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A A S S P P O O T TE E N N C C I I A A L L I I D D A A D D E E S S D D O O L L I I T TO O R R A A L L Abril de 2005 Relatório Nacional da Campanha Coastwatch

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Abril de 2005 Relatório Nacional da Campanha Coastwatch

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Campanha Coastwatch 2004/05 – As Potencialidades do Litoral

GEOTA Abril 2005 2

Liberdade

Aqui nesta praia onde Não há nenhum vestígio de impureza,

Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente,

Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade.

De

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Campanha Coastwatch 2004/05 – As Potencialidades do Litoral

GEOTA Abril 2005 3

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS .................................................................................................................................... 4 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................. 5 ENQUADRAMENTO..................................................................................................................................... 6 ANÁLISE NACIONAL .................................................................................................................................... 8 OCUPAÇÃO DO SOLO ............................................................................................................................... 9 A VIDA NA FAIXA COSTEIRA..................................................................................................................... 12 A INTERVENÇÃO DO HOMEM................................................................................................................... 14 RESÍDUOS OU O VERDADEIRO RETRATO DA RELAÇAO HOMEM-NATUREZA............................................. 17 A RESPOSTA DA NATUREZA À AVAREZA DO HOMEM............................................................................... 20 COASTWATCH ENQUANTO PERCURSO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ....................................................... 25 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................ 27 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................... 29

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AGRADECIMENTOS

Porque a boa vontade é o ponto de partida e a muleta para embalar o caminho a percorrer, a todos os voluntários, cuja determinação permitiu contornar os percursos mais ou menos sinuosos - contribuindo para a concretização da 15ª Campanha Coastwatch - o nosso muito obrigado!

Re(conhece-se) o papel dinâmico de todos os envolvidos, directa ou indirectamente, na campanha, em especial os coordenadores regionais.

Ao Professor Carlos Sousa Reis que, apesar do seu intenso trabalho, encontra sempre forma de apoiar o Coastwatch.

E ainda ao Francisco Andrade, à Adelaide Ferreira e à pequena Maria, com a sua sabedoria e simplicidade são, para nós, mestres inspiradores...

A todos, os nossos mais sinceros agradecimentos.

Saudações ecológicas

A Equipa Coastwatch

Lurdes Soares & Teresa Venceslau

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INTRODUÇÃO Portugal possui uma grande diversidade de património natural e, muito particularmente, um elevado número de endemismos e de espécies relíquia do ponto de vista biogeográfico e/ou genético, consequência da sua localização geográfica e de condicionantes geofísicas; a riqueza nacional em biodiversidade constitui uma mais-valia quando comparada com a restante União Europeia; as áreas terrestres, costeiras e marinhas do nosso país compreendem diversos tipos de habitats que suportam grande número de espécies de fauna e flora; se por um lado, esta riqueza nos distingue, por outro confere-nos uma particular responsabilidade na sua protecção; torna-se sobretudo essencial que, ao contrário do que se verifica actualmente, esta riqueza seja conhecida, reconhecida e valorizada (Mota et al, 2004).

A costa portuguesa tem uma extensão, aproximada, de 1853km - distribuída por uma área continental de 950km, acrescida de 691km do Arquipélago dos Açores e 212km do arquipélago da Madeira – podendo classificar-se em quatro tipos principais: praias, arribas, zonas húmidas e costas artificilizadas. Deste, as falésias e as praias são os dominantes com cerca e 348 e 591km, respectivamente (adaptado de Andrade & Freitas, 2002). Visto assim, tais valores, sugerem que a faixa costeira é suficiente para agradar a todos os que à custa dela querem viver; sem oferecer qualquer rasgo de inquietude para com os que a denominam de frágil.

Debate-se o país com graves problemas no que concerne à sobre-ocupação das zonas costeiras e com as consequências que deste facto advêm. Até ao momento vários foram os diagnósticos à costa portuguesa, independentemente da localidade que ocupe – é talvez o tema que mais une regiões! Todavia este, como outros temas quando se tornam banais, caie, mais tarde ou mais cedo, na indiferença.

Tendo em conta a gravidade da situação e a importância desta faixa nas vertentes socio-económica, cultural e ambiental, onde residem ¾ da população e assentam, grosso modo, as actividades económicas imperantes, a costa alimenta ainda a plataforma continental e outros ecossistemas únicos. Lamurias à parte, e não descurando a questão da preservação, está na hora de “pegar” no rol de diagnósticos já elaborados sobre esta frágil e rica área e descobrir o que o litoral ainda pode oferecer, de forma a promover a sustentabilidade do país.

Numa tentativa do cidadão descortinar algo positivo numa área que há muito se associa a um cenário negro, o Projecto Coastwatch resolveu atribuir à campanha 2004/2005, o título: “Potencialidades do Litoral”. É portanto, objectivo deste relatório descrever a realidade monitorizada, deixando no ar a hipótese de potencialidade. Potencialidade esta, jamais interpretada como sinónimo de maior artificialização: nunca é demais enfatizar esta tónica!

O litoral pode ser reaproveitado a uma escala mais positiva e equilibrada. Avaliando o que, até agora, se fez de melhor, poder-se-á desenvolver actividades ao nível do lazer, desporto, natureza, investigação, entre outras que potencialmente encontrarão, neste panorama, fonte de alimento onde, por inerência, irão gerar mais-valias. E, esta será a “arma” perante uma UE cada vez mais global; como refere Virgílio Azevedo (2004): “O alargamento da UE a 25 países coloca Portugal perante um dilema – a UE está cada vez mais continental e o nosso país cada vez mais periférico. E a pergunta é inevitável: o que pode Portugal oferecer de diferente aos outros 24 parceiros comunitários que seja uma mais-valia para a UE?“

O presente relatório predispõe-se a transmitir os resultados obtidos a partir de mais uma campanha de monitorização do Projecto Coastwatch - operacionalizada ente Outubro de 2004 e Janeiro de 2005. Evitando incorrer numa mera apresentação estatística, apraz tecer -se alguns comentários, a partir de notícias publicadas e estudos de investigação, de forma a compreender a realidade nacional.

Apesar da enorme vontade em enaltecer as potencialidades do litoral português, em detrimento do já gasto papel derrotista, a verdade é que muitas vezes os dados reportam a uma análise deste padrão. O GEOTA, não pretende ser detentor de más notícias mas antes procura ser mensageiro da verdade.

Se é verdade o velho ditado que junto a ortiga nasce uma rosa, deixa-se um desafio a quem o conseguir aceitar: adopte um pedaço de costa, aquele que está mais próximo de si, e cuide dele como se de uma espécie frágil e em vias de extinção se tratasse...

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ENQUADRAMENTO O Projecto Coastwatch cumpriu a sua 15ª Campanha, este ano intitulada As Potencialidades do Litoral . Enfadados com os intermináveis diagnósticos cuja visão pessimista - muito embora fiável ao cenário existente – em pouco ou nada contribuiu para alterar e/ou travar a realidade, pretendeu -se desafiar cada participante/cidadão a (re)descobrir as potencialidades que a faixa litoral portuguesa ainda presenteia, sem deixar de alertar que (como galinha de ovos de ouro que é) assume um fragilidade única e sui generis.

Facto interessante constatado é que os voluntários envolvidos na campanha de 2004/05, com um valor inferior ao ano transacto – 4222 no total, monitorizaram uma área superior – 1069,5km (mais 269,5km que em 2003/04); talvez não seja alheio o facto de este ano ter sido de seca, o que facilitou as saídas de campo. Através da figura 1 é possível observar, não apenas a monitorização por NUT III, como também a relação entre o monitorizado, proporcionalmente ao universo total de cada NUT.

À parte os blocos entregues a coordenadores, que mesmo fazendo o seu melhor não conseguiram concretizar a monitorização, há a salientar que os questionários referentes a 52 blocos (26km) - por razões alheias à coordenação nacional - não chegaram atempadamente ao GEOTA para integrarem a base de dados: elemento crucial na realização do relatório.

Numa perspectiva geral aquiesce-se que, tal como em anos anteriores, nenhuma NUT foi monitorizada em pleno. Com efeito, verifica-se que a região Pinhal litoral (NUT 123) é a que efectiva maior cobertura (75 das 80 unidades) – seguida da Baixo Vouga, Grande Lisboa e Península de Setúbal. É de lamentar, apesar dos esforços desenvolvidos, que a NUT 112 (Cávado) mais uma vez não tenha sido alvo de monitorização. Aliás, esta foi a campanha em que a região Norte atingiu níveis mais baixos de cobertura.

Fig. 1: Monitorização por NUTIII na Campanha Coastwatch 2004/05.

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Alunos 2694

Professores 282

Alunos 209

Professores 10

CNE/AEP 16 463

Associações 30 327

Autarquias 10 10

Individuais 193

Coordenadores 34 34

TOTAL 4222

Escolas

ENTIDADES

86

Outros estabelecimentos de ensino

8

PARTICIPANTES

No que concerne ao universo das regiões autónomas, os Açores registaram um envolvimento em maior número de ilhas – São Miguel, Faial, S. Jorge e Terceira – o que se reflectiu no aumento da área coberta. A Madeira estreou-se no Projecto Coastwatch, com uma cobertura de 17,2%.

