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... " TITULOORiGINAL: tica CI Adela Cortina y Emlio Martinez Navarro,1996,1998,2001 lO Ediciones Mal, S.A., Madrid, Espanha ISBN:84-460-0674-X PREPARAO: Mauricio B.Leal DIAORA.MAO: Ronaldo Hideo Inoue REvIso:CarlosAlbertoBrbaro ..bt.oI'")uAJ\'V)'nlsh'O..o pr"{)'..upe\.1'1' Cf) CottlVlU("tJ\artr;e.t EdiesLoyola Rua1822n347Ipiranga 04216-000SoPaulo,SP prP;.ibi,t::c.. CaixaPostal42.33504218-970SoPaulo,SP Gil(11)6914-1922 (11)6163-4275 Homepagee vendas:www.loyola.com.br Editorial:[email protected] Vendas:[email protected] Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida: QIltransmitida:porqualquer formaelouquaisquermeios(eletrnicoou mecnico.incluinda: fotocpiae gravao) ou arquivada: em qualquer sistema oubancodedadossempermissoescritada: Editora. ISBN:85-15-03115-9 lO EDIESLOYOLA,SoPaulo,Brasil,2005 Sumrio ombito da filosofia prtica,7 Acomo Filosofia moral [1.1], 9 A tica indiretamente normativa [11.1],9'Os saberes prticos (LU],10'Otermo"moral"aqui e agora [1.21, 13'0 termo "moral" como substantivo (12.1],13 O termo "moral" como adjetivo (1,2.2), 16 Otermo"moralidaden (131. 18 Otermo"tica" [14],19 A ticano nem pode ser "neutra" (1.4.1J, 20 Funes datica[14.21. 21 Osmtodos prprios da tica[1.4.31, 22 Otermo "metatica" [1.51. 25 Referncias bibliogrficas.26 11 Em que consistea moral?,27 Diversidade de concepes morais [11.1], 29 Diferentes maneiras de compreender a moral [11.2], 30 A moralidade como aquisio das virtudes que conduzem felicidade(11.2.1], 31 A moralidade do carter individual:uma capacidade para enfrentar a vida sem "desmoralizao"[11.2.21. 34 A moralidade do dever. A moral como cumprmento de deveres para com o que fun em si mesmo (11.2.31. 35 A moralidade como aptido para a soluo pacfica dos conflitos (11.2.41. 36 A moralidadecomoprticasolidria das virtudescomunitrias[1I.2.5}, 37 A moralidadecomo cumprimento de princpios universais [11.2.61, 38 Contraste entre o mbito moral e outros mbitos (I!.31, 39 Moral e direito [11J.11. 39 Moral e religio (11.3.21. 42 Moral e noonas de convivncia social(1J,l,l1, 43 Moral e normas de tipo tcnico (11.3.4], 45 Referncias bibliogrficas, 47 111 Breve histria da tica.49 Adiversidade das teorias ticas [111.1), 51 ticas da era do "ser"(1Il.21,53 Scrates (111.2.1]. 53 Plato [111.2.2], 55Aristteles [111.2,31, 57 ticas do perodo helenista (Epicurismo, Estoicismo)60 As ticas t;ledievais (Agostinho de Tagaste, Toms de Aquino) [111.2.51, 63 ticas da era da "cons.....,. Atica como filosofia moral Este livro trata da tica entendida como a pane da Filosofia que se dedica reflexo sobre a moral. Como parte da Filosofia, a tica um tipo de saber que se tenta construir racionalmente, utilizando para tanto. o.rigor co.nceptual e o.Smtodos de anlise e explicao prprios daFilosofia.Como.reflexo sobre as questes morais,a tica pretende desdo.brar conceitos e argumento.s que permitam compreender a dimenso.moral da pesso.a humana nessa sua condio. de dimenso mo.ral,ou seja, sem reduzi-la aseusco.mpo.nentespsico.lgico.s,so.cio.lgicos,econmicos o.Ude qualquer outro. tipo (embo.ra, obviamente, a tica no ignore que tais fatores condicionam de fato omundo moral). Uma vez desdobrados os co.nceitos e argumentos peninentes, po.de-se dizer que a tica, a Filosofia moral, ter co.nseguido. explicaro fenmeno mo.ral, dar conta rctona/mente dadimensomo.ralhumana,demodo queteremosaumentado.onosso conhecimento sobre ns mesmos, e,ponanto, alcanado ummaior grau de liberdade. Em suma, filosofamos para encontrar sentido para o que somo.s e fazemos e buscamossentidoparaatender aosnossosanseiosdeliberdade,po.isconsideramos a faltade sentido. um tipo. de escravido.. A~ t i c aindiretamente normativa[1111Desde suas o.rigensentreo.SfIlso.fo.sda antigaGrcia,a ticaumtipode saber normativo,isto.,umsaberquepretendeo.rientarasaesdossereshumanos.A moraltambm um saber que o.fereceo.rientaespara aao,masenquanto ela pro.peaes co.ncretas em casos concretos, atica - como Filosofia moral - remonta reflexo so.bre as diferentesmo.rais e asdiferentes maneiras de justificar racionalmente a vida moral,de mo.do que sua maneira de orientar a ao indireta: no. mximo, pode indicar qual concepo moral mais razovel para que, a paror dela, po.ssamos orientar nossos co.mponamentos. 9 1111r'"#S!r! , .... tica Portanto, em princpio, a Filosofia moral ou tica no tem motivos para ter uma incidncia imediata na vida cotidiana, pois seu objetivo ltimo esclarecer reflexivamente o campo da moral. No entanto, esse esclarecimento certamente pode servir de modo indireto como orientao moral para os que pretendam agir racionalmente no conjunto da sua vida. {Por exemplo: vamos supor que algum nospeapara elaborar um"juizo tico" sobre o problema do desemprego, ou sobre a guerra, ou sobre o aborto, ou sobre qualquer outra questo moraldas que so objeto de discusso emnossa sociedade;para comear,teramos de esclarecer que na verdade nosesto pedindo um juzo moral, ouseja,umaopiniosuficientementepensadasobreabondadeouamalciadas intenes,dos atos e dasconseqncias implicados em cada um dessesproblemas. Emseguida,deveramosesclarecerqueumjuzomoralsempresefazapartir de alguma concepo moral detemnada, e,uma vez que tivermos anunciado qual delasconsideramosvlida,poderemospassara fom1Ular,apartir dela,ojuzomoral quenospedem.Para fazer umjuizo moralcorreto sobre algum dos assuntos morais cotidianos no preciso ser especialista em Filosofia moraLBasta ter alguma habilidade de raciocnio,conhecer os princpios bsicos da doutrina moral que consideramosvlida e estar informados sobre os pormenores doassunto em questo.Noentanto,o juzo tico propriamente ditoseria o que noslevou a aceitar como vlidaa concepo moral que nos serviu de