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Lutas & Resistências

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Lutas�&�Resistências

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA - UELReitor: Prof. Dr. Wilmar Sachetin Marçal

Vice-Reitor: Prof. Dr. César Antonio Caggiano Santos

Centro de Letras e Ciências HumanasDiretor: Prof. Dr. Ludoviko Carnasciali dos Santos

Vice-Diretor: Profª. Ms. Miriam Donat

Departamento de Ciências SociaisChefe: Prof. Dr. Ariovaldo de Oliveira Santos

Suplente: Prof. Dr. Ronaldo Baltar

Programa de Pós-Graduação em Ciências SociaisCoordenador: Prof. Dr. Eliel Ribeiro Machado

Vice-Coordenadora: Profª. Drª. Renata Cristina Gonçalves dos Santos

Equipe de produçãoCapa: José Francisco L. de Almeida e Soraia de Carvalho

Arte sobre foto de operários de Zanon, 2005 (www.indymedia.org/images)Editoração e revisão: Dirlene RochaDiagramação: Soraia de Carvalho

Versão dos resumos para o inglês: Gisele Cilli da Costa

Apoio Especialização em Ensino de Sociologia

Periódico eletrônico de divulgação científica do Grupo de Estudos de Política da América Latina, vinculado ao Programa de Pós-Graduação

em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina

http://www.uel.br/gepal [email protected]

Revista Lutas & Resistências / publicação do Grupo de Estudos de Política da América Latina, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Londrina – n.3, v.2 (2o sem. 2007).ISSN: 1980-8100

1. Ciências Sociais – Periódicos. I. Universidade Estadual de Londrina. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

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Lutas & Resistências, Londrina, n.3, v.2, 2o sem. 2007

GEPAL – Grupo de Estudos de Política da América LatinaDepartamento de Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UEL-PR)

Correspondência:GEPAL – Grupo de Estudos de Política da América Latina

Departamento de Ciências SociaisUNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA (UEL)

Rodovia Celso Garcia Cid PR 445 Km 380 Londrina – Paraná

Fone/Fax: (5511) 3371 4456End. eletrônicos: [email protected]; [email protected]

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GEPAL – Grupo de Estudos de Política da América LatinaDepartamento de Ciências SociaisPrograma de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UEL)

Comitê editorialEliel Machado, Elsio Lenardão, Pedro Roberto Ferreira, Renata Gonçalves,

Renata Schevisbiski, Sávio Cavalcante, Soraia de Carvalho

Conselho editorialAdrián Sotelo Valencia (UNAM - México)

Aldo Durán (UFU) Altair Ferraz Neto (Mestrando em

Ciências Sociais - UEL) Andriei Gutierrez (Doutorando em

Ciência Política - Unicamp)Angélica Lovatto

(Fundação Santo André) Antônio Carlos Mazzeo (Unesp/Marília)

Antônio Ozaí da Silva (UEM) Ariovaldo de Oliveira Santos (UEL)

Armando Boito Jr. (Unicamp) Avanilson Araújo (Mestrando em

Ciências Sociais - UEL) Carla Luciana Silva (Unioeste)

Célia Congilio Borges (Doutora em Ciências Sociais - PUC/SP)

Claudete Pagotto (Fundação Santo André)

Daniel Antiquera (Doutorando em Ciência Política - Unicamp)

Daniel Campione (Universidad de Buenos Aires - Argentina)

Danilo Martuscelli (Doutorando em Ciência Política - Unicamp)

Décio Saes (Univ. Metodista) Eliel Machado (UEL) Elsio Lenardão (UEL)

Evaristo Colmán (UEL) Fábio Silveira (Mestre em Ciências Sociais - UEL)

Flávia Okumura (Mestra em Ciências Sociais - UEL)Gilberto Calil (Unioeste)

Gilmar Geraldo Mauro (Assoc. Nac. de Coop. Agrícolas - ANCA)

Giovanni Alves (Unesp-Marília)Ilse Gomes (UFMA)

Gustavo Cabrera (Mestrando em Ciências Sociais - UEL)

Irma Antognazzi (Universidad Nacional de Rosario - Argentina)

Jair Pinheiro (Unesp/Marília) Jaqueline Ferreira (Mestranda em Ciências Sociais - Unesp/Marília)

Joana A. Coutinho (UFMA) José Flávio Bertero (UEL)

Gonzalo A. Rojas (Doutor em Ciência Política - USP)

José Mário Angeli (UEL) Júlia Gomes e Souza (Mestra em

Ciências Sociais - PUC/SP) Lúcio Flávio R. de Almeida (PUC/SP) Márcio Bilharinho Naves (Unicamp)

Marcos Del Roio (Unesp/Marília) Miguel Mazzeo (Universidad de

Buenos Aires - Argentina) Nilda Rodrigues de Souza

(Mestra em Ciências Sociais - UEL)Paulo Barsotti (FGV/SP)

Paulo Eduardo Pedrassoli (UEL) Pedro Jorge de Freitas (UEM) Pedro Roberto Ferreira (UEL)

Ramon Casas Vilarino (Doutor em Ciências Sociais - PUC/SP) Renata Gonçalves (UEL)

Renata Schevisbiski (UEL) Sávio Cavalcante (UEL)

Simone Wolff (UEL) Soraia de Carvalho (Mestranda em

Ciências Sociais - UEL)Sidney Tanaka de Souza Matos

(Mestrando em Ciências Sociais - UEL) Vladimir Aguilar Castro (Universidad de

los Andes - Venezuela)Waldir Rampinelli (UFSC)

Todos os textos recebidos por Lutas & Resistências serão analisados e, se estiverem de acordo com as normas para publicação e os princípios que

norteiam a revista, serão encaminhados para apreciação e pareceres. Cada texto será apreciado por dois pareceristas, resguardado o anonimato do(s) autor(es). A decisão sobre a publicação caberá ao Comitê Editorial.

Os artigos publicados não expressam necessariamente as opiniões do coletivo da revista. Os autores, considerados individualmente, são responsáveis por

suas opiniões e posições.

AgradecimentoEsta versão eletrônica só foi possível graças ao apoio da Especialização em

Ensino de Sociologia vinculada ao Depto. de Ciências Sociais da UEL.

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Sumário

APRESENTAÇÃO, 7

ARTIGOS, 9

Flexibilidad y fragmentación del mundo del trabajo: debate teóricoAdrián�Sotelo,��0 Ruptura sem precedentes, pluralismo irrestrito e democratismo: as três faces ideológicas da identidade petistaDanilo�Enrico�Martuscelli,���

A retórica do “não há alternativas” como face da luta de classes: a revista�Veja�dos anos 1990Carla�Luciana�Silva,��6

DOSSIÊ:Reflexões sobre a Revolução Russa 90 anos depois..., 49

Lênin ou Kornilov, ou porque a democracia-liberal não foi uma alternativa histórica na Revolução Russa de 1917Valério�Arcary,��0 Revolução Russa – 90 anos depoisMárcio�Bilharinho�Naves,�6�

Lênin e a Transição SocialistaMarcos�Del�Roio,�67

A Revolução Russa e os tempos de desilusõesAriovaldo�Santos,�8�

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SEÇÃO DE RESENHAS, 91

Movimentos Sociais como alternativas à renovação democrática na América LatinaRenata�S.�Schevisbiski,�9�

ABSTRACTS, 97

NORMAS PARA COLABORAÇÃO, 99

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Apresentação�•�7���

Apresentação

Para além da tentativa de ser um espaço de intervenção que mescla a produção de jovens pesquisadores, sobretudo os do Grupo de Estudos de Política da América Latina (GEPAL), com a de autores consolidados, Lutas�&�Resistências também pretende contribuir para uma reflexão crítica e plural neste início de século. Nesta sua terceira versão eletrônica, a revista traz uma contundente coletânea de textos importantes para uma compreensão teórico-política da atualidade.

Em artigo centrado na análise da constituição político-ideológica do Partido dos Trabalhadores, Danilo Martuscelli debate criticamente as teses dominantes deste partido, apontando os limites e as incongruências das idéias compartilhadas por vários estudiosos do tema que afirmam ter o PT se formado sem referências internacionais, sem uma doutrina unívoca e, ainda, ser portador de uma nova concepção de democracia.

Ao examinar números de uma das maiores propagadoras do neoliberalismo nos meios de comunicação, Carla Silva expõe a forma pela qual a revista Veja disseminou, nos anos de 1990, uma imagem deturpada de movimentos sociais e de contestação da ordem capitalista mundializada. O tratamento dos episódios de confronto civil em Seattle e Gênova, pela revista, são exemplos da acirrada luta ideológica do período.

Tocando em um debate relativamente novo, mas já extenso, Adrián Sotelo traça um panorama das principais discussões teóricas acerca das transformações pelas quais passou o “mundo do trabalho”, e suas respectivas teses sobre o fim ou a perda da centralidade do trabalho na sociedade contemporânea. Polemizando com Gorz, Offe, Habermas, entre outros, o autor descreve as novas características contraditórias do trabalho advindas da reestruturação produtiva.

Lutas� &� Resistências ainda apresenta um dossiê especial em cujo centro está o debate acerca dos 90 anos da Revolução Russa, parte dele fruto do evento realizado pelo GEPAL em outubro de 2007, na Universidade Estadual de Londrina. O dossiê apresenta a crítica contundente de Márcio Naves ao economicismo das análises que afirmam ter ocorrido a extinção do capitalismo e da luta de classes na União Soviética. A concepção de socialismo como sinônimo de desenvolvimento das forças produtivas, inclusive em Lênin, longe de determinar uma efetiva transição, acarretou novas formas de exploração de classe.

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8�•�Apresentação

No artigo de Valério Arcary são traçados os principais pontos que levaram o proletariado russo organizado enquanto classe à ruptura com a democracia-liberal e ao processo revolucionário. A Revolução de Outubro, para o autor, é essencial para a compreensão das relações entre os países de todo o mundo, na medida em que surge como ameaça à preservação do capitalismo.

A ação política e o pensamento de Lênin são expostos por Marcos Del Roio de forma contextualizada, na intenção de elencar importantes reflexões do líder revolucionário russo. O autor afirma que, devido ao contexto histórico-político, como, por exemplo, a não eclosão de outras revoluções na Europa e as características específicas da formação social russa, Lênin não teria chegado a presenciar a transição socialista, obnubilada por um capitalismo de Estado.

Por fim, Ariovaldo Santos resgata trechos de Marx e Engels, além de posicionamentos de Lênin, com o intuito de trazer à tona as contribuições teóricas e políticas deste processo revolucionário às questões atuais.

Demonstrando uma das preocupações da revista, a de entender os diferentes processos políticos por que passam vários países latino-americanos, este número ainda conta com a resenha elaborada por Renata S. Schevisbiski. O livro de Christian Adel Mirza, Movimientos�Sociales�y�Sistemas�Políticos� en�América�Latina:� la� construcción� de� nuevas� democracias, foi publicado pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO) e, apesar das críticas acerca das prioridades de alguns aspectos em detrimento de outros, contribui com pesquisas sobre o tema ao apresentar o resultado dos estudos sobre determinados movimentos sociais e sua relação com os sistemas políticos, ao comparar Argentina, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Venezuela e Uruguai, entre 1996 a 2003.

Submetemos mais este número ao olhar crítico dos cada vez mais crescentes leitores de Lutas�&�Resistências.

Eliel�Machado,�Renata�Gonçalves�e�Sávio�Cavalcante(pelo Comitê Editorial)

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Apresentação�•�9���

Artigos

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Flexibilidad y fragmentación del mundo del trabajo: debate teórico

Adrián�Sotelo∗

Resúmen: En este artículo reflexionamos sobre las principales teorías del mundo del trabajo, sobre su problemática, mutaciones y transformaciones ocurridas en los últimos años a la luz de la crisis y reestructuración del capitalismo mundial.

Palabras clave: Centralidad del trabajo. Flexibilidad. Precariedad.

Globalización y centralidad del mundo del trabajo: enfoques teóricos

Después de la desintegración de la URSS y del bloque socialista, el pensamiento marxista enfrentó una intensa envestida por parte de la ideología neoliberal y de las diversas expresiones ideológicas del “pensamiento único”. En particular sobresale el descarte que el pensamiento dominante ha intentado de conceptos como trabajo, capital, clase social, ciclo económico, explotación, plusvalía y ganancia. La contradicción trabajo-capital fue sustituida por nociones abstractas que la reconocen, sí, pero como o subsidiaria de otras dimensiones “superiores” como la tecnología, los medios de comunicación o la “cultura”.

En este contexto ha sido objeto de desestructuración el concepto de centralidad del trabajo en el mundo contemporáneo, la cual ciertamente ha experimentado modificaciones debidas a la reestructuración del capital operada en las últimas dos décadas del siglo XX y en el primer lustro del siglo XXI. Sin embargo, ello no ha implicado su deshabilitación como proceso fundacional, esencial e histórico del desarrollo del capitalismo mundial y de las sociedades de clase que se reproducen en función de la ley del valor, de la explotación, de la producción de plusvalía y del aumento de las ganancias.

∗ Sociólogo y Doctor en Estudios Latinoamericanos; investigador del Centro de Estudios Latinoamericanos (CELA) de la Facultad de Ciencias Políticas y Sociales de la UNAM, México. Autor de varios artículos y livros, entre los quales figuran América�Latina�de�crisis�y�paradigmas: la teoría de la dependencia en el Siglo XXI (2005) y su último livro El�mundo�del�trabajo�en�tensión.�Flexibilidad laboral y fractura social en la década de 2000 (2007), ambos publicados por la Editorial Plaza y Valdés en coedición con la FCPyS de la UNAM. Pertenece al Sistema Nacional de Investigadores (SIN) de su país. Contacto: [email protected]

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Sin trabajo y sin valor no puede existir la sociedad capitalista, por lo menos la que se sustenta en sus cimientos constitutivos como la propiedad privada de los medios de producción, el ciclo del capital y la producción mercantil, la incontenible especulación inmobiliaria y financiera, la producción de plusvalía mediante los sistemas de explotación del trabajo basados en la plusvalía absoluta y relativa y en la superexplotación (SOTELO, 2003).

Las transformaciones estructurales, políticas, tecnológicas y sociales que experimentaron las sociedades de clase y el capitalismo mundial de carne y hueso en las dos últimas décadas estimularon la difusión de “tesis” relativas a que en ese contexto se habría producido un fenómeno de reducción sustancial de la importancia cuantitativa y cualitativa del trabajo como mecanismo central del proceso de creación de valor, de reproducción del capital y de la lucha contra éste. Tesis que surgen en contextos específicos delimitados por problemáticas sociológicas, técnico-económicas y jurídico laborales muy concretas de los países europeos y, en particular, de Estados Unidos y de Japón donde el mundo del trabajo representa una porción minoritaria respecto al contexto del mundo del trabajo global que, como hace notar Ricardo Antunes, en los países del tercer mundo cubre más de dos tercios de la humanidad. Su planteamiento es el siguiente:

Los críticos de la sociedad del trabajo pueden estar equivocados al enfatizar, eurocéntricamente, que el trabajo está en vías de extinción, que el capital ya no necesita de esa mercancía especial. Vale recordar que por lo menos dos tercios de la humanidad que trabaja se encuentra en el tercer mundo: en Asia, en Oriente, en África y en América Latina. No parece un buen ejercicio analítico tematizar sobre el mundo del trabajo con un corte excesivamente eurocéntrico. Eso sin hablar de la complejidad que deriva de la nueva división internacional del trabajo en la era del capital mundializado (ANTUNES, 2005, p. 26).

El predominio del trabajo sobre formas fetichizadas de ciencia y tecnología� en los países capitalistas dependientes de la periferia del sistema automáticamente relativiza afirmaciones eurocéntricas relativas al fin del trabajo que han sido elaboradas y tematizadas “científicamente” en función de realidades concretas e históricas del capitalismo y del mundo del trabajo

1 Al respecto dice Habermas (2005, pp. 477-478) que el objetivo de Marx “(…) es denunciar el proceso de mantenimiento del sistema económico como una dinámica de explotación que la objetivación y la anonimización hacen irreconocible”.

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existente en esos países: de manera particular en Estados Unidos, Inglaterra, Alemania, Francia, Italia o Japón.

Lo sorprendente es que estos fenómenos de “destrucción creativa” para erigir “otra cosa nueva” relativa al mundo del trabajo, han sido interpretados, en buena parte de los casos por sociólogos, comunicólogos, politólogos y economistas como “pruebas empíricas” de la desaparición – o pérdida de eficacia cognoscitiva y constitutiva – del mundo del trabajo en la estructuración de las sociedades contemporáneas frente al “nuevo orden social” supuestamente diferente, en forma y contenido, del capitalismo, bajo la inspiración de reflexiones inspiradas en el pensamiento evolucionista (PÉREZ, 2002).

En este contexto un ejemplo de eurocentrismo puro se revela en la siguiente cita de un libro de André Gorz cuando afirma que:

La razón más inmediatamente perceptible es que la abolición del trabajo es un proceso en curso y que parece llamado a irse acelerando. Institutos independientes de previsión económica (¿?) han estimado para cada uno de los tres países industriales de Europa Occidental, que la automatización suprimirá, en el espacio de diez años, cuatro o cinco millones de empleos, a menos que se lleve a cabo una profunda revisión de la duración del trabajo, de los fines de la actividad y de su naturaleza (GORZ, 1980, p. 11).

Sin que el autor explicite cómo, quién y con qué mecanismos se va a llevar a cabo esa “profunda revisión” de la duración del trabajo, de sus fines y naturaleza, ciertamente no se puede negar que desde que se publicó esta obra de Gorz, en todo el mundo se han registrado importantes cambios como el declive promedio de la industria, la informatización de los procesos de trabajo, el auge de los servicios y de la “sociedad del conocimiento”, también han ocurrido despidos masivos de trabajadores por obra de la automatización, el aumento de la productividad social del trabajo, revoluciones en el capital fijo y circulante y en otros mecanismos encaminados a este fin, como por cierto constató el mismo Marx en su época en el siglo XIX. Sin embargo ello no representó el “fin del trabajo”, sino más bien su reestructuración y una nueva configuración estructural tanto en relación con la estructura capitalista como en su posición en la sociedad.

En otro trabajo reciente André Gorz vuelve a insistir en el tema ahora bajo el ambiguo título de “Salir de la sociedad del trabajo” (GORZ, 2005, pp. 25-33) sin mostrar los caminos concretos de cómo hacerlo. Atrapado en

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la dicotomía de “superar” la sociedad salarial sin superar al mismo tiempo el modo de producción capitalista, el autor destaca su planteamiento central:

Superaremos la sociedad salarial – y con ella el capitalismo – cuando las relaciones sociales de cooperación voluntaria y de intercambios no mercantiles autoorganizados predominen sobre las relaciones de producción capitalistas: sobre el trabajo-empleo, el trabajo mercancía. Esta superación del capitalismo está inscrita en la lógica de la transformación técnico-económica en curso, pero ésta sólo conducirá a una sociedad poseconómica, poscapitalista, si esta sociedad es proyectada, exigida, por una revolución tan cultural como política, es decir, si los ‘actores sociales’ saben utilizar lo que todavía no es más que una transformación objetiva para afirmarse como los sujetos de la liberación que esta transformación hace posible (GORZ, 2005, pp. 32-33).

Obsérvese de esta cita la ausencia de sujetos concretos de transformación, los que más bien son representados en inidentificables “relaciones sociales de cooperación voluntaria y de intercambios no mercantiles autoorganizados” y en presuntos “actores sociales” cuyo contenido no se llega a materializar.

Por su parte Rifkin (1997), habla de “fin del trabajo”, pero el problema con este autor es que “pronostica” el advenimiento de una sociedad “sin trabajadores” en términos cuantitativos, pero no define qué es el trabajo y su diferencia con la fuerza de trabajo. Solamente verifica la disminución del mundo trabajadores en la industria por efectos de la automatización, pero no discute qué ocurre con la producción de valor y como éste queda reemplazado por las máquinas, así como ignora las consecuencias de lo anterior en la caída de la rentabilidad del capital.

Clauss Offe vislumbra una pérdida de centralidad del trabajo y del potencial explicativo de conceptos y ideas-fuerza como “capitalismo” y “sociedad industrial” (OFFE; HINRICHS, 1992), a cambio de la re-asunción de la teoría comunicativa de Habermas (1975) en la que la “la esfera intersubjetiva de la razón comunicacional (en tanto proceso emancipador)”. Antunes (2005, p. 24) viene a suplir al mundo del trabajo atrapado en la esfera de la razón instrumental.

Alain Touraine sustituye la problemática del trabajo (supuestamente) por nuevas problemáticas cuando afirma que “Las luchas y reacciones antinucleares caracterizan un importante cambio en el campo de la política

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(…) es la primera vez que los problemas del trabajo y la producción han dejado de ocupar la posición central en la vida política” (apud OFFE; HINRICHS, 1992, p. 50).

Se entiende que a partir de aquí, en una escala jerárquica conforme el sistema se hace más complejo y multiplica su problemática (crisis, guerras, devastación ecológica, degradación sicológica y moral de las sociedades humanas, corrupción, narcotráfico, por mencionar algunas) el trabajo y sus sujetos, los trabajadores (as) de todo el planeta, queda estacionado en el piso – si no es que en el sótano – de la jerarquía; casi como una nota al pié de página.

Offe propugna por crear una teoría dinámica del cambio social que explique las causas por las que el trabajo y la producción van perdiendo fuerza y capacidad para estructurar y organizar las sociedades contemporáneas frente a un nuevo campo de “acción social” caracterizado – afirma – por la irrupción de “nuevos actores” y de “nuevas racionalidades” (OFFE; HINRICHS, 1992. p. 51), pero sin decirnos ni una palabra sobre cuáles son las nuevas fuerzas y formas estructurantes de dichas sociedades. El problema no está en crear, si es necesario, esa teoría, sino en formular antes, y despejar, verdaderamente si las anteriores teorías, particularmente la marxista, ya no responden y por qué a la nueva configuración social, cuestión a la que no da respuesta el autor.

Por su parte Hardt y Negri (2002, p.42)� en su libro Imperio hablan de la hegemonía creciente del “trabajo inmaterial” en la sociedad y de la necesidad de elaborar una nueva teoría del valor y de la subjetividad “(…) que opere a través del conocimiento, la comunicación y el lenguaje” (HARDT; NEGRI, 2002, p.43), sin solventar sus afirmaciones con investigación empírica y con datos y hechos que las validen sobre todo en el conglomerado humano del mundo del trabajo de los países subdesarrollados.

En otro trabajo, Lazzarato y Negri (2001) afirman tajantemente, pero sin demostrarlo, que “el trabajo inmaterial tiende a volverse hegemónico, de forma totalmente explicita”. Insisten en la hegemonía que ha alcanzado el trabajo inmaterial plasmado, según ellos, en la personalidad, la subjetividad y en el alma en la sociedad contemporánea. Identifican un ciclo social de la producción constituido por la “fabrica difusa”, la organización del trabajo

2 Véase también de estos autores su libro Multitud (2004).

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descentralizado y por diferentes formas de tercerización de la producción. De aquí resulta la siguiente tesis: “(...) El ciclo del trabajo inmaterial es preconstituido por una fuerza de trabajo social y autónoma, capaz de organizar el propio trabajo y las propias relaciones con la empresa. Ninguna organización científica del trabajo puede predeterminar esta capacidad y la capacidad productiva social” (LAZZARATO; NEGRI, 2001).

Afirmación problemática y difícil de comprobar relativa a que la fuerza de trabajo haya llega a ser “autónoma” frente al capital y las gerencias autoritarias del capitalismo informático que controlan el proceso de trabajo y la valorización del capital a través de sistemas automatizados. Según ellos el ciclo del trabajo inmaterial se ha convertido en la base fundamental de la producción, de la reproducción y del consumo.

Lo más grave de su razonamiento de estos autores es cuando trasladan y sustituyen el problema de la explotación capitalista y lo resuelven-diluyen en el campo ético de la subjetividad cuando afirman que “(…) el trabajo inmaterial no se reproduce (y no reproduce la sociedad) en una forma de explotación, pero sí en la forma de reproducción de la subjetividad” (LAZZARATO; NEGRI, 2001).

