órgãos-

alvo, logo, tendem a apresentar uma ampla variedade de manifestações clínicas. (12,18,

24) Nem sempre é possível estabelecer um diagnóstico precoce da doença reumática,

uma vez que, na maioria das vezes, não existem testes diagnósticos específicos e, a

doença pode evoluir lentamente levando a retardo no diagnóstico. Contudo, é

importante considerar causas não reumáticas, como doenças neoplásicas,

hematológicas e até eventos adversos de medicações no diagnóstico diferencial.

Diversas doenças reumáticas podem evoluir com alterações nas três séries

sanguíneas, principalmente na fase aguda. Adicionalmente, várias medicações

utilizadas para o tratamento destas doenças podem levar a alterações hematológicas.

Baseado nestes conceitos, este estudo teve como objetivo identificar as principais

9

alterações hematológicas encontradas nas doenças reumáticas e vasculites

autoimunes na infância, procurar estabelecer uma associação com a doença de base

ou com a medicação utilizada, avaliar sua evolução, tratamento recebido e prognóstico.

2. PACIENTES E MÉTODOS

2.1 Pacientes

O estudo realizado foi retrospectivo e incluiu a análise de prontuários dos

pacientes atendidos no ambulatório de Reumatologia Pediátrica do Hospital Edmundo

Vasconcelos do período de 1996 a 2014 que apresentaram alteração hematológica nos

exames realizados durante o acompanhamento. Foram revisados os prontuários de 124

pacientes que apresentaram diagnóstico para doença reumática e vasculite autoimune

de acordo com critérios descritos na literatura (9,10,12,22,25) (Quadros 1 a 4): Artrite

Idiopática Juvenil (AIJ) (70), Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) (15),

Dermatomiosite Juvenil (DMJ) (11) e Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) (28). Foram

excluídos pacientes com dados insuficientes no prontuário. Foram avaliados dados

demográficos, tempo até o diagnóstico, tempo de evolução (definido como tempo até

última avaliação clínica), doença autoimune diagnosticada, alteração hematológica

encontrada, vigência de uso de medicamentos e seu tratamento e evolução. (Anexo 1)

QUADRO 1. Critérios para Classificação da Artrite Idiopática Juvenil

Definição Artrite com duração mínima de 6 semanas em uma ou mais articulações, idade de início inferior a 16 anos e exclusão de outras causas de artrite

Classificação em tipos ou Categorias* 1. Artrite Sistêmica 2. Oligoartrite 3. Poliartrite fator reumatóide negativo 4. Poliartrite fator reumatóide positivo 5. Artrite Psoriásica 6. Artrite relacionada à entesite 7. Artrite indiferenciada

Fonte: Liga Internacional de Associações para o Reumatismo (ILAR). Petty et al, 2004 * Definidas pelas manifestações clínicas durante os primeiros seis meses da doença.

10

QUADRO 2. Critérios de classificação para Lúpus Eritematoso Sistêmico.*

1. Eritema malar

2. Eritema discóide

3. Fotossensibilidade

4. Úlceras orais/nasais

5. Artrite

6. Serosite

7. Comprometimento renal

8. Alterações neurológicas

9. Alterações hematológicas**

10. Alterações imunológicas

11. Anticorpos antinucleares

Fonte: Hochberg, 1997 * O diagnóstico é feito na presença de ≥ 4 critérios **As manifestações hematológicas devem estar presentes em 2 ou mais ocasiões.

QUADRO 3. Critérios de diagnóstico para Dermatomiosite Juvenil*

- Alterações cutâneas típicas heliótropo, pápulas de Gottron, eritema violáceo descamativo simétrico em ombros, joelhos,

maléolos, ou dorso e tronco

- Perda de força muscular simétrica e proximal

- Elevação das enzimas musculares séricas

- Eletroneuromiografia

- Exame anatomopatológico de biópsia muscular

Fonte: Bohan e Peter, 1975 * É considerada “possível” quando existem dois dos cinco critérios, “provável” com três e “definida” com a presença de quatro ou mais critérios.