refernciapara nosso juzomoral anterior.Esse juizo tico estarcorretamenteformuladosefora concluso deumasrie de argumentos filosficos, solidamente construidos, que mostrem boas razes para preferir a doutrina moral escolhida. Emgeral,esse juizo tico est ao alcance dos especialistas emFilosofiamoral,massvezestambmpodemanifestar-secomalgumgraude qualidade entre as pessoas que cultivam o goSto pelo pensar, desde que tenham feito o esforo de pensar os problemas "ato fim".J Os saberes prticosIU11Paracompreendermelhorquetipode saber constituiaticatemosdea distino aristotlicaentre os saberes tericos,pOticos e prticos.Os saberes tericos (do grego theorein: ver, contemplar) ocupam-se de averiguar o que so as coisas, o que ocorre de fatono mundo equais so as causas objetivas dos acontecimentos. So saberes descritivos.mostram-nos oque existe,o que ,o que acontece. ABdiferentes cincias danatureza (Fsica,Qumica,Biologia,ABtronomiaetc.) so saberes tericosnamedidaem queoquebuscam,simplesmente,mostrar-nos como o mundo. Aristteles dizia que os saberes tericos versam sobre "o que no pode ser de outramaneira",ou seja,oque assimporque assimoencontramosno mundo, no porque assim o disps a nossa vontade: o sol aquece, os animais respiram, a gua 10 ombito da filosofiaprtica se evapora, as plantas crescem ...tudo isso assim eno podemos mud-lo anosso bel-prazer.Podemos tentar impedir que umacoisaconcreta seja aquecidapelo sol, utilizandopara tanto quaisquer meios que tenhamos a nosso alcance,mas que o sol aquea ou no aquea no depende de nossa vontade: pertence ao tipo de coisas que "no podem ser de outra maneira". Em contrapartida,os saberespoiticos eprticos versam,segundo Aristteles, sobre "o que pode ser de outra maneira-, ou seja,sobre o que podemos controlar vontade. Os saberes poiticos (do grego poiein: fazer,fabricar,produzir) so aqueles que nos servem de guiapara aelaborao de algum produto,de alguma obra,quer sejaalgumtipode artefatotil(como construir umarodaoutecerumamanta)ou simplesmente um objeto belo (como uma escultura,Limapintura ou um poema). As tcnicas e as artes so saberes desse tipo. O que hoje chamamos de "tecnologias" so igualmentesaberes que abarcam tantoasimplestcnica - baseada em conhecimentos tericos - como aproduo artstica.Os saberes poiticos, diferentemente dos saberes tericos,nodescrevem oque existe,masprocuram estabelecer normas,padres eorientaes sobre como se deve agir para atingir ofimdesejado (ou seja,umaroda ou uma manta bem feitas,uma escultura, uma pintura ou um poema belos).Os saberespoiticossonormatiuos,porm nopretendem servir derefernciapara toda a nossa vida,mas unicamente para a obteno de certos resultados que supostamente buscamos. Por suavez,os saberesprticos(do grego praxis:atividade,tarefa,negcio), que tambm sonormativos,soaquelesqueprocuramorientar-nossobreOque devemos fazerpara conduzir nossa vida de uma maneira boa e justa, como devemos agir, qual deciso a mais correta em cada caso concreto para que a prpria vida seja boa em seu conjunto. Tratam do que deve existir,do que deveria ser (embora ainda no seja),do que seriabom que acontecesse(segundo alguma concepo do bem humano). Tentam nos mostrar como agir bem, como nos conduzir adequadamente no conjunto de nossa vida. Naclassificao aristotlica,os saberes prticos eram agrupados sob ortulo "filosofia:prtica",rtuloqueabarcavanosatica(saberprticodestinadoa orientar a tomada de decises prudentes que nos levam a conseguir uma vida boa), mastambmaEconomial (saberprticoencarregadodaboaadministraodos bens da casa edaCidade) eaPoltica (saber prtico que tempor objeto obom governo da plis): 1.Naatualidade,muitos economistas distinguema"Economianormativa"da"Economiaposili\r.l":enquanto a primeira indui orientaes para a tomada de decises com base em certas opes morais que a prpria Economia no pode justificar, a segunda procura limitar-se pura e simples descrio dos falOSeconmicos (ver P.kSAMUELSON, W.D.NORDHAUS, Economia, Madrid,McGraw-Hill,"1993,11). NohdVidade que a chamada "Economianormati\r.l"naverdadeumcaptulo da tica,concretamente um tpico de "tica aplicada', a saber, o captulo que trata daquesto de quais valores devem ser fomentados com os recursos disponveis e de como se.devem dispor as estrururas econmicas para servir aos gera.is, . 11

I .....tica qassificilosaberes Tericos (descritivos):Poiticos ou produtivosPrticos (normativos (normativos para um fimpara avida em seu conjunto): concreto objetivado):Filosofia prtica, ou seja Cincias da nalurezaA tcnicaIOtcaAs belas-artesEconomia Poltica Pois bem, pode-se completar a classificao aristotlica que acabamos de expor com algumas consideraes emtomo do mbito daFilosofl:lprticanecessrias,a nosso ver,para entender oalcance eos limites do saber prtico: 1aNo h dvida de que a tica, entendida maneira aristotlica como saber orientado para o esclarecimento da vida boa, com o olhar posto na realizao da felicidade individual e comunitria, continua a fazer pane da Filosoflll prtica, embora, como veremos, a questo da felicidade tenha deixado de ser o ncleo da reflexo para muitas das teorias ticas modernas, cuja preocupao est mais centrada no conceito de justia. Sea pergunta tica para Aristteles era "quais virtudes morais temos de praticar para conseguir uma vida feliz,tanto individual como comunitariamente?",na era moderna,em contrapanida, apergunta ticaseria estaoutra: "quais deveres morais bsicos tm de reger a vida dos homens para que seja possvel uma convivncia justa, em paz eem liberdade, dado opluralismo existente quanto s maneiras de ser feliz?". 2'A Filosofiapoltica continuaafazerpane daFilosofiaprticapor direitoprprio. Suas perguntas principais referem-se legitindade do poder poltico e aos critrios que poderiam orientar-nos para o planejamento de modelos de organizao poltica cada vez "melhores" (ou seja: moralmente desejveis e tecnicamente viveis). 