notas de aula medida e integra˘c~ao - matemática ufmgrodney/notas_de_aula/medida.pdf · medida e...

28
Notas de Aula Medida e Integra¸ ao Rodney Josu´ e Biezuner 1 Departamento de Matem´atica Instituto de Ciˆ encias Exatas (ICEx) Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Notas de aula do curso Medida e Integra¸c˜ ao do Programa deP´os-Gradua¸ ao em Matem´atica, ministrado no primeiro semestre de 2012. 27 de mar¸co de 2012 1 E-mail: [email protected]; homepage: http://www.mat.ufmg.br/rodney.

Upload: ngoliem

Post on 01-Dec-2018

234 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Notas de Aula

Medida e Integracao

Rodney Josue Biezuner 1

Departamento de MatematicaInstituto de Ciencias Exatas (ICEx)

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Notas de aula do curso Medida e Integracao do Programa

de Pos-Graduacao em Matematica, ministrado no primeiro semestre de 2012.

27 de marco de 2012

1E-mail: [email protected]; homepage: http://www.mat.ufmg.br/∼rodney.

Page 2: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Sumario

1 Medidas 21.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.2 σ-Algebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.2.1 Definicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.2.2 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.2.3 A σ-algebra de Borel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2.4 σ-algebras produto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2.5 Exercıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1.3 Medidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81.3.1 Definicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81.3.2 Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.3.3 Medidas Completas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.3.4 Exercıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.4 Medidas Exteriores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.4.1 O Teorema de Caratheodory . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141.4.2 Pre-medidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.4.3 Exercıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

1.5 Medidas de Borel na Reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171.5.1 Famılias Elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181.5.2 Medida de Lebesgue-Stieltjes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191.5.3 Propriedades de Regularidade da Medida de Lebesgue-Stieltjes . . . . . . . . . . . . . 211.5.4 Medida de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231.5.5 Exercıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231.5.6 O conjunto de Cantor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241.5.7 Exercıcios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

1

Page 3: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Capıtulo 1

Medidas

1.1 Introducao

Idealmente, gostarıamos de definir uma funcao medida µ no espaco euclidiano Rn que atribuisse a todosubconjunto E ⊂ Rn um numero µ (E) > 0 que satisfizesse as seguintes propriedades:

(i) Se {Ei}i∈N e uma colecao finita ou enumeravel de subconjuntos disjuntos de Rn, entao

µ

(∪i∈N

Ei

)=∑i∈N

µ (Ei) .

(ii) Se E e congruente a F (ou seja, E pode ser transformado em F atraves de translacoes, rotacoes e/oureflexoes), entao µ (E) = µ (F ).

(iii) Se C = [0, 1)n e o cubo unitario de Rn, entao µ (C) = 1.Infelizmente estas condicoes sao mutuamente incompatıveis, como o exemplo a seguir demonstra.

1.1 Contraexemplo. Defina a seguinte relacao de equivalencia em [0, 1): x ∼ y se e somente se x− y ∈ Q.Usando o axioma da escolha, seja A um subconjunto de [0, 1) que contem exatamente um elemento decada classe de equivalencia desta relacao. Seja Q = Q ∩ [0, 1), ou seja, Q e o conjunto dos numerosracionais no intervalo [0, 1), e para cada q ∈ Q considere o conjunto

Aq = {x+ q : x ∈ A ∩ [0, 1− q)} ∪ {x+ q − 1 : x ∈ A ∩ [1− q, 1)} .

Em outras palavras, para obter Aq faca uma translacao de A q unidades para a direita e entao movaa parte que saiu fora de [0, 1) uma unidade para a esquerda. Observe que nao apenas os conjuntosAq sao disjuntos, mas cada elemento x ∈ [0, 1) pertence exatamente a um unico Aq. De fato, dadox ∈ [0, 1), se y e o elemento da classe de equivalencia de x que esta em A, entao

x ∈ Aq onde q =

{x− y se x > y,x− y + 1 se x < y;

se tivessemos x ∈ Aq∩Ap entao x−q (ou x−q+1) e x−p (ou x−p+1) seriam elementos distintos de Apertencentes a mesma classe de equivalencia, contradizendo a definicao de A. Assumindo a existenciade uma funcao medida µ : P (Rn) −→ [0,∞] que satisfaz as tres condicoes acima, terıamos por (iii) e(i) que

1 = µ ([0, 1)) = µ

∪q∈Q

Aq

=∑q∈Q

µ (Aq) .

2

Page 4: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 3

Por outro lado, por (i) e (ii)

µ (Aq) = µ (A ∩ [0, 1− q)) + µ (A ∩ [1− q, 1)) = µ (A) .

Portanto, ou∑q∈Q

µ (Aq) e igual a 0 ou e igual a ∞, de qualquer modo constituindo uma contradicao.

�Enfraquecer a condicao (i) permitindo apenas unioes finitas nao elimina a contradicao. De acordo com

o paradoxo de Banach-Tarski (que e tambem uma consequencia do axioma da escolha), se K1 e K2 saoquaisquer subconjuntos compactos de Rn, n > 3, entao e possıvel encontrar subdivisoes finitas disjuntas

E11 , . . . , E

1k de K1 e E2

1 , . . . , E2k de K2, ou seja, K1 =

k∪j=1

E1j e K2 =

k∪j=1

E2j , tais que E1

j e congruente a

E2j para cada j = 1, . . . , k. Em outras palavras, e possıvel tomar qualquer subconjunto de Rn, n > 3, e

corta-lo em um numero finitos de partes de tal forma a faze-lo ter a medida de qualquer outro subconjuntode Rn! E claro que estas partes devem ter formas altamente bizarras, impossıveis de imaginar, ja que emultima analise elas sao construıdas com o auxılio do axioma da escolha. De qualquer modo, o paradoxode Banach-Tarski mostra que o problema esta na ambicao de querer definir uma funcao medida que possamedir qualquer subconjunto de Rn. Claramente, existem subconjuntos de Rn que desafiam qualquer nocaode medida, isto e, nao sao mensuraveis.

Assim sendo, devemos abandonar a possibilidade de se contruir uma funcao medida que esteja definidaem todos os subconjuntos de Rn e nos restringir a uma subclasse conveniente de subconjuntos de Rn, ou seja,conjuntos que encontramos nas aplicacoes praticas de Matematica (e nao casos patologicos, construıdos es-pecificamente para provar um ponto em Logica), que serao os nossos conjuntos mensuraveis, isto e, conjuntosque podem ser medidos.

1.2 σ-Algebras

Nesta secao definiremos precisamente subclasses de P (X) (onde X e um conjunto qualquer) onde podemosdefinir uma nocao de medida.

1.2.1 Definicao

Se X e um conjunto nao vazio, uma algebra de conjuntos em X e uma colecao nao vazia A ⊂ P (X) desubconjuntos de X que e fechada sob unioes finitas e complementares, isto e,

(i) se E1, . . . , En ∈ A, entaon∪

i=1

Ei ∈ A;

(ii) se E ∈ A, entao Ec = X −A ∈ A.

1.2 Definicao. Seja X um conjunto nao vazio. Uma σ-algebra em X e uma algebra que e fechada tambemsob unioes enumeraveis, ou seja, se {Ei}i∈N ⊂ A, entao

∪i∈N

Ei ∈ A.

1.3 Proposicao. σ-algebras [algebras] sao fechadas tambem sob intersecoes enumeraveis [finitas].

Prova. Lembrando a lei de deMorgan (∪i

Ei

)c

=∩i

Eci

(o complementar da uniao e a intersecao dos complementares), e como (Eci )

c= Ei, temos imediatamente

que ∩i

Ei =

(∪i

Eci

)c

.

Page 5: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 4

1.4 Proposicao. Qualquer σ-algebra [algebra] em X contem ∅ e X.

Prova. Como uma σ-algebra [algebra] A por definicao nao e vazia, se E ∈ A, entao

∅ = E ∩ Ec

eX = E ∪ Ec.

1.5 Proposicao. Se A e uma algebra, entao A e uma σ-algebra se ela e fechada sob unioes enumeraveisdisjuntas.

Prova. Seja {Ei}i∈N ⊂ A. Defina

F1 = E1,

F2 = E2\E1,

F3 = E3\ (E1 ∪ E2) ,

e, em geral,

Fj = Ej

\j−1∪i=1

Ei = Ej ∩

(j−1∪i=1

Ei

)c

.

Segue que {Fj}j∈N ⊂ A e uma famılia de conjuntos enumeraveis disjuntos de A tal que∪i∈N

Ei =∪j∈N

Fj .

�A tecnica introduzida na demonstracao da proposicao anterior de substituir uma sequencia de conjuntos poruma sequencia de conjuntos disjuntos obtendo a mesma uniao e extremamente util no nosso contexto e serautilizada varias vezes.