QUADRO 4. Critérios de classificação para púrpura de Henoch-Schönlein

- Púrpura palpável (critério obrigatório)

- Angina abdominal (dor abdominal difusa que piora após alimentação ou diagnóstico de isquemia intestinal)

- Biópsia: alterações histológicas com presença de granulócitos em parede de arteríolas ou vênulas

- Artrite ou artralgia

- Comprometimento renal (proteinúria , hematúria)

Fonte: Ozen, et al. 2010

2.2 Métodos

A avaliação laboratorial das alterações hematológicas incluiu hemograma

completo, teste de Coombs direto, número de reticulócitos, desidrogenase láctica

(DHL), bilirrubina total e frações, ferro e ferritina séricas, velocidade de

hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa (PCR).

11

2.2.1 Anemia

Foi considerada anemia quando os níveis de hemoglobina e/ou massa

eritrocitária se encontravam abaixo de 95% do intervalo de referência para idade e

sexo. (17,21) (Quadro 5)

QUADRO 5. Valores de referência para hemoglobina e hematócrito, de acordo com idade e gênero

Idade/gênero Hemoglobina (g/dL) Hematócrito (%) 6 a 59 meses 11,0 33 5 a 11 anos 11,5 34 12 a 14 anos 12,0 36 ≥15 anos (♀) Não gestante Gestante

12,0 11,0

36 33

≥15 anos (♂) 13,0 39

Fonte: WHO, 2001(30)

Anemia hemolítica autoimune

A anemia hemolítica autoimune foi considerada na presença de teste de Coombs

positivo, aumento de bilirrubina indireta, DHL ou reticulócitos. (6)

Anemia de doença crônica

A anemia de doença crônica é geralmente leve ou moderada, de padrão

normocítico e normocrômico e seu principal diagnóstico diferencial se faz com a anemia

ferropriva. A ferritina está geralmente aumentada.

Anemia ferropriva

O padrão do hemograma é microcítico e hipocrômico, e o ferro e ferritina

encontram-se diminuídos.

Anemia por hipoplasia/aplasia medular

O diagnóstico é confirmado através de mielograma que mostra falência medular

com hematopoiese anormal e, eventualmente, comprometimento de outra linhagens

celulares.

12

2.2.2 Alteração de células brancas

Leucocitose

É definida quando o número absoluto de leucócitos periféricos ultrapassa o limite

superior de normalidade segundo a faixa etária (Quadro 6). (3)

QUADRO 6. Valores normais de referência dos leucócitos

Leucócitos totais Neutrófilos Linfócitos Idade Média Variação Média Variação % Média Variação %

1 ano 11,4 6,0-17,5 3,5 1,5-8,5 31 7,0 4,0-10,5 61 2 anos 10,6 6,0-17,0 3,5 1,5-8,5 33 6,3 3,0-9,5 59 4 anos 9,1 5,5-15,5 3,8 1,5-8,5 42 4,5 2,0-8,0 50 6 anos 8,5 5,0-14,5 4,3 1,5-8,0 51 3,5 1,5-7,0 42 8 anos 8,3 4,5-13,5 4,4 1,5-8,0 53 3,3 1,5-6,8 39 10 anos 8,1 4,5-13,5 4,4 1,8-8,0 54 3,1 1,5-6,5 38 16 anos 7,8 4,5-13,0 4,4 1,8-8,0 57 2,8 1,2-5,2 35 21 anos 7,4 4,5-11,0 4,4 1,8-7,7 59 2,5 1,0-4,8 34

Adaptado de Dallman, 1977. *Número dos leucócitos representado em mil/mm

3; as variações com intervalo de confiança de 95%; a porcentagem refere-se aos

valores diferenciais.

Leucopenia

É definida quando o número de leucócitos circulantes está abaixo do limite

inferior de referência. (Quadro 6). (3)

Neutrofilia

Refere-se ao aumento do número de neutrófilos acima do limite superior no

sangue periférico (Quadro 6). (3)

Linfopenia

Foi considerado quando os valores de linfócitos foram menores que o limite

inferior de acordo com a faixa etária (Quadro 6).

2.2.3 Plaquetas

Plaquetose

A plaquetose é definida como aumento do número de plaquetas do sangue

periférico acima do limite superior, sendo que o valor de referência normal está entre

13

150.000/mm3 a 450.000/mm3 para recém-nascidos, lactentes, crianças e adolescentes.

