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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das econo- mias gaúcha, nacional e internacional. EDITOR Octavio Augusto Camargo Conceição SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá Trimestral CONSELHO DE REDAÇÃO Octavio Augusto Camargo Conceição Adalberto Alves Maia Neto André Luis Forti Scherer Jéferson Daniel de Matos Maria Lucrécia Calandro Teresinha da Silva Bello CONSELHO EDITORIAL Octavio Augusto Camargo Conceição Álvaro Antônio Louzada Garcia Maria Aparecida Grendene de Souza Pedro Cezar Dutra Fonseca Otília Beatriz K. Carrion Dercio Garcia Munhoz Leda Paulani Maurício Coutinho Luiz G. Belluzzo Indicadores Econômicos Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 33 n. 2 p. 1-218 2005

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e EstatísticaSiegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das econo-mias gaúcha, nacional e internacional.

EDITOROctavio Augusto Camargo Conceição

SECRETÁRIA EXECUTIVALilia Pereira Sá

Trimestral

CONSELHO DE REDAÇÃOOctavio Augusto Camargo ConceiçãoAdalberto Alves Maia NetoAndré Luis Forti SchererJéferson Daniel de MatosMaria Lucrécia CalandroTeresinha da Silva Bello

CONSELHO EDITORIALOctavio Augusto Camargo ConceiçãoÁlvaro Antônio Louzada GarciaMaria Aparecida Grendene de SouzaPedro Cezar Dutra FonsecaOtília Beatriz K. CarrionDercio Garcia MunhozLeda PaulaniMaurício CoutinhoLuiz G. Belluzzo

IndicadoresEconômicos

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e EstatísticaSiegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das econo-mias gaúcha, nacional e internacional.

EDITOROctavio Augusto Camargo Conceição

SECRETÁRIA EXECUTIVALilia Pereira Sá

Trimestral

CONSELHO DE REDAÇÃOOctavio Augusto Camargo ConceiçãoAdalberto Alves Maia NetoAndré Luis Forti SchererJéferson Daniel de MatosMaria Lucrécia CalandroTeresinha da Silva Bello

CONSELHO EDITORIALOctavio Augusto Camargo ConceiçãoÁlvaro Antônio Louzada GarciaMaria Aparecida Grendene de SouzaPedro Cezar Dutra FonsecaOtília Beatriz K. CarrionDercio Garcia MunhozLeda PaulaniMaurício CoutinhoLuiz G. Belluzzo

IndicadoresEconômicos

Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 33 n. 2 p. 1-218 2005

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Sumário

A CONJUNTURA ECONÔMICA ....................................................

Principais Medidas de Política Econômica do Primeiro Semes-tre de 2005 ................................................................................

Política EconômicaPolítica monetária: no primeiro semestre de 2005, Copom mantém ociclo de aumento da taxa básica de juros — Edison Marques Mo-reira ...........................................................................................

Política fiscal: desempenho favorável — Isabel Noemia Rückert eMaria Luiza Borsatto ....................................................................

AgriculturaSafra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços embaixa — Martinho Roberto Lazzari ................................................

IndústriaIndústria gaúcha: a crise bate à porta em 2005 — André Luís FortiScherer ...........................................................................................

Relações InternacionaisAs exportações gaúchas para os países do Mercosul: 1998-04 —Sônia Unikowsky Teruchkin .........................................................

ARTIGOS DE CONJUNTURA ........................................................

As finanças e a morte da utopia — a crise do Brasil — Enéas deSouza .........................................................................................

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Metas de inflação: uma avaliação do caso brasileiro — MarceloCurado e José Luis Oreiro ...............................................................

Demanda agregada, crescimento e emprego na economia brasilei-ra: 1991-05 — André Luis Contri ........................................................

Produtividade e emprego na indústria do RS, de 1996 a 2000: espe-cialização ou desempenho setorial? — Eduardo Pontual Ribeiro ........

Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformaçãoda Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA): linearidade oudualidade no mercado de trabalho? — André Luiz Leite Chaves ...........

Orçamento Participativo: eqüidade e formação de interesses públi-cos — Carlos Alberto Bello ..........................................................

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 7-12, set. 2005

Principais medidas de políticaeconômica do primeiro

semestre de 2005

POLÍTICA MONETÁRIAPOLÍTICA MONETÁRIAPOLÍTICA MONETÁRIAPOLÍTICA MONETÁRIAPOLÍTICA MONETÁRIA

Resolução nº 3.258, de 28.01.05, do Bacen(Diário Oficial da União nº 21, de 31.01.05)

O Conselho Monetário Nacional (CMN) promoveu alterações no item IX daResolução nº 1.559, de 22 de dezembro de 1988, que estabelecia vedações àrealização de operações por parte das instituições financeiras, originalmenteprescritas pela extinta Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), pormeio da Instrução nº 253, de 11 de outubro de 1963, revogada pela mencionadaResolução nº 1.559, de 1988. Algumas dessas vedações são: realizar opera-ções que não atendam aos princípios de seletividade, garantia, liquidez e diver-sificação de riscos e admitir contas-saque além dos limites em contas deempréstimos ou a descoberto em contas-depósito, dentre outras.

Resolução nº 3.259, de 28.01.05, do Bacen(Diário Oficial da União nº 21, de 31.01.05)

Altera o direcionamento dos recursos captados em depósitos de poupança,com os objetivos de superar os problemas enfrentados no setor imobiliário eaumentar o volume de recursos para o segmento. O Governo Federal tem pro-movido diversas alterações no arcabouço jurídico das operações de créditoimobiliário, das quais a mais recente foi a edição da Lei nº 10.931, de 02 deagosto de 2004, que, dentre outras coisas, dispõe sobre o patrimônio de afetaçãonas incorporações imobiliárias, a Letra de Câmbio Imobiliário (LCI), a Cédula deCrédito Imobiliário (CCI) e altera diversos dispositivos do Sistema de Financia-mento Imobiliário.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 7-12, set. 2005

Resolução nº 3.261, de 28.01.05, do Bacen(Diário Oficial da União nº 21, de 31.01.05)

Autoriza os bancos comerciais, os bancos múltiplos sem carteira deinvestimento e a Caixa Econômica Federal a exercerem as atividades deadministração e de gestão de fundos de investimento, bem como a atuaremcomo integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários na distribui-ção de cotas de fundos de investimentos abertos e na captação de ordenspulverizadas de venda de ações.

POLÍTICA FISCALPOLÍTICA FISCALPOLÍTICA FISCALPOLÍTICA FISCALPOLÍTICA FISCAL

Decreto nº 5.442, de 09.05.05(Diário Oficial da União nº 109, de 09.05.05)

Reduz a zero as alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofinsincidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas,sujeitas à incidência não cumulativa das referidas contribuições.

Medida Provisória nº 252, de 15.06.05(Diário Oficial da União nº 114, de 16.06.05)

Institui o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação deServiços de Tecnologia da Informação (Repes), o Regime Especial de Aquisiçãode Bens de Capital para Empresas Exportadoras (Recap) e o Programa deInclusão Digital. Dispõe sobre incentivos fiscais e tecnológicos e dá outras pro-vidências.

Decreto nº 5.467, de 15.06.05(Diário Oficial da União nº 114, de 16.06.05)

Estabelece termos e condições para a redução a zero das alíquotas da contri-buição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita de venda dos

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produtos de informática de que trata o Programa de Inclusão Digital, nos termosdo parágrafo 2º do artigo 28 da Medida Provisória nº 252, de 15 de junho de2005.

AGRICULAGRICULAGRICULAGRICULAGRICULTURATURATURATURATURA

Lei nº 11.092, de 12.01.05(Diário Oficial da União nº 09, de 13.01.05)

Estabelece normas para o plantio e a comercialização da produção de sojageneticamente modificada da safra de 2005.

Instrução Normativa nº 04, de 16.03.05(Diário Oficial da União nº 52, de 17.03.05)

Condiciona que a importação ou a exportação de qualquer animal, vegetal, seusprodutos e subprodutos, bem como de toda matéria-prima e insumo utilizadosna agricultura e na pecuária, quando regulamentados ou passíveis de veicularpragas ou doenças, passe por fiscalização do Sistema de Vigilância Agropecuáriado Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Lei nº 11.105, de 24.03.05(Diário Oficial da União nº 58, de 28.03.05)

Estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividadesque envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus deriva-dos, cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), reestrutura aComissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e dispõe sobre aPolítica Nacional de Biossegurança (PNB).

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Resolução nº 3.277, de 31.03.05(Diário Oficial da União nº 63, de 04.04.05)

Dispõe sobre medidas especiais, no âmbito do Proagro Mais, para empreendi-mentos atingidos pela seca em municípios dos Estados do Rio Grande do Sul,do Paraná e de Santa Catarina, sobre prorrogação de parcelas de investimentosde agricultores do grupo E do Pronaf e sobre concessão de prazo adicional parapagamento dos financiamentos de custeio para produtores que desistirem dopedido de cobertura do Proagro ou do Proagro Mais.

Portaria nº 248, de 06.05.05(Diário Oficial da União nº 87, de 09.05.05)

Cria o Comitê de Assessoramento em Biossegurança do Ministério da Agricul-tura, Pecuária e Abastecimento (CABio), com o objetivo de acompanhar ostemas relacionados aos Organismos Geneticamente Modificados e seusderivados, no campo de suas competências.

Lei nº 11.116, de 18.05.05(Diário Oficial da União nº 95, de 19.05.05)

Dispõe sobre o Registro Especial, na Secretaria da Receita Federal do Ministé-rio da Fazenda, de produtor ou importador de biodiesel e sobre a incidência dacontribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre as receitas decorrentes davenda desse produto.

Decreto nº 5.448, de 20.05.05(Diário Oficial da União nº 98, de 24.05.05)

Dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira.

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Instrução Normativa nº 18, de 17.06.05(Diário Oficial da União nº 118, de 22.06.05)

Autoriza, sob os aspectos de biossegurança, disciplinados pela Lei nº 11.105,de 24 de março de 2005, a importação de sementes ou grãos de soja genetica-mente modificados, tolerantes ao herbicida glifosato, oriundos do evento GTS40-3-2, bem como de seus produtos e subprodutos.

Instrução Normativa nº 14, de 06.07.05(Diário Oficial da União nº 129, de 07.07.05)

Inclui o Estado do Acre e os Municípios de Boca do Acre e Guajará, do Estadodo Amazonas, na zona livre de febre aftosa com vacinação, constituída pelosEstados de Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, SantaCatarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.

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Política monetária: no primeiro semestre de 2005, Copom mantém o ciclo de aumento....

POLÍTICA ECONÔMICA

Política monetária: no primeiro semestrede 2005, Copom mantém o ciclo de

aumento da taxa básica de juros*

Edison Marques Moreira** Economista da FEE e Professor da PUCRS.

ResumoNeste artigo, analisa-se o comportamento da política monetária no primeirosemestre de 2005, período em que o Comitê de Política Monetária (Copom) sepreocupou em promover a convergência da inflação para a meta estabelecidapelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para isso, deu prosseguimento aociclo de alta da taxa de juros Selic iniciado em setembro de 2004. Também seacompanham o aumento do volume de crédito na economia e o desempenhodos agregados monetários. Por último, apresentam-se breves consideraçõessobre o possível rumo da política monetária no segundo semestre do ano.

Palavras-chavePolítica monetária; taxa de juros; volume de crédito.

AbstractThis article analyzes the behavior of the monetary politics in the first semesterof 2005, period that Copom tried to adjust the inflation into the value establish byConselho Monetário Nacional (CMN). To achieve that, it was kept the cycle ofhigh of the basics tax of interest, which began in september of 2004.The article

* Este texto foi elaborado com informações obtidas até 26.06.05.

** O autor agradece a colaboração dos estagiários Fábio Magalhães Nunes e Nathan Sassi Meneguzzi na pesquisa dos dados e na elaboração das tabelas.

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Edison Marques Moreira

also analyses the raise of credit volume and the performance of monetaryaggregates in the economy. At last, will be presented shorts considerations aboutthe future of the monetary politics in the second semester of the year.

Artigo recebido em 07 jul. 2005.

Introdução

A política monetária, nos primeiros seis meses de 2005, esteve pautadapelo objetivo principal de promover a convergência da inflação para a meta de5,1% ajustada pelo Banco Central (Bacen) — a meta original de 2005 foi fixadaem 2003, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), em 4,5%, mesmo valorestabelecido também para 2006, embora com intervalo de tolerância menor. Foiesse objetivo que guiou as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom)nas suas reuniões mensais para definir a taxa Selic, levando em conta ocomportamento corrente e previsto da demanda agregada, eventuais choquesde preços e sua propagação pelo sistema econômico e a evolução dasexpectativas em relação à inflação futura.

As iniciativas da autoridade monetária, entretanto, não atingiram rapidamenteo objetivo visado, exigindo, portanto, um período mais longo de manutenção doaumento da taxa básica de juros da economia. Em março, por exemplo, aindaque com pequenas oscilações, a mediana das expectativas de variação doÍndice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2005 conservava-se emtorno de 5,7%. A dificuldade para atingir a meta de 5,1% em 2005 fica clara,quando se considera que ela implicava uma inflação mensal média de apenas0,41%, quando a média dos indicadores de núcleo do IPCA se mantinhasistematicamente acima de 0,6% ao mês.

Neste texto, procura-se analisar o comportamento da política monetária noprimeiro semestre do corrente ano, onde o Copom perseguiu a meta de inflaçãoestabelecida pelo CMN fundamentalmente através da elevação da taxa básicade juros da economia. Além disso, avaliam-se o aumento do volume de créditona economia e o desempenho dos agregados monetários. Por último, apresentam--se breves considerações sobre o possível rumo da política monetária no segundosemestre do ano.

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Política monetária: no primeiro semestre de 2005, Copom mantém o ciclo de aumento....

1 - Copom interrompe o ciclo de aumento da taxa básica de juros

Na reunião de junho de 2005, o Comitê de Política Monetária do BancoCentral decidiu manter a taxa de juros Selic em 19,75% pelo segundo mêsconsecutivo, interrompendo um período de aumento de nove meses, iniciadoem setembro de 2004, quando ela foi de 16,25% (Gráfico 1). As justificativaspara as constantes elevações basearam-se na dificuldade encontrada peloGoverno para controlar a inflação dentro das metas previstas para o ano.

Originalmente, a meta central para a inflação de 2005 foi fixada em 4,5%pelo Conselho Monetário Nacional. Também foi estabelecida uma margem detolerância de até 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo desse número.

O próprio Bacen, porém, decidiu que, diante da alta da inflação ocorrida em2004, o centro da meta deste ano deveria ser alterado para 5,1%, com o tetosendo mantido em 7%. Desde setembro, quando começaram a subir os juros, aautoridade monetária passou a relacionar uma série de ameaças ao cumprimento

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FONTE: Bacen.

Evolução da taxa Selic no Brasil — jul./04-jun./05

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Edison Marques Moreira

do objetivo. Uma delas era o forte ritmo de expansão da economia, a outra era opessimismo do mercado em relação à inflação, pois as pesquisas feitassemanalmente pelo Bacen sempre apontavam uma expectativa de elevação donível geral de preços na economia e, nos últimos meses, as incertezas nocenário externo com as oscilações do preço do petróleo e as dúvidas em relaçãoao rumo dos juros nos Estados Unidos da América (EUA). Este último fator foiamenizado com a divulgação da Ata do Federal Reserve (Fed), o banco centralnorte-americano, no dia 22 de abril, o qual promoveu a sétima alta consecutivada taxa de juro preferencial. Ela aumentou em 0,25 ponto percentual, passandopara 2,75% ao ano. A Ata informava, também, que o Fed poderia elevar novamenteos juros norte-americanos, mas sem acelerar o ritmo desse aumento da taxa. Aalta moderada dos juros acalmou o mercado financeiro brasileiro, uma vez queessa situação não afetaria o fluxo de capital estrangeiro para o Brasil. Aliás,uma queda na entrada de dólares, nesse momento, não seria interessante parao País, pois levaria a uma desvalorização do real, que, por sua vez, pressionariaos preços de mercadorias importadas e de produtos agrícolas, que acompanhamas cotações do mercado internacional, fazendo a inflação elevar-se.

A política de juros altos do Bacen, que freqüentemente era criticada porser ineficaz no controle dos preços administrados, como as tarifas públicas,também teve dificuldades em deter a elevação dos chamados preços livres. Emsetembro do ano passado, quando foi iniciada a estratégia, por parte do BancoCentral, de elevação da taxa de juros, a inflação acumulada, em 12 meses, dospreços livres era de 6,48%; em abril de 2005, ela era de 6,44%. A atual resistênciados preços livres aos efeitos da atual política monetária não tem precedente nahistória recente. Em 2003, por exemplo, o aperto dos juros foi capaz de levar ospreços livres de uma variação acumulada, no ano, até junho de 15,36% para7,79% até dezembro. Na realidade, a elevação dos juros por parte do Bacensempre teve como alvo principal os preços livres, uma vez que os administra-dos — combustíveis, energia elétrica, telefonia, plano de saúde — variam apartir de contratos e regras que nada têm a ver com os movimentos do mercado.A explicação para a resistência dos preços livres pode ser buscada desde naalta dos preços de alguns alimentos decorrente da quebra da safra agrícola,devido à seca no início do ano, nos estados sulinos, até na expansão do créditoao consumidor, impulsionada pela introdução dos empréstimos consignados emfolha de pagamento.

Em relação ao comportamento imediato do mercado financeiro, asconstantes altas de juros pelo Copom trouxeram sempre muito nervosismo, eisso pode ser constatado, por exemplo, nos acontecimentos do dia 19 de maio,após o Bacen divulgar o resultado da reunião do Copom. Na oportunidade, a

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 13-28, set. 2005

Política monetária: no primeiro semestre de 2005, Copom mantém o ciclo de aumento....

Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), a taxa de câmbio e a Bolsa deMercadoria e Futuro (BM&F) reagiram à elevação da taxa Selic, que atingiu19,75%. Enquanto o Índice Bovespa perdeu 0,28%, o dólar caiu ao seu menorvalor em três anos, fechando o dia a R$ 2,448 (somente em maio, até o dia 28,o dólar havia perdido 5,73% de seu valor diante do real, sendo que, no ano, amoeda norte-americana se tinha desvalorizado em 10,17%), e o mercado dejuros futuros da BM&F teve alta generalizada.

A decisão do Copom de manter, em junho, a mesma taxa de juros de maiofoi tomada com base nas perspectivas para a trajetória de inflação. IPCA doIBGE deu fortes sinais de desaceleração em maio, quando ficou em 0,49%,ante 0,87% em abril (Tabela 1), e as expectativas de inflação por parte do mercadocaíram para 6,21% no ano; portanto, menores que projeções anteriores, emboraainda acima da meta determinada para 2005.

Tabela 1

Evolução das taxas de inflação, mês a mês, segundo vários índices de preços, no Brasil — jan.-maio/05

(%)

ÍNDICES JAN FEV MAR ABR MAIO ACUMULADAS NO ANO

IPCA-IBGE ..... 0,58 0,59 0,61 0,87 0,49 3,18 IPC-IEPE ........ 1,14 -0,09 1,15 1,31 0,17 3,73 IPC-FIPE ........ 0,56 0,36 0,79 0,83 0,35 2,92 IGP-M ............. 0,39 0,30 0,85 0,86 -0,22 2,20 IGP-DI ............ 0,85 0,43 0,70 0,88 -0,25 1,99 INPC-IBGE ..... 0,57 0,44 0,73 0,91 0,70 3,39

FONTE: IBGE. IEPE.

FIPE. FGV. GAZETA MERCANTIL. São Paulo: Investnews Online, 2005 (vários núme-ros).

O stop na escalada dos juros não significou, contudo, nenhuma mudançano ranking daqueles países com juros mais altos. O Brasil ainda mantém aliderança, com uma taxa real de 13,9% ao ano, mais do que o dobro do segundocolocado, a Turquia, com 5,9%.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 23-28, set. 2005

Edison Marques Moreira

Mesmo com a interrupção do ciclo de altas, o Bacen, que já vinha sofrendocríticas ao longo do semestre, por um provável desaquecimento da economia,viu essa situação se confirmar, com a divulgação, pelo IBGE, em final de maio,de que o Produto Interno Bruto (PIB) do País cresceu, no primeiro trimestre de2005, apenas 0,3% em comparação com o quarto trimestre de 2004.

Os juros elevados tiveram impacto principalmente sobre os investimentose o consumo das famílias, responsáveis pela desaceleração da economia. Osinvestimentos caíram 3% no primeiro trimestre de 2005, ante os últimos trêsmeses de 2004, quando já haviam recuado 3,9%. Já a demanda das famílias,que havia segurado o PIB no último trimestre do ano passado, teve queda de0,6% nos três primeiros meses deste ano, a primeira desde o segundo trimestrede 2003, e, quanto ao consumo do Governo, este recuou 0,1% no mesmo período.Pelo lado da demanda, só as exportações tiveram crescimento (3,5%), evitandouma maior contração do PIB no trimestre. Entretanto o ritmo das exportaçõesdeve diminuir gradativamente ao longo de 2005 (devido, dentre outros motivos,ao atual ciclo de valorização cambial), embora o setor externo deva continuar aser, por mais um ano, a base do crescimento do PIB brasileiro.

Os resultados alcançados pela política de juros altos têm preocupado todosos agentes econômicos, pois, na medida em que ela consegue o objetivo decontrolar a inflação, também impõe um custo elevado à sociedade, em termosde queda no nível de atividade da economia e de aumento da taxa de desemprego.Entretanto o Bacen, que implementou essa política monetária recessiva decombate à inflação, precisará insistir nela por mais alguns meses, aguardandoresultados melhores nos índices de preços. Isso significa manter os juros nopatamar atual, ou próximo, até o fim do ano.

2 - O aumento do volume de crédito

Através do crédito, os agentes econômicos antecipam renda futura pararealizar gastos de consumo e/ou de investimento no presente. Ele é consideradoum dos importantes mecanismos de transmissão da política monetária, pormeio do qual a elevação da taxa básica de juros repercutirá no custo dosempréstimos bancários, reduzindo o volume demandado.

No Brasil, os que defendem o impacto do crédito no aumento da demandaagregada e na inflação apontam a elevação de seu volume em 2004 e no iníciode 2005 para justificar seu argumento. Muitos atribuem ao aumento de crédito aresponsabilidade pela baixa eficácia da política monetária. Essas análises nãotêm recebido o aval do Bacen, que tem afirmado que uma elevação do volume

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de crédito reforçará, a médio prazo, os canais de transmissão da políticamonetária. Apesar disso, tem deixado de tomar medidas para incentivar esseaumento, como a redução do nível do compulsório dos bancos.

Os dados do Banco Central mostram que houve efetivamente um aumentodo volume de crédito na economia brasileira, mas que tal crescimento se deusobre uma base muito deprimida. A relação do crédito sobre o PIB é muitoreduzida no Brasil, se comparada à de países desenvolvidos (G-7), onde elaultrapassa 120%. Nos países emergentes do Sudeste Asiático com taxa decrescimento mais elevada, essa razão é superior a 100% (Coréia do Sul, Malásia).A relação crédito/PIB no Brasil sofreu uma queda constante entre 1994 — logoapós o Plano Real, quando os empréstimos ao setor privado correspondiam acerca de 35% do PIB — e abril de 2003, com uma relação de 23,5% do PIB,para chegar, em dezembro de 2003, a 25,3%. Em dezembro de 2004, essarelação equivalia a 26,2% do PIB.

Estatísticas do Banco Central indicam que, nos quatro primeiros meses de2005 (últimos dados disponíveis), as operações de crédito do sistema financeiro,com um volume total de R$ 515,4 bilhões em abril (alta de 1,7% no mês e de20,5% em 12 meses), alcançaram 27% do PIB, ante 26,7% em março do mesmoano e 25,3% registrado em abril do ano anterior. Essa evolução refletiu odesempenho, em 2005, dos financiamentos contratados com recursos livres,evidenciado pelo aumento das operações com pessoas físicas, em particularos empréstimos consignados em folha de pagamento, assim como o crescimentodas carteiras de pessoas jurídicas lastreadas em recursos internos.

Nesse contexto, o estoque de crédito concedido com recursos livresalcançou R$ 299,6 bilhões em abril, com acréscimos de 2,9% no mês e de24,9% em 12 meses (Tabela 2), atingindo 58,1% do total de crédito do sistemafinanceiro. A parcela relativa aos recursos direcionados mostrou redução mensalde 0,3% e crescimento de 12,4% em 12 meses, totalizando R$ 180 bilhões. Osdesembolsos efetuados pelo BNDES somaram R$ 12 bilhões no acumulado dejaneiro a abril, revelando contração de 0,6% comparativamente a igual períodode 2004. As consultas realizadas ao BNDES, que representam futurosinvestimentos de médio e longo prazos, alcançaram R$ 26,5 bilhões nos primeirosquatro meses de 2005, com redução de 5,9% em relação às registradas nomesmo período do ano anterior.

Com relação à distribuição setorial do crédito, o volume de empréstimodestinado ao setor privado alcançou R$ 495,9 bilhões em abril de 2005, registrandoexpansão de 1,8% no mês. O destaque é o crescimento de 2,7% nos empréstimospara pessoas físicas, volume de R$ 141,5 bilhões, bem como o de 1,5% nosfinanciamentos direcionados à indústria, saldo de R$ 128,7 bilhões. No tocante

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aos demais setores da atividade econômica, observou-se aumento de 1,6% nasoperações com o segmento outros serviços, estoque de R$ 84,9 bilhões,ressaltando-se o setor de transportes. Os créditos contratados pelo comérciomostraram incremento mensal de 1,2%, ao atingirem R$ 57,7 bilhões.

Tabela 2

Evolução mensal e em 12 meses do crédito com recursos livres, direcionados e do crédito total no Brasil — jan.-abr./05

(%)

MESES RECURSOS

LIVRES (1)

RECURSOS DIRECIONADOS

CRÉDITO TOTAL (2)

Janeiro ......................... 2,2 0,2 1,4 Fevereiro ...................... 2,6 -0,8 1,2 Março ........................... 2,1 0,6 1,7 Abril .............................. 2,9 -0,2 1,7 Em 12 meses ............... 24,9 12,4 20,5

FONTE: Bacen.