En otras palabras se puede deducir de este razonamiento que si el trabajo inmaterial es hegemónico en la sociedad posfordista y, de acuerdo con la cita anterior, ese trabajo ya no se reproduce en función de la explotación sino en la reproducción de la subjetividad, entonces es evidente que en la sociedad y en su sistema capitalista ha cesado la explotación como categoría constitutiva de ese sistema. Por lo que ahora se tendrá que explicar cómo y de dónde se produce y reproduce la riqueza social sin explotación, es decir, sin reposición del capital fijo y circulante, sin creación de un nuevo valor equivalente al valor de los salarios y sin plusvalía (sin trabajo excedente no remunerado) que es la fuente de donde brota la ganancia de empresario y se asegura la reproductividad del sistema.

La evidente fetichización que se hace de la fuerza de trabajo y del sistema capitalista en conjunto lleva a los autores a plantear tesis absurdas e inviables como la siguiente: “La época en que el control de todos los elementos de la producción dependía de la voluntad y de la capacidad del capitalista es superada: es el trabajo el que, cada vez más, define al capitalista, y no al contrario”.

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En otras palabras obsérvese que aquí llegamos al límite máximo de la tergiversación e inversión de la comprensión dialéctica y lógica de la naturaleza de la sociedad capitalista en tanto modo de producción y formación social mundial. Ahora resulta que es el “trabajo” (¿?) el que determina y rige los destinos del capital, mientras que éste se convierte en siervo de aquél. ¿Realmente sucede eso en los mundos del trabajo reales de países como Estados Unidos, Alemania, Japón, Italia, Francia, Suecia, México, Brasil o en los del Caribe?

La siguiente afirmación remata la concepción política que estamos criticando. Dicen:

Si el trabajo tiende a volverse inmaterial, si su hegemonía social se manifiesta en la constitución del General Intellect, si esta transformación es constitutiva de los sujetos sociales, independientes y autónomos, la contradicción que opone esta nueva subjetividad al dominio capitalista (si de alguna manera se quiere designar a la sociedad post industrial) no será dialéctica, y sí alternativa. Como decir que para existir este tipo de trabajo, que nos parece al mismo tiempo autónomo y hegemónico, no se precisa más del capital y su orden social, y, consecuentemente, el trabajo se pone inmediatamente como libre y constitutivo. Cuando decimos que esa nueva fuerza, no puede ser definida en el interior de una relación dialéctica, queremos decir que la relación que ésta tiene con el capital no es solamente antagonista, ella está más allá del antagonismo, es alternativa, constitutiva de una realidad social diferente (LAZZARATO; NEGRI, 2001).

Aquí solamente cuestionamos que si como aseguran los autores, esta nueva fuerza del general intellect – que, por cierto, Marx concibe de una manera completamente distinta a como la interpretan los autores de marras� – es ya hegemónica como expresión del trabajo inmaterial: ¿puede

3 En los Grundrisse el planteamiento de Marx parece referido a la realidad capitalista del siglo XXI. Después de explicar los efectos de la maquinaria (el “capital fijo” le llama) en el trabajo y en la fuerza de trabajo asienta que: “La naturaleza no construye máquinas, ni locomotoras, electric� telegraphs, selfacting� mules, etc. Son éstos productos de la industria humana; material natural, transformado en órganos de la voluntad humana sobre la naturaleza y de su actuación en la naturaleza. Son órganos�del� cerebro�humano� creados�por� la�mano�humana; fuerza objetivada del conocimiento. El desarrollo del capital fixe revela hasta qué punto el conocimiento o knowledge social general se ha convertido en fuerza� productiva� inmediata y, por lo tanto, hasta qué punto las condiciones del proceso de la vida social misma han entrado bajo los controles del general�intellect y remodeladas conforme al mismo. Hasta qué punto las fuerzas productivas sociales son producidas no sólo en la forma del conocimiento, sino como órganos inmediatos de la práctica social del proceso vital real” (MARX, 1980, pp. 229-230).

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construir una “realidad social diferente” (¿neocapitalista, o socialista, o comunista, o neoliberal o neoestructuralista keynesiana?) sin superar radicalmente el modo dominante de producción capitalista en su actual estadio neoimperialista y mundializado basado en la producción de valor y plusvalía mediante una extendida y universalizante superexplotación de la fuerza de trabajo?

La tendencia a la universalización y a la supremacía del general�intellect en la sociedad mantiene una constante contradicción con las relaciones capitalistas de producción y de apropiación basadas en la propiedad privada y en la explotación de la fuerza de trabajo del obrero colectivo por el capital.

La explicación de Habermas respecto a la “absorción-integración” del mundo del trabajo mediante la lógica de la razón funcionalista, la que a la par corresponde a las funciones del Estado social, se apoya en los siguientes pasos:

a) Realiza una diferenciación entre sistema�y�mundo�de�la�vida.b) Ubica, en primera instancia, el mundo del trabajo en la esfera de

la vida.�

c) Más tarde, es el sistema económico, administrativo y el Estado quienes absorben al mundo del trabajo, el cual queda encerrado en la jaula�de�hierro. Según Habermas, Marx no “previó” esta génesis en su teoría del valor-trabajo.

d) Para Habermas la teoría del valor de Marx contiene tres debilidades (HABERMAS, 2005, p. 479 y ss.):

d1) En primer lugar, según él, Marx diferenció el sistema del mundo de la vida, pero su separación no se tradujo en categorías propias de los subsistemas políticos y económicos.

La secuencia no deja lugar a dudas: las máquinas, locomotoras, en general el capital constante (fijo y circulante) en tanto órganos del cerebro humano, son producto de la mano� humana, o sea, de la fuerza de trabajo del obrero colectivo global que, a la vez, es fuerza objetivada del conocimiento en tanto fuerza productiva inmediata. En la lógica de este razonamiento de Marx, muy al contrario de la interpretación que hacen Negri y Lazzarato de este pasaje, este fenómeno del general� intellect�ocurre, contradictoriamente, en el seno del sistema capitalista y sigue sujeto a sus leyes inmanentes; la ley del valor, la producción de plusvalía y de ganancias mediante el proceso inminente de explotación de la fuerza de trabajo (global) por el capital. Lo que se puede decir, entonces, es que la verdadera liberación del “sujeto de la producción” (la “subjetividad” el obrero) ocurrirá en el seno de una nueva formación económica y social radicalmente distinta al capitalismo.

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d2) Marx carece de criterios para distinguir entre el proceso de destrucción de las formas tradicionales de vida y el de justificación del mundo de la vida que corresponde a las sociedades postradicionales.

d3) La tercera debilidad, siempre según Habermas, consiste en el sobredimensionamiento que Marx le otorga a la lucha entre el trabajo y el capital directamente derivada de la lógica conflictiva del valor, porque según Habermas los procesos de cosificación no necesariamente tienen que surgir de la esfera desde donde se originan, es decir, del mundo del trabajo.

La conclusión final de estas tres “debilidades” de la teoría del valor de Marx se resume en el siguiente párrafo: “Las tres debilidades que hemos analizado de la teoría del valor explican por qué la Crítica de la Economía Política, pese a su concepto de sociedad articulado en dos niveles, capaz, por tanto, de combinar sistema y mundo de la vida, no ha permitido una explicación satisfactoria del capitalismo tardío (HABERMAS, 2005, p. 484).

No es aquí el espacio adecuado para realizar un análisis pormenorizado de la teoría de la acción comunicativa de Habermas y de sus consecuencias tanto en el desplazamiento de la teoría del valor como en la fundamentación de la acción comunicativa como base de una teoría de la sociedad contemporánea. Simplemente señalamos que la explicación habermasiana respecto del proceso de absorción-integración del mundo del trabajo mediante la lógica de la razón funcionalista pasa por alto los siguientes elementos.

En primer lugar, que en la época de Marx (cuando desarrolla la teoría el valor) el Estado social capitalista es inexistente; entonces, se hablaba de un Estado capitalista liberal.

En segundo lugar, la teoría del valor-trabajo de Marx parte de la dinámica de la producción y desde este esfera se proyecta al conjunto del cuerpo político y social lo que, con otro lenguaje diferente al parsoniano y sistémico, demuestra que sí contempla la relación entre sistema y mundo de la vida pero dentro de una concepción y lógica global fundamentada en la teoría del valor y de otras categorías como plusvalía y ganancia.

Marx no ignora el papel de la ideología y, por lo tanto, del conjunto de los elementos que configuran la superestructura de la sociedad burguesa, así como el papel de la represión y el uso de la violencia por parte del Estado en la (relativa) absorción y contención de la lucha de clases y del conflicto

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social, cuestiones que explican que en determinados periodos de la historia aparezcan momentos de relativa estabilidad estructural y de “paz social”.

Por último, Habermas simplemente no aprecia que la teoría del valor-trabajo contempla una problemática específica que constituye la base de la reproducción material del sistema capitalista y de nociones cada vez más complejas y abstractas como la de sistema, Estado, clases sociales, poder y dominación.

Reestructuración y centralidad: relación desarrollo – subdesarrollo en el mundo del trabajo

A diferencia de las problemáticas del mundo del trabajo de países industrializados como Estados Unidos, Japón y la Unión Europea, en los países subdesarrollados el mundo del trabajo (asalariado y otras formas refuncionalizadas por el capitalismo como el trabajo a domicilio y la informalidad) ha aumentado como se constata con el hecho de que en el año 2000 el total de la PEA mundial alcanzaba 2 mil 732 millones 342 624 personas, de las que 85% se concentra en los países de la periferia del capitalismo central (BALDERAS, 2006). Es decir, es la inserción de esta periferia con el mercado mundial y con los procesos productivos de los países desarrollados, la que a través de transferencias de valor, de plusvalía y de riqueza (petróleo, gas, agua, productos agrícolas, minerales y un sin fin de mercancías que son producto del trabajo humano) posibilita que el núcleo duro de la reproducción capitalista se mantenga, incluso, con tasas declinantes de empelo industrial, con alza en el sector de los servicios y con importantes ciclos de aumento de desempleo estructural y tecnológico.

La población que trabaja, o sea como dice Antunes (2001), “la clase que vive del trabajo” tiende a reproducirse en condiciones en que se incrementan las tasas relativas y absolutas de la pobreza y la extrema pobreza debido, entre otros factores causales, a las bajas remuneraciones reales que percibe. Es así que en términos de remuneración y de aumento del número de trabajadores el Informe�sobre�el�Empleo�en�el�Mundo��00�-�00�:�empleo,�productividad�y�reducción�de�la�pobreza de la Organización Internacional del Trabajo (OIT) para el año 2003 revela que de un total de 2 mil 800 millones de trabajadores de todo el mundo 50% percibe menos de 2 dólares por día y que, de éstos, 49.7% (550 millones), recibe menos de un dólar

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por día en un contexto en que en ese mismo año se registró un desempleo total de 185 millones de personas por lo que la tasa de desempleo mundial prácticamente no se modificó, pues pasó del 6,3 por ciento en 2002 al 6,2 por ciento en 2003 (OIT, 2005).

La reestructuración capitalista ha modificado la fisonomía del mundo del trabajo por lo menos en cuatro direcciones:

a) Desregulación de la fuerza de trabajo por parte del Estado. b) Flexibilización del trabajo y creación de obreros polivalentes.c) Precarización laboral (SOTELO, 1999).d) Tercerización de las actividades productivas y de servicios. El resultado de estos fenómenos es la temporalidad� laboral como el

nuevo régimen neoliberal dinamizado por el capital y el Estado y al que se ven subordinados cada vez más contingentes de trabajadores de la población mundial.

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Ruptura sem precedentes, pluralismo irrestrito e democratismo: as três faces ideológicas da identidade petista

Danilo�Enrico�Martuscelli�∗

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar três teses fundamentais que constituíram a ideologia dominante do PT entre meados dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, a saber: 1) o PT não possui nenhuma referência internacional; 2) o PT não possui uma referência doutrinária unívoca; 3) o PT é portador de uma concepção original de democracia, daí advindo a defesa do chamado “socialismo democrático”.

Palavras-chave: Partido dos Trabalhadores. Ideologia. Política brasileira.

As principais obras de referência para o estudo do Partido dos Trabalhadores (PT) no período de sua formação foram as elaboradas por Meneguello (1989) e Keck (1991). A despeito da inestimável contribuição dessas duas obras, consideramos que ambas, de modo direto e indireto, descuram da crítica a três teses centrais que constituíram o que poderíamos chamar de “ideologia petista”, ou simplesmente “petismo”, entendendo-a como ideologia dominante no interior deste partido, tendo sido consolidada principalmente entre meados dos anos de 1980 e o início da década de 1990, a saber: 1) o PT não possui nenhuma referência internacional; 2) o PT não possui uma referência doutrinária unívoca; 3) o PT é portador de uma concepção original de democracia, daí advindo a defesa do chamado “socialismo democrático”1.

Tal posicionamento acrítico teve um duplo efeito sobre as análises acerca do Partido dos Trabalhadores, realizadas nos últimos anos, pois, não só reforçou a “ideologia petista”, como também criou impasses metodológicos, à medida que concebia como limite da análise científica o conhecimento do nível das representações que o PT “fazia de si” e, consequentemente, a aceitação da idéia segundo a qual aquilo que o PT

* Doutorando em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas. End. eletrônico: [email protected] 1 Essas teses apareceram de forma sistematizada nas resoluções do 7º Encontro Nacional e do 1o Congresso Nacional do PT, realizados, respectivamente, em 1990 e 1991, assim como em dois artigos de um dos mais importantes intelectuais do PT, o historiador Marco Aurélio Garcia. Ver: Garcia (1990; 1994).

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“fazia de si” correspondia ao que o mesmo “era na realidade”. A fim de polemizar com tal posicionamento, consideramos importante apresentar algumas reflexões críticas às três teses acima mencionadas.

A ideologia da “ruptura sem precedentes”Ao afirmar que não possuía nenhuma referência internacional, o

PT buscava apresentar-se como uma antítese das experiências dos partidos comunistas e social-democratas do século XX, o que levou o partido a se auto-denominar “pós-comunista” e “pós-social-democrata” e, por conseqüência, defender um socialismo que se distinguia do socialismo real e da social-democracia européia2.

Ao contrário das interpretações que dissociam o PT de quaisquer tipos de experiência de organização de classe no plano internacional e nacional, caracterizando-o como uma “anomalia” ou como uma “ruptura sem precedentes”3, sustentamos que tanto as elaborações programáticas quanto a prática política desse partido político estão, direta e indiretamente, vinculadas à história do movimento operário do século XX, em geral, e aos embates políticos enfrentados pelo movimento operário brasileiro, em particular. Como assegura Berbel (1991, p. 16), “(...) se a autonomia e a estreita relação do PT com os movimentos sociais constituem-se em novidade na vida político-partidária do país, a sua origem pode-nos levar a observar, no diálogo com os agrupamentos que o antecederam, traços de continuidade”. Essa autora observa que as interpretações, que defendem a “absoluta novidade” representada pelo PT, são parte da “ideologia” desse partido político, ou melhor, são parte da “auto-imagem” deste, que sempre buscou se diferenciar da tradição de organização partidária no Brasil, em particular, dos partidos de esquerda.

2 No 2º. Congresso Nacional, realizado em 1999, os membros do campo majoritário do PT reivindicaram o abandono de qualquer referência ao socialismo, mesmo que essa fosse meramente formal. Nas resoluções do Encontro Nacional, realizado no final de 2001, a ambição de suprimir qualquer referência ao socialismo no programa do partido repercutiu no documento que apresenta as diretrizes do programa de governo do PT. Nessas diretrizes programáticas, não há qualquer menção à palavra socialismo. Curiosamente, em 2007, na realização de seu III Congresso Nacional, o PT aprovou a tese do “socialismo democrático e sustentável”, cuja extravagância vocabular denota o seu vazio político enquanto programa anticapitalista. 3 Ver, por exemplo, os argumentos apresentados por: Meneguello (1989); Keck (1991). Em texto mais recente, Meneguello (2003) reafirmou a tese da “ruptura sem precedentes”.

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Diferentemente desta primeira tese, algumas análises têm evidenciado convergências entre o PT e a tradição social-democrata. Ao traçar uma caracterização geral da social-democracia, Coelho (2001) apresenta, por exemplo, como elementos comuns à tradição social-democrata as seguintes características: a forte presença de bases sindicais, o perfil partido de massas e o compromisso com reformas sociais. De acordo com a autora, não haveria motivos para dissociar o PT dessa tradição, já que todas essas características estão presentes na formação do PT.

Guimarães (1990) salienta que partidos como o Partido Social-Democrata Alemão (PSDA) e o Partido Socialista Italiano (PSI), criados respectivamente em 1875 e 1892, apesar de terem origem anterior à organização do movimento sindical, possuem trajetórias análogas ou muito próximas à do PT. O autor evidencia, numa análise comparativa entre os três partidos, ao menos sete aspectos em comum: a) todos refletem anseios mesclados de representação, participação e emancipação de um proletariado de importante peso social; b) todos tendem a estabelecer uma segmentação entre a prática parlamentar e a sindical; c) todos se constituem enquanto partidos de massa; d) todos possuem uma heterogeneidade interna, inclusive, no plano estratégico e doutrinário; e) todos convivem com um crescimento qualitativo da classe trabalhadora, fruto da expansão da economia capitalista; f) todos fazem parte de sociedades nas quais os trabalhadores, na maioria dos casos, são carentes de direitos políticos e sociais; g) o núcleo da dinâmica desses partidos é permeado pela tensão estratégica entre reforma e revolução.

Ainda nessa perspectiva comparativa do PT com os partidos social-democratas europeus, podemos notar pontos de convergência entre o PT e o Partido Trabalhista da Inglaterra. A criação desses dois partidos foi resultado do desenvolvimento da luta dos movimentos sindicais de seus respectivos países, o inglês, com o cartismo na segunda metade do século XIX, e o brasileiro, com o “novo sindicalismo” surgido na região do Grande ABC. Esses dois casos são exceções de âmbito mundial, já que se constituíram como os únicos partidos de massa criados pelos sindicatos. Nos outros países, os partidos de massa, vinculados às classes trabalhadoras, foram os responsáveis pela constituição dos sindicatos.

Além do vínculo entre o partido e o sindicato dos trabalhadores, outra característica desses partidos políticos é a convergência no campo

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programático no qual é perceptível o peso da tradição social-democrata sobre as suas definições táticas e estratégicas. Esses partidos defendem a luta por reformas no capitalismo e, apesar de apresentarem um discurso de defesa do socialismo, não o concebem de acordo com a idéia de ruptura com o capitalismo. Como observa Wood (2003), é possível identificar mais de um tipo de movimento anticapitalista, desde aqueles que querem substituir o sistema capitalista até aqueles que o encaram como o único jogo disponível e “desejam apenas que os capitalistas sejam mais humanos e mais socialmente responsáveis”. Em linhas gerais, o PT e o Partido Trabalhista inglês, na época de sua constituição, apresentaram propostas que se aproximavam mais da segunda definição, assumindo um viés mais propriamente reformista do que revolucionário4.

Entre os que não associam o PT à tradição social-democrata, destacamos Bucci (1991) que sustenta que o programa social-democrata do PT é atípico, inédito e inventivo. Para ele, o partido tem como primeiro compromisso a democracia, isto é: “Sua vocação é a garantia da democracia, o que ocasionou a inclusão (acertada, nesses termos) do ‘socialismo a definir’ entre suas palavras de ordem”. Esse autor nega, portanto, o vínculo com a tradição social-democrata, afirmando ser a social-democracia petista algo de inovador.

Garcia (1990) também não aceita a vinculação do PT à social-democracia, mas se distingue da análise de Bucci (1991) por entender que o PT é uma “ruptura sem precedentes” com a história da esquerda brasileira e internacional, não fazendo sentido falar, dessa maneira, de uma “social-democracia inventiva”. Para Garcia (1990), deve-se fazer essa distinção, pois, ao contrário da tradição social-democrata, “o PT não reivindica uma filiação doutrinária, marxista ou de qualquer outro tipo. [Mas], afirma seu pluralismo ideológico, ou o seu caráter ‘laico’”. No entanto, as teses desse autor parecem ser bastante contraditórias, pois a despeito de apresentar o “pluralismo ideológico” como o diferencial, ele sustenta uma série de características da social-democracia que, no nosso entender, são partes constituintes da formação do PT, tais como: a) “[A social-democracia]

4 A menção explícita ao socialismo apareceu nos documentos oficiais do PT apenas em 1981. Isso não se deu anteriormente, pois, de acordo com Lula, era necessário, em primeiro lugar, convencer os trabalhadores de criar um partido e, somente depois, convencê-los de que esse partido deveria ser socialista.

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supõe, na sua origem, uma forte presença operária industrial na sociedade, que se desdobra em um poderoso movimento sindical, provocando depois, a formação do partido”; b) “A proposta social-democrata, em sua origem, e, ao menos, em sua retórica, durante décadas, foi um projeto classista.”; c) “As experiências da social-democracia têm como cenário a democracia representativa, que se amplia e radicaliza com a intervenção do movimento operário”. Ademais, o “pluralismo ideológico”, ou ainda, o caráter “laico” do PT tidos como experiências originais desse partido político também podem ser questionados, uma vez que “há muito a Social-Democracia também se proclama ‘laica’, isto é, não marxista” (COELHO, 2001, p. 119).

Ainda sobre a discussão sobre se o PT é social-democrata ou não, Azevedo (1995, p. 79) apresenta uma tese distinta da que vimos. Para o autor: “Embora o PT, desde sua fundação, condene o stalinismo e a social-democracia, anunciando o ‘socialismo democrático’, na verdade não foi capaz, até hoje, de formular um projeto político ao mesmo tempo socialista e democrático (ou democrático e socialista)”. O autor confere uma caracterização híbrida para o partido, que poderia ser superada, desde que fossem depurados os elementos de “autoritarismo” do partido, supostamente herdados da tradição leninista.

Diante do exposto, é possível afirmar que o Partido dos Trabalhadores, no período de sua formação, mantém traços muito aproximados do perfil político dos partidos social-democratas europeus. Isso não quer dizer que ocorreu no PT uma pura importação do modelo europeu; o partido, tendo como referência as experiências de luta do movimento operário do século XX, traçou uma trajetória política que tem vínculos estreitos com uma das tradições desse movimento: a tradição social-democrata. Essa é a forma de fazer política que predomina no partido, na sua formação – o que não quer dizer que não haja confluência de outras correntes dentro do partido que sejam filiadas às mais distintas tradições do movimento operário nacional e internacional.

A ideologia do “pluralismo irrestrito”Quanto à não filiação doutrinária defendida pelo PT, a idéia central

era apresentar esse partido político como uma organização plural do ponto de vista ideológico. Essa tese dava sustentação à idéia segundo a qual o PT

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não possuía um modelo de socialismo pré-definido, justamente porque era marcado por uma heterogeneidade de ideologias e, portanto, a adoção de uma doutrina unívoca limitaria a democracia no interior do próprio partido. O que estava implícito nessa formulação era a contestação do marxismo como corpus teórico que orientasse o programa político do PT. Isso pode ser evidenciado na polêmica que Florestan Fernandes (1991) travou com a tendência dominante do PT, no decorrer da fase preparatória de discussões do 1o. Congresso Nacional do PT. Como Fernandes (1991, p. 07) atestava: “Tornou-se corrente a condenação do marxismo e o uso do conceito ambíguo de “socialismo democrático” após os acontecimentos do Leste europeu e as alterações que ocorrem na União Soviética. A condenação do marxismo é extemporânea e seria inconcebível qualquer manifestação do socialismo que não fosse democrática”.