(4)

Plaquetopenia

É considerada quando seu valor é menor que o limite inferior da referência

(<150.000/mm3). (4,15)

2.2.4 Critério de atividade de doença

Os critérios de atividade de doença foram avaliados conforme descrito na

literatura. Para AIJ foram considerados os seguintes parâmetros: presença de artrite em

atividade, febre, exantema típico, serosite, esplenomegalia, linfadenopatia atribuída à

AIJ, uveíte em atividade comprovada e VHS e/ou PCR aumentados.(29) Para LESJ, foi

considerado o índice de atividade SLEDAI - Systemic Lupus Erythematosus activity

index (Anexo 2).(8) Para atividade de DMJ foi considerada a presença de vasculite

cutânea e/ou fraqueza muscular e/ou aumento de enzimas musculares.

As características demográficas e clínicas serão descritas em frequência

absoluta e relativa, média, desvio padrão, de acordo com a natureza das variáveis. As

variáveis categóricas entre os grupos (com ou sem alteração hematológica e com ou

sem atividade de doença) serão comparadas utilizando-se o teste qui quadrado ou teste

exato de Fisher, através do programa GraphPad software. Será considerada uma

significância de 5%.

14

3. RESULTADOS

Foram revisados os prontuários de 127 pacientes que apresentaram diagnóstico

de doença reumática ou vasculite autoimune associado a alteração hematológica:

artrite idiopática juvenil (72), lúpus eritematoso sistêmico (15), púrpura de Henoch-

Schönlein (29), dermatomiosite juvenil (11). Destes foram excluídos dois pacientes com

AIJ e um paciente com PHS por terem prontuários com dados insuficientes.

A tabela 1 mostra os dados demográficos e clínicos dos pacientes com doenças

reumáticas e vasculites auto-imunes.

Tabela 1. Dados demográficos e clínicos dos pacientes com doenças reumáticas e vasculites auto imunes.

Pacientes

n=124

Sexo feminino

Idade de início do

sintomas

Tempo até o diagnóstico

Tempo de evolução

93/124 75% 6,8

(anos)

1,3

(dp)

6,0

(meses)

6,3

(dp)

41,5

(meses)

14,0

(dp)

AIJ 51/70 73% 5,8 4,0 9,6 11,1 45,0 42,7

LESJ 14/15 93% 7,9 4,4 6,3 7,3 63,0 36,6

PHS 15/28 54% 5,5 2,2 0,9 1,0 29,9 36,2

DMJ 9/11 82% 7,9 4,4 7,1 5,9 28,2 18,7

AIJ: Artrite Idiopática Juvenil; LESJ: Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil; PHS: Púrpura de Henoch-Schönlein; DMJ: Dermatomiosite Juvenil; dp: desvio padrão

Foram realizados 1637 exames de hemograma nos 124 pacientes. Destes 137

(8,4%) tiveram alterações hematológicas.

Os tipos de alterações hematológicas de acordo com a doença reumática estão

descritos na tabela 2. A alteração hematológica mais frequente foi a anemia seguida da

plaquetose.

Tabela 2. Tipos de alterações hematológicas nos pacientes com doenças reumáticas e vasculites auto-imunes

Pacientes n = 124

Anemia n = 56

Leuco n = 13

Leuco n = 13

Neutro n = 10

Linfo n = 15

Plaque n = 26

Plaque n = 13

N de alterações hematológicas

137/1637 (8,4%)

AIJ n = 70

30 10 2 9 5 23 1 80/932 (8,6%)

LESJ n = 15

11 2 10 1 8 1 3 36/383 (9,4%)

PHS n = 28

9 1 0 0 1 2 0 13/164 (7.9%)

DMJ n = 11

6 0 1 0 1 0 0 8/133 (6,0%)

AIJ: Artrite Idiopática Juvenil; LESJ: Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil; PHS: Púrpura de Henoch-Schönlein; DMJ:

Dermatomiosite Juvenil; Leuco: leucocitose; Leuco: leucopenia; Neutro: neutrofilia; Linfo: linfopenia; Plaque: plaquetose;