(1) Os recursos livres são definidos de acordo com a Circular nº 2.957, de 30.12.99, do Bacen; não incluem companhias hipotecárias e agências de fomento e desenvol-vimento. (2) Refere-se a créditos a taxas de juros administradas.

Assinale-se, ainda, o desempenho das operações de crédito rural, quecresceram 1,6% no mês, somando R$ 56,7 bilhões, com ênfase na liberação derecursos para investimento agrícola. As operações de crédito para o setorhabitacional, que contemplam os recursos livres e os direcionados, totalizaramR$ 26,4 bilhões, com incremento de 0,8% no mês. Essa variação refletiu oaumento de crédito concedido pelos bancos públicos, com prevalência derecursos oriundos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Porúltimo, têm-se as operações com o setor público, que atingiram R$ 19,5 bilhões,apresentando retração de 0,3% no mês. O resultado foi determinado pelo recuode 1,4% nas operações com o Governo Federal, saldo de R$ 5 bilhões, querefletiu a apreciação cambial nos contratos vinculados à moeda estrangeira.

Quanto às operações de crédito com recursos livres, o volume de créditodestinado às pessoas jurídicas alcançou R$ 169,7 bilhões em abril, comacréscimo mensal de 2,5%. A evolução foi determinada pelo crescimento dasmodalidades com recursos domésticos, que aumentaram 3,5% no mês, somando

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R$ 120,1 bilhões. No mesmo sentido, a média diária das concessões para pessoasjurídicas com recursos internos elevou-se 6,1%, totalizando R$ 2,9 bilhões. Oestoque das modalidades referenciadas em moeda estrangeira situou-sepraticamente no mesmo patamar do mês anterior, R$ 49,6 bilhões, influenciadopela apreciação cambial. As concessões médias lastreadas em recursos externos,R$ 547 milhões, registraram, entretanto, incremento de 12,4%, devido àscontratações de repasses externos e aos financiamentos à importação.

As operações com pessoas físicas alcançaram R$ 129,9 bilhões, comexpansão de 3,5% em abril (Tabela 3). A evolução mostrou-se mais significativaem crédito pessoal, com variação de 4,8% no mês e de 51,9% em 12 meses.Esse crescimento foi influenciado pela expansão dos empréstimos consignados,que atingiram R$ 16,5 bilhões em abril (crescimento, no mês, de 6,7%), deacordo com os dados de amostra de instituições financeiras representativas.Em 12 meses (abr./04-abr./05), esse tipo de crédito aumentou 110,9%. O sucessodo crédito com desconto em folha de pagamento decorre do fato de que eleapresenta um risco muito menor para os bancos, porque a prestação devida édescontada diretamente do rendimento mensal do tomador de crédito. O riscoremanescente de desemprego dos tomadores desse tipo de crédito é aindamais minimizado pela preferência absoluta que os bancos têm dado aosassalariados do setor público e aos aposentados e pensionistas do INSS. Ocrédito em consignação dá ao consumidor uma alternativa de financiamento,com taxas inferiores às taxas normais de financiamento, já que os baixos riscoslevam os bancos a demandar taxas de juros menores para essa modalidade doque para os demais créditos para as pessoas físicas.

A taxa média de juros das operações de crédito com recursos livresaumentou 0,6 ponto percentual em abril, alcançando 48,4% ao ano. A elevaçãono custo médio do crédito refletiu o comportamento das taxas dos empréstimoscom pessoas físicas e com pessoas jurídicas, assim como o crescimento daparticipação da carteira de pessoas físicas no saldo total das operações. Nomesmo sentido, o spread bancário mostrou acréscimo de 0,2 ponto percentual,situando-se em 29 pontos percentuais.

Em relação aos juros médios para empréstimos a pessoas físicas, estesatingiram 64,5% ao ano, com alta de 0,5 ponto percentual no mês. Destacou-se,nesse tipo de crédito, o incremento de 1,5 ponto percentual no custo dasoperações de cheque especial, modalidade que representa 8,9% do crédito totala pessoas físicas. Em sentido oposto, observou-se decréscimo de 4,7 pontospercentuais no custo dos financiamentos de bens, exceto veículos, em virtudede operações associadas a convênios firmados por instituições financeiras comgrandes lojas de departamento.

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Tabela 3

Evolução mensal e em 12 meses das operações de crédito com recursos livres, por modalidade pessoa física, no Brasil — jan.-abr./05

(%)

MESES CHEQUE

ESPECIAL

CRÉDITO PESSOAL

(1)

FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO

Janeiro ....................... 7,8 3,1 -0,3

Fevereiro ................... 4,7 5,4 -0,3

Março ........................ 3,8 5,8 -1,3

Abril ........................... 0,4 4,8 -0,3

Em 12 meses ............ 11,1 51,9 -1,0

MESES AQUISIÇÃO

DE BENS CARTÃO DE

CRÉDITO OUTROS TOTAL

Janeiro ...................... 2,0 6,1 2,7 3,2

Fevereiro ................... 0,9 8,3 3,7 3,6

Março ........................ 2,0 -2,2 5,8 3,5

Abril ........................... 2,1 6,7 4,3 3,5

Em 12 meses ............ 28,2 45,1 21,5 35,4

FONTE: Bacen.

NOTA: Saldo em final de período.

(1) Inclui operações consignadas em folha de pagamento.

No segmento de pessoas jurídicas, a taxa média atingiu 33,3% ao ano,com incremento de 0,4 ponto percentual ao mês. Esse resultado foi determinadopelo acréscimo de 1 ponto percentual nos contratos pactuados com juros pós--fixados, conjugado ao aumento de 0,5 ponto percentual nas operações comtaxas pré-fixadas, ressaltando-se as elevações nas modalidades conta garantidae capital de giro.

A inadimplência da carteira de crédito com recursos livres, consideradosos atrasos superiores a 15 dias, situou-se em 7,6% em abril, apresentandorecuo de 0,1 ponto percentual. Os atrasos relativos às operações com pessoasfísicas revelaram queda de 0,4 ponto percentual, atingindo 12,3%, enquanto, nosegmento de pessoas jurídicas, a inadimplência se elevou 0,2 ponto percentual,correspondendo a 4% da carteira de crédito.

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3 - Evolução dos agregados monetários

Desde meados da década de 80, o controle dos agregados monetários,que predominava como instrumento de política monetária, foi substituído nestafunção pelo manejo das taxas de juros, em função da elevada volatilidadeintroduzida em tais agregados pela evolução da finança contemporânea. A partirde então, a taxa de juros de curtíssimo prazo (denominada taxa básica daeconomia) passou a ser considerada como o principal instrumento de políticamonetária, tanto por bancos centrais que adotaram o regime de metas de inflação,quanto pelos que não o utilizam. Esse seria um instrumento particularmenteeficaz nos casos de uma inflação de demanda. As interpretações sobre osmecanismos de transmissão da política monetária divergem a partir desse ponto.

Em abril (último dado disponível), a média dos saldos diários da basemonetária (BM) atingiu R$ 80,5 bilhões, apresentando queda de 1,2% no mês eacréscimo de 18,2% no período de 12 meses (Tabela 4). O comportamentoregistrado no mês decorreu das reduções de 1% em papel-moeda emitido e de1,6% em reservas bancárias.

Em relação às fontes de emissão monetária, tendo como referência osfluxos mensais, o movimento na conta única do Tesouro Nacional constituiu oprincipal fator de contração da base monetária, com impacto de R$ 10,9 bilhões(Tabela 5). No mesmo sentido, o conjunto de operações com o sistema financeirofoi contracionista em R$ 219 milhões, decorrente, basicamente, dos ajustesnas operações com derivativos, no montante de R$ 187 milhões.

As operações com títulos públicos federais no mês, incluindo a atuação doBanco Central com o objetivo de ajustar a liquidez do mercado monetário, foramexpansionistas em R$ 10,7 bilhões, em função, principalmente, das operaçõesrealizadas no mercado primário, onde os resgates líquidos de títulos do TesouroNacional geraram expansão de R$ 9 bilhões. No mercado secundário, as compraslíquidas resultaram em expansão de R$ 1,7 bilhão.

Os meios de pagamento (M1), considerada a média dos saldos diários,alcançaram R$ 117,7 bilhões em abril, redução de 1,7% no mês e elevação de17,5% em 12 meses. Os saldos do papel-moeda em poder do público e dosdepósitos à vista registraram quedas de 1,6% e 1,8%, respectivamente, nomês. Considerando-se o período dos últimos 12 meses, ambos os componentescresceram 17,5%.

O conceito M2 dos meios de pagamento ampliados, que adiciona ao M1os depósitos de poupança e os títulos emitidos pelas instituições financeiras,apresentou elevação de 0,3% em abril. Destaque-se a redução de 2,2%observada no estoque de M1, em contraposição à elevação de 1,6% no saldo

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de títulos privados. Os depósitos de poupança apresentaram resgates líquidosde R$ 700 milhões, enquanto, nos depósitos a prazo, se observou captaçãolíquida de R$ 1,1 bilhão.

Tabela 4

Variação mensal e em 12 meses da base monetária (BM) e dos meios de pagamento no Brasil — jan.-abr./05

(%)

BM (1) M1 (2) M2 (3) MESES

No Ano Em 12 Meses

No Ano Em 12 Meses

No Ano Em 12 Meses

Janeiro ........... -1,6 21,4 -2,2 21,1 -0,9 20,7 Fevereiro ........ -3,6 20,6 -3,0 20,3 0,7 20,7 Março ............. -1,8 22,0 -0,7 21,1 2,0 22,7 Abril ................ -1,2 18,2 -1,7 17,5 0,3 22,6

M3 (4) M4 (5) MESES

No Ano Em 12 Meses

No Ano Em 12 Meses

Janeiro ........... 0,8 17,6 1,0 15,1 Fevereiro ........ 1,0 17,5 1,2 14,9 Março ............. 1,8 18,2 1,9 16,1 Abril ................ 0,5 18,1 0,5 16,1

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Informações econômicas. Política mone- tária. Nota para a imprensa. [Brasília, DF]: Bacen, 25 de maio de 2005. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM Acesso em: 25 maio 2005.

(1) Base monetária é o saldo do papel-moeda emitido mais reservas bancárias; média dos saldos diários. (2) M1 é o papel-moeda em poder do público mais depósitos à vista; média dos saldos diários. (3) M2 é o M1 mais depósitos de poupança e títulos emitidos pelas instituições financeiras; saldo no final do período. (4) M3 é o M2 mais parcela da carteira dos fundos de renda fixa não incluída nos conceitos mais restritos e operações compromissadas com títulos federais; saldo no final do período. (5) M4 é o M3 mais títulos públicos em poder do setor não financeiro; saldo no final do período.

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O conceito M3, que agrega ao M2 as quotas de fundos de renda fixa e ostítulos públicos federais que dão lastro à posição líquida de financiamento emoperações compromissadas, realizadas entre o sistema financeiro e o setor nãofinanceiro, expandiu-se 0,5%, com crescimento de 0,4% nas quotas dos fundos,resultante da rentabilidade e da captação líquida negativa de R$ 2,2 bilhões emabril. O conceito M4, incluindo o M3 e os títulos públicos de detentores nãofinanceiros, elevou-se 0,5% no mês, totalizando R$ 1,2 trilhão.

4 - Considerações finais

Os efeitos do ciclo de aumento da taxa básica de juros iniciado em setembrode 2004 já se fazem sentir tanto nos resultados da inflação como nas projeçõesde inflação realizadas pelo Bacen. A atividade econômica deverá continuar emexpansão, mas a um ritmo menor e mais condizente com as condições deoferta, de modo a não resultar em pressões significativas sobre a inflação. Alémdisso, houve uma redução na persistência de focos localizados de pressão nainflação corrente e uma melhora do cenário externo, não obstante a elevaçãorecente dos preços internacionais do petróleo. Dessa forma, reduziram-se os

Tabela 5

Fluxos acumulados dos principais fatores condicionantes da base monetária no Brasil — jan.-abr./05

(R$ milhões)

MESES TESOURO NACIONAL

(1)

OPERAÇÕES COM TÍTULOS

PÚBLICOS FEDERAIS

OPERAÇÕES DO SETOR EXTERNO

OPERAÇÕES COM O

SISTEMA FINANCEIRO

(2)

Janeiro .............. 2 988 14 841 6 876 -285 Fevereiro .......... -6 815 -7 080 9 576 -36 Março ............... -7 317 -4 458 10 569 367 Abril .................. -10 969 10 712 -7 -219

FONTE: Bacen.

NOTA: Os valores negativos são referentes à retração; os valores positivos são refe-rentes à expansão.

(1) Não inclui operações com títulos. (2) Inclui redesconto do Banco Central, depó-sitos de instituições financeiras, operações com derivativos, ajustes e outras contas.

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riscos a que está submetido o processo de convergência da inflação para atrajetória de metas.

Diante dessa conjuntura, acredita-se na perspectiva de manutenção dataxa básica de juros em 19,75% ao ano, principalmente nos primeiros meses dosegundo semestre de 2005. Contudo, à medida que se aproximar o final do ano,período em que normalmente o consumo se aquece, é possível que o Copompromova novamente a sua alta, a fim de prevenir-se de uma possível pressãoinflacionária de demanda. Diante dessa possibilidade, o Bacen, ao divulgar, nofinal do mês de junho, o relatório trimestral de inflação, precavendo-se, elevou aprojeção de inflação para 2005 de 5,5% para 5,8% e reduziu a estimativa decrescimento do PIB de 4% para 3,4%. Para 2006, a autoridade monetária projetouuma inflação de 3,7%, abaixo, portanto, da meta de 4,5%, o que pode significara manutenção da política de juros elevados para o ano que vem, embora, porser um ano eleitoral, o Governo faça todo o possível para modificá-la, provocandouma redução dos juros básicos para permitir um maior crescimento da economia.

Referências

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Informações econômicas. Política monetária.Nota para a imprensa. Brasília, DF: BACEN, 25 maio 2005. Disponível em:http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOM Acesso em: 25 maio 2005.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comitê de Política Monetária. Ata da reunião104 do COPOM. Brasília, DF: Bacen, 18/19 jan. 2005. Disponível em:http://www.bcb.gov.br/?COPOM Acesso em: 19 jan. 2005.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comitê de Política Monetária. Ata da reunião105 do COPOM. Brasília, DF: Bacen, 15/16 fev. 2005. Disponível em:http://www.bcb.gov.br/?COPOM Acesso em: 16 fev. 2005.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comitê de Política Monetária. Ata da reunião106 do COPOM. Brasília, DF: Bacen, 15/16 mar. 2005. Disponível em:http://www.bcb.gov.br/?COPOM Acesso em: 16 mar. 2005.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comitê de Política Monetária. Ata da reunião107 do COPOM. Brasília, DF: Bacen, 19/20 abr. 2005. Disponível em:http://www.bcb.gov.br/?COPOM Acesso em: 20 abr. 2005.

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Política monetária: no primeiro semestre de 2005, Copom mantém o ciclo de aumento....

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comitê de Política Monetária. Ata da reunião108 do COPOM. Brasília, DF: Bacen, 17/18 maio 2005. Disponível em:http://www.bcb.gov.br/?COPOM Acesso em: 18 maio 2005.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comitê de Política Monetária. Ata da reunião108 do COPOM. Brasília, DF: Bacen, 14/15 jun.2005. Disponível em:http://www.bcb.gov.br/?COPOM Acesso em: 16 jun. 2005.

BOLETIM DE CONJUNTURA. Brasília, DF: IPEA, 28 de março de 2005.Disponível em: http://www.ipea.gov.br Acesso em: 4 abr. 2005.

GAZETA MERCANTIL. São Paulo: Investnews Online, 2005. (vários números).

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Política fiscal: desempenho favorável

Política fiscal: desempenho favorável*

Isabel Noemia Rückert** Economista da FEE.

Maria Luiza Borsatto** Economista da FEE.

ResumoEste artigo analisa o desempenho das contas públicas do País de janeiro amaio de 2005 e, especificamente, registra que o superávit primário atingiu 6,57%do PIB no período, devido a um aumento da arrecadação tributária. A relaçãodívida pública/PIB diminuiu de 51,7% em dezembro de 2004 para 50,3% emmaio de 2005. O que se verificou é que o Governo efetuou um rigoroso ajustefiscal nas suas contas, mas que não foi suficiente para cobrir os seus gastoscom juros da dívida.

Palavras-chavePolítica fiscal; contas públicas; tributação.

AbstractThis article analyzes the performance of the public accounts of the country fromjanuary to may in 2005 and registers that the primary surplus reached 6,57% ofPIB in the period, due to an increase of the collection tax. The relation publicdebt/PIB reduced from 51,7% in 2004's december to 50,3% in 2005's may. Itwas noticed that the government carry out a strict tax adjustment in their accountsbut it wasn't enough to cover their expenses with interests of the debt.

Artigo recebido em 18 jul. 2005.

* Texto elaborado com informações obtidas até 30.06.05.

** As autoras agradecem ao colega Alfredo Menenghetti Neto os comentários e as suges-tões e ao estagiário Fábio Magalhães Nunes a elaboração das tabelas.

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Isabel Noemia Rückert; Maria Luiza Borsatto

Introdução

A condução da política macroeconômica durante o ano de 2005 vemsendo efetuada basicamente com a utilização de câmbio flutuante, metasinflacionárias e metas de superávit primário.

A combinação de um câmbio apreciado e juros altos alterou a estimativade crescimento do PIB para 2005, com uma previsão de que seja inferior ao doano de 2004. No primeiro trimestre de 2005, o PIB registrou um crescimento de2,9% em relação a igual período de 2004.

Além disso, o Governo utilizou a elevação da taxa de juros básica, com ointuito de conter a demanda agregada, mas o aumento da mesma levou a umacrescente entrada de capitais de curto prazo, e esse incremento de recursosrefletiu-se numa apreciação cambial.

A taxa de juros, que vinha sendo elevada pelo Comitê de Política Monetária(Copom) desde setembro de 2004, interrompeu essa trajetória de alta no mêsde junho de 2005, em vista dos resultados atingidos pela taxa de inflação. Houveuma redução da taxa de inflação, melhorando as projeções inflacionárias,principalmente no mês de maio, quando o IPCA atingiu 0,49%, e no mês dejunho, quando apresentou deflação de 0,02%. No acumulado do ano, a mesmajá alcançou 3,16%, sendo que a meta de inflação para o ano de 2005 estáestimada em 5,1%. Para os próximos anos (2006 e 2007), já foram estabelecidas,pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), as metas a serem cumpridas peloBanco Central, as quais foram idênticas e fixadas em 4,5%, com uma faixa detolerância de dois pontos percentuais.

Quanto ao resultado fiscal, o Governo continuou melhorando as suascontas, alcançando superávits fiscais crescentes, para garantir sustentabilidadeà dívida pública.

O presente artigo busca examinar o comportamento das contas fiscaisno primeiro semestre de 2005. Com esse objetivo, o texto divide-se em cincoseções. Na seção 1, apresentam-se os resultados obtidos nas contas fiscaispelo setor público consolidado; na seção 2, analisa-se a dívida líquida do setorpúblico. Nas seções seguintes, destaca-se o desempenho, especificamente,das contas do Governo Central e da arrecadação tributária Federal e elabora-seum breve comentário sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2006.Por fim, são tecidas algumas considerações finais.

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Política fiscal: desempenho favorável

1 - Os resultados fiscais do setor público consolidado

O resultado primário (receitas menos despesas, excluídos os juros nominais)do setor público consolidado (Governo Central, governos estaduais e municipaise empresas estatais) tem atingido superávits elevados. O Governo mantém,para o ano de 2005, a meta de um superávit primário de 4,25% do PIB. O resul-tado acumulado até maio deste ano atingiu R$ 50,32 bilhões, o equivalente a6,57% do PIB, superando a meta pretendida pelo Governo. Esse desempenhodeveu--se tanto a um aumento da receita quanto à contenção dos gastos. Acarga tributária tem subido, para proporcionar resultados primários favoráveis,todavia o Governo também vem adotando um aperto fiscal pelo lado dasdespesas, para manter esse superávit. A maior parcela desse total refere-se aoresultado do Governo Central (Tesouro Nacional, Previdência Social e BancoCentral), que obteve um superávit primário de R$ 34,35 bilhões (4,48% do PIB),diante de R$ 30,23 bilhões no mesmo período do ano anterior. Por sua vez, osgovernos regionais (estados e municípios) apresentaram um superávit de R$12,00 bilhões (1,57% do PIB) de janeiro a maio de 2005, contra R$ 8,50 bilhões(1,25% do PIB) em idêntico período de 2004, evidenciando que esses níveis degoverno também vêm efetuando um ajuste fiscal nas suas contas. As empresasestatais (federais, estaduais e municipais) tiveram a menor participação nodesempenho positivo do setor público, registrando um superávit de R$ 3,97bilhões, o equivalente a 0,52% do PIB.

No que se refere aos gastos com juros nominais efetuados pelo setorpúblico, os mesmos atingiram o montante de R$ 64,89 bilhões até maio de2005, diante de R$ 51,94 bilhões em igual período do ano anterior, o que significouum aumento de 25%. O aumento dos juros nominais deveu-se ao fato de que,desde setembro de 2004, o Copom vem elevando a taxa de juros básica ("over--Selic") mensalmente, quando subiu de 16% a.a. para 16,25% a.a., continuandoa aumentar até atingir 19,75% a.a. em maio de 2005 e mantendo-se nesse pata-mar em junho deste ano.

Quando se verifica o resultado nominal do setor público, que inclui osdispêndios com juros nominais, observa-se que houve um déficit de R$ 14,56bilhões de janeiro a maio de 2005, ou o equivalente a 1,90% do PIB. Nessemesmo período de 2004, o déficit nominal foi menor, alcançando o valor deR$ 13,67 bilhões (2,02% do PIB), conforme mostra a Tabela 1.

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Tabela 1

Necessidade de financiamento do setor público do Brasil — 2004-05

JAN-MAIO/04 2004 JAN-MAIO/05

DISCRIMINAÇÃO Valor (R$ mi-lhões)

% PIB

Valor (R$ mi-lhões)

% PIB

Valor (R$ mi-lhões)

% PIB

TOTAL NOMINAL .................. 13 673 2,02 47 144 2,66 14 568 1,90

Governo Central .................... 1 129 0,17 27 033 1,53 13 713 1,79

Governo Federal (1) ................ 2 945 0,43 32 976 1,86 13 632 1,78

Bacen ...................................... -1 816 -0,27 -5 943 -0,34 81 0,01

Governos regionais .............. 13 035 1,92 33 982 1,92 3 327 0,43

Governo estadual .................... 10 799 1,59 27 497 1,55 3 467 0,45

Governo municipal .................. 2 237 0,33 6 485 0,37 -140 -0,02

Empresas estatais ................. -491 -0,07 -13 871 -0,78 -2 472 -0,32

Empresas estatais federais ..... -766 -0,11 -14 645 -0,83 -837 -0,11

Empresas estatais estaduais .. 216 0,03 642 0,04 -1 675 -0,22

Empresas estatais municipais 59 0,01 132 0,01 40 0,01

JUROS NOMINAIS ................. 51 941 7,66 128 256 7,25 64 896 8,47

Governo Central .................... 31 362 4,62 79 419 4,49 48 064 6,27

Governo Federal (1) ................ 33 244 4,90 85 698 4,84 48 005 6,26

Bacen ...................................... -1 882 -0,28 -6 279 -0,35 59 0,01

Governos regionais .............. 21 536 3,17 51 464 2,91 15 333 2,00

Governo estadual .................... 18 437 2,72 43 558 2,46 12 827 1,67

Governo municipal .................. 3 099 0,46 7 906 0,45 2 506 0,33

Empresas estatais ................. -957 -0,14 -2 627 -0,15 1 499 0,20

Empresas estatais federais ..... -2 500 -0,37 -5 708 -0,32 825 0,11

Empresas estatais estaduais .. 1 448 0,21 2 887 0,16 591 0,08

Empresas estatais municipais 95 0,01 194 0,01 83 0,01

(continua)

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Política fiscal: desempenho favorável

Esses resultados evidenciam que houve uma melhora no desempenhodas contas públicas e que a equipe econômica do Governo manteve um rigorfiscal, pois, apesar de os dispêndios com juros se terem elevado, o déficitnominal registrou um pequeno decréscimo no seu montante, evidenciando quehouve um aumento muito maior no superávit primário, que é utilizado parapagar os juros.

Essa circunstância ocorreu, embora o Governo não tenha renovado oacordo com o FMI, que expirou em março de 2005, pois continuou mantendo asmesmas metas fiscais, sem alterar a condução dessa política. Além disso,

Tabela 1

Necessidade de financiamento do setor público do Brasil — 2004-05

JAN-MAIO/04 2004 JAN-MAIO/05

DISCRIMINAÇÃO Valor (R$ mi-lhões)

% PIB

Valor (R$ mi-lhões)

% PIB

Valor (R$ mi-lhões)

% PIB

RESULTADO PRIMÁRIO ...... -38 268 -5,64 -81 112 -4,58 -50 328 -6,57

Governo Central ................... -30 232 -4,46 -52 386 -2,96 -34 352 -4,48

Governo Federal (1) ............... -41 005 -6,04 -84 707 -4,79 -47 316 -6,17

Bacen ..................................... 67 0,01 336 0,02 22 0,00

INSS ....................................... 10 706 1,58 31 985 1,81 12 942 1,69

Governos regionais .............. -8 501 -1,25 -17 482 -0,99 -12 006 -1,57

Governo estadual ................... -7 638 -1,13 -16 060 -0,91 -9 360 -1,22

Governo municipal ................. -863 -0,13 -1 422 -0,08 -2 646 -0,35

Empresas estatais ................ 465 0,07 -11 244 -0,64 -3 970 -0,52

Empresas estatais federais .... 1 733 0,26 -8 937 -0,51 -1 662 -0,22

Empresas estatais estaduais .. -1 232 -0,18 -2 245 -0,13 -2 265 -0,30

Empresas estatais municipais -36 -0,01 -62 0,00 -43 -0,01

PIB ACUMULADO NO ANO (2) ........................................... 678 465 - 1 769 202 - 766 503 -

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Informações econômicas: política fiscal. Nota para Imprensa, Brasília, BACEN, 26 ago. 2005. Disponível em: http://www.bcb.gov.br

NOTA: Em valores correntes.