3' A Filosofia do Direito se desenvolveu enormemente nos sculos posteriores a Aristteles,a ponto de podermos consider-Ia uma disciplina do mbito prtico relativamente independente da tica e da Filosofia poltica. Seu interesse primordial areflexo sobre as questes relacionadas com as normas jurdicas:as condies de validade de taisnormas,apossibilidade de sistematiz-Ias formando um cdigo coerente etc. 4's disciplinas que acabamos de mencionar (tica, Filosofia jurdica, Filosofia poltica) hoje teramos de acrescentar, a nosso ver,areflexo filosficasobre a religio. Embora ainda se continue a classificar a Filosofia da Religio como uma pane da fllosofiaterica ou especulativa, acreditamos que existem boas razes para analisar o fenmeno religioso a panir da perspectiva prtica em vez de faz-lo a partir da perspectiva terica. De fato, houve uma poca em que a existncia de Deus era umtemade investigao"cientfica":tratava-sede averiguar se noconjunto do realseencontra "o Ser Supremo e,em caso afirmativo,tentar indagar sobre suas 12 ombito da filosofiaprtica noss(js ETICAOUFILOSOFIAFILOSOFIAFILOSOFIA FILOSOFIA MORALPOLmCA00 DIREITODA RELIGIO (lndui elementos(Em perspectiva de Economialica) ,normativa),--------propriedades especficas. No entanto, apartir da era modema,e especialmente a partir de Kant,a questo da existncia de Deus deixou de ser prpria do mbito "cientfico'para passar a ser uma questo de "fracional" que se justifica a partir de argumentosexclusivamente morais.Em qualquer caso,atomada deposio ante aexistncia deDeus,sejapara afirm-la,sejapara neg-Ia,seja aindapara suspender umjuzo sobre ela,apresenta-sehojeem diamuitoITlascomo uma questo vinculada moral, ao problema da injustia e do sofrimento humano, que ao problema da explicao da origem do mundo (embora ainda haja pessoas empenhadas em continuar esta ltima linha de investigao). oterrno "moral"aqui eagora otermo "moral" utilizado hoje em dia de maneiras muito diferentes, dependendo dos contextos.Essamultiplicidade de usos d lugar amuitos mal-entendidos que tentaremos evitar aqui examinando os usos mais freqentes eestabelecendo as distines que consideramos peninerites.Para comear, observe-se que apalavra "moral" aigumas vezes empregada como substantivo, outras vezes como adjetivo, eque ambos os usos encerram, por sua vez, diferentes significaes de acordo com os contextos. otermo"morallt como substantivo[11.11A.Emprega-se s vezes como substantivo ("a moral", com minscula eanigo definido),para referir-seaum conjunto deprinpios, preceitos,comandos,proibies, permisses,normas de conduta, valores eideais de vida boaque,em seu conjunto, constituem um sistema mais ou menos coerente,prprio de um grupo humano concreto em uma determinada poca histrica. Nesse uso do termo, a moral um sistema de contedos que reflete determinada forma de vida.Esse modo de vida no costuma 13 11.21..... tica coincidir totalmente com asconvices e os hbitos de todos e de cada um dos membrosdasociedadetomadosisoladamente.Porexemplo,dizerqueosromanosda poca da Repblicaeram pessoas trabalhadoras,austeras ecombativas no significa que no houvesse entre eles alguns que no merecessem tais qualificativos morais,e ainda assim tem sentido manter essa descrio geral como sntese de um modo de ser ede viver quecontrastacomode outros povosecomoque foramosprprios romanos mais tarde, digamos,no Baixo Imprio. A moral ,portanto, nessa acepo do termo, um determinado modelo ideal de boa conduta socialmente estabelecido e, como tal,pode ser estudado pela Sociologia,pela Histria,pela Antropologia Social epelas outras Cincias Sociais.No entanto, essas disciplinas adotam um enfoque claramente emprico, e desse modo estabelecem um tipo de saber que chamamos de "terico", ao passo que a tica pretende orientar a ao humana (ainda que de uma formaindireta), e em conseqncia deve ser includa entre os saberes prticos. B.Tambm como substantivo, otermo "moral"pode ser usado para fazer referncia ao cdigo de conduta pessoal de algum,como quando dizemos que "Fulano possui uma moral muito rgida" ou que "Beltrano carece de moral".Falamos ento do cdigo moral que gua os atos de uma pessoa concreta ao longo de sua vida: trata-se de um conjunto de convices epautas de conduta que costuma constituir um sistemamaisou menos coerente eserve de base para os juzos morais que cada um faz dos' outros e de si mesmo. Esses juzos, quando so emitidos em condies timas de suficiente informao, serenidade, liberdade etc., so chamados s vezes de "juzos ponderados".Taiscontedosmoraisconcretos,pessoalmenteassumidos,souma sntese de dois elementos: a.o patrimnio moral do grupo social a que algum pertence e b. a prpria elaborao pessoal com base no que algum herdou do grupo; essa elaborao pessoal est condicionada por diferentescircunstncias, tais como idade, condies socioeconmicas, biografia familiar,temperamento, habilidade para raciocinar corretamente etc. Embora em geral a maior parte dos contedos morais do cdigo moral pessoal coincida com os do cdigo moral social,no obrigatrio que seja assilTl. De fato, os grandes reformadores morais da humanidade, tais como Confcio, Buda, Scrates ou Jesus Cristo, foram em certa medida rebeldes ao cdigo moral vigente em seu mundo social. Tanto amoralsocialmenteestabelecidacomo amoralpessoalsorealidades que correspondem ao que Aranguren chamou de "moral vivida", para contrap-las "moral pensada", de que falaremos em seguida. C.Freqentementeseusaotermo"Moral"tambmcomosubstantivo,mas' desta vez com maiscula, para referir-se a uma "cincia que trata do bem em geral, e -'o 1::.14 ombito da filosofiaprtica