Plaque: Plaquetopenia

15

A tabela 3 mostra associação entre as alterações hematológicas e atividade da

doença. Os pacientes com PHS não foram incluídos devido ao pequeno número com

alterações hematológicas. Observamos que a presença de anemia teve associação

estatística com atividade de doença nos pacientes com AIJ, LESJ (independente do

Sledai considerado) e DMJ. O mesmo foi observado para a presença de leucocitose e

AIJ ativa e leucopenia e LESJ ativo. A neutrofilia e plaquetose também mostraram

associação estatística com atividade de AIJ. Por outro lado a linfopenia e plaquetopenia

se associaram com a atividade de LESJ.

Tabela 3. Associação entre alterações hematológicas e atividade da doença

Pacientes Anemia Leuco

Leuco

Neutro

Linfo

Plaque

Plaque

AIJ n = 932

74 (<0,0001) 26 (<0,0001) - 20 (<0,0001) - 60 (<0,0001) -

LESJ n = 383

Sledai 1

Sledai 4

61 (<0,0001) 33 (0,0002)

- -

59 (0,0001) 45 (0,0001)

- -

93 (0,0001) 79 (0,0001)

- -

6 (0,0087) 6 (0,0087)

DMJ n = 133

5 (<0,0001) - - - - -

AIJ: Artrite Idiopática Juvenil; LESJ: Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil; PHS: Púrpura de Henoch-Schönlein; DMJ:

Dermatomiosite Juvenil; Leuco: leucocitose; Leuco: leucopenia; Neutro: neutrofilia; Linfo: linfopenia; Plaque: plaquetose;

Plaque: Plaquetopenia

A tabela 4 mostra a associação entre as alterações hematológicas e o uso de

medicamentos. Os pacientes com PHS não foram incluídos, uma vez que a indicação

de corticosteróides foi por curto período e apenas um pequeno número de pacientes fez

uso de imunossupressores.

Observamos que o uso de corticosteroides teve associação estatística com

anemia e leucocitose. Do mesmo modo, a azatioprina se associou à anemia e

leucopenia/linfopenia e o metotrexato à anemia.

Tabela 4. Associação entre as alterações hematológicas e o uso de

medicamentos Anemia Leuco Leuco Neutro Linfo Plaque Plaque

CE 24 (<0,0001) 7 (0,0240) - 5 (0,1780) - 7 (0,7909) - Azatioprina 14 (<0,0005) - 5 (0,0426) - 8 (0,0001) - 2 (0,2184) Metotrexato 40 (<0,0001) - 8 (0,8010) - 11 (0,1711) - 2 (0,7298)

CE: corticoesteróide; Leuco: leucocitose; Leuco: leucopenia; Neutro: neutrofilia; Linfo: linfopenia; Plaque: plaquetose;

Plaque: Plaquetopenia

16

4. DISCUSSÃO

As doenças reumáticas auto-imunes estão associadas a alterações

hematológicas que podem ser decorrentes de atividade de doença ou serem

consequência do uso de medicações para o seu tratamento.

Observamos que cerca de um décimo dos hemogramas realizados durante a

evolução das diversas doenças apresentaram alterações, sendo estas mais frequentes

no LESJ. Estas alterações tiveram associação com atividade de doença e/ou uso de

medicações(7). A AIJ também mostrou alterações hematológicas frequentes, entretanto

a DMJ e PHS apresentaram raramente estas alterações como descrito na literatura.

(23,24)

A doença mais estudada foi a AIJ que é descrita na literatura como a doença

reumática auto-imune mais frequente.(2) Observamos também um predomínio do sexo

feminino como descrito nas doenças auto-imunes.(1,18) O diagnóstico das diferentes

doenças levou mais de seis meses para ser realizado o que nos alerta para a

dificuldade ainda presente de reconhecer estas doenças e o atraso no encaminhamento

para o especialista. A única exceção foi o curto tempo até o diagnóstico da PHS,

entidade esta reconhecida precocemente pelos pediatras gerais.

A alteração hematológica mais frequente foi a anemia, seguida de plaquetose.

