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O O C C A A S S T T I I G G O O D D O O S S A A N N T T O O ALDO LEITE

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““OO CCAASSTTIIGGOO DDOO SSAANNTTOO””

AALLDDOO LLEEIITTEE

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O Castigo do Santo

Comédia/1 ato/11 personagens/7 masc. 4 fem./Moradores do

lugarejo/Atual/Tema político

SINOPSE

A professorinha da cidade de Bom-qui-dói, D. Maria Benigna, é

noiva do delegado, mas quer manter o romance em segredo. Todos, no

entanto já sabem do caso e aguardam o matrimônio, que é sempre

adiado pela professora. Os dois estão na prefeitura na primeira

cena aguardando o prefeito que deverá chegar a qualquer momento.

Estão reunidos então a Professora, o Delegado, o Padre e o

Prefeito para discutirem os preparativos para a visita do Deputado

Gonçalo à cidade. Estão todos preocupados com o cerimonial, com os

detalhes da festa e da hospedagem. Como não recebem notícias do

dia da chegada do deputado, resolvem ligar para ele. Atende a

esposa, D. Dadá, que é reconhecida pelo Padre Bonfim, e ao

conversarem revelam uma grande intimidade.

Zé e Estrela, um casal de criados, discutem sobre a ausência

de um colar de ouro, o que impede que Estrela participe dos

festejos, pois S. João castiga as meninas dançarinas que estiverem

com um colar falso. Os dois brigam e chega a professora que,

indignada com Zé, faz-lhe acusações. Zé diz à Estrela que não deve

confiar na professora, pois ela é prostituta. Ele a viu junto com

o prefeito nos fundos da casa. Cria-se uma grande confusão, para

no final descobrirem que não se tratava do prefeito e sim do padre

Bonfim. Auxiliados por D. Dadá, que garante à todos emprego na

capital caso precisem fugir do escândalo, inclusive a promoção à

Bispo para o padre, resolvem abafar o caso e iniciar a festa.

Estrela entra dançando usando um verdadeiro colar de ouro,

presente de D. Dadá.

PPEERRSSOONNAAGGEENNSS

DELEGADO

PROFª. MARIA BENIGNA

PADRE BONFIM

PREFEITO

D. DADÁ

DEPUTADO GONÇALO

ZÉ VINAGREIRA

ESTRELA

POLICIAL 1

POLICIAL 2

MORADORES DO LUGAREJO

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3

ATO ÚNICO

AAMMBBIIEENNTTAAÇÇÃÃOO

CENÁRIOS: CRIADOS COM ELEMENTOS PARA CARACTERIZAR CADA ESPAÇO.

(QUARTO DO DEPUTADO GONÇALO E DONA DADÁ NA CAPITAL — SALÃO DA

PREFEITURA — CASA DE ZÉ E ESTRELA — DELEGACIA — BARRACÃO DE FESTAS).

(TODOS OS PERSONAGENS EM FILA, DANÇAM AO SOM DE MÚSICA DO BAILE DE

SÃO GONÇALO. ESTA É INTERROMPIDA SEMPRE QUE CADA UM FIZER A SUA

APRESENTAÇÃO. EM SEGUIDA, DANÇANDO, VAI PARA O FINAL DA FILA).

PREFEITO

Venho aqui dizer boa noite

Em meu nome e dos que aqui estão

Sou o prefeito do progresso

Não tenho nome, partido ou religião.

(MÚSICA)

DELEGADO

Progresso é com o Prefeito

E a ordem aqui com o machão

Mijou fora do caco

Vai longe pro bofetão.

(MÚSICA)

PADRE

Eu sou o pastor destas ovelhas

E defendo todas as almas da tentação

Umas, até que eu salvo

A minha, só na outra encarnação.

(MÚSICA)

PROFESSORA

Ensino a ler e a escrever

Conforme aprendi a lição

Na taboada, palmatória

Na leitura, um bom esticão.

(MÚSICA)

SOLDADO 1

Eu só faço o que o seu mestre manda

Cumpro com a minha obrigação

Em chapim de maribondo

Besta é quem estica a mão.

(MÚSICA)

SOLDADO 2 (Como o personagem é mudo, criar uma mímica, num tempo igual aos demais,

dizendo-se mudo, etc...)

(MÚSICA)

ESTRELA

Sou daqui mesmo da roça

Sou matuta e sem instrução

Mas graças a Deus já casei

Não tenho mais preocupação.

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4

(MÚSICA)

Eu sou Zé, ela Estrela

Desculpem a maleducação

A gente é pobre porém honesta

Não se faz acordo com o cão.

(MÚSICA)

D. DADÁ

Sou madame sim senhor

Apesar de contra-mão

Mulher de homem importante

Sassarica em qualquer rincão.

(MÚSICA)

DEPUTADO

Já fui tudo na vida

Puxa-saco, porque não

Perdi o sizo e nem me importa

Quero mesmo é ser grandão.

(MÚSICA)

LUZ (ESTA CENA ACONTECE EM 2 AMBIENTES: NO SALÃO DA PREFEITURA DA

CIDADE DE BOM-QUI-DÓI, ONDE ESTARÃO REUNIDOS: DELEGADO, PROFESSORA.

PADRE E PREFEITO. E NO QUARTO DA RESIDÊNCIA DO DEPUTADO GONÇALO, NA

CAPITAL).

SALÃO DA PREFEITURA (A PROFESSORA MARIA BENIGNA, ENTRA APRESSADA. O

DELEGADO EUGÊNIO, JÁ PRESENTE, APROXIMA-SE RÁPIDO).

DELEGADO

— Muito bom dia Benigna. Acordando mais cedo?

M. BENIGNA

— Como de hábito Seu Eugênio. Muito bom dia.

DELEGADO

— E não ganha nem um cheiro o seu futuro esposo?

M. BENIGNA

— Comporte-se Seu Eugênio, estamos na Prefeitura.

DELEGADO

— E pra se namorar tem lugar proibido?

M. BENIGNA

— E que não fica bem. Além do mais fomos chamados para outra reunião...

DELEGADO

— É muita reunião pro meu gosto. O Deputado já não disse que vem?

M. BENIGNA

— Mas faltam os acertos finais, a confirmação... Estou estranhando é ainda não estarem

todos aqui.

DELEGADO

— A gente precisa é se reunir pra resolver nosso caso. A gente não tem mais idade nem

pra ficar esperando o momento certo pra se juntar.

M. BENIGNA

— Calma Seu Eugênio. Eu preciso falar com o Padre. pedir seu consentimento, já que não

tenho pai nem mãe...

(PADRE BONFIM ENTRA AFOITO)

PADRE

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— Que Deus abençoe a todos. E o Senhor Prefeito?

DELEGADO

— Até agora, nada.

M. BENIGNA

— A bênção, seu pároco. Desculpe não ter ido hoje à missa.

PADRE

— Deus a abençoe, filha. Está perdoada. Mesmo porque, rezei mais depressa hoje pra não

chegar muito atrasado. Nem teve comunhão... Mas pelo visto...

DELEGADO

— Há males que vêm pra bem. Estava agora mesmo falando com a Benigna, sobre o

nosso futuro.

M. BENIGNA

— Pois é, o futuro da cidade, da população, depois da visita...

PADRE

— E já é tempo de incluir ai o seu futuro, cara mestra.

DELEGADO

— Tá vendo Benigna? Até o Padre já acha que é tempo.

PADRE

— Já está passando, filha. Afinal, porque não oficializar logo este noivado, se a cidade

toda já comenta o romance?

M. BENIGNA

— Todo mundo então já sabe?

PADRE

— E estão ansiosos para comer do bolo.

PREFEITO (entrando apressado)

— Queiram por favor desculpar o atraso. Mas é que haviam vários eleitores querendo

saber detalhes da vinda do nosso ilustre Deputado. E sabem como é, não? Atende um, dá uma

Aralen para outro e a gente termina por atrasar os compromissos mais sérios.

PADRE

— Não tem problema, caro Prefeito. São ossos do ofício. Este povo não escolhe hora para

incomodar. Comigo é a mesmíssima coisa. E um que pede reza, bênção, o diabo a quatro...