das aes humanas conformemarcadas pela bondade oupelamalciau2 Poisbem, essa suposta "cincia do bem em geral" arigor no existe. Oque existe uma variedade de doutrinasmorais ("moral catlica", "moral protestante", "moral comunista", "moral anarquista" etc.) e uma disciplina filosfica, a Filosofia moral ou tica, que por sua vez contm uma variedade de teorias ticas diferentes, e at contrapostas entre si ("ticasocrtica","ticaaristotlica","ticakantiana"etc).Emtodo caso,tantoas doutrinas morais como asteorias ticas seriam modos de expressar o que Aranguren chama de "moralpensada",diantedos cdigosmoraispessoais esociaisrealmente assumidospelaspessoas,queconstituiriama"moralvivida".Temosdeinsistirna distino entre os dois nveis lgicos que representm as doutrinas morais e as teorias ticas: enquanto as primeiras tratam de sistematizar um conjunto concreto de princpios,normas,preceitos e valores, as segundas constituem uma tentativa de explicar um fato:o fatode que os seres humanos se orientam por cdigos morais,ofatode que existemoral,fatoquensapartir daquivamosdenominar"ofatodamoralidade".Essa distinono impede que,no momento de elaborar determinada doutrina moral, se utilizem elementos tomados das teorias ticas, e vice-versa. De fato,as doutrinas moraiscostumam ser construdas mediante a conjuno de elementos tomados de diferentes fontes,as mais significativas dentre elas sendo: 1.as tradies ancestrais acerca do bem e do mal, transmitidas de gerao em gerao; 2.as confisses religiosas, com seu correspondente conjunto de crenas e as interpretaesdadas pelos dirigentes religiosos a tais crenas; 3.os sistemas filosficos (com sua correspondente Antropologia filosfica,sua tica e sua Filosofia social e politica) de mais sucesso entre os intelectuais e a populao. Quandointervmoterceirodosingredientesassinalados,noadmiraqueas doutrinas moraissvezes possam se confundir com as teorias ticas,mas em nome do rigor lgico e acadmico deveramos fazer um esforo para no confundir os dois planos de reflexo:as doutrinas morais permanecem no plano das morais concretas (linguagem-objeto), aopasso que asteorias ticas pretendem remontar areflexo at oplano filosfico(metalinguagem que consideraasmoraisconcretasumalinguagem-objeto). D. Existe um uso da palavra "moral" como substantivo que nos parece extraordinariamenteimportanteparacompreender avidamoral:referimo-nosaexpresses que a utilizam no masculino, tais como "ter o moral bem elevado", "estar com omoral alto",eoutras semelhantes. Aquimoral sinnimo de "boa disposio de esprito", "ter foras,coragem ou confiana suficiente para fazerfrente - com dignidade humana - aos desafios que a vidanos apresenta".Essaacepo tem uma 2.Diccionario de la Lengua Espaiiola de la Real Academia, Madri,Espasa Calpe, "2002, 1.400. .i IS I " r Modelo de condutasocialmente estabelecido em uma sociedade concreta ("a moral vigente") Conjunto de convices morais pessoais ('Fulano possui uma moral muito rgida") Tratados sistemticos sobreC.l.Doutrinas morais concretas as questes morais ('Moral")("Moral catlica' etc.) C.2. Teorias ticas ("Moral aristotlica' etc. embora o mais correto seria 'tica aristotlica' etc.) Disposio de esprito produzida pelo carter e por atitudes adquiridos por uma pessoa ou grupo restar com o moral alto' etc) Dimenso da vida humana pela qual nos vemos obrigados a tomar decises e a explic-Ias ("amoral"). profundasignificaofilosfica,talcomomostramOrtega eAranguren3.A partir dessaperspectiva, a moralno apenas um saber,nem um dever,mas sobretudo uma atitude e um carter, uma disposio da pessoa inteira que abarca o cognitivo e oemocional,as crenas eos sentimentos,a razo e a paixo,em suma,uma disposio de esprito (individual ou comunitria) que surge do carter que se tenha forjado previamente. E.Por fim,existe a possibilidade de empregar o termo "moral" como substantivogenrico:"amoral".Dessemodo estaremosnosreferindoaumadimenso da vidahumana:adimensomoral,ou seja,essafacetacompartilhadapor todos que consiste na necessidade inevitvel de tomar decises e levar a termo aes pelas quais temos que responder diante de ns mesmos e diante dos outros, necessidade que nos impulsiona a buscar orientaes nos valores, princpios e preceitos que constituem a moral n sentido que expusemos anteriormente (acepes A eB). otermo "moral" como adjetivo[L21)At aqui utilizamos uma srie de expresses nas quais o termo "moral" aparece como adjetivo:"Filosofia moral", "cdigo moral", "princpios morais", "doutrinas morais" etc. 3.J.ORTEGA Y GASSET. Por qu heescritoE1 bombre ala dqfensva,inObras compleias,Madrid. Revista de Occideme. 1947.72. v.IV, J.LLARANGUREN. tica. Madrd,Ret/.5ta de Occdente.1958.81. 16 ombito da filosofia A maioriadasexpressesem queapareceesseadjetivoestorelacionadascoma tica,masnem todas:por exemplo, quando dizemos que temos "certeza moral" sobrealgo,normalmentequeremosdizerqueacreditamosfirmementenessealgo, embora no tenhamos provas que possam confirm-lo ou desmenti-lo.Esse uso do adjetivo "moral" , em princpio, alheio moralidade, e se situa em um mbito meramentepsicolgico,no entanto,nasoutras expresses citadas,eem muitasoutras que comentaremos mais adiante ("virtude moral", "valores morais" etc.), h uma referncia constante aessa dimenso da vidahumana chamada de "amoralidade".Mas em que consiste exatamente essa dimenso humana? Que caractersticas distinguem o aspecto moral do jurdico ou do religioso? Essas questes sero desenvolvidas detalhadamentemaisadiante.Aquiapenasapontaremosbrevementedoissignificados muito diferentes que o tenno "moral" empregado como adjetivo pode adotar. Emprincpio,eseguindo J.Hierro,podemos dizer queo adjetivo "moral" tem sentidos diferentes: A."Moral" como oposto a "imoral". Por exemplo, diz-se que este