(1) Inclui o INSS. (2) Dados preliminares.

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esse organismo incluiu o País num programa denominado Monitoramento Pós--Acordo, que envolve a visita de técnicos do Fundo duas vezes por ano, com afinalidade de analisar os dados econômicos e de discutir as medidas adotadas.Assim, o País terá esse monitoramento até maio de 2007. Esse tipo de controlefoi criado pelo FMI em 2000, com a finalidade de, segundo esse órgão, reforçara prevenção de crises em países-membros que possuem dívidas com o Fundo,mesmo sem ter um acordo. Ademais, o País possui uma dívida com o FMI e éum dos seus maiores tomadores dos recursos. O total dos saques efetuadospelo País somou US$ 25,08 bilhões, sendo que US 6,11 bilhões já foram pagos.

Por outro lado, o Deputado Delfim Netto apresentou uma proposta de ajustefiscal que levasse a uma queda do déficit, tendo como objetivo zerar o déficitnominal num determinado período de tempo (três ou quatro anos). Para isso,seria necessário um profundo ajuste pelo lado dos gastos públicos, o que levariaa uma expectativa de redução das taxas de juros. Ou seja, o Governo passariaa utilizar o aperto fiscal, ao invés do esforço monetário (através da taxa dejuros), para conter a inflação. Como o resultado nominal inclui o pagamento dosjuros da dívida pública, essa proposição exigiria um maior esforço fiscal, poisos juros e o câmbio são variáveis macroeconômicas não controladas pela políticafiscal.

Além disso, a idéia é que haja uma maior desvinculação das receitasorçamentárias, que hoje é de 20%, para até 40% das receitas totais, permitindoque o Governo tenha um maior raio de manobra para controle dos seus gastos.O Ministro da Fazenda continua considerando que o melhor resultado é amanutenção de um superávit primário consistente, pois, segundo ele, o que sebusca é um esforço fiscal, através do controle dos gastos públicos, que possaproporcionar um déficit nominal zero nos próximos seis a 10 anos (Canzian,2005).

2 - A performance da dívida líquida do setor público

A política fiscal vem sendo conduzida pela busca de superávits primárioscada vez maiores, com o objetivo de reduzir a dívida pública. Na medida em quehá uma desaceleração do crescimento do PIB, para manter a relação dívida//PIB num patamar menor, é necessário um esforço fiscal maior. Essa relaçãodepende do diferencial entre juros reais e crescimento real do PIB e do resultadoprimário, pois sobre este último é que a política fiscal pode ter uma atuaçãodireta.

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Política fiscal: desempenho favorável

Um ajuste fiscal rigoroso, aliado à valorização cambial e à inflaçãocontrolada, tem possibilitado uma queda na relação dívida líquida/PIB, que passoude 51,7% do PIB em dezembro de 2004 para 50,3% do PIB em maio de 2005(Tabela 2).

Tabela 2

Dívida líquida do setor público do Brasil — dez./03, dez./04 e maio/05

(continua)

DEZ/03 DEZ/04 (1) MAIO/05 (1)

DISCRIMINAÇÃO

Saldos (R$ mi-lhões)

% PIB

Saldos (R$ mi-lhões)

% PIB

Saldos (R$ mi-lhões)

% PIB

A - DÍVIDA INTERNA LÍ- QUIDA .......................... 726 688 46,7 818 066 44,2 860 772 45,2 A.1 - Governo Federal ....... 365 778 23,5 411 882 22,2 423 218 22,2 A.1.1 - Dívida mobiliária do Tesouro Nacional .... 679 267 43,3 768 821 41,5 847 864 44,5 A.1.2 - Dívidas securitiza- das .......................... 21 941 1,4 27 869 1,5 27 907 1,5 A.1.3 - Dívida bancária ....... 2 129 0,1 2 693 0,1 2 328 0,1 A.1.4 - Créditos diversos ..... -494 915 -31,4 -534 405 -28,9 -551 864 -29,0 A.1.5 - Previdência Social ... 640 0,0 2 281 0,1 1 247 0,1 A.1.6 - Relacionamento com Bacen ...................... 156 716 10,1 144 623 7,8 95 736 5,0 A.2 - Banco Central do Brasil ........................ 52 693 3,4 64 480 3,5 93 631 4,9

A.2.1 - Base monetária ....... 73 219 4,7 88 733 4,8 79 731 4,2 A.2.2 - Dívida mobiliária do Bacen ..................... 30 659 2,0 13 584 0,7 12 159 0,6 A.2.3 - Operações compro- missadas ................ 65 810 4,2 58 892 3,2 49 081 2,6 A.2.4 - Outros depósitos no Bacen ..................... 56 962 3,7 66 077 3,6 66 954 3,5

A.2.5 - Créditos diversos .... -17 241 -1,1 -18 183 -1,0 -18 558 -1,0 A.2.6 - Relacionamento com o Governo Federal .. -156 716 -10,1 -144 623 -7,8 -95 736 -5,0 A.3 - Governos estaduais 261 586 16,8 289 980 15,7 292 532 15,4 A.3.1 - Dívida mobiliária lí- quida (2) ................. 1 541 0,1 1 792 0,1 680 0,0

A.3.2 - Outras dívidas ........ 282 700 18,1 313 551 16,9 318 584 16,7 A.3.3 - Créditos diversos .... -22 655 -1,4 -25 363 -1,4 -26 732 -1,4

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Todavia a dívida interna líquida, que representa a parcela mais expressivado total da dívida líquida do setor público (90%), registrou crescimento, passandode 44,2% do PIB para 45,2% do PIB. Incluída nela, encontra-se a dívida públicamobiliária federal, que obteve uma elevação de seu estoque, em vista dasnovas emissões de títulos e dos gastos com juros, passando de R$ 768,82bilhões em dezembro de 2004 para R$ 847,86 bilhões em maio de 2005. Emboraessa dívida tenha aumentado, houve uma pequena melhora no seu perfil. Aparcela de papéis pré-fixados — Letras do Tesouro Nacional (LTNs) — na

Tabela 2

Dívida líquida do setor público do Brasil — dez./03, dez./04 e maio/05

A.4 - Governos municipais 36 098 2,3 42 447 2,3 41 386 2,2 A.4.1 - Dívida mobiliária lí- quida (2) ................. 830 0,1 965 0,1 0 0,0 A.4.2 - Outras dívidas ......... 37 716 2,3 43 573 2,4 44 758 2,3 A.4.3 - Créditos diversos .... -2 448 -0,1 -2 091 -0,1 -3 372 -0,2 A.5 - Empresas estatais ... 10 533 0,7 9 277 0,5 10 005 0,5

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Informações econômicas: política fiscal. Nota para Imprensa, Brasília, BACEN, 26 ago. 2005. Disponível em: http://www.bcb.gov.br (1) Dados preliminares. (2) Dívida mobiliária emitida menos títulos em tesouraria. (3) Dívida líquida de reservas internacionais.

DEZ/03 DEZ/04 (1) MAIO/05 (1)

DISCRIMINAÇÃO

Saldos (R$ mi- lhões)

% PIB

Saldos (R$ mi- lhões)

% PIB

Saldos (R$ mi- lhões)

% PIB

B - DÍVIDA EXTERNA LÍ- QUIDA ........................... 186 457 12,0 138 931 7,5 96 796 5,1 B.1 - Governo Federal ....... 218 767 14,1 198 197 10,7 179 742 9,4 B.2 - Bacen (3) ................... -58 490 -3,8 -73 080 -3,9 -90 442 -4,7 B.3 - Governos estaduais 16 429 1,0 15 980 0,9 13 687 0,7 B.4 - Governos municipais 2 605 0,2 2 651 0,1 2 288 0,1 B.5 - Empresas estatais .... 7 146 0,5 -4 817 -0,3 -8 479 -0,4 C - DÍVIDA LÍQUIDA TO- TAL (A + B) .................. 913 145 58,7 956 996 51,7 953 391 50,0 C.1 - Governo Federal ....... 584 544 37,6 610 079 32,9 602 960 31,6 C.2 - Bacen ........................ -5 796 -0,4 -8 602 -0,5 -3 609 -0,2 C.3 - Governos estaduais 278 016 17,9 305 961 16,5 307 073 16,1 C.4 - Governos municipais 38 703 2,5 45 098 2,4 43 664 2,3 C.5 - Empresas estatais ... 17 678 1,1 4 460 0,2 3 303 0,2 PIB ACUMULADO NO ANO (1) ............................... 1 596 846 - 1 851 972 - 1 905 358 -

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Política fiscal: desempenho favorável

composição do estoque elevou-se de 19,0% do total em dezembro de 2004para 21,2% em maio de 2005. Contudo o prazo médio para resgate dos títulospúblicos federais, nesse período, manteve-se praticamente no mesmo patamar(21 meses), e os seus vencimentos estão muito concentrados no curto prazo,25,4% até o final de 2005 e 35,8% até o final de 2006 (Banco Central do Brasil,2005a; b), o que torna a situação da dívida pública preocupante.

Além disso, a maior parcela da dívida em títulos está indexada à taxa"over-Selic", e é pós-fixada, o que significa que sofre a influência da elevaçãoda taxa de juros. Assim, os títulos atrelados à taxa de juros básica aumentaramsua participação no total, passando de 49,5% em dezembro de 2004 para 54,9%em maio de 2005, enquanto a parcela atrelada ao câmbio (swaps e títuloscambiais) reduziu-se substancialmente, de 9,3% do total da dívida em dezembrode 2004 para 4,1% até maio de 2005 (Gráfico 1). Essa redução da participaçãode títulos com correção cambial deveu-se à decisão do Governo (desde maio de2003) de não emitir novos papéis para rolar a dívida vencida e também àapreciação do real em relação ao dólar no período. Este último fator ainda foiresponsável pela queda do estoque da dívida externa líquida, que diminuiu de14,5% do PIB em dezembro de 2004 para 10,2 % do PIB em maio de 2005.

Gráfico 1

Participação percentual, por indexador, dos títulos públicos federais — dez./04 e maio/05

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Informações econômicas: política fiscal. Nota para Imprensa, Brasília, BACEN, 26 ago. 2005. Disponível em: http://www.bcb.gov.brNOTA: Incluindo swaps cambiais.

Dez./04

9,3%2,6%

49,5%

19,0%

19,6%

Câmbio TR

"Over/Selic" Pré-fixado

Outros

9,3%

2,6%

19,6%

19,0%

49,5%

21,2% 17,4%

4,1%

2,4%

54,9%

Maio/05Dez./04

Legenda:

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3 - O comportamento das contas fiscais do Governo Central

O resultado primário do Governo Central apresentou um crescimento de7,0% nos cinco primeiros meses de 2005, totalizando R$ 33,8 bilhões e superandoem R$ 2,2 bilhões o alcançado no mesmo período de 2004 (item E da Tabela 3).Esse desempenho foi conseguido graças ao superávit do Tesouro Nacional (R$46,7 bilhões), que cobriu os déficits da Previdência Social (RGPS), de R$ 13,0bilhões, e do Banco Central, de R$ 22,2 milhões, superando em 0,2%, emproporção ao PIB, o de 2004.

O Tesouro Nacional gerou uma receita total, nos cinco primeiros mesesde 2005, que superou em 4,7% a apresentada nos mesmos meses de 2004,alcançando o valor de R$ 154,4 bilhões. Segundo o Governo, esse resultado foiconseguido devido ao maior recolhimento de tributos por parte das empresas,cujo reflexo foi sentido, principalmente, na arrecadação do Imposto de RendaPessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).A receita líquida total alcançou R$ 160,6 bilhões, mostrando um acréscimo de3,9% em relação ao período anterior, tendo em vista o aumento nos gastos comsubsídios e incentivos fiscais, nos meses de janeiro a maio de 2005. Astransferências a estados e municípios, que estão relacionadas diretamente àarrecadação do Imposto de Renda (IR) e ao Imposto sobre Produtos Industriali-zados (IPI), tiveram um incremento de 10,2%, atingindo R$ 35,1 bilhões, devidoaos resultados positivos desses dois tributos (Tabela 3).

A despesa total registrou uma elevação de 3,1%, totalizando R$ 126,7bilhões. Os gastos com pessoal e encargos sociais, entre janeiro e maio de2005, comparados aos mesmos meses de 2004, apresentaram uma queda de4,8%, resultado da política de contenção de despesas do Governo, apesar doaumento do seguro-desemprego e do acréscimo no salário mínimo. Já osdispêndios com custeio e capital superaram em 6,0%, ou R$ 37,2 bilhões, osgastos do exercício anterior, devido aos acréscimos nos subsídios, nassubvenções sociais, nos benefícios assistenciais e nas outras despesas.Observa-se que esse item ultrapassou em R$ 2,2 bilhões as despesas de pessoale encargos sociais em 2005.

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Política fiscal: desempenho favorável

Tabela 3

Resultado primário do Governo Central — jan.-maio 2004/05

DISCRIMINAÇÃO JAN-MAIO 2004 (R$ milhões)

JAN-MAIO 2005 (R$ milhões)

∆% JAN-MAIO 2005 JAN-MAIO 2004

A - RECEITA TOTAL ........................... 186 330,0 195 625,7 5,0 A.1 - Receitas do Tesouro ................. 147 479,2 154 352,9 4,7 A.1.1 - Receita bruta ............................ 151 025,9 157 151,3 4,1 A.1.2 - Restituições (-).......................... -3 546,7 -2 798,4 -21,1 A.1.3 - Incentivos fiscais (-) .................. 0,0 0,0 - A.2 - Receitas da Previdência Social 38 355,7 40 662,9 6,0 A.3 - Receitas do Banco Central ....... 495,2 609,9 23,2 B - TRANSFERÊNCIAS A ESTADOS E MUNICÍPIOS .............................. 31 808,1 35 062,5 10,2 C - RECEITA LÍQUIDA TOTAL (A - B) 154 521,9 160 563,2 3,9 D - DESPESA TOTAL .......................... 122 874,6 126 713,8 3,1 D.1 - Pessoal e encargos sociais ...... 36 730,3 34 953,8 -4,8 D.2 - Benefícios previdenciários ....... 50 261,4 53 693,6 6,8 D.3 - Custeio e capital ........................ 35 060,3 37 162,2 6,0 D.3.1 - Despesa do FAT ....................... 3 645,3 3 524,8 -3,3 D.3.2 - Subsídios e subvenções econô- micas ......................................... 1 700,7 2 743,9 61,3 D.3.3 - LOAS/RMV (1) .......................... 3 128,5 3 446,9 10,2 D.3.4 - Outras despesas ....................... 26 585,7 27 446,5 3,2 D.4 - Transferências do Tesouro ao Banco Central ............................. 253,7 272,1 7,3 D.5 - Despesas do Banco Central ...... 569,0 632,1 11,1 E - RESULTADO PRIMÁRIO DO GO- VERNO CENTRAL (C - D) .............. 31 647,3 33 849,4 7,0 E.1 - Tesouro Nacional ........................ 43 626,7 46 750,7 7,2 E.2 - Previdência Social (RGPS) (2) ... -11 597,7 -13 030,6 12,4 E.3 - Banco Central (3) ......................... -73,9 -22,2 -69,9 F - RESULTADO PRIMÁRIO/PIB (%) .. 4,65 5,02 -

FONTE: BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Te- souro Nacional. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2005. Disponível em: http://www.stn.fazenda.gov.br Acesso em: 24 jun. 2005.

NOTA: Dados revistos, sujeitos à alteração; valores inflacionados mensalmente pelo IGP-DI da FGV, a preços de maio/05.

(1) Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e Renda Mensal Vitalícia (RMV) são benefícios assistenciais pagos pelo Governo Central. Até 2003, a RMV estava sendo considerada como benefício previdenciário, integrando o resultado da Previdência Social. A partir de janeiro de 2004, passou a ser computada juntamente com a LOAS. (2) Receita de contribuições menos benefícios previdenciários. (3) Despesas administradas líquidas de receitas próprias (incluídas transferências do Tesouro Nacional).

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4 - O recolhimento dos tributos federais

Como já era previsto, a arrecadação dos tributos pelo Governo Federalcresceu acima do estimado, em virtude, principalmente, das medidas fiscais to-madas pelo mesmo em 2004, cujo reflexo está aparecendo nos primeiros cincomeses de 2005, em relação aos mesmos de 2004.

A arrecadação dos tributos federais1 entre janeiro e maio de 2005 ultrapassouem 2,63% a do mesmo período de 2004, atingindo R$ 144,97 bilhões. Emborao Governo tenha considerado a receita obtida em 2004 a maior da década, em2005 ela continuou a crescer de forma significativa, em grande parte pelosacréscimos nas alíquotas de impostos ou mesmo pela criação de novas medidasno exercício anterior, dentre elas, a adoção de rígido combate à sonegação,cujo resultado está sendo sentido neste ano (Tabela 4).

As receitas administradas pela Secretaria da Receita Federal, no períodoanalisado, representaram 94,7% do total arrecadado, enquanto as demais receitasparticiparam com apenas 5,3%. Os impostos constituíram 45,6% das primeiras,e as contribuições sociais somaram 49,1% daquele valor, ou seja, estas últimassuperaram as primeiras em 3,5 pontos percentuais. As receitas administradaspela SRF, que alcançaram o montante de R$ 137,3 bilhões, aumentaram 3,44%em relação às realizadas no período anterior, em função do elevado recolhimentodas contribuições e dos impostos (Tabela 4).

Entre os tributos que mais contribuíram para o bom desempenho da arre-cadação, estão o Imposto sobre Produtos Industrializados — auto e outros —, aContribuição Social Sobre o Lucro Líquido e a Contribuição Para o Financiamentoda Seguridade Social (Cofins), que funcionam como termômetros do nível daatividade econômica e sinalizadores do crescimento econômico. O IRPJ e oIRPF também tiveram papel importante na melhoria da arrecadação.

O IPI, nos cinco primeiros meses de 2005, comparado ao dos mesmos de2004, mostrou uma elevação de 9,5%, atingindo R$ 10,5 bilhões. Destacaram--se, nesse tributo, o IPI-auto (11%) e o IPI-outros (20,1%); no primeiro, dentreoutros fatores, o aumento deveu-se à elevação das vendas de carro no mercadointerno (9,7%), ao crescimento gradual do setor industrial (7,5% no período de12 meses) e à arrecadação atípica decorrente de auto de infração; no segundo,ao elevado recolhimento de receitas dos setores metalurgia básica (53,1%) eindustrialização de produtos químicos (46,6%). O desempenho do IPI, mesmo

1 Inclui os impostos e as contribuições administradas pela Secretaria da Receita Federal edemais receitas e exclui contribuições previdenciárias.

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Política fiscal: desempenho favorável

com a desaceleração da economia que vem acontecendo no País, evidenciouque o setor industrial continua em crescimento.

Tabela 4

Arrecadação das receitas federais no Brasil — jan.-maio 2004/05

COMPOSIÇÃO % RECEITAS

JAN-MAIO/ /2004

(R$ milhões)

JAN-MAIO/ /2005

(R$ milhões)

∆% 2005 2004 2005 2004

Imposto Sobre Importação ................. 3 717,9 3 681,6 -0,98 2,54 2,63 Imposto Sobre Produtos Industrializa-dos ...................................................... 9 561,9 10 472,5 9,52 7,22 6,77

IPI-fumo .......................................... 1 037,8 987,7 -4,83 0,68 0,73 IPI-bebidas ..................................... 921,1 918,5 -0,28 0,63 0,65 IPI-automóveis ................................ 1 246,4 1 384,9 11,12 0,96 0,88 IPI-vinculado à importação ............. 2 111,3 2 084,5 -1,27 1,44 1,49 IPI-outros ........................................ 4 245,3 5 096,9 20,06 3,52 3,01

Imposto Sobre a Renda Total ............ 47 476,8 48 338,8 1,82 33,34 33,61 Pessoa física .................................. 3 260,7 3 763,4 15,42 2,60 2,31 Pessoa jurídica ............................... 19 044,9 22 232,3 16,74 15,34 13,48 Entidades financeiras ..................... 4 189,3 3 678,3 -12,20 2,54 2,97 Demais empresas .......................... 14 856,7 18 554,0 24,89 12,80 10,52

Imposto de Renda retido na fonte ...... 25 171,3 22 343,1 -11,24 15,41 17,82 IRRF - rendimentos do trabalho ..... 13 182,7 13 564,7 2,90 9,36 9,33 IRRF - rendimentos de capital ........ 8 263,0 5 091,3 -38,38 3,51 5,85 IRRF - rendimentos para o exterior 2 301,0 2 172,4 -5,59 1,50 1,63 IRRF - outros rendimentos ............. 1 424,6 1 514,7 6,32 1,04 1,01

Imposto Sobre Operações Financei-ras (IOF) ............................................. 2 277,5 2 397,9 5,29 1,65 1,61 Imposto Territorial Rural (ITR) ............ 41,1 41,2 0,19 0,03 0,03 Contribuição Provisória Sobre Movi-mentação Financeira (CPMF) ............ 11 365,4 11 665,2 2,64 8,05 8,05 Contribuição Para Seguridade Social (Cofins) ............................................... 32 362,2 34 817,9 7,59 24,02 22,91 Contribuição Para o PIS/ /PASEP ...... 8 583,7 8 760,9 2,07 6,04 6,08 Contribuição Social Sobre o Lucro Lí-quido (CSLL) ...................................... 9 472,3 11 255,7 18,83 7,76 6,71 CIDE - combustíveis ........................... 3 633,8 3 181,0 -12,46 2,19 2,57 Contribuição para o Fundaf ................ 126,6 127,0 0,33 0,09 0,09 Outras Receitas Administradas .......... 1 289,6 1 295,8 0,48 0,89 0,91 Subtotal ............................................. 131 481,6 136 035,5 3,46 93,84 93,08

(continua)

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A CSLL apresentou um acréscimo de 18,8% de janeiro a maio de 2005,em relação aos mesmos meses de 2004, atingindo R$ 11,3 bilhões, assim comoo IRPJ, pois ambos são apurados com base no faturamento das empresas.

A Cofins apresentou um crescimento de 7,6%, atingindo R$ 34,8 bilhões apartir da legislação implantada em maio de 2004, pela qual se tornou obrigatóriaa taxação sobre insumos importados por empresas sujeitas à não-cumulatividade,e por lei posterior (Lei nº 10.865/04), que estendeu a taxação a todos os produtosimportados. Segundo o Governo Federal, essa tributação tornou mais coerente,nos mercados interno e externo, a aplicação dessa contribuição. Além disso, aretenção na fonte de todos os pagamentos realizados por empresas ou porórgãos públicos a pessoas jurídicas possibilitou maior controle por parte daSRF, além de maior arrecadação.

O IRPJ arrecadou R$ 22,2 bilhões, com um crescimento de 16,7% noperíodo. Esse aumento foi ocasionado pelos pagamentos de tributos efetuadospor empresas não financeiras, tendo como bases a estimativa mensal e o lucropresumido, que são apurados pelo faturamento. Nesse caso, os setores quemais cresceram foram telecomunicação (551%), extração de minérios metálicos(652%) e produção de celulose e papel.

No que se refere ao IRPF, esse tributo ganhou reforço na arrecadação, emfunção da receita atípica de R$ 831 milhões, proveniente de ganhos de capitalem operação na bolsa de valores, como também da alienação de bens, ganhosatravés de causas judiciais, além dos recursos obtidos através das cotas daDeclaração de Ajuste, recebidas pela SRF a partir de abril deste ano. Esse

Tabela 4

Arrecadação das receitas federais no Brasil — jan.-maio 2004/05

COMPOSIÇÃO % RECEITAS

JAN-MAIO/ /2004

(R$ milhões)

JAN-MAIO/ /2005

(R$ milhões)

∆% 2005 2004 2005 2004

PAES .......................................... 1 240,2 1 256,0 1,28 0,87 0,88 Receita Administrada pela Secre-taria da Receita Federal (SRF) ... 132 721,8 137 291,5 3,44 94,70 93,96 Demais Receitas ......................... 8 529,1 7 680,7 -9,95 5,30 6,04 TOTAL ........................................ 141 250,8 144 972,2 2,63 100,00 100,00

FONTE: BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. Análise da arrecada- ção das receitas federais. Brasília: Secretaria da Receita Federal, 2005. Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br Acesso em: 20 jun. 2005.

NOTA: Valores inflacionados mensalmente pelo IGP-DI da FGV, a preços de maio/05.

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imposto, nos primeiros cinco meses de 2005, apontou um crescimento de 15,4%em relação ao mesmo período de 2004, totalizando R$ 3,8 bilhões. Cabe salientarque esse valor foi obtido mesmo com a redução da alíquota da tabela parapessoas físicas, que entrou em vigor em janeiro de 2005, na Declaração deAjuste.

Afora isso, no mês de maio de 2005, foi editada a Medida Provisórianº 252 , também chamada de "MP do Bem". Essa medida tem como principaisobjetivos incentivar e desonerar diversos setores da economia, através daisenção de algumas contribuições como o PIS/Pasep e a Cofins. Ela beneficiaempresas exportadoras, a construção civil, bem como proporciona incentivosàs empresas importadoras direcionadas à renovação tecnológica do setor deinformática.

5 - O Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentária para 2006

O Governo Federal enviou ao Legislativo o projeto da Lei de DiretrizesOrçamentárias para 2006, que estabelece as prioridades e os parâmetros para aelaboração da proposta do Orçamento Geral da União para o próximo ano.

Após ser analisado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) da Câmarade Deputados, a mesma elaborou um projeto substitutivo, modificando algunspontos da proposta original, que aguarda votação por parte da Comissão.