M. BENIGNA

— Na escola não tem problema. Avisei que ia chegar tarde.

DELEGADO

— Vale qualquer sacrifício pela visita. E o nosso futuro.

PREFEITO

— Então vamos lá: Cara mestra, como vão os preparativos?

M. BENIGNA

— As bandeirinhas já estão todas prontas, o hino ensaiado e os alunos hoje vão sem farda,

pra dar tempo de lavar e engomar para a hora que forem lá. Da parte que me toca está tudo pronto.

A escola vai cantar como nunca... Agora quanto a consertar o banheiro, carteiras...

PADRE

— Bom, não vai dar tempo. Agora quanto ao baile de São Gonçalo, os passos já estão

sabidos, a letra decoradinha. Só faltavam mesmo as cordas do violino do Sr. José, mas já comprei

com os donativos dos fiéis. E como é uma promessa velha deles, vão caprichar. Cada um vai mais

ricamente enfeitado que o outro.

DELEGADO

— E cachaça tá proibida de vender. Desde hoje em Bom-qui-dói, só se toma garapa.

PADRE

— Mas precisa alegrar um pouco a cidade, Sr. Eugênio. Quero dizer: no baile, acho que

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pode! Ou não?

PREFEITO

— E... Todos têm razão. A gente diz que não pode, mas podendo, não é mesmo?

M. BENIGNA

— Agora só falta mesmo é a confirmação da chegada.

PREFEITO

— Exato. Vamos ao telefone.

TODOS

— Vamos (Ligam para a Capital).

(NO QUARTO DO DEPUTADO, O TELEFONE TOCA. ESTE DORME. D. DADÁ, VINDO DE

OUTRO QUARTO, DE CAMISOLA, BOBIES, ATENDE ENRAIVECIDA).

D. DADÁ

— Alô... Inferno. Isso lá é hora de se acordar alguém... Alô...

PREFEITO

— Alô. Aqui fala da Prefeitura de Bom-qui-dói...

D. DADÁ

— O que dói?

PREFEITO

— Quem fala, por obséquio?

D. DADÁ

— E isso é lá da sua conta? Sou eu, Dadá, por que?

PREFEITO

— Dona Dadá? Muito bom dia minha cara senhora. Aqui é o prefeito da cidade de Bom-

qui-dói. Queira desculpar o inconveniente da hora, mas é que precisamos falar urgentemente com

Sua Excelência, o Sr. Seu Marido.

D. DADÁ

— Ah, é Prefeito? Um momento. Queira esperar um pouco. (Dirige-se à cama do

Deputado que dorme. Pega um sino e badala forte, proferindo impropérios por ter sido acordada tão

cedo). — (Na Prefeitura, todos colados ao telefone, aguardam ansiosos).

PREFEITO

— Foi a esposa que atendeu, a D. Dadá. Foi chamar o Deputado que deve a esta hora estar

despachando no escritório.

(PADRE BONFIM ALEGRA-SE).

D. DADÁ

— Acorda traste e atende essa cambada de puxa-saco que não me deixa dormir sossegada.

DEPUTADO (sonolento)

— Alô? Quem fala?

PREFEITO

— Muito bom dia ilustre Chefe. Aqui é o Prefeito de Bom-qui-dói. Estamos aqui reunidos

na Prefeitura acertando os últimos detalhes da recepção. Gostaríamos então de confirmar a hora

certa da chegada... (O Deputado deixou cair o telefone e volta a dormir. D. Dadá, irritada, apanha o

telefone).

D. DADÁ

— Alô. Queira desculpar, mas é que Nhonhô recebeu um chamado urgente no outro

aparelho.

PREFEITO

— É um prazer, D. Dadá, voltar a falar com a senhora. Não tem problema. Eu espero o

nosso ilustre Deputado desocupar-se...

PADRE BONFIM

— Um momento, Sr. Prefeito. (Toma o telefone do Prefeito e fala) — Alô? Quem fala?

D. DADÁ

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— Quem fala é Dadá.

PADRE BONFIM

— Dadá?

D. DADÁ

— E quem duvida?

PADRE BONFIM

— Padre Bonfim.

D. DADÁ

— Repete.

PADRE BONFIM

— Bombom... (Na Prefeitura, olhares surpresos).

D. DADÁ

— Não!

PADRE BONFIM

— Sim...

D. DADÁ

— Mas onde te escondes Bombom?

PADRE BONFIM

— Nesta próspera e hospitaleira cidade de Bom-qui-dói.

D. DADÁ

— Largaste a batina, Bombom?

PADRE BONFIM

— Ainda não. Quero dizer: Faço parte da Comissão de recepção para esperar você e o

Deputado.

D. DADÁ

— Eu?... Mas como é mesmo o nome desse fim de mundo?

PADRE BONFIM

— É Bom-qui-dói.

D. DADÁ

— Ah!... vai ser é ótimo... Bombom, desta vez você não me escapa. Agora uma outra

perguntinha. Por acaso aí tem eleitorado suficiente para ajudar a eleger um deputado?

PADRE BONFIM

— Mas é óbvio. E olha Dadá, é bom não desperdiçar nenhum voto. E ademais podem

contar com este servo de Deus para o que der e vier.

D. DADÁ

— Vê lá como fala, heim Bombom? E os eleitores são mesmo fiéis?

PADRE BONFIM

— Eu sou ou não sou o pároco? Quem não quiser votar conosco, será ameaçado com o

caldeirão do inferno.

D. DADÁ

— Mas que notícia alvissareira... E quando devemos chegar?

PADRE BONFIM

— Ainda hoje, porque amanhã à noite, toda cidade irá recepcioná-los, entre outras

manifestações.

D. DADÁ

— Hoje? Mas é hoje mesmo?

PADRE BONFIM

— Hoje a qualquer instante.

D. DADÁ

— Então está confirmado.

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PADRE BONFIM

— Que Deus a abençoe. A cidade sensibilizada agradece. (Desliga o telefone). (D. Dadá

inicia os preparativos da viagem).

PREFEITO

— Desligou? E o Deputado?

PADRE BONFIM

— Podem ficar sossegados. Estará ainda hoje aqui.

M. BENIGNA

— Meu pai do céu, então vou logo botar o pato no vinho d’alho.

PREFEITO

— Calma professora. A comida não será problema. A dormida é que vai ser. Lá em casa

não tenho bons cômodos...

DELEGADO

— Querendo na Delegacia..

PREFEITO

— Muito obrigado Seu Eugênio, mas não fica muito bem.

PADRE

— Na sacristia muito menos porque a centina fica no quintal.

PREFEITO

— Então será mesmo na casa da nossa cara mestra.

M. BENIGNA

— Minha Nossa Senhora, mas lá em casa só tem um quarto! E os meus gatinhos?

PADRE

— Bom, está resolvido. Os gatinhos dormem no telhado. Dadá, quero dizer, a D. Dadá, se

hospeda com a Senhora e o Deputado fica aqui na Prefeitura no quarto de hóspede. Com cama,

rede, guarda na porta da frente e dos fundos. Dadá vai achar tudo “sui generis”. É muito simples,

nos conhecemos desde criança...

PREFEITO

— Então não falta mais nada. Vamos agora cada um para sua casa, pois vamos ter ainda

muito trabalho pela frente.

(NO QUARTO, D. DADÁ TERMINOU DE FAZER AS MALAS. PEGA O SINO E ACORDA

NOVAMENTE O MARIDO).

D. DADÁ

— Acorda Nhonhô. Isso é coisa que se admita? O sol já está alto e este pamonha a

dormir...

DEPUTADO (sonolento)

— Anota tudo Dadá...

D. DADÁ

— Que anota coisa nenhuma. Então será preciso que eu tome mais uma vez a iniciativa de

garantir o nosso futuro político?

DEPUTADO

— A viagem pode te cansar, Dadá. Pensei que não quisesse ir.

D. DADÁ

— Mas como é que não? Então vamos jogar fora tantos votos? Não custa nada um

sacrificiozinho... Vamos, levanta para não atrasar a viagem.

DEPUTADO

— Eu não entendo; da última vez, foi aquele Deus nos acuda... e agora...