O suposto “pluralismo ideológico” e o ambíguo conceito de “socialismo democrático” defendido pelo PT, podiam ser tomados como indicadores de manifestação contrária de adequação doutrinária do PT ao marxismo. Como se pode constatar nas resoluções desse partido político:

O PT entende que a diversidade de desejos e idéias é inerente à condição humana, razão pela qual a pretensão de suprimi-la não passa de um projeto de violentação da humanidade. Lutamos por uma sociedade efetivamente plural, mais um motivo para sermos anticapitalistas, pois o capitalismo, ao oprimir e alienar os indivíduos, só admite, de fato, uma pluralidade restringida pela desigualdade de oportunidades. Mas motivo também para rechaçarmos a chamada “pluralidade para os partidos operários”, ou seja, “para quem pensa como nós”, que, historicamente, só pode levar a formas de ditadura (Resoluções de Encontros e Congressos�, 1998, p. 500) (grifos nossos).

Nessas resoluções, o PT criticava a idéia de “ditadura do proletariado” e, em seu lugar, propunha o pluralismo ideológico como forma de promover o equilíbrio harmônico entre os membros da sociedade e superar os limites supostamente impostos por essa forma ditatorial. No entanto, cabe observar que o discurso do pluralismo ideológico – e irrestrito – parecia ter a função de dissimular as desigualdades no plano da inserção dos membros da sociedade na produção social, em nome da apologia da heterogeneidade de valores e idéias.

5 Trata-se das resoluções do 1o Congresso Nacional do PT, realizado em 1991.

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De acordo com as resoluções petistas, aparentemente era possível realizar o pluralismo ideológico sem romper com os obstáculos estruturais do capitalismo, ou de outro modo, o pluralismo irrestrito seria exeqüível se fosse ampliado os espaços democráticos na sociedade capitalista. Nesse sentido, a idéia de pluralismo ideológico do PT provavelmente afigurava-se como uma réplica dos pressupostos da democracia tal qual praticada na sociedade capitalista.

No interior do PT, o pluralismo ideológico, ao fazer a apologia da diversidade de idéias e propostas apresentadas pelas tendências políticas que são parte desse partido político, tinha a função de escamotear a existência de uma linha de pensamento dominante no interior do partido que se confrontava com as demais e, portanto, de ocultar o reduzido espaço que essas diversas propostas podem ter sobre os rumos seguidos pelo PT.

Como observa Azevedo (1995, p. 79), a corrente majoritária do partido, a Articulação, fundada em 1983, anunciava desde seu manifesto de fundação que “foi criada para barrar o crescimento das tendências vanguardistas (...) e da tendência que via o PT como uma frente parlamentar, à semelhança do MDB”. Dessa forma, a tentativa de desposar o PT de qualquer doutrina oficial de socialismo é um tanto quanto problemática, principalmente se levarmos em consideração que a corrente hegemônica do partido possui uma posição política de oposição ao socialismo científico6. Em nome de um suposto pluralismo ideológico e de um socialismo “processual”, os esforços realizados para depurar os elementos dissonantes do partido sempre estiveram presentes na linha política hegemônica do partido. Enfim, se o socialismo petista não é apresentado pela afirmativa, ele o é pela negativa de experiências anteriores.

Essa questão pode ser evidenciada no processo de estabelecimento da lei de tendências internas do PT. No 4º Encontro Nacional, realizado em 1986, o PT aprovou uma resolução que previa a necessidade da regulamentação de tendências internas no partido, desde que essas não se constituíssem enquanto partidos dentro do partido. O partido via, nesse processo de constituição do direito de tendências, a possibilidade de fortalecer a unidade partidária. Essa foi a primeira resolução aprovada sobre tendências em âmbito nacional no partido e, mais especificamente, num encontro nacional.

6 Sobre essa questão, ver: Coelho Neto (1997).

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Com a aprovação do direito de tendências, o PT estabelecia uma configuração particular de partido, a saber, o partido com tendências, como forma de garantir o pluralismo ideológico e, sobretudo, a democracia nas instâncias partidárias. O PT, em sua proposta, rejeitava, com isso, tanto a concepção de partido de tendências, que impedia a incorporação de militantes independentes, como a concepção de frente de partidos, que, segundo o PT, poderia enfraquecer a unidade de suas políticas. No entanto, o que aparecia em seus aspectos burocrático-administrativos como um incentivo à unidade partidária no plano da ação política apresentou-se como uma política que visava dirimir as oposições internas e, através disso, fortalecer o poder político da direção do partido, assegurado quase que exclusivamente pela tendência Articulação, em detrimento das bases que constituíam o próprio PT.

Se no período de formação do partido prevaleceu a política de integração das diversas correntes do campo da esquerda brasileira, num segundo momento, fica clara a política de restrição a esses grupos dentro do partido. Obtendo a maioria absoluta nas instâncias de direção do partido, a tendência Articulação teve espaço para promover mudanças no estatuto do partido as quais favorecessem a sua posição.

O conjunto desses exemplos concretos confronta-se com a tese do suposto caráter irrestrito do pluralismo ideológico petista. Como vimos, o pluralismo petista também manifesta um caráter restrito, o que nos leva a considerar o estatuto de universalidade como uma operação arbitrária correspondente à ideologia do partido.

A ideologia do “democratismo”Ao colocar-se como portador de uma concepção original de

democracia, o PT procurava desvencilhar-se da visão que a esquerda “tradicional” oferecia à democracia, concebendo-a apenas como uma etapa, um instrumento, um meio. Para esse partido, a democracia não poderia ser encarada apenas como um meio, mas também como um objetivo a ser alcançado, um fim. Essa concepção de democracia sustentou a tese do “socialismo democrático”, tal qual defendido pelo PT: o “socialismo com democracia”, para se contrapor às experiências históricas do socialismo real. Ou como aparece nas resoluções do 1o Congresso Nacional do PT,

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(...) socialismo é sinônimo de radicalização da democracia (...) Afinal, “democracia, para [o PT], é simultaneamente meio e fim”. Dizer isso implica recusar todo e qualquer tipo de ditadura, inclusive a ditadura do proletariado, que não pode ser outra coisa senão ditadura do partido único sobre a sociedade, inclusive sobre os próprios trabalhadores (Resoluções de Encontros e Congressos, 1998, p. 500).

Esse partido político buscava oferecer, dessa maneira, uma concepção original de democracia, que não estaria associada apenas a uma visão instrumental ou tática, mas deveria ser caracterizada também como um valor estratégico, ou ainda, como um valor em si: “(...) a democracia tem, para o PT, um valor estratégico. Para nós, ela é, a um só tempo, meio e fim, instrumento de transformação e meta a ser alcançada” (Resoluções de Encontros e Congressos, 1998, p. 429)7. Com essas colocações o PT procurava se diferenciar do papel conferido pela chamada “esquerda tradicional” brasileira à questão democrática, isto é, enquanto a “esquerda tradicional” dava um papel secundário à democracia, concebendo-a apenas como um instrumento, o PT supostamente teria uma concepção mais ampla, à medida que tomaria a democracia como um fim a ser alcançado.

Traçando um panorama histórico sobre o papel que a esquerda brasileira conferiu à democracia, Toledo (1994, p. 128) observa que se, por um lado, até meados dos anos de 1960, a esquerda brasileira sob a hegemonia do PCB dava uma importância secundária à questão democrática, visto que para essa esquerda “enquanto o desenvolvimento econômico e as reformas sociais estruturais não se efetivassem, a democracia política não deixaria de ser ‘formal’ ou ‘abstrata’ para o conjunto dos trabalhadores e das massas populares”; por outro lado, a esquerda do período posterior – poderíamos dizer, hegemonizada pelo PT – concebe a democracia como um valor estratégico para os trabalhadores, e, nesse sentido, “para o conjunto da ‘esquerda democrática’, não faz mais sentido utilizar a noção de ‘democracia burguesa’ para identificar os regimes políticos de natureza representativa existentes nas sociedades capitalistas contemporâneas. Significa isso que a ‘democracia moderna’ (...) não tem mais um caráter de classe” (TOLEDO, 1994, p. 130).

Diante dessas colocações, podemos tecer algumas conclusões sobre os pressupostos norteadores da concepção de democracia defendida pelo

7 Texto aprovado no 7o Encontro Nacional do PT.

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PT. Quando percebemos a ausência da tematização do caráter de classe da democracia, não operamos com um simples jogo retórico, mas sim consideramos que isso tem implicações no plano da luta de idéias. Uma das principais referências teóricas da concepção petista de democracia como um fim em si, Weffort (1984) mostra-nos que ao longo da história a democracia foi instrumento “da aristocracia contra o absolutismo monárquico”, depois da “burguesia contra a aristocracia”, e agora “do operariado e das massas populares contra a burguesia”. Nesse sentido, o autor conclui que quando as conquistas democráticas chegam aos trabalhadores, “passam a dizer respeito a todos os homens”, isto é, torna-se um “valor universal”. É esta a concepção de democracia que aparece nas resoluções petistas.

No entanto, parece ser improcedente caracterizar a democracia política como um poder exclusivo dos trabalhadores, isto é, como sendo algo que atenderia prioritariamente os trabalhadores em detrimento das frações burguesas. Como as experiências mais recentes de vários países têm nos mostrado, a democracia política não é um obstáculo à dominação de classe da burguesia. Ao conceber a democracia como valor universal, nega-se o seu caráter de classe e, portanto, os “limites intransponíveis ou obstáculos estruturais para a ação das massas trabalhadoras em suas lutas pela ampliação e expansão da ordem política democrática” (TOLEDO, 1994, p. 130).

É possível dizer que há três aspectos principais que sustentam a concepção de democracia do PT e, pelo fato de essa ser um valor estratégico, dão base também à concepção de socialismo desse partido, entre os quais destacamos: a concepção de democracia como valor universal – expressa nos termos “democracia como meio e fim” –, a negação de seu caráter de classe – através da idéia de universalidade – e a idéia de que os trabalhadores podem obter hegemonia nas instituições políticas do capitalismo.

Se esses são os aspectos teóricos gerais da idéia de democracia do PT, podemos ainda indicar algumas das conseqüências práticas que essa concepção pode gerar, citando as experiências dos núcleos de base e as reformulações que vieram a ter a proposta de conselhos populares.

O “democratismo prático”Os núcleos de base foram importantes instâncias políticas criadas

no interior do PT, visando não só romper com a separação hierárquica entre

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direção partidária e base, mas também fomentar a formação política dos militantes petistas. No entanto, a despeito de os núcleos de base terem a função de criar mecanismos de democracia direta e terem sido motivo de preocupação do PT durante os anos 80 e idos de 90 – como demonstra as resoluções dos encontros nacionais realizados –, os avanços feitos para sua consolidação e ampliação foram bastante reduzidos. Na verdade, como apresenta Brandão (2003), o PT não logrou superar o progressivo processo de esvaziamento dos núcleos de base, que mesmo quando existiam, por vezes, eram inoperantes. O fracasso das tentativas de implantação de mecanismos de democracia direta no PT resultou no alinhamento às formas de representação políticas típicas da democracia liberal que estabelece apenas uma igualdade formal entre os indivíduos, não superando, ao contrário do que pretendia, a divisão direção/bases8.

As reformulações que sofreu a proposta dos conselhos populares, defendida pelo PT, parecem ser outra prova do progressivo alinhamento à democracia representativa liberal em detrimento dos mecanismos de representação direta. De acordo com Costa (1998), até 1987, o PT manteve a proposta de “governar com os conselhos populares” em suas resoluções políticas, mesmo que tal política tivesse rara incisão nas administrações municipais desse período. Além disso, o autor observa que a proposta dos conselhos populares sempre assumiu uma posição ambígua dentro do partido, ora sendo entendida como elemento de democratização do estado e ampliação da esfera pública, ora sendo compreendida como estratégia de duplo poder e, portanto, como elemento de questionamento do sistema representativo, reafirmando, portanto, a lógica de mobilização popular em detrimento da lógica institucional.

Ocorre que, a partir de 1988, o PT se insere num outro contexto político, elegendo-se em 36 prefeituras, dentre elas, três capitais brasileiras – São Paulo (SP), Porto Alegre (RS) e Vitória (ES) –, além de obter expressivo crescimento nos legislativos municipais, passando a ocupar 900 cadeiras. O partido, então, reatualiza a temática dos conselhos populares sob a égide do Orçamento Participativo (OP), através do qual se dirime o questionamento do sistema representativo e ganha mais espaço a proposta de construção e ampliação da esfera pública em detrimento da visão classista que era incorporada pelo partido com certo grau de ambigüidade.

8 Em texto escrito recentemente, Meneguello (2003, pp. 49-50) omite o fato de os núcleos de base terem sido uma experiência fracassada no interior do PT.

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Segundo Costa (1998), após 1992, o PT teria inaugurado um terceiro ciclo de gestões, cujas principais características seriam: a substituição completa da visão conselhista pela discussão do orçamento participativo, visto como substrato para a ampliação da democracia representativa; a valorização do poder local que levou o partido a detalhar mais as políticas públicas – saúde, educação, transportes etc - e a descartar a idéia de estatização; a incorporação sistemática das noções de indivíduo/cidadão que passava alimentar os projetos políticos do partido acerca da participação popular; a assunção do mote “O PT é bom de governo”, para se distinguir do seu passado, que seria supostamente marcado por uma visão pouco pragmática.

Considerações finais Ao fazer os apontamentos acima sobre os elementos constitutivos da auto-imagem do PT no início dos anos 90, “ruptura sem precedentes”, “pluralismo ideológico” e “democratismo”, não os fizemos sem razão. Diversos estudos sobre o PT, realizados entre o final dos anos de 1980 e ao longo dos anos de 1990, embora tenham constituído uma fonte rica de pesquisas exploratórias sobre esse partido político, não lograram superar a ideologia da corrente hegemônica do próprio partido, o que os conduziram a análises bastante descritivas e formalistas sobre o tema. Tais análises contribuíram, em grande medida, para ocultar as ambigüidades e a integração passiva do PT à ordem burguesa, dificultando em demasia o entendimento da prática política desse partido.

Entre os intelectuais progressistas não faltaram aqueles que se surpreenderam com a guinada à direita, quando Lula venceu as eleições de 2002. No entanto, tal tipo de posição e reflexão teórico-política descura do fato de que os elementos que informam essa guinada estão, em alguma medida, presentes no próprio programa político e na prática efetiva desse partido desde o seu nascimento. Enfim, a integração do PT à ordem burguesa não foi mero acaso, mas sim é fruto da ausência de um programa e uma prática política que estivessem à altura da luta dos trabalhadores ao longo dos últimos dezessete anos, quando o bloco no poder neoliberal emplacou importantes vitórias contra os trabalhadores no país9.

9 Em artigo escrito a seis mãos, descrevemos as progressivas mudanças que o programa político do PT sofreu ao longo dos anos 90. Ver: Gutierrez; Martuscelli e Corrêa (2002). Em outro trabalho, procuramos demonstrar a dúbia a luta contra o neoliberalismo que o PT forjou na conjuntura do impeachment de Collor. Ver, Martuscelli (2005).

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A retórica do “não há alternativas” como face da luta de classes: a revista Veja dos anos 1990∗

Carla�Luciana�Silva∗∗

Resumo: O objetivo deste texto é discutir as formas pelas quais a revista Veja disseminou a ideologia neoliberal de que “não há alternativas” em oposição às alternativas concretas: as esquerdas, os movimentos sociais e de contestação na América Latina. Ao contrário do que diz o discurso sobre o qual está tentando criar senso comum, em momento algum os movimentos de contestação deixaram de estar presentes na história recente. A batalha neoliberal se deu também no campo dos sentidos, buscando com isso produzir discursos ideológicos não apenas sobre si, mas sobre os movimentos que combate.

Palavras-chave: Revista Veja. Neoliberalismo. Imprensa. Poder.

A revista Veja tem sido porta-voz da ordem internacional neoliberal e de construção de uma nova visão de mundo, querendo convencer que a única liberdade possível é a oferecida pelas mercadorias. A forma mais rasteira de destruir seus adversários foi dizer que não há alternativas, que o comunismo morreu, etc. Se ao longo do século XX o comunismo era apresentado como um erro grave ou uma ilusão, agora nem mais isso aparecia, embora seu espectro persista. Incontáveis vezes Veja�decretou sua morte. Não é apenas no campo das idéias que esse discurso quer mostrar que não existem alternativas, mas também no mundo concreto, buscando desconstruir discursivamente – ideologicamente – as esquerdas brasileiras e latino-americanas. Todo e qualquer movimento social contestador foi raivosamente atacado: a ação de religiosos militantes, do MST, as lutas sociais latino-americanas, o mundo da militância social.

Nos anos 90 ocorreram inúmeras atividades de contestação ao capitalismo em todo o planeta, e sobre elas o capital e a mídia se abateram: desqualificando, cooptando, reprimindo. O central para Veja�foi manter a idéia de que “não há alternativas”, especialmente com relação ao espírito de

∗ Este texto é parte do capítulo 9 da tese de doutorado. Veja:�o�indispensável�partido�neoliberal.��989�a��00�. Niterói: UFF, 2005.∗∗ Professora-adjunta do curso e do mestrado em História da UNIOESTE.

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contestação. Trata-se da negação da luta de classes, cada vez mais explícita na realidade. Veja assumiu o papel de porta-voz da ordem neoliberal. Por isso os apologistas do capital travam uma batalha para se colocarem como portadores da verdade, não apenas do projeto que defendem, mas também dos seus adversários, como cabe a uma construção hegemônica.

Veja quer convencer de que a única liberdade possível é a oferecida pelas mercadorias, portanto, a liberdade de comprar, de escolher os produtos e serviços. Dizer que não há alternativas é dizer que não se tem liberdade, portanto, trata-se de uma prática totalitária da revista, que se completa com a repetição infinita dos mesmos bordões, das mesmas expressões e idéias, que sempre aparecem como únicas e corretas.

Os movimentos antiglobalizaçãoA revista Veja mostra o mundo capitalista de forma naturalizada,

descaracterizando as lutas sociais e apresentando um mundo fictício onde apenas o esforço individual (ou a sorte) apareça como alternativa às dificuldades do mundo “globalizado”. A opção preferencial com relação a tudo o que fuja dessa lógica é o simples ocultamento, ou seja, o silêncio sobre os movimentos contestatórios. Há momentos, porém, em que eles não podem ser silenciados dada a sua ressonância social e o impacto de suas ações.

Veja mantém, em consonância com uma linha da imprensa internacional, um misto de alerta e de descaracterização dos movimentos sociais, o que tem sido historicamente a tônica dessas coberturas. Quando não tem como ignorá-los, a revista produz versões simplistas segundo uma lógica que reproduz o “modelo de propaganda” (HERMAN; CHOMSKY, 2003). Procura implantar mais um espaço de controle, impondo uma visão unilateral sobre os supostos desacertos dos movimentos sociais, sugerindo sua criminalização.

Veja teve um papel fundamental na tentativa de reforçar a fragmentação dos movimentos surgidos nos anos 90. Ocultava e buscava atribuir-lhes a negação da realidade mais ampla (anticapitalista) na qual se inserem como campo de luta conjunta, semeando a confusão e a desinformação. Analisaremos a cobertura da Veja de alguns fatos marcantes no campo das lutas sociais da década de 90.

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Seattle e outras manifestaçõesA cobertura dos protestos ocorridos em Seattle contra a reunião da

Organização Mundial do Comércio em novembro de 1999 se assemelha à dos principais jornais estadunidenses. As quatro páginas da matéria, na seção E&N, na semana seguinte da reunião, enfatizaram a conferência da OMC e quase desconsideram as manifestações, voltando ao assunto na semana seguinte. A idéia força veiculada pela mídia internacional de que “somente uns fanáticos defendem uma crítica radical contra a OMC, que em realidade representa a maior esperança de futuro para o mundo” (SOLOMON, 2001, p. 42) era reproduzida em Veja.

Os protestos são minimizados, descontextualizados e simplificados. Veja reduz os manifestantes e suas reivindicações ao rótulo de “neoprotecionistas”: “o mais novo filhote econômico a pular na praça se chama neoprotecionismo e suas fantasias variadas, de sindicalista a ecologista. Foi essa gente que armou barraca e fez baderna na cidade americana de Seattle” (Veja, 08/12/1999, p. 184). Ou seja, Veja elege um ponto que para ela é essencial, da liberação de mercado e busca legitimar-se a partir do movimento, distorcendo suas reivindicações. O sentido é semelhante à cobertura do New�York�Times, que buscou descaracterizar as manifestações, atribuindo-lhes, em editorial, a defesa da “necessidade de reformar os procedimentos e os valores da OMC” (apud SOLOMON, 2001, p. 45). Na revista brasileira os manifestantes foram reduzidos a “sindicalistas e ecologistas”, sem dar a mínima informação sobre a quantidade de pessoas e a força das manifestações. Preferiu-se reduzir a questão ao protecionismo simplesmente, o que justificaria inclusive o tratamento no tópico E&N. A matéria diz que “infelizmente”, as mudanças no campo do comércio internacional são muito lentas, e a OMC não estaria conseguindo dar conta, ainda, das disputas entre os países. E conclui que “outra prova de que o protecionismo não acaba da noite para o dia é o cerco físico que os manifestantes armaram em Seattle na semana passada. É ignorância bastante para ocupar os diplomatas por décadas” (Veja, 08/12/1999, p. 187).

Veja aplastra a questão, sugerindo que todos os manifestantes compartilhavam uma única opinião, semelhante à definição de que eles eram “ocupantes de uma arca de Noé que argumentam que a Terra é plana” (New York Times apud SOLOMON, 2001, p. 44). O editorial do Los�Angeles�Times foi também explícito na defesa do interesses do capital, dizendo que

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a suposta virulência dos movimentos “sem dúvida, cai bem a certo público (...) mas muitos membros do público americano médio provavelmente se darão conta muito rápido (...) de que o propósito de incrementar os benefícios empresariais é uma meta que a gente compartilha com a direção empresarial” (Los Angeles Times apud SOLOMON, 2001, p. 44). A lógica é que todos devem se convencer disso, cedo ou tarde o pensamento único deveria se impor e, logo, pelo menos por enquanto, o resguardo da força policial era desejável.

Nesse sentido, as falas dos delegados da OMC foram destacadas nos jornais norte-americanos, alegando que os manifestantes “não entenderam bem do que se trata”: “se os manifestantes chegassem a entender corretamente o conceito de ‘livre comércio’, então apoiariam a OMC. (...) Esta gente não entende as vantagens do livre comércio para os países em via de desenvolvimento, disse um delegado alemão” (New York Times apud SOLOMON, 2001, p. 45). Argumento semelhante foi desenvolvido pela revista brasileira.

Veja, na edição seguinte, publicou cinco páginas, tendo como ênfase os movimentos de protesto, assim resumidos: “Um novo tipo de rebeldia, capaz de reunir no mesmo barco ambientalistas, operários e produtores de queijo roquefort, desafia um inimigo comum, a globalização” (Veja, 15/12/99). A revista ao mesmo tempo em que promove a estigmatização, reduz o movimento a um “saco de gatos”, pois “todo mundo tinha algo para dizer nas ruas de Seattle” (Veja, 15/12/99, p. 64).

As fotografias da polícia com metralhadoras, como de resto a repressão contra a população, ganham destaque e são totalmente naturalizadas. O único comentário é que elas servem “para proteger a OMC” (SOLOMON, 2001, p. 66). A polícia usou armas como gases pimenta e lacrimogêneo, além de balas de borracha, que ferem, cegam e podem levar à morte.

A lógica da “baderna” é retomada acusando os manifestantes: “Quando alguns mais afoitos começam a depredar lojas e foram contidos pela polícia, podia-se pensar no renascimento de uma militância ao estilo anos 60. Não� é�bem�assim”. Didaticamente, Veja�desenrola seu argumento. Segundo ela, esses militantes “têm dinheiro e tempo suficiente para se dedicar a uma semana de festival contestatório”, onde são submetidos a “pouquíssimo risco”. Assim, esses militantes seriam provenientes de “classes abastadas”, não seriam revolucionários e sim “rebeldes sem causa”.

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Igualmente, reitera a visão de um movimento desarticulado, sem qualquer unidade, que acaba sendo reduzido a uma lógica retrógrada:

Não é difícil entender o sentimento de perda de controle num mundo em rápida transformação, turbinado pelo capitalismo global. Não é a primeira vez que uma parcela grande da população treme diante de uma novidade com poder de revolucionar seu modo de vida. Dois séculos atrás muita gente temeu que a Revolução Industrial fosse por fim ao trabalho manual, aos valores e a culturas tradicionais. Nada disso ocorreu (Veja, 15/12/1999, p. 66).