1.2.2 Exemplos

1.6 Exemplo. Se X e qualquer conjunto, entao {∅, X} e P (X) sao σ-algebras. �

1.7 Exemplo. Se X e um conjunto nao-enumeravel, entao

A = {E ⊂ X : E e enumeravel ou Ec e enumeravel}

e uma σ-algebra, chamada a σ-algebra dos conjuntos enumeraveis ou coenumeraveis. �

1.8 Exemplo. A intersecao de uma famılia de σ-algebras e uma σ-algebra. Segue que se E ⊂ P (X), entaoexiste uma menor σ-algebra M(E) que contem E (ou seja, a intersecao de todas as σ-algebras contendoE ; existe pelo menos uma σ-algebra que contem E , a σ-algebra P (X)). M(E) e chamada a σ-algebragerada por E . �

1.9 Proposicao. Se E ⊂ M(F), entao M(E) ⊂ M(F). Em particular, se E ⊂ F , entao M(E) ⊂ M(F).

Prova. A primeira afirmacao segue do fato que M(F) e uma σ-algebra contendo E . A segunda afirmacaosegue da primeira, observando que F ⊂ M(F). �

Page 6: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 5

1.2.3 A σ-algebra de Borel

1.10 Exemplo. Se X e um espaco metrico ou, mais geralmente, um espaco topologico, entao a σ-algebragerada pela famılia de conjuntos abertos de X e chamada a σ-algebra de Borel de X, denotada porBX ; seus elementos sao chamados de conjuntos de Borel. Portanto, BX inclui conjuntos abertos,conjuntos fechados (os complementares dos conjuntos abertos), intersecoes enumeraveis de conjuntosabertos (lembrando que unioes enumeraveis de conjuntos abertos ja sao abertos), unioes enumeraveisde conjuntos fechados (lembrando que intersecoes enumeraveis de conjuntos fechados ja sao fechados)e assim por diante. �

Em particular, a σ-algebra de Borel da reta R vai ser importante nas nossas discussoes. Ela pode sergerada de varias maneiras diferentes:

1.11 Proposicao. A σ-algebra de Borel da reta BR e gerada por qualquer um dos conjuntos seguintes:

(a) o conjunto dos intervalos abertos E1 = {(a, b) : a < b} ;(b) o conjunto dos intervalos fechados E2 = {[a, b] : a < b} ;(c) o conjunto dos intervalos semiabertos E3 = {(a, b] : a < b} ou E4 = {[a, b) : a < b} ;(d) o conjunto dos raios abertos E5 = {(a,+∞) : a ∈ R} ou E6 = {(−∞, a) : a ∈ R} ;(e) o conjunto dos raios fechados E7 = {[a,+∞) : a ∈ R} ou E8 = {(−∞, a] : a ∈ R} .

Prova. Os elementos de Ej para j = 3, 4 sao abertos ou fechados; os elementos de E3 e E4 sao intersecoesenumeraveis de abertos (por exemplo, [a, b) =

∩n∈N

(a− 1

n , b)). Todos estes conjuntos sao conjuntos de Borel,

logo pela Proposicao 1.9 segue que M(Ej) ⊂ BR.Por outro lado, todo conjunto aberto em R e uma uniao enumeravel de intervalos, logo novamente pela

Proposicao 1.9 temos BR ⊂ M(E1). Similarmente prova-se que BR ⊂ M(Ej) para j > 2 mostrando que

todos os intervalos abertos estao em M(Ej). Por exemplo, (a, b) ⊂∪

n∈N

[a− 1

n , b+1n

]∈ M(E2). �

1.2.4 σ-algebras produto

1.12 Exemplo. Seja {Xα}α∈A uma famılia indexada de conjuntos nao vazios,

X =∏α∈A

e πα : X −→ Xα a aplicacao projecao, isto e, πα

((xα)α∈A

)= xα. Se Mα e uma σ-algebra em Xα

para cada α, entao definimos a σ-algebra produto em X como sendo a σ-algebra gerada por{π−1α (Eα) : Eα ∈ Mα, α ∈ A

}.

que sera denotada por⊗α∈A

Mα. �

O significado da σ-algebra produto ficara mais claro no inıcio do proximo capıtulo. No caso de produtosenumeraveis a σ-algebra produto tem uma caracterizacao mais simples e intuitiva:

1.13 Proposicao.⊗i∈N

Mi e a σ-algebra gerada por

{∏i∈N

Ei : Ei ∈ Mi

}.

Prova. Se Ei ∈ Mi, entao

π−1i (Ei) =

∏j∈N

Ej ,

Page 7: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 6

onde

Ej =

{Ei se j = i,Xj se j = i.

Portanto, como Mi contem Xi (Proposicao 1.4), temos que

{π−1i (Ei) : Ei ∈ Mi, i ∈ N

}⊂

{∏i∈N

Ei : Ei ∈ Mi

},

donde, pela segunda afirmacao da Proposicao 1.9,

⊗i∈N

Mi ⊂ M

({∏i∈N

Ei : Ei ∈ Mi

}). (1.1)

Temos tambem, em particular, que ∏i∈N

Ei =∩i∈N

π−1i (Ei) ,

logo, {∏i∈N

Ei : Ei ∈ Mi

}⊂ M

({π−1i (Ei) : Ei ∈ Mi, i ∈ N

})=⊗i∈N

Mi.

Segue da primeira afirmacao da Proposicao 1.9 que

M

({∏i∈N

Ei : Ei ∈ Mi

})⊂⊗i∈N

Mi. (1.2)

De (1.1) e (1.2), temos que ⊗i∈N

Mi = M

({∏i∈N

Ei : Ei ∈ Mi

}).

1.14 Lema. Seja Mα = M(Eα). Entao⊗α∈A

Mα = M({π−1α (Eα) : Eα ∈ Eα, α ∈ A

}).

No caso enumeravel, temos⊗i∈N

Mi = M({∏

i∈NEi : Ei ∈ Ei

}).

Prova. Por definicao, M({π−1α (Eα) : Eα ∈ Eα, α ∈ A

}) ⊂

⊗α∈A

Mα. Por outro lado, para cada α ∈ A, o

conjunto {E ⊂ Xα : π−1

α (E) ∈ M({π−1α (Eα) : Eα ∈ Eα, α ∈ A

}}e uma σ-algebra emXα que contem Eα e portantoMα. Em outras palavras, π−1

α (E) ∈ M({π−1α (Eα) : Eα ∈ Eα, α ∈ A

}para todo E ⊂ Mα, logo

⊗α∈A

Mα ⊂ M({π−1α (Eα) : Eα ∈ Eα, α ∈ A

}).

A segunda afirmacao segue da primeira como na demonstracao da proposicao anterior. �

1.15 Teorema. Sejam X1, . . . , Xn espacos metricos e X =n∏

i=1

Xi equipado com a metrica produto. Entao

n⊗i=1

BXi ⊂ BX .

Se X1, . . . , Xn sao separaveis, entaon⊗

i=1

BXi= BX .

Page 8: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 7

Prova. Pela primeira afirmacao do lema anterior,n⊗

i=1

BXi = M({π−1i (Ui) : Ui e aberto em Xi, i = 1, . . . , n

}).

Como na topologia produto π−1i (Ui) e aberto em X, segue da Proposicao 1.9 que

n⊗i=1

BXi ⊂ BX .

Assuma agora que X1, . . . , Xn sao separaveis. Seja{xkj

}k∈N um subconjunto enumeravel denso em Xj

para cada j e Ej a colecao enumeravel das bolas centradas nos xkj com raios racionais. Portanto, todo

conjunto aberto em Xj pode ser escrito com uma uniao enumeravel de elementos de Ej , logo

BXj = M(Ej).

Alem disso, o conjunto de pontos em X cujas coordenadas estao entre os xkj e um subconjunto enumeravel

denso de X e as bolas de raio r em X sao simplesmente produtos de bolas de raio r nos Xj , logo

BX = M

n∏

i=j

Ej : Ej ∈ Ej

.

Segue da segunda afirmacao do lema anterior que BX =⊗i∈N

M(Ej) =⊗i∈N

BXj . �

1.16 Corolario. BRn =n⊗

i=1

BR.

1.2.5 Exercıcios

1.2.1 Mostre que a famılia E das unioes disjuntas finitas de intervalos da forma [a, b) ⊂ [0, 1) e uma algebraem [0, 1), mas nao e uma σ-algebra. (E e chamada a algebra de conjuntos elementares em [0, 1).)

1.2.2 Seja f : X −→ Y uma funcao. Se A e uma σ-algebra em Y , mostre que o conjunto

f−1 (A) ={f−1 (A) : A ∈ A

}e uma σ-algebra em X.

1.2.3 Mostre que uma algebra A e uma σ-algebra se e somente se ela e fechada sob unioes enumeraveiscrescentes, ou seja, se {Ei}i∈N ⊂ A e E1 ⊂ E2 ⊂ . . ., entao

∪i∈N

Ei ∈ A.