D. DADÁ

— E cala essa boca. Não vês que agora são centenas de votos garantidos? E vamos logo

que a viagem é pra já.

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(LUZ/FOGUETES E MÚSICAS DE BANDAS ANUNCIAM A CHEGADA NA CIDADE DO

DEPUTADO COM D. DADÁ. NO PALANQUE, AS AUTORIDADES LOCAIS, MAIS OS

RECÉM-CHEGADOS. A PROFESSORA, COM OS ALUNOS QUE ENTRAM MARCHANDO

E PORTANDO BANDEIRAS DO BRASIL, PERFILAM-SE E SOB A REGÊNCIA DE D.

MARIA BENIGNA, CANTAM UM HINO. “NO PALANQUE ENFEITADO” D. DADÁ

FLERTA COM O PREFEITO. COCHICHA COM O PADRE BONFIM. O DEPUTADO

BOCEJA, ENFADADO! NA PRAÇA, OS MORADORES DA CIDADE APLAUDEM.

ESTRELA DÁ UMA DÚZIA DE OVOS PARA D. DADÁ, QUE NÃO SABE O QUE FAZER

COM A CESTA. VÁRIOS PRESENTES INUSITADOS (LEITÃO, FRUTAS, ETC) SÃO

OFERECIDOS AOS VISITANTES.)

CASA DE ZÉ E ESTRELA

ESTRELA

— Esse cordão eu não quero, é falso.

— Valei-me meu S.Gonçalo! Mas eu não tenho mais dinheiro pra comprar um de verdade.

ESTRELA

— Mas isso o Santo não aceita. Pode até castigar...

— Mas que castiga coisa nenhuma. Castigo é tu não aparecer como guia para pagar a

promessa.

ESTRELA

— Mas de cordão falso eu não danço. O que a mulher do Deputado vai dizer?

— Vai dizer é que estás a brincante mais formosa da noite, isso sim!

ESTRELA

— Vai pensando, vai!.., a professora já me disse que as outras foram até na capital pedir

jóia emprestada.

— Tá vendo? Essa é de pouco valor, mas é tua.

ESTRELA

— Mas quem vai saber se não são delas a porção de ouro? Só se tu na hora do baile sair

dizendo pra todo mundo.

— Te sossega Estrela. Como é que eu vou tocar no baile e sair espalhando boato?

ESTRELA

— Ah!... então não é boato? Não é mesmo! É que os homens delas dão cordão, pulseira,

tudo de verdade. Eu é que não tenho sorte. Só ganho isso, que no primeiro suor fica tudo preto...

São Gonçalo gosta é de ver muito ouro no pescoço, nos dedos dos brincantes.

— Mas meu Deus do céu, eu já não te dei vestido bonito, novinho em folha, essas

alpercatas, fita da cor que tu pediste?

ESTRELA

— Se tu fosses marido que quer bem, dava o resto. Por isso é que a outra fez o que fez

com o baixinho dela. Bem feito; até filho que é bom, só deu um...

— Olhe, Estrela: Mais respeito, viu? Meu compadre não é homem pra se ficar mangando.

E eu não sou pra carregar desaforo de mulher assim só!... Vê bem como tu fala.

ESTRELA

— Ah! é assim? Pois então não danço! Não tem promessa que me faça enganar o santo. E se na

hora do baile o santo desconfia que no meu pescoço só tem jóia falsa? Quem é castigada sou eu.

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— Estrela deixa de ser tinhosa... O santo é bom, mas não é ourives. Ora vejam só!...

ESTRELA

— É, mas lá pro outro lado teve uma que perdeu o marido por castigo de S. João. Vê bem,

eu só tou te alertando. Pode até ser que tu mesmo te arrependa.

— Castigo do santo, nada. Ele morreu foi na aposta que fez com ela pra ver quem era

melhor de cana. Ele grandão, mas frouxo, bateu as botas. Ela comprida, fininha, mas que não é

besta, fazia que bebia e derramava pro lado. Eu tava lá, eu vi! Um bateu as botas, a outra bate perna

até hoje de junho a junho.

ESTRELA

— Mas cordão falso eu não boto no pescoço. Era só o que faltava. Pra que eu casei? Hein?

Diz pra mim?...

— Quer descasar? E pra já!...

ESTRELA

— E a promessa?

— Eu não fiz promessa para casar!

ESTRELA

— Mas jurou no padre.

— Mas não que ia te dar cordão de ouro.

ESTRELA

— Mas que ia ser feliz pra sempre.

— E pra ser feliz precisa cordão de ouro? Tem gente que é feliz como quê, sem um cordão

no pescoço!...

ESTRELA

— Mas tudo tem cordão de filho. Dá no mesmo!

— E como é que nós podemos ter muitos filhos se casamos este ano? Bem que eu quis me

adiantar!...

ESTRELA

— Me respeita seu José!... Eu sou filha de família!... Ichi que na minha casa, as filhas de

minha mãe com o meu pai, iam engravidar antes do tempo!... Me respeite que eu não me chamo

preá nem tenho parentesco com cachorra!

— Mas ora vejam só que teimosa: rocei, plantei, vendi tudo pra te enfeitar e agora essa

desfeita.

ESTRELA

— Porque tu não pedes um boi pro santo pra vender? Depois tu paga!

— Pagar com que?

ESTRELA

— Com dinheiro, ora essa!

— Mas se tu queres o dinheiro para comprar cordão, como eu vou pagar?

ESTRELA

— Com o que sobrar.

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— E se não sobrar ou se a gente não vender a carne toda?

ESTRELA

— Tu salga e vende as postas na quitanda do teu primo.

— Que quitanda. Estrela. Ele só tem quitanda no mês de junho!...

ESTRELA

— É só deixar o ano todo!...

— Pra vender fiado o ano todo?

ESTRELA

— Mas de cordão de lata eu não danço.

— Que dança, dança.

ESTRELA

— Eu quero ver quem me obriga.

— Eu já disse que dança, é porque dança.

ESTRELA

— Pois eu já disse que não danço é porque não danço!

— Ora se dança. Ou por bem, ou por mal!

ESTRELA

— Então eu quero ver quem é o macho que vai me fazer dançar.

ZÉ (tirando o cinto)

— Eu tô dizendo que dança é porque vai dançar.

ESTRELA

— Socorro!... D. Benigna, me ajuda! Socorro!... Eu tô sendo enforcada... Ai... Ai...

— Não grita, D. Estrela. É pior. Isso é pra respeitar fala de homem... (continua batendo).

(Entra D. Maria Benigna).

M. BENIGNA

— Para seu Zé! Onde já se viu bater em mulher?

— Me desculpe a senhora que tem educação, essas coisas todas, mais pra curar cantilena

de mulher briguenta nada como umas relhadas...

ESTRELA (abraçada a D. Benigna)

— Eu vou embora (chorando) aqui não fico mais nem um pouquinho.

M. BENIGNA

— Vamos acalmar os ânimos... Depois agente pensa na melhor solução para o caso. Logo

hoje dia de festa, com o Deputado e a esposa na cidade... ainda bem que a D. Dadá saiu...

— Por mim já acabou!

ESTRELA

— Mas pra mim não vai acabar nunca. Eu tô toda esbaqueada...

M. BENIGNA

— Mas seu José. Isso é coisa que se faça a uma esposa?

— Pior é quando se bate em quem não é parente nem aderente...

ESTRELA

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— Tá vendo professora? Isso é com a senhora.

M. BENIGNA

— Comigo? Não entendi.

ESTRELA

— A senhora não dá de palmatória nos alunos?

M. BENIGNA

— Bom, mas isso é na hora da tabuada...

— O que não está certo; a senhora me desculpe o atrevimento.

M. BENIGNA

— Sr. José, na minha escola mando eu.

— E na minha casa, eu.

ESTRELA

— Deixa de ser estúpido seu cavalo.

— E deixa de te fazer de besta, porque meu sangue ainda está fervendo!...

M. BENIGNA

— Ah! não, na minha frente não!

— Olhe professora, é bom que a senhora cuide do seu gato, porque desta onça, cuido eu.

M. BENIGNA

— E não se faça de atrevido, porque eu falo com O Prefeito.