Não obstante a representatividade de entidades e participantes individuais - cujo envolvimento no projecto inspira confiança para o perpetuar do voluntariado – são as escolas (alunos e professores) que agrupam o grosso dos participantes, seguidas de escutas/escoteiros – confirmando que o Coastwatch vai de encontro aos jovens (tabela 1). Porém, foram já encetados alguns esforços para envolver os idosos no projecto, dentro dos limites das suas faculdades.

Assim, é agradável constatar que, apesar dos contratempos que envolveram as colocações de professores, estes mantiveram-se fiéis a mais uma campanha. Aliás esse foi o motivo que induziu a equipa a decidir alargar o prazo de monitorização até ao fim de Janeiro.

Não obstante, alguns percalços que qualquer campanha desta envergadura pode consentir, afirma-se com prazer que o Coastwatch 2004/05 decorreu agradavelmente.

Realça -se aqui alguns dos tópicos referenciados pelos diferentes elementos envolvidos na campanha e que reflectem as dificuldades sentidas no terreno. Assim, enquanto as Escolas sentem necessidade de mais acções de divulgação e um lançamento do projecto mais cedo, por forma a viabilizar uma prévia preparação; os Coordenadores Regionais lamentam que muitos mapas não se encontrem actualizados (porém, muitas vezes a dinâmica do terreno é mais rápida que representação gráfica da linha de costa pelo IGEOE que posteriormente nos cede a informação), apontando ainda a falta de t-shirts alusivas ao projecto ou outra forma de identificação que facilite a deslocação no terreno; por sua vez os participantes, no geral, alvitram um maior número de envolvidos no projecto, a necessidade de complementar a monitorização com a recolha de lixo, elaborar folhetos informativos sobre o estado da costa e distribuir à população, entre outros aspectos. Apesar das críticas construtivas, a perspectiva geral espelha um interesse de continuidade no Projecto.

A equipa Coastwatch revê-se nas avaliações de mais uma campanha, lamentando que a sua representatividade seja fraca. Porém a recolha de lixo associada ao projecto só é viável aquando de um acordo prévio com as autarquias/entidades por forma a viabilizar a recolha dos sacos – infelizmente este acordo nem sempre é possível ou efectuado. No que respeita à elaboração de brochuras, a vertente de EA e de cidadania que envolve o projecto pressupõe que os participantes elaborem eles mm as brochuras, concretizando um dos objectivos propostos: formar cidadãos pró-activos. Contudo, o GEOTA elabora um relatório de âmbito nacional que visa reflectir sobre o estado do litoral, baseado no trabalho de cada um.

Ao invés de outros anos, sentiu-se um maior envolvimento de autarquias o que, à priori, é por si só, um aspecto bastante positivo: reflecte mais cidadania e um caminhar no mesmo sentido!

Tabela 1 - Participantes envolvidos na Campanha Coastwatch 2004/05.

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ANÁLISE NACIONAL

Onde está a potencialidade?!?

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OCUPAÇÃO DO SOLO “O ambiente costeiro, onde a terra e o mar se encontram e interagem é, talvez, o ambiente mais rico e, como tal, mais densamente ocupado” (Andrade, 2003). Esta ocupação varia de acordo com uma série de factores físicos e humanos. Se a disputa por toda a costa é intensa, imagine-se na Zona Interior Contígua (ZIC) onde o litoral é mais cobiçado para “namorar”.

A enorme atracção que esta estreita faixa (3/4 da sua extensão virados a Oeste e o restante orientado a sul) exerce sobre o Homem - independentemente do usufruto que dela pretenda retirar - aliada à forte exposição das forças da natureza, conferem-lhe uma fragilidade intensa, aguçada à medida que a disputa por uma escassa parcela aumenta. É verdade que o tipo de ocupação de solo ao longo da costa é diversificado e não se cinge à mera ocupação de actividades turísticas – felizmente ainda é possível encontrar outros usos! Entrou-se, desde há muito, num círculo vicioso: actividades económicas ? emprego ? habitação ? infra-estruturas ? áreas mais atractivas ? mais actividades económicas ? mais empregos ? mais infra-estruturas ? mais habitação... e nesta bola de neve que cresceu com total perda de controlo, a descentralização ficou moribunda. A realidade é impiedosa, entre 1991 e 2001 o litoral, que já tinha uma densidade populacional elevada, regista ainda um aumento, nomeadamente nas grandes cidades das Áreas Metropolitanas do Porto e Algarve (figura 2).

Contudo, o desenvolvimento do turismo balnear, a partir da década de 60, veio provocar uma artificialização desenfreada, que, por inércia ou interesses disfarçados, ninguém consegue travar. Mas, como refere Conceição Antunes (2004, pp56-57) “num território à beira-mar plantado, remetido por caprichos geográficos a um cantinho da Europa, não é difícil adivinhar o que atraiu as primeiras vagas

de turismo organizado.” Não deveria ter sido possível que um país fosse capaz de fazer o que fez ao seu bem mais precioso – a linha de costa, banhada por um Oceano - Atlântico – cujas potencialidades só estão invisíveis para quem não quer ver. A mesma autora salienta ainda que “a afirmação da economia portuguesa passa pela vertente atlântica numa estratégia articulada em três eixos geográficos: Europa, África e Brasil”.

Julga-se que o resultado dos erros de ordenamento permitirá ensinar quem, de direito, gere e tem poder para “defender esta faixa”. Porém, tal não acontece e, de ano para ano, a luta pela permanência nas dunas, falésias, áreas protegidas, ou simplesmente em locais, embora, legalmente passíveis de se puder construir, sabe-se, à priori, que o “papão” erosão os atingirá. Fazem-se obras de engenharia com o intuito de construir a montante, esquecendo-se das sequelas a jusante. Mas como o “a jusante” ficou demasiado exposto, constrói-se mais e esta “dança com as obras de engenharia” parece não ter fim... ou melhor terá, no dia em que a mais sofisticada e desenvolvida de todas as tecnologias: a Natureza manifestar-se sem clemência.

Não obstante esta ladainha de “factos incontornáveis” há que parar e reflectir; sobretudo porque todos estão cansados dos inúmeros exames à debilidade do litoral e respectiva prescrição médica, sem que a receita chegue a ser aviada e o tratamento implementado (as causas podem ser diversas: falta de dinheiro, falta de vontade política, ou simplesmente porque tratar “um doente” tão mediático implica vencer um “polvo” demasiado poderoso e sabido). Com efeito, se todos sabem quais os problemas, onde se localizam, as causas e respectivas consequências - para quando o aparecimento de “D. Sebastião” que

Fig. 2:Crescimento das cidades costeiras do continente (ÚNICA n.º1673).

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trave tais factos e ilustre ainda as inúmeras potencialidades, demonstrando a inteligência que ao Homem é atribuída?

Aquando da elaboração do presente relatório, a comunicação social mostra imagens dum mar revolto (segundo os visados) que galgou a muralha e entrou pela Cova de Vapor adentro (Cacilhas-Trafaria). Os palpites surgem de todas as direcções, enquanto se aguarda um parecer técnico das entidades competentes. Até lá, a comissão de moradores declarou ao Jornal Público (Garcia, 2005, pp2-5) que “estes podem perceber de pedras, mas de água não percebem nada”. Embora esta possa ser uma frase de desabafo, o resultado não vem tirar a razão a quem aqui vive à 45 anos...

A questão surge: porque é que uma estreita faixa é alvo de tão intensa polémica, na mesma proporção que é desejada? Na prática, e tendo em conta as “coerentes” leis vigentes no nosso país, construir aqui não é permitido. Porém, o tipo de ocupação do solo que se desenvolve está vocacionado para apoiar/complementar a actividade do “centímetro” a seguir a estes religiosos 500m. Ficam de fora, os que contornam a lei ou a infringem.

Durante o trabalho de campo, o Coastwatch, procura identificar - entre outros aspectos - o tipo de coberto predominante na ZIC (faixa de 500m ao longo do litoral português). Assim, à primeira análise a figura 3, poderia conduzir, os menos atentos, a um rejubilar pela fortíssima ocupação com coberto natural ou a um questionar se os resultados estariam correctos, tendo em conta a demarcada litoralização do país.

Reveste-se de todo o interesse sublinhar que a figura 3, para a qual o questionário permite seleccionar 5 opções, num total de 16, expressa a atracção pela monitorização em áreas de praia e falésia o que favorece o predomínio das categorias rocha/areia e dunas. A ausência de monitorização de muitos blocos influenciou os resultados. A figura 4 testemunha isso mesmo,

apenas as regiões de LVT e Centro tiveram uma cobertura superior a 50%; das restantes, a região Norte é a que apresenta uma expressão menos significativa (13,3%).

Apesar das premissas, o levantamento de dados para os anos de 2002 e 2003 permitiu afirmar o claro predomínio do coberto natural face ao artificial (Rocha/Areia; Arbustos/Pastagem natural); contudo, a presente campanha referencia um maior número de unidades com utilização de área habitacional e/ou infra-estruturas de transporte (superando o item dunas). Tal, salienta a artificialização que tem vindo a demarcar-se nas últimas monitorizações –sobejamente conhecido na faixa litoral. Similar dispersão existe ao longo das diferentes NUT, quando analisadas isoladamente – somente a região Alentejo oferece, proporcionalmente, uma menor ocupação em estâncias turísticas e a região Norte um maior coberto agrícola.

As características geomorfologicas das ilhas pressupõem uma ocupação diferenciada em relação ao território continental: as dunas, enquanto sistema costeiro, têm uma representatividade irrisória, contrariamente à rocha/areia. Em ambas, o elo comum são os itens infra-estruturas de transporte e área habitacional.