Entre as modificações introduzidas pelo texto substitutivo está a adoçãoda política fiscal anticíclica, que poderá liberar o Governo para aumentar suasdespesas em períodos de retração econômica e para reduzir as mesmas, quandoocorrer crescimento da economia que supere as expectativas do mercado.

A meta de superávit primário foi fixada em 4,25% do PIB. Essa meta poderáser ajustada para 4,5% do PIB, no caso de a taxa de crescimento do PIBreestimada exceder a prevista para 2006 (4,5%), ou para menos, 4% do PIB, nocaso de a taxa de crescimento ficar abaixo da previsão. Está previsto, também,que a estimativa de arrecadação dos tributos federais não poderá exceder 16%do PIB, ficando excluídas desse teto as receitas atípicas, tendo em vista queestas não fazem parte da tributação normal, mas, sim, são resultantes deacordos entre empresas e Governo, pelos quais as mesmas quitam suas dívidascom o fisco.

O relatório substitutivo da LDO prevê a criação de uma "reserva derecursos", que deverá ser composta por uma eventual previsão das receitas

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tributárias acima dos 16% do PIB, ou seja, quando a arrecadação superar ameta, essas receitas extras irão para esse fundo de reserva. Foi fixado umlimite de 17% do PIB para as despesas correntes primárias, e, quando necessário,admite-se fazer uso da reserva para gastos adicionais, como proporcionarmelhores aumentos no salário mínimo.

6 - Considerações finais

O Governo tem conseguido manter um superávit primário elevado. Esseresultado deve-se a um aumento da arrecadação, decorrente, em grande parte,das medidas adotadas de elevação de tributos, bem como do rígido combate àsonegação. Porém o esforço fiscal não tem sido suficiente para cobrir os gastoscom os juros da dívida pública, pois o setor público ainda apresenta déficitnominal.

A política monetária restritiva adotada pelo Bacen tem-se refletido numaumento das despesas do Governo com juros, pois a maior parcela da dívidapública é atrelada à "over-Selic", ou seja, é pós-fixada. A manutenção dessastaxas em patamares altos, aliada a uma desaceleração do PIB, compromete apolítica fiscal e irá exigir superávits maiores, com o objetivo de estabilizar arelação dívida/PIB. Por sua vez, a apreciação do real frente ao dólar, ocorridadurante o primeiro semestre de 2005, tem favorecido essa relação.

A intenção do Governo é continuar, no próximo ano, registrando resultadospositivos nas contas públicas. Com esse objetivo, a proposta da LDO de 2006enviada ao Congresso Nacional mantém a meta do superávit primário deste ano.Além disso, para um maior controle, fixou tetos para a carga tributária federal epara as despesas correntes.

Referências

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BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de inflação. Brasília: BACEN, 2005b.Disponível em: http://www.bcb.gov.br Acesso em: 30 jun. 2005.

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Política fiscal: desempenho favorável

BOLETIM DE CONJUNTURA. Brasília: IPEA, n. 68, mar. 2005. Disponível em:http://www.ipea.gov.br Acesso em: 16 abr. 2005.

BRASIL, Congresso Nacional, Relatório Lei de Diretrizes Orçamentárias 2006.Brasília: Congresso Nacional, 2005. Disponível em: http://www.congresso.gov.brAcesso em: 30 jun. 2005.

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CANZIAN, Fernando. Palocci descarta ter meta de zerar o déficit nominal. Folhade São Paulo, São Paulo, p-B4, 7 jul. 2005.

PATU, Gustavo. Projeto de LDO facilita aperto fiscal menor. Folha de São Paulo,São Paulo, p-B4, 25 jun. 2005.

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

AGRICULTURA

Safra 2004/05 de grãos de verão do RS:produção e preços em baixa

Martinho Roberto Lazzari* Economista da FEE.

ResumoO desempenho da agricultura gaúcha no primeiro semestre de 2005 foi seria-mente prejudicado por uma conjunção de fatores analisados neste texto. Asproduções de arroz, feijão, milho e soja sofreram importantes quebras em fun-ção da estiagem, além de enfrentarem preços baixos no momento dacomercialização, conseqüência do comportamento dos preços internacionais,da taxa de câmbio e dos estoques domésticos.

Palavras-chaveEconomia agrícola; agricultura gaúcha; produção de grãos.

AbstractThis article aims to analyze a set of elements that accounts for the poorperformance of Rio Grande do Sul agriculture activity in 2005 first semester.Agricultural commodities such as rice, beans, corn and soy have suffered asevere reduction shock in supply owing to drought. Furthermore, thosecommodities have faced price decreasing as a result of the trend of theirinternational prices, the exchange rate as well as the domestic livestocks.

Artigo recebido em 20 jun. 2005.

* O autor agradece pelos comentários a Maria D. Benetti, Vivian Fürstenau e a um pareceristaanônimo, isentando-os, no entanto, de qualquer erro porventura remanescente.

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Martinho Roberto Lazzari

1 - Introdução

Após a safra 2003/04, prejudicada por uma estiagem que reduziu a produ-ção de grãos no Estado, os agricultores esperavam que a 2004/05 fosse melhor,com elevação da renda agrícola em função da perspectiva de uma safra cheia.Entretanto a severidade da estiagem de 2004 foi amplamente suplantada pelaque atingiu o Estado entre dezembro de 2004 e março de 2005. Ao lado dasadversidades climáticas, os agricultores gaúchos, no momento da comercia-lização, passaram a enfrentar um outro problema grave: os preços baixos ofere-cidos em troca de seus escassos produtos.

Este texto tem por objetivo analisar os dados de produção e de comercia-lização dos quatro principais grãos de verão do Rio Grande do Sul — arroz,feijão, milho e soja. Para tanto, após esta Introdução, segue-se um capítulocom uma visão geral das perdas; um segundo, onde se analisa especificamenteo caso da soja; um terceiro, que focaliza as outras três culturas; terminando otexto com as Considerações finais.

2 - Uma visão geral das perdas

Em artigo que descrevia e analisava o desempenho da agricultura gaúchaem 2004, Benetti (2005), já no título, desejava um 2005 mais feliz que o anoencerrado, uma vez que a safra de grãos de 2004 fora prejudicada pela estiagemque se abateu sobre o Estado do Rio Grande do Sul, durante os primeiros me-ses daquele ano. Ao final de 2004, as previsões para a próxima safra eramanimadoras. Entretanto uma colheita cheia só seria possível em condições cli-máticas adequadas, algo que a autora já incorporava em suas previsões, quan-do escrevia que “(...) se não ocorrer nenhum acidente climático e se nenhumapraga assolar as lavouras — em resumo, se a natureza assim prover —, o RioGrande do Sul poderá estar colhendo, novamente, uma supersafra” (Benetti,2005, p. 162).

Veio 2005 e, com ele, uma das maiores estiagens de que já se teve notíciano Estado. A partir de janeiro, as previsões de uma nova supersafra, como a de2003, começaram a cair por terra. Mês após mês, a produtividade e, conseqüen-temente, a produção eram reavaliadas para menos pela Fundação Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE).1 Para uma primeira visão geral das

1 As sucessivas previsões para a produção dos quatro principais grãos de verão do RioGrande do Sul realizadas pelo IBGE, através do Levantamento Sistemático da

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

Tabela 1

Comparativo de área, produção e produtividade nas lavouras somadas dos quatro principais grãos de verão (arroz, feijão, milho e soja)

do Rio Grande do Sul — 2002/03, 2003/04 e 2004/05

SAFRAS VARIAÇÃO % GRÃOS DE VERÃO

2002/03

2003/04

2004/05 2004/05 2003/04

2004/05 2002/03

Área plantada (ha) ...... 6 131 233 6 462 664 6 566 704 1,6 7,1

Área colhida (ha) ........ 6 124 464 6 337 549 5 806 478 -8,4 -5,2

Área perdida (ha) ....... 6 769 125 115 760 226 507,6 11 131,0

Quantidade produzida (t) ............................... 19 840 437 15 390 356 9 863 715 -35,9 -50,3

FONTE: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA — Rio FONTE: Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, maio 2005. FONTE: PRODUÇÃO AGRÍCOLA MUNICIPAL. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Dis- FONTE: ponível em: http://www.sidra.ibge.br/ Acesso em: 14 jun. 2005. NOTA: Nesta tabela, optou-se por não calcular o rendimento médio, uma vez que a agregação de produtos diferentes pode gerar dados enganosos.

perdas ocasionadas pela estiagem, apresenta-se a Tabela 1. Como a safra deverão de 2004 também foi prejudicada por uma estiagem, a comparação foi feitaem relação a 2004 e a 2003, ano de safra cheia.

Em primeiro lugar, pode-se notar que, embora a área plantada tenha aumen-tado, a área efetivamente colhida apresentou diminuição considerável na pre-sente safra, efeito da estiagem, que fez o produtor abandonar 760.000 hectaresde plantações por falta de condições mínimas para o bom desenvolvimento ecolheita das culturas. Esse dado marca bem a gravidade desta última estiagem,pois o ano que relatava a maior perda dos últimos tempos era 1999, com 173.000hectares perdidos, menos de um quarto do dado de 2005.

A produção total dos quatro grãos (arroz, feijão, milho e soja) caiu 36% emrelação ao ano anterior, safra esta que já havia sido diminuída pelas intempériesdaquele ano. Quando se compara com a de 2003, ano de safra cheia, a quedachega a mais de 50%.

Produção Agrícola (LSPA), davam os seguintes números: 20,7 milhões de toneladas emdezembro de 2004; 14,4 milhões de toneladas em fevereiro de 2005; e 9,9 milhões detoneladas em maio de 2005.

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Tabela 2

Comparativo de área, produção e produtividade nas lavouras de soja do Rio Grande do Sul — 2002/03, 2003/04 e 2004/05

SAFRAS VARIAÇÃO % SOJA

2002/03 2003/04

2004/05 2004/05 2003/04

2004/05 2002/03

Área plantada (ha) ......... 3 591 970 3 984 337 4 182 407 5,0 16,4

Área colhida (ha) ........... 3 591 470 3 968 530 3 716 591 -6,3 3,5

Área perdida (ha) ........... 500 15 807 465 816 2 846,9 93 063,2

Quantidade produzida (t) 9 579 297 5 541 706 2 368 829 -57,3 -75,3

Rendimento médio (kg/ /ha) ................................

2 667

1 396

637

-54,4

-76,1

FONTE: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA — Rio FONTE: Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, maio 2005. FONTE: PRODUÇÃO AGRÍCOLA MUNICIPAL. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Dis- FONTE: ponível em: http://www.sidra.ibge.br Acesso em: 14 jun. 2005.

3 - Produtores de soja enfrentam dupla frustração

Na safra 2004/05, a área de soja continuou a crescer no Estado, passandoa ocupar 4,182 milhões de hectares, número que corresponde a mais de 60% daárea destinada ao cultivo de grãos no Rio Grande do Sul (Tabela 2). Tal cresci-mento vem se verificando desde a safra 2002/03, sendo incorporado, desdeentão, mais de 1,2 milhão de hectares, área antes destinada, em grande parte,ao cultivo de milho e à pecuária. O principal estímulo para esse desempenhosão os preços recompensadores que a soja apresentou em todo esse período,notadamente nos primeiros meses de 2004, quando seu preço internacionalalcançou o maior patamar em 25 anos. É verdade que, no momento do plantioda safra 2004/05, em setembro e outubro de 2004, o preço já se mostrava maisbaixo, menor, inclusive, que aquele praticado um ano antes (Gráfico 1), mas,mesmo assim, o produtor, capitalizado com a colheita de 2003 e 2004, aumen-tou a área plantada com soja, entendendo que ainda existia uma rentabilidaderelativa favorável à oleaginosa na comparação com o milho e a pecuária porexemplo.

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

Entretanto, segundo o último dado disponibilizado pelo IBGE, a área desoja efetivamente colhida chegará, em 2005, a 3,7 milhões de hectares, umaredução de 6,3% em relação ao ano anterior. Ou seja, 465,8 mil hectares planta-dos com a oleaginosa foram simplesmente abandonados pelo produtor, ou emrazão da falta de água, o que não propiciou um desenvolvimento normal daplanta, ou em razão do excesso de chuva no momento da colheita, fato quegerou apodrecimento da oleaginosa em certas regiões. Historicamente, essedado não é comparável com nenhuma das perdas por estiagem registradasdesde 1990, o que indica a gravidade dos prejuízos causados pela estiagem àsafra gaúcha de soja. A maior área perdida até então tinha sido registrada em1996, com 56.000 hectares abandonados.

Na área que o produtor conseguiu colher, o problema foi a baixa produtivi-dade. A estiagem causou uma redução de 54,4% no rendimento médio em rela-ção à safra anterior. Notável é que a safra de 2004 já havia sido frustrada emrelação ao potencial esperado, em função de outro período de estiagem. Se acomparação for com a de 2003, ano de safra cheia, a redução chega a 76,1%.

Por fim e como conseqüência direta do acima exposto, a produção de sojaalcançou seu segundo pior desempenho desde, pelo menos, 1990. Os atuais2,4 milhões de toneladas só são comparáveis com os 2,2 milhões de toneladas

20,00

25,00

30,00

35,00

40,00

45,00

50,00

55,00

60,00

Jan.

/03

Mar

./03

Mai

o/03

Jul./

03

Set

./03

Nov

./03

Jan.

/04

Mar

./04

Mai

o/04

Jul./

04

Se.

t/04

Nov

./04

Jan.

/05

Mar

./05

Mai

o/05

Gráfico 1

Evolução dos preços pagos aos produtores gaúchos de soja por saca de 60kg — jan./03-maio/05

0,00

(R$)

FONTE: FGV. Disponível em: http://www.fgvdados.com.brNOTA: Preços atualizados pelo IGP-DI da FGV.

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de 1991, ano em que, além de enfrentar uma estiagem, o produtor teve proble-mas com o financiamento da safra no primeiro ano do Governo Collor.

Além dos efeitos sobre a produção física da soja, a estiagem e, depois, oexcesso de chuvas trouxeram outro tipo de problema. A qualidade dos grãostambém foi afetada, apresentando-se defeituosos, esverdeados, pequenos ecom menor teor de óleo.2 Menor produção e falta de qualidade do produto fize-ram com que a indústria de óleos vegetais do Rio Grande do Sul passasse aimportar parte de suas necessidades de matérias-primas de estados vizinhos ede outros países do Mercosul.

Em 2004, a redução da produção da soja foi, em parte, contrabalançadapor aumento do preço do produto no mercado internacional, mantendo-se empatamar elevado até, pelo menos, junho de 2005. Os produtores que venderamsua produção durante esse período conseguiram bons resultados em termos derentabilidade. O mesmo não se repete na atual safra. A nova diminuição daprodução veio acompanhada, desta vez, por preços baixos relativamente aoque era esperado pelo produtor. Como se pode ver no Gráfico 1, os preçosatuais recebidos pelo produtor gaúcho são os mais baixos dos últimos anos.Enquanto, em abril de 2004, a saca de 60kg de soja chegou a ser negociada, noEstado, a R$ 54,18,3 um ano depois, o preço pouco ultrapassava R$ 31,00,redução de mais de 42%. Para o produtor, que havia investido firme em expan-são de área, esse preço põe em risco sua rentabilidade e seu estímulo para apróxima safra. Vejam-se as explicações para a evolução recente do preço daoleaginosa.

O preço interno da soja é, fundamentalmente, determinado pelo preço in-ternacional, cotado na Bolsa de Chicago, e pela taxa de câmbio real-dólar. Inicia--se pelo primeiro. O Gráfico 2 mostra a trajetória dos preços internacionais dasoja desde janeiro de 2003 até maio de 2005. A maneira mais simples de seentender esse desempenho é analisar os estoques internacionais do produto,através da Tabela 3.

Durante os primeiro sete meses de 2003, o preço internacional da toneladade soja estava em US$ 215,00. Começou a subir em agosto daquele ano, em

2 Segundo relatório sobre soja da consultoria Safras & Mercado de maio (2005g), "(...) o per-centual de grãos ardidos e esverdeados está variando entre 15% e 30% da safra colhida",contra 8% no Paraná por exemplo.

3 Preço corrigido pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas.

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

função de três fatores: frustração de safras nos Estados Unidos e na Américado Sul e aumento do consumo mundial, o que acarretou uma diminuição demais de três milhões de toneladas dos estoques de passagem. O pico de alta foiatingido em abril de 2004, quando o preço chegou a US$ 362,00 a tonelada,aumento de 64% em um ano.

100,00

150,00

200,00

250,00

300,00

350,00

400,00

Jan.

/03

Mar

./03

Mai

o/03

Jul./

03

Set

./03

Nov

./03

Jan.

/04

Mar

./04

Mai

o/04

Jul./

04

Se.

t/04

Nov

./04

Jan.

/05

Mar

./05

Mai

o/05

FONTE: FGV. Disponível em: http://www.fgvdados.com.br

(US$)

Gráfico 2Evolução dos preços internacionais da tonelada

de soja — jan./03-maio/05

0,00

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Quando surgiram as primeiras projeções da nova safra norte-americana,os preços começaram a ceder, o que foi ratificado com a colheita efetiva de umasupersafra de mais de 85 milhões de toneladas ao final de 2004. Após o pico,em abril de 2004, os preços começaram a cair até atingirem o ponto mais baixo,de US$ 193,00 a tonelada, em janeiro de 2005. As previsões de um aumentodas safras conjuntas de Argentina e Brasil em mais de 20%, feitas em janeirode 2005 pelo United States Department of Agriculture (USDA), apenas servempara manter esse patamar baixo de preços. Em março de 2005, os preços emChicago tiveram uma elevação de 18,4%, basicamente em função de novasprojeções, que indicavam perdas de produção no Brasil, ocasionadas pela esti-agem que atingia notadamente o Rio Grande do Sul. Nos meses seguintes, osdados foram continuamente redimensionados para baixo pelas notícias que con-firmavam as perdas no Brasil e pelas que vinham dos campos norte-america-nos, que indicavam redução da área a ser plantada com soja. Entretanto asperspectivas de diminuição dos estoques não foram capazes de elevar subs-tancialmente os preços internacionais, uma vez que tais estoques ainda seencontram 40% maiores que os do final da temporada 2003/04.

Contudo a elevação que se observa nos preços internacionais de março de2005 (Gráfico 2) não aparece com tanta evidência nos preços internos (Grá-fico 1). Isso se deve a outra variável importante que explica os preços recebidospelos produtores brasileiros, a taxa de câmbio. Entre maio de 2004 e maio de2005, a taxa de câmbio valorizou-se 21%, sendo fonte de redução do preço queo produtor nacional recebe pela soja, que tem seu preço determinado em dólar.

Tabela 3

Oferta, demanda e estoques mundiais de soja — 2003, 2004 e 2005

(milhões de toneladas)

SOJA 2003 2004 (1)

FEV/2005 (2)

MAR/2005 (2)

MAIO/2005 (2)

Estoque inicial ...... 33,26 40,75 38,86 37,45 37,41 Produção ............... 197,04 188,55 228,62 224,14 219,23 EUA ........................ 75,01 66,78 85,48 85,48 85,48 Brasil ....................... 52,00 52,60 63,00 59,00 54,00 Argentina ................ 35,50 33,00 39,00 39,00 39,00 Consumo ............... 189,55 191,88 206,15 205,61 204,05 China ...................... 35,29 34,38 38,65 38,55 38,85

Estoque final ......... 40,75 37,42 61,33 55,98 52,59

FONTE: United States Department of Agriculture (USDA). (1) Estimativa. (2) Projeção.

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

Então, se, em março, o preço internacional sofria elevação, o preço interno pou-co subia, pois a taxa de câmbio se valorizava no mesmo momento.

Parece claro que o atual patamar de preços internos da soja é determinado,principalmente, pelo preço internacional. Entretanto a valorização da taxa decâmbio durante o último ano somou-se ao efeito externo, gerando uma reduçãoconsiderável do preço, em reais, do produto em apenas um ano. Se a taxa decâmbio não tivesse se alterado nesse período, os preços domésticos estariam,mesmo assim, baixos, mas em um patamar que poderia ser até 25% maior queo atual.

Reflexo natural do quadro até aqui descrito é a forte redução das exporta-ções da soja em grão. Enquanto a produção gaúcha diminuiu 57,3%, a quantida-de exportada sofreu redução de 96,5% na comparação dos primeiros quatromeses deste ano com o mesmo período do ano anterior. Sem dúvida, a menorprodução explica esse fato, mas pode-se especular sobre outros motivos. Umdeles poderia ser o reduzido preço que o produto encontra no mercado, reco-mendando uma estratégia de atraso na venda, na espera de preços maiores nofuturo. Entretanto tal estratégia enfrentaria problemas relacionados com a ne-cessidade quase imediata de liquidez por parte do produtor, em função de com-promissos com financiamentos. O outro motivo estaria ligado à falta de qualida-de do grão, relatada acima, fazendo com que o produtor direcionasse a maiorparte da já baixa produção preferencialmente para o mercado interno, compro-metendo a exportação.

Quanto ao comportamento dos preços futuros, estes encontrarão, no mon-tante de produção da próxima safra norte-americana, seu determinante princi-pal. Levando-se em conta que já ocorreram perdas na América do Sul, qualquerameaça de quebra que venha dos campos norte-americanos pode impactar ospreços internacionais. A projeção atual indica redução de 2% na área, com pro-dução estimada entre 78 milhões e 80 milhões de toneladas,4 o que, caso seconcretize, fará com que os preços em Chicago mantenham seu atual patamar,que, se estão baixos na comparação com os preços do ano passado, estãodentro da normalidade quanto aos dos últimos anos.

4 A redução da área plantada deve-se a, basicamente, três fatores: ferrugem asiática, rotaçãode cultura e cenário de preços desfavorável para a soja.

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4 - Outros grãos

Arroz

Como se sabe, a quase-totalidade do cultivo de arroz no Rio Grande do Sulé feita em áreas irrigadas. Em razão disso, as estiagens que atingiram o Estadoem 2004 e em 2005 não afetaram tão gravemente as plantações desse grãoquanto as de soja. Entretanto, na atual safra, a severidade da falta de chuvasfez com que 43.688 hectares com arroz plantado fossem simplesmente aban-donados pelos produtores, uma área 300% maior que a da safra passada (Tabe-la 4). Em função disso, a área colhida sofreu redução de 2,2%, embora a áreaplantada tivesse aumentado 1%.

O rendimento médio das áreas efetivamente colhidas alcançou bons nú-meros. Se, na comparação com a safra passada, o rendimento caiu 4,6%; emrelação à safra de 2003, o ganho foi de quase 20%. Ainda mais, o rendimento de2005 é o segundo maior numa série que começa em 1990, perdendo apenaspara o de 2004. Em função de tal produtividade, a produção de arroz no Estadofoi apenas 6,7% menor que a do ano anterior e 25,9% maior que a de 2003. Ouseja, os efeitos da estiagem foram apenas localizados, em áreas específicasque encontraram problemas com a irrigação, sendo que as demais conseguiramuma produção tal que, na comparação com as primeiras previsões, antes doinício da estiagem, a redução deve fechar em pouco mais de 3%.

Se, pelas características da produção do arroz no Estado, os produtoresnão foram tão afetados pela estiagem, o grande problema que estes enfrentamdiz respeito ao preço recebido por seu produto. O Gráfico 3 deixa evidente aqueda acentuada no preço do arroz desde um pico em janeiro de 2004. De lápara cá, a saca de 50kg do produto perdeu mais de 55% de seu preço, alcançan-do R$ 20,10 em maio de 2005.

O preço internacional do arroz encontra-se em patamares elevados,5 masisso não impediu que o preço praticado internamente sofresse uma queda con-tínua durante o segundo semestre de 2004. A explicação para esse descompassoentre o preço internacional e o doméstico encontra-se na disponibilidade deelevados estoques no Brasil e na valorização cambial, que reduziu os preços doproduto importado dos demais países do Mercosul (Boletim de Conjuntura, 2005).

5 Segundo a Conab, o preço internacional da tonelada do arroz era de US$ 298 em fevereirode 2005, maior patamar em dois anos. Para efeito de comparação, o preço de janeiro de2004 era de US$ 219, mês em que o mercado interno registra seu preço de pico.

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

0,00-

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

40,00

45,00

50,00

Jan.

/03

Mar

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Jul./

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Nov

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Jan.

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Jul./

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Se.

t/04

Nov

./04

Jan.

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Mar

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Mai

o/05

FONTE: FGV. Disponível em: http://www.fgvdados.com.brNOTA: Preços atualizados pelo IGP-DI da FGV.

(R$)

Gráfico 3

Evolução dos preços pagos aos produtores gaúchos dearroz por saca de 50kg — jan./03-maio/05

Tabela 4

Comparativo de área, produção e produtividade nas lavouras de arroz do Rio Grande do Sul — 2002/03, 2003/04 e 2004/05

SAFRAS VARIAÇÃO %

ARROZ 2002/03 2003/04 2004/05

2004/05 2003/04

2004/05 2002/03

Área plantada (ha) .. 962 210 1 044 124 1 054 188 1,0 9,6 Área colhida (ha) .... 961 760 1 033 202 1 010 500 -2,2 5,1 Área perdida (ha) .... 450 10 922 43 688 300,0 9 608,4 Quantidade produzi-da (t) .......................

4 697 151

6 338 117

5 912 889

-6,7

25,9

Rendimento médio (kg/ha) ....................

4 884

6 134

5 851

-4,6

19,8

FONTE: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA — Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, maio 2005. FONTE: PRODUÇÃO AGRÍCOLA MUNICIPAL. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Dispo- FONTE: nível em: http://www.sidra.ibge.br Acesso em: 14 jun. 2005.