Anemia da doença crônica é de etiologia multifatorial e pode estar relacionada à maior

absorção de ferro pelas células do sistema reticuloendotelial, à redução da liberação de

ferro aos eritroblastos, à diminuição da absorção de ferro pelas células da mucosa

intestinal, à redução da vida média das hemácias e resposta inadequada à

eritropoetina. (26)

No LESJ há uma hiperreatividade policlonal dos linfócitos B, com

produção aumentada de autoanticorpos (como anticorpos anti-hemácias, anti-

leucócitos, anti-plaquetas), podendo estes serem responsáveis diretamente pela

anemia e pelas outras manifestações hematológicas. (1,16)

Anemia hemolítica só ocorreu em pacientes com LESJ, onde é considerada um

critério de classificação. Anemia hemolítica ocorre em 10% dos pacientes com LESJ

segundo literatura. (27) Nas outras doenças reumáticas raramente ocorre hemólise. Uma

causa adicional é a anemia decorrente a perdas sanguíneas em consequências de

17

vasculite como deve ter ocorrido nos pacientes com PHS e anemia. Por último a anemia

pode ser consequência da presença de aplasia de medula, porém esta não foi descrita

em nenhum dos pacientes estudados. As doenças que mais apresentaram anemia

foram a AIJ e LESJ, em decorrência de inflamação e atividade de doença.

Em relação à série branca, aumento ou diminuição de leucócitos foram vistos na

AIJ e LESJ respectivamente. Na AIJ é descrita neutrofilia, principalmente no subtipo

sistêmico ou poliarticular quando este está associado a inflamação importante. Outras

causas de neutrofilia nestes pacientes são o uso de corticoesteróides ou a presença de

infecção associada. No LESJ a leucopenia e a linfopenia associada refletem a presença

de autoanticorpos contra estas células, fazem parte dos critérios de classificação da

doença e podem estar presentes nas fases ativas da doença.(19) O uso de

imunossupressores (azatioprina, ciclofosfamida e micofenolato) e a síndrome de

ativação macrofágica também podem levar a leucopenia.

Outras doenças autoimunes que costumam cursar com leucocitose são febre

reumática (discreta), doenças inflamatórias intestinais e algumas vasculites. (14) O uso

de corticosteroides também pode causar leucocitose e neutrofilia.

Presença de plaquetose foi encontrada praticamente apenas nos pacientes com

AIJ, refletindo o caráter inflamatório da doença. A plaquetopenia foi rara e esteve

presente nos pacientes com LESJ refletindo a presença de anticorpos contra estas

células hematológicas. As principais doenças inflamatórias que causam plaquetose são:

AIJ de subtipo sistêmico, doença inflamatória intestinal, doença de Kawasaki e outras

vasculites. (4) O uso de corticosteróides também pode elevar o número de plaquetas.

A plaquetopenia é uma manifestação comum e importante de LESJ.

Plaquetopenia grave pode ocorrer em associação com atividade de doença. (28)

Os nossos resultados mostraram que todas as alterações hematológicas tiveram

associação com atividade de doença. Como ja é conhecido a anemia, leucocitose e

plaquetose são parâmetros importantes na detecção da inflamação desta doença que

costumam se normalizar quando há resposta ao tratamento. (5,28) Por outro as

citopenias hematológicas são critérios de atividade de LESJ. (29)

Embora a DMJ não seja descrita como tendo alterações frequentes de

hemograma e nem provas de fase aguda, observamos uma associação entre a anemia

18

e a atividade de doença. Isto pode ter decorrido da má ingesta destes pacientes pela

fraqueza muscular e anorexia comuns na fase ativa da doença ou pela má absorção

intestinal decorrente da vasculite encontrada nestes pacientes. (13)

Foram avaliadas três medicações que são frequentemente utilizadas no

tratamento de doenças reumáticas: o corticosteroide, a azatioprina e o metotrexato.

Todas apresentaram associação com anemia, porém não se pode confirmar se a

alteração hematológica ocorreu devido ao uso do fármaco ou à evolução da doença.

Existe evidência literária da associação de azatioprina com linfopenia, como também foi

observado neste trabalho.(20,31)

O nosso estudo teve algumas limitações, como o caráter retrospectivo e número

limitado de pacientes, entretanto, ele nos alerta para a importância do conhecimento da

existência de alterações hematológicas nas doenças reumáticas auto-imunes e para a

importância de saber diferenciar se estas alterações são decorrentes de atividade de

doença ou evento adverso de medicação.