1.2.4 Mostre que se M e a σ-algebra gerada por um subconjunto qualquer E ⊂ P (X), entao M e a uniaode todas as σ-algebras geradas por subconjuntos enumeraveis de E .

1.2.5 Se X e um conjunto nao vazio, um anel de conjuntos em X e uma colecao nao vazia R ⊂ P (X) desubconjuntos de X que e fechada sob unioes e diferencas finitas, isto e,

(i) se E,F ∈ R, entao E ∪ F ∈ R;

(ii) se E,F ∈ R, entao E\F ∈ R.

Um σ-anel e um anel que e fechado sob unioes enumeraveis.

Mostre que toda algebra [resp. σ-algebra] e um anel [resp. σ-anel]. Mostre que se R e um anel [resp.σ-anel], entao R e uma algebra [resp. σ-algebra] se e somente se X ∈ R.

1.2.6 Mostre que se R e um anel, entao ∅ ∈ R.

1.2.7 Mostre que um anel e fechado sob diferencas simetricas (isto e, E△F = (E\F )∪ (F\E)) e intersecoes.Mostre que um σ-anel e fechado sob intersecoes enumeraveis.

1.2.8 Mostre que um colecao nao vazia R ⊂ P (X) fechada sob unioes finitas [resp. intersecoes finitas] ediferencas simetricas e um anel.

Page 9: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 8

1.3 Medidas

1.3.1 Definicao

1.17 Definicao. Seja X um conjunto equipado com uma σ-algebra M. Uma medida em M e uma funcaoµ : M −→ [0,∞] que satisfaz

(i) µ (∅) = 0;

(ii) se {Ei}i∈N ⊂ M e uma colecao enumeravel disjunta, entao

µ

( ∞∪i=1

Ei

)=

∞∑i=1

µ (Ei) .

(X,M) e chamado um espaco mensuravel, os conjuntos em M sao chamados conjuntos men-suraveis e (X,M, µ) e chamado um espaco de medida.

A propriedade (ii) e chamada aditividade enumeravel. Ela implica aditividade finita (tomando Ei = ∅para i > n): se E1, . . . , En ∈ M sao disjuntos, entao

µ

(n∪

i=1

Ei

)=

n∑i=1

µ (Ei) .

Uma funcao que satisfaz (i) mas satisfaz apenas a aditividade finita e chamada uma medida finitamenteaditiva.

1.18 Definicao. Seja (X,M, µ) um espaco de medida. Se µ (X) < ∞, entao dizemos que µ e uma medidafinita.

Se podemos escrever X como uma uniao enumeravel de conjuntos com medida finita, isto e, X =n∪

i=1

Ei

com µ (Ei) < ∞ para todo i, entao dizemos que µ e uma medida σ-finita. Mais geralmente, qualquerconjunto mensuravel E que pode ser escrito como uma uniao enumeravel de conjuntos com medidafinita e chamado um conjunto σ-finito.

Se para todo conjunto mensuravel E tal que µ (E) = ∞ existir um conjunto mensuravel F ⊂ E talque 0 < µ (F ) < ∞, dizemos que µ e uma medida semifinita.

Da Proposicao 1.22 (a), a seguir, segue em particular que se µ e uma medida finita, entao µ (E) < ∞ paratodo conjunto mensuravel E. Toda medida σ-finita e obviamente semifinita, mas a recıproca nao e verdadeira(veja os exercıcios). A maioria das medidas que aparecem na pratica sao σ-finitas, o que e bom, pois medidasnao σ-finitas tendem a exibir comportamentos patologicos.

1.19 Exemplo. Se X e qualquer conjunto nao vazio, M = P (X) e f : X −→ [0,∞] e uma funcao qualquer,entao f induz uma medida µ em M definindo-se

µ (E) =∑x∈E

f (x) := sup

{∑x∈F

f (x) : F e finito

}.

µ e semifinita se e somente se f (x) < ∞ para todo x ∈ X e µ e σ-finita se e somente se µ e semifinitae a parte positiva de f , isto e, o conjunto {x ∈ X : f (x) > 0}, e enumeravel. Dois casos particularestem significado especial: (1) se f (x) = 1 para todo x, entao µ e chamada a medida de contagem;(2) se f (x0) = 1 e f (x) = 0 para todo x = x0, entao µ e chamada a medida de Dirac (ou medidade ponto de massa). �

Page 10: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 9

1.20 Exemplo. Se X e um conjunto nao-enumeravel, e M e a σ-algebra dos conjuntos enumeraveis oucoenumeraveis, entao a funcao µ definida por

µ (E) =

{0 se E e enumeravel,1 se E e coenumeravel,

e uma medida. �

1.21 Contraexemplo. Se X e um conjunto infinito, M = P (X) e definimos

µ (E) =

{0 se E e finito,∞ se E e infinito,

entao µ e uma medida finitamente aditiva mas nao e uma medida. �

1.3.2 Propriedades

1.22 Proposicao. Seja (X,M, µ) um espaco de medida. Valem as seguintes propriedades:

(a) (Monotonicidade) Se E,F ∈ M e E ⊂ F , entao µ (E) 6 µ (F ).

(b) (Subaditividade) Se {Ei}i∈N ⊂ M, entao µ

( ∞∪i=1

Ei

)6

∞∑i=1

µ (Ei).

(c) (Continuidade por baixo) Se {Ei}i∈N ⊂ M e E1 ⊂ E2 ⊂ . . ., entao µ

( ∞∪i=1

Ei

)= lim

i→∞µ (Ei).

(d) (Continuidade por cima) Se {Ei}i∈N ⊂ M, E1 ⊃ E2 ⊃ . . . e µ (En) < ∞ para algum n, entao

µ

( ∞∩i=1

Ei

)= lim

i→∞µ (Ei).

Prova. (a) Se E ⊂ F , entao µ (F ) = µ (F\E) + µ (E) > µ (E).

(b) Como na demonstracao da Proposicao 1.5, definindo F1 = E1 e Fj = Ej

\j−1∪i=1

Ei segue que os Fj sao

disjuntos,∞∪i=1

Ei =∞∪j=1

Fj e Fj ⊂ Ej . Logo

µ

( ∞∪i=1

Ei

)= µ

∞∪j=1

Fj

=∞∑j=1

µ (Fj) 6∞∑j=1

µ (Ej) .

(c) Tomando E0 = ∅, como a sequencia e crescente temos∞∪i=1

Ei =∞∪i=1

(Ei\Ei−1) e esta uniao e disjunta,

logo

µ

( ∞∪i=1

Ei

)= µ

( ∞∪i=1

(Ei\Ei−1)

)=

∞∑i=1

µ (Ei\Ei−1) = limn→∞

n∑i=1

µ (Ei\Ei−1) = limn→∞

µ (En) ,

a ultima igualdade decorrendo do fato de En =n∪

i=1

(Ei\Ei−1) , para uma sequencia crescente, e esta uniao e

disjunta pelo mesmo motivo.(d) Seja Fj = En\Ej para todo j > n. Entao

Fn+1 ⊂ Fn+2 ⊂ . . . ,

µ (En) = µ (Fj) + µ (En) para todo j > n e

∞∪j=n+1

Fj = En

\ ∞∩j=n+1

Ej .

Page 11: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 10

Como a sequencia {Ei}i∈N e decrescente segue em particular que

µ

∞∪j=n+1

Fj

= µ (En)− µ

∞∩j=n+1

Ej

= µ (En)− µ

∞∩j=1

Ej

.

Pelo item anterior segue que

µ (En) = µ

∞∩j=1

Ej

+ µ

∞∪j=n+1

Fj

= µ

∞∩j=1

Ej

+ limj→∞

µ (Fj)

= µ

∞∩j=1

Ej

+ limj→∞

µ (En\Ej) = µ

∞∩j=1

Ej

+ limj→∞

[µ (En)− µ (Ej)]

= µ

∞∩j=1

Ej

+ µ (En)− limj→∞

µ (Ej) .

Subtraindo µ (En) < ∞ de ambos os lados da igualdade obtemos o resultado. �

1.3.3 Medidas Completas

1.23 Definicao. Seja (X,M, µ) um espaco de medida. Se µ (E) = 0, entao dizemos que E e um conjuntode medida nula.

Uma afirmacao que e valida para todos os pontos x ∈ X com excecao de pontos pertencentes a umconjunto de medida nula e chamada uma afirmacao verdadeira para quase todo ponto, abreviadaq.t.p.

Se µ (E) = 0 e F ⊂ E, entao a subaditividade garante que µ (F ) = 0 desde que F seja mensuravel. Mas emgeral subconjuntos de conjuntos de medida nula nao precisam ser mensuraveis (considere a medida nula naσ-algebra {X,∅}).

