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BRS Pastoreio: cultivar de trigo de múltiplos propósitos para o sul do Brasil Renato Serena Fontanell', Gilberto Rocca da Cunha', Eduardo Caiarão', Ricardo Lima de Castro', Henrique Pereira dos Santos', Roberto Serena Fontansli", Aldemir Pasinato', Cleiton Korcelskl" e Lucas Biasus dos Santos" Pastejo em trigo de duplo propósito em Uruguaiana/RS. 'Professor Titular de Pastagens/UPF. Autor para correspondência: [email protected] 2Professor da UERGS/ Campus Erechim 3Analista da Embrapa Trigo, Passo Fundo, RS. 'Doutorando FAMV/UPF, Passo Fundo, RS. 5Bolsista PIBIC-CNPq, Acadêmico de Agronomia, FAMV/UPF, Passo Fundo, RS. 1. Introdução As estiagens no verão e as geadas no inverno constituem as principais adversidades climá- ticas para a produção de grãos e para a pecuária bovina no sul do Brasil.Asgeadas eofrio,noperí- ododeoutono-inverno, se,porum lado, impedem o cultivo de espé- cies tropicais, também, por outro, permitem a exploração econômi- ca de cereais de estação fria e de forrageiras, gramíneas e/ou legu- minosas de inverno, que são mais resistentes aofrio. AEmbrapa Trigofoipioneira no Brasil tanto na criação quanto nolançamento decultivares detri- go com aptidão para alimentação animal, seja via pastejo direto ou forragem colhida e,adicionalmen- te, com potencial para ainda pro- duzir grãos, oschamados trigos de duplo propósito. Uma tecnologia inovadora no País, que oportuni- zouoaumento darenda doprodu- tor rural, especialmente por viabi- lizaramaiorofertadeforragemno outono/inverno, quando as pasta- gens tradicionais de aveia-preta e azevém, devido às baixas ternpe- plantiodireto.com.br - Edição 168 m

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BRS Pastoreio: cultivar de trigode múltiplos propósitos parao sul do BrasilRenato Serena Fontanell', Gilberto Rocca da Cunha', Eduardo Caiarão',Ricardo Lima de Castro', Henrique Pereira dos Santos', Roberto Serena Fontansli",Aldemir Pasinato', Cleiton Korcelskl" e Lucas Biasus dos Santos"

Pastejo em trigo de duplo propósitoem Uruguaiana/RS.

'Professor Titular de Pastagens/UPF.Autor para correspondência:[email protected]

2Professor da UERGS/ Campus Erechim

3Analista da Embrapa Trigo,Passo Fundo, RS.

'Doutorando FAMV/UPF,Passo Fundo, RS.

5Bolsista PIBIC-CNPq, Acadêmicode Agronomia, FAMV/UPF,Passo Fundo, RS.

1. Introdução

As estiagens no verão e asgeadas no inverno constituem asprincipais adversidades climá-ticas para a produção de grãos epara a pecuária bovina no sul doBrasil. As geadas e o frio, no perí-odo de outono-inverno, se, por umlado, impedem o cultivo de espé-cies tropicais, também, por outro,permitem a exploração econômi-ca de cereais de estação fria e deforrageiras, gramíneas e/ou legu-minosas de inverno, que são maisresistentes ao frio.

AEmbrapa Trigo foi pioneirano Brasil tanto na criação quantono lançamento de cultivares de tri-go com aptidão para alimentaçãoanimal, seja via pastejo direto ouforragem colhida e, adicionalmen-te, com potencial para ainda pro-duzir grãos, os chamados trigos deduplo propósito. Uma tecnologiainovadora no País, que oportuni-zou o aumento da renda do produ-tor rural, especialmente por viabi-lizar a maior oferta de forragem nooutono/inverno, quando as pasta-gens tradicionais de aveia-preta eazevém, devido às baixas ternpe-

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raturas e à menor luminosidade,apresentam taxa de crescimentoreduzida.

O trigo BRS Tarumã foi a pri-meira cultivar dos chamados tri-gos de duplo propósito a ocuparespaço em lavouras comerciais noBrasil e se destaca pela resistênciaao pastoreio de bovinos, equinos eovinos e, se submetido a manejoespecífico, poder substituir comvantagem a consorciação tradicio-nal de aveia-azevém, além de pos-sibilitar o ganho adicional pelosgrãos produzidos.