Fig. 3: Cobertura da zona interior contígua.

Fig. 4: Percentagem de área monitorizada por região.

145

81

47

161

633

224

156

640

8

82

316

898

218162

1135580Dunas

Rocha/areia

Zona alagada

Bosque/floresta

Arbustos/Pastagem Natural

Agricultura

Pastagem intensiva

Campo de Golfe

Área habitacional

Estância turística

Zona Portuária/Indústria

Infra-estruturas de transporte

Área em construção

Lixeira

Zona militar

Outra

13,3%

59,2%

67,1%

40,0%

41,2%

22,9%

29,5%

Norte

Centro

Lisboa e Vale do Tejo

Alentejo

Algarve

Açores (Faial, Terceira, S. Miguel, S. Jorge)

Madeira (Funchal)

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Contrariamente à ZIC, onde coexistem diferentes cobertos, com maior ou menor intensidade de uso nas Zonas Supratidal (ZS) e Intertidal (ZI) - sujeitas a imersões e emersões variáveis, de acordo com a tipologia das marés – a diversidade do coberto dominante surge abreviada, em concordância com as características dos nossos sistemas costeiros e com a respectiva monitorização. Assim, em ambas as áreas – apesar de distintas - constata-se o predomínio de Areia e Rocha (figuras 5 e 6).

Devido à ténue observação em zonas de estuários, esta campanha (como as anteriores) traduziu-se numa fraca representatividade do ecossistema de sapal (figura 10) o que, por inerência, influência a representatividade, quer do tipo de coberto quer da fauna e flora aí existentes.

Fig. 5: Percentagem do coberto dominante na zona supratidal. Fig. 6: Percentagem do coberto dominante na zona intertidal.

Tendo em conta a análise efectuada, a partir da monitorização da costa portuguesa em áreas “apetecíveis” não suscita espanto os 9% de coberto da ZI com construção artificial e os 10% da ZS com construção de edifícios. Nem é de estranhar, por isso, os 12% de coberto onde estão presentes forma de controlo de erosão como uma tentativa de “segurar” a natureza. Conforme defende o investigador Alveirinho Dias (2004): “É uma tentativa, condenada à partida, de tornar estático aquilo que, por natureza, é profundamente dinâmico, com a consequente perda de potencialidades intrínsecas às zonas costeiras.”

Sobre estas formas de controlo de erosão muito se tem escrito e arquitectado, apesar de nem todos os autores estarem de acordo, independentemente de serem investigadores e/ou técnicos. Todavia, a história e a experiência aí estão para mostrar as consequências, algumas mais bem sucedidas. Neste jogo do

“empurra” parece ficar esquecido a inesquecível premissa: litoral dinâmico! Como refere Ana Ramos Pereira (2000): “O litoral está intimamente associado à presença do mar, que é animado de uma série de movimentos, de entre os quais se salientam as marés e as ondas. É um espaço de limites variáveis regionalmente, na faixa de interpenetração mar-terra, em permanente mudança, onde interactuam processos marinhos e continentais, criando sistemas físicos e biofísicos cujo equilíbrio depende das diversas combinações das condições naturais com as induzidas pela acção do Homem”.

Fig. 7: Indústria e pastoreio presente na ZIC na zona da ria de Aveiro (ADACE).

Fig. 8: Exemplar de coberto rocha/areia presente no litoral

alentejano (Coastwatch).

Fig. 9: Infra-estruturas de transporte muito perto da zona supratidal (EP Agrícola D.

Dinis).

Fig. 10: Sapal - Estuário do Tejo (CM Montijo).

12

10

26

18

11

49

51Areia

Rocha

Sapal

Canas e/ou juncos

Outra vegetação

Construção de edifícios

Formas de controlo de erosão % 9

18

6

19

45

52Areia

Rocha

Calhaus rolados

Gravilha

Lodo

Construção artificial %

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A VIDA NA FAIXA COSTEIRA A vida na faixa costeira está intimamente ligada com todos os factores até agora referidos, em estreita conexão com os dotes da natureza e o grau de intervenção do Homem. De facto, a fauna e flora das zonas costeiras varia bastante ao longo do litoral português, de acordo com as especificidades subjacentes a um território tão pequeno mas tão rico e diversificado, devido à influência Atlântica e Mediterrânica.

A fauna e flora que agora se manifestam, felizmente ou infelizmente (dependendo do ponto de vista) deixaram de estar adstrita exclusivamente aos rigores da natureza. O rol de factores que caracterizam a intervenção humana, aliado à prática de políticas ambientais, condicionam fortemente a vida observável nos ecossistemas de litoral. Enquanto, não se tomar consciência que a preservação dos ecossistemas é essencial para a continuidade do “litoral”, a vida na faixa costeira estará ameaçada até à sua extinção.

Cada vez mais se fala em espécies animais ameaçadas, o que tanto sensibiliza a opinião pública. Mas, não menos importantes são, as espécies vegetais, que diariamente são destruídas por erosão natural (invasão do mar, erosão nas arribas, entre outros) ou influência antrópica (pisoteio de dunas, construção de parques de estacionamento, apoios de praia, infra-estruturas de transporte) ou, ainda, qualquer outro factor que contribui para a perda de património vegetal.

A 15ª campanha Coastwatch, procurou monitorizar este aspecto tão importante da costa portuguesa. Todavia, as hipóteses de escolha, previstas no questionário, o reduzido conhecimento de alguns participantes sobre esta temática e o já citado predomínio de monitorização em zonas de praia e arriba, influenciou o resultado apresentado na figura 11.

Seguramente como em campanhas anteriores – onde igualmente preponderou a caracterização em áreas de praia e arriba - as algas verdes (bandas) (figura 13) e algas castanha/vermelhas (figura 12) ostentam uma maior representatividade, na ordem dos 35%, enquanto a zostera e a spartina marítima, típicas do sapal são, grosso modo, apontadas na mesma proporção de monitorização deste ecossistema (81km). A figura 5 alude a 18% de coberto canas e juncos (plantas halófitas predominantes do sapal alto, onde a salinidade é menor e o substrato mais arenoso).

Seria deveras interessante criar uma oportunidade, complementar ao projecto, de

identificação de toda a flora que ocupa a zona costeira portuguesa.

As características do coberto dos sistemas do litoral, aliadas ao período de monitorização do Projecto Coastwatch – Outubro a Dezembro – influenciam a variedade de animais encontrados. Assim, as paredes rochosas atraem uma série de aves para aqui nidificarem, protegidas dos predadores, tais como o Pombo-das-rochas, Andorinhão-preto, Melro-azul , etc... (salvaguardando-se a variedade de aves características de cada região). Da mesma forma, no topo das arribas e junto à costa, observam-se gaivotas que utilizam estas plataformas como local de descanso. Para além do habitat permanente existente, há que realçar um factor bastante influenciador para o tipo de aves encontradas. Portugal situa-se na fachada atlântica da Europa, na rota de muitas aves migradoras. Como refere João Farinha e Hélder Costa (1999) “A posição geográfica do território nacional e as suas excelentes condições naturais, conferem às nossas zonas húmidas uma enorme importância ornitológica. Com efeito, durante o Inverno elas acolhem muitos

Fig. 11: Percentagem de plantas encontradas na área coberta.

Fig. 12: Algas

castanhas/vermelhas - Estuário do Tejo (CM Montijo).

Fig. 13: Cobertura de algas verdes - Estuário do Tejo (CM

Montijo).

0 5 10 15 20 25 30 35

%

Spartina

Zostera

Algas castanhas/vermelhas

Algas verdes (bandas)

Algas verdes (cobertura)

Algas a apodrecer

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milhares de aves, oriundas da Europa Setentrional e Central, que aqui encontram condições ideais para permanecer. Para além disso, elas constituem uma peça fundamental no sistema migratório de aves aquáticas da região Zoogeográfica Paleártica Ocidental, constituindo escala para muitas aves que viajam entre os continentes europeu e africano”.

No entanto, a vida animal não se resume à avifauna que, por impossibilidade de identificação, ou falta de conhecimento dos voluntários, são apenas apontadas como “aves” (figura 14). Na ZS (praticamente sempre emersa, excepto aquando das marés-vivas) encontram-se uma série de animais adaptados a este tipo de condições. Em substrato rochoso “tropeçam-se” em moluscos e crustáceos; no arenoso predominam as pulgas-do-mar e crustáceos. Estando perante a ZI (zona alternadamente emersa e imersa, de acordo com o tipo de maré) depara-se com moluscos, crustáceos, anémonas, entre outros. Típicos das poças formadas nas rochas são ainda os equinodermes (ouriço-do-mar, estrelas-do-mar) - (figura 15).

O questionário prevê a contabilização de animais em qualquer uma das zonas de análise do litoral, daí a menção de muitos outros exemplares, alguns não pertencentes à fauna aquática, mas que encontram habitat na ZIC, nomeadamente do coberto relacionado com a pecuária (pastagem intensiva, pastagem natural), como por exemplo: ovelhas, cavalos, cabras, vacas, porcos (figura 7) e outras que espelham o nosso respeito pelos animais domésticos, isto é, cães e gatos abandonados em áreas que deveriam ser de lazer.

Com efeito, a observação da figura 18, permite anuir que a distribuição da fauna presente nos 1069,5km de costa coberta pela campanha 2004/05, não apresenta grande dispersão em relação a campanhas anteriores. À parte, as excepções em que houve monitorização de diferentes blocos, mantém-se o período de amostragem (pós balnear) e a área de observação (o litoral), o que se reflecte nos quantitativos de avifauna (muito influenciados pelas aves migradoras) e nas restantes espécies.