ou aquele comportamentoimoral,aopassoqueaqueleoutroum comportamentorealmente moral.Nesse sentido usado como tenno valorativo, porque significa que uma determinada conduta aprovada ou reprovada; aqui se est utilizando "moral" e"imoral" como sinnimo de moralmente "correto" e "incorreto". Esse uso pressupe a existncia de algum cdigo moral que serve de referncia para emitir o correspondente juzo moral. Assim,por exemplo, pode-se emitir o juzo "a vingana imoral" e compreender que esse juzo pressupe a adoo de algum cdigo moral concreto para o qual essa afinnao vlida, ao passo que outros cdigos morais - digamos, os que aceitam a Lei de Talio - no aceitariam a validade desse juzo. B."Moral" como oposto a "amoral". Por exemplo, a conduta dos animais amoral,isto ,no tem nenhuma relao com a moralidade,pois se supe que os animais no so responsveis por seus atos. Menos ainda os vegetais, os minerais ou os astros. Em contrapartida, os seres humanos que atingiram um desenvolvimento completo,enamedida em quepossam ser considerados "senhores de seus atos,tm umacondutamoral.Ostermos"moral"e"amoral"assimentendidosno masdescrevem umasituao:expressam que uma conduta ou no suscetvel de qualificao moralporquerene,ouno rene,os requisitosindispensveis para ser posta em relao com as orientaes morais (normas, valores, conselhos etc.). A tem que esclarecer quais so concretamente esses requisitos ou critrios que regulam o uso descritivo do termo "moralidade". Essa uma de suas tarefas principais, e dela falaremos nas pginas seguintes. Sem dvida, esta segunda acepo de "moral" como adjetivo mais bsica que a primeira, uma vez que s pode ser qualificado de "imoral" ou de "moral" no primeiro sentido aquilo que possa ser considerado "moral"no segundo sentido. 17 finTe-',. :' ....."'. ".,':' .. ". tica Usos estranhos ttica:"certeza moral" etc. Usos que interessam EticaA. 'moral' em contraposio a 'imoral" 8.'moral" em contraposio a"amoral" otermo "moralidade"(1.31A.Embora o termo "moralidade" seja utilizado freqentemente em referncia a algum cdigo moral concreto (por exemplo, quando se usam expresses como "duvido da moralidade de seus atos" ou "fulano um defensor da moralidade e dos bons costumes"), esse termo tambm utilizado com outros sentidos diferentes, dos quais vamos destacar mais dois: B.Por um lado,distingue-se "moralidade"de outros fenmenoshumanos como "legalidade", "religiosidade" etc. Em muitos contextos emprega-se o termo "moralidade" para denotar essa dimenso ela vida humana a que acima nos referimos como "a moral" (substantivo genrico):trata-se dessafarma comum s diversas morais concretas que nospermitereconhec-lascomo taisapesar daheterogeneidade de seusrespectivos contedos. Nesse sentido, "moralidade" seria sinnimo de "vida moral" em geral. Houvemuitostiposdemoralao longodahistlia,ehojeem diaevidentea existncia de uma pluralidade de formas de vida e de cdigos diferentes coexistindonem sempreconvivendono seio denossascomplexas sociedadesmodernas.No entanto, apesar de sua diversidade de contedos, pode perceber-se a moral ou amoralidade emumasriedecaractersticascomunssdiferentespropostasmorais.Que caractersticas so essas? Emuma primeira aproximao, podemos dizer o seguinte: Todamoralsecristalizaem juzos morais ("essacondutaboa","aquelauma pessoa honrada", "essa diviso foijusta", "no se deve agredir oprxirl1oetc.). Osjuzosmoraiscorrespondentes a diferentestiposdemoralapresentam certas afinidades: - No aspecto formal, os juzos morais fazem referncia a atos livres, responsveis e imputveis, o que permite supor em ns, seres humanos, uma estrutura biopsicolgica que torna possvel e necessria a liberdade de escolha e as subseqentes responsabilidade e imputabilidade: uma "moral como estrutura", em termos de Aranguren, tambm chamada de"protomoral" por D.Grada. Quanto aocontedo,osiuzosmoraiscoincidem ao se referiraoqueosseres humanos anseiam,querem, desejam,necessitam, consideram valioso ou interes18 Como sinnimo de "morar no sentido de uma concepo moral concreta ("Isso uma imoralidade"'" "Isso ombito da filosofiaprtica no moralmente correto' [de acordo com determinado cdigo]). B. Como sinnimo de "a moral': uma dimenso da vida humana identificvel entre outras e no redutvela nenhuma outra (a vidamoral, tal como se manifestano fato de que emitimos juizos morais, fato que nos remete existncia de certas estruturas antropolgicas e a certas tradies culturais). C. Na contrapoSio filosfica de cunho hegeliano entre "moralidade" e'eticdade: sante. No entanto, conveniente distinguir dois tipos de juzos segundo o contedo: os que se referem ao justo e os que tratam sobre o bom. Os primeiros apresentam umaspectodeexigibilidade,deauto-obrigao,deprescriptividade universal etc., ao passo que os segundos nos mostram uma modesta acollSelhabilidadeem relao ao conjunto da vda humana. Esses dois tipos dejuzos no expressam necessariamenteasmesmascoisasemtodasaspocase sociedades,demodo que cada moral concreta difere das demais quanto ao modo de entender as noes do justo e do bom e na ordem de prioridades que estabelecem em cada uma. Vemos,portanto,que amoralidade um fenmenomuito complexo, que por isso admite diversasinterpretaes:masno devemos perder de vista ofato de que essavariedadedeconcepesmoraisevidenciaaexistnciadeumaestruturacomum dos juzos em que seexpressam, eque essa estruturamoralcomum remete a um mbito particular da vidahumana,um mbito diferente do jurdico, do religioso ou do da mera cortesia social:o mbito da moralidade. C.Por outrolado,conferiu-seaotermo"moralidade"umsentidoclaramente filosfico (segundo uma distino criada por Hegel), que consiste em contrapor "moralidade"a"eticidade".Esteltimosentido ser explicado maisadiante,em relao com as classificaes