A cultivar BRS Pastoreio, omais recente lançamento dessa li-nha especial de melhoramento ge-nético vegetal da Embrapa, possui

Pastejo em trigo de duplo propósito

aristas de comprimento despre-zível, que lhe faculta, além do du-plo propósito (forragem + grãos),alternativamente, o potencial deuso para a produção de sílagem,que lhe configura o caráter de umtrigo de múltiplos propósitos. Esseé um trigo que, com proposito úni-co, pode produzir cerca de 30 t/hade silagem, ou, alternativamente,quando usado como trigo de duplopropósito, pode, após dois ciclosde pastejo ou cortes mecânicos,ainda viabilizar colheitas de até3.000 kg/ha de grãos.

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A adoção de trigos que pos-suem aptidões adicionais à funçãoúnica de produção de grãos, emsistemas de integração lavoura-pecuária (ILP), pode ser uma alter-nativa econômica para o melhoruso da vasta extensão de terrasagrícolas que permanecem ocio-sas durante o período de outono-inverno no sul do Brasil. O objetivodeste artigo é explicitar o poten-cial de uso desse material genéticoe realçar os principais pontos datecnologia de manejo de cereaisde inverno com mais de um pro-pósito, em sistemas de integraçãolavoura-pecuária, no sul do Brasil,dando destaque especial para anova cultivar de trigo BRS Pasto-reio.

2. O que são trigos deduplo propósito?

Trigos de duplo propósito sãogenótipos especiais que, em geral,possuem a fase vegetativa maislonga dos que os trigos conven-cionais de primavera e, em razãodisso, durante certo período dociclo de desenvolvimento podemser desfolhados (seja por pastejodireto ou por cortes mecânicos),sem que haja o comprometimentodo ponto de crescimento do meris-tema apical e, assim, permitindo,além da oferta de forragem verde,especialmente para ruminantes,na época de maior carência ali-mentar para esses animais no suldo Brasil, também, após o diferi-mento dos animais ou a suspençãodos cortes, a produção de grãoscom padrão de comercializaçãopara fins industriais (DeI Duca &Fontaneli, 2005; Fontaneli et al.,2012; De Mori et aI., 2016).

3. Estabelecimento de trigopara pastejo/corte e grãos

3.1.Época de semeadura

A época de semeadura in-dicada depende da cultivar e se aperspectiva é um pastejo/corte oudois pastejos/cortes, seguido deprodução de grãos. De maneira

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geral, a semeadura deve ser reali-zada de 20 a 40 dias antes do pe-ríodo indicado para as cultivaresprecoces com a finalidade única deprodução de grão. Essa indicaçãotambém é válida, no caso da cul-tivar BRS Pastoreio, quando usadacom o propósito único de produ-ção de silagem.

Excepcionalmente, quandoesse tipo de trigo for cultivado como propósito único de produção deforragem (pastejo ou corte), a se-meadura pode ser antecipada paraa segunda quinzena de março, de-pendendo da região, desde que ascondições de umidade do solo e atemperatura do ar possibilitem odesenvolvimento adequado dasplantas.

3.2. Adubação

Adotando sempre como baseos dados de análise de solo, devemser seguidas as indicações para ocultivo de trigo para grãos confor-me o Manual de Calagern e Aduba-ção para os estados do Rio Grandedo Sul e de Santa Catarina da So-ciedade Brasileira de Ciência doSolo (Manual..., 2016).

3.2.1. Adubação nitrogenadaem coberturaNo perfilhamento, conforme

indicações do Manual... (2016), eapós cada corte ou ciclo de paste-jo, aplicar 30 kg/ha de nitrogênio.Assim, uma vez configurados umcorte/ciclo de pastejo ou dois cor-tes/ciclos de pastejo, seriam 30 kg/ha ou a 60 kg/ha de nitrogênio amais do que o trigo cultivado ape-nas com o propósito de colheita degrãos.

3.3.Cultivares

BRS Pastoreio: suporta, con-forme validações, até dois ciclosde pastejo/corte e posterior co-lheita de grãos. Pode ser culti-vado também com a finalidadeúnica de produção de silagem. Osgrãos produzidos por essa culti-var destacam-se pela aptidão paraalimentação animal. Na região dePasso Fundo, RS, BRS Pastoreio

possui ciclo de aproximadamente156 dias da emergência a matura-ção (sem cortes).