A imprensa procurou naturalizar, além da repressão, a própria lógica da OMC e de seus membros. Com essa finalidade desenvolve uma linguagem específica. O Los�Angeles�Times�perguntava: “quem diabos eram?” e apontava para “uma série de grupos com interesses específicos, diferentemente dos delegados da OMC, que se supõe representem a praticamente todos os povos do mundo” (Los Angeles Times apud SOLOMON, 2001, p. 43). Ao mesmo tempo em que qualifica a ordem do capital, “representantes” da oposição são tratados de anarquistas (SOLOMON, 2001, p. 44). Não se interessa em compreender e apontar para as especificidades dos manifestantes, caracterizando-os de forma preconceituosa. Para isso o epíteto de “anarquista” serve:

Há certa ironia numa rebelião que junta gente preocupada com o bem-estar das tartarugas e sindicalistas dispostos a erguer barricadas para defender seu ganha-pão. Sem falar que entrou no mesmo barco uma versão mais radical e desesperada do anarquismo (Los Angeles Times apud SOLOMON, 2001, p. 44).

Ao mesmo tempo em que cria uma interpretação para o movimento sindical, trata o movimento ecologista de forma pejorativa, naturalizando a própria degradação da natureza. Veja usou a mesma lógica ao dizer que o movimento “não estava entendendo bem as coisas”, aliás, já expressa pelo “não é bem assim”. A massa, repetidas vezes, é tratada de forma distante por Veja, que presume sua ignorância para facilitar o combate, tanto ideológico como fisicamente repressivo, que a revista endossa. Apresenta, pedagogicamente, os benefícios que a massa deveria louvar para, ato contínuo, desqualificá-la:

Quando se priva uma nação dos benefícios do comércio internacional ou se impede que nela se instale uma nova indústria, o que se está fazendo é condená-la a continuar pobre. Por ser pobre, ela continuará dilapidando seu patrimônio humano e

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ambiental. É um círculo vicioso, que escapa à massa�ululante�nas�ruas, mas é perfeitamente entendido pelos engravatados (Veja, 15/12/99).

Veja não pode se furtar, entretanto, ao registro de que há algo no ar, e por isso se esforça para atribuir a violência ao movimento:

Em junho, uma multidão saiu às ruas de Londres para defender o perdão da dívida externa dos países mais pobres, uma das bandeiras mais populares da atualidade, com o apoio desde o papa João Paulo II até Bono, o líder da banda de rock U2. O protesto, batizado de ‘Carnaval contra o capitalismo’, descambou em violência, com 46 feridos e seis indiciados (Veja, 15/12/99).

Essa forma de cobertura também segue a lógica mais ampla da grande imprensa mundial. Os movimentos sociais são noticiados sempre de forma desfavorável ou de forma anedótica, e nesse campo entram as várias formas de preconceito “comportamental”; ou a partir de elementos que os mostrem como violentos buscando a sua criminalização, para, em contraposição, legitimar a ação repressiva policial.

Há em Seattle uma carga simbólica no fato de que foi uma reunião de movimentos, pois os manifestantes se organizaram previamente não apenas no sentido da preparação política, da compreensão dos debates, mas da articulação alternativa, e tudo isso “no coração do capitalismo”, expressando “a convergência do movimento sindical dos Estados Unidos com sindicatos estrangeiros e com diversos movimentos sociais materializados nas ruas” (SEOANE; TADDEI, 2001, p. 163). Os autores dizem inclusive que Seattle fundou um novo movimento social, e até uma nova Internacional, o que é um evidente exagero. É inegável, no entanto, que a partir daí, Seattle passou a ser um referencial importante, e por ter destaque midiático.

Em 2000, na reunião do FMI em Bangcoc, a cobertura de Veja�se dividiu em dois pontos: o primeiro, do poderio econômico mundial; o segundo dava conta da existência de manifestos contra a globalização. A fotografia em destaque é de Michel Camdessus, presidente do FMI, limpando seu rosto após ter recebido uma torta de morango na face. Comenta Veja de forma irônica que,

O agressor, um americano militante de uma organização especializada em lambuzar de glacê o rosto dos próceres da globalização, esqueceu� que nos últimos tempos o FMI tem defendido a idéia de que os governos não podem desprezar o combate à pobreza (Veja, 23/02/2000, p. 122). (Grifo nosso)

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O sarcasmo é uma forma de passar despercebido o fato de que Veja está falando em nome do personagem da notícia. Ao invés de entrevistar e ouvir o ponto de vista do militante em questão, ela avalia e conclui que ele “esqueceu” que o FMI se preocupava com os “pobres do mundo”. A cobertura é sempre taxativa em desqualificar a posição dos manifestantes: “sindicalistas protestavam nas ruas contra a transferência de fábricas e empregos para os países pobres, e integrantes das ONGs pediam mais ajuda às nações miseráveis do planeta. A primeira alegação é uma� tolice” (Veja, 26/04/2000, p. 46). Compreende-se a caracterização de “tolice” ao recolocar cinicamente o caráter da “inescapável” globalização que “tem muitas vantagens e produz alguns cadáveres por onde passa”. Esse seria um desses “fatos da vida” com os quais os seres humanos deveriam se acostumar.

Alguns mecanismos de desmoralização dos manifestantes e de reducionismos da causa “antiglobalização” podem ser encontrados na cobertura que Veja�produziu sobre o julgamento de José Bové. Antes de mais nada, a cobertura divide o tema com o da liberação do consumo de drogas em Portugal, o que constitui uma forma de associação com o uso de drogas. A fotografia que predomina na página mostra o terreno em volta da torre Eiffel invadido por muitas vacas, símbolo do atraso. O julgamento em si é reduzido a uma única questão: o antiamericanismo específico dos franceses. Veja (12/07/200, p. 52) anuncia Bové como o “queridinho da França por defender duas causas populares no país – ele se opõe à globalização e à influência americana”. Assim, o seu julgamento teria sido “de mentirinha”, porque “45% dos franceses apoiavam o depredador”. Para explicar o ocorrido, a revista diz que Bové “é mesmo um herói nacional”, porque “mais de 30.000 fãs reuniram-se em torno do tribunal para aplaudi-lo. As razões que o levaram a atacar o�McDonalds são o que menos importa. A lanchonete emprega 30.000 franceses e compra todos os ingredientes de produtores locais”. Assim, ficariam elas por elas, o número de manifestantes se iguala ao número de pessoas diretamente “beneficiadas”, segundo a revista, pela presença da lanchonete. Tudo isso é atribuído ao “sentimento antiamericano arraigado que tem tudo a ver com a xenofobia e o sentimento de decadência dominantes na França. Os franceses têm dificuldade de engolir a influência da língua inglesa e da cultura americana no mundo”. Ou seja, Veja apresenta o problema como uma inveja francesa pelo avanço da “cultura americana”, descaracterizando completamente a luta.

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Com a clássica tática da repetição, Veja� repisa essa imagem dos franceses, na edição seguinte, quando dedicou uma página para explicar a sua “mania de protestos”. Paris, segundo Veja, além das atrações turísticas como a culinária, agora de destaca pela quantidade de manifestações: “qualquer coisa é motivo para botar o bloco de descontentes na rua. Protesta-se contra o preço (baixo) do tomate, a favor dos argelinos que migraram, contra os argelinos que imigraram, e todo dia há alguém reivindicando aumento de salário” (Veja, 19/07/2000, p. 53). A revista publica um box com um “manual da manifestação”, onde se resume que,

Há quatro passeatas por dia, em média, em Paris. Os protestos têm local e hora marcados. Confrontos com a polícia são raros. Apenas um manifestante foi morto em quarenta anos. Quando precisam intervir, os guardas agem com rigor, mas não usam armas de fogo. Para inibir os mais exaltados, a polícia costuma filmar os manifestantes (Veja, 19/07/2000, p. 53).

Apesar de mostrar a organização e o “pacifismo” dos parisienses, a revista reduz suas práticas a atração turística, sem fundamentação histórica e, sobretudo, sem qualquer vínculo com os movimentos anticapitalistas em curso.

Gênova e a “radicalização” da repressãoEm agosto de 2001 se reuniram em Gênova cerca de 150.000

manifestantes para protestar contra a reunião do G-7. O impacto da repressão foi tamanho que circularam no mundo todo imagens da violência bárbara, resultando inclusive no assassinato de um jovem manifestante.

A cobertura seguiu seu padrão habitual: “tudo que é sólido se desmancha no ar. Karl Marx via a globalização com otimismo. Os rebeldes atuais querem dissolvê-la na base do grito” (Veja, 25/07/2001, p. 47). Primeiro passo, Veja se coloca como intérprete do pensamento de Marx, “ensinando” aos manifestantes qual seria seu real sentido, a exemplo do embaixador da Estônia em Seattle: “Eu sou socialista. Vocês estão equivocados” (Los Angeles Times apud SOLOMON, 2001, p. 45). Ao mesmo tempo, os “rebeldes” não teriam organização, a sua única arma seria o “grito”.

Há algumas informações importantes. Segundo a repórter, “o governo italiano pôs 15.000 policiais nas ruas. Murou o centro com placas de metal. Hospedou os líderes dos oito países industrializados (o G8) num

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navio blindado e munido de equipamentos antimísseis”. No caminho do porto até o local das reuniões “postaram-se atiradores de elite” (Veja, 25/07/2001, p. 47) O relato da violência é seco, sem maiores explicações: “ocorreram os primeiros confrontos entre rebeldes e policiais. Um rapaz morreu com um tiro na cabeça”. Nenhuma informação adicional, nenhum comentário. A não ser a seqüência didatizante que novamente repete aos manifestantes a natureza do seu erro:

Na agenda do encontro do G-8 estavam propostas para melhorar as condições de vida dos países mais pobres do mundo: a eliminação de barreiras às importações, o perdão da dívida externa, a criação de um fundo internacional de combate à Aids (...) Além da elevação do nível educacional dos povos (Veja, 25/07/2001, p. 48).

O raciocínio subjacente é que se os manifestantes não tivessem aparecido, todos os problemas do mundo teriam sido resolvidos. Mais uma vez não há a exposição das plataformas dos manifestantes. Lastima, pois, que o movimento é que não queria discutir os problemas reais. Assim sintetiza: “as preocupações da turma dos oito ricos diferiam�pouco�das�reivindicações�dos�revoltosos, mas não houve conversa entre os dois grupos”. (Veja, 25/07/2001, p. 48). Veja dá voz ainda ao ministro das Relações Exteriores da Itália: “estou consternado porque as demandas feitas pelo povo são na maioria válidas e porque estamos trabalhando nelas”. Após essa confusão ideológica, o aprofundamento da lógica repressiva vem da própria revista:

A questão está ficando séria. Líderes eleitos pela população de seu país e comandantes de organizações� internacionais� de� ajuda�aos� necessitados (como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) estão sendo intimidados� pela� turba� que� transita� pelo�planeta para marcar presença em cada reunião destinada a discutir os rumos da globalização (Veja, 25/7/2001, p. 48).

A justificativa contra as manifestações é global: a eleição justificaria qualquer ação governamental, mesmo contra a oposição massiva. Ressalte-se a definição do FMI e Banco Mundial: órgãos de ajuda aos necessitados, jamais um instrumento nas mãos das potências mundiais. E, por fim, a inconformidade com a mobilização, caracterizada como uma “turba” errante, que nada faz na vida além de incomodar aos que realmente trabalham pelo bem da humanidade. Há aqui uma falácia, como aponta Wood, por desconhecerem na integridade os mecanismos de reprodução e ampliação do capital:

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os integrantes dos movimentos anticapitalistas são freqüentemente criticados por saberem apenas contra o que lutam e não a favor do que lutam. Acredito que o contrário seja a verdade: a maioria sabe perfeitamente a favor do que luta – por exemplo, por justiça social, paz, democracia e um meio ambiente sustentável – mas tem menos claro contra o que, especificamente, precisa lutar para alcançar esses objetivos (WOOD, 2003, p. 37).

Um detalhe significativo, na versão da revista, os “poderosos” é que são intimidados, ainda que sejam eles os portadores dos navios antimísseis, muros de metal e baterias de atiradores de elite, a tal ponto de não haver uma palavra de lástima contra a morte de um manifestante. Aos manifestantes é imputada a anti-democracia, o fato de “se oporem ao livre debate”, nas palavras de um consultor do BIRD, melhor explicado pela revista: “estão tentando impedir o debate democrático à base de pancada”. Tenta inverter assim o sentido da ação assassina concreta. Em nome dessa tese, completa a explicação de forma autoritária:

Desde o Muro de Berlim, quando se tornaram indesmentíveis o atraso, a poluição e a ignorância produzidos por regimes fechados, há� consenso em torno da idéia de que democracia, a abertura� dos�mercados e a liberdade de expressão produzem riqueza e promovem a evolução�dos�povos em todos os campos (Veja, 25/07/2001).

O que esse discurso busca esconder é justamente a inexistência do consenso em torno dessas questões, mostrada pelas manifestações. Novamente, a revista utiliza um discurso adversário, deturpando-o: “em seu Manifesto Comunista, escrito em 1848, Karl Marx considerava a globalização um movimento revolucionário altamente positivo e libertário”. Segue-se uma avaliação das possibilidades da globalização, listando países mais ou menos beneficiados, com exemplificações sem fundamentação, como: “alguns simplesmente decretaram que ficarão fechadas por opção ideológica, como a Coréia do Norte, uma ostra devastada pelo atraso, pela fome e pelo fetiche comunista” (Veja, 25/07/2001, p. 49). Como contraponto, Veja apresenta as idéias de Antonio Negri, autor do “manifesto�comunista�dos�tempos�modernos”. Para a revista, “a globalização é a chance que a humanidade tem de assumir a cidadania global, livre das amarras dos Estados nacionais. Lamentavelmente, os que pensam como Negri são minoria”. Isso porque, segundo a revist, “a�grande�massa�é�radical�e�tem�idéias�anacrônicas”.

A “massa” ora é apresentada como ignorante, ora como radical, mas também como “uma multidão de jovens manipulados” (Veja, 25/07/2001,

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p. 50). Ao mesmo tempo, os redatores repetem que é “indiscutível” o “fato” que a globalização é o único caminho, atacando os que pensam diferentemente, desqualificando suas lutas, colocando-os no nível da manipulação, fora do tempo, e distorcendo para isso o próprio referencial de análise dos manifestantes. A conclusão é expressão da contradição central que não se resolve no âmbito do sistema do capital. Diz que,

A globalização não�é�o�paraíso. É, por assim dizer, um mal menor. Tem de ser aperfeiçoada. Intelectuais e ativistas que demonstram ter tanta�disposição�para�marchas�e�quebra-quebras poderiam aproveitar essa energia para reformas mais� úteis. Poderiam buscar, com outros grupos preocupados com o destino do planeta, formas de melhorar o mundo. E�pôr�mãos�à�obra (Veja, 25/07/2001, p. 50).

Sempre que se refere aos protestos em Gênova a marca maior é essa: a organização e persistência dos grupos manifestantes (intelectuais que “não trabalham”), colocados em oposição àqueles que “realmente lutam” e “põem mãos à obra” por um “mundo melhor” e em nome disso justifica a repressão ao mesmo tempo que chama os manifestantes de violentos.

Na edição seguinte, conclui com uma “lição aos europeus”, sarcasticamente: “é natural que eles estejam em estado de choque: acabaram de descobrir que seus filhos também podem ser torturados” (Veja, 01/08/2001, p. 53). E a posição continua a mesma: “a polícia tem a obrigação de garantir a ordem pública durante manifestações. É igualmente legítimo que reaja com�violência proporcional à usada pelos manifestantes” (Veja, 01/08/2001, p. 52). Em nenhum momento argumenta porque eles foram presos, nem apresenta nada que indique violência da parte deles. A prisão é naturalizada: estavam protestando. Só somos informados de que “uma minoria seria constituída de arruaceiros�assumidos,�anarquistas�e�pós-punks, que estavam lá para provocar�a�polícia” (Veja, 01/08/2001, p. 53). Embora haja o uso do verbo no condicional, não são apresentados indícios da origem dessa suspeita.

Mais uma vez Veja incorre na caracterização dos manifestantes, coerente com a as anteriores: “o Fórum Social reuniu esquerdistas que pediam o perdão da dívida externa de países pobres (reivindicação atendida em parte pelo G-7), hippies temporões, católicos de esquerda e grupos pacifistas. Com�suas�críticas�genéricas�ao�capitalismo�e�às�grandes�corporações”. Teriam ido “a Gênova em busca de uma causa nobre para defender – direitos humanos, fim do trabalho infantil, combate à pobreza e melhor distribuição

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de renda no planeta”. Em nenhum momento se explicita o funcionamento do G-7. O objetivo é retirar dos protestos qualquer sentido. Diz que esses movimentos são coisas de “ex-hippies”, que não têm muito o que fazer. Seriam pessoas que não tinham objetivos, na medida em que “foram a Gênova em busca de uma causa” (Veja, 01/08/2001). Para quem não sabe nada sobre o movimento, dá-se a impressão de que se trata de um circo ou um espetáculo qualquer do qual participaram jovens de classe média que não tinham nada melhor pra fazer. Assim, Veja�oculta a organização, os sindicatos, ONGs, grupos diversos e, em última análise, se esconde a organização e consciência anticapitalistas dessas pessoas.

Na Veja� há uma efetiva manipulação da informação, da mesma forma que grandes jornais estadunidenses. A revista arroga o direito de falar em nome de movimentos adversários, usando inclusive parte de seu próprio discurso para deslegitimá-lo. Diz querer a mesma coisa e lastima que o movimento “radical” não estaria “aberto para discutir”. Obscurece o crescente fechamento de formas de debate e discussão, abertos apenas aos que dele se beneficiam.

A finalidade dessas matérias é desconstruir qualquer possibilidade de alternativa no campo das idéias ou da ação ao longo dos anos 90. Trata-se da voracidade do capital, que faz com que a dura realidade insista em ser dura, e que coloque a urgência da contestação social, pois ascende a luta de classes. Mas o tempo todo se busca amainar, controlar, minimizar, tirando a complexidade, perdendo a noção de processo, personificando.

A repressão cada vez mais acirrada que tem se visto desde os anos 90 é uma reação à cada vez mais desesperada necessidade e concretude da mobilização social, consciente e anticapitalista. Ela vem somada à tentativa de formulação de hegemonia sobre a “inevitabilidade” da “globalização”.

Para�Veja�não�pode�haver�alternativa. Não há alternativa para a revista do ponto de vista do seu projeto político. Mas a realidade é diversa, e as alternativas se criam pelos diversos movimentos, organizações, partidos, que se colocam contra a ordem vigente, a revista rebate no seu discurso monocórdio, chamando atenção de seus aliados de classe. Ao mesmo tempo, defende e exige a repressão e usa todas as táticas que estão ao seu alcance para deslegitimar os movimentos.

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Referências GRAMSCI, A. Cadernos� do� Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

2000, v. 2.HERMAN, E. S.; CHOMSKY, N. A�Manipulação�do�Público:�política� e�poder�

econômico�no�uso�da�mídia. São Paulo: Futura, 2003.SEOANE, J.; TADDEI, E. De Seattle a Porto Alegre – passado, presente e

futuro do movimento antimundialização neoliberal. In: ______ (orgs). Resistências�Mundiais. De Seattle a Porto Alegre. Petrópolis: Vozes, 2001.

SILVA, C. Veja: o� indispensável� partido� neoliberal� –� �989� a� �00�. 2005. Tese (Doutorado) – UFF, Niterói.

SOLOMON, W. El tratamiento periodístico de las protestas contra la OMC em Seattle. Voces�y�culturas. Revista de Comunicación, Barcelona, n. 17, pp. 41-50, 2001.

WOOD, E. M. O que é (anti)capitalismo? Crítica Marxista. São Paulo, n. 17, pp. 37-50, 2003.

ZELLER, C. La consulta sobre la deuda externa em la prensa de referencia. In: Voces�y�culturas. Voces�y�culturas. Revista de Comunicación, Barcelona, n. 17, pp. 51-65, 2001.

Artigos da Revista Veja

Cai�a�máscara�dos�ricos. São Paulo, 08 de dez. 1999.Europa�em�choque:�seus�jovens�foram�torturados. São Paulo, 01 de ago. 2001. Mania�de�protesto. São Paulo, 19 de jul. 2000.O�herói�foie�gras. São Paulo, 12 de jul. 2000.Revolução�versão�99. São Paulo, 15 de dez. 1999.Susto�no�Império�Americano. São Paulo, 26 de abr. 2000.Tudo�que�é�sólido�se�desmancha�no�ar. São Paulo, 25 de jul. 2001.Uma�fatia�do�bolo. São Paulo, 23 de fev. 2000.

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DOSSIÊ:

Reflexões sobre a Revolução Russa: 90 anos depois...

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Lênin ou Kornilov, ou porque a democracia liberal não foi uma alternativa histórica na Revolução Russa de 1917∗

Valério�Arcary∗∗

Resumo: O autor examina tanto o período imediatamente anterior à Outubro de 1917, quando a burguesia rompe com a democracia e o proletariado tem a oportunidade histórica de impulsionar a Revolução como seus desdobramentos pelo mundo afora. O regime da ditadura revolucionária internacionalista da URSS, mesmo com as crises internas, manteve o compromisso de incentivar a revolução mundial e passou a ser uma ameaça à preservação do capitalismo.

Palavras-chave: Revolução. Bolchevismo. Nazi-fascismo.

O século do encontro da revolução com a históriaA revolução política e social foi o fenômeno decisivo da história

contemporânea, deslocando o lugar que, no passado, era ocupado pela guerra. A desigualdade social foi e continua sendo o maior problema da civilização. Revoluções aconteceram e continuarão acontecendo porque há injustiça e tirania no mundo. A disparidade das condições materiais e culturais de existência humana precipitou, recorrentemente, crises sociais que transbordaram em crises políticas. Quando as crises políticas não encontram uma solução no limite das relações sociais dominantes, abre-se uma situação revolucionária. A Revolução Russa de Outubro não foi uma exceção. Pelo contrário, a revolução bolchevique estabeleceu um dos paradigmas mais longevos do século XX e inspirou várias das gerações de socialistas que vieram depois.

Mudanças eram – e continuam – necessárias. Nenhuma sociedade permanece imune à pressão por mudanças. Mas, as forças da inércia histórica são proporcionais à força social reacionária de cada época. Revoluções não acontecem quando são necessárias, mas quando a pressão

∗ Este artigo serviu como base de apoio à exposição feita pelo autor no debate Reflexões sobre a Revolução�Russa:�90�anos�depois..., organizado pelo Grupo de Estudos de Política da América Latina (GEPAL), na Universidade Estadual de Londrina, em 16 de outubro de 2007.∗∗ Professor do CEFET/SP, autor de O�encontro�da� revolução� com�a�História. São Paulo: Xamã e Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2007.

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pela transformação se demonstrou inadiável. A história confirmou que as transformações podem ocorrer por via de reformas, ou seja, por lutas que resultam em negociações e acordos transitórios que mantém, na essência, a ordem econômica, social e política, ou por via de revoluções.

Derrotas históricas, conseqüências trágicas A velha máxima que assegura que as revoluções tardias são as mais

radicais não deixou de se confirmar. No final da Primeira Guerra Mundial ruíram na Europa Central e Oriental três Impérios – o russo, o austro-húngaro e o prussiano – que tinham atravessado, incólumes, o século XIX, desde a Santa Aliança anti-republicana e o Tratado de Viena de 1815. As formas monárquicas mais ou menos arcaicas de cada um deles – expressão de uma transição burguesa negociada sob as cinzas da derrota das revoluções democráticas de 1848 – foram destruídas pelo desenlace da guerra, mas, também, pela maior vaga revolucionária que a história tinha até então conhecido: de Petrogrado a Budapeste, de Viena a Berlim, milhões de homens e mulheres, trabalhadores e soldados, atraíram para o seu lado setores das camadas médias, artistas, intelectuais e professores, lançaram-se na obra de destruir os velhos regimes de opressão que os tinham mergulhado no turbilhão do genocídio que acabou consumindo algo próximo a dez milhões de vidas.