ticas. otermo Iltica" [141Freqentementeutiliza-seapalavra"tica"comosinnimodoqueanteriormente chamamosde "amoral",ouseja,esse conjuntodeprincpios,normas,preceitos e , 1 19 .....tica valores que regem a vidados povos edosindivduos.A palavra"tica"procede do grego etbos, que significava originariamente "morada", "lugar em que vivemos",mas posteriormentepassou asignificar "o carter",o"modo de ser"que umapessoa ou um grupo vai adquirindo ao longo da vida.Por sua vez,o termo "moral" procede do latimmos,mons, que originariamente significava "costume", mas em seguida passou a significar tambm "carter" ou "modo de ser". Desse modo, "tica" e "moral" confluem etimologicamente em um significado quase idntico; tudo aquilo que se rtifere ao modo de ser ou carteradquirido como resultado de pr em prtica alguns costumes ou hbitos considerados bons. Dadas essas coincidncias etimolgicas, no de estranhar que os termos "moral" e "tica" apaream como intercambiveis em muitos contextos cotidianos: fala-se, por exemplo, de uma "atitude tica" para designar uma atitude "moralmente correta" segundodeterminadocdigomoral;oudiz-seque umcomportamento"foipouco tico'"para significar que no se ajustou aos padres habituais da moral vigente. Esse uso dos termos "tica"e"moral" como sinnimos est to difundido que no vale a penatentarimpugn-lo.Masconvmterconscinciadeque esseusodenota,na maioriadoscontextos,oque aqui denominamos "amoral",ou seja,arefernciaa algum cdigo moral concreto. No obstante isso, podemos nos propor a reservar - no contexto acadmico em que nos movemos aqui - o termo "tica'" para nos referir Filosofia moral, e manter. o termo "moral" para denotar os diferentes cdigos morais concretos. Essa distino til,pois se trata de dois nveisde reflexodiferentes,dois nveisdepensamento e linguagem acerca da ao moral,epor issose tomanecessrioutilizar doistermos diferentes se no queremos cair em confuses. Assim, chamamos de "moral" esse conjunto de princpios,normas e valores que cada gerao transmite gerao seguinte naconfianade que se tratade um bom legado de orientaes sobre omodo de se componarparaviverumavidaboaejusta.E chamamosde"tica"essadisciplina filosfica que constitui uma reflexo de segunda ordem sobre os problemas morais. A pergunta bsica da moral seria ento: "O que devemos fazer?", ao passo que a questo central da tica seria antes: "Por que devemos?", ou seja, "Que argumentos corroboram e sustentam o cdigo moral que estamos aceitando como guia de conduta?". Atica no nem pode serllneutra" [14.11A caracterizao da tica como Filosofia moral leva-nos a enfatizar que essa disciplina no se identifica,em princpio, com nenhum cdigo moral determinado.Pois bem, issono significa quepermanea "neutra" diante dos diferentes cdigos morais que 4.Adotamos aqui a conveno de escrever o termo "tica" com inicial maiscula quando nos referimos disciplina filosfica em geral, e com minscula quando falamos de alguma teoria tica em particular (tica kantiana etc.). 20 ombito da filosofiaprtica existiram ou possam existir.Tal "neutralidade" ou "assepsia axiolgica"no possvel, uma vez que os mtodos e objetivos prprios da tica a comprometem com certos valores e a obrigam a denunciar alguns cdigos morais como "incorretos", ou at mesmo como "desumanos", enquanto outros podem ser reafirmados por ela na medida em que os considere "razoveis", "recomendveis" ou at mesmo "excelentes". No entanto, no certo que a investigao tica possa nos levar a recomendar umnico cdigo moralcomo racionalmentepreferveLDada acomplexidade do fenmenomoraleapluralidadedemodelosderacionalidadeedemtodose enfoques filosficos,o resultado tem que ser necessariamente plural e aberto. Mas isso no significa que a tica fracasse em seu objetivo de orientar de modo mediato a ao das pessoas.Em primeiro lugar, porque diferentes teorias ticas podem dar como resultado algumas orientaes morais muito semelhantes (a coincidncia em certos valores bsicos que,embora no estejamde todo incorporados moral vigente,so justificados como vlidos).Em segundo lugar,porque muito possvel que os progressos da prpria investigao tica cheguem a evidenciar que a misso da Filosofia moralno a justificao raCional de umnico cdigo moralpropriamentedito,esimumquadrogeraldeprincpiosmoraisbsicosdentrodoqual diferentes cdigos morais mais ou menos compatveis entre si possam legitimar-se como igualmente vlidos e respeitveis. O quadro moral geral assinalaria as condies que todo cdigo moral concreto teria que cumprir para ser racionalmente aceitvel,mas essas condies poderiam ser cumpridas por uma pluralidade de modelos de vida moral que rivalizariam entre si,mantendo-se desse modo um pluralismo moral mais ou menos amplo. Funes da tica P.UI Em nosso modo de ver, corresponde tica uma tripla funo:1) esclarecero que a moral,quais so seus traos especficos;2) fundamentara moralidade, ou seja,procurar averiguar quais so as razes que conferem sentido ao esforo dos seres humanos de viver moralmente; e3) aplicaraos diferentes mbitos da vida social os resultados obtidosnasduas primeirasfunes,demaneiraque se adote nessesmbitos sociais uma moral crtica (ou seja, racionalmente fundamentada), em vez de um cdigo moral dogmaticamente imposto ou da ausncia de referncias morais. Aolongo dahistriada Filosofia ofereceram-se diferentes modelos ticos que procuram cumprir astrsfunesanteriores:soasteoriasticas.Asticas aristotlica, utilitarista, kantiana e discursiva so bons exemplos desse tipo de teorias.So constructos filosficos,geralmente dotados de um alto graude sistematizao,que tentam dar conta do fenmeno da moralidade em geral, e da preferibilidade de certos cdigos moraisnamedida em que estes se ajustam aosprincpios de racionalidade que regem omodelo filosficode que se trata.Emoutro captulo deste livro vamos expor algttmas das teorias ticas mais relevantes. 