— Pode falar até com o Presidente, que eu não tenho medo de macho. E vá dá de mamar

pros seus gatos, antes que derrube uns três de espingarda!...

M. BENIGNA

— O que? Ameaças é? Isso é caso de polícia. O Sr. vai ver com quem está falando!... (sai

gritando “polícia!”).

— Ora vejam só, me aparece cada uma! Quanto mais eu rezo, mais assombração me

aparece...

ESTRELA (Choramingando)

— Mas de cordão falso eu não danço.

— Olha essa menina. Não me aperreia mais que eu já tô com a muleira doendo...

ESTRELA

— Se estás com a muleira doendo é eu? Estou escangalhada!... Vou voltar para o Rosário,

lá isso não me acontecia... Falso!...

— Hum, hum!...

ESTRELA

— Tudo me dói. Tu me esquartejaste toda, seu cavalo sem sela!

— Deixa de ser niquenta!...

ESTRELA

— Niquenta, é? Eu não posso nem me mexer!... Agora mesmo é que não danço.

— Tu me obrigas a perder o freio mulher.

ESTRELA

— Quem não tem freio, então não monte a cavalo.

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— Ou é em égua. é isso?

ESTRELA

— Eu, égua? Nunca fui tão insultada!

— E eu monto em quem?

ESTRELA

— Em mim é que não mais. Nunca pensei que fosse sair de casa do meu pai pra ser

montada, esporada, chicoteada.

— A gente também gosta de bicho, não gosta?

ESTRELA

— Mais do que de gente.

— Então pra que a ofensa?

ESTRELA

— Porque fui chamada de jumenta.

— De égua!

ESTRELA

— Dá no mesmo. Tu gostaria de ser chamado de bicho?

— Depende do bicho.

ESTRELA

— De cachorro?

— De cachorro não, que eu não gosto de cachorrada...

ESTRELA

— De veado?

— O que? Mais respeito siá, que eu não sou homem de ser desmoralizado por mulher.

ESTRELA

— Ah! É bom? É?

— Mais gente, égua é ofensa? Ajuda a gente em tudo, só come capim, não fica doente... É

até melhor do que certas mulheres por aí... Quebra cada galho... Quando se é menino então nem se

fala...

ESTRELA

— Melhor do que eu, então é isso?

— Pra umas coisas até que sim.

ESTRELA

— É? Pois então vai no campo, prepara uma outra e manda ela dançar, porque esta égua

aqui tá mancando e não dança.

(A PROFESSORA M. BENIGNA CHEGANDO COM DOIS POLICIAIS).

M. BENIGNA

— O que é isso senhora, lhe chamando de quadrúpede?

— Não senhora, de égua mesmo, e não é lá da sua conta, porque conversa de dois, não

chega pra três.

POLICIAL 1

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— Mais respeito com a professora e com a lei.

M. BENIGNA

— E ainda tem a audácia de me desacatar na frente da polícia! Me respeite que eu sou

moça, ouviu?

— Ouvi, mas faço que não ouvi, pra não ter que lhe dizer poucas e boas.

M. BENIGNA

— E os senhores, o que fazem que não dão voz de prisão a este cangaceiro?

— Senhora de Deus, será que tá certo a senhora vir na minha casa me esculhambar? Pra

surrar duas é daqui pra li! (Parte para surrar a professora, mas é agarrado pelos dois policiais).

M. BENIGNA

— Isso não fica assim! Eu vou chamar o delegado! (sai gritando).

ESTRELA

— Seus guardas não machuca ele, se não quem vai ter trabalho sou eu.

POLICIAL 1

— Só estamos cumprindo ordem, dona. (Soltando-o).

— E desde quando aquela sirigaita já manda na polícia?

POLICIAL 1

— É que ela chegou aos gritos, pedindo socorro e a gente nem teve tempo de avisar o

delegado.

— E se nesse pedaço alguém precisar de um ou de outro?

POLICIAL 1

— Eu já nem sei o que faço. Se fico ou se volto.

— Faz o seguinte: manda o outro aí pra delegacia avisar pro delegado que não foi nada

demais.

POLICIAL 1

— Mas ele é mudo.

— Então ele fica e ouve o que tenho pra dizer.

POLICIAL 1

— E surdo também!

— Mas que diabo de soldado é esse?

POLICIAL 1

— Cortaram a língua dele lá pras bandas donde nasceu.

ESTRELA

— Porque, era muito grande?

POLICIAL 1

— Briga no ensaio de boi.

— E como não escuta, se não cortaram as orelhas?

POLICIAL 1

— Paulada, mestre, durante a mesma briga.

— Vamos nos abancando! Faz um café aqui pros soldados, Estrela...

POLICIAL 1

— Não precisa se incomodar, dona.

ESTRELA

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— Não há de que.

POLICIAL 1

— Pois se é assim!... quer café, língua de trapo? (Ao policial que só faz gestos).

— Mas como eu ia lhe contando!... Vai pra cozinha Estrela. E quando o café estiver

passado, grita de lá que a gente vai tomar na beira da tacuruba mesmo. (Estrela sai).

POLICIAL 1

— Alguma coisa pra gente resolver? Se for ladrão de gado, o língua aí já andou sabendo

pra onde que tão mandando as res.

— Não se trata disso. Mas me diga uma coisa: o seu colega aí é de confiança. não?

POLICIAL 1

— Ó gente, nem se preocupe. E além do mais com essa sina!...

— Mas eu quero lhe explicar é sobre a professora!...

POLICIAL 1

— Essa que acabou de sair, dando chilique?

— Essa mesma. Não vá levando em consideração essas queixas, porque isso é coisa de

mulher sem-vergonha.

POLICIAL 1

— O que? (Assustando-se) A professora do município?

— Pois bem.

POLICIAL 1

— Vai se ficar em mulher, meu S.Raimundo dos Mulundus.

— Ela é das brabas.

POLICIAL 1

— Não pagou, ela corta (Caem na risada).

— Pior.

POLICIAL 1

— Tem doença do tempo.

— Mas antes fosse.

POLICIAL 1

— Então que diabo que essa mulher tem? (O mudo ri o tempo todo).

— Tem a xoxota raspada.

POLICIAL 1 (Espantado)

— Mas quem raspa não é puta?

— E é o que ela é!

ESTRELA (Aparece na porta e se esconde).

POLICIAL 1

— Puta?

— Puta da silva!

POLICIAL 1

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— E com quem puteia?

— Bom, aí eu não posso falar!

POLICIAL 1

— Com o mestre aqui?

— Fale baixo, olhe a Estrela!

ESTRELA (Entrando e ouvindo o resto da conversa)

— O que? Então tu tem mulher da vida?

POLICIAL 1

— Senhora, me desculpa, mas não se trata disso!

ESTRELA

— Como não se trata? Eu ouvi a ponta da conversa. E só não repito, por ser mulher de

respeito.

— É isso que dá escutar conversa atrás da porta, conversa de homem é conversa de

homem.

ESTRELA

— Ah, é! Pois fique sabendo que não danço.

POLICIAL 1

— Mas quem falou em dançar?

— Conversa de marido e mulher, ninguém mete a colher.

POLICIAL 1

— Me desculpe, já tô de saída.

ESTRELA

— Que não vai sair, não vai. Enquanto não me destrinchar essa bandalheira toda.

— Ele não tem culpa, Estrela.

ESTRELA

— Como não tem culpa se tá sendo o alcoviteiro? (O mudo ri).

POLICIAL 1

— Senhora, por essa luz que tá nos alumiando, que eu não tenho nada com o peixe.

ESTRELA

— Ah! Então é um peixão? Piranha, só se for.

— Modera os termos, Estrela!

ESTRELA

— E tu modera teus procedimentos (chora).

POLICIAL 1

— Mas antes eu não tivesse vindo.

ESTRELA

— Ainda por cima, chifruda. Eu fui traída pelas costas.

— Gente se acalma. Estrela do céu, te senta.

ESTRELA

— Como sentar, se tô inchada?

POLICIAL 1

— Mas então, senhora, fale baixo, olhe a vizinhança. Tem gente grande na cidade!...