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Na Tabela 5, pode-se analisar a evolução dos estoques de arroz no Brasil,nos últimos anos. A colheita do produto já havia aumentado na safra passada,repetindo, na atual, praticamente a mesma quantidade. E, embora a importaçãodiminua e a exportação aumente, o pequeno crescimento esperado do consumodoméstico faz com que a produção seja apenas parcialmente absorvida, au-mentando os estoques de passagem, que já se mostravam elevados desde oano passado. Enquanto, em 2003, os estoques não chegavam a representar 3%do consumo doméstico, para 2005, essa proporção deverá ultrapassar os 15%,evidenciando o pesado carregamento do cereal e, fundamentalmente, explican-do os baixos preços praticados no atual período de comercialização do produto.Além disso, a valorização da taxa de câmbio, já constatada acima, reduziu opreço do arroz importado do Uruguai e da Argentina, aumentando a concorrên-cia com o produto nacional.

As manifestações e as reivindicações dos arrozeiros gaúchos durante osmeses de maio e junho foram motivadas, portanto, pelo excesso de oferta doproduto e pela entrada de arroz estrangeiro com baixo preço. O resultado dessamovimentação foi o compromisso do Governo Federal de liberar R$ 800 milhõespara ajudar na comercialização do arroz, através de Aquisições do GovernoFederal (AGF) e de leilões de opções e de Prêmio de Escoamento de Produto(PEP). Espera-se que os recursos sejam suficientes para a compra de 1,5milhão de toneladas do cereal, o que pode amenizar o problema de preços bai-xos. Entretanto tal medida apenas adia o problema, uma vez que o produtoretirado do mercado engordará ainda mais os estoques.

Tabela 5

Oferta, demanda e estoques brasileiros de arroz nas safras 2001/02, 2002/03, 2003/04 e 2004/05

(1 000t) ARROZ 2001/02 2002/03 2003/04 2004/05

Estoque inicial ..... 1 321,70 663,20 358,40 1 576,60 Produção ............. 10 626,10 10 367,10 12 808,20 12 809,40 Importação ........... 737,30 1 601,60 1 130,00 700,00 Suprimento .......... 12 685,10 12 631,90 14 296,60 15 086,00 Consumo ............. 12 000,00 12 250,00 12 660,00 12 830,00 Exportação .......... 21,90 23,50 60,00 250,00 Estoque final ........ 663,20 358,40 1 576,60 2 006,00

FONTE: INDICADORES DA AGROPECUÁRIA, Brasília, DF: CONAB, v. 14, n. 3, mar. 2005.

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

Tabela 6

Comparativo de área, produção e produtividade nas lavouras de milho do

Rio Grande do Sul — 2002/03, 2003/04 e 2004/05

SAFRAS VARIAÇÃO % MILHO

2002/03 2003/04 2004/05 2004/05 2003/04

2004/05 2003/04

Área plantada (ha) .... 1 416 777 1 297 747 1 211 439 -6,7 -14,5 Área colhida (ha) ....... 1 415 297 1 199 523 970 695 -19,1 -31,4 Área perdida (ha) ...... 1 480 98 224 240 744 145,1 16 166,5 Quantidade produzi-da (t) .......................... 5 426 124 3 376 845 1 506 129 -55,4 -72,2 Rendimento médio (kg/ha) ....................... 3 834 2 815 1 552 -44,9 -59,5

FONTE: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA — Rio Gran- FONTE: de do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, maio 2005. FONTE: PRODUÇÃO AGRÍCOLA MUNICIPAL. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponí- FONTE : vel em: http://www.sidra.ibge.br Acesso em: 14 jun. 2005.

Milho

A área plantada de milho continuou a diminuir no Estado, na safra 2004//05, tornando-se a menor em uma série com início em 1990 (Tabela 6). A subs-tituição do cultivo do cereal por soja, que vem sendo observada no Estadodesde 2001, é a principal fonte de explicação para a diminuição da área domilho.

A estiagem foi dura com as plantações de milho. Praticamente 20% daárea plantada foi destinada a outro uso, notadamente à silagem. A área restanteapresentou, em virtude da falta de chuvas, uma produtividade reduzida, a me-nor desde 1991. Com isso, a produção do milho pouco ultrapassou 1,5 milhão detoneladas, menos da metade da quantidade colhida em 2004, ano também deestiagem. Quando se compara a safra cheia de 2003 com a atual, esta nãochega a 30% daquela.

Quanto ao comportamento dos preços, embora os pagos ao produtorgaúcho tenham-se reanimado a partir de dezembro de 2004, ainda se en-contram abaixo dos de um ano atrás (Gráfico 4). As causas são os preços

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internacionais igualmente baixos e a existência de estoques internos que, se,em relação ao ano passado, são menores, ainda se mantêm em patamarelevado.

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FONTE: FGV. Disponível em: http://www.fgvdados.com.brNOTA: Preços atualizados pelo IGP-DI da FGV.

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Evolução dos preços pagos aos produtores gaúchos demilho por saca de 60kg — jan./03-maio/05

Gráfico 4

Segundo estimativa (Safras & Mercado, 2005f ), a demanda do Rio Grandedo Sul por milho no ano comercial de 2005/06 é de 5,24 milhões de toneladas.Considerando-se que os estoques são diminutos e que a produção não chega a30% do volume requerido, pode-se projetar que a solução será a importação deoutros estados ou de outros países do Mercosul. A cada movimento de tentati-va de compra, o mercado interno cede um pouco em preço e apresenta maiordisponibilidade, o que acaba protelando a decisão de compra de milho estran-geiro. Dessa maneira, até maio de 2005, as importações do cereal por parte dasindústrias do Estado andavam am baixa.

Dentre os fatores que determinam o preço do cereal, a possibilidade deimportação, estimulada pela taxa de câmbio, e a necessidade de caixa do pro-dutor estão pesando mais que as projeções de uma safrinha 21% menor que ado ano anterior, o que ajuda a entender ainda mais o atual patamar de preços domilho.

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

Tabela 7

Comparativo de área, produção e produtividade nas lavouras de feijão do Rio Grande do Sul — 2002/03, 2003/04 e 2004/05

SAFRAS VARIAÇÃO %

FEIJÃO 2002/03 2003/04 2004/05 2004/05

2003/04 2004/05 2002/03

Área plantada (ha) ... 160 276 136 456 118 670 -13,0 -26,0 Área colhida (ha) ..... 155 937 136 294 108 692 -20,3 -30,3 Área perdida (ha) .... 4 339 162 9 978 6 059,3 130,0 Quantidade produzi-da (t) ....................... 137 865 133 688 75 868 -43,2 -45,0 Rendimento médio (kg/ha) .................... 884 981 698 -28,8 -21,0

FONTE: LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA — Rio FONTE : Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, maio 2005. FONTE : PRODUÇÃO AGRÍCOLA MUNICIPAL. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponí- FONTE: vel em: http://www.sidra.ibge.br Acesso em: 14 jun. 2005.

Feijão

A área destinada ao cultivo de feijão no Estado, na safra 2004/05, é amenor em uma série com início em 1990, sendo que, em relação à safrapassada, essa área apresentou redução de 13% (Tabela 7), fato verificado tantona primeira safra quanto na segunda. Essa retração do plantio ocorreu em fun-ção dos preços praticados em 2004 e da opção de um grande número de produ-tores por cultivos que, na época de semeadura, indicavam possibilidades deganhos superiores, em especial de soja e de fumo. No caso da segunda safra, oprincipal efeito desestimulante do plantio foi o solo seco em função da estia-gem, que impediu a semeadura em muitos municípios.

A área colhida sofreu uma redução ainda maior, pois se somou a uma áreaplantada menor o abandono de quase 10.000 hectares, perdidos em função daestiagem. A produtividade também foi fortemente afetada pela falta de chuvas,alcançando somente 698kg/ha, bem abaixo do ano anterior. Menor área e menorprodutividade redundaram na menor produção em, pelo menos, 16 anos.

Ao contrário dos outros grãos, o feijão está encontrando bons preços emsua comercialização. O preço da saca de 60kg vinha subindo desde fevereiro de

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FONTE: FGV. Disponível em: http://www.fgvdados.com.brNOTA: Preços atualizados pelo IGP-DI da FGV.

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Evolução dos preços pagos aos produtores gaúchos defeijão por saca de 60kg — jan./03-maio/05

Gráfico 5

(R$)

2004 e, com mais força, a partir de novembro daquele ano, até atingir um preçomédio para o Estado de R$ 82,23 em maio de 2005, um aumento de quase 20%em um ano (Gráfico 5). A explicação para o fato é a redução dos estoques emfunção da frustração de oferta na atual safra.

5 - Considerações finais

Nestas notas finais, destacam-se duas questões importantes e que estãopostas ao longo do texto. Primeiramente, os dados não deixam dúvidas quantoa um processo que teve início em 2001 e que se caracteriza pela substituiçãodo cultivo de feijão e de milho por outras relativamente mais rentáveis,notadamente a soja. Tal processo foi motivado pelo comportamento positivo dospreços da oleaginosa em relação aos dos cereais nas últimas safras, principal-mente na de 2003/2004. Entretanto o plantio crescente da soja, não apenas noRio Grande do Sul, mas também, e até com mais força, no restante do Brasil,encontrou, em 2005, os preços mais baixos dos últimos dois anos. Se um pos-

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Safra 2004/05 de grãos de verão do RS: produção e preços em baixa

sível patamar mais baixo de preços pode trazer desincentivos ao cultivo doproduto, a descapitalização dos produtores gaúchos, resultante da quebra dasafra deste ano e dos baixos preços praticados, aumenta ainda mais as dúvidasquanto à continuidade do avanço da área de soja sobre a de outras culturas noRio Grande do Sul.

A outra questão a ser marcada aqui diz respeito à estiagem que atingiu oEstado em 2005 e que se revela apenas mais uma entre as tantas que o vêmafetando nos últimos anos. Dentre os principais estados produtores de grãos doPaís, o Rio Grande do Sul é o que tem apresentado a maior variação de produ-tividade. E uma das causas desse fato são as condições climáticas adversasque parecem atingir com mais intensidade o RS do que as outras regiões, fa-zendo com que a economia gaúcha já passe a incorporar esse problema em seucálculo econômico. A gravidade desse quadro parece ter incentivado discus-sões, entre a sociedade e o Governo Estadual, que privilegiem soluções estru-turais que, pelo menos, amenizem o problema, sendo uma delas a construçãode barragens em pontos estratégicos do território gaúcho, visando, com isso,tornar as políticas públicas mais que meros paliativos de curto prazo.

Referências

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BALDI, Neila. Arroz custa mais barato que o milho no Sul e Centro-Oeste. Gaze-ta Mercantil, São Paulo, p. B-12, 12 maio 2005.

BENETTI, Maria D. A agricultura gaúcha em 2004. Feliz 2005! IndicadoresEconômicos FEE, Porto Alegre, v. 32, n. 4, p. 143-166, mar. 2005.

BOLETIM DE CONJUNTURA, Rio de Janeiro: IPEA, n. 68, mar. 2005.

FÜRSTENAU, Vivian. A quebra na produção e a queda nas exportaçõesgaúchas de soja em 2005. Carta de Conjuntura FEE, Porto Alegre, v. 14, n. 6,p. 2, jun. 2005.

GOMES, Anderson Galvão. Riscos e oportunidades da soja. Revista deAgronegócios da FGV, Rio de Janeiro, p. 18-19, mar. 2005.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 47-64, set. 2005

Martinho Roberto Lazzari

INDICADORES DA AGROPECUÁRIA. Brasília, DF: Conab, v. 14, n. 3,mar. 2005.

LAZZARI, Martinho R. Soja gaúcha avança sobre áreas de milho e de pecuária.Carta de Conjuntura FEE, Porto Alegre, v. 14, n. 3, p. 2, mar. 2005.

LAZZARI, Martinho R. Soja no RS: produção em queda e preço em baixa. Cartade Conjuntura FEE, Porto Alegre, v. 13, n. 4, p. 1, abr. 2004.

LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO — Rio Grande do Sul. Riode Janeiro: IBGE, maio 2005.

SAFRAS & MERCADO. Feijão, v. 7, n. 278, 02 maio 2005a.

SAFRAS & MERCADO. Feijão, v. 7, n. 279, 09 maio 2005b.

SAFRAS & MERCADO. Feijão, v. 7, n. 281, 23 maio 2005c.

SAFRAS & MERCADO. Milho, v. 7, n. 479, 02 maio 2005d.

SAFRAS & MERCADO. Milho, v. 7, n. 480, 09 maio 2005e.

SAFRAS & MERCADO. Milho, v. 7, n. 481, 16 maio 2005f.

SAFRAS & MERCADO. Soja, v. 7, n. 1.346, 02 maio 2005g.

SAFRAS & MERCADO. Soja, v. 7, n. 1.347, 09 maio 2005h.

SAFRAS & MERCADO. Soja, v. 7, n. 1.348, 16 maio 2005i.

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Indústria gaúcha: a crise bate à porta em 2005

Indústria gaúcha: a crise bate à porta em 2005

André Luís Forti Scherer Economista da FEE e Professor do Departamento de Economia da PUCRS.

ResumoEste artigo tem por objetivo analisar o desempenho das indústrias brasileira egaúcha durante os primeiros seis meses de 2005.Constatou-se que, enquanto aindústria brasileira apresentou uma continuidade da sua trajetória de crescimentomoderado iniciada ainda em 2003, a gaúcha teve um péssimo resultado em2005, até o momento. Aqui também são analisados alguns dos fatores internose externos que podem vir a afetar a "performance" da indústria, no Brasil e noRio Grande do Sul, ao longo de 2005.

Palavras-chaveIndústria brasileira; indústria gaúcha; crescimento.

AbstractThis paper aims at analyzing the performance of Brazil and Rio Grande do Sul´sindustry during the first six months of 2005. The paper shows that while theBrazilian industry has maintained its path of growth since 2003, the RGS´s industryhas not follow the same pattern. In the last section, it is analyzed some internaland external factors that can affect the performance of the Brazil and RGS in thesecond semester of 2005.

Artigo recebido em 15 ago. 2005

INDÚSTRIA

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André Luís Forti Scherer

O primeiro semestre de 2005 reservou surpresas desagradáveis para aindústria do Rio Grande do Sul. Embora ainda seja cedo para determinarmos2005 como um "ano perdido", passado um semestre, torna-se evidente que asprevisões mais otimistas enunciadas no início do ano não se confirmarão.

Diversos fatores contribuíram para esse resultado negativo e serãoexplorados ao longo deste artigo. Entretanto chama atenção o descompassoentre a performance da indústria regional e os resultados obtidos pelo setor emnível nacional. A atividade industrial no Brasil vem apresentando, até aqui,resultados que podem ser qualificados como razoáveis, em sintonia com o atualmomento da economia brasileira, o qual combina um crescimento moderado einsuficiente para a geração de grande volume de emprego e investimento comsuperávits expressivos nas contas públicas primárias e, mais importante, dadaa história da economia brasileira, com resultados positivos, na balança, emtransações correntes.

Neste artigo, propomo-nos, em duas seções, a analisar os resultados obtidospelos setores industriais do Brasil e do Rio Grande do Sul no primeiro semestrede 2005. Procuraremos, em seguida, esboçar algumas considerações quantoaos fatores que podem influenciar o desempenho da indústria no decorrer doano. Dentre esses, destacamos as perspectivas para a economia mundial —fortemente afetada pelos desequilíbrios persistentes nas relações entre os EUAe a Ásia, em especial a China —, os efeitos da valorização cambial da moedabrasileira e a crise política pela qual passa o País.

1 - A indústria brasileira no primeiro semestre de 2005

A indústria brasileira apresentou crescimento de 5% no primeiro semestrede 2005. Entretanto, enquanto as indústrias extrativas cresceram 10%, a indústriade transformação teve uma elevação, em sua produção, de 4,71% no mesmoperíodo. Esse desempenho superior das indústrias extrativas pode ser atribuídoao "efeito China", ou seja, à maior demanda internacional por minérios, que temafetado positivamente as exportações e os preços internacionais desse setor, apartir da presença mais ativa desse país, em forte crescimento, no mercado

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Indústria gaúcha: a crise bate à porta em 2005

internacional,1 o que tem contribuído positivamente para as contas externasbrasileiras.

Como pode ser observado no Gráfico 1, a indústria brasileira vem apresentan-do um crescimento moderado ao longo de 2005, o qual se acelerou no segundotrimestre do ano.

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FONTE: PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL: Brasil — número-índice. Rio de Janeiro, IBGE, 2004. Disponível em: www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: 13 ago. 2005. NOTA: Índice de base fixa mensal com ajuste sazonal (base: média de 2002 = 100).

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Esse crescimento na produção física da indústria brasileira é tributário daboa performance dos bens de consumo duráveis, que acumulam no ano, atéjunho, um incremento de 16,69%, na comparação com o primeiro semestre doano anterior, como mostra a Tabela 1. Enquanto a indústria como um todoapresentou variação, no período maio-jun., de 1,6% no índice com ajuste sazonal,os bens duráveis mostraram um crescimento de 8,1% nesse mesmo indicador.Esse bom desempenho representa uma continuidade daquilo que já foi observadoem 2004, como bem demonstra o fato de que a produção de bens duráveis, em

1 O subíndice metais, componente do índice CRB (Coomodities Research Bureau, 2005), quemede os preços das commodities, apresentou, em maio de 2005, seu maior valor desde1947 (370 pontos para uma base de 100 em 1967).

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junho de 2005, se encontrava 23,6% superior à do mesmo mês de 2004 e 51%acima da média de 2002.

Esse excelente desempenho tem sido puxado pelo consumo de automóveis,telefones celulares e eletrodomésticos, os quais, em conjunto, responderam por1,71 ponto percentual dos 5% de crescimento obtidos pela produção industrialno semestre. Como não podemos deixar de notar, o acréscimo no consumodesses bens decorreu do aumento das compras a prazo, as quais vêm crescendoa despeito das elevadíssimas taxas de juros reais impostas à economia brasileira.Evidencia-se, assim, a dependência desse setor dinâmico da atividade industrial,em 2005, da continuidade da expansão do crédito. Mantidas as condições vigentesna economia brasileira — elevadas taxas de juros reais que se conjugam àelevação da inadimplência e à ausência de ganhos salariais reais expressi-vos —, temos aí uma primeira e importante barreira à continuidade desse bomdesempenho no decorrer de 2005.

Tabela 1

Taxa de crescimento acumulada da produção física da indústria, por categoria de uso, no Brasil — 2003-05

(%)

ACUMULADA JAN-JUN (1) SEGMENTOS

2003 2004 2005

ACUMULADA EM 12 MESES

ATÉ JUN/05 (2)

Bens de capital ....................... -2,78 22,22 3,83 9,15

Bens intermediários ............... 4,31 4,99 2,36 5,25

Bens de consumo ................... -1,74 5,52 8,79 8,26

Duráveis ................................... 2,41 20,33 16,69 18,40

Semiduráveis e não duráveis ... -2,61 2,27 6,68 5,74

INDÚSTRIA GERAL ................ 1,04 6,53 4,99 6,68

FONTE: PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL: número-índice. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: 13 ago. 2005. (1) Os dados têm como base igual período do ano anterior = 100. (2) Os dados têm como base os 12 meses anteriores = 100.

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Indústria gaúcha: a crise bate à porta em 2005

A evolução da produção da categoria dos bens semiduráveis e não duráveisapresentou recuperação frente às baixas performances obtidas em 2003 e 2004.No entanto, não é possível afirmar que tenham rompido com a prolongadaestagnação que tem marcado o desempenho desse segmento. Essa estagnaçãoé decorrente dos baixos níveis absolutos de emprego e de renda que têm afetadoa população assalariada do País nas últimas décadas, o que se reflete emquedas na produção de bens essenciais, como alimentos e bebidas elaborados.Embora tenha apresentado crescimento de 3,95% no primeiro semestre de 2005,a produção de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico aindase mostra 1,11% abaixo da produção média obtida em 2002.

Contrastando com o bom desempenho dos bens duráveis, as categoriasbens de capital e bens intermediários afetaram negativamente a média daprodução industrial brasileira no primeiro semestre de 2005.

A categoria bens de capital não manteve o ritmo de crescimento obtido em2004, ao contrário do que vem ocorrendo com a categoria dos duráveis.Dependente do aumento dos investimentos, essa categoria teve sua expansãoprejudicada pelas elevadas taxas de juros. Segmentos específicos, comomáquinas e equipamentos para a agricultura, foram ainda afetados pela seca epela queda de rendimento na agroindústria em geral. Assim, a produção demáquinas e equipamentos para a agricultura apresentou uma queda de 36,28pontos percentuais no primeiro semestre de 2005, frente ao mesmo período doano passado, enquanto o desempenho da categoria bens de capital para finsindustriais se mostrou positivo em 4,99%, acompanhando a performance daindústria como um todo. O fraco desempenho dos bens intermediários foi, porsua vez, tributário da queda de 4,62% na produção de combustíveis e lubrificanteselaborados, no primeiro semestre de 2005 frente ao mesmo período de 2004.

Quanto às seções e atividades da indústria brasileira, material eletrônico,aparelhos e equipamentos de comunicação (21,44% de crescimento frente aosprimeiros seis meses de 2004), edição, impressão e reprodução de gravações(12,33%) e veículos automotores (12,22%) foram aquelas que mais se destacaramno primeiro semestre. Negativamente, contribuíram a indústria do fumo (-3,74%),metalurgia básica (2,20%), outros produtos químicos (-0,42%) e refino de petróleoe álcool (-0,03%).

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André Luís Forti Scherer

2 - O fraco primeiro semestre da indústria gaúcha

Segundo o IBGE, a indústria gaúcha apresentou uma queda de 3,22% noprimeiro semestre de 2005, frente aos primeiros seis meses de 2004. Trata-sedo pior desempenho industrial estadual dentre aqueles medidos por esse institutode pesquisa. Essa menor produção, ao mesmo tempo em que a indústria brasileiracrescia 5%, aumentou a diferença entre os desempenhos das indústrias do RioGrande do Sul e do Brasil, ampliando uma disparidade que se iniciou ainda nosegundo semestre de 2004 (Gráfico 2).

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FONTE: PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL: número-índice. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: 13 ago. 2005.NOTA: Os índices têm como base o mesmo mês do ano anteiror.

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o/05

Legenda:

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Indústria gaúcha: a crise bate à porta em 2005

Esse fraco desempenho em 2005 contrasta com a performance de recupera-ção obtida em 2004. Observa-se, na Tabela 2, que a indústria gaúcha perdeugrande parte do crescimento obtido no ano anterior, estando a produção acumu-lada entre julho de 2004 e junho de 2005 apenas 1,56% acima daquela obtida noacumulado dos 12 meses anteriores. Ainda assim, nota-se uma pequena melhoriano segundo trimestre, com a produção acumulada no primeiro atingindo a piormarca até o momento, uma queda de 3,72% frente ao primeiro trimestre de2004.

Tabela 2

Taxa de crescimento acumulada da produção física da indústria geral no Rio Grande do Sul — mar./04-jun./05

(%)

PERÍODOS ACUMULADA NO ANO (1) ACUMULADA EM 12

MESES (2)

Até mar./04 .......................... 4,60 -0,17 Até abr./04 ........................... 4,30 0,18 Até maio/04 ......................... 4,37 0,69 Até jun./04 ........................... 6,24 2,28 Até jul./04 ............................. 7,81 4,12 Até ago./04 .......................... 8,53 5,83 Até set./04 ........................... 7,68 5,85 Até out./04 ........................... 7,08 6,01 Até nov./04 .......................... 6,72 6,52 Até dez./04 .......................... 6,39 6,39 Até jan./05 ........................... -1,36 6,27 Até fev./05 ........................... -1,61 6,01 Até mar./05 .......................... -3,72 4,30 Até abr./05 .….................….. -3,61 3,67 Até maio/05 ..............…........ -3,30 3,05 Até jun./05 ......................….. -3,22 1,56

FONTE: PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL: número-índice. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: 13 ago. 2005.

(1) Os dados têm como base o índice acumulado em igual período do ano anterior = = 100. (2) Os dados têm como base os 12 meses anteriores = 100.

Dois fatores destacam-se para a explicação desse resultado: a seca, queafetou severamente a produção agrícola e a disponibilidade de matéria-primapara algumas agroindústrias, e a valorização cambial, que tem prejudicado o

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desempenho exportador de algumas atividades industriais, notadamente aquelasintensivas em trabalho, cujos preços externos têm sido pressionados, devido àacirrada concorrência com os países asiáticos, em particular com a China.

A análise da performance das seções e das atividades da indústria gaúcha(Tabela 3) dá-nos exemplos que ilustram os dois casos. O desempenho demáquinas e equipamentos, negativo em 19,71%, no primeiro semestre, deve-sesobretudo à perda de dinamismo do Setor Primário no Estado, ao longo de 2005,mesmo que essa atividade tenha saído-se ainda pior no Brasil (-36,28%). Éimportante salientar que, segundo o IBGE, a agroindústria brasileira cresceuapenas 0,33% no primeiro semestre de 2005 e que atividades com forte pesopara a indústria gaúcha foram responsáveis por essa estagnação. Além demáquinas e equipamentos agrícolas, também a indústria do fumo tem apresentadoum desempenho negativo em 2005, até o momento (-5,79%), embora inicie umarecuperação, face ao péssimo primeiro trimestre do ano (-22,70%).

Notamos também exemplos de atividades prejudicadas pela queda na rendacom as exportações. Embora o câmbio não tenha afetado negativamente aatividade exportadora brasileira até o momento, isso deve-se, em parte, ao fatode o Brasil ser exportador de matérias-primas e produtos primários que têmvisto sua demanda e seu preço aumentados pela presença dinâmica da Chinano mercado internacional. Entretanto, quando se trata de produtos exportadospela economia chinesa, o efeito do acirramento da concorrência sobre os preçosinternacionais tem sido o inverso, e, nesse caso, a valorização cambial, queatinge aproximadamente 25% nos 12 meses entre agosto de 2004 e julho de2005, quando deflacionada pelo INPC, é mais um fator a barrar a possibilidadede expansão da produção. Fazendo frente a esses elementos, o desempenho daindústria de calçados e artigos de couro tem sido surpreendentemente positivoaté o momento (4,97% de crescimento no primeiro semestre), embora o nível deemprego nessa atividade esteja em queda. Já a indústria do mobiliário não temconseguido encontrar alternativas que promovam a manutenção da produção,tendo esta se reduzido 12,28% na comparação com os primeiros seis meses de2004.