Onde as revoluções democráticas de 1848 foram derrotadas pelas velhas monarquias – fortalecidas na época da restauração depois de 1815 – como na Alemanha prussiana e no Império dos Habsburgos, a tarefa de pôr fim à guerra uniu-se à proclamação da República, mas as forças sociais que impuseram, pelos métodos da revolução, a derrota do governo – o proletariado e os camponeses arruinados que constituíam a maioria do exército – não se contentaram somente com as liberdades democráticas, lançaram-se na vertigem da conquista do poder com suas esperanças socialistas.

As revoluções atrasadas da Europa Central e Oriental transformaram-se em revoluções proletárias pioneiras ao final da Primeira Guerra Mundial, mas, à exceção da Rússia, foram desbaratadas. Derrotas históricas, contudo, têm consequências trágicas e duradouras. O custo histórico, para os alemães, da derrota de seus jacobinos em 1848 foi o militarismo nacionalista do II

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Reich, o imperialismo do Kaiser, e a Primeira Guerra Mundial. O preço que a nação alemã pagou pela derrota do seu proletariado – o triunfo do nazismo, a Segunda Guerra e os seis milhões de vidas da juventude alemã – foi ainda maior.

Ditadura do proletariado ou ditadura fascista

Onde as formas tirânicas do Estado revelaram-se mais rígidas, como na Rússia, a revolução democrática radicalizou-se, muito rapidamente, em revolução socialista, confirmando que revoluções não podem ser compreendidas somente pelas tarefas que se propõem resolver, e menos ainda pelos seus resultados, mas, sobretudo, pelos sujeitos sociais, ou classes, que tiveram a audácia de fazê-las, e pelos sujeitos políticos, ou partidos, que foram capazes de dirigi-las. O substitucionismo histórico – de uma classe por outra – e a centralidade da política, com a redução das margens de improviso da liderança, demonstraram-se as chaves de explicação dos processos revolucionários contemporâneos.

Não foi a burguesia russa que se lançou à insurreição para derrubar o Estado semi-feudal dos Romanov em fevereiro de 1917, mas foi ela quem impediu o governo provisório do Príncipe Lvov de fazer a paz em separado com a Alemanha: os capitalistas russos demonstraram-se demasiado frágeis para, por um lado, romper com seus parceiros europeus, e por outro, para garantir a sua dominação através de métodos eleitorais na República que nascia pelas mãos da insurreição proletária e popular. Não foi a burguesia quem mandou os seus filhos para as trincheiras da guerra serem massacrados, mas era ela quem apoiava Kerensky, quando este insistia em lançar os camponeses fardados em ofensivas suicidas sobre o exército alemão.

A pressão de Londres e Paris exigia a manutenção da frente oriental, mas a pressão de um proletariado poderoso e combativo – proporcionalmente a uma burguesia com pouco “instinto de poder” pela submissão à monarquia – exigia o fim da guerra; as correntes mais fortes da esquerda socialista – mencheviques e esseristas – recusavam-se a assumir o poder sozinhas, porque não queriam romper com a burguesia, porém os bolcheviques, minoritários até setembro, recusavam-se a integrar o governo de colaboração de classes e romper com as reivindicações populares. Quando Kerensky perdeu o apoio nas classes populares, a burguesia russa

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apelou ao general Kornilov para resolver com as armas o que não podia ser resolvido com argumentos. A hora das eleições para a Constituinte tinha passado. A burguesia russa perdeu a paciência com Kerensky e rompeu com a democracia, dois meses antes de o proletariado perder a paciência com os seus líderes, e recorrer a uma segunda insurreição para terminar com a guerra.

O fracasso do putsch selou o destino da burguesia russa. O proletariado e os soldados encontraram nos bolcheviques, nas horas terríveis de agosto, o partido disposto a defender com a vida as liberdades conquistadas em fevereiro. Sem o apoio da burguesia e sem o apoio das massas, suspenso no ar, o governo de Kerensky – com seus aliados reformistas – procurou socorro no pré-parlamento, mas a legitimidade da democracia direta dos sovietes superava a representação indireta de qualquer assembléia: o tempo para as negociações com a Entente tinha se esgotado, a oportunidade histórica para a república burguesa tinha sido perdida. Era tarde demais.

A engrenagem da revolução permanente empurrava os sujeitos sociais interessados no fim imediato da guerra – a maioria do Exército e dos trabalhadores – para uma segunda revolução e operava a favor dos bolcheviques que, no espaço de poucos meses, viam sua influência se agigantar. O proletariado e os camponeses pobres precisaram dos meses que separaram fevereiro de outubro para perderem as ilusões no governo provisório, no qual os partidos que depositavam suas esperanças, mencheviques e esseristas, eram incapazes de garantir a paz, a terra e o pão, e entregar sua confiança aos sovietes onde a liderança de Lênin e Trotsky se afirmava.

Martov, líder dos mencheviques internacionalistas e Kautsky, líder da social-democracia alemã, insistiram, nos anos seguintes, que Outubro teria sido uma aventura voluntarista. Acusaram os bolcheviques de golpistas por terem feito a revolução: queriam que os bolcheviques construíssem o regime democrático-liberal quando a burguesia russa tinha apoiado os métodos da guerra civil para defender a propriedade privada. Quis a ironia da história que, na Rússia de 1917 – antecipando um movimento histórico que depois se generalizou à Europa – os partidos menchevique e Socialista Revolucionário (SR) – que nasceram como organizações operárias e populares, transfiguraram-se nos porta-vozes da pequena-burguesia e das

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incipientes classes médias urbanas: um colchão de amortecimento da luta de classes entre o Capital e o Trabalho, e os últimos advogados de um regime democrático-liberal, mesmo depois que a burguesia tinha abraçado o plano da ditadura fascista, que poderia ser adornada com uma coroa monárquica. Mais razoável, entretanto, seria concluir que uma hesitação bolchevique em outubro, ou a sua derrota na guerra civil entre 1918/1920, teria levado ao poder – apoiado pelas democracias de Washington e Londres – um fascismo russo, e ninguém deveria querer imaginar o que poderia ter sido um “Hitler” no Kremlin.

Revolução européia e contra-revolução nazi-fascista

Onze anos depois do fim da Primeira Guerra Mundial, quando se precipitou a crise catastrófica de 1929, já era claro que a alternativa colocada diante daquelas nações era, tão somente, entre um governo dos sovietes ou uma ditadura fascista, mas a revolução socialista, paradoxalmente, acabou triunfando apenas no mais atrasado dos velhos Impérios europeus. A vaga revolucionária que sacudiu o continente ao final da guerra – iniciada em 1917 com a queda do Czar, e derrotada na Alemanha em 1923 – foi forte o bastante para bloquear a violência contra-revolucionária sem quartel – uma guerra “total” contra a ditadura do proletariado como o jovem Winston Churchill chegou a defender – e preservar a jovem República dos trabalhadores por alguns anos, mas insuficiente para impedir o seu isolamento internacional.

Na sequência da crise de 1929, uma segunda vaga revolucionária abalou a dominação capitalista até os seus alicerces tendo como epicentro, pela primeira vez, uma onda que uniu a Europa do Mediterrâneo à luta na Europa Central e, mais uma vez, o destino da revolução mundial foi depositado sobre os ombros da classe operária alemã. A força e coragem dos trabalhadores germânicos foram em vão: suas organizações dirigentes demonstraram-se incapazes da mais elementar união diante do perigo nazi e a sua derrota abriu o caminho para que Franco triunfasse nas trincheiras da Guerra Civil Espanhola.

Na história, o que não avança, tende a recuar. A primeira onda da revolução mundial obteve a maior vitória do movimento operário – a existência da URSS – mas ao adiar para o futuro a hora dos combates decisivos em Berlim, permitindo assim a reconstrução do capitalismo alemão

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sob as ordens de Hitler, favoreceu as condições que acabaram resultando na II Guerra Mundial e, finalmente, na invasão dos exércitos nazis até as portas de Petrogrado. Colocou em risco mortal, em 1941, tudo o que se tinha conquistado em 1917. A derrota alemã em 1923 esteve na raiz do isolamento internacional que favoreceu o processo de burocratização da URSS, e a vitória da fração de Stálin dentro da III Internacional. A derrota alemã em 1933 inverteu a relação de forças entre revolução e contra-revolução em toda a Europa e ameaçou a própria existência da URSS. Em 1942, o mapa da Europa era dominado pelo Império nazi. Mas, sem a revolução de Outubro, seria impensável a mobilização que permitiu a derrota do exército alemão em Stalingrado, o início do colapso do nazi-fascismo, uma vitória sobre a barbárie sem a qual a segunda metade do século XX seria impensável.

Regimes democrático-liberais e pacto social Ao final da Segunda Guerra Mundial, os proletariados francês e

italiano levantaram-se na batalha final contra o nazi-fascismo ao lado dos povos dos Balcãs, mas, ao contrário da Iugoslávia e da Albânia, onde o capitalismo foi erradicado, em Paris e Roma se estabeleceram regimes democrático-liberais, enquanto em Madrid e Lisboa as ditaduras de Franco e Salazar foram poupadas pelos EUA, e perpetuaram-se até aos anos setenta. Mas a consolidação dos regimes democrático-liberais na Europa Ocidental, nos trinta anos seguintes, só foi possível sob as cinzas da Segunda Guerra Mundial, e em função da vaga revolucionária que derrotou o nazi-fascismo.

As burguesias norte-americana e européia retiraram lições do período histórico anterior: os métodos da reação – ou concertação – poderiam ser menos custosos que os métodos da contra-revolução. Não foi o vigor econômico do capitalismo que permitiu a negociação do pacto social do pós-guerra, mas, fundamentalmente, o inverso. A rigor, o crescimento econômico sob o capitalismo não foi nunca causa suficiente de distribuição de renda ou, menos ainda, fator suficiente para a extensão universal de direitos sociais. Assim como revoluções ocorreram onde as mudanças por reformas foram adiadas, a conquista de reformas foi possível depois que as classes dominantes compreenderam que era melhor negociar concessões, do que ter que enfrentar revoluções. A explicação para a relativa prosperidade das sociedades dos Estados centrais, nos trinta anos entre 1945 e a primeira

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crise mundial em 1973/74, repousou mais em fatores político-sociais, ou seja, a luta de classes, do que econômicos ou tecnológicos.

A diminuição das desigualdades sociais só ocorreu, historicamente, por meio de negociações quando a combinação, até hoje muito excepcional, de alarme diante da possibilidade de uma revolução social e desenvolvimento econômico, levaram o capital a fazer concessões ao trabalho. O capital nunca cedeu reformas diante do movimento dos trabalhadores, a não ser quando se sentiu ameaçado. Assim como a integração dos partidos comunistas nos regimes democráticos foi um fator de contenção do protesto social, evitando a precipitação de situações revolucionárias, a existência da URSS e as circunstâncias da Guerra fria foram fatores que pressionaram no sentido de reformas na Europa. As conquistas do pacto social do pós-guerra no Ocidente europeu – pleno emprego, e universalização da saúde e educação, etc. – seria inexplicável, portanto, sem a revolução de Outubro.

Inversamente, onde o perigo de revoluções tinha sido superado – por exemplo, os fascismos ibéricos – as reformas não vieram. Quando, finalmente as ditaduras caíram, primeiro em Lisboa, em 1974, sob o impacto da guerra anti-colonial em África, e depois em Madrid, em função da nova situação européia aberta pelo Maio francês de 1968, o custo histórico que os seus povos sofreram por causa das ditaduras senis revelou-se devastador: em Portugal, milhares de vidas sacrificadas, em vão, na tentativa historicamente condenada de preservar um Império obsoleto; na Espanha, o obscurantismo cultural de uma geração e uma tal decadência econômica e atraso, em relação aos países europeus, que levou à emigração em massa de sua juventude.

A revolução deixou sua obra incompleta diante do futuro

A revolução portuguesa confirmou, mais uma vez, o padrão histórico: sem a pressão da disposição revolucionária da luta dos trabalhadores e dos seus aliados, não se conquistam sequer reformas. Mas, as revoluções abortadas deixam pelo caminho sem solução problemas que a geração seguinte terá que enfrentar em condições ainda mais adversas.

Assim como no final da Segunda Guerra Mundial, quando a onda da revolução européia anti-nazi levou ao desmoronamento do regime de Vichy, mas não foi suficiente para libertar as colônias, como a Argélia e o Vietnã e, por isso, a juventude francesa foi morrer, em vão, aos milhares, a vaga

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revolucionária conjunta da revolução anti-colonial na África – a resistência dos Movimentos de Libertação Nacional em Angola, Guiné-Cabo Verde e Moçambique – e da revolução democrática na metrópole foi suficiente para derrubar o regime fascista, e fez tremer com tal intensidade a dominação burguesa em Portugal que despertou o proletariado do Estado Espanhol, mas sucumbiu diante dos regimes democrático-liberais improvisados depois da derrota do 25 de novembro em Lisboa, e do Pacto de La Moncloa em Madrid, com o socorro de Londres, Paris e Berlim, intermediado pelos EUA.

Este curso da história – revoluções abortadas e estabilização de regimes democrático-liberais que garantem a perpetuação do capitalismo – se repetiu uma terceira vez na América Latina, no início dos anos oitenta, quando o triplo impacto do esgotamento das ditaduras militares surgidas nos anos sessenta, como resposta da contra-revolução à vitória da revolução cubana, do choque econômico da moratória das dívidas externas, e da derrota nas Malvinas, colocou para o proletariado brasileiro, argentino e uruguaio o desafio chave de suas revoluções democráticas e antiimperialistas: aceitar os limites políticos e sociais que as burguesias dependentes exigiam para a concertação de regimes democrático-coloniais – a conservação do lugar semicolonial destas nações no mercado mundial - ou ir além, desafiando a ordem capitalista no Cone Sul.

As mobilizações que derrotaram Galtieri em Buenos Aires em 1982 e Figueiredo no Brasil em 1984 foram grandes o bastante para conquistar as liberdades democráticas para os trabalhadores poderem se auto-organizar e resistir aos planos de superexploração de Alfonsín e Sarney, mas não foram suficientes para derrotar o plano da estabilização dos regimes democrático-liberais. Em conclusão: a dinâmica da decadência econômico-social do continente não foi revertida e a recolonização avançou.

A alternativa de outubro: capitalismo ou socialismo

O balanço que a história deixou parece irrefutável: se até a Alemanha, a mais desenvolvida e educada das nações europeias não escapou da ditadura nazi, seria superficial e até, talvez, ingênuo, imaginar que a atrasada Rússia semi-asiática poderia ter consolidado um regime democrático-liberal no final da Primeira Guerra Mundial. São variadas as razões que explicam essa

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impossibilidade na Rússia, ao contrário do que aconteceu, posteriormente, na Europa do Mediterrâneo em 1945, em Portugal e Espanha entre 1975 e 1978, ou na América Latina entre 1982 e 1985.

Nas condições da Rússia depois da queda do Czar, em Fevereiro, a burguesia não estava disposta a romper as suas relações com Londres e Paris e iniciar um processo de paz em separado com Berlim, porém, sem a paz, a burguesia não poderia imaginar a convocação das eleições para a Constituinte. Ao chegar mais de meio século atrasada ao processo de industrialização, e ao ter-se inserido no sistema internacional como potência semiperiférica – imperialista em relação às suas colônias no Cáucaso e na Ásia, mas submetrópole em relação à França e à Inglaterra – a burguesia russa tinha-se associado aos capitais estrangeiros para financiar a implantação de seu parque industrial.

A consolidação de uma democracia-liberal pressupunha a convocação de eleições numa situação em que a legitimidade da vontade popular tinha encontrado representação nos sovietes, onde o principal partido burguês, o Kadete, não tinha expressão. A força do proletariado em movimento impunha uma forte presença dos partidos socialistas moderados, mencheviques e esseristas, nos variados Governos provisórios, mas, assim como Miliukov não estava disposto a romper com a Entente, estes partidos não estavam dispostos a romper com a burguesia, levando primeiro o Príncipe Lvov, e depois Kerensky, ao impasse crônico. Ao exigir das massas que fizeram a revolução contra o Czar para se libertar da guerra, que prolongassem a guerra para conseguir a Constituinte (e a promessa secular de terra e libertação nacional para ucranianos, bálticos, caucasianos e asiáticos) sucessivas crises políticas foram-se precipitando em vertigem até à crise revolucionária, depois da derrota do golpe de Kornilov.

Mas, retrospectivamente, fica a questão de saber por que a primeira metade do século XX foi tão diferente da sua segunda metade: porque as burguesias européias lançaram-se na aventura de resolver suas disputas manu militari em 1914, em vez de articularem uma divisão compartilhada e, em grande medida, complementar do mercado mundial como os EUA lograram impor depois de 1945. Ou porque a burguesia alemã não hesitou em recorrer a Hitler diante do perigo da revolução alemã, mas, depois de 1945, as burguesias francesa e italiana lograram consolidar suas repúblicas democrático-presidencial e parlamentar, apesar de terem que enfrentar dois

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proletariados tão ou mais poderosos que o proletariado russo de Petrogrado e Moscou.

A resposta destas perguntas nos remete, incontornavelmente, à revolução de Outubro, porque o mundo, tal qual o conheceram as últimas quatro gerações, seria inexplicável sem a vitória bolchevique de 1917. O primeiro e mais importante fator a ser considerado é que a Revolução Russa demonstrou que o movimento operário moderno era uma classe, suficientemente forte – objetiva e subjetivamente – para arrastar atrás de si a vontade da maioria da nação e triunfar na luta pelo poder. Antes de Outubro, a única revolução proletária tinha sido a efêmera experiência da Comuna de Paris de 1871. Depois da Revolução Russa, no entanto, a política mundial não poderia mais ser considerada somente como uma disputa de posições de força entre Estados imperialistas no sistema internacional.

A existência da URSS, enquanto o regime da ditadura revolucionária internacionalista manteve o compromisso de incentivar a revolução mundial, passou a ser uma ameaça à preservação do capitalismo. A luta de classes passou a um grau mais elevado de intensidade, e o movimento internacional socialista adquiriu o estatuto de um protagonista de primeira grandeza, capaz de desestabilizar a dominação burguesa nas metrópoles imperiais e de apoiar política e, materialmente, a resistência dos povos oprimidos em nações coloniais e semicoloniais.

A vitória de Outubro foi, contudo, também, efêmera. Tal como tinham previsto Lênin e Trotsky revelou-se impossível um processo de transição ao socialismo sem uma vitória da revolução alemã. As condições do isolamento e atraso russo explicam o avanço da reação interna que acabou dando um salto de qualidade e degenerando em um processo de contra-revolução burocrática.

Seria impossível explicar o triunfo da revolução de Outubro em 1917 sem considerar as seqüelas da I Guerra Mundial e a fragilização do sistema de Estados na Europa: afinal, a Alemanha ansiava por uma paz em separado e a conseguiu. Pela mesma razão, seria muito difícil explicar a decisão de Mao e da direção do PC da China de levar a guerra contra Chiang Kai Chek em 1949 até ao fim, sem considerar o quadro das relações de forças no sistema internacional de Estados após a entrada do Exército russo em Berlim. Seria, também, impossível compreender a decisão de Fidel Castro – até então, um líder nacionalista – de não aceitar os ultimatos norte-

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americanos em 1961, sem considerar que a perspectiva de alinhamento com a URSS oferecia um bloco de alianças no sistema internacional de Estados. Em uma palavra, Outubro foi a revolução que mudou o mundo.

Referências BENSAÏD, D. La�discordance�des� temps:� essais� sur� les� crises,� les� classes,� l’historie.

Paris: Les Éditions de la Passion, 1995.CHURCHILL, S. W. Memorias. Barcelona: Orbis, 1985.COLLETTI, L. El marxismo y el derrumbe del capitalismo. México: Siglo XXI,

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Companhia das Letras, 1996.TROTSKY, L. Historia�de�la�revolución�rusa. Bogotá: Pluma, 1982.

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Revolução Russa – 90 anos depois∗

Márcio�Bilharinho�Naves∗∗

Resumo: Há uma interpretação corrente que sustenta que a Revolução Russa de fato representou o fim do capitalismo na União Soviética, e significou ainda a possibilidade de, por meio das orientações teóricas e práticas que foram predominantes naquele período, de consolidação de uma sociedade nova, dirigida pela classe trabalhadora. Ora, com o recuo histórico que temos daquele evento e toda a reflexão sobre ele acumulada, essa interpretação precisa ser questionada.

Palavras-chave: Revolução. Capitalismo. Burguesia de Estado.

Neste texto pretendo fazer algumas observações críticas sobre o processo da revolução na Rússia. Eu sei que quando se fala em comemoração de alguma coisa, isso já imediatamente traz a idéia de uma espécie de homenagem, de uma evocação. O que eu vou fazer é um pouco diferente. Eu acho que a Revolução Russa foi de fato um evento extraordinário, que abriu a possibilidade de a classe trabalhadora inaugurar um período de transformação social. Mas esse processo está eivado de contradições severíssimas, e um grande ensinamento que ele trouxe, foi o de que nem sempre é possível, depois da tomada do poder, uma transformação real das relações sociais, independentemente da simbologia, da carga emocional que o evento em si mesmo traz.

Se nós nos reportarmos ao processo efetivo, ao que ocorreu logo após Outubro, nós veremos que a grande medida adotada, que foi depois considerada como a medida fundamental para caracterizar uma sociedade socialista, foi a transferência da propriedade dos meios de produção da burguesia privada para o Estado. Ora, essa operação simplesmente jurídica passou a ser identificada com a construção de uma base econômico-social de natureza não capitalista. Isso evidentemente foi uma grande ilusão, uma ilusão jurídica, de que basta uma medida no domínio do direito para que você tenha uma superação das relações sociais burguesas. Mas as relações de produção capitalistas não são relações jurídicas, portanto elas permaneceram,

∗ Texto elaborado para o debate Reflexões sobre a Revolução�Russa:�90�anos�depois..., realizado pelo Grupo de Estudos de Política da América Latina (GEPAL), na Universidade Estadual de Londrina, no dia 16 de outubro de 2007. ∗∗ Departamento de Sociologia da Unicamp.

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na verdade, intocadas. A natureza dessas relações de produção não foi de modo algum afetada pelas transformações jurídicas que foram realizadas pelo novo poder bolchevique.

Por outro lado, logo nos primeiros meses da revolução, as formas de organização que eram próprias da classe operária, não só os sovietes, mas os comitês de fábrica, sobretudo estes, começaram a ser desmantelados pelos bolcheviques. Há todo um processo bastante conhecido de substituição das formas de controle diretas da produção pela massa trabalhadora, pelos operários das fábricas, por um controle chamado de “operário”, mas que era, na verdade, um controle exercitado pelo próprio partido sobre os trabalhadores.

Outra medida de uma importância muito grande foi a introdução, nas fábricas, do diretor único de unidade, medida que teve um significado extraordinário. Ao contrário do que se poderia esperar de uma revolução operária - a direção do processo de produção pela própria massa trabalhadora -, o poder efetivo e quase absoluto na fábrica passa a ser exercido por dirigentes indicados pelo partido. Isso ocorre logo nos anos iniciais da revolução e prossegue depois, no período stalinista, tomando uma forma ainda mais drástica. Um dirigente stalinista muito importante, Kaganovitch, que dirigia todo o complexo industrial da União Soviética, dizia uma frase espantosa, ele dizia assim: “quando o diretor de fábrica entra na empresa, a terra deveria tremer” (BETTELHEIM, s/d, p. 132), o que nos dá uma idéia do modo autocrático e arrogante com que esses homens exerciam o seu poder. Tanto é que os trabalhadores resistiram fortemente à introdução desse sistema, tendo havido no começo dos anos vinte muitos casos de eliminação física desses dirigentes pelos próprios trabalhadores, levando a medidas repressivas bastante severas contra os operários.