ESTRELA

— Bando de fingidos. Vou voltar pra minha terra, lá, sim, sou amiga de todos. Aqui, não

fico.

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— Mas então cala a boca.

ESTRELA

— A língua coça, e o peito arrocha!...

— Então abre a boca, mas não fala. Escuta só!

ESTRELA

— Tá um zumbido!... Eu acho que vou perder os sentidos.

POLICIAL 1

— Dê fumo de rolo pra cheirar.

ESTRELA

— Se me fizeres isso, Zé, eu juro que me afogo no poço.

POLICIAL 2 (Fazendo gestos de que vem vindo gente).

POLICIAL 1

— O língua aí tá dando um aviso que vem vindo gente lá no fim da rua...

— Então escutem só.

POLICIAL 1

— Estamos escutando.

— Não falem pra encurtar conversa.

— Negócio seguinte: sabe a professora?

POLICIAL 1

— Pois sim!

ESTRELA

— Te apressa logo!

— Cala a boca!

ESTRELA

— Não calo. Quem manda eu calar a boca é meu pai e minha mãe.

— Então eu não conto o que sei.

ESTRELA

— É fuxico? Não acredito que a D. Maria Benigna tenha falado mal de mim. Uma vizinha

tão distinta!...

— Que fuxico. Estrela. Eu mesmo vi com esses olhos que a terra vai comer.

ESTRELA

— E porque não disse antes?

— E eu lá sou homem de andar enxovalhando os outros?

ESTRELA

— Então tem coelho nesse mato. Só pode ser contigo esse segredo.

— Deus me livre e guarde! E como eu tava dizendo, pelada!...

ESTRELA

— Quem tava pelada?

— Ela.

ESTRELA

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— Ela quem?

— A professora.

ESTRELA

— E desde quando professora não muda roupa?

— Mas o negócio é pra quem se tira!

ESTRELA

— E quando?

— De noite.

ESTRELA

— Foi visagem ou croacanga!

— Visagem não remexe. E croacanga não tira roupa.

POLICIAL 2 (Fazendo sinal de que tem gente chegando).

POLICIAL 1

— O língua tá avisando que tão chegando!

ESTRELA

— Mas com quem a professora remexeu?

— Com o prefeito.

POLICIAL 1 (Faz continência - POLICIAL 2 dando gargalhada - ESTRELA desmaia). Entra o

delegado com a professora).

PROFESSORA

— Eu não disse? Matou! (Chora).

DELEGADO

— O que os senhores estão fazendo aqui que não dão voz de prisão a este cabra?

POLICIAL 1 E POLICIAL 2 (Perfilados)

— Não há porque!

DELEGADO

— O que estão esperando? Metam o homem no xilindró! (Os dois indecisos).

PROFESSORA

— E agora?... Coitada, sem ninguém por perto, sem eira nem beira.

— Pode me prender seu delegado! Aliás eu já tava preso pelos seus soldados

DELEGADO

— Pra delegacia! E a senhora professora, cuida da defunta. Hoje não pode ter briga por

aqui!

PROFESSORA

— E as visitas?

DELEGADO

— Sua Excelência tirando um cochilo e a D. Dadá qualificando o eleitorado.

(LUZ . CENA NA CADEIA - DELEGADO, ZÉ E OS DOIS POLICIAIS)

POLICIAL 1

— Seu Delegado, o senhor me desculpa, mas é bom ouvir o homem ai!

DELEGADO

— Ouvir o que? Onde já se viu matar a mulher a pau?

POLICIAL 1

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— Não tá morta não senhor. Tava passando café pra gente.

DELEGADO

— Quando ele traiçoeiramente deu uma paulada por trás!...

POLICIAL 1

— Ninguém deu paulada!

DELEGADO

— E o senhor se cale e não venha defender um matador de mulher.

POLICIAL 1

— Senhor, ele não matou!

DELEGADO

— E por acaso eu não vi? Está dizendo que estou mentindo? Pra cela também. (Pro

policial 2) Meta esse aí também.

POLICIAL 2

— (Agarra o Policial 1 e põe na cela com Zé).

DELEGADO

— Agora está satisfeito?

POLICIAL 2 (Faz sinais tentando explicar o fato...)

DELEGADO

— O que? Os dois ai vão fazer bandalheira? Mas onde já se viu? (Para o soldado preso) —

Se tu tem esse defeito de te ajuntar com homem fica sabendo safado, que se ficarem na

semvergonhice, eu boto uma garrafa de pimenta no fiofó de vocês dois. Um pra não desmoralizar o

destacamento e o outro por ter enganado a mulher. Vai ver que foi por isso que matou a coitada.pra

POLICIAL 2 (Fazendo sinais, nervoso, de que o Delegado não está certo).

POLICIAL 1 E ZÉ - (espantados).

DELEGADO

— Fala de uma vez pústula! O que? Eu já não estou entendendo nada.

POLICIAL 2 — (Indica Zé pra que ele fale).

DELEGADO

— Ah! Então foi ele quem!...

— Seu Delegado não é nada disso que o senhor está pensando!

DELEGADO

— Cala a boca qualhira!...

POLICIAL 1

— Seu Delegado, escute home!...

DELEGADO

— Eu não tenho que escutar porcaria nenhuma, e tenho nojo de quem escuta.

POLICIAL 1

— É coisa séria seu Delegado.

DELEGADO

— E o senhor ainda chama isso de coisa séria? Mas onde já se viu? Nas minhas barbas, e

eu nunca tinha desconfiado do senhor, seu soldado de droga.

(O MUDO CONTINUA A FAZER SINAIS).

— Olha aqui seu Delegado. Agora o senhor vai ter que me escutar. É sobre a xoxota da

professora.

DELEGADO

— O que?! Mais respeito e mais o dobro da pena.

— É por isso que eu não queria dizer pra ninguém!

POLICIAL 1

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— Conta logo Zé, que a situação tá preta.

DELEGADO

— Mais respeito com as partes de gente decente, seu cachorro!

POLICIAL 1

— Mas ele viu, seu Delegado!

DELEGADO

— Viu? E ainda deu pra espiar mulher banhando?

POLICIAL 1

— A professora, seu Delegado. não é flor que se cheire.

— É isso mesmo seu Delegado. É puta!

DELEGADO

— Fale baixo, seu cretino! (ESPANTADO)

— Tá bom eu falo baixo. Mas escute!

DELEGADO

— Vá lá! Mas se tá pensando que vai me enrolar, está perdendo tempo. E fale depressa,

porque vou já te despachar pra cadeia da capital.

— A Estrela não tá morta, seu Delegado!

POLICIAL 1

— Só perdeu os sentidos.

— Quando soube da sem-vergonhice!

DELEGADO

— Sem-vergonhice de quem?

— Da professora.

DELEGADO

— Da professora?

— Da professora.

POLICIAL 1

— Quem havia de dizer: da professora!

DELEGADO

— E porque o senhor não me disse logo?

— Sabe como é, né seu Delegado! Ela também é autoridade. E autoridade acadijuva

tramóia de autoridade!

DELEGADO

— Mas eu não, seu Zé, não eu!

— Pois é. mas nunca se sabe!

DELEGADO

— Mas como é que é sem-vergonha?

— Com quem havia de ser? Com o prefeito!

DELEGADO

— Traidora! Traiu a confiança, a moral da nossa gente!

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— Seu Delegado, mulher a gente trata é no cabresto. Mulher é bicho safado. Engana até a

sombra da gente.

DELEGADO

— Mas isso não fica assim.

POLICIAL 1

— Eu também acho!

DELEGADO

— Eu quero detalhes. E o senhor vai ajudar a desmascarar esta cambada de patifes.

— Com todo respeito.

DELEGADO

— Mas quem lhe disse?

— Eu vi.

DELEGADO

— Viu?

— Vi, sim senhor. Logo depois da boca da noite.

DELEGADO

— E pra que lado?

— No quintal da casa dela!

DELEGADO

— Feito bicho!

— Não, não foi ali. Eu reparei!

DELEGADO

— E saíram pra que banda?

— Pra dentro de casa mesmo.

DELEGADO

— E o que faziam no quintal?

— Foi só o encontro. Aí riscaram um fósforo e foi aí que reparei que ela tem periquita

raspada.