19

5. CONCLUSÕES

As doenças reumáticas auto-imunes estão associadas a alterações hematológicas

que podem ser decorrentes de atividade de doença ou serem consequência do uso de

medicações para o seu tratamento. As alterações mais frequentemente encontradas

foram anemia, seguida de plaquetose. O acompanhamento ambulatorial dos pacientes

com estas doenças deve incluir avaliação hematológica. Assim, se pode complementar

informações a respeito da patologia atual, pode auxiliar na decisão de modificar o

tratamento vigente por meio da escolha de fármaco de acordo com seus efeitos

adversos, além de poder atuar na instauração de medidas preventivas frente às

alterações encontradas.

20

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23

ANEXO 1 – Dados pesquisados nos prontuários

Alterações hematológicas de doenças reumáticas e vasculites auto-imunes

Nome:____________________________________________________________________

Sexo: ⃝ Feminino ⃝ Masculino

Idade atual:_______________ Idade de início dos sintomas:_______________

Tempo de evolução:__________________ Tempo até o diagnóstico:_______________

Doença:___________________________________________________________________

Teve alteração hematológica? ⃝ Sim ⃝Não

⃝ Anemia ⃝ Leucocitose ⃝ Neutrofilia ⃝ Leucopenia ⃝ Linfopenia ⃝ Plaquetopenia ⃝ Plaquetose

Em uso de corticosteroide? ⃝ Sim ⃝ Não

I. Anemia

a) Anemia hemolítica

Valor Hb:________________ Duração: ____________

Reticulócitos ↑ ⃝ Sim ⃝ Não Valor:____________

DHL ↑ ⃝ Sim ⃝ Não Valor:____________

BI ↑ ⃝ Sim ⃝ Não Valor:____________

Coombs direto ↑ ⃝ Sim ⃝ Não Valor:____________

b) Anemia de doença crônica

Valor Hb:________________ Duração: ____________

VCM: ⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________

HbCM: ⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________

Ferro: ⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________

Ferritina: ⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________

VHS Valor:____________

PCR Valor:____________

c) Anemia por hipoplasia / aplasia

Valor Hb:________________ Duração: ____________

Leucócitos: ⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________

Neutrófilos: ⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________

Plaquetas: ⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________

Medicação:________________________________________

II. Leucócitos

⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________ Duração:_________

Corticosteróide? ⃝ Sim ⃝ Não Duração: _________

Qual indicação? _________________________________________

⃝ AIJ sistêmico ⃝ LES ⃝ PHS ⃝ DMJ

24

Neutrófilos

⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________ Duração:_________

⃝ AIJ sistêmico ⃝ LES

Corticosteróide? ⃝ Sim ⃝ Não Duração: _________

Qual indicação? _________________________________________

Linfócitos

⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________ Duração:_________

⃝ LES ⃝ AIJ sistêmico

Drogas: ⃝ Azatioprina ⃝ Ciclosfosfamida ⃝ Corticoesteroide Duração:______________

⃝ Outra. Qual?_______________

Suspensão? ⃝ Sim ⃝ Não

III. Plaquetas

⃝ Normal ⃝ ↑⃝ ↓ Valor:____________ Duração:_________

⃝ Kawasaki ⃝ LES ⃝ AIJ sistêmico

25

ANEXO 2 – Tabela de índice de atividade do LESJ (Sledai)

Índice de atividade do LESJ (SLEDAI)

8 Convulsão

8 Psicose

8 Síndrome Cerebral Orgânica

8 Distúrbio visual

8 Envolvimento de nervo craniano

8 Cefaleia lúpica

8 Acidente Vascular Cerebral

8 Vasculite

4 Artrite

4 Miosite

4 Cilindros hemáticos, granulosos

4 Hematúria

4 Proteinúria

4 Piúria

2 Rash malar

2 Alopécia

2 Complemento baixo

2 Anti-DNA elevado

1 Febre

1 Trombocitopenia

Sledai - Systemic Lupus Erythematosus activity index