1.24 Definicao. Uma medida que contem todos os subconjuntos de conjuntos de medida nula e chamadauma medida completa.

Completude torna desnecessarios certos pontos tecnicos irritantes e pode sempre ser obtida aumentando odomınio da medida:

1.25 Proposicao. Seja (X,M, µ) um espaco de medida. Seja N = {N ∈ M : µ (N) = 0} a colecao dosconjuntos de medida nula de X e defina

M = {E ∪ F : E ∈ M e F ⊂ N para algum N ∈ N} .

Entao M e uma σ-algebra e existe uma unica extensao µ de µ para uma medida completa em M.

Prova. M e uma σ-algebra. Como M e N sao fechados sob unioes enumeraveis, M tambem e, pois

∞∪i=1

(Ei ∪ Fi) =

( ∞∪i=1

Ei

)∪

( ∞∪i=1

Fi

).

Para provar que M e fechada sob a operacao de tomar complementares de conjuntos, observamos primeiroque se E ∪ F ∈ M com E ∈ M e F ⊂ N para algum N ∈ N , entao podemos assumir que E ∩N = ∅ (casocontrario, substituirıamos F,N por F\E,N\E, respectivamente). Portanto, podemos escrever

E ∪ F = (E ∪N) ∩ (F ∪N c)

Page 12: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 11

donde, pela lei de deMorgan,

(E ∪ F )c= (E ∪N)

c ∪ (F ∪N c)c= (E ∪N)

c ∪ (N\F ) .

Como M e uma algebra, segue que (E ∪N)c ∈ M e obviamente N\F ⊂ N , logo(E ∪ F )

c ∈ M.Existencia da extensao µ. Defina µ : M −→ [0,∞] por

µ (E ∪ F ) = µ (E)

se E ∈ M e F ⊂ N para algum N ∈ N . Entao µ esta bem definida, porque se E1 ∪ F1 = E2 ∪ F2 comE1, E2 ∈ M e F1 ⊂ N1, F2 ⊂ N2 para N1, N2 ∈ N , segue que

E1 ⊂ E2 ∪ F2 ⊂ E2 ∪N2 ⇒ µ (E1) 6 µ (E2) + µ (N2) = µ (E2)

e analogamente µ (E2) 6 µ (E1), donde µ (E1) = µ (E2). Temos tambem

µ (∅) = µ (∅ ∪∅) = µ (∅) = 0

pois ∅ ∈ M,N . Alem disso, se {Ei ∪ Fi}i∈N e uma famılia disjunta, com {Ei}i∈N ⊂ M e Fi ⊂ Ni comNi ∈ N para todo i, segue que

µ

( ∞∪i=1

(Ei ∪ Fi)

)= µ

(( ∞∪i=1

Ei

)∪

( ∞∪i=1

Fi

))= µ

( ∞∪i=1

Ei

)=

∞∑i=1

µ (Ei) =

∞∑i=1

µ (Ei ∪ Fi) ,

ja que todas as unioes acima disjuntas. Isso prova que µ e uma medida. Para verificar que µ e completa, sejaE ∪ F ∈ M com E ∈ M e F ⊂ N para algum N ∈ N tal que µ (E ∪ F ) = 0. Isso significa que µ (E) = 0 eportanto E ∈ N . Se V ⊂ E ∪ F , entao V = ∅ ∪ V com ∅ ∈ M e V ⊂ E ∪N ∈ N , logo V ∈ M.Unicidade da extensao µ. Sejam µ1, µ2 : M −→ [0,∞] duas medidas completas em M tais que µ1|M =µ2|M = µ. Observando que se E ∪ F ∈ M com E ∈ M e F ⊂ N para algum N ∈ N , entao E,F ∈ M poisE = E ∪∅, F = ∅ ∪ F e ∅ ∈ M,N , segue que

µ1 (E ∪ F ) = µ1 (E) + µ1 (F\E) = µ (E) ,

onde usamos o fato que0 6 µ1 (F\E) 6 µ1 (N) = µ (N) = 0

para concluir que µ1 (F\E) = 0. Analogamente concluımos que µ2 (E ∪ F ) = µ (E), portanto µ1 (E ∪ F ) =µ2 (E ∪ F ). �µ e chamada o completamento de µ e M o completamento de M com relacao a µ.

1.3.4 Exercıcios

1.3.1 Mostre que se µ1, . . . , µn sao medidas em (X,M) e a1, . . . , an ∈ [0,∞), entaon∑

i=1

aiµi e uma medida

em (X,M).

1.3.2 Defina

lim inf En =∞∪k=1

∞∩n=k

En,

lim supEn =∞∩k=1

∞∪n=k

En.

Page 13: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 12

(a) Verifique que

lim inf En = {x : x ∈ En para todos exceto por um numero infinito de ındices n} ,lim supEn = {x : x ∈ En para um numero infinito de ındices n} ,

(b) Prove que se (X,M, µ) e um espaco de medida e {Ei}i∈N ⊂ M, entao

µ (lim inf En) 6 lim inf µ (En) ,

e que

µ (lim supEn) > lim supµ (En) , desde que µ

( ∞∪n=1

En

)< ∞.

1.3.3 Mostre que se (X,M, µ) e um espaco de medida e E,F ∈ M, entao

µ (E) + µ (F ) = µ (E ∪ F ) + µ (E ∩ F ) .

1.3.4 Mostre que se (X,M, µ) e um espaco de medida e E ∈ M, entao

µE (A) = µ (A ∩ E)

define uma medida em M.

1.3.5 Mostre que uma medida finitamente aditiva e uma medida se e somente se ela satisfaz a conclusao daProposicao 1.22 (c).

Mostre que uma medida finitamente aditiva µ e uma medida se e somente se ela satisfaz a conclusaoda Proposicao 1.22 (d) desde que µ (X) < ∞.

1.3.6 Seja (X,M, µ) um espaco de medida finita.

(a) Se E,F ∈ M e µ (E∆F ) = 0, mostre que µ (E) = µ (F ) .

(b) Defina uma relacao entre os conjuntos mensuraveis de X da seguinte maneira: E ∼ F se e somentese µ (E∆F ) = 0. Mostre que esta e uma relacao de equivalencia.

(c) Se E,F ∈ M, definad (E,F ) = µ (E∆F ) .

Mostre qued (E,F ) 6 d (E,G) + d (G,F ) ,

de modo que d define uma metrica no espaco quociente M/ ∼ de classes de equivalencia de conjuntosmensuraveis.

1.3.7 Prove que se µ e uma medida semifinita e µ (E) = ∞, entao para todo c > 0 existe F ⊂ E tal quec < µ (F ) < ∞.

1.3.8 Se µ e uma medida em (X,M), defina uma medida µ0 em M por

µ0 (E) = sup {µ (F ) : F ⊂ E e µ (F ) < ∞ } .

(a) Mostre que µ0 e uma medida semifinita (chamada a parte semifinita de µ).

(b) Mostre que se µ e semifinita, entao µ0 = µ.

(c) Prove que existe uma medida ν em M (em geral, nao unica) que assume apenas os valores 0 e ∞tal que

µ = µ0 + ν.

Page 14: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 13

1.3.9 Seja (X,M, µ) um espaco de medida. Um conjunto E ⊂ X e chamado um conjunto localmentemensuravel se E ∩A ∈ M para todo A ∈ M tal que µ (A) < ∞.

Seja M a colecao de todos os conjuntos localmente mensuraveis. Claramente M ⊂ M. Se M = M,dizemos que µ e uma medida saturada. Prove as afirmativas abaixo:

(a) Se µ e σ-finita, entao µ e uma medida saturada.

(b) M e uma σ-algebra.

(c) Defina µ em M por

µ (E) =

{µ (E) se E ∈ M,∞ caso contrario.

Entao µ e uma medida saturada, chamada a saturacao de µ.

(d) Se µ e completa, µ tambem e.

(e) Suponha que µ e semifinita. Defina em M

µ (E) = sup {µ (A) : A ∈ M e A ⊂ E} .

Entao µ e uma medida saturada que estende µ.

1.4 Medidas Exteriores

Nesta secao desenvolveremos as ferramentas usadas para construir medidas uteis.

1.26 Definicao. SejaX um conjunto nao vazio. Umamedida exterior e uma funcao µ∗ : P (X) −→ [0,∞]que satisfaz

(i) µ∗ (∅) = 0;

(ii) se A ⊂ B, entao µ∗ (A) 6 µ∗ (B);

(iii) se {Ai}i∈N ⊂ P (X), entao

µ∗

( ∞∪i=1

Ai

)6

∞∑i=1

µ∗ (Ai) .

O nome se refere ao fato de que uma medida exterior e geralmente construıda a partir de uma “proto-medida”em uma famılia E ⊂ P (X) e entao definindo a medida exterior de subconjuntos arbitrarios de X a partir daaproximacao destes “por fora” por unioes enumeraveis de elementos de E :

1.27 Proposicao. Sejam E ⊂ P (X), contendo ∅ e X, e ρ : E −→ [0,∞] satisfazendo ρ (∅) = 0. Paraqualquer A ⊂ X defina

µ∗ (A) = inf

{ ∞∑i=1

ρ (Ei) : Ei ∈ E para todo i e A ⊂∞∪i=1

Ei

}.