Ligado a isso, passa a haver um aumento impressionante da disciplina de fábrica, os trabalhadores, ao invés de terem a oportunidade de se auto-organizar em uma disciplina consentida, são forçados a realizar tarefas contra a sua própria vontade e os seus interesses de classe. Sabe-se, por exemplo, que logo depois da guerra civil - na qual muitos trabalhadores foram convocados para frente de batalha -, muitos desses trabalhadores, não foram desmobilizados, mas continuaram submetidos à mesma disciplina militar, no que se denominou de militarização do trabalho. Essa disciplina é adotada para que esse trabalhador realize trabalhos muito difíceis, em minas,

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em locais inóspitos, com a conseqüência, se o trabalhador se recusa a trabalhar, dele ser considerado um insubordinado e mesmo um desertor. E sabemos a pena que é aplicada ao desertor. Isso não é uma coisa generalizada, claro, mas mostra um pouco a distância que começa a haver entre os trabalhadores e o grupo dirigente do partido.

Passa a ocorrer também um processo de autonomização dos órgãos administrativos do partido em relação aos órgãos políticos. Os órgãos políticos em tese são aqueles preenchidos por deliberação das bases do partido, no entanto, no interior do partido bolchevique já começa a se organizar um aparelho administrativo interno, não eleito, não controlado pelas bases e que começa a dominar a atividade interna do partido, inclusive com a adoção de medidas coercitivas. Os opositores começam a ser transferidos para regiões distantes, passam a ser coagidos, porque esse aparelho administrativo interno se torna um meio de disciplinamento dos quadros. Esse aparelho interno administrativo depois assume uma importância extraordinária, e passa a ter uma proximidade muito grande com o próprio aparelho policial.

Ora, o que esses fatos todos indicam? Eles indicam que não obstante o esforço de transformação social, e a representação subjetivas que os bolcheviques fazem de sua própria atividade, das medidas que o partido toma, independente disso, não houve efetivamente uma transformação revolucionária na Rússia, ou seja, as relações de produção capitalistas, que existiam antes da revolução, perduraram e continuaram a ser reproduzidas após a revolução, além de não ter havido uma transferência real do poder para as massas. Há de fato a substituição da burguesia privada, pois, uma vez que ocorre a expropriação dos seus meios de produção, essa burguesia socialmente desaparece, mas imediatamente passa a se constituir uma nova burguesia, e embora pareça difícil a gente pensar que possa haver uma burguesia sem a propriedade dos meios de produção, o que importa não é o título jurídico, mas o controle efetivo sobre os meios de produção, de modo que, se nós nos livrarmos do fetichismo do direito, nós iremos perceber que o modo de produzir não foi transformado e que continua a haver a separação entre o trabalhador direto e os meios de produção.

O que se passa então? Como as relações de produção capitalistas não foram extintas, os burgueses que controlavam a produção são substituídos por agentes indicados pelo partido, e pouco importando que esses indivíduos

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sejam comunistas, que se representem como revolucionários, a função efetiva que eles cumprem é a de funcionários do capital, eles na verdade continuam a organizar e dirigir a produção, continuam a ter um papel fundamental no processo de extração da mais-valia, assim como a antiga burguesia privada fazia, não havendo assim uma interrupção do processo de valorização do valor. Esse processo é comandado por esses agentes que vão ocupando os lugares antes ocupados pela burguesia, mesmo não tendo o título de proprietários, e vai então se constituindo, paulatinamente, uma nova classe burguesa, que Charles Bethelleim chama de burguesia de Estado (mais tarde, ele a denominará “burguesia de partido”) (BETTELHEIM, 1976; 1983; sd), porque esses indivíduos só comandam o processo de valorização do valor por meio do Estado e do partido, por uma designação destes, configurando-se assim um capitalismo de Estado.

O fundamental, portanto, é a natureza das relações de produção, que não foram modificadas, elas já eram capitalistas antes e continuaram a ser depois, e a natureza do poder, que escapa visivelmente da classe trabalhadora. O poder é concentrado numa cúpula partidária (fração burguesia de Estado) que leva a cabo uma política claramente repressiva e que destrói as formas de organização da própria massa trabalhadora.

Essa concepção do socialismo (na verdade, um capitalismo de Estado) está tão arraigada no marxismo bolchevique, que mesmo em Lênin está presente a defesa do princípio do diretor único de empresa, com “poderes ilimitados”. Ele vai dizer assim: “Toda grande indústria mecânica constitui a fonte e a base material do socialismo, exige uma unidade�de�vontade rigorosa, absoluta, regulando o trabalho comum de centenas, de milhares, de dezenas de milhares de homens”. E para garantir isso é necessária a “submissão da vontade de milhares de pessoas à de uma só pessoa, a�submissão�sem�reservas�a uma vontade única é absolutamente indispensável para o sucesso de um trabalho organizado segundo o modelo da grande indústria mecânica”. “[...] a revolução exige que as massas�obedeçam�sem�reservas�à�vontade�única�dos�dirigentes�do�trabalho, que elas sejam orientadas no bom caminho, o caminho da disciplina do trabalho, o caminho adequado para conciliar as tarefas dos comícios sobre as condições de trabalho, com as da submissão sem reservas à vontade do dirigente soviético, do ditador durante o trabalho” (LÊNIN apud VICENTE-VIDAL, 2005, p. 123).

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Vejam então que o processo da Revolução Russa é muito complexo. É verdade que Lênin não diz apenas isso, Lênin em alguns momentos rompe com o economicismo que essa passagem traz. O marxismo de Lênin é um marxismo contraditório, que tem também momentos de extrema lucidez, mas nessa passagem a posição dele é claramente economicista, ele reforça, independentemente das suas intenções, o capitalismo de Estado. Ele chegou mesmo a defender, por exemplo, a adoção do taylorismo nas fábricas soviéticas. Nós sabemos o quanto o taylorismo permite incrementar o grau de exploração do trabalho, aprofundando a expropriação objetiva e subjetiva do trabalhador direto no processo de trabalho. No entanto, nesse período, vários institutos são criados na União Soviética visando ao estudo e à aplicação do taylorismo na linha de produção.

Além de Lênin, também N. Krupskaia - além de tantos outros - defendiam a “organização científica do trabalho”, sendo que ela escreveu um artigo defendendo a introdução do taylorismo na administração dos órgãos soviéticos (KRUPSKAIA, 1921), o que mostra a penetração das idéias burguesas no próprio coração da liderança bolchevique. É claro que, a partir daí a possibilidade da consolidação desse modelo burguês já estava, de alguma maneira, estabelecida. Com o stalinismo e a “grande virada” em 29-30, a burguesia de Estado triunfa, representando, ao mesmo tempo, o seu domínio como a conquista definitiva do socialismo. Que essa representação possa ter tido uma vida tão longa, e ainda hoje conservar os seus títulos de cidadania, somente mostra em que medida o socialismo jurídico ocupou o lugar do marxismo revolucionário na análise da transição socialista .

ReferênciasBETTELHEIM, C. A�luta�de�classe�na�União�Soviética. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1976, v. 1.__________. A�luta�de�classe�na�União�Soviética. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1983, v. 2.__________. A�luta�de�classe�na�União�Soviética. Lisboa: Europa-América, s/d,

v. 3.KRUPSKAIA, N. Sistema teilora i organizatsiia raboty sovestskikh

utchrejdenii. Krasnaia�Nov’, nº 1, 1921.

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LÊNIN, V. I. As tarefas imediatas do poder dos sovietes, apud VINCENTE-VIDAL, S. A crítica das concepções econômicas de Stálin por Mao Tsé-Tung. In: NAVES, M. B. (org.). Análise marxista e sociedade de transição. Campinas: IFCH/Unicamp, 2005.

TURCHETTO, M. As características específicas da transição ao comunismo. In: NAVES, M. B. (org.). Análise marxista e sociedade de transição. Campinas: IFCH/Unicamp, 2005.

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Lênin e a Transição Socialista∗

Marcos�Del�Roio∗∗

Resumo: Neste artigo, o autor examina alguns aspectos do pensamento e da ação política de Lênin a propósito da transição socialista. Para tanto, discorre sobre a importância da revolução de 1905, da eclosão da guerra imperialista, da revolução de 1917, dos momentos iniciais do poder dos soviets e, por fim das reflexões sobre a NEP. A tese fundamental é que a Rússia, com Lênin vivo, não conseguiu alcançar as condições para a transição socialista.

Palavras-chave: Revolução Russa. Transição socialista. Imperialismo. Capitalismo de Estado.

Capitalismo e revoluçãoA mundialização do capital, fase atual do imperialismo e, ao que

parece, de sua crise orgânica inelutável, traz novamente à tona e em nova perspectiva a questão da revolução e da transição socialista. Embora não seja iminente essa questão é de grande atualidade, mormente se observamos alguns processos políticos extremamente contraditórios colocados na cena mundial. Decerto, também nesse problema a retomada dos autores clássicos pode contribuir para desbastar o caminho da reflexão necessária. Entre esses autores, pela diversidade de situações concretas com que se deparou e pela capacidade de análise, sempre norteada por rigorosa teoria política, sem dúvida, destaca-se Lênin.

A obra teórica (e prático política) de Lênin começa com a critica a concepção predominante na intelectualidade revolucionária da Rússia, a qual afirmava a singularidade daquela formação social. Segundo os narodiniks�o capitalismo seria algo estranho à alma eslava e da situação de opressão do absolutismo czarista poder-se-ia passar imediatamente a um especifico socialismo fundado na tradição cultural camponesa, cuja base era a comuna agrária. Lênin, partindo do método dialético usado por Marx, demonstra como o capitalismo efetivamente se desenvolvia na Rússia, mas de uma

∗ Este artigo é uma versão modificada da intervenção no debate Reflexões sobre a Revolução�Russa:�90�anos�depois..., realizado pelo Grupo de Estudos de Política da América Latina (GEPAL), na Universidade Estadual de Londrina, no dia 16 de outubro de 2007. ** Professor de Ciências Políticas UNESP-FFC.

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forma particular, observável não só na industrialização induzida pelo Estado feudal-absolutista, mas também na desintegração em andamento das relações sociais feudais e o surgimento de um mercado capitalista no campo.

Posto isso, o problema passava a ser a criação de um instrumento adequado à ação política voltada para o objetivo imediato, que era precisamente a derrubada dessa variante oriental de monarquia feudal-absolutista e a conquista da emancipação política. Esse instrumento seria o partido revolucionário da classe operária, cujo objetivo era fazer dessa classe a vanguarda da luta pela democracia política na Rússia. A democracia política traria condições melhores para o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas e para o crescimento cultural da Rússia (LÊNIN, 1975).

Com a eclosão da revolução burguesa, em 1905, no calor da luta, Lênin teve ocasião de explicitar a sua compreensão não só da inserção da classe operária como sujeito autônomo no processo, mas como dirigente da revolução, condição que alcançaria desde que conseguisse selar a aliança com as massas camponesas e deixasse clara a sua perspectiva socialista. Se a luta pela emancipação política fosse levada até o fim, se a revolução burguesa se radicalizasse, colimaria na instauração de uma ditadura democrática do proletariado aliado ao campesinato, regime no qual a burguesia existiria sem ser classe dominante e dirigente do Estado. O capitalismo se desenvolveria da forma mais democrática possível criando as condições melhores e mais adequadas para a que a Rússia se refizesse do seu atraso e para a que transição socialista tivesse início tão logo as condições concretas se apresentassem.

Numa síntese magistral, Lênin anotava:O proletariado deve levar até o fim a revolução democrática, atraindo a si a massa do campesinato, a fim de esmagar pela força a resistência da autocracia e paralisar a instabilidade burguesa. O proletariado deve levar a cabo a revolução socialista, atraindo a si a massa dos elementos semiproletários da população, a fim de quebrar pela força a resistência da burguesia e paralisar a instabilidade do campesinato e da pequena burguesia (LÊNIN, 1976a, pp. 85-86).

A revolução se concluiu com um acordo entre a burguesia e o regime político, que possibilitou a abertura de um corpo parlamentar representativo das demandas de classe dos capitalistas. Nesse momento, em abril de 1906, encarregado pelo POSDR de formular o programa agrário,

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Lênin avaliou que a tendência principal era que o capitalismo prosseguisse seu desenvolvimento por um caminho análogo ao que denominou de via prussiana, considerando que a burguesia havia chegado a um acordo com a nobreza feudal, tal qual ocorrera na Alemanha nos desdobramentos da revolução de 1848. Esse acordo, porém, foi de curta duração, de modo que em meados de 1907 a monarquia absolutista foi restaurada completamente, preservando, todavia, o projeto de desenvolvimento capitalista, embora possa ser dito agora que se assemelhasse mais a Áustria-Hungria.

De todo modo, a contradição entre o desenvolvimento capitalista e o invólucro estatal feudal-absolutista, em algum momento traria novamente à tona o problema apenas momentaneamente contido da revolução democrática. Foi a explosão e generalização da guerra imperialista de 1914, no entanto, a gerar uma mudança profunda e insuspeitada na situação e, por decorrência, na formulação teórica de Lênin.

Guerra imperialista e revoluçãoColocado diante do impacto da guerra, Lênin aceitou o desafio de

compreender esse fenômeno inédito pela destruição posta em prática com tamanho consenso de governos, de partidos, de ideologias. Discernir os fundamentos econômico-sociais do imperialismo era importante não só para saber dos motivos da guerra, mas também dos motivos pelos quais a maioria do movimento operário e socialista havia oferecido decidido apoio à matança desencadeada. A época imperialista, iniciada em torno de 1880, possibilitou a ampliação do estatuto da cidadania nos Estados liberal-imperialistas e a difusão das ideologias nacionalistas, submetendo assim o movimento operário aos interesses materiais e ideológicos da burguesia, com a incorporação do sindicato e do partido operário a institucionalidade burguesa. Mais ainda, o imperialismo havia tornado possível que uma camada superior da classe operária, melhor organizada e com melhores condições de vida, aceitasse e apoiasse a política imperialista.

Assim, num paradoxo, a guerra imperialista colocava a revolução socialista internacional na ordem do dia e isso porque, diante da iminência da destruição, se colocava a necessidade da aceleração e do salto histórico. Paradoxo, porque ao mesmo tempo em que a classe operária e o projeto histórico da paz universal e do socialismo apareciam fragorosamente

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derrotados, a guerra imperialista oferecia a possibilidade da revolução socialista internacional ao colocar em contato imediato os povos conflagrados, ao unificar a situação de Estados de diferente nível de desenvolvimento capitalista e unificar os interesses do proletariado vitimado pela guerra contra as burguesias que haviam promovido o massacre. Contra a guerra imperialista, apenas a revolução socialista internacional seria capaz de oferecer solução definitiva. Necessário agora, de imediato, era construir novos instrumentos de luta revolucionária em toda a Europa, que organizasse o proletariado contra a burguesia imperialista e seus aliados em todos os países, pois que se tratava de desencadear uma guerra civil revolucionária internacional contra o imperialismo capitalista.

A revolução socialista poderia começar em qualquer dos Estados enredados pela guerra imperialista e se difundir pelos outros em seguida. Não era possível se certificar de onde a revolução pudesse começar e muito menos supor que tivesse início no Estado mais arcaico e de capitalismo mais embrionário da corrente imperialista, que era precisamente o império russo. Ainda em 1915, Lênin (1976b, p. 274) dizia ser a Rússia “um país onde a autocracia está viva, onde a revolução burguesa esta longe de estar terminada”

Em março de 1917 a greve de massas em São Petsburgo pôs abaixo a monarquia absolutista e deu inicio a revolução socialista internacional, que acabaria finalmente derrotada em março de 1921. Retornado às pressas do exílio suíço no qual se encontrava, Lênin proclamava em abril que “o poder do Estado passou na Rússia para as mãos de uma nova classe: a classe da burguesia e dos latifundiários aburguesados. Nessa medida, a revolução democrático-burguesa na Rússia está terminada” (LÊNIN, 1976c, p. 280), ainda que não estivesse terminada do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas e da cultura. Mas a conclusão era que a revolução socialista ganhava atualidade também na Rússia e exatamente por esses dois motivos: a Rússia estava envolvida numa guerra de caráter imperialista, o que levava a situação internacional ao primeiro plano, e agora a burguesia era classe dirigente e dominante do Estado russo, contando inclusive com o respaldo de significativa fração do movimento político da classe operária e do campesinato (o que era indício de capacidade do exercício da hegemonia).

O governo provisório republicano poderia, no horizonte, considerando a possibilidade de vitória na guerra e o eventual predomínio

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da questão nacional, se endereçar para um regime liberal-democrático-burguês. Não era esse o caso, porém, porquanto evidente a predomínio da situação internacional e também pelo fato de no próprio seio da revolução burguesa estar já se constituindo o embrião de um novo Estado.

Os conselhos operários, que haviam surgido já ao final da revolução de 1905, voltavam a fazer a sua aparição, apenas que agora logo no início da nova onda revolucionária. Lênin percebera que os conselhos eram o embrião do novo Estado operário, o qual poderia se contrapor ao Estado burguês que se esforçava para se consolidar. Em suma: “A origem e o significado de classe dessa dualidade de poderes residem em que a Revolução Russa de março de 1917, ademais de varrer toda a monarquia czarista e entregar todo o poder a burguesia, se aproximou plenamente da ditadura democrática revolucionária do proletariado e dos camponeses” (LÊNIN, 1976c, p. 283).

A luta pela instauração da ditadura democrática do proletariado e do campesinato estaria agora em patamar superior ao de 1905, e a diferença era menos por conta do tempo transcorrido, por conta de um desenvolvimento significativamente maior das forças de produção, mas pelo predomínio da situação nacional antes e da situação internacional de guerra imperialista agora, a qual colocava a revolução socialista como tarefa imediata. Nessas condições, a instauração da ditadura democrática do proletariado na Rússia representaria apenas um momento de aproximação da revolução socialista internacional, cujo território compreendia toda a área atingida pela guerra imperialista.

A ditadura democrática do proletariado e do campesinato seria instaurada no momento em que os soviets assumissem o poder e dessem início imediato à construção de um novo Estado operário e socialista. Para que isso ocorresse, no entanto, era necessário que os bolcheviques conquistassem a hegemonia política nos soviets e atraíssem para o lado da classe operária a maioria da imensa massa pequeno burguesa, tão numerosa que contaminava o próprio proletariado com sua ideologia de apoio a burguesia.

Lênin apresentava o Estado operário em gestação como a superação dialética da república democrática do capitalismo. O novo Estado que surgiria da ação histórica da classe operária assumiria uma forma análoga a da experiência da Comuna de Paris, “que substitui o exército e a polícia,

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separados do povo, com o armamento imediato e direto do povo” (LÊNIN, 1976c, p. 291). A experiência dos soviets, surgida em 1905 e retomada agora em 1917, seria o embrião de um Estado-comuna, e “é isso que está já encarnando na vida de nosso país, agora, neste momento, por iniciativa de um povo de milhões e milhões de homens, que cria a democracia, sem prévia autorização, a sua maneira, (...)” (LÊNIN, 1976c, p. 291).

Assim, a forma da ditadura democrática do proletariado e do campesinato seria um Estado-comuna, uma variante de democracia mais ampla e profunda que a república democrática, pois que seus fundamentos econômico-sociais seriam outros, seus objetivos históricos seriam outros, de um alcance que culminaria no comunismo, na emancipação humana. O Estado-comuna é a forma do Estado da transição socialista, mas no caso concreto da Rússia a disjunção entre os fundamentos econômico-sociais e a aproximação da ditadura do proletariado é palpável, pois a revolução burguesa, do ponto de vista das forças produtivas desenvolvidas, ainda não se concluiu, como ainda não se concluiu a dissolução do campesinato como camada social pré-capitalista. Logo, as condições matérias da transição socialista ainda não estavam postas, mas disjunção seria sanada no processo mesmo de andamento da revolução socialista internacional e da transição.

A fundação de um Estado-comuna na Rússia a partir da instituição dos soviets, instituição inventada pela classe operária, seria um exemplo e um estímulo para que a classe operária de outros países procedesse a um caminho semelhante, sendo particularmente importante nesse desenho estratégico o caso da Alemanha, por contar com uma classe operária disciplinada e qualificada. Assim, os bolcheviques se propunham a assumir um governo que confrontasse a situação de emergência crescente em que se encontrava a Rússia em substituição ao governo provisório e enveredar pelo caminho do socialismo.

Capitalismo de Estado e transição socialistaEm setembro de 1917 era palpável o fracasso do projeto liberal-

burguês do governo provisório. A Rússia se encontrava entre a instauração de uma ditadura militar e a instauração de uma ditadura democrática fundada na aliança operário-camponesa a ser dirigida pelos bolcheviques. O respaldo dessa agremiação revolucionária crescia dia a dia nos soviet

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em apoio à proposição exposta por Lênin de se fazer frente à catástrofe e a fome que se avizinhavam com rapidez: “Essas medidas são o controle, a inspeção, a contabilidade, a regulação pelo Estado, a implantação de uma distribuição correta da mão de obra na produção e na distribuição de produtos, a economia das energias do povo, a eliminação de qualquer esforço desnecessário” (LÊNIN, 1977a, p. 176).

Para se enveredar por esse caminho de controle, inspeção e contabilidade, Lênin propunha a nacionalização e fusão dos bancos, nacionalização dos monopólios, abolição do sigilo comercial, agremiação obrigatória da burguesia, organização obrigatória da população em cooperativas de consumo ou fomento. Essas medidas não eram estranhas aos Estados imperialistas, nos quais já vigiam um capitalismo monopolista de Estado, ainda mais acentuado no momento da mobilização total para a guerra, mas na Rússia essas medidas só poderiam ser tomadas contra a burguesia, pois “a dominação da burguesia é incompatível com uma verdadeira democracia, autenticamente revolucionária” (LÊNIN, 1977a, p. 210). Então, Lênin indicava que “o capitalismo monopolista de Estado, num Estado verdadeiramente democrático, revolucionário, representa, inevitavelmente, infalivelmente, um passo, e mais do que um passo para o socialismo”, pois “o socialismo nada mais é do que o monopólio capitalista de Estado posto a serviço de todo o povo e que, por isso, deixou de ser monopólio capitalista” (LÊNIN, 1977a, p. 212).

Em suma, Lênin propunha, de imediato, a criação de um Estado democrático-revolucionário, uma ditadura da democracia dirigida pelo proletariado, que instaurasse o capitalismo monopolista de Estado, tanto como meio para combater a catástrofe iminente, como para se aproximar do socialismo, para se criar as condições da transição. A Rússia não contava ainda com a base material do capitalismo monopolista de Estado burguês, mas poderia ter a sua organização e a direção da classe operária.

Cerca de um mês depois, em Se� sustentarão� os�bolcheviques�no�poder?, Lênin adiantou mais alguns elementos de sua concepção dos passos inicias da transição socialista. Antes de tudo insiste que o soviet é o embrião de um novo Estado, mas que deve assumir todo o poder de Estado ou então sucumbir. Constata que “se a iniciativa popular criadora das massas revolucionárias não tivesse criados os soviet, a revolução proletária na Rússia não teria esperança, pois o proletariado não poderia, indubitavelmente, reter

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o poder com o antigo aparelho de Estado, e é impossível criar de repente um novo aparelho”. De imediato, o papel dos soviet seria o de assumir a ditadura da democracia e estabelecer o “controle operário sobre a produção e distribuição de produtos” (LÊNIN, 1977b, p. 292).

Certo que a destruição do aparato repressivo do Estado capitalista é imprescindível. Mas o aparelho de contabilidade e registro, intimamente ligado aos bancos e consórcios, “não pode e nem deve ser destruído. O que se tem que fazer é arrancá-lo do controle dos capitalistas; separar, afastar, isolar dele os capitalistas, e os fios que eles manejam; é preciso subordiná-lo aos soviets proletários; é preciso torná-lo mais vasto, mais universal, mais popular”. Como se houvesse dúvida ainda, enfatiza: “O capitalismo criou um aparelho de registro na forma de bancos, consórcios, serviços postais, sociedades de consumidores e sindicatos de funcionários públicos. Sem os grandes bancos o socialismo seria irrealizável”. Arremata então afirmando que “a ‘chave’ de tudo não será sequer o confisco dos bens dos capitalistas, mas o controle operário geral, de todo o povo, universal, sobre os capitalistas e seus possíveis partidários” (LÊNIN, 1977b, p. 294).