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Indústria gaúcha: a crise bate à porta em 2005

Tabela 3

Taxa de crescimento acumulada da produção física, por seções e atividades da indústria, no RS — 2004-05

(%)

ACUMULADA NO ANO (2)

SEÇÕES E ATIVIDADES JUN/05 (1)

Jan.- -Dez./04

Jan.- -Mar./05

Jan.- -Jun./05

ACUMULADA NOS ÚLTIMOS

12 MESES ATÉ JUN/05

(3)

INDÚSTRIA GERAL ............. -2,23 6,39 -3,72 -3,22 1,56

Indústrias extrativas ............ - - - - -

Indústria de transformação -2,23 6,39 -3,72 -3,22 1,56

Alimentos ............................... 4,99 -0,31 7,71 5,41 2,52

Bebidas .................................. 25,26 6,98 4,04 -3,41 0,73

Fumo ...................................... 5,88 26,84 -22,70 -5,79 13,33

Calçados e artigos de couro .. 1,27 0,69 2,61 4,97 6,40

Celulose, papel e produtos de

papel ...................................... 7,42 1,61 0,28 -0.76 -2,89

Edição, impressão e reprodu-

ção de gravações .................. 8,27 5,54 -0,32 2,52 4,78

Refino de petróleo e álcool .... -16,63 -6,17 -10,03 -5,21 -11,61

Outros produtos químicos ...... -10,90 -0,56 -5,65 -5,71 -2,89

Borracha e plástico ................ -7,90 13,28 -6,58 -7,75 1,28

Metalurgia básica ................... -7,17 14,62 2,18 -1,28 6,60

Produtos de metal (exclusive

máquinas e equipamentos) ... 3,55 8,67 16,28 5,94 8,22

Máquinas e equipamentos ..... -9,57 16,84 -16,55 -19,71 -3,74

Veículos automotores ............ -5,44 21,75 -3,81 -2,60 8,82

Mobiliário ............................... -8,72 12,10 -16,21 -12,28 -0,87

FONTE: PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL: número-índice. Rio de Janeiro: IBGE, 2004/2005. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: 13 ago. 2005.

NOTA: A nova pesquisa de produção física industrial mensal referente ao Rio Grande do Sul exclui vários grupos de atividades: têxtil; vestuário e acessórios; madeira; farmacêutica; perfu-maria; sabões, detergentes e produtos de limpeza; outros produtos químicos; minerais não- -metálicos; máquinas para escritório e equipamentos de informática; máquinas, aparelhos e materiais elétricos; materiais eletrônicos; aparelhos e equipamentos de comunicações; outros equipamentos de transporte; e diversos.

(1) Índice mensal com base em igual mês do ano anterior = 100. (2) Índice acumulado com base em igual período do ano anterior = 100. (3) Índice acumulado com base nos 12 meses anteriores = 100.

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3 - Considerações finais: o que se pode esperar do restante de 2005?

Alguns elementos de natureza bastante distinta impedem uma maior clarezaquanto ao cenário para o restante do ano.

No front interno, a emergência de uma crise política de grandes proporçõese que amplia, a cada dia, a incerteza é um primeiro elemento que deve serlevado em conta. Outra questão de natureza econômica, mas não totalmenteindependente da questão política, trata do comportamento da taxa de juros reaise das possibilidades de expansão do crédito nesse contexto. Também segueuma incógnita, até o momento, qual seria a resposta do setor externo da economiabrasileira em um cenário de expansão da renda e do emprego, dada a valorizaçãocambial já registrada no ano. E, em caso de uma acelerada desvalorização,como reagiria a inflação, que somente foi contida com uma ajuda da valorizaçãocambial? Não estaria aí o estopim para novos aumentos na taxa de juros, coma volta do interminável stop and go? A percepção do agravamento da crisepolítica e da incerteza na área econômica já vem afetando o ânimo doempresariado industrial, como mostra a última Sondagem Conjuntural, daFundação Getúlio Vargas, realizada em julho de 2005, que apresenta os pioresresultados em dois anos, com 29% das respostas qualificando a situação atualdos negócios como "fraca" (Stelzer, 2005).

No front externo, as relações entre os Estados Unidos e a China e asquestões internas referentes à economia norte-americana e à sustentabilidadedo seu ritmo de crescimento são de crucial importância para o ritmo de atividadeno Brasil. Um cenário externo benigno permite ao País reduzir o peso da dívidaexterna e dos pagamentos que devem ser feitos ao exterior, graças à enormeliquidez hoje vigente na economia mundial, ao mesmo tempo em que amanutenção do crescimento na China e nos Estados Unidos são fundamentaispara o bom desempenho do setor exportador nacional. Uma reversão dessecenário que passasse por uma aceleração do aumento da taxa de juros nosEstados Unidos — a qual vem crescendo em um ritmo moderado — seriadesastrosa para a economia mundial e para o Brasil em particular.

É importante salientar que os Estados Unidos têm de fazer frente a fortesdesequilíbrios internos e externos, tendo seu crescimento dinamizado por umademanda extremamente dependente da oferta de crédito abundante e barato, oqual somente é viabilizado a partir das decisões dos principais bancos centraisde países credores de manterem suas reservas denominadas em dólar.Internamente, entretanto, as taxas de juros baixas levam à formação de "bolhas"

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Indústria gaúcha: a crise bate à porta em 2005

de ativos, como mostra o atual aumento de preços no setor imobiliário, que temservido de suporte para a expansão do endividamento das famílias norte--americanas.

A decisão chinesa de valorizar sua moeda, passando a um regime debandas cambiais lastreado em uma cesta de moedas, pode ser vista como umpasso na direção desejada por Washington de compartilhar com outros países opeso dos ajustes necessários para uma redução não traumática dos atuaisdesequilíbrios. Ao mesmo tempo, a timidez da mudança, até o momento,representa a vontade chinesa de manter sob seu estrito controle as decisõesestratégicas quanto à sua economia, impedindo retaliações comerciais norte--americanas de forma unilateral.

Como podemos ver, são muitas as questões em aberto que afetam opotencial de produção da indústria brasileira para o restante do ano. Essasrespostas são ainda mais importantes para a indústria do Rio Grande do Sul,visto o péssimo desempenho obtido no primeiro semestre de 2005. Nesse cenário,uma crise interna, ou externa, poderá levar a indústria gaúcha a experimentar,em 2005, um ano extremamente negativo, o que esperamos que não se concretize.

Bibliografia

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Base de dados. Brasília, DF: BACEN, 2005.Disponível em: www.bacen.gov.br Acesso em: 13 ago. 2005.

COMMODITY RESEARCH BUREAU. CRB spot indexes: currentconstruction — metals. Chicago, Ill.: CRB, 2005. Disponível em:http://www.crbtrader.com Acesso em: 13 ago. 2005.

IBGE. Base SIDRA. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponível em: www.ibge.gov.brAcesso em: 13 ago. 2005.

PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL: Brasil — número-índice. Rio de Janeiro, IBGE,2004. Disponível em: www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: 13 ago. 2005.

PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL; número-índice. Rio de Janeiro: IBGE, 2005.Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br Acesso em: 13 ago. 2005.

STELZER, Vanessa. Indústria mostra o menor grau de confiança em doisanos — FGV. São Paulo: Yahoo, 2005. Disponível em: http://br.news.yahoo.comAcesso em: 27 jul. 2005.

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As exportações gaúchas para os países do Mercosul: 1998-04

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As exportações gaúchas para os paísesdo Mercosul: 1998-04

Sônia Unikowsky Teruchkin* Economista da FEE.

ResumoNeste artigo, analisam-se as exportações do Rio Grande do Sul para o Mercosul,por capítulos e subcapítulos, enfatizando-se as vendas para a Argentina, tendoem vista a sua importância para o comércio externo gaúcho de 1998 a 2004.Esse período foi caracterizado por importantes crises financeiras e cambiais,com significativas repercussões sobre todos os parceiros. Como decorrência,após um contínuo crescimento das vendas para o Mercosul, de 1999 a 2002 asexportações estaduais para o bloco caíram significativamente. Mesmo com aretomada do crescimento a partir de 2003, os valores atingidos em 2004 forampouco superiores aos de 1998.

Palavras-chaveMercosul; exportações; Rio Grande do Sul.

AbstractThis article analyses Rio Grande do Sul’s exports to Mercosul, from 1998 to2004, by chapter and sub-chapter, with an emphasis on sales to Argentina,considering the importance of this country in the State’s foreign trade. Duringthis period several important financial and exchange crises took place, withsignificant consequences on all member countries. As a result, after the

* A autora agradece as Economistas Teresinha Bello e Beky Moron de Macadar pelos comen-tários e pelas sugestões ao texto e o estagiário Guilherme Rosa de Martinez Risco pelaelaboração das tabelas.

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continuous growth of sales to Mercosul from 1999 to 2002, the State’s exportsto the other member countries fell sharply. Even after the recovery of growth in2003 the values traded in 2004 are scarcely superior to those of 1998.

Artigo recebido em 17 jun. 2005.

1 - IntroduçãoDesde a constituição do Mercosul (1991) até princípios de 1997, o período

foi, em geral, favorável às economias do bloco. Esses primeiros seis anos foramcaracterizados por processos de estabilização econômica bem-sucedidos, taxasde crescimento das economias relativamente elevadas, ambiciosos programasde abertura e liberalização comercial junto com abundante disponibilidade definanciamento internacional e o interesse de importantes empresas multinacionaisde melhorarem seu posicionamento no Mercosul. Esse contexto possibilitoucenários interno e externo extremamente favoráveis ao fortalecimento de laçoseconômicos, comerciais e financeiros entre os países da região. A partir dessescenários, os intercâmbios intra e extra-Mercosul incrementaram-se signi-ficativamente, ao mesmo tempo em que os investimentos diretos estrangeirosalcançaram níveis elevadíssimos na região (La crisis..., 1999).

Portanto, a dinamização muito intensa do comércio intrazona,particularmente nos primeiros anos, foi primordial para o processo de construçãodo Mercosul, e esse tem sido importante para muitas empresas locais ampliarema escala de produção e a competitividade. Entretanto cabe destacar que oMercosul ainda tem pequena representatividade no comércio mundial, excetoem alguns poucos produtos, em especial do agronegócio.

Devido à grande assimetria entre as economias do bloco, as relaçõescomerciais intrabloco são preponderantemente entre os dois maiores parcei-ros — Brasil e Argentina —, e, para onde penderem esses países, inclinar-se-ãoos outros dois parceiros — Uruguai e Paraguai. Englobando países com realidadessociais, políticas e econômicas distintas, para se compreenderem as relaçõesintra-região, é essencial ter presente a importância das relações de poder internasà organização, principalmente no que se refere às decisões do Mercosul emacelerar, modificar ou postergar as negociações intrablocos (Teruchkin; Nique,2001).

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As exportações gaúchas para os países do Mercosul: 1998-04

Tendo em vista que as relações comerciais entre os quatro parceiros vêmsendo analisadas e discutidas em vários artigos1, optou-se por contemplar asexportações do Rio Grande do Sul (RS) para os demais países do bloco,enfatizando-se as vendas para a Argentina, dada a importância desse país parao comércio externo gaúcho. Nesse caso, estão subjacentes as relações comerciaisdo Brasil com os seus parceiros, pois as decisões de política externa, assimcomo quase todas as decisões de política econômica, são centralizadas emnível federal.

Este artigo está dividido em cinco partes. Na primeira, que compreende aIntrodução, apresenta-se o objeto a ser estudado; na segunda, faz-se umaanálise dos valores exportados pelo Rio Grande do Sul, no período 1998-04,para os três países; na terceira, examinam-se as exportações gaúchas para oMercosul por capítulos e subcapítulos, ressaltando-se os mais relevantes; naquarta, analisam-se, especificamente, as relações do RS com a Argentina, tendoem vista a sua representatividade no bloco e no comércio estadual; por fim, sãoapresentadas as Considerações finais.

2 - A evolução do valor exportado

Analisando-se as exportações gaúchas para os demais países-membrosdo Mercosul de 1992 a 1997, verifica-se um crescimento total de 189,5%,percentual este muito maior do que para o resto do mundo (30,8%). Isso ocorreuapesar da valorização da moeda brasileira com o Plano Real, em 1994 e nosanos seguintes. As vendas externas para os parceiros do bloco totalizaram US$375,0 milhões em 1992 e atingiram US$ 1.085,9 milhões em 1997, dobrando asua participação nas exportações totais do Estado, que passou de 8,6% em1992 para 17,3% em 1997. Nesse mesmo período, as importações gaúchasprovenientes da região em apreço foram sempre superiores às exportaçõesestaduais para o bloco, embora com menores taxas de crescimento (172,9%)do que as importações oriundas do resto do mundo (214,3%), o que resultou emsaldos negativos na balança comercial RS-Mercosul (Teruchkin, 1998).

1 No Brasil, a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), o Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o RelNet — site brasileiro de referência em relaçõesinternacionais —, e, na Argentina, o Centro de Economía Internacional (CEI) e ainda oInstituto Para a Integração da América Latina e do Caribe (Intal), do BID, dentre váriosoutros, publicam regularmente artigos sobre as relações comerciais entre os parceiros dobloco.

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Se o período 1994-97 apresentou um forte dinamismo do comércio mundial,as desvalorizações cambiais, iniciadas na Ásia (1997) e espalhadas rapidamentepara outras economias emergentes, modificaram o comportamento do comérciomundial nos anos subseqüentes. Mesmo assim, apesar do menor ritmo, as vendasgaúchas para o Mercosul ainda apresentaram um contínuo crescimento até 1998,quando as exportações atingiram US$ 1.109 milhões, o maior valor desde acriação do bloco, ampliando o mercado para vários produtos estaduais. Já asexportações extrabloco revelaram um decréscimo, notadamente de produtosbásicos, devido à redução dos preços das commodities nos mercadosinternacionais, aliada aos impactos da apreciação do real e das desvalorizaçõesdas moedas asiáticas.

Em janeiro de 1999, com o abandono do regime de bandas cambiais e aadoção do de câmbio flexível pelo Brasil, houve uma desvalorização do real, oque favoreceu a competitividade externa dos produtos brasileiros e gaúchos,levando a uma crise comercial no bloco, sobretudo entre Argentina e Brasil. Istoporque o país vizinho ainda mantinha o peso valorizado em relação ao dólar.Entretanto, apesar de o câmbio no Brasil favorecer as exportações, houve quedadas vendas externas gaúchas e brasileiras para os parceiros do Mercosul, de21,2% e 23,7% respectivamente, explicada por vários fatores, onde se destacama queda do PIB na Argentina e no Uruguai e a economia paraguaia praticamenteestagnada,2 o que atuou como freio para a entrada de bens importados. Ademais,na Argentina, a desvalorização do real produziu retaliações, com a adoção demedidas protecionistas unilaterais, e, no Paraguai, a crise econômica foiacompanhada de um aprofundamento da crise política no País, com o assassinatodo seu Vice-Presidente e a posterior renúncia do Presidente.

Já em 2000, verificou-se uma recuperação das exportações gaúchas parao Mercosul (14,1%) em relação a 1999, percentual idêntico ao ocorrido em nívelnacional, apesar do decréscimo do Produto Interno Bruto (PIB) nos outros trêsparceiros do bloco. O acréscimo do valor embarcado, intra e extrazona, ocorreu,apesar da apreciação da moeda brasileira em relação ao dólar e à cesta demoedas, ao longo de 2000, em relação ao ano anterior. Mas, ao se compararemos valores vendidos ao Mercosul em 2000 com os de 1998, verifica-se umdecréscimo de 10,1% (Gráfico 1).

2 Em 1999, a taxa de redução do PIB da Argentina foi de 3,4%, a do Uruguai, de 2,8%, e ocrescimento da economia paraguaia foi de apenas 0,5% (CEI, 2005).

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As exportações gaúchas para os países do Mercosul: 1998-04

Exportações para o Mercosul do Brasil e do RS — 1998-04

1 000 0002 000 0003 000 0004 000 0005 000 0006 000 0007 000 0008 000 0009 000 000

10 000 00011 000 00012 000 00013 000 000

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC/SECEX/DTIC/Siste- ma Alice-Web.

100 000 200 000 300 000 400 000 500 000 600 000 700 000 800 000 900 0001 000 0001 100 0001 200 0001 300 000

Brasil RS

Brasil (US$ mil) RS (US$ mil)

Gráfico 1

Legenda:

0

Novamente em 2001, observou-se uma redução das vendas do RS para ospaíses do bloco, resultado da crise na Argentina e no Uruguai — com quedascontínuas no PIB desde 1999 — e da instabilidade política no Paraguai. Aindanesse ano, segundo Soares (s. d., c; d), houve várias listas de exceções à TarifaExterna Comum (TEC), em particular na Argentina, e a produtos originários doMercosul, que entravam nos países-membros com tarifa zero, com maior ênfaseno Paraguai. Essas medidas, apesar de temporárias, prejudicaram as exportaçõesnão só gaúchas como brasileiras aos países vizinhos.

Mas as dificuldades de vender ao Mercosul só se acentuaram sobremaneirano ano de 2002. As instabilidades cambial e financeira e os problemas regulatórios,como atrasos na liquidação de operações realizadas entre exportadoresbrasileiros e importadores argentinos em fins de 2001, geraram fortes quedasno comércio bilateral (Taccone; Nogueira, 2003). Nesse ano, as exportaçõesgaúchas para o bloco caíram 51,6% em relação a 2001, quando o desempenhojá havia sido negativo, apresentando, em 2002, seu menor valor desde 1993. Jápara a Argentina, a redução em relação a 2001 foi ainda maior, atingindo 63,3%,sendo o valor exportado em 2002 de apenas US$ 210,6 milhões, o menor desdea constituição do bloco (Tabela 1).

1 300 0001 200 0001 100 0001 000 000

900 000800 000700 000600 000500 000400 000300 000200 000

0

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Sônia Unikowsky Teruchkin

O abandono, no início de 2002, do regime de conversibilidade entre o pesoe o dólar, vigente desde 1991, e a conseqüente e acentuada desvalorização damoeda argentina alteraram as condições de competitividade intrabloco, afetandoas economias menores do Mercosul, que apresentaram retração de suasatividades e acentuado incremento da inflação. Em 2002, de acordo com Tacconee Nogueira (2004), o PIB do Paraguai e o do Uruguai decresceram 1,5% e 10,8%respectivamente, e a inflação — medida pelo Índice de Preços ao Consumi-dor — aumentou sobremaneira, atingindo 14,7% no Paraguai e 25,9% no Uruguai.Esses indicadores foram acompanhados por uma importante desvalorizaçãodas moedas nacionais e por menores importações.

A crise econômica do Uruguai, iniciada em 1999, acirrou-se em 2002, tendosido aprovado um congelamento dos depósitos à vista dos bancos estatais —semelhante ao “corralito” argentino. Ainda em 2002, foram prorrogadas, por maisum ano, a vigência do adicional de 1,5% à TEC das listas de exceção, nas quaiscada um dos quatro sócios tinha o direito de incluir 100 itens, e a permissãopara a Argentina manter a isenção de tarifas de importação de bens de capital(Soares, s. d., e; f). Já a recessão paraguaia foi conseqüência, em grande parte,da crise regional, tendo, porém, a contribuição de fatores internos, como a adoçãode uma política monetária recessiva, visando às estabilidades cambial einflacionária, e a retração da oferta agrícola, devido a condições climáticasadversas, dentre outros (Taccone; Nogueira, 2003).

Se, por um lado, a adoção de câmbio flutuante por Brasil e Argentinapossibilitou, nos anos seguintes, a revitalização do fluxo de comércio bilateral,via recuperação da paridade cambial peso-real, por outro, foi ainda maissignificativo o crescimento da economia argentina. O crescimento do PIB

Tabela 1 Exportações do RS — 1998-04

(US$ 1 000 FOB)

DESTINOS 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Argentina .. 708 361 570 910 661 090 573 509 210 573 606 977 877 420

Uruguai ..... 213 170 183 532 189 001 155 746 102 625 95 509 148 681

Paraguai ... 187 475 119 584 146 902 107 914 91 941 124 806 176 287

Mercosul .. 1 109 005 874 026 996 993 837 169 405 139 827 292 1 202 389

Outros ....... 4 519 511 4 124 694 4 782 948 5 508 190 5 970 307 7 185 971 8 676 214

TOTAL ...... 5 628 516 4 998 720 5 779 942 6 345 359 6 375 446 8 013 263 9 878 602

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC/SECEX/DTIC/Sistema Alice-Web.

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argentino em 8,8%, em termos reais, em 2003, após três anos de quedasconsecutivas, permitiu um acréscimo das exportações estaduais para o Mercosul.Entretanto, em 2003, as vendas para o Uruguai ainda decresceram, em especialas exportações de peles e couros, depois de elevado crescimento em 1999-02,e de erva-mate, que apresentou uma tendência declinante em todo o períodoanalisado.

Em 2004, as exportações para o Mercosul atingiram o seu maior montante(US$ 1.202,4 milhões) desde 1992, mas pouco acima dos valores de 1997 e1998. As vendas para todos os parceiros cresceram em relação ao ano anteriorde forma substancial, sendo de 41,2% para o Paraguai, de 44,6% para o Uruguaie de 55,7% para a Argentina.

Depreende-se, assim, que o período 1999-02 foi crítico para o bloco. Porum lado, houve a crise externa brasileira, que começou em fins de 1998 eculminou na desvalorização cambial no início de 1999, e, de outro, a criseeconômico-financeira por que passou a Argentina, que se agravou em 2000 eeliminou a paridade peso-dólar no começo de 2002.3 Nesse período, tambémocorreu uma profunda recessão no Uruguai. No ano de 2002, apenas o Brasilapresentou uma pequena taxa de crescimento do PIB, pois os três outrosparceiros tiveram taxas negativas, sendo considerado o pior ano do bloco.

Como decorrência, a representatividade do Mercosul nas exportações totaisdo Brasil e do RS caiu sobremaneira, passando de 14,5% e 17,1%,respectivamente, em 1999 para apenas 5,5% e 5,4% em 2002. E, apesar daretomada dos negócios em 2003 e 2004, a participação dos países do Mercosulnas exportações totais, em níveis estadual e nacional, ainda é menor do que avigente de 1998 a 2001, o que pode ser explicado pela ampliação das vendaspara outros mercados, com destaque para a União Européia e a Ásia.

Esse comportamento das vendas externas gaúchas para os países--membros do bloco em 1998-04 mostrou-se similar ao do Brasil para o mesmodestino, predominando as vendas de produtos manufaturados em nível tantoestadual como nacional, e a representatividade do RS nas vendas brasileiraspara os parceiros variou muito pouco, de um mínimo de 12,2% em 2002 a 14,6%em 2003. Contudo deve-se salientar que, em todo o período analisado, aparticipação do Mercosul nas exportações totais do Estado foi maior do que ado País.

3 Ver uma análise da crise argentina em Bello (2002).

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3 - Algumas reflexões sobre as exportações por capítulos e subcapítulos

Os dados sobre as exportações do Estado disponíveis no Sistema Alice,do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), estãoagrupados, segundo a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), da seguinteforma: em dois dígitos, denominados capítulos; em quatro dígitos, denominadosposição; e em oito dígitos, subitem. Entretanto, para efeitos deste estudo, ecomo é usualmente empregado, o agrupamento de quatro dígitos denominou-sesubcapítulos, e o de oito dígitos, mercadoria.

3.1 - As exportações por capítulos

No ranking dos capítulos exportados pelo Brasil para o Mercosul,destacaram-se quatro, cuja participação nas vendas, no período 1998-04, oscilouentre 33% e 52%. São eles:

- NCM 87 - veículos automóveis, tratores, etc., suas partes e acessórios;- NCM 84 - reatores nucleares, caldeiras, máquinas, etc., mecânicos;- NCM 85 - máquinas, aparelhos e material elétricos, suas partes, etc.;- NCM 39 - plásticos e suas obras.Esses capítulos foram os primeiros em valor exportado, exceto nos anos

de 1999 e 2002, quando ficaram entre os cinco de maior valor, tendo em vista ofaturamento da NCM 48 - papel e cartão, obras de pasta de celulose, de papel,etc., em 1999, e da NCM 29 - produtos químicos orgânicos, em 2002. Verificou--se, pois, um predomínio de produtos manufaturados, que representaram de86% a 91% do total vendido ao Mercosul pelo Brasil no período considerado.

Já as vendas do RS mostraram-se mais concentradas. Apenas quatrocapítulos representaram de 39% a 60% do total exportado ao Mercosul. Os trêsprimeiros, em valor, são os mesmos do Brasil (NCM 87, NCM 84 e NCM 39) e,em quarto lugar, até 2001, encontra-se o capítulo NCM 64 - calçados, polainase artefatos semelhantes e suas partes. Esses quatro capítulos também foramos mais relevantes no período 1992-97. Contudo, desde 2002, as exportaçõesde calçados vêm perdendo participação no total vendido ao Mercosul, enquantoos adubos e os produtos químicos orgânicos vêm crescendo nos últimos anos(Tabela 2).