Entao µ∗ e uma medida exterior.

Prova. Como A ⊂ X ∈ E , µ∗ esta bem definida. Obviamente µ∗ (∅) = 0 e pela definicao de ınfimo temosµ∗ (A) 6 µ∗ (B) sempre que A ⊂ B. Para provar (iii) da Definicao 1.26, seja {Ai}i∈N ⊂ P (X) e denote

A =∞∪i=1

Ai. Por definicao de µ∗, dado ε > 0, para cada j existe uma famılia{Ej

i

}i∈N

⊂ E tal que

∞∑i=1

ρ(Ej

i

)6 µ∗ (Aj) +

ε

2j.

Page 15: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 14

Como A ⊂∞∪

i,j=1

Eji e

∞∑i,j=1

ρ(Ej

i

)6

∞∑j=1

µ∗ (Aj) + ε

segue que µ∗ (A) 6∞∑i=1

µ∗ (Ai) + ε. Como ε e arbitrario, segue o resultado. �

1.4.1 O Teorema de Caratheodory

1.28 Definicao. Se µ∗ e uma medida exterior emX, dizemos que um subconjunto A ⊂ X e µ∗-mensuravelse

µ∗ (E) = µ∗ (E ∩A) + µ∗ (E ∩Ac)

para todo E ⊂ X.

Observe que para provar que um conjunto A e µ∗-mensuravel, basta provar que µ∗ (E) > µ∗ (E ∩A) +µ∗ (E ∩Ac) para todo E ⊂ X, ja que a recıproca e obvia, e portanto basta considerar conjuntos E tais queµ∗ (E) < ∞.

1.29 Teorema. (Teorema de Caratheodory) Se µ∗ e uma medida exterior em X, entao a colecao Mdos conjuntos µ∗-mensuraveis e uma σ-algebra e a restricao de µ∗ a M e uma medida completa.

Prova. M e uma σ-algebra.M nao e vazio pois ∅ e µ∗-mensuravel. M e fechado sob a operacao de tomar complementares de conjuntosporque a definicao de conjuntos µ∗-mensuraveis e simetrica em relacao a substituir A por Ac. Para ver queM e uma algebra, dados A,B ∈ M e E ⊂ X, temos

µ∗ (E) = µ∗ (E ∩A) + µ∗ (E ∩Ac)

= µ∗ (E ∩A ∩B) + µ∗ (E ∩Ac ∩B)

+ µ∗ (E ∩A ∩Bc) + µ∗ (E ∩Ac ∩Bc)

> µ∗ (E ∩ (A ∪B)) + µ∗ (E ∩ (A ∪B)c) ,

o que implica que A ∪ B e µ∗-mensuravel. A ultima desigualdade no desenvolvimento acima segue do fatoque E ∩ (A ∪B) = (E ∩A) ∪ (E ∩B) e

E ∩A = (E ∩A ∩B) ∪ (E ∩A ∩Bc) ,

E ∩B = (E ∩Ac ∩B) ∪ (E ∩A ∩Bc) ,

de modo queE ∩ (A ∪B) ⊂ (E ∩A ∩B) ∪ (E ∩A ∩Bc) ∪ (E ∩Ac ∩B) ,

logoµ∗ (E ∩ (A ∪B)) 6 µ∗ (E ∩A ∩B) + µ∗ (E ∩Ac ∩B) + µ∗ (E ∩A ∩Bc) ,

e do fato que E ∩ (A ∪B)c= E ∩ Ac ∩ Bc. Para provar que M e uma σ-algebra, lembramos que, como

ja sabemos que M e uma algebra, basta considerar unioes enumeraveis disjuntas (Proposicao 1.5). Seja

{Ai}i∈N ⊂ M uma sequencia enumeravel disjunta e denote Bn =n∪

i=1

Ai e B =∞∪i=1

Ai; note que como M e

uma algebra, temos que cada Bn ∈ M. Para todo E ⊂ X temos

µ∗ (E ∩Bn) = µ∗ (E ∩Bn ∩An) + µ∗ (E ∩Bn ∩Acn) = µ∗ (E ∩An) + µ∗ (E ∩Bn−1) ,

Page 16: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 15

donde, por inducao,

µ∗ (E ∩Bn) =n∑

i=1

µ∗ (E ∩Ai) .

Daı,

µ∗ (E) = µ∗ (E ∩Bn) + µ∗ (E ∩Bcn) >

n∑i=1

µ∗ (E ∩Ai) + µ∗ (E ∩Bc) .

Fazendo n → ∞, segue que

µ∗ (E) >∞∑i=1

µ∗ (E ∩Ai) + µ∗ (E ∩Bc) > µ∗

( ∞∪i=1

(E ∩Ai)

)+ µ∗ (E ∩Bc)

= µ∗

(E ∩

( ∞∪i=1

Ai

))+ µ∗

(E ∩

( ∞∪i=1

Ai

)c),

logo∞∪i=1

Ai ∈ M.

µ∗|M e uma medida completa.Seja {Ai}i∈N ⊂ M uma sequencia enumeravel disjunta como no argumento anterior. Na ultima sequenciade desigualdades, como

µ∗ (E) >∞∑i=1

µ∗ (E ∩Ai) + µ∗ (E ∩Bc) > µ∗

(E ∩

( ∞∪i=1

Ai

))+ µ∗

(E ∩

( ∞∪i=1

Ai

)c)> µ∗ (E)

segue que todas as desigualdades sao igualdades. Em particular,

µ∗ (E) =

∞∑i=1

µ∗ (E ∩Ai) + µ∗ (E ∩Bc)

Tomando E =∞∪i=1

Ai, segue que

µ∗

( ∞∪i=1

Ai

)=

∞∑i=1

µ∗ (Ai) ,

portanto µ∗ e uma medida. Para verificar que ela e completa, seja µ∗ (A) = 0. Para qualquer E ⊂ X temos

µ∗ (E) 6 µ∗ (E ∩A) + µ∗ (E ∩Ac) = µ∗ (E ∩Ac) 6 µ∗ (E)

de modo que A ∈ M. �

1.4.2 Pre-medidas

Usando o teorema de Caratheodory poderemos estender medidas definidas em algebras a medidas definidasem σ-algebras.

1.30 Definicao. Seja X um conjunto equipado com uma algebra A. Uma pre-medida em A e uma funcaoµ : A −→ [0,∞] que satisfaz

(i) µ (∅) = 0;

(ii) se {Ei}i∈N ⊂ A e uma colecao enumeravel disjunta tal que∞∪i=1

Ei ∈ A, entao

µ

( ∞∪i=1

Ei

)=

∞∑i=1

µ (Ei) .

Page 17: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 16

Pela Proposicao 1.27, uma pre-medida induz uma medida exterior em X.

1.31 Proposicao. Se µ e uma pre-medida e µ∗ e a medida exterior induzida por µ, entao

(a) µ∗|A = µ;

(b) todo conjunto em A e µ∗-mensuravel.

Prova. (a) Se E ∈ A e E ⊂∞∪i=1

Ai com Ai ∈ A para todo i, seja

Bn = E ∩

(An

\n−1∪i=1

Ai

),

de modo que Bn ∈ A, os conjuntos Bn sao disjuntos e∞∪

n=1Bn = E. Logo,

µ (E) =

∞∑n=1

µ (Bn) 6∞∑

n=1

µ (An) ,

de modo que µ (E) 6 µ∗ (E). A desigualdade reversa e imediata, ja que E ⊂∞∪i=1

Ai para A1 = E e Ai = ∅

para i > 2.

(b) Sejam A ∈ A e E ⊂ X. Dado ε > 0 existe uma sequencia {Bi}i∈N ⊂ A tal que E ⊂∞∪i=1

Bi e

∞∑i=1

µ (Bi) 6 µ∗ (E) + ε.

Como µ e aditiva em A, segue que

µ∗ (E) + ε >∞∑i=1

µ (Bi ∩A) +

∞∑i=1

µ (Bi ∩Ac) > µ∗ (E ∩A) + µ∗ (E ∩Ac) .

Como ε e arbitrario, temos que A e µ∗-mensuravel. �

1.32 Teorema. Sejam A ⊂ P (X) uma algebra, µ uma pre-medida em A, µ∗ a medida exterior induzidapor µ e M a σ-algebra gerada por A.

Entao µ = µ∗|M define uma medida em M cuja restricao a A e µ. Se ν e uma outra tal medida emM, entao ν (E) 6 µ (E) para todo E ∈ M, a igualdade valendo se µ (E) < ∞. Se µ e σ-finita, entaoµ e a unica extensao de µ a uma medida em M.

Prova. A primeira afirmacao segue do Teorema de Caratheodory e da proposicao anterior, ja que a σ-algebrados conjuntos µ∗-mensuraveis inclui A.