DELEGADO

— Não fale assim disso!

— Não falo não senhor!

DELEGADO

— Não fale pros outros. E aí?

— Bom, aí eu continuei meu caminho! Ia passando, escutei um assobio, até me arrepiou.

DELEGADO

— Dela o assobio?

— Tava escuro, não deu pra reparar. Aí quando dei conta do que tava acontecendo, botei o

rabo entre as pernas e perna pra que te quero... fui pra casa.

DELEGADO

— Ninguém viu o senhor?

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— Acho que não!

DELEGADO

— Bem, agora só tem um jeito! Pelo sim, pelo não, o senhor não fala a ninguém o

acontecido. Mas como é que eu pude ser besta a esse ponto... acreditar em promessa de promoção...

golpe desse salafra do Prefeito... e essa santinha de pau oco, quem é que podia acreditar?...

POLICIAL 1

— Isso é coisa até para sair no alto-falante, seu Delegado!

DELEGADO

— Cala a boca seu linguarudo! E saia já dai... Quanto ao senhor, seu José, querendo, está

livre.

— Por aqui a coisa tá mais segura...

POLICIAL 1

— Se o senhor quiser eu vou junto pra tocaiar.

DELEGADO

— Não precisa. Isso é arriscado. E tu aí língua, para de fazer careta, porque senão ainda

vai sobrar pra ti.

(LUZ. CENA PARALELA - CASA DE ZÉ – PREFEITURA

PROFESSORA - ESTRELA - PADRE (CASA)

DELEGADO - PREFEITO (PREFEITURA)

CASA

PADRE

— Em nome do Padre, do Filho.., falta a vela!

PROFESSORA

— Não dá tempo Sr. Vigário, benze sem vela mesmo!

PADRE

— Sem luz divina, não pode haver extrema-unção!

PROFESSORA

— Mas ela já tá morta, mesmo!... Coitadinha! (Chora).

PADRE

— Sem vela a alma não sobe aos céus!

PROFESSORA (Procurando pelos cantos)

— Serve lamparina?

PADRE

— Vela (orando).

PROFESSORA

— Tá bom, vou comprar na quitanda.

PADRE

— E não demora! (Professora sai).

PREFEITURA

DELEGADO (Entrando afoito)

— Muito bonito, seu Prefeito!...

PREFEITO

— Quem é que é bonito. Delegado?

DELEGADO

— O seu procedimento!...

PREFEITO

— Mas afinal eu sou o Prefeito, tinha que dar as providências cabíveis, afinal esta festa

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tem que ficar gravada na mente de todos. Não esqueça Delegado que do andamento da festa,

depende todo o nosso futuro! E fale baixo pra não acordar o Deputado...

DELEGADO

— Não falo de festa coisa nenhuma. Eu falo é da Professora!

PREFEITO

— Mas de onde tirar dinheiro para consertar a escola? Sua Excelência já está ai com a

esposa e tudo! Não dava tempo de fazer banheiro, consertar carteira, essas bobagens!..

DELEGADO

— Mas pra bandalheira, tem tempo, não?

CASA

(ESTRELA ACORDANDO, TENDO O PADRE AO SEU LADO, AJOELHADO, REZANDO).

ESTRELA

— Padre? A bênção?...

PADRE — (Espantado, levanta-se e reza aos gritos) — (Estrela tenta acalmá-lo).

ESTRELA

— O que é isso Padre? Calma!... Foi só um desmaiozinho besta. Cruz credo, morrer logo

hoje na chegada do Deputado!.. Dia de baile!... (A professora entrando com uma vela acesa desmaia

ao ver Estrela conversando com o Padre).

PREFEITURA

PREFEITO

— Bandalheira de quem?

DELEGADO

— De quem havia de ser?

PREFEITO

— Da oposição!

DELEGADO

— E aqui lá tem oposição?

PREFEITO

— Então já sei! Do Padre!

DELEGADO

— Esse reza conforme a missa...

PREFEITO

— Mas então se explique Sr. Delegado, eu não quero nada de errado nesta cidade,

principalmente hoje!

DELEGADO

— Mas a justiça pra ser boa, tem de começar pelos de casa!

PREFEITO

— Apoio e endosso as suas palavras.

CASA

PADRE

— Não há de ser nada! Foi a providência divina quem me trouxe até aqui!

ESTRELA

— Mas o que deu nela!

PADRE

— Não há tempo de saber. Rezemos!

ESTRELA

— Pronto, será que ainda vai ter o baile?

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PADRE

— Claro irmã! Sua Excelência vem de tão longe pra que? Pra assistir um enterro?

ESTRELA

— Seu Padre, um momento! Não comece a rezar.

PADRE

— Porque. está viva a morta?

ESTRELA

— Não! É que eu não sei se é pecado!

PADRE

— Pecado, o que?

ESTRELA

— Não é pecado ser mulher da vida?

PADRE

— Pecado e dos grandes!

ESTRELA

— Então não reze!

PADRE

— E eu posso saber porque?

ESTRELA

— A professora é puta.

PADRE

— E quem comenta?

ESTRELA

— Toda a cidade.

(A PROFESSORA ACORDOU E FINGE-SE DE MORTA) - (O PADRE ESPANTADO)

PREFEITURA

DELEGADO

— Pois eu não apoio a sua atitude!

PREFEITO

— Mas como? Eu já não lhe prometi a promoção? Só falta o nosso Deputado acordar para

o pedido ser feito!

DELEGADO

— E em troca de que?

PREFEITO

— Da fidelidade aos nossos correligionários!

DELEGADO

— E por acaso o senhor está sendo fiel comigo?

PREFEITO

— E não estou?

DELEGADO

— Coisa nenhuma Sr. Prefeito. Eu fui traído. E todo mundo já sabe.

CASA

PADRE

— Mas então ela também traiu a todos...

ESTRELA

— Todos? E ela tem mais de um?

PADRE

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— E eu vou lá saber? Valei-me S.Gonçalo!

ESTRELA

— Dos males o pior, mas antes com o Prefeito que é viúvo...

PADRE

— Com o Prefeito?

PREFEITURA

PREFEITO

— Traído? E por quem?

DELEGADO

— Pelo senhor mesmo.

PREFEITO

— Alto lá Delegado!

DELEGADO

— Alto lá digo eu que sou o chifrudo.

PREFEITO

— Que conversa é essa, homem de Deus?

CASA

ESTRELA

— O Zé viu tudo.

PREFEITURA

DELEGADO

— O Zé viu tudo.

CASA

— Padre — Quando? Onde irmão? Meu Deus... (apavorando-se).

PREFEITURA

PREFEITO

— Mas viu o que? Quando? Onde?

CASA

ESTRELA

— De noite, no quintal da casa dela.

PREFEITURA

— O Senhor no quintal da professora.

CASA

PADRE

— Com a Professora? Ah! Bem... (aliviado).

PREFEITURA

PREFEITO (Atônito)

— Com a Professora? Eu?...

CASA

ESTRELA

— Bem coisa nenhuma. Isso vai acabar em morte.

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PADRE

— Calma irmã. Eu preciso me confessar (ajoelha-se junto a Estrela, benzendo-se.

Cochicha. Estrela dá um pulo, boquiaberta).

(D. DADÁ ENTRA NO MOMENTO EM QUE ESTRELA ESTÁ ATÔNITA. PADRE BONFIM

FICA SEM JEITO, GAGUEJANDO DESCULPAS).

PADRE (Gaguejando)

— Dadivosa Dadá!... O caldo está derramado... eu não tive outra alternativa senão

confessar a esta nossa pastora, o nosso deslize!... O nosso pecado!...

DADÁ

— Ah! Então quer dizer que não sabes guardar segredos. não?

PADRE

— O segredo da confissão, sim. Mas o que fizemos não foi confissão, foi um sacrilégio!...

DADÁ

— Daqui a pouco começa a trovejar, tantos são os impropérios aqui proferidos... E quanto

à senhora D. Estrela fique à vontade.., não precisa ficar dando chiliques... a senhora não gosta de

uma prevaricaçãozinha?...

PADRE

— Estamos todos perdidos.