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Tabela 2

Valor e variação percentual das exportações, por capítulos da NCM, do RS para o Mercosul — 1998-04

VALOR (US$ 1 000 FOB)

CAPÍTULOS 1998 1999 2000

2001

84 - Reatores nucleares, caldeiras, má-quinas, etc., mecânicos ................... 224 502 121 016 110 907 101 112

39 - Plásticos e suas obras ..................... 111 377 114 159 155 297 115 879 87 - Veículos automóveis, tratores, etc.,

suas partes e acessórios ................. 147 628 80 232 92 969 53 984 31 - Adubos ou fertilizantes .................... 31 148 17 746 30 297 28 029 29 - Produtos químicos orgânicos .......... 33 053 31 882 45 363 33 772 64 - Calçados, polainas e artefatos se-

melhantes, e suas partes ................ 74 181 89 556 113 336 109 622 40 - Borracha e suas obras .................... 16 735 14 357 14 549 12 211 55 - Fibras sintéticas ou artificiais, des-

contínuas ......................................... 11 510 11 654 15 784 11 871 02 - Carnes e miudezas e comestíveis ... 52 913 45 755 43 971 44 590 94 - Móveis, mobiliário médico-cirúrgico,

colchões, etc. ................................... 38 089 46 817 64 024 54 134 Subtotal .................................................. 741 136 573 173 686 497 565 205 Outros ...................................................... 367 869 300 852 310 496 271 964 TOTAL ..................................................... 1 109 005 874 026 996 993 837 169

VALOR (US$ 1 000 FOB)

CAPÍTULOS 2002 2003 2004

VARIAÇÃO % 1998-04

84 - Reatores nucleares, caldeiras, má-quinas, etc., mecânicos ................... 49 677 198 720 312 816 39,3

39 - Plásticos e suas obras ..................... 70 942 138 836 197 339 77,2 87 - Veículos automóveis, tratores, etc.,

suas partes e acessórios ................. 22 450 102 419 154 094 4,4 31 - Adubos ou fertilizantes .................... 31 145 36 731 69 785 124,0 29 - Produtos químicos orgânicos .......... 28 390 47 379 65 145 97,1 64 - Calçados, polainas e artefatos se-

melhantes, e suas partes ................ 15 898 47 000 56 695 -23,6 40 - Borracha e suas obras .................... 8 845 25 310 33 189 98,3 55 - Fibras sintéticas ou artificiais, des-

contínuas ......................................... 6 073 20 902 26 876 133,5 02 - Carnes e miudezas e comestíveis ... 9 863 17 749 24 856 -53,0 94 - Móveis, mobiliário médico-cirúrgico,

colchões, etc. ................................... 7 961 12 630 21 980 -42,3 Subtotal ................................................... 251 245 647 677 962 773 29,9 Outros ...................................................... 153 894 179 615 239 615 -34,9 TOTAL ..................................................... 405 139 827 292 1 202 389 8,4

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC/SECEX/DTIC/Sistema Alice-Web.

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Dentre os principais capítulos comercializados entre 1998 e 2004, os queapresentaram as maiores taxas de crescimento do valor exportado foram: NCM55 - fibras sintéticas ou artificiais, descontínuas (133,5%); NCM 31 - adubos oufertilizantes (124,0%); NCM 40 - borracha e suas obras (98,3%), pelo significativoincremento das vendas de pneus novos; e NCM 29 - produtos químicos orgânicos(97,1%). Exceto em adubos, cujas vendas foram dirigidas especialmente aoParaguai, nos demais, predominaram os embarques para a Argentina.

Já os capítulos que denotaram as maiores quedas foram: NCM 02 - carnese miudezas, comestíveis (-53,0%), devido ao decréscimo das vendas de carnesde galos/galinhas, inteiras ou em pedaços; NCM 94 - móveis, mobiliário médico--cirúrgico, colchões, etc. (-42,3%), com diminuição tanto das vendas de móveisde madeira e suas partes como das de móveis de metal e plásticos, bem comodas de sofás, poltronas e colchões; e NCM 64 - calçados, polainas e artefatossemelhantes e suas partes (-23,6%), diminuindo suas vendas para os trêsparceiros. Essas variações são melhor compreendidas quando se decompõemos capítulos em subcapítulos, como segue.

3.2 - As exportações por subcapítulos

Assim como na seleção dos principais capítulos por valor, nos subcapítulos,a ordem dos mesmos é a do último ano disponível, nesse caso, 2004. Aparticipação dos 18 principais subcapítulos, por valor exportado, entre 1998 e2004, variou de 43% a 64% do total embarcado pelo RS ao Mercosul, e essesfazem parte dos capítulos de maior valor exportado.

No capítulo de máquinas e aparelhos mecânicos, destacam-se ossubcapítulos que compreendem: as máquinas e os aparelhos para colheita oudebulha de produtos agrícolas (o segundo principal subcapítulo exportado); osmotores diesel ou semidiesel; as máquinas e os aparelhos de ar condicionado; eas máquinas automáticas para processamento de dados e suas unidades. Esteúltimo subcapítulo (NCM 8471) foi o que apresentou a maior taxa de crescimentono período, com 14.450% (Tabela 3), uma vez que, até 2000, as vendas externasde máquinas digitais de processamento de dados, leitores magnéticos ou ópticos,bem como de peças, eram praticamente nulas e, em 2004, atingiram 1,3% dototal vendido pelo Estado ao Mercosul.

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ercosul: 1998-04

Tabela 3

Valor e variação percentual das exportações, por subcapítulos, do RS para o Mercosul — 1998-04

VALOR (US$ 1 000 FOB) SUBCAPÍTULOS

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

VARIAÇÃO MÉDIA

ANUAL (%)

VARIAÇÃO %

1998-04

3901 - Polímeros de etileno, em formas primárias ..................... 89 442 96 056 129 071 98 170 57 514 108 661 162 812 10,50 82,03

8433 - Máquinas e aparelhos para colheita ou debulha de produtos agrícolas, incluídas as enfardadoras de palha ou forragem; cortadores de grama (relva) e ceifeiras; máquinas para limpar ou selecionar ovos, frutas ou ou-tros produtos agrícolas, exce-to as da posição 8437 ............ 57 217 22 111 20 583 27 869 17 044 108 922 141 527 16,29 147,35

8701 - Tratores (exceto os carros--tratores da posição 8709) ...... 32 193 7 328 12 934 15 846 11 281 73 955 93 480 19,44 190,37

3105 - Adubos ou fertilizantes mine-rais ou químicos, contendo dois ou três dos seguintes elementos fertilizantes: nitro-gênio, fósforo e potássio; outros adubos ou fertilizantes; produtos do presente capítulo apresentados em tabletes ou em formas semelhantes, ou ainda em embalagens com peso bruto não superior a 10kg ........................................ 27 630 16 865 27 020 25 712 28 411 32 813 58 013 13,16 109,97

(continua)

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Sônia U

nikowsky Teruchkin

Tabela 3

Valor e variação percentual das exportações, por subcapítulos, do RS para o Mercosul — 1998-04

VALOR (US$ 1 000 FOB) SUBCAPÍTULOS

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

VARIAÇÃO MÉDIA

ANUAL (%)

VARIAÇÃO %

1998-04 8408 - Motores de pistão, de ignição

por compressão (motores diesel ou semidiesel) ........................... 58 545 22 747 143 90 76 17 191 52 600 -1,77 -10,15

2902 - Hidrocarbonetos cíclicos ........... 12 422 13 896 20 833 11 069 11 442 17 170 35 737 19,26 187,69 2901 - Hidrocarbonetos acíclicos ......... 13 156 9 393 17 800 12 309 11 239 19 730 24 135 10,64 83,45 5509 - Fios de fibras sintéticas des-

contínuas (exceto linhas para costurar), não acondicionados para venda a retalho ................. 8 576 9 042 11 873 8 928 4 391 18 658 23 804 18,55 177,56

8707 - Carrocerias para os veículos automóveis das posições 8701 a 8705, incluídas as cabinas ..... 29 748 23 018 25 249 11 334 2 084 10 144 23 789 -3,66 -20,03

6402 - Outros calçados com sola exterior e parte superior de borracha ou plástico .................. 32 446 28 828 45 307 48 155 5 432 20 609 22 973 -5,59 -29,20

0203 - Carne de animais da espécie suína, frescas, refrigeradas ou congeladas ................................ 33 153 30 641 32 476 37 121 9 052 16 024 21 857 -6,71 -34,07

3902 - Polímeros de propileno ou de outras olefinas, em formas primárias ................................... 9 132 6 622 14 072 6 788 5 709 15 523 20 021 13,98 119,24

8708 - Partes e acessórios dos veículos automóveis das posi-ções 8701 a 8705 ...................... 39 737 21 238 19 600 13 239 6 052 11 341 18 252 -12,16 -54,07

4011 - Pneumáticos novos de borra-cha ............................................ 5 275 3 484 3 099 3 428 1 863 13 842 16 814 21,31 218,76

(continua)

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ercosul: 1998-04

Tabela 3

Valor e variação percentual das exportações, por subcapítulos, do RS para o Mercosul — 1998-04

VALOR (US$ 1 000 FOB) SUBCAPÍTULOS

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

VARIAÇÃO MÉDIA

ANUAL (%)

VARIAÇÃO %

1998-04

9403 - Outros móveis e suas partes .. 32 675 38 318 53 479 43 502 5 330 9 847 16 713 -10,57 -48,85 8415 - Máquinas e aparelhos de ar

condicionado contendo um ven-tilador motorizado e dispositivos próprios para modificar a tem-peratura e a umidade, incluídos as máquinas e os aparelhos em que a umidade não seja regu-lável separadamente .................. 13 155 8 806 17 730 14 242 757 11 424 16 434 3,78 24,93

8471 - Máquinas automáticas para pro-cessamento de dados e suas unidades; leitores magnéticos ou ópticos, máquinas para registrar dados em suporte sob forma codificada, e máquinas para pro-cessamento desses dados, não especificados nem compre-endidas em outras posições ....... 111 12 31 865 2 228 7 237 16 087 129,34 14 449,65

8716 - Reboques e semi-reboques, para quaisquer veículos; outros veículos não autopropulsores; suas partes ................................. 31 904 16 978 14 408 5 907 1 465 6 354 14 206 -12,61 -55,47

Subtotal ................................................ 526 517 375 384 465 707 384 573 181 368 519 446 779 255 6,75 48,00 Outros .................................................... 582 489 498 642 531 286 452 596 223 771 307 845 423 133 -5,19 -27,36 TOTAL ................................................... 1 109 005 874 026 996 993 837 169 405 139 827 292 1 202 389 1,36 8,42

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC/SECEX/DTIC/Sistema Alice-Web.

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Nos plásticos, os principais subcapítulos exportados foram os polímerosde etileno em formas primárias, que foi o de maior valor vendido ao Mercosul emtodo o período analisado, e os polímeros de propileno ou de outras olefinas, emformas primárias.

Já nos veículos, destacaram-se as vendas de tratores; carrocerias; partese acessórios para tratores e automóveis; e reboques e semi-reboques. Deve-sesalientar que os tratores têm elevado a sua representatividade na pautaexportadora, atingindo 8,9% em 2003 e 7,8% em 2004 (Tabela 4).

Quanto às vendas de adubos ou fertilizantes minerais ou químicos aoMercosul, estas vêm crescendo sobremaneira, em especial a partir do ano 2000,tendo mais que duplicado o valor exportado entre 1998 e 2004.

No que se refere às vendas de produtos químicos orgânicos, predominaramas de hidrocarbonetos cíclicos, como benzeno, tolueno e estireno, e as dehidrocarbonetos acíclicos, como butadieno e etileno não saturado, ambos comelevadas taxas de crescimento no período em análise.

Com relação aos calçados, as exportações do RS para os três paísesreduziram-se sobremaneira, em particular a partir de 2002, e o valor vendido em2004 ainda era inferior ao do início do período em análise (1998). Destaca-setambém o fato de que o preço médio do calçado vendido para a Argentina eramuito mais alto que o do para o Paraguai, verificando-se um preço intermediáriopara o comercializado com o Uruguai. As vendas de calçados de borracha ouplásticos (NCM 6402), que foram mais elevadas que as de couro natural (NCM6403), apresentaram um decréscimo médio anual de 5,6% e 14,2%,respectivamente, nos últimos sete anos.

Nos demais subcapítulos, devem-se salientar: os fios de fibras sintéticasdescontínuas, que cresceram, nos últimos seis anos, 177,6%, com destaquepara os valores embarcados de fios de fibras acrílicas; as carnes suínas e osmóveis e suas partes, que, apesar da retomada de crescimento, ainda estão emvalores bastante inferiores ao faturamento do período 1998-01; e os pneumáticos,que apresentaram taxas elevadas de crescimento nos últimos dois anos.

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As exportações gaúchas para os países do M

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Tabela 4

Participação percentual das exportações, por subcapítulos, do RS para o Mercosul — 1998-04

SUBCAPÍTULOS 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

3901 - Polímeros de etileno, em formas primárias ....... 8,07 10,99 12,95 11,73 14,20 13,13 13,54 8433 - Máquinas e aparelhos para colheita ou debulha

de produtos agrícolas, incluídas as enfardado-ras de palha ou forragem; cortadores de grama (relva) e ceifeiras; máquinas para limpar ou se-lecionar ovos, frutas ou outros produtos agríco-las, exceto as da posição 8437 .......................... 5,16 2,53 2,06 3,33 4,21 13,17 11,77

8701 - Tratores (exceto os carros-tratores da posição 8709) .................................................................. 2,90 0,84 1,30 1,89 2,78 8,94 7,77

3105 - Adubos ou fertilizantes minerais ou químicos, contendo dois ou três dos seguintes elementos fertilizantes: nitrogênio, fósforo e potássio; ou-tros adubos ou fertilizantes; produtos do pre-sente capítulo apresentados em tabletes ou em formas semelhantes, ou ainda em embalagens com peso bruto não superior a 10kg ................. 2,49 1,93 2,71 3,07 7,01 3,97 4,82

8408 - Motores de pistão, de ignição por compressão (motores diesel ou semidiesel) .......................... 5,28 2,60 0,01 0,01 0,02 2,08 4,37

2902 - Hidrocarbonetos cíclicos .................................... 1,12 1,59 2,09 1,32 2,82 2,08 2,97 2901 - Hidrocarbonetos acíclicos .................................. 1,19 1,07 1,79 1,47 2,77 2,38 2,01 5509 - Fios de fibras sintéticas descontínuas (exceto

linhas para costurar), não acondicionados para venda a retalho .................................................. 0,77 1,03 1,19 1,07 1,08 2,26 1,98

8707 - Carrocerias para os veículos automóveis das posições 8701 a 8705, incluídas as cabinas ..... 2,68 2,63 2,53 1,35 0,51 1,23 1,98

(continua)

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Tabela 4

Participação percentual das exportações, por subcapítulos, do RS para o Mercosul — 1998-04

SUBCAPÍTULOS 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

6402 - Outros calçados com sola exterior e parte su-perior de borracha ou plástico ........................... 2,93 3,30 4,54 5,75 1,34 2,49 1,91

0203 - Carne de animais da espécie suína, frescas, refrigeradas ou congeladas ............................... 2,99 3,51 3,26 4,43 2,23 1,94 1,82

3902 - Polímeros de propileno ou de outras olefinas, em formas primárias .......................................... 0,82 0,76 1,41 0,81 1,41 1,88 1,67

8708 - Partes e acessórios dos veículos automóveis das posições 8701 a 8705 ................................. 3,58 2,43 1,97 1,58 1,49 1,37 1,52

4011 - Pneumáticos novos de borracha ....................... 0,48 0,40 0,31 0,41 0,46 1,67 1,40 9403 - Outros móveis e suas partes ............................. 2,95 4,38 5,36 5,20 1,32 1,19 1,39 8415 - Máquinas e aparelhos de ar condicionado com-

tendo um ventilador motorizado e dispositivos próprios para modificar a temperatura e a umi-dade, incluídos as máquinas e os aparelhos em que a umidade não seja regulável separada-mente ................................................................. 1,19 1,01 1,78 1,70 0,19 1,38 1,37

8471 - Máquinas automáticas para processamento de dados e suas unidades; leitores magnéticos ou ópticos, máquinas para registrar dados em su-porte sob forma codificada, e máquinas para processamento desses dados, não especifica-dos nem compreendidas em outras posições ... 0,01 0,00 0,00 0,10 0,55 0,87 1,34

8716 - Reboques e semi-reboques, para quaisquer veículos; outros veículos não autopropulsores; suas partes ........................................................ 2,88 1,94 1,45 0,71 0,36 0,77 1,18

Subtotal ......................................................................... 47,48 42,95 46,71 45,94 44,77 62,79 64,81 Outros ............................................................................ 52,52 57,05 53,29 54,06 55,23 37,21 35,19 TOTAL ........................................................................... 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC/SECEX/DTIC/Sistema Alice-Web.

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As exportações gaúchas para os países do Mercosul: 1998-04

4 - As exportações para a Argentina

As salvaguardas impostas pela Argentina aos produtos brasileiros, que jáatingiram eletrodomésticos, calçados, frangos, eletroeletrônicos e automóveis,dentre outros, são uma prática que vem ocorrendo, com bastante freqüência,em defesa dos seus interesses nacionais frente à forte penetração de bensindustriais do Brasil, ocasionada pela recuperação econômica verificada naquelepaís, nos últimos dois anos.

Historicamente, tem se observado que os conflitos comerciais Brasil--Argentina são cíclicos, o que se reflete nas relações comerciais do Estadocom aquele país. Por um lado, a indústria local argentina não consegue atenderà retomada da demanda interna4, que, assim, vem sendo suprida, em parte,pelos produtores gaúchos e brasileiros. Por outro lado, no período em análise, ointercâmbio comercial Brasil-Argentina foi superavitário para a Argentina, excetoem 2004, e sempre deficitário para o RS (Tabela 5). E, apesar da desvalorizaçãodo peso argentino, a indústria argentina não conseguiu ainda atingir acompetitividade da brasileira, e, por isso, o comércio bilateral entre os dois paísesvem crescendo de forma assimétrica.

De acordo com Sica (2004), desde 1998, vem aumentando a diferençaentre a indústria manufatureira brasileira e a argentina, gerando maioresdisparidades entre os padrões industriais de ambas as economias. Comodecorrência, houve uma intensificação no padrão de intercâmbio comercial: aArgentina como grande fornecedora de commodities e de produtos de menorvalor agregado, e o Brasil como exportador de produtos com maior grau deindustrialização. Assim, em 2003, os cereais e combustíveis representaram 38,5%das vendas da Argentina ao Brasil, enquanto os produtos mais exportados peloBrasil ao país vizinho, no biênio 2003-04, foram os veículos e suas partes, osaparelhos mecânicos — em especial as máquinas agrícolas — os aparelhoselétricos e os plásticos e suas manufaturas.

4 O PIB da Argentina, em dólares correntes, passou de US$ 298,9 milhões em 1998 para US$268,7 milhões em 2001, e, nesse mesmo período, as importações totais da Argentinapassaram de US$ 31,4 milhões para US$ 21,0 milhões. Tendo em vista a desvalorização desua moeda em 2002, o PIB foi de apenas US$ 101,0 milhões, e as importações totaisreduziram-se em 57%, em relação ao ano anterior. Com a retomada do crescimento econô-mico, o PIB atingiu US$ 151,3 milhões em 2004, e as aquisições externas, a US$ 22,3milhões (CEI, 2005).

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Em relação ao RS, também se verifica, em todo o período analisado, que:o saldo comercial com a Argentina foi negativo para o Estado; a Argentina,exceto no ano de 2002, o de maior crise interna, sempre representou mais dedois terços das vendas estaduais para os membros do Mercosul; a participaçãoestadual nas importações brasileiras da Argentina, que variou de 16,2% a 23%,

Tabela 5

Intercâmbio comercial brasileiro e do RS com a Argentina — 1998-04

BRASIL (US$ milhões FOB) ANOS

Exportação Importação Saldo 1998 6 748,20 8 023,47 -1 275,26 1999 5 363,95 5 812,39 -448,44 2000 6 232,75 6 842,42 -609,68 2001 5 002,49 6 206,18 -1 203,69 2002 2 341,87 4 743,28 -2 401,41 2003 4 561,15 4 672,18 -111,04 2004 7 373,22 5 572,39 1 800,83

RS (US$ milhões FOB)

ANOS Exportação Importação Saldo

1998 708,36 1 425,51 -717,15 1999 570,91 940,17 -369,26 2000 661,09 1 274,67 -613,58 2001 573,51 1 031,42 -457,91 2002 210,57 834,16 -623,58 2003 606,98 1 032,89 -425,92 2004 877,42 1 282,88 -405,46

RS/BRASIL (%)

ANOS Exportação Importação

1998 10,50 17,77 1999 10,64 16,18 2000 10,61 18,63 2001 11,46 16,62 2002 8,99 17,59 2003 13,31 22,11 2004 11,90 23,02

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC/SECEX/DTIC/Sistema Alice-Web.

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As exportações gaúchas para os países do Mercosul: 1998-04

foi sempre maior que a representatividade nas exportações totais, que oscilouentre 9% e 13,3%.

Os vários contenciosos entre Brasil e Argentina e as barreiras impostaspor aquele país afetaram as exportações gaúchas, em maior ou menorintensidade, no período 1998-04. No ano 2000, Brasil e Argentina chegaram aum acordo sobre o regime automotivo comum do Mercosul, o qual, meses depois,foi suspenso, tendo em vista a exigência, do Brasil, de aumento do conteúdolocal nos veículos argentinos de 30% para 45%. Continuando com uma políticade proteção ao mercado interno, a Argentina estabeleceu um preço mínimo dereferência para a entrada de frango congelado brasileiro, alegando a prática dedumping (Soares, s. d., a; b).

Na Argentina, em 2002, a drástica contração na produção de bens e serviçosaprofundou o processo recessivo, com um aumento da inflação interna. A melhorada taxa de câmbio real abriu perspectivas mais favoráveis às exportaçõesargentinas, com um incremento de competitividade e rentabilidade, e dificultouas importações. Como decorrência, esse ano foi o de menores vendas externasgaúchas e nacionais para o país vizinho. E, apesar da significativa recuperaçãodas vendas gaúchas para a Argentina em 2003 (188,3%) e 2004 (44,6%), a suaparticipação no total exportado pelo Estado foi de apenas 7,6% e 8,9% nessesdois anos, respectivamente, abaixo do pico de 1998 (12,6%).

A perda de market-share da Argentina na pauta de exportações do Estadofoi acompanhada de uma alteração na sua composição. Em nível de capítulos,verifica-se um grande crescimento de borrachas, fibras sintéticas e adubos, aomesmo tempo em que diminuíram os valores embarcados de calçados, carnes,móveis e produtos diversos das indústrias químicas, sendo que, neste último,se destacam inseticidas, fungicidas e herbicidas. Os primeiros nove capítulosem valor exportado são os mesmos que os do Mercosul, tendo em vista agrande representatividade da Argentina nas vendas estaduais para o bloco.

As exportações de aparelhos mecânicos, de plásticos e suas manufaturas,e veículos e suas partes, que representavam 44,4% das vendas para a Argentinaem 1998, elevaram sua representatividade para 60,1% em 2004, devido aoelevado crescimento no biênio 2003-04, salientando-se alguns produtos comalto valor agregado. Nesses capítulos, destacaram-se, particularmente, asexportações dos seguintes subcapítulos: máquinas agrícolas, motores, máquinasde processamento de dados e aparelhos de ar condicionado; polímeros de etilenoe de polipropileno, ambos em formas primárias; e tratores, carrocerias e reboques(Tabela 6).

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Tabela 6 Valor das exportações do RS, por subcapítulos, para Argentina —1998-04

(US$ 1 000 FOB)

SUBCAPÍTULOS 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

3901 - Polímeros de etileno, em formas primárias .. 73 334,3 81 300,1 109 087,2 80 318,0 47 624,0 91 889,8 135 011,1 8433 - Máquinas e aparelhos para colheita ou

debulha de produtos agrícolas, incluídas as enfardadoras de palha ou forragem; cortadores de grama (relva) e ceifeiras; máquinas para limpar ou selecionar ovos, frutas ou outros produtos agrícolas, exceto as da posição 8437 ....................................... 46 992,9 15 502,5 12 614,4 21 184,6 9 238,9 83 879,6 113 775,0

8701 - Tratores (exceto os carros-tratores da posi-ção 8709) ...................................................... 25 354,2 4 890,7 9 746,0 12 329,4 6 192,5 58 780,1 70 963,8

8408 - Motores de pistão, de ignição por compres-são (motores diesel ou semidiesel) .............. 58 491,5 22 690,7 66,8 68,3 22,6 17 147,4 52 573,3

2902 - Hidrocarbonetos cíclicos ............................... 11 852,3 13 504,5 20 075,4 10 371,4 11 057,8 16 658,6 35 055,1 2901 - Hidrocarbonetos acíclicos ............................. 13 156,0 9 393,4 17 800,3 12 309,5 11 235,6 19 729,9 24 134,38707 - Carrocerias para os veículos automóveis

das posições 8701 a 8705, incluídas as cabinas ......................................................... 20 141,9 14 485,1 21 472,5 8 592,0 104,8 9 943,1 23 211,7

5509 - Fios de fibras sintéticas descontínuas (exce-to linhas para costurar), não acondicionados para venda a retalho ..................................... 6 977,9 7 662,4 10 314,9 7 457,7 3 660,3 17 468,7 22 201,0

0203 - Carne de animais da espécie suína, frescas, refrigeradas ou congeladas .......................... 27 540,8 23 466,1 27 981,1 31 733,7 6 099,6 13 811,8 18 546,9

6402 - Outros calçados com sola exterior e parte superior de borracha ou plástico .................. 26 583,1 23 544,1 38 628,1 41 617,1 2 752,1 17 165,0 18 345,3

8471 - Máquinas automáticas para processamento de dados e suas unidades; leitores magnéti-cos ou ópticos, máquinas para registrar da-dos em suporte sob forma codificada, e má-quinas para processamento desses dados, não especificados nem compreendidas em outras posições ............................................. 48,3 0,6 11,3 859,5 2 200,7 7 223,0 16 054,5

(continua)

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Tabela 6 Valor das exportações do RS, por subcapítulos, para Argentina —1998-04

(US$ 1 000 FOB)

SUBCAPÍTULOS 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

8415 - Máquinas e aparelhos de ar condicionado contendo um ventilador motorizado e dispo-sitivos próprios para modificar a temperatura e a umidade, incluídos as máquinas e aparelhos em que a umidade não seja regulável separadamente ............................. 6 095,6 4 943,7 12 523,6 11 526,1 255,5 10 484,7 15 888,4

6404 - Calçados com sola exterior de borracha, plástico, couro natural ou reconstituído e parte superior de matérias têxteis ................ 3 627,9 4 803,1 9 354,6 11 219,1 1 991,5 14 120,4 15 355,2

4011 - Pneumáticos novos de borracha .................. 3 553,1 2 658,8 2 416,1 1 752,8 556,7 12 195,6 15 023,3 3902 - Polímeros de propileno ou de outras olefi-

nas, em formas primárias ............................. 7 719,2 5 927,2 10 370,6 3 910,9 4 053,0 12 157,4 14 911,1 5902 - Telas para pneumáticos fabricadas com fios

de alta tenacidade de náilon ou de outras poliamidas, de poliésteres ou de raiom viscose .......................................................... - 2 133,4 6 251,9 6 347,9 9 090,3 12 335,5 14 003,6

2403 - Outros produtos de fumo (tabaco) e seus sucedâneos, manufaturados; fumo (tabaco) "homogeneizado" ou "reconstituído"; extra-tos e molhos, de fumo (tabaco) .................... 78,3 782,5 1 089,9 8 059,6 9 916,7 10 145,4 12 347,1

3105 - Adubos ou fertilizantes minerais ou quími-cos, contendo dois ou três dos seguintes elementos fertilizantes: nitrogênio, fósforo e potássio; outros adubos ou fertilizantes; produtos do presente capítulo apresentados em tabletes ou em formas semelhantes, ou ainda em embalagens com peso bruto não superior a 10kg ............................................. 403,0 1 979,6 5 550,5 6 387,0 5 201,3 8 379,2 11 435,8

9403 - Outros móveis e suas partes ........................ 20 375,2 24 824,7 38 397,2 32 002,0 750,5 6 339,6 10 845,9 Subtotal .................................................................... 352 325,5 264 493,0 353 752,4 308 046,6 132 004,3 439 854,9 639 682,2 Outros ....................................................................... 356 035,4 306 417,1 307 337,4 265 462,4 78 568,6 167 121,7 237 738,2 TOTAL ...................................................................... 708 360,9 570 910,1 661 089,8 573 509,0 210 572,9 606 976,7 877 420,4

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC/SECEX/DTIC/Sistema Alice-Web.