Se E ∈ M e E ⊂∞∪i=1

Ai com {Ai}i∈N ⊂ A, entao

ν (E) 6∞∑i=1

ν (Ai) =

∞∑i=1

µ (Ai) ,

logo ν (E) 6 µ (E). Alem disso, denotando A =∞∪i=1

Ai, temos que

ν (A) = limn→∞

ν

(n∪

i=1

Ai

)= lim

n→∞µ

(n∪

i=1

Ai

)= µ (A)

Page 18: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 17

de modo que, se µ (E) < ∞, podemos escolher os Ai de tal maneira que µ (A) < µ (E)+ ε, logo µ (A\E) < εe portanto

µ (E) 6 µ (A) = ν (A) = ν (E) + ν (A\E) 6 ν (E) + µ (A\E) 6 ν (E) + ε;

como ε e arbitrario, concluımos que µ (E) = ν (E).

Finalmente, se X =∞∪i=1

Ai com µ (Ai) < ∞ para todo i, e como podemos assumir os Ai disjuntos, segue

que para qualquer E ∈ M temos

µ (E) =

∞∑i=1

µ (E ∩Ai) =

∞∑i=1

ν (E ∩Ai) = ν (E) ,

de modo que µ = ν. �

1.4.3 Exercıcios

1.4.1 Mostre que se µ∗ e uma medida exterior e {Ai}i∈N e uma sequencia de conjuntos µ∗-mensuraveisdisjuntos, entao

µ∗

(E ∩

( ∞∪i=1

Ai

))=

∞∑i=1

µ∗ (E ∩Ai)

para todo E ⊂ X.

1.4.2 Sejam A ⊂ P (X) uma algebra, Aσ a colecao de unioes enumeraveis de conjuntos de A e Aσδ a colecaode intersecoes enumeraveis de conjuntos de Aσ. Sejam µ uma pre-medida em A e µ∗ a medida exteriorinduzida por µ. Prove as afirmativas a seguir.

(a) Para todo E ⊂ X e para todo ε > 0 existe A ∈ Aσ tal que E ⊂ A e µ∗ (A) 6 µ∗ (E) + ε.

(b) Se µ∗ (E) < ∞, entao E e µ∗-mensuravel se e somente se existe B ∈ Aσδ tal que E ⊂ B eµ∗ (B\E) = 0.

(c) Se µ e σ-finita, entao a restricao µ∗ (E) < ∞ em (b) e desnecessaria.

1.4.3 Seja µ∗ uma medida exterior em X induzida por uma pre-medida satisfazendo µ∗ (X) < ∞. Se E ⊂ Xdefine a medida interior de E por

µ∗ (E) = µ∗ (X)− µ∗ (Ec) .

Mostre que E e µ∗-mensuravel se e somente se µ∗ (E) = µ∗ (E).

1.4.4 Sejam µ∗ uma medida exterior induzida por uma pre-medida e µ a restricao de µ∗ aos conjuntosµ∗-mensuraveis. Prove que µ e saturada.

1.4.5 Sejam (X,M, µ) um espaco de medida, µ∗ a medida exterior induzida por µ, M∗ a σ-algebra dosconjuntos µ∗-mensuraveis e µ = µ∗|M∗ . Prove as afirmativas a seguir.

(a) Se µ e σ-finita, entao µ e o completamento de µ.

(b) No caso geral, µ e a saturacao do completamento de µ.

1.5 Medidas de Borel na Reta

Nesta secao contruiremos medidas na σ-algebra de Borel BR da reta. Quando nos referirmos a intervalossemiabertos nesta secao, teremos em mente apenas intervalos da forma (a, b] ou (a,+∞) (incluindo ∅ e apossibilidade a = −∞), ou seja, intervalos abertos a esquerda e fechados a direita.

Page 19: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 18

1.5.1 Famılias Elementares

1.33 Definicao. Seja X um conjunto. Dizemos que uma colecao E de subconjuntos de X e uma famıliaelementar se

(i) ∅ ∈ E ;(ii) se E,F ∈ E , entao E ∩ F ∈ E ;(iii) se E ∈ E , entao Ec pode ser escrito como uma uniao finita disjunta de elementos de E .

1.34 Exemplo. A colecao dos intervalos semiabertos da reta e uma famılia elementar. De fato, dados doisintervalos semiabertos (a, b] e (c, d], onde supomos a 6 c para fixar ideias, temos

(a, b] ∩ (c, d] =

∅ se b 6 c,(c, b] se b > c e b 6 d,(c, d] se b > c e b > d.

Alem disso, (a, b]c = (−∞, a] ∪ (b,+∞) e uma uniao disjunta de dois intervalos semiabertos. �

1.35 Proposicao. Se E e uma famılia elementar, entao a colecao J das unioes finitas disjuntas de ele-mentos de E e uma algebra.

Prova. Para simplificar a notacao e ja que este e o caso que nos interessa, vamos assumir que se E ∈ E ,entao Ec pode ser escrito como uma uniao disjunta de dois elementos de E .

Primeiro provaremos que A e fechada sob unioes finitas. Ou seja, precisamos mostrar que uma uniaofinita de unioes finitas disjuntas de elementos de E (que nao e uma uniao necessariamente disjunta) pode serescrita como uma uniao finita disjunta de elementos de E , logo esta em A. No caso mais simples, quandotemos a uniao de duas unioes disjuntas e cada uma destas unioes e na verdade apenas um elemento de E ,isto e, tomando A,B ∈ E (pois A = A∪∅ e B = B ∪∅ sao unioes disjuntas), escrevemos Bc = E1 ∪E2 comE1, E2 ∈ E e disjuntos, de modo que

A\B = (A ∩ E1) ∪ (A ∩ E2) ∈ E ,

logoA ∪B = (A\B) ∪B ∈ A

pois conseguimos escrever A∪B como a uniao de dois elementos disjuntos de E . Por inducao, se A1, . . . , An ∈E , e por hipotese de inducao podemos assumir A1, . . . , An−1 disjuntos, pelo argumento acima segue queAi\An ∈ E para todo i < n, e portanto temos por hipotese de inducao

n∪i=1

Ai =

(n−1∪i=1

(Ai\An)

)∪An ∈ A.

Para provar que A e fechada sob complementos, sejam A1, . . . , An ∈ E e escreva Aci = B1

i ∪ B2i com

B1i , B

2i ∈ E disjuntos. Entao,(

n∪i=1

Ai

)c

=n∩

i=1

(B1

i ∪B2i

)=

∪j1,...,jk=1,2

(Bj1

1 ∩ . . . ∩Bjkn

).

1.36 Corolario. A colecao A das unioes finitas disjuntas de intervalo semiabertos e uma algebra em R.Alem disso, a σ-algebra gerada por esta algebra e exatamente a σ-algebra de Borel BR.

Prova. A ultima afirmativa segue da Proposicao 1.11 (c). �

Page 20: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 19

1.5.2 Medida de Lebesgue-Stieltjes

Lembramos que se F : R −→ R e uma funcao crescente, entao F tem limites laterais em todo ponto:

F(a+)= lim

x→a+F (x) = inf

x>aF (x) ,

F(a−)= lim

x→a−F (x) = sup

x<aF (x) ,

F (−∞) = infx→−∞

F (x) ,

F (+∞) = supx→+∞

F (x) ,

admitindo que podemos ter F (−∞) = −∞ e F (+∞) = +∞. Se F (a+) = F (a) para todo a ∈ R, dizemosque F e contınua a direita.

1.37 Proposicao. Seja F : R −→ R uma funcao crescente, contınua a direita. Se (ai, bi], i = 1, . . . , n, saointervalos semiabertos disjuntos, defina µ (∅) = 0 e

µ

(n∪

i=1

(ai, bi]

)=

n∑i=1

[F (bi)− F (ai)] .

Entao µ e uma pre-medida na algebra J .

Prova. Primeiro precisamos verificar que µ esta bem definida, pois os elementos de J podem ser repre-sentados como unioes disjuntas de intervalos semiabertos de varias maneiras. No caso especial em que(ai, bi], i = 1, . . . , n, sao intervalos semiabertos disjuntos tais que

n∪i=1

(ai, bi] = (a, b],

e assumindo (apos um reindexamento, se necessario) a = a1 < b1 = a2 < b2 = . . . < bn = b, segue entao que

n∑i=1

[F (bi)− F (ai)] = F (b)− F (a) .

No caso geral, se {Ii}i=1,...,n e {Jj}j=1,...,m sao colecoes finitas de intervalos semiabertos disjuntos tais quen∪

i=1

Ii =m∪j=1

Jj , entao o mesmo argumento mostra que

n∑i=1

µ (Ii) =n∑

i=1

m∑j=1

µ (Ii ∩ Jj) =m∑j=1

n∑i=1

µ (Ii ∩ Jj) =m∑j=1

µ (Jj) .