21 __ __.. l!twrr'W5l!fW;=f@litf"E ...tica Os mtodos prprios da(I.oJ A palavra"mtodo"(do gregometbodos,caminho,via),aplicada aqualquer saber, refere-seprimordialmente aoprocedimento que se deve seguir paraestabelecer as proposies que tal saber considera verdadeiras, ou ao menos provisoriamente aceitveis (na faltade outras "melhores"). Diferentes mtodos proporcionam "verdades" diferentes que s vezes podem at ser contraditrias entre si,de modo que a questo do mtodo seguido para chegar at elas adquire uma importncia fundamental, caso se deseje esclarecer um determinado mbito do saber. IA questo do mtodo no uma questo que interessa apenas aos pesquisadores profissionaisdasdiferentes disciplinascientificasefilosficas,mastambm serefletena vida cotidiana. Por exemplo, vamos supor o seguinte dilogo entre Ana (A) e Bnmo (B): A:- Bnmo, acabam de conceder o prmio Nobel ao seu pai. B:- Temcerteza' Como voc sabe? A:Passei a noite inteirasonhando que isso iaacontecer hoje. B: - Es porque voc sonhou acha que vai acontecer mesmo' Ora, Ana, voc uma pessoasensatae sabequeno suficiente sonhar comalgoparaqueelese realize. A:- Nunca ouviu falar de intuio feminina? Tenho absoluta confiana em meuspalpites, e desta vez tenho uma sensao bem forte de que eles daro esse prmio ao seu pai hoje. B:- Por mim,vocpodeter ospalpites quequiser,erespeitobastante a intuio feminina,mas voc h de concordar comigo que os sonhos e os palpites no so o mtodo adequado para ter certeza do que queremos saber. A: - Bom, claro que preciso procurar outros mtodos para confirmar que efetivamenteo quevocesperava aconteceu,masmesmo seosoutros mtodos desmentirem o meupalpite continuarei espera de que cedo ou tarde o sonho se realizar; isso j aconteceu comigo outras vezes. B:- Pelomenosvocadmitiuque sonecessrios outrosmtodos e que se esses outros mtodos no confmnam o teupalpite, mesmo que por enquanto, voc obrigada a afim1ar o que se descobrir por meio deles. A:- Sim, claro, so necessrios outros mtodos para confirmar uma informo, por isso pode comprar o jornal ou ligar o rdio e voc vai ver como eu tinha razo.. .JEm questes de tica, assim como nas questes de Filosofia em geral, vital que ofilsofoavalieasafirmaesque prope com uma claraexposio domtodo queestutilizandopara estabelec-Ias,emboralamentavelmentemuitos seguiem por palpites eno se atenham nem um pouco ao rigor dos mtodos razoveis; essas pessoas costumam acusar de dogmticos os que se atm a um mtodo determinado, mas no podemos deixar de perguntar se no ser muito mais dogmtico dizer algo que vem cabea sem se ater amtodo algum.Porque dogmatizar imunizar qualquer 22 ombito da filosofiaprtica afirmao diante da crtica racional, e isso precisamente o que fazquem prescinde de todomtodo:como no reconhecem asregrasdojogodosmtodosrazoveis, suas afirmaes so mero palavreado que aspira a ser aceito de um modo acrtico, por simples persuaso retrica. Em contrapartida, quem se atm a um mtodo determinado em suas pesquisas e expe claramente os procedimentos utilizados para afirmar o que afirma no se comporta dogmaticamente, mas faz exatamente o oposto: pe suas cartas na mesa, expondo-se crtica argumentada dos demais, epossibilitando desse modo a deteco de erros, inconsistncias e quaisquer outras falhas que suas afirmaes possam conter. Assim,preciso adotar mtodos rigorosos se se deseja falar seriamente em qualquer mbito do saber. Pois bem,hno mbitofilosficoumamultiplicidadedemtodos diferentes, correspondentes a outras tantas maneiras diferentes de entender a misso da Filosofia e seu lugar no conjunto das atividades humanas.De nossa parte, entendemos que o saber filosfico tem como misso expressar por meio de conceitos os contedos que outrasformasdesaber expressamde outrasmaneiras:plsticaeintuitivamente(a arte)ourepresentativamente(areligio).AFilosofiatemamissode esclarecer e justificar racionalmente aspretenses humanas de ter acesso verdade, ao bem e beleza. Em outras palavras, a Filosofia, em ltima instncia, deve dizer se tem sentido, ou no, que continue o esforo humano para alcanar algo que merea propriamente os nomes de "verdade", Ubem"e "beleza", cujo significado ela mesma precisa descobrir.Essapretenso de esclarecer as questesrelativasao verdadeiro,ao bom eao belo umapretenso de universalidade que constitui uma das caractersticas clssicas da Filosofiadiante das "cincias palticulares".De fato,cada uma dessascincias (tanto asformais - Matemtica - como asnaturais - Fsica,Biologiaetc.- eas sociais - Histria, Sociologia etc.) constitui um mbito muito delimitado do saber e no pode ultrapassar seus limites quanto ao objeto e ao mtodo de estudo sem exceder-se em suas atribuies.Em contrapartida, a Filosofia aspiraa dar conta da totalidade do real- o verdadeiro e obom - ainda que s no nvel dos princpios. verdade que essa pretenso universalista foi colocada em dvida por algumas correntesdopensamento contemporneo,concretamentepelascorrentesps-modernas,que acusamatradio filosficado Ocidente de encarnar "omito darazo total", ou seja, de adotar um modelo de razo que pretende compreender tudo independentemente das contingncias espaciotemporais.Essascorrentesps-modernas qualificaramatradio universalista de "totalizante" eat de"totalitria",ao mesmo tempo em que propugnam um tipo de racionalidade "fragmentria", ocupada em compreender as coisas em seu contexto especfico sem oobjetivo de formular princpios que pretendam validade universal enecessria,jque estes, supostamente, se situariam alm da histria;. No entanto, apesar dessas crticas, acreditamos que existem bons 5.Cr.A. WEUMER,ZurOialektik von Modeme und Postmodeme, inZur DiaJektik vemModerne und