BRS Tarumã: cultivar, até en-tão, mais usada, no Brasil, comotrigo de duplo propósito. É in-contestável a sua capacidade desuportar até dois ciclos de paste-jo/corte e a posterior colheita degrãos com padrão de aptidão parauso industrial. Essa cultivar possuio ciclo mais longo, cerca de umasemana, do que BRS Pastoreio, naregião de Passo Fundo, RS.

3.4. Densidade

Quando cultivados como du-plo propósito (forragem + grãos)ou somente para pastoreio, usar de350 a 400 sementes aptas por me-tro quadrado, em linhas espaçadasde 17 a 20 cm. E, se semeados ape-nas para produção de grãos, seguira indicação de semeadura dos tri-gos normais, lembrando que BRSPastoreio e BRS Tarumã são cul-tivares de ciclo tardio, assim maisatenção deve ser dada ao sistemade produção como um todo.

4. Utilização e manejo

As cultivares de trigo quepossuem aptidão para duplo pro-pósito (forragem + grãos) podemser utilizadas para pastejo, cor-te verde, silagem pré-secada ouemurchecida, feno, além de sila-gem de planta inteira, silagem degrãos úmidos e grãos secos.

4.1.Critérios para pastejo

O pastoreio dos animais ouo corte devem iniciar quando asplantas estiverem com altura mé-dia de 20 a 30 em, ocorrendo de 40a 70 dias após a emergência, que,nas densidades de semeadura in-dicadas, corresponde a uma quan-tidade de forragem verde de 0,6 a1,0 kg por metro quadrado ou cer-ca de 900 a 1.500 kg de massa secapor hectare.

Sempre que possível, adotaro método de pastejo rotaciona-do (piquetes fixos ou com cerca

energizadaj'elétrica'), com 0,5 diaa 3 dias de ocupação e cerca de30 dias de repouso. A retirada dosanimais deve ser feita quando oresíduo das plantas estiver comcerca de 10 em de altura. Nessacondição, se a finalidade for ape-nas a produção de forragem, sãopossíveis 4 a 5 pastejos/cortes, quepodem ser aumentados se deixa-da uma altura residual de 15 emou cerca da metade da altura dasplantas no início do pastejo. Omaior número de ciclos de pastejoreportados por produtores foi de12, em uma estação de crescimen-to, possível com desfolhas leves efrequentes.

No método de pastejo com lo-tação contínua, as plantas devempermanecer com altura média de15 a 20 em (BRSTarumã) e 20 a 30em (BRS Pastoreio). Para isso, hánecessidade de utilizar lotação va-riável, devendo, se houver tendên-cia de diminuir a altura média dasplantas, retirar parte dos animaise, em caso de aumento de altura,colocar mais animais na área.

4.2.Corte verde

A forragem pode ser corta-da e fornecida no cocho para osanimais. Esse método tem comovantagem a.redução de perdas porpisoteio, porém aumenta o custopela maior demanda por mão deobra e máquinas para o corte diá-rio, permitido de 2 a 4 cortes, ape-nas para forragem.

4.3.Silagem pré-secada

Os teores elevados de proteí-na bruta configuram as gramíneasde inverno como uma opção inte-ressante para animais de maiorexigência nutricional, a exemplode vacas leiteiras. O trigo pode sercortado entre elongação do colmoaté o início do florescimento, porser um período que compatibilizaboa produção de forragem e bomvalor nutritivo. O corte deve ser a10 em da superfície e as plantasdeixadas para secarem no campoaté restarem de 30 a 45% de maté-

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ria seca. Esse processo de secagemleva de 6 a 48 horas, dependendodo volume de material e das condi-ções climáticas. Um revolvimentono período de emurchecimentoacelera a perda de umidade e uni-formiza o material. Após atingir oteor de umidade desejado, a for-ragem é recolhida, picada e trans-portada até o silo onde será proce-dida a compactação e vedação comlona para ocorrer a fermentação.Também, alternativamente, podeser enfardada e revestida complástico (bolas envelopadas).

4.4.Silagem de planta inteira

Para servir como fonte defibra e energia de alta qualidadepara ruminantes, as plantas de-vem ser cortadas no estádio degrãos em massa firma-com cercade 30 a 40% de matéria seca, ouseja, 60 a 70% de umidade. O teorde proteína bruta média é variávelentre de 8 e11 %, dependendo daquantidade de folhas e de afilhosimaturos, sendo que o valor ener-gético maior ou menor vai depen-der da quantidade de grãos.