Nunca, como agora deram à costa tantos golfinhos mortos ou já em fase final de vida (figura 17); raros são os dias em que as páginas dos jornais, telejornais, ou outras formas de comunicação social não ditam pareceres sobre incidentes na costa. Contudo, este impacte seria maior se fosse possível contabilizar todas as ocorrências, mesmo os que passam à margem das luzes da ribalta. O resultados obtidos vêm de encontro às notícias, já que indicam a presença de golfinhos mortos e vivos, respectivamente, 22 e 19 - quase 50% a mais que o ano anterior. O Centro foi a região com maior incidência de golfinhos mortos (Praia de Vieira, Costa de Lavos e Furadouro), perfazendo 8 dos 15 encontrados somente nesta área.

Fig. 14: Aves marinhas - Ria de Aveiro (ADACE).

Fig. 15: Ouriços do mar- Ilha da Madeira (EB+S Sta Cruz).

Fig. 16: Peixe morto - sapal do Montijo (CM Montijo).

Fig. 17: Baleia anã que deu à costa em 26 de Março de 2005

(Sofia Quaresma).

Fig. 18: Percentagem de animais encontrados na área coberta.

5,4%

5,0%

31,3%

10,4%

27,2%

7,7%

19,1%

2,7%

0,2%

0,9%

2,2%

0,7%

57,8%

4,5%

Alforrecas

Vermes ou vestígios

Vivos

Mortos

Vivos

Mortos

Vivos

Mortos

Vivos

Mortos

Vivos

Mortos

Vivos

Mortos

Crustáceos

Peixes

Moluscos

Ratos

Golfinhos

Aves

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GEOTA Abril 2005 14

Salienta-se que a presente campanha identificou um menor número de aves (vivas e mortas, 26 e 14 respectivamente), afectadas com vestígios de óleo ou nafta (no total de 2139 unidades, apenas em 10, tal foi assinalado). Poder-se-á tirar como ilação que houve efectivamente uma redução da poluição causada por estes componentes? ou que foram monitorizadas menos zonas de costa onde predominam docas, estaleiros, indústria ou outra actividade que acaba por deixar as suas marcas, nas aves que aí habitam ou, por aí passam?

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A INTERVENÇÃO DO HOMEM A intervenção do Homem na faixa litoral não poderia deixar de se fazer sentir, mesmo quando aparentemente é inocente - se é possível falar em inocência quando se alia beleza natural e dinheiro - o seu impacte lá está em maior ou menor potência. O desenvolvimento económico e tecnológico, mesmo com algum atraso no nosso país, tem o seu preço, agravado quando as políticas se apelidam de laissez faire, laissez passé! Numa estrutura de causa/efeito, a intervenção humana numa dada vertente acaba por afectar todas as outras.

Esta fina porção de terra contígua à água - tão próxima que por ela está a ser engolida: “há pontos do litoral onde a linha de praia avançou 180m em apenas 8 anos” (Garcia, 2005, pp2-5). Mesmo quando o grande problema aparenta ser o progresso imobiliário, não se pode descuidar todos os factores inerentes, por exemplo: espaços canais e outros tipos de equipamentos, etc, e por último, mas sem nada a desprezar, a poluição -muitas vezes falada quando atinge proporções mediáticas.

Este fenómeno abrange diferentes formas: por esgoto, por resíduos despejados nas outrora belas linhas de água, por químicos usados na agricultura e/ou campos de golfe, por incidentes com petroleiros ou pelas lavagens de tanques dos navios em alto mar. Situação, por incúria ou hipocrisia, deixa impune mais uma fasquia de interessados no litoral, mas que nada fazem para o preservar.

Falar de meio marinho é ter presente uma série de entradas de água no mar, ou seja, todas as descargas líquidas, naturais ou artificiais, provenientes de terra e que desaguam no mar - felizmente que nem todas poluídas; muitas há que conservam uma beleza sui generis e oferecem grandes potencialidades . Contudo, a experiência e a realidade são menos coloridas e demonstram que estes locais funcionam como íman para a poluição.

A nível nacional foram contabilizadas, no total, 1195 entradas no meio marinho, das quais foram caracterizadas 1092 (valor superior ao da passada campanha, 966), provavelmente justificado pelo maior número de quilómetros monitorizados. Apesar de identificadas, 97 das entradas não foram caracterizadas por inacessibilidade, por situação risco, entre outras - há que privilegiar a segurança dos participantes!!!

As entradas no meio marinho de carácter natural (rio/ribeira; laguna costeira; escorrência) assumiram, nas duas últimas campanhas, 57% do total (figura 22). Embora naturais, os sinais de infracção não estão ausentes, conforme comprovado pela figura 23. Em termos percentuais regista-se, também, um decréscimo da identificação de valas de drenagem (de 17 para 9). É interessante verificar que o número de entradas não especificadas diminuiu para metade.

Relativamente à análise regional, apura-se uma dispersão similar ao panorama nacional no Norte, Centro e LVT. Inversamente, no Sul de Portugal Continental, as entradas artificiais (valas de drenagem e cano/tubo) são menos expressivas.

Permanece uma certa tendência para sublinhar os aspectos negativos, de que é exemplo, a despejo de lixo e esgoto, em prol de enaltecer as potencialidades do litoral . Aliás, os participantes estão mais sensíveis ao estado das entradas observadas, daí que haja uma panóplia de registos fotográficos alertando para esta realidade. Correndo o risco de ser repetitiva, acentua-se a questão relativa ao despejo de lixo nas entradas, que de 2002 para 2004, registou um aumento 8% - qual o papel das autoridades na implementação da lei?

A Figura 23 permite observar que 26% das entradas identificadas presenciavam sinais de vida animal na água, o que à partida é bom sinal. Porém, os restantes pontos caracterizam, analogamente a anos anteriores, negativamente as entradas.

Fig. 19: Entrada do tipo cano/tubo - sapal do Montijo (CM Montijo).

Fig. 20: Vala de

drenagem, litoral Madeirense

(EB+S Sta Cruz).

Fig. 21: Ribeira que

desagua na Praia da Ilha do Pessegueiro

(Coastwatch).

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O relatório Sinais Ambientais 2004 da Agência Europeia de Ambiente (2004) dedica 3 páginas ao tema “Poluição da água: gestão dos nitratos”, salientando que a poluição difusa dos terrenos agrícolas continua a ser a principal fonte dos nitratos existentes na água. Causam danos ambientais, contribuem para a eutrofização das águas costeiras e marinhas e para a poluição da água potável, especialmente nos locais de contaminação dos lençóis freáticos.

Num total de 318 entradas analisadas (mais 71 que no ano transacto), 126 registaram NO3, em detrimento das 135 de 2003 (figura 24). Sendo um valor bastante expressivo (monitorização na faixa costeira e não em águas interiores), em termos médios houve um decréscimo de 12,8mgNO3/l (miligramas de nitratos por litro de água), em relação à campanha anterior – de 34,2mgNO3/l para 21,4 NO3mg/l, respectivamente. Estes dados aparentam contradição em relação aos quilómetros monitorizados com utilização agrícola: 122 em 2003 e 158 em 2004. À priori, poder-se-á reflectir sobre a tomada de consciência, ou não, dos agricultores para o uso deste químico ou o recurso a uma agricultura alternativa. Não sendo possível ponderar o peso que cada actividade tem nos incidentes de

poluição por esgoto, deve frisar-se que, efectivamente, existe alguém (entidade ou individual) a responsabilizar por semelhantes episódios – elegendo o famoso princípio de poluidor-pagador. Com efeito, as diferentes entradas analisadas, e o maior ou menor risco de poluição que cada uma oferece, afiguram a realidade existente na costa portuguesa no que respeita ao (ab)uso de qualquer linha de água. Assim, em 46% das situações há registo de poluição efectiva, independentemente do grau de frequência. Porém, nesta campanha é assinalado o parâmetro nunca, em 54% das unidades, menos 22% que na campanha de 2003/04 (figura 25).

Tendo em conta o aumento de quilómetros monitorizados, interroga-se: será que a formação ao nível da educação ambiental dirigida para a temática do litoral está a colher os seus frutos, nomeadamente ao nível dos ecossistemas? Os participantes desfrutam de melhores capacidades de trabalho de campo?

Se a designação de poluição por esgoto ostenta ainda uma representatividade considerável, o mesmo não se pode dizer da poluição por petróleo ou derivados, ficando-se sem saber, com clareza, o que existe, na medida em que mais de 90% dos voluntários que preenchem os questionários não responderam à questão. Em caso de desastre ecológico - como aconteceu no passado recente com o Prestige - a comunicação social faz o seu papel e a população fica mais desperta e vigilante; transcorrido o choque a vida continua! Novas notícias servem de destaque e quaisquer incidentes que ocorram na surdina, diariamente, passam incólumes: fala-se, é claro, das lavagens dos tanques que destroem grande parte dos ecossistemas costeiros ou, na melhor das hipóteses, os fragilizam. Citando o professor Alveirinho Dias (2004), “Ao longo dos corredores de tráfego marítimo nacionais, navegam diariamente, em média, cerca de 200 navios transportando mais de 500 toneladas de mercadorias diversas, 40 dos quais são petroleiros. Com frequência os navios navegam mais próximo da orla costeira, fora dos corredores de tráfego marítimo, e não existe ainda um sistema fiável de controlo do tráfego. A intensa navegação aludida constitui uma fonte muito importante de poluição das águas da orla costeira e dos fundos marinhos.”