Por definicao, µ e finitamente aditiva. Para provar que µ e σ-aditiva, seja {Ii}i∈N uma sequencia de

intervalos semiabertos disjuntos tais que∞∪i=1

Ii ∈ J . Isso significa que∞∪i=1

Ii e uma uniao finita de interva-

los semiabertos disjuntos, logo, invocando a aditividade finita, podemos assumir que∞∪i=1

Ii e um intervalo

semiaberto I = (a, b]. Temos

µ (I) = µ

( ∞∪i=1

Ii

)= µ

(n∪

i=1

Ii

)+ µ

(I

/n∪

i=1

Ii

)> µ

(n∪

i=1

Ii

)=

n∑i=1

µ (Ii) ,

Page 21: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 20

de modo que fazendo n → ∞ concluımos que

µ (I) >∞∑i=1

µ (Ii) .

Para provar a desigualdade reversa, denotemos Ii = (ai, bi] e vamos supor primeiro que −∞ < a < b < +∞.Fixe ε > 0. Como F e contınua a direita, existe δ > 0 tal que

F (a+ δ)− F (a) < ε

e para cada i existe δi > 0 tal que

F (bi + δi)− F (bi) <ε

2i.

Os intervalos abertos (ai, bi + δi) cobrem o intervalo compacto [a+ δ, b], logo podemos extrair uma subco-bertura finita. Podemos assumir (reindexando, se necessario, e descartando os intervalos (ai, bi + δi) queestao contidos em intervalos maiores) que:

(i) os intervalos (a1, b1 + δ1) , . . . , (aN , bN + δN ) cobrem [a+ δ, b];(ii) a1 < a2 < . . . < aN ;(iii) bi + δi ∈ (ai+1, bi+1 + δi+1) para i = 1, . . . , N − 1.

Daı,

µ (I) = F (b)− F (a) 6 F (b)− F (a+ δ) + ε

6 F (bN + δN )− F (a1) + ε

= F (bN + δN )− F (aN ) +N−1∑i=1

[F (ai+1)− F (ai)] + ε

6 F (bN + δN )− F (aN ) +N−1∑i=1

[F (bi + δi)− F (ai)] + ε

=N∑i=1

[F (bi + δi)− F (ai)] + ε 6N∑i=1

[F (bi + δi)− F (bi)] +N∑i=1

[F (bi)− F (ai)] + ε

6∞∑i=1

µ (Ii) + 2ε.

Como ε e arbitrario, isso termina o argumento nos casos em que a, b sao finitos. Se a = −∞, o mesmoargumento produz

F (b)− F (−M) 6∞∑i=1

µ (Ii) + 2ε

para qualquer 0 < M < +∞, enquanto que se b = +∞ obtemos

F (M)− F (a) 6∞∑i=1

µ (Ii) + 2ε.

O resultado segue fazendo ε → 0 e M → ∞. �

1.38 Teorema. Se F : R −→ R e uma funcao crescente, contınua a direita, entao existe uma unica medidaµF em BR tal que

µF ((a, b]) = F (b)− F (a)

para todos a, b ∈ R.

Page 22: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 21

Se G : R −→ R e uma outra tal funcao, entao µF = µG se e somente se F −G e constante.

Reciprocamente, se µ e uma medida que e finita em todos os conjuntos de Borel limitados e definirmos

F (x) =

µ ((0, x]) se x > 0,0 se x = 0,−µ ((x, 0]) se x < 0,

entao F e uma funcao crescente, contınua a direita e µ = µF .

Prova. Pela proposicao anterior, F induz uma pre-medida na algebra J . Claramente, F e G induzem a

mesma pre-medida se e somente se F−G e constante. Estas pre-medidas sao σ-finitas pois R =+∞∪

i=−∞(i, i+1].

As primeiras afirmativas do enunciado seguem do Teorema 1.32. Com relacao a recıproca, a monotonicidadede µ implica a monotonicidade de F e a continuidade de µ acima e abaixo implica a continuidade a direitade F . Como µ = µF em J , da unicidade do Teorema 1.32 segue que µ = µF em BR. �

1.39 Observacao. A teoria poderia ser desenvolvida da mesma forma usando intervalos semiabertos adireita e funcao contınua a esquerda.

1.40 Definicao. O completamento da medida µF sera denotada por este mesmo sımbolo (o seu domınio equase sempre maior que o domınio de µF ). Esta medida completa e chamada a medida de Lebesgue-Stieltjes associada a F .

1.5.3 Propriedades de Regularidade da Medida de Lebesgue-Stieltjes

Seja F uma funcao contınua a direita e µ a medida de Lebesgue-Stieltjes associada a F . Denote o domıniode µ por M. Para qualquer E ∈ M temos, por definicao de medida exterior,

µ (E) = inf

{ ∞∑i=1

|F (bi)− F (ai)| : E ⊂∞∪i=1

(ai, bi]

}= inf

{ ∞∑i=1

µ ((ai, bi]) : E ⊂∞∪i=1

(ai, bi]

}.

Primeiro mostraremos que podemos substituir intervalos semiabertos por intervalos abertos:

1.41 Lema. Para todo E ∈ M temos

µ (E) = inf

{ ∞∑i=1

µ ((ai, bi)) : E ⊂∞∪i=1

(ai, bi)

}.

Prova. Denotemos o numero a direita por ν (E).ν (E) > µ (E).

Se E ⊂∞∪i=1

(ai, bi), sejam Li = bi − ai e Iik =

(bi −

Li

2k−1, bi −

Li

2k

], de modo que (ai, bi) =

∞∪k=1

Iik. Em

particular, E ⊂∞∪

i,k=1

Iik e

∞∑i=1

µ (ai, bi) =

∞∑i,k=1

µ (Iik) > ν (E) .

ν (E) 6 µ (E).Dado ε > 0, por definicao existe uma cobertura {(ai, bi]}i∈N de E com

∞∑i=1

µ ((ai, bi)) 6 µ (E) + ε

Page 23: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 22

e para cada k existe δk > 0 tal que F (bi + δi)− F (bi) <ε

2k. Entao E ⊂

∞∪i=1

(ai, bi + δi) e

∞∑i=1

µ ((ai, bi + δi)) =∞∑i=1

[µ ((ai, bi]) + µ ((bi, bi + δi])] =∞∑i=1

µ ((ai, bi]) +∞∑i=1

[F (bi + δi)− F (bi)]

6∞∑i=1

µ ((ai, bi]) + ε 6 µ (E) + 2ε.

1.42 Teorema. Para todo E ∈ M temos

µ (E) = inf {µ (U) : E ⊂ U e U e aberto} = sup {µ (K) : K ⊂ E e K e compacto} .

Prova. Se U e aberto e U ⊃ E, entao µ (U) > µ (E). Por outro lado, pela caracterizacao dos abertos dareta, todo aberto U e uma uniao enumeravel de intervalos abertos disjuntos, digamos

U =

∞∪i=1

(ai, bi) ,

logo,

µ (U) =∞∑i=1

µ ((ai, bi))

e pelo lema anterior segue o resultado para abertos. No segundo caso, suponha E limitado. Se E = E, entaoE e compacto e o resultado e obvio. Caso contrario, dado ε > 0, existe um aberto U ⊃ E\E tal que

µ (U) 6 µ(E\E

)+ ε.

Seja K = E\U . Entao K e compacto, K ⊂ E e

µ (K) = µ (E)− µ (E ∩ U)

= µ (E)− [µ (U)− µ (U\E)]

> µ (E)− µ (U) + µ(E\E

)> µ (E)− ε.

Como ε e arbitrario, segue o resultado no caso em que E e limitado. Se E e nao limitado, seja Ej = E∩(i, i+1].Pelo argumento anterior, para cada ε > 0 existe um compacto Ki ⊂ Ei tal que

µ (Ki) > µ (Ei)−ε

2i.

Para cada n, considere o compacto Kn =n∪

i=−n

Ki ⊂ E. Temos

µ(Ki

)> µ

(n∪

i=−n

Ei

)− ε

e como µ (E) = limn→∞

µ

(n∪

i=−n

Ei

), segue o resultado. �

Page 24: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 23

1.43 Teorema. Para todo E ⊂ R as seguintes afirmacoes sao equivalentes

(a) E ∈ M.

(b) E = V \N1 onde V e uma intersecao enumeravel de conjuntos abertos e µ (N1) = 0.

(c) E = H ∪N2 onde H e uma uniao enumeravel de conjuntos fechados e µ (N2) = 0.

Prova. (b) e (c) implicam (a) porque µ e completa. Seja E ∈ M e assuma E limitado. Pelo teoremaanterior, para todo i ∈ N podemos escolher um aberto Ui ⊃ E e um compacto Ki ⊂ E tais que

µ (Ui)−1

2i6 µ (E) 6 µ (Ki) +

1

2i

Tome V =∞∩i=1

Ui e H =∞∪i=1

Ki. Entao µ (V ) = µ (E) = µ (H) < ∞, logo µ (V \E) = µ (E\H) = 0. O caso

em que E nao e limitado e deixado como exercıcio. �O significado deste resultado e que todos os conjuntos de Borel (na verdade, todos os conjuntos em M) saode uma forma razoavelmente simples, a menos de conjuntos de medida nula.