Postmoderne, FrankIun, 1985, 48-114; G.VATTIMO,Las aventuras de la diferenca. Pensar despus de NietzscheyHeidegger,Barcelona,1986;Id.,El finde lamodernidad.Nihillsmoyhermenuticaen la cultura postmoderna, Barcelona, 1986. I:23V )_'''1',tmfi: .....tica motivospara manter eprolongar a concepo ocidental da Filosofiamediante uma concepo que podemos chamar de uFilosofia da Modernidade Crtica",que afirma a viabilidade de considerar que o objeto da Filosofia o verdadeiro, o bom e o belo, e que portanto a formalgica que corresponde Filosofia a da universalidade6 Hegel observou que tambm a arte e a religio so formas de saber que expressam contedos universais, mas o fazem atravs de uma forma intuitiva ou representac tiva, ao passo que o peculiar da Filosofia expressar os contedos universais de uma forma conceptual. A forma do saber fIlosfico oconceito. Essa formapode parecer algo muito frgile distanciado da vida diante da foraesmagadora que podem assumir a arte (com suas metforas) e o sentimento religioso (com suas narrativas e ritos); no entanto,mesmo concordando que inevitvel que oconceito se encontre mais distanciado da vida que a metfora' ou que o relato religioso, tambm preciso observar que o conceito apresenta outras vantagens:possibilita a argumentao e a crtica, evitando o risco de dogmatismo. De fato,se odogmatismoconsiste em imunizar determinadas afirmaesou prescries, fazendo com que seu valor de verdade ou validade dependa ou da autoridade, ou da pretensa evidncia (arbitrria), ou de sua conexo com os sentimentos,ou ainda de seu carter metafrico,ento possveldogmatizar essasafirmaes ouprescries recorrendo a esses artifcios,com os quaissepretende evitar todo esforo de argumentao e toda possvel crtica. Mas o contrrio do dogma o argumento, apesar das opinies dos crticos da racionalidade ocidental, qual acusamde totalitarismo.Noh totalitarismoem exigirargumentaosriaecrtica razovel. totalitrio,no entanto, o dogmatismo da mera autoridade, o das pretensasevidncias (no as evidnciasracionalmentenecessrias),odasemoes eo das metforas.Sese afirmaque no existe uma formade saber racionalintersubjetivo,argumentvel,produtodeumaracionalidadecomum atodoser humano, ento se est afirmando que no possvel superar o dogmatismo. Mas,nesse caso, essa mesma concluso invalida - como dogmtico - tudo O que afirmarem os que defendem tal coisa. Por isso afirmamos que a Filosofia procura expressar comedos universais mediante uma formaque sepretende universal,ou seja,pretende estabelecer argumentativamente algunsprincpiosuniversais(de cartermuitogeral, mas orientadores do conhecimento e da ao) que possam aspirar a ser compreendidos e aceitos por todos. A comunicabilidadeconstitui a raiz da razo e, portanto, tambm da Filosofia,como mostram claramente as contribuies de Kante da teoria da ao comunicativaS. Pois bem, embora filosofar consista em argumentar, cabe perguntar qual o melhor argumento.Segundo Hegel, omelhor argumemo seria oque pudesse dar conta 6. Cf. J HABERMAS. La filosonacomo vigilante e intrprete, in Concrencia moral y accln comuniCativa, Barcelona, Pennsula,1985,9-30. 7, Sobre isso interessante lembrar oque diz F. Nietzsche em seu opsculo intitulado Sobre verdade e mentira em sentido extramoral.. 8.Ver!. KANT,Critica da razo pura, A 820, B 848. 24 In?'C" '1st" l@'h"t(wttmW'tl$'1'ztiU-rlb""t''rM ombito da filosofia logicamente de um maior nmero de dados.Em decorrncia disso,no momento de investigar os mtodosprpriosda tica,teremos dereconhecer que existem tantos quantos so osmtodos filosficos.Em outras palavras, que deveramos contar,por exemplo, com Omtodo emprico-racional (projetado por Aristteles e assumido pelos filsofosmedievais), os mtodos empirista eracionalista (nascidos na Era Moderna),o mtodo transcendental (criadopor Kant),omtodo absoluto (de claraprocedncia hegeliana), omtodo dialtico-materialista (criado por Marx),o peculiar mtodonietzschiano,omtodo fenomenolgico (criadopor Husserleaplicado tica por Scheler e Hartmann), o mtodo da anlise da linguagem(no qual caberia incluir O intuicionismo de Moore, o emotivismo de Stevenson e Ayer,o prescritivismo de Hare, ou oneodescritivismo,representadoentre outros - por Ph.Foot) e mais recentemente o mtodoneocontratualista (representado de modo eminente por J.Rawls). otermo "metatica"0.5]Os representantes da Filosofia analticaintroduziram em meados do sculo XXuma nova distinonointerior dos saberes que versam sobre aprxismoral:a distino entre a tica e a Metatica. O termo "metatica" seria sinnimo - para esses autores - de "anlise da linguagem moral", ao passo que o termo "tica" serviria para expressar o que aqui temos chamado de "a moral", ou seja, as concepes morais concretas que os grupos e os indivduos adotam para orientar seus comportamentos. No entanto, no parece acertada essa distino, porque nela se estabelece uma sria limitao para a Filosofiamoral (que eles chamam de "metatica") ao circunscrever sua tarefa exclusivamente anlise das expresses morais - embora essa anlise seja muito til como instrumento para a reflexo tica. A nosso ver, o termo "metatica" deveria ampliar seu mbito temtico, Seguindo as sugestes de A.M,Pieper e outros, propomos que se entenda por "metatica" uma meta linguagemocupadaemesclarecerosproblemastantolingsticOScomo epistemolgicos da tica.A metatica seriaumaformadereflexoede linguagem centrada na forma de reflexo e de linguagem ticas, das quais deveria tentar discernir a cientificidade, a suficincia, os caracteres formais, a situao epistemolgica etc. A reduoanlisedalinguagemticadesvirtuaasfunesqueumaautntica metatica poderia cumpri!. 9. Cf"por exemplo, A,M. PlEPER, tica y Moral,Una introduccin a la filosofiaprctica,Barcelona, Crtica, 1990,6972. 25 ']11'$7 ... tica