ESTRELA

— Eu mesmo não. Porque sou mulher casada, honrada, que respeita pai, mãe, marido. Isso

me cheira a coisa do Cão!

DADÁ

— Alto lá! O que houve foi um ato de amor entre duas pessoas que guardaram por anos e

anos a chama do amor da juventude.

PADRE

— Fala baixo Dadá! Olha os fiéis!...

DADÁ

— Está bem! Dadas as restrições locais vamos logo resolver isso tudo, porque eu já estou

me cansando. Bombom (para o padre) você vai à Prefeitura preparar o terreno, contra possíveis

indiscrições. Eu me encarrego da professora. E a senhora D. Estrela faça o que achar melhor.

PADRE

— D. Estrela vai comigo senão quem vai acreditar?

DADÁ

— Mas que foi bom, foi. Ou não foi Bombom?

ESTRELA

— Virge Maria do Céu!... Gente, acabem com isso!...

PADRE

— Só me resta rezar e fazer penitência...

DADÁ (Gargalhando)

— Cuidado D. Estrela. Porque quem gosta, torna. (Saem Estrela e o Padre. D. Dadá

acordando a professora).

DADÁ

— Acorde Mestra, que todo mundo já sabe. E não desmaie porque vamos ter o que fazer

agora, antes que seja tarde...

DDAADDÁÁ(LUZ. DELEGACIA)

(D. DADÁ E A PROFESSORA (ENTRANDO AFOITAS) - SOLDADO 1 E SOLDADO 2 E ZÉ.

— Muito bom dia a todos. E fiquem à vontade...

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SOLDADO 1 ao SOLDADO 2

— Monta guarda na porta. língua.

DADÁ

— Foi bom encontrá-lo por aqui, caro Zé Vinagreira. Precisamos ter uma conversa séria.

SOLDADO 1

— Se me dão licença, vou até ali e volto já... (saindo seguido de um olhar malicioso de D.

Dadá) — (A Professora. nervosa).) — (Soldado 2 na entrada bisbilhotando).

DADÁ

— Bom a cena está perfeita. Aproxime-se futuro edil...

(ESTA CENA É MUDA. D. DADÁ, EM MÍMICA, CONTA A ZÉ QUE NÃO FOI A

PROFESSORA, TAMPOUCO O PREFEITO QUE ESTAVAM NO QUINTAL DA

PROFESSORA E SIM ELA E O PADRE. ZÉ, ATÔNITO, RI, BENZE-SE, PEDE

DESCULPAS. CENA PATÉTICA. -- SOLDADO 2 ENTENDENDO TUDO, DISFARÇA O QUE

PODE).

PROFESSORA (Interrompendo aflita)

É assim é. Estou falada e o pior, sem proveito.

— Me perdoa S.Gonçalo de ver o que não devia...

DADÁ

— Bobagens de interior. Provincianismo.

— Senhora, pode ser bobagem lá pras suas bandas. Mas por aqui é castigo e dos brabos.

PROFESSORA

— E se a cidade ficar sabendo eu sou capaz de perder o emprego.

DADÁ

— Nhonhô consegue sua transferência para a capital. E lá então poderá tirar proveito do

falatório.

PROFESSORA

— Mas eu sou filha de Maria e moça.

DADÁ

— Tolices cara mestra. Como Diretora tudo será permiudo.

PROFESSORA

— Com que cara eu vou aparecer hoje na festa?

DADÁ

— E precisa ser com outra?

PROFESSORA

— Eu nunca pensei que fosse ser desonrada sem ser...

DADÁ

— Tal. Quem manda esperar tanto tempo?

PROFESSORA

— E eu que sonhei tanto. Construí tantos castelos...

DADÁ

— Bobagem queridinha. O Delegado vai entender o seu sacrifício, o Prefeito não vai falar

nada senão, adeus verbas. E o Sr. José Vinagreira, vai ser vereador. Deixe comigo.

— Muito obrigado D. Dadá, mas de bandalheira eu já tou cheio.

PROFESSORA

— E eu não queria nem que soubessem do nosso romance, quanto mais...

DADÁ

— Melhor ainda. Vai todo mundo pra capital. Lá se faz vista grossa pra essas querelas.

PROFESSORA

— E a minha alma como é que fica?

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DADÁ — Garanto que a do Padre Bonfim não está nem aí. Coitado, na primeira vez é logo

descoberto. Nhonhô vai ter de promovê-lo a Bispo.

— Se me dão licença eu gostaria de dizer que tou bastante arrependido de ter visto.

DADÁ

— Vereador, o que se há de fazer com o caldo derramado? Continue vendo o que não viu

e estará tudo bem. (A Professora chora).

— Eu acho até que nem vi... O Padre?... não, não vi.

DADÁ

— Viu e vai continuar vendo o Prefeito.

— Coitado da D. Benigna. Me desculpe, senhora, pelo que não vi. Mas veja bem: no seu

quintal quem seria se não fosse a senhora?

PROFESSORA

— Pra que que eu fui dar: Alcoviteira...

DADÁ

— Devia ter entrado cerca a dentro Vereador. Assim participava dos comes e bebes.

— Senhora de Deus, fale baixo... Quem sou eu?

DADÁ

— Quem era, porque agora vai ser Vereador.

— Deus me perdoe. mas antes uma boa morte do que uma infeliz sorte.

PROFESSORA

— Vou fazer uma novena atrás da outra.

— Mas com o Padre, quem houvera de dizer não?

DADÁ

— Romance antigo vereador. Não foi antes porque não deu tempo. Entrou logo pro

seminário. Então foi agora. Isso é vontade feita de muito tempo. Comigo é assim. E eu lá sou

mulher pra guardar almoço pro jantar? (Gargalhando).

— Mas deixou. E tá dando congestão em todo mundo.

PROFESSORA

— Eu estou tão arrependida de ter alcovitada...

DADÁ

— Vai ganhar escola na capital, pronto. E, particular, pra ficar logo rica. Não é mesmo

Vereador?

— Dona Dadá. essa estória de Vereador deixa pra lá. O que eu quero é logo ir pra casa e

fazer a Estrela dançar.

PROFESSORA

— Mas depois de tudo o que aconteceu? Quase matou a pobre coitada..

DADÁ

— Mas que potência...

— Sabe como é, não? Não quis respeitar...

DADÁ

— Mas o que, ela também é chegada?

— Chegada a umas vaidades... não quer dançar hoje, porque não tem cordão de ouro.

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DADÁ (Para Zé)

— Chegue aqui... mais perto... pronto. Escolha um e leve pra D. Estrela. Não faça

cerimônias... cadê a valentia. a força? Chegue mais (oferecendo o pescoço para Zé tirar um cordão).

PROFESSORA (Sempre nervosa)

— Se Eugênio souber... acabou a minha esperança de arranjar marido.

DADÁ

— Ninguém mais precisa saber do acontecido. E se o boato se espalhar vai todo mundo

pra capital. Delegado, padre, prefeito. professora. E tudo com promoção. Política, meus caros, serve

para que nestas bandas? Prefeito vira Deputado pra Deputado virar Governador e por ai vai...

(LUZ . PREFEITURA)

(ESTRELA - PADRE - DELEGADO – PREFEITO)

(ESTRELA E O PADRE ENTRARAM UM POUCO ANTES E EM MÍMICA CONTAM O QUE

ACONTECEU DE FATO). — PREFEITO E DELEGADO DESMAIAM. O PADRE AFLITO

JOGA ÁGUA BENTA. ESTRELA ABANANDO-OS).

PADRE

— Então já foi tudo esclarecido. Rezem. Não houve nada demais com a graça de Deus

(encabulado). — (Delegado e Prefeito refazem-se do desmaio).

DELEGADO

— Mas então Senhor Prefeito, se não foi Vossa Excelência, me desculpe os insultos e os

tratos continuam. Culpa então do Zé que estava enxovalhando a honra de minha futura esposa.

ESTRELA

— Ah, isso é que não. Papagaio come milho, periquito leva a fama?

PREFEITO (Tentando apaziguar a situação)

— Vamos dizer que foi uma bebedeira, uma noite mal dormida e o Zé andou tendo visões.