O controle operário do novo Estado operário seria o cerne da democracia fundada no trabalho, no qual ainda haveria capitalismo, mas um capitalismo de passagem para a época da transição socialista. Nesse momento, importante era “obrigar os capitalistas a trabalhar, dentro dos marcos da nova organização do Estado”, pois “há outro caminho que não seja o de implementar imediatamente um verdadeiro autogoverno do povo?” (LÊNIN, 1977b, p. 298).

O esvaziamento do governo provisório da República possibilitou que os bolcheviques assumissem o poder em 7 de novembro de 1917, tendo em seguida obtido amplo respaldo dos soviet de toda a Rússia. Tratava-se agora de implementar as linhas mestras programáticas que Lênin havia definido desde o seu retorno ao País no precedente mês de abril. Mas antes de tudo havia que se fazer frente à sabotagem empreendida pela burguesia apeada do poder. Em março de 1918 os bolcheviques chagavam a conclusão que a fase da conquista do poder havia terminado e se iniciava a fase de construção dos fundamentos da transição socialista.

O debate aceso nos soviet e no seio do partido comunista (bolchevique) teve um ponto alto na exposição de Lênin sobre As�tarefas�imediatas�do�poder� soviético.�Apesar da persistente instabilidade da situação e

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da fragilidade da Rússia, conseguido o tratado de paz, o problema central passava a ser agora o de organizar o governo. De maneira geral,

a vitória da revolução socialista será assegurada somente se o proletariado e os camponeses pobres desenvolverem suficiente consciência de classe, devoção aos princípios, abnegação e perseverança. Ao criar um novo tipo de Estado, o Estado soviético, que dá as massas trabalhadoras e oprimidas a possibilidade de participar ativamente na construção independente de uma nova sociedade, resolvemos só uma pequena parte deste difícil problema. A dificuldade principal está no terreno econômico: isto é, em introduzir um registro e um controle mais estrito e geral da produção e da distribuição de produtos, em aumentar a produtividade do trabalho e socializar a produção na prática (LÊNIN, 1977c, p. 92).

Lênin afirmava que se tratava agora de “criar as condições que impossibilitem a existência da burguesia ou o surgimento de uma nova burguesia” (LÊNIN, 1977c, p. 96), mas, paradoxalmente, insistia que diante da particularidade da situação concreta da Rússia, nesse momento a ofensiva contra o capital deveria ser interrompida. A explicação que Lênin oferece é bastante simples: os organizadores do processo produtivo, os especialistas no conhecimento são de origem burguesa e só eles, nas condições presentes podem realizar essas funções. Logo, não restaria outra saída ao novo Estado em construção senão induzir essa camada a se envolver com a tarefa de registro e contabilidade, imprescindível pra que houvesse uma elevação imediata da produtividade do trabalho, nem que fosse ao custo da oferta de altos salários. Esse seria um investimento para que a força de trabalho se qualificasse e se disciplinasse para o socialismo, o que tornaria os altos salários desnecessários a sua vez.

Expropriada a burguesia das fábricas agora era preciso encontra um meio de incorporar o seu conhecimento. A difusão da ciência e da técnica gerada pelo capitalismo era uma rota incontornável para a transição socialista, incluindo os aspectos progressivos da organização científica do trabalho elaborada por F. Taylor. Sobre a necessidade de ampliação da produtividade do trabalho, Lênin avançava que,

a última palavra do capitalismo neste terreno – o sistema Taylor –, do mesmo modo que todos os avanços do capitalismo, reúne em si toda a ferocidade refinada da exploração burguesa e uma série das maiores conquistas científicas referentes ao estudo dos movimentos mecânicos durante o trabalho, a supressão dos

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movimentos supérfluos e, a elaboração de métodos de trabalho mais racionais, a implantação de melhores sistemas de registro e controle. A República Soviética deve adotar, a qualquer custo, as conquistas mais valiosas da ciência e da técnica neste domínio. A possibilidade de se construir o socialismo depende precisamente do êxito que logremos ao combinar o poder soviético e a organização soviética da direção com as últimas conquistas do capitalismo (LÊNIN, 1977c, p. 110).

Outros destaques de Lênin para a ação imediata eram o uso da publicidade, a construção do Banco Popular e a melhoria dos monopólios estatais, condição para a efetivação do monopólio do comercio exterior. O recolhimento de impostos sobre bens e rendas ainda não estava estabelecido como método de governo, predominando ainda a imposição de tributos à burguesia. A implantação do trabalho obrigatório, necessário para a transição socialista deve começar pelos ricos e se expandir gradualmente a todos. Esses são todos elementos importantes, mas o fundamental é “aprender a combinar a democracia das ‘reuniões publicas’das massas trabalhadoras, que flui turbulenta, impetuosa como as águas primaveris que fazem transbordar os rios, com a disciplina de ferro durante o trabalho, com a obediência incondicional à vontade de uma só pessoa, o dirigente soviético do trabalho” (LÊNIN, 1977c, p.123).

A reflexão de Lênin está sempre acoplada a realidade do momento, mas sem jamais perder de vista o objetivo postado em um horizonte longínquo. Esse momento inicial da transição socialista, um momento fugaz entre a revolução, enquanto conquista do poder, e transição socialista propriamente dita, pode ser identificada como sendo de criação das condições da transição, entre as quais se sobressai a condição para a democracia socialista, “a obra de se conseguir que toda a população aprenda a arte de governar e comece a governar” (LÊNIN, 1977c, p. 124).

As condições da transição deveriam ser criadas, como se fosse um alinhamento para o momento em que a revolução socialista internacional se difundisse também para a Europa ainda conflagrada. Enquanto isso à Rússia caberia apenas manobrar, retroceder e esperar. Na Rússia, e Lênin não tinha dúvida, as condições da transição ou a aproximação do socialismo, implicavam a construção de um capitalismo monopolista de Estado sob controle do proletariado da grande indústria, pois está implícita o registro, a contabilidade, a disciplina no trabalho, a incorporação da ciência e da técnica.

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Nessa situação, além de gestores empresariais, mesmo ex-proprietários foram incorporados na administração das empresas estatais.

Decerto que o conflito social e ideológico continuava acirrado nessa situação de criação das condições da transição, ou seja, dos fundamentos econômico-sociais da democracia socialista, da época histórica da transição socialista. O esforço de Lênin era o de demonstrar a necessidade do capitalismo de Estado, pois pelo momento o socialismo era muito pouco mais que uma decisão política, um projeto de se constituir um Estado operário a partir da instituição do soviet. Mas na realidade das coisas, a Rússia permanecia sendo um país de pequenos camponeses, onde se produz mercadorias e acumulação privada, de modo que havia um poder soviético sobre uma base material na qual predominava ainda um capitalismo pequeno-burguês.

Assim, a particularidade do momento histórico da Rússia era o conflito, por um lado, da pequena produção mercantil e do capitalismo privado contra o capitalismo de Estado e o socialismo. O capitalismo de Estado é condição mesma para o início bem sucedido da transição socialista, é uma aproximação do socialismo. No momento que corria, a ditadura deveria ser exercida contra a pequena burguesia, enquanto a Rússia soviética manobrava, recuava e esperava pela revolução na Alemanha, quando então a situação seria outra e poderia se pensar com mais seriedade sobre o socialismo integral.

Lênin pensava de início que o soviet fosse uma particularidade da revolução na Rússia, mas a prática da classe operária em outros países demonstrou o quanto havia de universal nessa forma de auto-organização da classe operária. Quando a experiência dos soviet (conselhos) se espalhou pelos chamados impérios centrais, a partir de fins de 1918, parecia que o desenho estratégico de Lênin, que via na Rússia apenas o nascedouro de uma revolução muito mais ampla, estava de se realizar. Na Alemanha a transformação do capitalismo monopolista de Estado em socialismo parecia ser mais imediato pelo fato da transição partir de um patamar muito mais elevado que o da Rússia.

O processo que se seguiu foi o pior dentro das previsões possíveis. A revolução socialista internacional tardou a acontecer e quando aconteceu foi débil, tendo sofrido uma dura derrota e assim impedido a classe operária dos países imperialistas de ajudar decisivamente a Rússia revolucionária. A

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própria Rússia foi penalizada com quase três anos de guerra civil e intervenção armada do imperialismo. Assim a prioridade foi novamente alterada para a defesa do poder revolucionário a todo custo, criando novas formas de hierarquia e burocracia, que distorceram profundamente a democracia dos soviet e colocou em cheque a aliança operário-camponesa.

A NEP e as difíceis condições para a transição socialista Vencida a guerra civil e a intervenção imperialista, mas derrotada a

revolução socialista internacional, em março de 1921, a devastada Rússia soviética, em mais uma manobra de recuo para esperar a classe operária do Ocidente a se reerguer, dá início à chamada NEP (Nova Política Econômica). Não por acaso Lênin retoma a discussão de 1918 sobre o capitalismo de Estado no seu texto Sobre�o�imposto�em�espécie. A primeira observação é que depois da guerra civil a ruína do país havia aumentado e detido a restauração das forças produtivas, ao mesmo tempo em que se reforçava o elemento pequeno burguês no campo.

Em outro aparente paradoxo, Lênin defendia que para se melhorar a situação dos operários havia que se começar pelos camponeses e pela garantia do abastecimento. Atentava ainda que,

tomar outro caminho diferente significa colocar os interesse corporativistas dos operários acima dos interesses de classe; significa, pois, sacrificar em troca do aproveitamento de vantagens imediatas, parciais e momentâneas, os interesses de toda a classe operária, de sua ditadura, de sua aliança com os camponeses contra os latifundiários capitalistas, de seu papel dirigente na luta para libertar o trabalho do jugo do capital (LÊNIN, 1977d, p. 79).

Na prática, a proposta de Lênin indicava o fim do confisco da produção camponesa pelo imposto em espécie e pela troca por produtos industriais. Uma solução econômica bastante primitiva, mas derivada da situação de devastação em que a Rússia se encontrava então. Ademais, diante da impossibilidade de se restaurar as forças produtivas de imediato, seria necessário ajudar na restauração da pequena indústria, o que, ao final das contas “resulta no ressurgimento da pequena-burguesia e do capitalismo baseado na limitada liberdade de comércio (ainda que não seja mais do que local)” (LÊNIN, 1977d, p. 81).

Nessa situação, quando as condições para a transição socialista estavam ainda aquém de 1918, a estratégia socialista de Lênin apontava

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como única possibilidade o empenho para se canalizar o desenvolvimento capitalista inevitável para a via do capitalismo de Estado. Daí a prioridade dada por Lênin às concessões, ao concessionário capitalista, gestor da grande empresa, cujo significado seria de “um pacto do poder soviético, ou seja, do poder estatal proletário, com o capitalismo de Estado, contra o elemento pequeno-proprietário (elemento patriarcal e pequeno-burguês)” (LÊNIN, 1977d, p. 83).

Assim, ‘implantando’o capitalismo de Estado sob a forma de concessões, o poder soviético reforça a grande produção contra a pequena, a produção avançada contra a atrasada, a produção baseada na maquinaria contra a manual, aumentando assim a quantidade de produtos da grande industria reunidos em suas mãos (por meio de cotas em espécie) e reforçando as relações econômicas reguladas pelo Estado em contrapartida às relações pequeno-burguesas anárquicas (LÊNIN, 1977d, p. 84).

O cooperativismo era outra forma de capitalismo de Estado, apenas que com a grande diferença que essa se funda na pequena indústria manual e patriarcal, mais difícil de ser controlada e também mais difícil de passar para a grande produção e associação voluntária. Outras formas de capitalismo de Estado seriam o pagamento de comissão ao comerciante pelo estoque e venda da produção estatal ou privada e, finalmente, o arrendamento de uma fábrica ou da terra. Percebe-se com toda a nitidez que o empenho de Lênin nesse momento é construir na Rússia um capitalismo de Estado, dado a flagrante impossibilidade da transição socialista e mesmo do recuo para formas de produção pré-capitalistas. O problema todo estava em ajustar as melhores condições para a transição socialista, para o que “é necessário compreender quais são os caminhos, os métodos, os recursos, os elementos intermediários necessários para a passagem das relações pré-capitalistas para o socialismo” (LÊNIN, 1977d, p. 88).

As dificuldades foram ainda maiores na implantação de um capitalismo de Estado razoavelmente adiantado, pois a estratégia da burguesia russa e do imperialismo era a de sufocar a Rússia soviética economicamente, tendo então falhado o projeto das concessões. Desse modo, não restou a Lênin outro caminho que não fosse o de aprofundar a reflexão sobre o capitalismo de Estado a partir das variantes mais atrasadas e a partir disso encontrar as linhas de passagem para a transição socialista,

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quase que cedendo, por força da dura realidade, às velhas concepções dos narodiniks de passagem para o socialismo a partir das comunas agrárias.

Já adoentado Lênin expõe algumas considerações sobre o problema das cooperativas. Começa por afirmar que o socialismo seria o mesmo que a máxima organização dos trabalhadores em cooperativas e para demonstrar isso raciocina a partir da lembrança que “com a NEP fizemos uma concessão ao camponês como comerciante, fizemos uma concessão ao principio do comércio privado; disso precisamente (ao contrário do que alguns crêem) a gigantesca importância das cooperativas” (LÊNIN, 1977e, p. 378).

Lênin identificava a importância das cooperativas a partir da propriedade dos meios de produção pelo Estado operário e também pelo que julgava ser o caminho de passagem dessa vertente do capitalismo de Estado, que eram as cooperativas para as condições da transição socialista. O cooperativismo dos camponeses deveria então ser estimulado por meio de uma política de Estado adequada e com oferta de vantagens materiais em relação à empresa privada. Mas para que o cooperativismo implique a autogestão coletiva e elevação da produtividade é indispensável “toda uma etapa de desenvolvimento cultural”. A melhor qualificação para o trabalho e uma cultura geral mais extensa, com o tempo resultaria na geração das condições da transição socialista pela via do capitalismo de Estado também nessa vertente. Em fórmula lapidar Lênin (1977e, p. 381) afirmava: “quando os meios de produção pertencem à sociedade, quando é um fato o triunfo de classe do proletariado sobre a burguesia, o regime dos cooperativistas cultos é o socialismo”.

Na avaliação de Lênin, quando o problema da sua sucessão na direção do partido e do Estado já se apresentava, as tarefas que seus sucessores teriam que se defrontar eram de longo prazo. A primeira delas seria a refazer a administração pública, em grande medida herdada do antigo Estado feudal-absolutista, burocrático e ineficaz. O fato é que o novo Estado que deveria se desenvolver e florescer a partir dos soviets, da autogestão, da democracia direta de base, não chegou a se constituir em razão das tantas agruras que passou desde que assumira o poder de Estado.

A outra tarefa seria promover uma “revolução cultural” entre os camponeses, induzindo-os a se organizarem em cooperativas, já que “se pudéssemos organizar toda a população em cooperativas, pisaríamos com os dois pés em terreno socialista”. Lênin concluía, não sem certa melancolia, que,

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hoje nos basta esta revolução cultural para chegar a nos convertermos em um país completamente socialista, mas essa revolução cultural nos apresenta incríveis dificuldades, tanto no aspecto puramente cultural (pois somos analfabetos) como no aspecto material (pois para sermos cultos é necessário certo desenvolvimento dos meios materiais de produção, se precisa de certa base material) ( LÊNIN, 1977e, p. 384).

Últimas consideraçõesChegado perto do fim da vida Lênin tinha plena clareza de que

a revolução socialista internacional fora derrotada, quiçá por quanto tempo, tendo assim falhado o seu desenho estratégico concebido com o início da guerra imperialista de perseguir uma guerra civil revolucionária em toda a Europa e depois, mais concretamente, uma revolução articulada entre Rússia e Alemanha. Nunca teve dúvidas, porém, que na Rússia, cujo desenvolvimento era retardatário, tratava-se de se construir as condições para a transição socialista. Na particularidade russa, as condições para a transição socialista seriam construídas por um capitalismo de Estado dirigido pela ditadura democrática do proletariado e do campesinato.

O drama se apresenta quando se constata que a situação em 1923 era muito pior que 1905, quando esteve longe da vitória, e que 1918, quando se consolidou a teoria do capitalismo de Estado como via de passagem para as condições da transição socialista. Os últimos escritos de Lênin buscaram configurar a NEP como construção de um capitalismo de Estado sob direção do partido comunista, que amadurecesse indicando as vias de passagem para a transição socialista, que criasse as condições da transição socialista. Lênin sabia das dificuldades quase insuperáveis e de quanto a derrota estava próxima, considerando o isolamento internacional e a catástrofe econômico-social da Rússia.

Do exposto, é possível observar que a teoria política de Lênin sempre esteve vinculada a prática transformadora do real, e a sua prática esteve sempre vinculada a criação das condições da transição socialista. Para que isso ocorresse era preciso que a classe operária assumisse a direção do processo histórico que, no caso particular da Rússia, significava alcançar o desenvolvimento cientifico, técnico, organizativo e cultural do imperialismo, implementando um capitalismo de Estado que criasse as condições para

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a transição socialista. Isso poderia acontecer em meio a uma revolução burguesa ou em meio a uma presumível revolução socialista internacional. As condições da transição não era uma abstração, pois estavam postas na realidade do imperialismo capitalista e eram essa as condições a serem alcançadas a fim de que a empreitada da transição socialista para o comunismo e a emancipação do trabalho fosse empreendida. Assim, pode ser dito que a transição socialista propriamente dita jamais teve início no tempo de Lênin, permanecendo sempre como um objetivo a ser alcançado.

Referências LÊNIN, V. Dos tácticas de la socialdemocracia em la revolucion

democrática. In: ______. Obras� Escogidas. Moscú: Progreso, Tomo III, 1976a.

______. La bancarrota de la II Internacional. In: ______. Obras�Escogidas. Moscú: Progreso. Tomo V, 1976b.

______. La catástrofe que nos amenaza y como combatirla. In: ______. Obras�Escogidas. Moscú: Progreso, Tomo VII, 1977a.

______. Las tareas del proletariado em nuestra revolucion. In: ______. Obras�Escogidas. Moscú: Progreso, Tomo VI, 1976c.

______. Las tareas inmediatas del poder soviético. In: ______. Obras�Escogidas. Moscú: Progreso, Tomo VIII, 1977c.

______. Que hacer? In: ______. Obras�Escogidas. Moscú: Progreso, Tomo II, 1975.

______. Se sostendran los bolcheviques em el poder?. In: ______. Obras�Escogidas. Moscú: Progreso, Tomo VII, 1977b.

______. Sobre el impuesto en espécie. In: ______. Obras� Escogidas. Moscú: Progreso, Tomo XII, 1977d.

______. Sobre las cooperativas. In: ______. Obras� Escogidas. Moscú: Progreso, Tomo XII, 1977e.

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A Revolução Russa e os tempos de desilusões

Ariovaldo�Santos∗

� Resumo: A Revolução Russa de 1917 representou, para o conjunto do proletariado internacional, o primeiro grande marco do século XX. Foi ela a demonstrar, efetivamente, a possibilidade de ruptura efetiva com a sociedade burguesa, no rastro do que já havia sido tentado pela Comuna de Paris, em 1871. O artigo que segue busca, à luz disto, resgatar algumas das contribuições, ensinamentos e aprendizados fornecidos por este evento, no transcurso dos 90 anos de sua realização.

Palavras-chave: Comunismo. Marxismo. Revolução Russa. Proletariado.

“Os homens fazem a história, mas nem sempre a fazem em condições por eles escolhidas”. Esta frase de Marx é útil para se pensar a Revolução Russa de outubro de 1917, uma vez que ela se efetiva, com o intuito de romper com a lógica do capital, porém, não se realiza nas condições desejáveis por aqueles que a colocaram em movimento. Processo complexo que implicava romper com a estrutura feudal russa, avançando para o socialismo em direção à consolidação do comunismo, em condições materiais de atraso das relações sociais e das forças produtivas. E, esse, não é um fato menor quando se considera que já por ocasião dos estudos de Marx e Engels alertavam para os limites e mesmo a impossibilidade de se construir o comunismo partindo das situações de incipiente desenvolvimento das forças produtivas.

Assim, segundo Marx e Engels (1974, p. 34):Para que se converta em um poder ‘insuportável’, isto é, em um poder contra o qual há que fazer a revolução, é necessário que engendre uma massa da humanidade como absolutamente ‘despossuída’ e, paralelamente a isto, em contradição com um mundo de riquezas e de educação, o que pressupõe, em ambos os casos, um grande incremento da força produtiva, um alto grau de seu desenvolvimento; e, de outra parte, este desenvolvimento das forças produtivas (que implica já, ao mesmo tempo, uma existência empírica dada em um plano histórico-universal, e não na existência puramente local dos homens) constitui também uma premissa prática absolutamente necessária, porque sem

∗ Professor de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. End. Eletrônico: [email protected].

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ela só se generalizaria a escassez e, portanto, com a pobreza, começaria de novo, paralelamente, a luta pelo indispensável e se recairia necessariamente em toda a porcaria anterior.

Mais ainda, havia os limites de construção do socialismo/comunismo a partir de uma situação de isolamento. Conforme já assinalado por Engels no texto Princípios�do�Comunismo�e retomado posteriormente em A�Ideologia�Alemã,�havia a necessidade, dada a complexidade crescente da produção, de que o processo revolucionário ocorresse envolvendo outras nações na mesma processualidade, de modo a construir, também, um cinturão de resistência aos contra-ataques do capital. Politicamente, haveria resistência da burguesia organizada. Economicamente e socialmente, seria impraticável, em um único território, obter as matérias-primas necessárias e desenvolver, isoladamente, as condições necessárias à produção de valores de uso, rompida a lógica da acumulação, pautada pela produção de valores de troca.

As notas de Marx e Engels não podem ser desconsideradas quando se pretende pensar as razões pelas quais a Revolução Russa de 1917 não resultou na efetivação da sociedade emancipada, ou, mais precisamente, na realização de uma sociedade sem classes. Enfim, se é um fato que a revolução foi colocada em marcha, também o é que ela jamais transitou para além da dimensão meramente política, ficando travada a sua transformação em revolução social.

Certamente, é preciso reconhecer a importância dos esforços para a superação da sociedade de classes presentes nos objetivos da Revolução Russa de 1917. Entretanto, mais do que assinalar as suas positividades, sempre importantes, é igualmente preciso reconhecer os seus limites e debilidades, sem o que se avança facilmente para o ufanismo estéril. Por outras palavras, a Revolução de outubro de 1917 teve suas positividades, dentre as quais é possível destacar os intentos de construção de um projeto distinto de sociedade, ancorado na superação das classes e da propriedade privada. Entretanto, como negligenciar que ela não logrou atingir seus objetivos, pagando um alto preço às condições concretas nas quais se realizou?

Assim, 90 anos depois, é exigência se debruçar sobre os limites vividos por aquela revolução, que, como todo processo de tal magnitude, jamais está dado com anterioridade ao próprio movimento histórico. Lembre-se a este respeito, as sábias palavras de Lênin, às vésperas da Revolução de Outubro, onde afirma:

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Toda Revolução significa uma brusca virada na vida das massas populares. Se esta virada não amadureceu, é impossível uma verdadeira revolução. E da mesma maneira que toda virada na vida de um indivíduo o ensina e o faz conhecer e sentir muitas coisas, a revolução brinda ao povo inteiro, em pouco tempo, com os mais profundos e preciosos ensinamentos [...] Durante a revolução, milhões e milhões de homens aprendem em uma semana mais do que em um ano de vida rotineira e monótona. Pois em uma brusca virada da vida de todo um povo se vê com especial clareza que fins perseguem as diferentes classes sociais, de que forças dispõem e com que meios atuam [...] Todo operário, soldado e camponês consciente deve meditar atentamente nos ensinamentos da Revolução Russa; sobretudo hoje, em fins de julho, quando se vê já claramente que a primeira fase de nossa revolução terminou em um fracasso (LÊNIN, 1979, p. 59).