Fig. 22: Tipo de entradas no meio marinho. Fig. 23: Caracterização das entradas no meio marinho.

Fig. 24: Análise do

parâmetro NO 3 de uma entrada no meio marinho -

(EB+S Sta Cruz).

Fig. 25: Frequência de incidentes de poluição por esgotos.

Rio/Ribeira26%

Laguna costeira9%

Cano/Tubo32%

Vala de drenagem

9%

Escorrência 22%

Entrada não especificada

2%

0 5 10 15 20 25 30

%

Sinais de vida animal na água

Mau cheiro

Cor alterada/espuma

Peixe morto

Despejo de lixo

Esgoto

Óleo ou derivados de petróleo

Raro23%

Habitual4% Nunca

54%Ocasional

11%

Sazonal2%

Frequente6%

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RESÍDUOS OU O VERDADEIRO RETRATO DA RELAÇAO HOMEM-NATUREZA

Não é de desprezar o esforço para a implementação de uma recolha selectiva eficiente e consequente reciclagem dos resíduos. Todavia, este sistema não gera a solução para tudo. Tais tratamentos urgem ser efectuados para a coexistência do Homem e dos Recursos, considerando os respectivos ciclos de vida. Raramente um cidadão se apercebe do lixo que produz. Há que lutar tendo em vista a mudança de mentalidade, apostando num consumo racional e adoptando a atitude correcta no que respeita ao destino final dos resíduos.

A análise comparativa das três últimas campanhas (figura 26) permite deduzir, à priori, uma notória diminuição dos resíduos de grandes dimensões encontrados ao longo da faixa litoral. Deve evitar-se uma leitura demasiado simplista, afim de não deambular em afirmações lineares. E isto porquê? Porquanto, apesar de ser um valor médio, o número total e o padrão de unidades monitorizadas é variável. Mas, porque é um valor médio retirar-se-ão algumas ilações.

Assim, a maior diminuição regista-se ao nível de lixos domésticos em sacos ou amontoados e objectos domésticos, com uma taxa de variação percentual de 8,2 e 5,8, respectivamente. Várias conjunturas podem ser equacionadas: houve uma maior consciencialização por parte dos cidadãos? um controle mais apertado por parte das autoridades? uma maior limpeza da área em questão? ou simplesmente um menor registo de resíduos assinalados?

Com rigor, do total de 2139 unidades caracterizadas, 1766 continham resíduos de grandes dimensões, independentemente do tipo e da quantidade; tal facto irradia a cidadania de um povo! Apesar da plausível diminuição de resíduos e da suposta mudança de mentalidades, convém não ignorar a figura 26, cujos valores são ainda bastante elevados (21% de materiais de construção; 20% de lixos domésticos em sacos ou amontoados e objectos domésticos; 23% de objectos metálicos e domésticos; 15% de destroços de barcos). Os resíduos da construção civil lideram este grupo, o que obriga a um reforçar no pedido de alerta, com o intuito de um controle mais apertado por parte as autoridades competentes – a não ser que a lei, por inércia, compactue com semelhante atitude.

Fig. 27: Materiais de construção que esperam ser “engolidos” pelo Estuário

do Tejo (CM Montijo).

Fig. 28:Objecto metálico deixado ao

acaso... (ADACE).

Fig. 29: Lixo amontoado no sapal do

Tejo (CM Montijo).

Fig. 30: Resíduos da “era do plástico”

numa suposta linha de água (CM Montijo).

Fig.26: Percentagem d e objectos de grandes dimensões encontrados na área coberta.

0 5 10 15 20 25 30 %

Alimentos

Lixo doméstico em sacosou amontoados

Materiais de construção

Objectos metálicos

Objectos domésticos

Destroços de barcos

Campanha 2004 Campanha 2003 Campanha 2002

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GEOTA Abril 2005 18

O comentário à figura 31 (percentagem de resíduos presentes na ZS e ZI) consagra uma distribuição semelhante à referida para os resíduos de grandes dimensões, na medida em que, em termos médios, houve uma diminuição efectiva dos resíduos referenciados nas duas áreas de análise, em relação a campanhas antecedentes. O valor mais elevado é manifestado no papel, cartão e/ou madeiras (35% na ZS e 22% na ZI), que assume já um modelo comum: obteve, também, a sua maior expressividade, valores muito próximos dos 50%. Efectivamente, salvo a excepção dos aparelhos de pesca em plástico, que inverteram os seus quantitativos, ou seja, há maior número na ZI que na ZS, o padrão de distribuição dos resíduos por zona mantém-se, proporcionalmente, salvaguardando o já citado decréscimo em relação às campanhas passadas.

Fig. 32: Papel/cartão e madeira - praia de

Paço d’Arcos (EB 2,3 Roque Gameiro).

Fig. 33: Material perigoso - Estuário do Tejo

(CM Montijo).

Fig. 34: Fio de pesca espreitando nas rochas

(Coastwatch).

Mais uma vez é preciso alertar para os recipientes de resíduos perigosos (10%), isto é, no total de 1069,5km de costa monitorizada foi assinalado a existência destes resíduos em 106km: a ilação surge impulsivamente: o que se anda a fazer, efectivamente, em termos de resíduos em Portugal?

Até então, a análise dos resíduos baseou-se na tipologia: resíduos de grande dimensão (encontrados em qualquer zona da costa), resíduos ou poluição encontrados nas zonas supra e intertidal. Porém, será de todo útil abordar a questão pelo total de objectos encontrados, independentemente do tipo e da zona de costa (tabela 2). Assim, contempla-se um aumento do valor absoluto de resíduos (deixados ao acaso, ou por falta de civismo) à mercê das marés, apesar da diminuição do número médio por unidade (figura 36).

Fig. 31: Percentagem de resíduos presentes na zona supratidal e intertidal.

Tabela 2: Contagem de resíduos na área coberta.

Fig. 35: Exemplares de pneus “plantados” na costa

de Belém/Cruz Quebrada (EP Agrícola D. Dinis).

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Alimentos

Fezes

Aparelhos de pesca em plástico

Embalagens de material sintético

Recipientes de plástico

Outros plásticos

Latas

Vidros

Esferovite e/ou similares

Papel, cartão e/ou madeiras

Têxteis

Material sanitário

Resíduos de material médico

Petróleo e derivados

Pedaços de nafta/alcatrão

Recipientes de substâncias perigosas

%

Zona Supratidal Zona Intertidal

Tipo de resíduos CW2004

N.º unidades/Tipo de resíduos

Total de resíduos

Garrafas de vidro 1180 21107Latas de bebidas 1145 13118Garrafas de plástico 1393 52698Suportes de latas de bebidas 299 2386Pacotes em cartão 918 9162Pneus 382 2080Sacos de plástico 1209 19931Total unidades cobertas 2139 120482

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GEOTA Abril 2005 19

Independentemente da opção de análise, o cenário não deixa de ser arrepiante: dizer que, por exemplo, 1393 unidades foram apontadas como contendo garrafas de plástico , ou que os 1069,5km de área de análise foram “abençados” com a oferta de 52 698 resíduos deste tipo, não atenua a verdade dos factos! O respeito pela natureza, continua “por baixo”, a gestão dos resíduos é insuficiente e as campanhas de educação ambiental terão que ser reavaliadas.

Como acreditar em cidadania... educação ambiental... quando a realidade é tão forte? 1069,5km de costa – tão desejada quer para residir quer para lazer - contêm 120 482 resíduos. E porque as estatísticas têm o seu quê de “engraçado” tal traduz-se, em média, por 112,7 resíduos/km (figura 37).

As boas notícias são que de 2002 para 2004 houve um ligeiro decréscimo (figura 36). Mas será que é motivo para não se “apertar o cerco” a esta situação tão primitiva?

O Coordenador do Programa Finisterra alerta para o facto de, pelo menos, 50 000ton de lixo serem retiradas anualmente do mar português. Não obstante a descrição do total de resíduos encontrados a nível nacional, o panorama regional, exceptuando Açores, Algarve e Centro, contabilizam valores médios superiores à média nacional.

Interessante constatar que ao passear num quilómetro da região Norte (figura 37), corre-se o risco de pontapear 244 objectos, entre os quais, pacotes de cartão, latas, garrafas de vidro e plástico, etc.

Mais ainda quando, comparativamente ao ano transacto não se percorreu uma área de 49km - o mesmo é dizer que não foi recolhida informação em cerca de 100 unidades. Em consonância com 2003, o valor actual continua no topo, comparativamente às restantes regiões, corroborando a problemática dos resíduos nesta zona, a que certamente não são alheias as fortes correntes que aqui se fazem sentir.

A duração dos diferentes materiais no mar é variável – a maioria numa escala muito superior à da vida humana - conforme a Tabela 3 e, convém não esquecer que, apenas “10% do que é deitado ao mar chega a terra”, como confirma o Prof. Carlos Sousa Reis.

Fig. 36: Número médio de resíduos por unidade. Fig. 37: Número médio de resíduos/km consoante a região.