4.5. Silagem de grão úmido

Essa é uma prática que aindaestá em desenvolvimento, haven-do algumas restrições de trilha ouseparação dos grãos. Tende a seruma silagem de espigas de trigo.

4.6.Fenação

A fenação se apresenta comouma prática pouco apropriada, emfunção da dificuldade de secagema campo devido as elevadas preci-pitações pluviais que ocorrem nosul do Brasil e a necessidade deenfardar com teor de umidade in-ferior a 20%. Essa prática pode sersubstituída com vantagem pela si-lagem pré-secada.

4.7.Grãos

Os grãos· de cereais de inver-no podem substituir, parcial outotalmente, com vantagem eco-

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nômica, o milho, dependendo daqualidade do material e da espéciee classe animal a que se destina(Juchem et alo,2015).

5. Interrupção do pastejolcorte no manejo de trigode duplo propósito

A retirada dos animais da la-voura ou a interrupção dos cortes,após um ou dois ciclos de pastejoou cortes, é um fator crítico e de-terminante na produção de grãosem trigos cultivados com o duplopropósito, produção de forrageme grão. O limite para a interrupçãodo pastejojcorte é quando o pri-meiro nó do afilho principal é per-ceptível (1 em acima do solo). Emcaso de atraso na retirada dos ani-mais ou na suspensão dos cortes,há drástica redução na produçãode grãos. A partir desse momento,quando começar o aparecimentode colmos ocos, é o indício de queo meristema apical de crescimen-to (com os primórdios das espigas)estará ao alcance de corte pelosanimais. Se os animais consumi-rem o meristema apical do per-filho principal, o rendimento degrãos é reduzido drasticamente.

6. Zoneamento Agrícolade Risco Climático - ZARC

A tecnologia trigo de duplopropósito, produção de forragem egrãos, a partir da safra 2019, no RioGrande do Sul, em Santa Catarinae na região fria do Paraná, passou,com a publicação do ZoneamentoAgrícola de Risco Climático paraesse tipo de cultivo, a ser apoiadapelos programas de crédito e secu-ridade rural do Ministério da Agri-cultura, Pecuária e Abastecimento(MAPA). Reitera-se que, para finsde crédito de custeio agrícola ofi-cial e de seguro rural privado e pú-blico (Proagro), no tocante a regío-nalização e épocas de semeadurapara trigo de duplo propósito (for-

ragem + grãos) no Brasil, são váli-das apenas as indicações de perío-dos de semeadura por município,tipos de solo e cultivares constan-tes nas Portarias do Zoneamen-to Agrícola de Risco Climático doMAPA,disponíveis no portal desteMinistério e publicados no DiárioOficial da União. As indicações sãorevisadas anualmente e estão soba responsabilidade da Coordena-ção-Geral de Zoneamento Agro-pecuário, subordinada ao Depar-tamento de Gestão de Risco Rural,da Secretaria de Política Agrícola.Assim, sempre que envolver ope-rações de crédito e seguro rural, aconsulta diretamente às portariasdo Mapa é indispensável, uma vezque atualizações podem ocorrer aqualquer tempo.

No Portal do MAPA, no itemassuntos, selecionar riscos-segu-ro/risco-agropecuário/portarias e,uma vez nesse endereço, acionarPortarias por Unidade Federativa(UF) e, na sequência, escolher aUnidade da Federação de interes-se - RS, SC ou PR - e, na relação decultivos, trigo de duplo propósito.Vide em Brasil (2019).

7. Considerações Finais

Nas condições edafoclimáti-cas sul-brasileiras, as forrageirasque são usadas como plantas decobertura de solo, em sucessãoaos cultivos anuais de verão, tam-bém podem ser utilizadas parapastejo direto e ou conservadascomo feno, silagem ou nas formaspré-secadas. Isso, efetivamente,é o que configura os chamadossistemas integrados de produçãoagropecuária (SIPA)ou de integra-ção lavoura-pecuária (ILP). Nes-ses sistemas, os trigos de duplopropósito, pela multiplicidade deusos, que vai do pasto ao grão, pas-sando pela elaboração de forra-gem conservadas ou produção degrãos para arraçoamento animal,são uma alternativa vantajosa emrelação ao cultivo apenas de aveia-preta e ou azevém anual.