É melhor acreditarmos nesta versão.

PADRE

— Qualquer uma serve desde que não seja a verdadeira.

ESTRELA

— Nada disso. O Zé não é dado a bebedeiras...

PADRE

— Então vamos rezar e esquecer o mal entendido.

DELEGADO

— Mas seu Vigário, onde tem fumaça tem fogo...

PADRE

— Mas isso na mata virgem meu caro irmão. Aqui, havendo fogo, apaga-se a fogueira,

não é mesmo caro Prefeito?

PREFEITO

— Claro! Precisamos apenas chamar até a nossa presença os demais envolvidos neste caso

e cuidarmos dos preparativos para o nosso baile. Afinal precisamos exportar a nossa cultura. E

ninguém melhor para avaliar a nossa riqueza cio que os nossos ilustres convidados.

PADRE

— Pode até sair em disco.

PREFEITO

— Na TV.

PADRE

— No rádio nem se fala.

ESTRELA

— Mas cadê o Deputado?

PREFEITO

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— Continua a dormir... Sabe como é viagem longa...

ESTRELA

— Por isso é que por isso...

DELEGADO

— Enquanto isso a D. Dadá faz visagem desde que chegou... Isso aqui tá virando cidade

grande...

PREFEITO (Sempre contornando)

— Contatos políticos... Senhora esperta. inteligente, sagaz...

ESTRELA

— Até demais pro meu gosto. Mas e então seu Delegado vai soltar o Zé ou não?

DELEGADO

— Já foi solto. Deve estar em casa à sua espera.

PADRE

— E rezem... que o pior já passou...

(ESTRELA VAI SAINDO QUANDO ENTRAM: D. DADÁ, ZÉ E A PROFESSORA).

ZÉ (Entrando)

— O pior tá ainda vindo seu Padre.

ESTRELA

— Cala a tua boca Zé!

PADRE (Espantado)

— Como disse? (Procurando apoio no Prefeito).

PREFEITO

— Ninguém falou, ninguém disse. ninguém viu...

— Então lá aqui quem não falou.

ESTRELA

— E que também não viu nem o que viu.

DADÁ

— O presente, Senhor José.

ESTRELA (Espantada)

— Que presente Zé?

DADÁ

— O que acaba de adquirir para você.

(ZÉ ENCABULADO PÕE O CORDÃO EM ESTRELA QUE FICA EUFÓRICA).

PADRE

— Mas não vá desmaiar dona Estrela.

ESTRELA

— Só se for de alegria...

DADÁ

— E o meu querido marido? (Olhares cúmplices).

PREFEITO

— Dormindo ainda.

DADÁ

— Bom, sendo assim eu preciso fazer ainda alguns contatos. Só espero que não tragam

tantos dissabores. Vamos cara mestra?

PROFESSORA - (Cortando)

— D. Dadá me desculpe, mas eu tenho que fazer ainda a bainha do vestido, engomar as

anáguas. Se a senhora não se incomoda...

PREFEITO

— Posso mandar algum auxiliar acompanhá-la...

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ESTRELA

— Eu também não posso.

— É que falta pregar boião na camisa, tirar uma galinha do choco, tanta coisa...

DADÁ

— Não tem problema. Já fiz o reconhecimento do terreno. Mas antes devo passar pela

delegacia. Esqueci um lencinho lá...

PROFESSORA

— Senhor Eugênio eu preciso de uma conversa urgente. Fique por favor.

PREFEITO

— Pode ser menos formal senhora professora. Já sabemos que hoje haverá cerimônia de

pedido de casamento formulado pelo nosso aguerrido Delegado...

DADÁ

— Brindemos...

PADRE

— Oremos todos...

ESTRELA

— Viva os noivos... (Vivas).

(O DEPUTADO DE PIJAMA, SONOLENTO, ENTRA NA SALA).

DEPUTADO

— Que horas são? Tá na hora da festa?

(VIVAS AO DEPUTADO).

DADÁ

— Não. Ainda não. Pode voltar e descansar mais um pouco.

— Ele tá com interícia?

DADÁ

— É que trabalha muito na capital... Ah, Sr. José, a vida de um Deputado tem sacrifícios

que o senhor não pode imaginar!

— Mas posso ver. (Prefeito olha-o sério).

DADÁ

— Pois é... Mas antes querido Gonçalo quero te participar que nossos correligionários

terão que ser agraciados pelos excelentes trabalhos que vêm prestando ao nosso partido.

PREFEITO

— Ora, não há porque. Nós é que nos honramos com esta ilustre visita.

DEPUTADO

— Anota tudo Dadá. Se me permitem vou tirar mais uma soneca. (Sai bocejando).

PADRE

— E agora vamos todos para os preparativos finais que São Gonçalo não espera.

LUZ . CENA PARALELA - CASA DE ZÉ E DELEGACIA

(ZÉ E ESTRELA EM CASA. ESTRELA BOQUIABERTA, MUDA. ZÉ AO SEU LADO

ESTÁTICO).

ESTRELA (Num rompante)

— De cordão de ouro eu não danço. (Delegado e Professora na Delegacia). (A Professora

chorosa).

PROFESSORA

— Fiz tudo isso pelo nosso futuro. E agora não precisa mais casar.

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CASA

— Que dança, dança...

DELEGACIA

DELEGADO

— Agora é que vamos casar e na frente de todos.

CASA

ESTRELA

— Que pouca vergonha 1 Vai todo mundo pro inferno!

DELEGACIA

PROFESSORA

— Mas não com esse padre sem-vergonha.

CASA

— Mas Estrela do Céu... O santo não viu. Como é que vai castigar?

DELEGACIA

DELEGADO

— A gente casa no juiz e pronto.

CASA

ESTRELA

— Mas quem houvera de dizer, logo o padre. E pode?

DELEGACIA

PROFESSORA

— Mas só no civil? Eu queria tanto casar de véu...

CASA

— Não podia. Mas agora os tempos mudaram...

DELEGACIA

DELEGADO

— Então não precisa casamento. A gente se ajunta.

CASA

ESTRELA (Tirando o cordão do pescoço)

— De cordão de ouro eu não danço.

DELEGACIA

PROFESSORA (Estupefata)

— O que? Eu? Filha de Maria? (Desmaia).

CASA

— Vai começar tudo de novo...

(ESTRELA SAI CORRENDO E ZÉ ATRÁS COM O CINTO NA MÃO. O DELEGADO

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ABRAÇA A PROFESSORA. ESTA DESPERTA AFLITA E SAI GRITANDO EUFÓRICA. O

DELEGADO ATRÁS).

(BARRACÃO DA FESTA. CENA DO BAILE. UM ALTAR SIMULADO. BANDEIRINHAS,

VOZERIO. FOGUETÓRIO. EM CENA: DELEGADO E PROFESSORA, PADRE, PREFEITO,

DEPUTADO, D. DADÁ, SOLDADO 1 E SOLDADO 2, MORADORES. AS MULHERES

SEGURAM FIRMES NOS MARIDOS. OLHARES DE REPROVAÇÃO PARA D. DADÁ QUE

FLERTA DESCARADAMENTE COM O SOLDADO 1. O DEPUTADO COCHILA. CESSAM

OS RUÍDOS. ENTRA A MÚSICA DE ABERTURA DO BAILE DE SÃO GONÇALO. COM ZÉ

À FRENTE TOCANDO VIOLINO. ESTRELA ENTRANDO EM SEGUIDA COMO GUIA.

NÃO APARECEM OS DEMAIS INTEGRANTES DO CORDÃO).

ESTRELA (Cantando).

— Eu entro na sala, com muita alegria

Para ver São Gonçalo

Que é chegado o dia...

(Som de foguetes).

(GRITARIA. CONFUSÃO. TODOS APAVORADOS CORREM DE UM LADO PARA OUTRO).

POLICIAL 2

— Fogo no barracão... Fogo!...

ESTRELA (Espantada)

— Castigo do Santo...

TODOS

— Milagre! Milagre!... (Apontam para o Soldado 2 que falou).

(CORRERIA. DADÁ CORRE PARA A PLATÉIA COM O SOLDADO 1. OS DEMAIS

DESAPARECEM).

FIM