Tabela 3: Duração dos materiais no mar (Programa Finisterra)

0 50 100 150 200 250

resíduos/km

Nacional

Norte

Centro

LVT

Alentejo

Algarve

Açores

Madeira

0 10 20 30 40

N.º médio/unidade

Garrafas de vidro

Latas de bebidas

Garrafas de plástico

Suportes de latas de bebidas

Pacotes em cartão

Pneus

Sacos de plástico

Campanha 2002Campanha 2003Campanha 2004

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GEOTA Abril 2005 20

A RESPOSTA DA NATUREZA À AVAREZA DO HOMEM Talvez o maior erro do inteligente Homem fosse descuidar o papel que os agentes físicos têm sobre este planeta, quiçá por estes ocorrerem numa escala temporal muito superior à vida humana. Porém, eles acontecem, indiferentes àqueles que agiram como se o mar e a terra fossem estáticos, não adquirissem força suficiente para galgar qualquer obra de engenharia por mais majestosa que seja.

O risco existe, ponto final. E consequentemente a ameaça também. Pelo simples facto de existir uma arriba, independentemente da pressão que a actividade antrópica exerça sobre ela pode ser, por si só, um risco e uma ameaça. Os factores decisivos nesta situação, prendem-se com a natureza geomorfológica e com as condições climatéricas da região. Partindo do princípio que o Homem a não vai destruir propositadamente...

Ana Ramos Pereira (2000) argumenta que “no caso do litoral, muitos dos factores de risco provêm do mar: risco de erosão, risco de poluição por derrame de petróleo, riscos de contaminação das quintas de aquacultura por algas tóxicas, entre outros. Podem por isso, afectar as áreas emersas ou permanentemente submersas”. A uma escala mundial, o litoral comporta 18% do globo, 60% da população, 2/3 das cidades com mais de 1,6 milhões de habitantes e 90% da captura do pescado, encontrando-se aqui as principais áreas de concentração agrícola, industrial e urbana. É um espaço sujeito a fortes pressões económicas, acentuado crescimento demográfico e com os mais elevados índices de urbanização, industrialização e de actividades ligadas ao lazer”.

Conquanto, os riscos que afectam o litoral, não são de exclusiva responsabilidade das actividades supracitadas na verdade este “...é um espaço de limites variáveis regionalmente, na faixa de interpenetração mar-terra, em permanente mudança, onde interactuam processos marinhos e continentais, criando sistemas físicos e biofísicos cujo equilíbrio depende das diversas combinações das condições naturais com as induzidas pela acção do homem (Pereira 2000). A insipiência das entidades responsáveis em ignorar estas premissas transformou a faixa costeira portuguesa num risco e ameaça, quase contínuo – fica-se com a esperança nas potencialidades deste “quase”!

Apesar do turismo ser uma actividade bastante recente, tendo adquirido grande expressão apenas no século XX, é actualmente o principal responsável pela utilização do litoral. A ocupação de zonas de risco está, infelizmente vulgarizada não existindo, na maior parte dos casos, estruturas que permitam actuar com eficácia. Aliás não existe ainda mapas credíveis e cientificamente suportados de vulnerabilidade e de riscos costeiros (Alveirinho Dias, 2004). Perante determinado cenário, torna-se difícil tratar esta questão sem o atolar-se nas velhas e sempre actuais lamentações. Só que os números e a experiência falam por si, basta predispor-se a passear junto à costa e o óbvio torna-se gritante. Independentemente da legislação e respectivas medidas, implementadas ou a implementar, as provas estão à vista. Basta depois activar o dinheiro dos contribuintes para investir nas zonas críticas, ocorram elas onde ocorrerem. De acordo com o Programa Finisterra, existem 37 pontos negros, isto é, situações em risco no litoral, para as quais não há orçamento. Os POOC’s - actuais instrumentos de gestão territorial do litoral – intentam promover algum ordenamento. Porém, as obras a executar, mais tarde ou mais cedo, necessitam de uma reintervenção, muitas antes de se concluir toda a inventariação (figura 38).

Embora sabendo o risco que corriam, muitos construíram e enriquecerem à custa de empreendimentos edificados onde não lhes era permitido porém, na hora do aperto, é o Estado que lhes acode. Como não sentir revolta quando se lê “Sander Van Gelder um dos proprietários mais prejudicados pela erosão da costa algarvia, um palavrão técnico que para ele significa muito simplesmente que os turistas do resort Vale do Lobo mal têm praia para estender a toalha.” Afirma ainda que “a praia encostada a belas falésias avermelhadas oferecia largueza suficiente para ter uma densidade de banhistas mais do que agradável.” (Miguel, 2004, pp70-74).

Mas, como a erosão também afecta os resorts e Portugal é um país hospitaleiro “em 1998, depois de um processo de negociações complexo e polémico, o Estado pagou 50% dos 500 mil contos que foram aplicados numa operação de reposição de areias, numa altura em que a praia estava quase a zero, permitindo ao mar, sem entraves, um desbaste violento das falésias com as tempestades de Inverno”. Se, aparentemente, este negócio poderia não ter grande legalidade, ou ser deveras revoltante, eis a resposta:

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GEOTA Abril 2005 21

Fig. 38: Mapa de referência das situações problemáticas na orla costeira continental (Programa Finisterra).

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GEOTA Abril 2005 22

“A participação do Estado, numa praia que sendo pública servia essencialmente um empreendimento privado, foi coberta pelo argumento – sustentado por pareceres técnicos – de que o crescimento do mar para terra era, em grande parte, atribuída à abertura da marina de Vilamoura e à acção dos pontões, bem como ao conjunto de esporões construídos em Quarteira até meados dos anos 80 para reter a fúria do mar contra a costa” (Miguel, 2004, pp70-74). Que atitude tomará o Estado – que não consegue fazer implementar medidas proibitivas de construção no litoral e outras não menos importantes de demolição – quando Vale do Lobo necessitar de mais areia?

Não será preciso pensar muito para se alcançar a resposta. Mais ainda quando, segundo a revista do Expresso (Novembro 2004), Sander Van Gelder defende as realimentações sucessivas de areias ao longo dos anos – não especifica, mas subentende-se, à custa de quem. Até porque o mesmo proprietário do Vale do Lobo advoga os grandes investimentos em praias para os mais ricos e numa clara demonstração de preocupação com o défice português espera que o Algarve atraia 40 mil novos proprietários estrangeiros nos próximos anos.

De Vale do Lobo a Sesimbra, ignorando os inúmeros casos que retratam o poder dos promotores imobiliários, observe-se a mega construção que “rematou com betão o que restava livre da praia de Sesimbra” (Garcia, 2005, pp2-5). Sendo este um projecto considerado ilegal pelo Governo, como pode ter chegado a este ponto. Aqui, ao contrário da história “em que os 3 porquinhos cantam: quem tem medo do lobo mau?”, deve-se questionar: quem tem medo de desafiar o Estado?

Segundo Ricardo Garcia (2005, pp2-5) “...dois anos depois da criação

do Programa Finisterra, 12 anos depois do lançamento dos POOC, 15 anos depois de se definir que a ocupação linear do litoral era de evitar, 34 anos depois de se instituir o conceito de «Zonas ameaçadas pelo mar», o país ainda não viu grande parte destas ideias serem aplicadas à prática. Construções ilegais tardam a ser demolidas. Prédios novos surgem em zonas de risco. As competências sobre quem manda (em quê) permanecem confusas. A linha de costa continua a recuar fortemente. E o estado vai investindo milhões em obras de protecção de emergência”. É quando a erosão costeira começa a ameaçar o património construído que se efectuam intervenções tendentes a salvaguardar esse património (Alveirinho Dias, 2004).

Os registos numéricos e fotográficos da campanha Coastwatch 2004/05, aí estão e falam por si. Os Riscos Efectivos (RE), no plano nacional, são, manifestamente relacionados com a construção, pressão turística excessiva, muito embora a alusão à poluição da água por esgoto e descargas de lixo ou entulho, tenham igualmente um peso considerável. No que concerne às Ameaças Iminentes (AI), a poluição de água por petróleo, ressalta, numa primeira análise – principalmente no Sul do País, com incidência em mais de 60% das unidades. Os restantes itens relacionados, directa e/ou indirectamente, com a pressão sobre o litoral, assinalam valores percentuais bastante significativos.

Fig. 39: Vista da ocupação turística – Armação de Pêra/Algarve (Francisco Piqueiro/Foto Engenho, Lda).

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Parte da extensa orla costeira apresenta níveis de erosão marinha derivado de causas antrópicas (pressão turística e construção, diminuição da deposição de sedimentos, etc) e com profundas mudanças globais, de que é exemplo as alterações climáticas. Os troços do litoral submetidos a erosão marinha mais intensa são reportados a Norte do Rio Tejo (Norte, Centro e LVT), bem como em ambos os arquipélagos.

Um dos riscos predominantemente

assinalados aquando da monitorização das ilhas tem a ver com a descarga de lixo ou entulho na orla

costeira o que, à priori, sugere a necessidade de uma forte aposta ao nível da educação ambiental para os resíduos produzidos e sua correcta separação. Quanto aos RE e AI que a aquacultura oferece (figura 40), segundo a opinião dos participantes, não atinge os 10%; mas, este valor é considerável, tendo em conta a representação que a actividade tem no nosso país. Segundo Alveirinho Dias (2004) “como o esforço de pesca nacional tem vindo a decrescer, quer devido a restrições de acesso aos pesqueiros, quer pela diminuição generalizada dos stocks, a aquacultura é uma alternativa óbvia. Embora, em Portugal, a aquacultura represente apenas 5% do total do pescado, na UE, esta actividade representa 15%.”