1.5.4 Medida de Lebesgue

1.44 Definicao. A medida de Lebesgue-Stieltjes µF associada a funcao identidade F (x) = x sera denotadapor m. Ela e chamada a medida de Lebesgue. O domınio de m e chamado a classe dos conjuntosLebesgue-mensuraveis e sera denotada por L.

1.45 Teorema. Se E ⊂ R e t, r ∈ R, considere a translacao e a dilacao de E:

E + t = {x+ t : s ∈ E} ,rE = {rx : x ∈ E}

Se E ∈ L, entao E + t ∈ L e rE ∈ L para todos t, r ∈ R. Alem disso,

m (E + t) = m (E) ,

m (rE) = |r|m (E) .

Prova. Como a colecao de intervalos abertos e invariante sob translacoes e dilacoes, o mesmo vale para BR.Em BR, defina as medidas mt (E) = m (E + t) e mr (E) = m (rE). Como mt e mr coincidem respecti-

vamente com m e |r|m em intervalos finitos, pelo Teorema 1.32 elas coincidem em BR. Em particular, seE ∈ BR e tal que m (E) = 0 segue que m (E + t) = m (rE) = 0, logo segue o resultado para L. �

1.5.5 Exercıcios

1.5.1 Complete a demonstracao do Teorema 1.43.

1.5.2 Usando o Teorema 1.42, prove que se E e um conjunto de medida finita, entao para todo ε > 0 existeum conjunto U que e uma uniao finita de intervalos abertos tal que µ (E△U) < ε.

1.5.3 Sejam F uma funcao crescente e contınua a direita e µF a medida associada. Prove que

µF ({a}) = F (a)− F(a−),

µF ([a, b)) = F(b−)− F

(a−),

µF ([a, b]) = F (b)− F(a−),

µF ((a, b)) = F(b−)− F (a) .

Page 25: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 24

1.5.4 Seja E um conjunto Lebesgue-mensuravel. Prove que

(a) Se E ⊂ N , onde N e o conjunto nao-mensuravel do Contraexemplo 1.1, entao m (E) = 0.

(b) Se m (E) > 0, entao E contem um conjunto nao-mensuravel.

1.5.5 Mostre que se E ∈ L e m (E) > 0, para todo α < 1 existe um intervalo aberto I tal que m (E ∩ I) >αm (I).

1.5.6 Mostre que se E ∈ L e m (E) > 0, o conjunto E − E = {x− y : x, y ∈ E} contem um intervalocentrado em 0.

1.5.6 O conjunto de Cantor

A medida de Lebesgue de um conjunto unitario {x}, consistindo de um unico ponto, e 0, pois

m ({x}) = limn→∞

m

((x− 1

n, x+

1

n

))= lim

n→∞

2

n= 0.

Consequentemente, a medida de Lebesgue de qualquer conjunto enumeravel {xn}n∈N tambem e 0, pois

m({xn}n∈N

)=

∞∑n=1

m ({xn}) = 0.

Em particular, m (Q) = 0. No entanto, existem conjuntos nao enumeraveis com medida de Lebesgue igual a0. O exemplo mais interessante e o conjunto de Cantor.

O conjunto de Cantor e construıdo da seguinte forma. Todo ponto x ∈ [0, 1] possui uma representacaodecimal na base 3 da forma

x =∞∑

n=1

an3n

com an = 0, 1 ou 2. Esta expansao e unica, a menos que x seja da formap

3qpara alguns inteiros p, q; neste

caso, ha duas representacoes possıveis, uma com an = 0 para todo n > q e uma com an = 2 para todo n > q,porque

∞∑n=q+1

2

3n=

2

3q+1

∞∑n=0

1

3n=

2

3q+1

1

1− 13

=1

3q.

Por exemplo, o numero

49

243=

1 · 33 + 2 · 32 + 1 · 31 + 1 · 30

35=

1

32+

2

33+

1

33+

1

35

tem as representacoes0.01211000 . . .

e0.01210222 . . .

Convencionaremos usar sempre a segunda representacao. Desta forma, temos

a1 = 1 se e somente se1

3< x <

2

3,

a2 = 1 se e somente se1

9< x <

2

9ou

7

9< x <

8

9

Page 26: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 25

ou seja, se1

32< x <

2

32ou

2

3+

1

32< x <

2

3+

2

32e, em geral,

an = 1 se e somente se x esta no intervalo medio entre cada tres subintervalos de comprimento1

3ncomecando de 0.

O conjunto de Cantor e entao definido da seguinte forma:

C =

{x ∈ [0, 1] : x =

∞∑n=1

an3n

com an = 1 para todo n

}

ou, em outras palavras, C e construıdo indutivamente da seguinte forma: no primeiro passo retira-se do

intervalo [0, 1] o seu terco medio aberto

(1

3,2

3

); no segundo passo, retira-se os tercos medios abertos de

cada um dos dois intervalos restantes

[0,

1

3

]e

[2

3, 1

], isto e, retira-se os intervalos abertos

(1

9,2

9

)e

(7

9,8

9

),

sobrando os intervalos fechados

[0,

1

9

],

[2

9,1

3

],

[2

3,7

9

]e

[8

9, 1

]; no terceiro passo, retira-se os tercos medios

de cada um destes quatro intervalos e assim por diante. Obtem-se um conjunto compacto, totalmentedesconexo e que nao tem pontos isolados.

1.46 Proposicao. O conjunto de Cantor e nao enumeravel, mas tem medida nula.

Prova. Se x ∈ C, entao x =∞∑

n=1

an3n

com an = 0 ou an = 2. Defina bn =an2

e f : C −→ [0, 1] por

f (x) =

∞∑n=1

bn2n

,

ou seja, f (x) e a representacao decimal em base 2 de um numero do intervalo [0, 1]. E facil ver que f esobrejetiva, logo o conjunto de Cantor tem a mesma cardinalidade do contınuo.

Para ver que m (C) = 0, observe que C e obtido removendo-se um intervalo de comprimento1

3, 2

intervalos de comprimento1

9, 4 intervalos de comprimento

1

27e assim por diante. Logo,

m (C) = 1−∞∑

n=1

2n−1

3n= 1− 1

3

∞∑n=0

(2

3

)n

= 1− 1

3

1

1− 2

3

= 0.

1.5.7 Exercıcios

1.5.7 Mostre que o conjunto de Cantor e compacto.

1.5.8 Prove que o conjunto de Cantor e totalmente desconexo e nao e denso em lugar nenhum, no sentidoque se x, y ∈ C e x < y entao existe z /∈ C tal que x < z < y.

1.5.9 Mostre que o conjunto de Cantor nao possui pontos isolados. Portanto, todos os pontos do conjuntode Cantor sao pontos de acumulacao deste.

1.5.10 Prove que o conjunto de Cantor e perfeito, no sentido que todo ponto nele e o limite de uma sequenciade pontos distintos de C.

Page 27: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Rodney Josue Biezuner 26

1.5.11 Mostre que1

4∈ C, apesar de nao estar na extremidade de nenhum intervalo removido de [0, 1] na

construcao de C.

1.5.12 A funcao de Cantor ϕ : [0, 1] −→ [0, 1] e definida a partir da funcao f na demonstracao daProposicao 1.46 da seguinte forma. E facil ver que se x, y ∈ C e x < y entao f (x) < f (y), a menos que

x e y sejam extremos de um dos intervalos removidos de [0, 1] para obter C. Neste caso, x =p

3qpara

alguns inteiros p, q e f (x) = f (y) sao as expansoes na base 2 destes numeros (por que?). Podemosestender f no intervalo entre x e y como sendo este numero e assim obtemos a funcao de Cantor.Proveque

(a) ϕ (0) = 0 e ϕ (1) = 1.

(b) ϕ e crescente (mas nao estritamente crescente).

(c) ϕ e contınua, portanto uniformemente contınua.

(d) ϕ′existe q.t.p. e ϕ

′= 0 q.t.p.

Page 28: Notas de Aula Medida e Integra˘c~ao - Matemática UFMGrodney/notas_de_aula/medida.pdf · Medida e Integra˘c~ao Rodney Josu e Biezuner 1 ... Usando o axioma da escolha, seja A um

Referencias Bibliograficas

[Folland] FOLLAND, Gerald. B., Real Analysis, John Wiley & Sons, 1984.

[Halmos] HALMOS, Paul R., Measure Theory, Van Nostrand, 1950.

[Richardson] RICHARDSON, Leonard F., Measure and Integration, John Wiley & Sons, 2009.

[Vestrup] VESTRUP, Eric M., The Theory of Measures and Integration, John Wiley & Sons,2003.

27