Disto resulta que, fazer a revolução é mais do que armar o proletariado. Implica, ao mesmo tempo, compreender as transformações e permanências que acompanham o processo, realizar a autocrítica permanente, tarefa indispensável ao militante, como em inúmeras vezes ressaltaram os clássicos do marxismo e os próprios Marx e Engels, reconhecendo-se os avanços sem negligenciar a identificação dos fracassos e erros.

E, provavelmente, residem aí, os dois primeiros grandes ensinamentos da Revolução de Outubro de 1917. Primeiro, demonstrar que é possível mobilizar esforços no sentido de superação da sociedade burguesa e das revoluções meramente políticas, ou seja, aquelas que deixam em pé a estrutura de classes em vez de a superarem. Em segundo lugar, isto só é possível de ser efetivado caso se acompanhe atentamente a realidade em movimento, a totalidade concreta, as determinações conjunturais e estruturais.

Efetivamente, nas condições concretas em que se realizou, as dificuldades para que a Revolução de 1917 atingisse seus objetivos primeiros foram se avolumando. Lembre-se, a respeito, as críticas constantes de Lênin à Inspeção Operária e Camponesa, presente em seus últimos escritos. Paralelamente, Lênin assinala para o crescimento desmedido da burocracia soviética, levando ao fortalecimento do aparelho estatal em vez de conduzir à sua dissolução. Em um primeiro momento registra os limites do aparelho de Estado soviético:

Nosso aparelho estatal, exceto o Comissariado do Povo para Relações Exteriores, representa em sua maior parte uma

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sobrevivência do antigo aparelho, que apenas em grau mínimo foi modificado de forma mais ou menos séria. Foi apenas retocado ligeiramente em seu aspecto exterior, mas nos demais aspectos conserva tudo que caracterizava nosso antigo aparelho de Estado. Creio que, para encontrar os métodos de renová-lo de modo efetivo, será necessário recorrer à experiência da guerra civil [...] Concentrarmos as melhores forças do partido, [mobilizarmos] nossos melhores operários [e buscarmos] novas forças nas raízes mais profundas de nossa ditadura [do proletariado] (LÊNIN, 1979, p. 08).

E ainda:Estamos seguros de que nosso aparelho [...] sofre numerosos defeitos, [...] é duas vezes maior que o necessário, [e] muito freqüentemente trabalha não para , mas contra nós [...] Passar-se-ão anos antes que consigamos aperfeiçoar nosso aparelho estatal e elevá-lo a um nível cultural superior, e não no que se refere a indivíduos isolados, mas em sua totalidade (LÊNIN, 1979, pp. 12-13).

As notas no mesmo sentido poderiam ser multiplicadas. No entanto, as referências de Lênin, anteriormente assinaladas, são suficientes, nos limites deste artigo, para evidenciar os problemas que, já naquele momento, despontavam e exigiam esforços redobrados no sentido de sua solução. Explicitam ainda, as referidas notas, elementos que nos ajudam a combater as formas ideológicas de argumentos presentes, por exemplo, em Alain Bihr (2001) e John Halloway (2003), que imputam à leitura leniniana a presença de um permanente fetichismo�do�Estado.

Algumas interpretações fornecidas pelo pensamento universitário reforçam, por sua vez, a necessidade de se retomar a Revolução Russa como tema de debate. Enraizou-se a crença de que todo projeto que busca eliminar as diferenças de classe entre os homens tende a desembocar em tirania. Esta leitura é reforçada pelo desmoronamento dos regimes do Leste Europeu, falsamente identificados com o espírito da Revolução Russa. Com o esgotamento dos modelos propostos pelos países sob influência da ex-União Soviética, se fortaleceu a ideologia do fim da história e o desencantamento intenso nas fileiras dos militantes socialistas e comunistas. Não foram poucas, nos últimos anos, as produções teóricas exigindo um socialismo com democracia, como se, em seu conteúdo original, alguma vez se tenha proposto um sem o outro.

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Mesmo as palavras comunismo e comunista perderam seu conteúdo original. Em suas origens no campo do pensamento de esquerda, comunismo remetia à efetivação de um determinado modo de produção, no qual os homens seriam livres organizadores das suas forças produtivas. Assim como a história dos homens foi marcada por diversos modos de produção (asiático, feudal, capitalista), o comunismo representaria a superação de todas as formas anteriores, uma vez que, além de restabelecer o controle social sobre a produção, ergueria, também, uma organização social que prescindiria da divisão dos homens, dispostos em classes sociais antagônicas.

Sobre isso não restam dúvidas quando se consulta os textos de Marx e Engels, sendo suficiente, para os objetivos deste pequeno trabalho, assinalar uma significativa passagem contida em A�Ideologia�Alemã, onde os dois pensadores afirmam:

O comunismo se distingue de todos os movimentos anteriores em que cai por terra a base de todas as relações de produção e de tratamento que até agora existiram e pela primeira vez aborda de um modo consciente todas as premissas naturais como criação dos homens anteriores, despojando-as de seu caráter natural e submetendo-as ao poder dos indivíduos associados. Sua instituição é, portanto, essencialmente econômica, a das condições materiais desta associação. O existente, o que cria o comunismo, é precisamente a base real para tornar impossível tudo que existe independentemente dos indivíduos, enquanto este algo existente não é, no entanto, outra coisa que um produto da relação anterior dos próprios indivíduos. Os comunistas tratam, portanto, praticamente, as condições criadas pela produção e a relação anteriores como condições inorgânicas, sem chegar sequer a imaginar-se que as gerações anteriores se propuseram ou pensaram administrar-lhes materiais e sem crer que estas condições fossem inorgânicas para os indivíduos que as criavam (MARX; ENGELS, 1974, p. 68).

A esta leitura originária passou-se a outra, de caráter puramente ideológico, onde o comunismo, de modo de produção se transformou em regime político totalitário. Conversão para a qual contribuiu, de maneira direta, a instauração dos regimes do Leste Europeu, os quais preservaram o Estado, mantiveram um corpo burocrático sólido e silenciaram vozes com seus respectivos gullags. Desse modo, interiorizou-se a compreensão, inclusive nas fileiras do proletariado, de que comunismo era sinônimo de regimes políticos despóticos, onde os indivíduos eram privados de suas

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liberdades básicas, tais como direito de ir e vir. Por desdobramento, comunista�passou a ser identificado como o partidário da referida opressão e atentado aos direitos básicos de cada um.

Transformado pelo pensamento liberal e conservador em sinônimo de regime político despótico, comunismo passou a representar, ao mesmo tempo, a alternativa da qual seria necessário escapar caso se quisesse preservar o indivíduo e sua individualidade. Assim, melhor seria ter a pior democracia burguesa do que o melhor comunismo. E, ainda, a melhor postura consistiria em defender a democracia burguesa, pois esta era real, em contraposição ao “socialismo real”, ancorado em uma utópica, irrealizável e imaginária possibilidade de se construir uma sociedade sem senhores ou dominantes e dominados. Em síntese, segundo estas leituras, que jamais foram suficientemente rebatidas de modo orgânico pelos defensores da sociedade comunista nas bases em que a pensaram Marx, Engels e o próprio Lênin, para nos restringirmos a estes pensadores, apostar na utopia�comunista,�que seria a sociedade dos homens verdadeiramente livres e capazes de gerirem a vida social sem a necessidade de uma classe dominante mediando a produção e reprodução da vida cotidiana, seria inútil, pois o resultado desastroso da experiência já estaria dado com antecedência.

A Revolução Russa de 1917 deve ser retomada, ainda, como tema de debate, por outro legado importante que ela nos deixa, através de Lênin, e freqüentemente desconsiderado por aqueles que se declaram de esquerda. Trata-se da importância da teoria para pensar o mundo.

Confrontado aos inúmeros problemas vivenciados pela Revolução, Lênin escreve em Mais�Vale�Pouco�Porém�Bom:

Nosso aparelho estatal encontra-se em estado tão penoso, para não dizer detestável, que primeiro devemos refletir profundamente sobre a maneira de lutar contra suas deficiências, e recordar que estas vêm do passado; que o passado, a despeito de haver sido subvertido, não desapareceu por completo, não pertence a uma cultura antiga e superada [...] O mais prejudicial neste caso seria apressar-se; crer que sabemos algo, ainda que seja pouco; ou pensar que dispomos de um número mais ou menos considerável de elementos para organizar um aparelho realmente novo, que em verdade mereça o nome de socialista, de soviético, etc [...]. Não, não existe tal aparelho, e inclusive o número de elementos que o forma é irrisório de tão reduzido, e devemos ter presente que para criá-lo não se pode regatear tempo, que requer muitos anos

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[...] De que elementos dispomos para criar este aparelho? Apenas de dois. Em primeiro lugar, os operários, entusiasmados com a luta pelo socialismo, mas não têm instrução suficiente [...] não alcançaram nem o desenvolvimento nem a cultura necessários. O que nos falta é precisamente cultura [...] Em segundo lugar, os elementos que formam nossos conhecimentos, educação e instrução são ridículos de tão escasso, se os comparamos com os demais Estados [...] Para renovar nosso aparelho estatal é indispensável que nos proponhamos: primeiro, estudar; segundo, estudar; terceiro, estudar; depois, comprovar que a ciência não fica reduzida à letra morta ou a uma frase da moda (coisa que, não há porque ocultá-lo, ocorre com demasiada freqüência entre nós) mas convertê-la, de fato, em nossa carne e nosso sangue, que chegue a ser plena e verdadeiramente um elemento integrante da vida diária (LÊNIN, 1979, pp. 16-17).

�Certamente, os elementos anteriormente colocados não esgotam as possibilidades de avaliação sobre as positividades e limites da Revolução Russa de 1917. Buscou-se aqui, apenas, destacar alguns problemas para a reflexão, uma vez que se abandonou de modo intenso, nas últimas décadas, a necessidade do rigor analítico e teórico, ao mesmo tempo em que se colocaram aos clássicos em enésimo plano enquanto referências necessárias de leituras. Como desdobramento, muitos equívocos foram colocados e assumidos, por desconhecimento, como a melhor solução a determinados problemas ou à sua apreensão crítica. Observe-se, por exemplo, o grande culto às ações espontâneas conduzidas pelos “movimentos sociais” e o total esquecimento das críticas que Marx, Engels e os clássicos do marxismo realizavam em relação a elas. De igual modo verifica-se o culto à empiria, condenado pelos antecessores que são retomados como referenciais para as lutas dos movimentos atuais.

Trata-se, seguramente, aqui, de pequena contribuição a um vasto debate, o qual seguramente prosseguirá na medida em que se intensificam as amarras do capital, aprisionando a sociabilidade moderna em caminhos que comprometem, cada vez mais, a efetivação de relações sociais verdadeiramente ricas do prisma da humanidade genérica ou da omnilateralidade na qual, como acentuava Marx, o tempo livre seria o espaço de criação e fluição do ser social.

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ReferênciasBIHR, A. Da�Grande�Noite�à�Alternativa. São Paulo: Boitempo, 2001.HOLLOWAY, J. Mudar�o�Mundo�Sem�Tomar�o�Poder. São Paulo: Viramundo,

2003.LÊNIN, V. I. Últimos�Escritos�(Testamento�Político)�&�Diário�das�Secretárias. Belo

Horizonte: Aldeia Global, 1979.MARX, K.; ENGELS, F. “La Ideologia Alemana” In: ______. Obras�

Escogidas. Tomo I. Moscú: Progreso, 1974.

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Seção de Resenhas

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Movimentos Sociais como alternativas à renovação democrática na América Latina∗�

por�Renata�S.�Schevisbiski�∗∗�

O�MedoCerta�manhã,�ganhamos�de�presente�um�coelhinho�das�Índias.

Chegou�em�casa�numa�gaiola.�Ao�meio-dia,�abri�a�porta�da�gaiola.Voltei para casa ao anoitecer e o encontrei tal e qual o havia deixado:

gaiola�adentro,�grudado�nas�barras,�tremendo�por�causa�do�susto�da�liberdade.

Eduardo Galeano,�O�Livro�dos�Abraços

O medo é uma sensação que está presente no imaginário político da América Latina, essencialmente naqueles países cujos sistemas políticos passaram por um período ditatorial. Na pequena história que Eduardo Galeano nos conta acima, em livro que retoma elementos da memória coletiva latino-americana, percebemos que àqueles que permaneceram sob um autoritarismo, a liberdade surge como condição trêmula, em certo sentido até paralisante. Galeano nos traz sensações derivadas de uma determinada condição do político, uma condição de privação de direitos que ao se retirar se traduz num susto, o susto da liberdade.

O instante que marcou a restauração das democracias latino-americanas surge como um abrir-se de portas para a maior atuação dos movimentos sociais, revelando-se como um processo de alavancagem da ação coletiva na América Latina. Aqui, neste caso, contrariamente ao que descreve Galeano, o susto da liberdade – o “abrir-se da gaiola” – não significou um momento de paralisia, mas de mobilização de segmentos da sociedade civil no sentido da promoção de lutas por direitos sociais e maior abertura do Estado no que diz respeito à tomada de decisão política.

Uma série de artigos e reflexões sobre as possibilidades de atuação da sociedade civil surge a partir desse contexto, entre eles destacamos o livro de Christian Adel Mirza, em que o autor se coloca o problema de como

∗ Resenha do livro de Christian Adel Mirza, Movimientos�Sociales�y�Sistemas�Políticos�en�América�Latina:�la�construcción�de�nuevas�democracias. Buenos Aires: Clacso, 2006.

∗∗ Professora de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina.

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repensar a democracia, como renovar profundamente os regimes políticos na América Latina. Ao voltar-se para o aprimoramento da cidadania, pergunta-se: Que papel cabe aos movimentos sociais na consolidação e, simultaneamente, transformação de sistemas democráticos?

As incursões realizadas pelo autor em torno dessa problemática nos levam a um resgate das utopias e dos novos paradigmas oferecidos pelos movimentos sociais nas duas últimas décadas, de maneira a anunciar novas modalidades de entendimento e expansão da cidadania e de exercício democrático “desde baixo”, o que nos ajuda a compreender que o problema da renovação da democracia passa pelas condições que viabilizam e impulsionam a ação coletiva.

Para Mirza, portanto, ao colocar-se em primeiro plano tal problema, os movimentos sociais surgem como protagonistas de um processo de construção de novas democracias frente à debilidade do sistema representativo. Nesse sentido, a constatação acerca da perda de legitimidade de instituições e mecanismos de representação política como o sistema partidário e os Poderes Executivo e Legislativo na América Latina sinaliza para a necessária atuação dos movimentos sociais.

Essa atuação, no entanto, deve dar-se de maneira autônoma em relação ao Estado e aos partidos políticos, o que contribui na visão do autor para que os movimentos sociais se consolidem como atores e sujeitos protagonistas na reconstrução de cenários democráticos inovadores, ou seja, na edificação de democracias marcadamente inclusivas.

Dado esse ponto de partida, o autor analisa sete países da América Latina – Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Venezuela e Equador – com o intuito de verificar o grau de autonomia e consolidação organizacional dos movimentos sociais, tanto de caráter emergente, como histórico. Para tanto, a) realiza uma sistematização de indicadores comparados sobre vários movimentos sociais e sua articulação com a prática democrática de cada país; b) considera o perfil dos sistemas políticos e, mais especificamente dos sistemas partidários, associado a um exame da evolução dos indicadores de confiança nas instituições democráticas; c) considera as relações entre alguns movimentos sociais e o sistema de partidos de cada país, examinando os vínculos mais ou menos consolidados com determinadas forças políticas. Além disso, d) considera o modelo de desenvolvimento para a região, verificando o impacto das políticas neoliberais sobre a elaboração de

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plataformas de ação por parte dos movimentos sociais. Também há uma análise sobre os formatos organizacionais de vários desses movimentos.

Entre os movimentos sociais considerados mais relevantes na investigação estão aqueles que permitiram ao autor encontrar certas regularidades, tendo em vista: a) o grau de organização; b) capacidade propositiva, no sentido da elaboração de propostas; c) capacidade de mobilização, isto é, níveis de apoio e legitimidade do movimento; d) o discurso político que permite apreciar a construção de identidades coletivas e seus projetos sociais; e) o grau de autonomia, ou seja, o tipo de vínculo estabelecido com partidos políticos; e f) a taxa de filiação, em termos do nível de apoio e adesão ao movimento.

Na Argentina, o autor destaca a “Central de los Trabajadores Argentinos” (CTA) e os chamados “Piqueteros” ou “Movimientos de Trabajadores Desocupados” (MTD). No caso brasileiro considerou-se a Central Única dos Trabalhadores (CUT), por ser um caso paradigmático de construção de um poder sindical na América Latina, além do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os movimentos sociais observados no Chile foram: “Ad-Mapu”, uma das organizações indígenas mapuches, e a “Central Unitaria de Trabajadores” (CUT), representativa do movimento trabalhista chileno. No Equador destacou-se a “Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador”(CONAIE) que representa diversas nações indígenas, além da “Frente Unitario de Trabajadores” (FUT) que inclui várias centrais sindicais. Em relação ao Paraguai, analisou-se o movimento sindical e campesino, em especial a “Mesa Coordinadora Nacional de Organizaciones Campesinas” (MCNOC). No caso venezuelano, o autor retoma as condições sociopolíticas sob as quais se deu a atuação dos movimentos sociais, marcada por quatro décadas de uma “política do consenso” até finais dos anos 1980 quando se altera esse equilíbrio político. E, finalmente, no caso uruguaio considerou-se o movimento dos trabalhadores, a Central Sindical e a “Federación Unificadora de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua” (FUCVAM).

Em que cenário de institucionalização partidária se insere a possibilidade de renovação dos movimentos sociais? De acordo com o autor, existem variações nos níveis de institucionalização do sistema partidário de cada país analisado, haja vista o que apresenta o modelo de Mainwaring & Scully a esse respeito, em trabalho intitulado “La Construción de Instituciones

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Democráticas: Sistemas de partidos en América Latina”. As variações tanto no que se refere aos sistemas institucionalizados (Colômbia, Venezuela, Costa Rica, Chile, Uruguai e Argentina em menor medida), de institucionalização incipiente (Bolívia, Peru, Equador, Brasil) e aqueles de partido hegemônico (México e Paraguai) proporcionaram ao autor observar, comparar e buscar correlações fortes e débeis quanto à emergência, consolidação e autonomia dos movimentos sociais nos sete países observados.

Na perspectiva do autor, portanto, existem fatores responsáveis por alavancar, mas também inibir a ação coletiva na América Latina. No primeiro aspecto, evidencia-se a perda de legitimidade dos partidos políticos, associada às políticas de corte neoliberal – precarização das condições de trabalho, demandando a elaboração de plataformas de resistência por parte dos movimentos sociais –, assim como a problemática da exclusão histórica de povos indígenas. Entre os fatores inibidores estão o domínio do Estado, no sentido de impedir, dificultar e cooptar a participação social, a fragmentação dos trabalhadores, deterioração do trabalho e altos índices de desemprego, contribuindo para diminuir os laços de solidariedade entre os trabalhadores. Nesse contexto também se observa implicações no plano das identidades, a desesperança e a mercantilização das relações sociais, conseqüências inexoráveis das políticas neoliberais, atuando como impeditivos à construção da ação coletiva.

Derivadas dessas observações, Adel Mirza finaliza seu livro apontando cinco teses a respeito da relação entre movimentos sociais e sistemas políticos na América Latina. A primeira diz respeito ao grau de autonomia dos movimentos sociais e as conseqüências para sua ação coletiva. A segunda considera que a existência de organização e de plataformas contribui para ampliar a capacidade de atuação dos movimentos sociais, assim como para aumentar sua legitimidade perante a sociedade civil. A terceira tese aponta para os reflexos positivos da perda de legitimidade de algumas instituições democráticas, visto que favorece a mobilização social e, ao mesmo tempo, contribui para a emergência de novos movimentos sociais. A quarta considera que a implantação de um modelo neoliberal de corte hegemônico na América Latina e Caribe tem reconfigurado as relações entre Estado, sistema partidário e movimentos sociais. A quinta e última tese sai em defesa da ampliação substantiva e não meramente formal da participação social como requisito para a renovação das democracias latino-

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americanas, sob o ponto de vista da construção de relações igualitárias no plano econômico e político, contribuindo para garantir a estabilidade desses sistemas políticos.

Assim, percebemos que a obra de Christian Adel Mirza parte de uma problemática extremamente atual, demonstrando através de ampla pesquisa os limites e as possibilidades de renovação da democracia pela via dos movimentos sociais. Ao leitor interessado em compreender as democracias latino-americanas, abre-se um universo de questões e constatações intrigantes às quais não poderá ignorar ao findar sua leitura.

ReferênciasGALEANO, E. O�livro�dos�Abraços. Porto Alegre: L&PM, 2005.

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Abstracts

Flexibility and fragmentation of the world of work: a theoretical debateAdrián�Sotelo

In this article it is reflected upon the main theories of the world of work, its problematics, changes and transformations which occurred in the last few years based on the crisis and restructuring of the world capitalism.Keywords: Centrality of the work. Flexibility. Precariousness.

Unprecendented rupture, unrestricted pluralism and democracy: thethree ideological facets of the PT identity

Danilo�Enrico�Martuscelli

The purpose of this article is to analyze three fundamental theses which constituted the dominant ideology of the PT (Labor Party) between the middle 80’s and the beginning of the 90’s, namely: 1) the PT has no international reference; 2) the PT does not have a univocal doctrinal reference; 3) the PT holds an original conception of democracy, hence occurring the defense of the so-called “democratic socialism”.Keywords: Labor Party. Ideology. Brazilian politics.

The rhetoric of “there are no alternatives” as a facet of classesstruggle: the magazine Veja of the 90’s

Carla�Luciana�Silva

The purpose of this text is to discuss the ways through which the magazine Veja disseminated the neo-liberal ideology that there are “no alternatives” in opposition to concrete alternatives: parties on the left, social and contesting movements in Latin America. Unlike what states the discourse about which it is trying to create common sense, the contesting movements never failed to be present in recent history. The neo-liberal battle also occurred in the field of meanings, with the purpose of producing ideological discourses not only about itself, but also about the movements it fights.Keywords: The magazine Veja. Neo-liberalism. The press. Power.

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Lenin or Kornilov or why liberal democracy was not considered ahistorical alternative in the Russian revolution of 1917

Valério�Arcary

The author examines the period immediately prior to October 1917 when the bourgeoisie breaks off with democracy and the proletariat has the historical opportunity to stimulate the Revolution with its outspreads throughout the world. The USSR’s internationalist revolutionary dictatorial regime, even with internal crises, kept the promise of stimulating the world revolution and began to be a threat to the preservation of capitalism.Keywords: Revolution. Bolshevism. Nazi-fascism.

Russian revolution - 90 years laterMárcio�Bilharinho�Naves

There is a current interpretation that holds that the Russian revolution in fact represented the end of capitalism in the Soviet Union, and it also meant the possibility of, by means of theoretical and practical orientations that prevailed in that period, consolidating a new society, ruled by the working class. However, with the historical return that we have of that event and all accumulated reflection about it, this interpretation should be questioned.Keywords: Revolution. Capitalism. State bourgeoisie.

Lenin and the socialist transitionMarcos�Del�Roio

In this article the author examines some aspects of Lenin’s thought and political action concerning the socialist transition. As for that, he discourses about the importance of the revolution of 1905, the outbreak of the imperialist war, the revolution of 1917, the initial moments of the soviets’ power and at last, the reflections on NEP. The essential thesis is that Russia, with Lenin alive, could not achieve proper conditions for the socialist transition.Keywords: Russian revolution. Socialist transition. Imperialism. State capitalism.

The Russian revolution and the periods of dissapointmentsAriovaldo�de�Oliveira�Santos

The Russian Revolution of 1917 represented, for the International proletariat, the first great landmark of the twentieth century. It demonstrated the possibility of an effective disruption with the bourgeois society, following what have already been tried by the Paris Commune in 1871. This article intends to bring back some of the contributions, lessons and learning provided by this event, in the course of the 90 years of its implementation.Keywords: Communism. Marxism. Russian Revolution. Proletariat.

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