Fig. 41: Edifícios em construção a menos de 500m da linha de água.

Fig. 40: Riscos e ameaças sobre o litoral, no plano nacional.

0 10 20 30 40 50 60

%

Erosão marinha

Extracção de inertes

Construção

Descargas de lixo ou entulho

Poluição da água por esgoto

Poluição da água por petróleo

Poluição da água por indústria

Poluição da água por agric. intensiva

Pressão turística excessiva

Aquacultura

OutrosAmeaças Iminentes

Riscos Efectivos

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Portugal assume um crescimento urbano extensivo com consequente afectação dos solos agrícolas – que passam de terra a betão – na maioria das vezes sem regras e desvalorizando uma adequada integração dos espaços físicos. As regiões do Algarve e Centro são particularmente afectadas pela forte pressão na mudança de uso do solo, nomeadamente para expansão urbana e empreendimentos turísticos. Contudo, quando se questiona sobre novas construções a respostas não se fica pelas regiões supracitadas – antes pelo contrário, o seu resultado é uma dispersão ao longo do país. 10,5% das unidades, referem a construção de edifícios a uma distância média de 162m da linha de água, com especial relevância nas regiões de Minho-Lima; Pinhal litoral e Região Autónoma da Madeira cuja distância está no intervalo de classe 30 a 80m (figura 41). Relativamente ao número de construções as NUT 132 (Grande Lisboa); 121 (Baixo Vouga) e 151 (Algarve) são as mais evidenciadas. Sabendo que a cobertura não foi total em nenhuma destas áreas, principalmente no Norte e Algarve, fica no ar o que existe na realidade, no que concerne a este item.

Quantos destes estarão a salvo nos próximos Invernos, que se esperam mais rigorosos? Quanto serão ilegais e como tal alvo de demolições rápidas, já que a incompetência dos responsáveis não conseguiu evitar a sua construção? Mas, porque nem sempre é assim, há que referir os casos em que a lei impera, mais que não seja pela sua raridade e/ou para servir de modelo: veja-se a figura 43 retratando a construção de um prédio, agora embargado, na encosta da arriba fóssil.

Seria mesmo agradável constatar que as entidades responsáveis conseguiam levar avante a limpeza tão desejada do litoral. Urge um bom exemplo! Para quando a solução da ilha de Faro? Parece-nos que este será mais uma ocorrência em que a natureza resolve aquilo que o Estado se recusa a fazer – a que preço? O que impressiona em toda a problemática que envolve grande parte dos clandestinos é o facilitismo com que obtêm os contratos (telefone, saneamento básico entre outros serviços) que deveriam ser recusados, como uma das formas de travar o aumento desenfreado de construções.

Um dos últimos trabalhos do Ministro do Ambiente do anterior Governo (Eng.º Luís Nobre Guedes), consistiu num estudo que pretendia em angariar o número de construções em áreas sensíveis, donde “cerca de 97%, das 3421 edificações clandestinas existentes nas áreas protegidas do país estão próximas do litoral. (...) A maior parte está na Ria Formosa (1815), no Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (880) e na Costa da Caparica (331)” (Garcia, 2005, pp2-5) - mais um que acaba por não receber o tratamento adequado! Este (des)ordenamento (des)concertado, escuda-se na alternância de ministros, comprovando-se o já atrás referido, o diagnóstico é consumado, a receita é equacionada, mas falta a vontade de iniciar o tratamento.

De entre todas as áreas de maior fragilidade ao longo do país, a Ria Formosa parece ser a que mais apavora. Factores: 1815 construções ilegais - facto por si só preocupante, mas agravado quando esta densificação ocorre sobre um substrato móvel - elevada pressão urbanística; fragilidade nos ecossistemas e muitos interesses, o que deixa já adivinhar um difícil acordo entre as construções a demolir – será que este não é um dos aspectos que tem conduzido à demora na aprovação do POOC Vilamoura-Vila Real de St.º António?

Fig. 42: Litoral artificializado - Sta Cruz, Madeira ((EB+S Sta Cruz).

Fig. 43: Construção embargada na Fonte da Telha (Coastwatch).

Fig. 44: Edifício à beira da Ria de

Aveiro (ADACE).

Fig. 45: Empreendimento turístico em construção numa falésia instável de Sesimbra – tal como a placa indica (Desconhecido).

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COASTWATCH ENQUANTO PERCURSO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

“Se os teus projectos forem para um ano planta um grão, se forem para dez anos planta uma árvore mas se forem para 100 anos instrui um povo”.

(autor desconhecido)

Os efeitos de uma sociedade mais competitiva e produtiva não se fizeram esperar sobre os diferentes domínios. À medida que uns apelam ao consumismo – em nome de uma melhor qualidade de vida - outros há, que agitam a bandeira da perda desta qualidade, como reflexo duma estratégia de marketing: dicotomias de um povo! Porém, intrínseca e aparentemente ambas exigem um modus vivendus mais saudável (sustentável ou não!?).

Deixando-se enredar nesta teia, a sociedade aparenta organizar-se como se só houvessem uns ou outros: os que defendem o crescimento e os que apelam ao desenvolvimento. Mas, entre o preto e o branco, existe uma escala de cores bastante variada onde terá de assentar a cidadania ambiental como ferramenta da sustentabilidade.

Se nos primórdios do desenvolvimento desenfreado do pós-revolução industrial a preocupação constante era a produção, com vista a um melhor nível de vida - nesta etapa ainda sentido como sinónimo de qualidade de vida – rapidamente se apreendeu que a natureza tinha um limite e estava a mostrar o reverso da medalha.

Com veracidade, reconhece-se que a degradação de alguns parâmetros ambientais - consequência das várias crises ambientais sentidas no século XX (extinção de espécies, mutações genéticas, acidentes petrolíferos, eutrofização de massas de águas, etc) - afectam directa ou indirectamente a qualidade de vida dos cidadãos, conduzindo ao despertar da consciência ambiental. Consciência esta, operacionalizada pelas entidades competentes através de instrumentos legais, quer tenha derivado por imposição da UE ou por ela própria. É disso exemplo o irromper de Associações de Defesa do Ambiente a

uma escala nacional, regional e/ou local com o intuito de sensibilizar a opinião pública. Sobretudo, porque em Portugal, já se ia sentindo a falta de participação activa dos cidadãos…

A Educação Ambiental (EA) já foi mote de debate na comunicação social, deu o seu contributo em publicações e programas variados, aproximou cidadãos e colidiu onde mais seria de esperar: à Escola, ou seja, “de pequenino se torce o pepino”. Porque as campanhas de identificação dos problemas não vingaram e as atitudes não convenceram, urgiu, então, sensibilizar a população sobre “a importância de se chamar sustentável”, aplicada a inúmeros projectos, como forma de pregar aos que vão gerir futuramente o planeta.

Assim surge o Projecto Coastwatch Europe. Defendido, primeiramente, como um projecto de monitorização, patenteou, desde a sua implementação, uma grande vertente educativa direccionada para as questões da educação ambiental no âmbito do litoral. Se para alguns o projecto serve unicamente como ferramenta de caracterização, para muitos potencia o cerne da questão: a cidadania como forma de formar indivíduos activos e participativos.

Fig. 46: Cartoon ilustrativo de como gerimos a “nossa casa” (Luís Afonso)!

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Dada a transversalidade da EA é, ao nível da estrutura educativa (onde se concentra a maioria dos jovens), que esta nova forma de estar no mundo encontra eco. E, porque a escola enquanto sistema organizacional inserida na sociedade, pode e deve desenvolver a dimensão ambiental para além das actividades curriculares – o Coastwatch tem sido usufruído por docentes, que nele descobrem um meio para atingir o fim... Porém, a EA não é exclusividade das escolas. Autarquias, associações de defesa do ambiente (ADA) e outras entidades acolhem voluntariamente o Projecto Coastwatch e em cada campanha redescobrem uma forma subtil, mas forte, de tornar a cidadania uma tradição, assegurando, sem impor, que o conceito de desenvolvimento sustentável é assimilado.

À parte o que cada um pode edificar a partir das várias campanhas, expõe–se, nesta ténue galeria, as potencialidades que alguns vislumbraram... porque “quem acende uma luz é o primeiro a beneficiar da claridade” (Gilbert Chesterton).

Coastwatch – um projecto de educação

Fig. 47: Preparação da saída de campo no Funchal (ES Dr. Ângelo

Augusto da Silva).

Fig. 48: Trabalho de campo com o Colégio Guadalupe

(Coastwatch).

Fig. 49: Workshop dinamizado na abertura de campanha CW 2003

em Cascais (GEOTA).

Fig. 50: Cooperação entre a EP Agrícola D. Dinis da Paiã e

a EB1 de Odivelas.

Coastwatch – um projecto de cidadania

Fig. 51: Apresentação dos resultados do CW 2003 à comunidade (ESEmídio

Navarro).

Fig. 52: Peça de teatro elaborada por alunos no âmbito do projecto coastwatch (EB 2,3 Dr. João das

Regras).

Fig. 53: Visita ao concelho da Lourinhã promovida pela EB 2,3 Dr.

João das Regras aquando do seminário CW 2003 (Coastwatch).

Fig. 54: Trabalho no âmbito da disciplina de Inglês elaborado

pela ES da Amora (Coastwatch).

Coastwatch – um projecto de divulgação

Fig. 55: Organização do Seminário Coastwatch

2003/2004 (Pedro Damião).

Fig. 56: Entrevista de alunos do Colégio Guadalupe para um

programa da RTP (Coastwatch).

Fig. 57: Workshop na Ecoteca de Olhão, direccionado para professores

e outras entidades (Coastwatch).

Fig. 58: Realização de um documentário em colaboração

com a ESCS (Coastwatch).

Coastwatch – um projecto de alerta

Fig. 59: Um aluno alerta para os resíduos perigosos

(EB 2,3 Roque Gameiro).

Fig. 60: A erosão é o inimigo público n.º1 (CM Funchal).

Fig. 61: Verificação do estado das entradas no meio marinho

(CM Montijo).

Fig. 62: A degradação das embarcações na Baía do Seixal

(ES Amora).

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CONCLUSÃO Hoje como sempre, o mar é presença genuína e marcante na vida dos portugueses. As evidências não oferecem dúvidas: num país com 91 946km² de superfície (INE, 2004), 93% da população reside a menos de 100km da linha de costa. Inconfundivelmente com uma concentração sobre a fachada Atlântica, de Viana do Castelo a Setúbal e o litoral Algarvio (INE, 2004). Esqueça -se as características físicas e centralize-se nos aspectos afectivos e no forte testemunho que os antepassados deixaram pelo mundo fora: Mais uma vez a intensa relação com o mar é evidenciada.

E se, fisicamente, a lei do Domínio Público Marítimo veio cingir, legalmente, a construção sobre a linha de costa, ao interditar a posse privada e a construção de carácter definitivo numa faixa de 500m de largura, a partir da linha da maior preia-mar de marés-vivas; afectivamente, o casamento do Homem com a faixa costeira está muito longe de comportar um divórcio. Assim se justifica os 75% de população aí residente, os cerca de 85% de PIB aí gerados e os colossais movimentos turísticos ocorridos na época balnear. À parte estes aspectos poder-se-iam referir outros domínios a que a presença do mar não é alheia: quantos atribuem um carácter harmonioso ao mar sobre a sua personalidade? Quantas obras literárias e artísticas são criadas sobre a influência desta grandiosa massa de água? Pois é, o mar tem um forte efeito sobre o Homem!

Inúmeras são as referências ao mar na história e cultura do país; veja-se, a título de exemplo, o ícone carregado de simbolismo patriótico: o hino nacional! “Heróis do mar...”. Já não partem caravelas rumo a outros mundos mas o mar ainda funciona como elemento difusor da economia, cultura e lazer de Portugal – tem intrínseco muito para presentear quem o saiba descobrir, desde que assente no desenvolvimento sustentável. Como menciona Luísa Schmidt (2004, pp120-122) “O mar é, historicamente, a estrada para o país ganhar tamanho. É o recurso mais valioso para a indústria turística. Há toda a riqueza em peixe, crustáceos, algas e outras vidas marinhas. Há a biodiversidade, há o sal; as fontes hidrotermais; os recursos minerais e a energia das ondas”. E é a contemplar todo este manancial de hipóteses que o Projecto Coastwatch 2004/05 reforça o sentido de potencialidades.

Não obstante este reforço, os resultados da 15ª campanha, vêm mais uma vez demonstrar que o vasto interesse que tantos têm sobre a estreita faixa aparenta estar em rota de colisão. Como refere Adelaide Ferreira (2003) “...dada a multiplicidade de questões, interesses, valores, jurisdições e usos que se concentram nas zonas costeiras, esta abordagem implica, inerente e inevitavelmente, a gestão de inúmeros conflitos e, logo, o consumo de tempo e recursos, materiais e humanos, preciosos.”

De olho no litoral, os 4222 voluntários tentaram descobrir potencialidades e recolher informações que serviram de base ao presente relatório e estão disponíveis, para os mais variadíssimos usufrutos e para quem as solicitar.

O leque variado de participantes envolvidos nesta campanha – não obstante um valor ligeiramente inferior a 2003/04 - calcorreou mais 269,5 quilómetros de costa que o ano transacto, num total de 1069,5km. Embora, sempre bem patente que a cobertura da faixa costeira dificilmente se completa (terrenos privados, militares, inacessibilidades forçadas pela morfologia inerente ao território, etc...), aguarda-se, com expectativa, que as campanhas vindouras fiquem mais próximas do total possível. Este ano apenas as regiões de LVT e Centro tiveram uma cobertura superior a 50%; das restantes, a região Norte é a que apresenta uma expressão menos significativa (13,3%).

Reveste-se de toda a conveniência salientar que em mais uma campanha está bem patente a predilecção pela monitorização em áreas de praia e falésia - diga-se, em abono da verdade, que esta atracção segue a tendência geral da ocupação do solo. Daí os 12% de coberto onde estão presentes formas de controlo de erosão como uma tentativa de “segurar” a natureza por parte de quem ignorou que o litoral é dinâmico.

O risco existe, ponto final. E consequentemente a ameaça também. Pelo simples facto de existir uma arriba, independentemente da pressão que a actividade antrópica exerça sobre ela pode ser, por si só um risco e uma ameaça. E como salienta Ana Ramos Pereira (2000) “No caso do litoral, muitos dos factores de risco provêm do mar: risco de erosão, risco de poluição por derrame de petróleo, riscos de contaminação das quintas de aquacultura por algas tóxicas, entre outros. Podem por isso, afectar as áreas emersas ou

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permanentemente submersas”. A insipiência das entidades responsáveis em ignorar estas premissas transformou a faixa costeira portuguesa num risco e ameaça, quase contínuo – fica-se com a esperança nas potencialidades deste “quase”!

Os registos numéricos e fotográficos da campanha Coastwatch 2004/05, aí estão e falam por si. Os riscos efectivos são manifestamente relacionados com a erosão marinha, construção, pressão turística excessiva, muito embora a alusão à poluição da água por esgoto e descargas de lixo ou entulho, tenham igualmente um peso considerável. No que concerne às ameaças iminentes, a poluição de água por petróleo , ressalta, numa primeira análise. Porém, os restantes itens relacionados, directa e/ou indirectamente, com a pressão sobre o litoral, assinalam valores percentuais bastante significativos. De adir a representatividade que a aquacultura vai adquirindo, à medida que esta actividade cresce no nosso país.

A vida na faixa costeira, referenciada no presente relatório, varia em estreita conexão com os dotes da natureza e o grau de intervenção do Homem. Realçando-se a elevada mortalidade de golfinhos comparativamente a anos anteriores (quase 50% a mais que o ano anterior) - mas tal não é novidade e vem de encontro às notícias que diariamente chegam à população em geral. O Centro foi a região com maior incidência de golfinhos mortos (Praia de Vieira, Costa de Lavos e Furadouro).

Quanto às entradas no mar, a nível nacional foram contabilizadas, 1195 e caracterizadas 1092, das quais 57% são exclusivamente de carácter natural (rio/ribeira; laguna costeira; escorrência), mas que continuam a reflectir alguns sinais de infracção. E a questão surge de imediato: será de todo impossível controlar a poluição?

Em relação aos resíduos, a análise comparativa das três últimas campanhas permite deduzir, à priori, que houve uma notória diminuição dos resíduos de grandes dimensões encontrados ao longo da faixa litoral monitorizada nomeadamente ao nível de lixos domésticos em sacos ou amontoados e objectos domésticos, que obtiveram, uma taxa de variação percentual de 8,2 e 5,8, respectivamente. Várias conjunturas podem ser equacionadas: houve uma maior consciencialização por parte dos cidadãos, um controle mais apertado por parte das autoridades, uma maior limpeza da área em questão, ou simplesmente um menor registo de resíduos assinalados?

No rigor, o total de 2139 unidades caracterizadas, 1766 continham resíduos de grandes dimensões, independentemente do tipo e da quantidade. Os resíduos da construção civil lideram este grupo, o que obriga a um reforçar no pedido de alerta, com o intuito de um controle mais apertado por parte as autoridades competentes – a não ser que a lei, por inércia, compactue com semelhante atitude.

Aguarda-se com expectativa que este país em que o mar, “...pela natureza arquipelágica do seu território, pela extensão da sua fachada atlântica e por ter, sob sua jurisdição, uma área marítima 18 vezes superior à área do seu território terrestre, dispõe de um conjunto de recursos potenciais ainda insuficientemente conhecidos ou explorados e/ou de exploração insuficientemente monitorizada; de uma posição valiosa para o exercício de múltiplas actividades científicas, económicas e militares; de responsabilidades em áreas cruciais como as da segurança marítima, do combate à poluição dos oceanos ou do apoio à navegação aérea; o actual quadro de actuação e governação da gestão da área marítima nacional é pautado por intervenções sectoriais e avulsas” (Mota et al, 2004).

Pretende-se pois que todos estes usos sejam consumados para proveito do país e não apenas de alguns, individualmente... E, quando todos interiorizarem o alerta de Luísa Schmidt (2004, pp120-122) “Um país mais líquido que sólido devia dedicar maior atenção ao oceano, não como tema mas como obra”, abre-se caminho para as potencialidades, já deveras citadas, se efectivarem!

O Projecto Coastwatch preserva a sua postura de olho no litoral e de descoberta de potencialidades investindo, paralelamente, na cidadania ambiental. Acreditando que as ideias de ontem fazem os costumes de amanhã!

Para um descortinar de situações bem como para a divulgação das mesmas - numa atitude de participação activa - contamos com todos, contamos consigo!!!

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