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Sônia Unikowsky Teruchkin

Os desequilíbrios comerciais podem gerar conflitos e eventuais danos aossetores mais frágeis, e foi isso que ocorreu, em fins de 2003 e no decorrer de2004, na Argentina. Os entendimentos entre os dois países acabaram resultandoem restrições voluntárias às exportações, em quotas e/ou acordos de preçosde exportações brasileiras para a Argentina, em particular para os têxteis, oseletrodomésticos de linha branca e os calçados, cujo tamanho médio dasprincipais empresas são muito superiores às do país parceiro.

A imposição de barreiras pela Argentina, justificadas, segundo Onuki (2004),pelo argumento da baixa competitividade industrial do País, dificultou as vendasde alguns produtos gaúchos. Nesse caso, destacaram-se os calçados (NCM64), que elevaram o valor exportado de 1998 até 2001, passando de US$ 54,8milhões para US$ 93,9 milhões, e, após quedas substanciais em 2002,aumentaram o valor embarcado nos últimos dois anos, mas sem atingir ofaturamento das exportações de 1998.

Dada a representatividade do mercado argentino nas vendas para os trêsparceiros do Mercosul, as crises conjunturais e estruturais nesse paísinfluenciaram o valor exportado pelo Brasil e pelo RS para o bloco.

5 - Considerações finais

A evolução do Mercosul não tem ocorrido de forma simétrica e contínua,pois as relações intrabloco vêm sendo construídas e reconstruídas, ao longo doaprofundamento do processo de integração, com avanços e retrocesso,acompanhados de um grande número de conflitos comerciais.

De 1992 a 1997, a força motriz do processo de integração do Mercosul foio comércio, que tornou as economias do bloco mais interdependentes. Oacentuado aumento do intercâmbio comercial intrabloco possibilitou acréscimosde competitividade de alguns setores industriais, favorecidos pelas atividadesdas multinacionais, que buscaram o seu melhor posicionamento no Cone Sul.

Já no período 1998-04, verificou-se que o crescimento das exportaçõesintrabloco foi inferior ao das vendas para o resto do mundo, e as crises nospaíses-membros tiveram impactos expressivos, pela transmissão dos choquesinternos de um país a outro. Os reflexos negativos das mudanças estruturais,como a desvalorização das moedas, e as crises por que passaram as economiasem diferentes momentos espraiaram-se pelo Mercosul, gerando incertezas eexpectativas pessimistas.

Nesse contexto, ocorreu, no período 1999-02, uma nítida deterioração dosindicadores macroeconômicos da região, com reflexos negativos nas vendas

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As exportações gaúchas para os países do Mercosul: 1998-04

efetuadas pelo Estado para o Mercosul. Ademais, os desajustes setoriais, devidoàs diferenças de competitividade industrial, têm contribuído para o acirramentodos conflitos comerciais, com a adoção de medidas de restrição, pelos demaisparceiros, às exportações gaúchas e brasileiras, principalmente pela Argentina.

Apesar do aumento das exportações gaúchas para os países do Mercosulno ano de 2004, estas ficaram pouco acima dos valores de 1998, pois cresceramapenas 8,4% entre 1998 e 2004. Mesmo assim, esse percentual foi superior aoverificado para o Brasil (0,4%) nesses sete anos. A representatividade do bloconas vendas externas do Estado, embora tenha-se recuperado, em parte, em2004 (12,2%), está bastante aquém do percentual de 1998 (19,7%), tendo emvista a maior diversificação dos mercados de destino das vendas estaduais.

Ainda que, no triênio 2002-04, os valores embarcados pelo Estado tivessemsido crescentes para os três países do bloco, ao se compararem os dados de1998 e 2004, observa-se que houve crescimento somente para a Argentina,tendo em vista a diminuição das vendas para o Paraguai — com elevadas quedasnos calçados — e, sobretudo, para o Uruguai, onde, dos 10 principais capítulos,oito apresentaram decréscimos, com destaque para máquinas agrícolas, tratores,erva-mate, calçados e móveis.

Deve-se salientar que as vendas estaduais para o Mercosul foram maisconcentradas do que as brasileiras. Observou-se também uma alteração darepresentatividade dos capítulos no valor exportado pelo Estado ao Mercosul,com quedas significativas onde o Brasil e o RS são internacionalmentecompetitivos, como em carnes (NCM 02), móveis (NCM 94) e calçados (NCM64). Isso pode ser atribuído, em parte, à imposição de barreiras pela Argentina,que acabou reduzindo as exportações gaúchas desses produtos e gerandodistorções no comércio, que deveria ser mais fluído em uma união aduaneira.

Esses impasses comerciais têm sido discutidos pela diplomacia brasileira,visando contribuir com os parceiros na superação de suas crises, uma vez queo Mercosul, com todos os seus problemas de união aduaneira imperfeita, é umprocesso político, apoiado em decisões de caráter econômico. Sabe-se que, seo Brasil desejar se manter como país hegemônico no bloco, terá de continuarfazendo concessões para garantir o futuro do Mercosul. Contudo essas poderãoafetar o comércio brasileiro e o gaúcho com os demais países do bloco.

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As finanças e a morte da utopia — a crise do Brasil

* À Dilma Roussef, brilhante colega da FEE. Talvez não concorde com nada que aqui estejaescrito. Mas o texto não deixa de ser uma homenagem ao seu talento e à sua coragem.

As finanças e a morte da utopia — a crise do Brasil*

Enéas de Souza Economista da FEE.

ResumoA questão na crise brasileira atual é o poder de Estado. Este artigo descreve otriunfo da estratégia das finanças sobre o projeto de desenvolvimento econômicoe social.

Palavras-chaveCrise brasileira; finanças e política; poder do Estado.

AbstractThe question in brasilian crisis is the State power. This article describes thefinance strategy thriomph over the social economic devellopment project.

Artigo recebido em 15 ago. 2005.

Escrever sobre a crise no meio da crise (ago./05) é como um problema dexadrez, uma aventura do intelecto para aqueles que querem interpretar a situaçãoatual do Brasil, uma aventura em dois sentidos: num primeiro, o lado mais puro,excitante, aquele da especulação, da viagem, que nos traz a construção dehipóteses, portanto, a aventura da interpretação; e, num segundo sentido, quemsabe o ponto de maior risco, aquele da própria análise, porque, no momento em

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que escrevemos, essa crise ainda não chegou ao ápice e nem sequer sedescortina o horizonte provável da solução. Existem apenas cenários esboçadose alinhavados, que nos revelam algo, desde que consideremos as linhas deforça, no teatro dos episódios, de forma amplificada, potencializada. Mas é preciso,mesmo assim, no provisório da hora, começar a expor o pensamento, destravaras idéias que interpretam.

Quando falamos de crise, de que estamos falando? Estamos falando deuma desorganização da dinâmica da sociedade dentro de uma realidade históricaconstituída. Essa dinâmica é composta de diversos aspectos (econômicos,políticos, jurídicos, sociais, culturais, etc.) que se entrelaçam, conflituam-se,separam-se, enfim, que estão em contradição, criando obstáculos para o seudesenvolvimento, mas, sobretudo, que colocam em xeque o andamento de todaa sociedade. Como diria Shakespeare, "O tempo está fora dos gonzos", o quesignifica que as tensões no interior desses aspectos e entre eles, que seacumularam no curto e no longo prazo, vão ser solucionadas, geralmente comrupturas radicais, assumindo todos os aspectos citados, uma figura absolutamentenova na realidade histórica. A crise, em verdade, é a travessia, a passagem, otrânsito — e, nisso, ela tem um tempo próprio — de uma etapa histórica paraoutra. Por isso, quando estamos no meio da tempestade, no meio do oceano, nointerior do desmanchar de uma configuração da dinâmica da sociedade parauma outra e distinta configuração, o que podemos fazer é tentar analisar astendências que se estão movendo nas diversas esferas sociais e suasrepercussões possíveis e tentar pesar, avaliar, o sentido dessas tendências eas possíveis alterações que vão emergir no todo da sociedade. No limitado denossa condição de analista, nesse tempo histórico da sociedade brasileira, éisso que vamos fazer.

Devemos, então, apostar nos exames, nas considerações e no desenhoque percebemos das tendências, com o objetivo de alcançar, inclusive, umacontabilidade, ainda que precária, da crise. O balanço dir-nos-á o que já entrou,como crédito e débito, para os diversos grupos sociais. Mesmo com a crise nãotendo chegado a seu ponto máximo, a sinfonia já tem parte composta, emborainacabada, e é em cima da partitura já escrita que vamos fazer as nossasapostas interpretativas. Antes de tudo, vale, do ponto de vista estratégico, que éo nosso, acompanhar a evolução da peça em face da totalidade, porque é aúnica forma de compreender a história sem que a pensemos como coisa dopassado. Os equívocos da neblina do momento podem ser reexaminados,corrigidos e completados, analítica ou teoricamente, quando o futuro se fizerpresente.

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Os jogos perigosos entre o ponto e a linha

A crise que começou no primeiro semestre partiu de pequenosacontecimentos e se desdobrou como uma longa serpente por uma selva deeventos que permitiram, a muitos analistas, falar de uma "crise sistêmica". Nonosso exame, tratamos de colocar essa crise dentro de um enfoque mais amplo,ou seja, na profundidade da sociedade, no espaço subterrâneo onde se encontram,defrontam-se e atuam as verdadeiras forças do mundo social. Dito de outraforma, as crises do Executivo e do Legislativo, interligadas como estiveram,podem começar a encontrar o seu sentido, se olharmos mais além e se pudermos,como pesquisador, seguir os cordões que eram trabalhados nos bastidores eque provocaram a emergência de múltiplos fatos no teatro político. Se o cientistasocial quiser mergulhar nas causas verdadeiras, na natureza e na essência dacrise, terá que cumprir uma jornada muito precisa e bem intensa, acompanhandoa trajetória, o caminho, a travessia dos fatos, mas que nos leve a um outrocenário. Freud falar-nos-ia de "outra cena". Um cenário que está certamentecolado ao cotidiano e que, no entanto, nos fala de um social que não é meramentedescritivo, um social que une o visível e o invisível, o expresso e o não dito, otranscendente e o imanente, o ponto e a linha, os personagens e as forçassociais. É nessa dialética, nesse vai-e-vem entre a superfície e a profundidade,na verdade, entre duas faces do mesmo rosto, que o nosso olhar e os nossosconceitos, as nossas metáforas e a nossa interpretação vão se colocar. Esseexercício de relativa especulação só pode ser feito porque, embora existampontos que ainda não apareceram, se seguirmos o vôo de longo prazo, o possíveldestino da linha, onde se esboça a trajetória, vamos ter a oportunidade de captaras tendências e a perspectiva da história, o que nos permite iluminar o campode pouso através do qual passarão os traços dessa trajetória.

Nada poderá ser feito, sem que tenhamos a concepção de uma ciênciasocial da conjuntura acoplada à longa duração. Resulta que, mesmo na incertezados efetivos resultados empíricos, há não um rumo pré-fixado, nem umdeterminismo, mas uma dinâmica na qual as forças em disputa se lançam emdeterminadas direções, em determinadas tendências. Só por essa razão,podemos analisar uma crise no meio da crise. Essas idéias significam que, defato, podemos ter uma previsão, um cálculo, uma conjetura, parcial certamente,embora a decisão dos fatos só vá ocorrer, no concreto da situação, por meio deinúmeros personagens.O que o cientista social pode fazer é tentar, compreendendoas forças em jogo e os personagens em luta, construir uma idéia do que estásucedendo, dando inteligibilidade aos acontecimentos, quando tudo poderia aindaparecer um verdadeiro caos ou uma duradoura perplexidade. Sabemos, então,

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que as tendências marcam a possibilidade de análise e de interpretação nasconjunturas na qual vivemos. E, para que possamos atuar sobre a história comalgum sentido, torna-se mais que urgente descortinar e desenhar as suastendências.

A hegemonia do imperialismo e o cercode Tróia

Vamos avançar, agora, no nosso artigo através da pergunta: o que é que,de fato, nesta crise, sempre esteve em jogo? Talvez a resposta seja simples,mas ela tem nuanças, e, portanto, leva um certo tempo para explicá-la. O quenunca deixou de estar em jogo, começamos respondendo, foi o Estado brasileiro,na verdade, o seu comando. E, nessa questão, tudo principia a se esclarecer,quando se discute a forma como foi disputado esse Estado, a evolução damoldura das forças em luta, das facções em combate. O Estado é uma realidadeconcreta e um ente histórico, mais claramente: como um campo de forças,distribuído em múltiplos níveis. Só que existe uma dada configuração a cadamomento. É como se olhássemos a arquitetura do Estado e pudéssemos vê-locomo um móbile de Calder. Inúmeros pontos, quase infinitos, com diversosmovimentos, alguns sinérgicos, outros dispersivos, sofrendo tensões giratóriase múltiplas pressões. Enfim, o Estado é um ser vibratório e dinâmico, instável,que se articula e se desarticula, forma em movimento, constituindo um processohistórico-social que lidera o curso de um povo.

O Estado brasileiro, a partir do Governo Fernando Henrique, foi lentamenteconsumido pela presença fatigante e obsessiva do capital financeiro. Estabeleceu--se um cerco movido pela necessidade de pagamento da dívida e dos juros. E,com isso, a estratégia das finanças internacionais, baseadas sobretudo nosEstados Unidos, foi reforçar uma dinâmica que se desdobrava a partir do Tesouronorte-americano e do FED. Deles, o elo prosseguia através do G-7, chegando aoepicentro da estratégia, o FMI, que, como um cão fiscalizador, patrocinava, viaConsenso de Washington, uma ofensiva forte e poderosa, cirurgia definitiva, afavor da globalização liberalizante. Como um vento soprando em ritmo de furacãoe de tornado, o que o capital internacional e o FMI buscavam era subjugar oEstado nacional, através da dívida externa. O componente ideológico principaldessa ação era a idéia de liberdade, a mais ampla possível, só que do capital.

Porém é preciso refinarmos esse ponto. Na verdade, ele faz parte de umacombinação nada tortuosa, que envolve as finanças e o Estado mais poderoso

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do mundo. Isso quer dizer que a supremacia das primeiras sobre a economia ea política dos Estados Unidos da América permite que sejam usadas, pelo Estadonorte-americano, organizações supranacionais (ONU, OMC, BIRD, BID, FMI,etc.), lideradas por ele, em benefício de duas hegemonias: a hegemonia política(com a sustentação militar) e a hegemonia econômica (liderada pelas finanças),constituindo o que muitos chamam de unilateralismo dos Estados Unidos, eoutros, de imperialismo norte-americano. Importamo-nos muito pouco com essasterminologias. O que nos interessa, apreciando com exatidão o fenômeno, é queo Brasil, depois da dívida externa dos anos 80, esteve sempre e constantementecercado. Dessa maneira, o que podemos dizer requer uma clareza: há umageopolítica e uma geoeconomia que nos amordaçaram. O Estado nacional foisubmetido a duas forças vivas e moldadoras: a política externa norte-americana(busca de expansão da democracia e do mercado) e as finanças internacionais(traduzindo, através da liberdade dos mercados financeiros, uma globalizaçãocom preponderância do dólar forte).

O resultado de todo o processo da dívida e do conseqüente monitoramentodo FMI foi um cerco aguçado do Brasil. O programa imposto ao País aprofundoude modo inclemente o domínio pouco frugal das finanças, que penetraram noEstado nacional através de duas vertentes. De um lado, uma política econômicaneoliberal, que provocou a consolidação de um controle macroeconômico daeconomia brasileira. Para tal, impôs uma política econômica restrita, que,abandonando as demais políticas ao campo microeconômico (desde a industrialaté a tecnológica), se centrou na exclusividade monetária, financeira, cambial efiscal. Como explicitação dela, ocorreu a liquidação da presença do Estado naprodução e nos serviços sociais, deixando um vasto e farto campo para o avançodos capitais privados. O objetivo foi claro: o domínio macrossocial da economiafinanceira e da economia estatal do País. Passamos, de outro lado, à segundavertente, ao controle de modo prático, efetivo e de fato do Banco Central e doMinistério da Fazenda, instrumentos decisivos para gerir a política econômicafatal, ainda que a independência de direito do Banco Central não tivesse sidoobtida. Este último propósito chega a ser quase irrelevante, pois a hegemoniada área econômica no Governo e a conseqüente ação do Banco sempre foramimperativas, desde a época de FHC. No Governo Lula, tal característica semanteve, e este é um dos condicionantes das rupturas políticas e da crisesistêmica no Brasil (que veremos um pouco mais adiante).

Para entender a crise, portanto, estabelecemos o primeiro ponto: o cercodessa Tróia tropical, dessa Tróia latino-americana, o Brasil, através da gerênciadas dívidas externa e interna (esta para beneficiar aliados nacionais), com aimposição de uma política econômica neoliberal e da captura dos órgãos que

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definiam a dita política econômica, o Ministério da Fazenda e o Banco Central.Foi dessa forma que se penetrou dentro das muralhas do Estado, sitiando todoo País. Porque, nos resultados do Governo Fernando Henrique, existia a claraconsciência de que o Estado nacional tinha se transformado em financeiro, comefeitos terríveis: crescimento medíocre do produto, desemprego endêmico,condições sociais de vida, saúde, habitação, educação, segurança, etc. emnítida desagregação. Foi contra isso que o PT ganhou a eleição. Para mudar.

É dentro desse quadro que se dá a campanha de 2002. Só que a concepçãoda esquerda, do PT e do povo brasileiro vinha na contramão, era diametralmenteoutra, formada dentro de um desenvolvimentismo social. E houve, como umoutdoor imenso, um projeto ambicioso, o que não quer dizer uma estratégia,para a busca de uma autonomia relativa nas relações externas, para um certodesenvolvimento industrial com abundantes postos de trabalho, os famosos "10milhões de empregos". Quem sabe, até a recuperação de um itinerário que lem-braria a social-democracia. Estava em andamento um movimento anti--Fernando Henrique, um movimento antiliberal. Embora considerando o cercodas finanças, o projeto propunha a retomada nativa do desenvolvimento. Quatropontos nítidos estavam postos: autonomia nacional, desenvolvimento econômico,crescimento do emprego e transformações das condições sociais, desdeeducação até o problema da fome (o célebre programa Fome Zero). E subjacenteestava, evidentemente, um movimento antifinanceiro, que pretendia reaver asdecisões nacionais, não liquidando a presença multinacional e das finanças,mas permitindo que o País se modernizasse, de modo associado, numa outradireção, distinta, mais nacional, menos estrangeira, nitidamente social.

Então, até aqui, estavam em jogo, na busca pelo domínio do Estado, duasperspectivas, dois projetos, não necessariamente duas estratégias: a financeirae a desenvolvimentista. Só que...

Tudo começa na política de alianças

Trazemos rapidamente para a boca da cena a questão da política de aliançasna disputa de 2002, quando o PT abriu a sua embarcação para um duplo enlace.O primeiro, partidariamente expresso, quando lançou Lula e José de Alencar,este do PL, para os postos mais altos do País; e o segundo liame, uma aliançasocial, onde se pareciam articular o capital industrial e o trabalho, para sustentaro projeto desenvolvimentista. A adesão do empresariado foi lenta, mas acabousendo quase integral, pois Lula era o homem, indiscutivelmente provado, queconseguiria aproximar-se fundamentalmente das massas. Essa combinação

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trouxe ao prélio eleitoral um sucesso imbatível. Mas houve um episódio dramá-tico, uma bomba oculta de retardamento, que mudou as causas do que veiodepois: A Carta ao Povo Brasileiro.

A campanha eleitoral, como um rastilho de pólvora, terminou por empolgara sociedade. Cada vez mais, Lula e o PT alcançaram novas e amplas camadasda população. Num momento determinado, o capital financeiro sentiu-se ameaçadopelas conseqüências futuras, e as finanças responderam com contundência,mostrando uma reação alérgica às propostas petistas na questão da dívidaexterna, sobretudo a idéia de eventuais quebras de contrato ou renegociaçõesda dívida. Sentindo a possibilidade de perder o poder na área econômica, aindana campanha eleitoral, foi feito um ataque fulminante ao Brasil. Primeiro, houveuma especulação contra o real, desvalorizando-o humilhantemente. Passaram aser necessários quatro reais para comprar um dólar. Segundo, os bancosinternacionais resolveram igualmente não renovar as dívidas brasileiras, fossemelas privadas, fossem públicas. A exigência de pagamento integral dosempréstimos foi a condição básica. Com isso, interrompia-se o crédito para oPaís. Terceiro, os bancos e os capitais internacionais decidiram suspenderqualquer investimento no Brasil, o que provocava uma síncope no modelo liberal,o modelo FHC de desenvolvimento, que se sustentava no aporte de capitalinternacional. O pânico — noite sem estrelas — instaurou-se de forma aguda nasociedade e no Estado brasileiro, com a mídia colaborando para clarificar osefeitos sombrios -— e possíveis — da retirada do capital forâneo. Houve, comonão poderia deixar de haver, um efetivo desequilíbrio nas relações com o exterior,inclusive porque algumas manobras do Banco Central, na época, como oencurtamento do prazo dos títulos públicos, terminaram por criar condiçõesdifíceis ao futuro governo do Partido dos Trabalhadores. E aí surgiu a aliança,para não dizer o pacto mefistofélico, o pacto subterrâneo decisivo paracompreender toda a evolução posterior da economia e da política no Brasil: achamada Carta ao Povo Brasileiro. Nela, o PT e Lula comprometiam-se a nãoromper os contratos já feitos com as finanças internacionais. A conseqüênciafoi a adesão social, discreta, mas efetiva, do setor bancário nacional e dasfinanças internacionais, engrossando a avalanche eleitoral de Lula.

Eis a interpretação crucial: a política de alianças do PT acabou por congregarum novo bloco político e social. Triunfaram nas eleições uma combinaçãodas finanças, do capital industrial, do capital comercial, do capital agrário e dossindicalistas (representando a classe operária), os trabalhadores e a populaçãoem geral. Ou seja, não havia possibilidade nenhuma de o PSDB e seu candidatoganharem as eleições. Porém essa aglutinação de forças, com as presençasquase ocultas, para a população, dos bancos e das instituições financeiras

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nacionais e internacionais no apoio a Lula, cobraria a sua fatura. Principalmenteo aliado de última hora, as finanças, que, no ministério dos vencedores, conseguiumanter a cidadela que tinha, o duo Banco Central e Ministério da Fazenda,conservando desde a política econômica liberal até as equipes técnicas quedominavam as burocracias econômicas. Um lance de dados magistral einigualável. Os verdadeiros donos do poder mostraram a sua astúcia, a suaforça e as suas idéias. A praça pode ser do povo, mas o Banco Central e oMinistério da Fazenda são das finanças. Estava em marcha a continuaçãomelhorada do projeto neoliberal para a área da economia. Podemos dizer: odesenvolvimento de uma acumulação financeira que emprega tanto uma políticarentista quanto a apropriação de recursos fiscais, tendo como variável estratégicaa taxa de juros.

Nesta parte do trabalho, quisemos salientar que foi a visão e a prática dapolítica de alianças, tanto no nível partidário como no nível social, o queassegurou o poder e a vitória do Partido dos Trabalhadores e possibilitou, noconcreto, a aliança com o seu adversário mais combativo, as finanças. E fez-seo malfadado pacto com o demônio, pois não haveria de haver incompatibilidademaior do que a estratégia das finanças e o projeto nacionalista. Ou, dito de outraforma, o pacto social acabou por destronar a aliança partidária. Revelou comexuberância e ad nauseam que, numa sociedade moderna, o capital financeirotem o comando, colocando, com poder irresistível, todas as demais fraçõessociais subordinada aos seus interesses. A hierarquia social constrói, no atualcapitalismo, uma arquitetura que impede rebeliões acentuadas e oposiçõesfrontais, o que constitui também base para aqueles que apostam na idéia de quea luta de classes terminou. Ao menos, é certo que, se ela não se encerrou,assumiu uma outra forma. Não mais a de conflito aberto, de antagonismo flagranteentre pólos opostos, mas de confronto de patamares distintos, onde existe, defato, na configuração da luta, imposição estrutural e subordinação prolongadadas demais frações da sociedade à financeira. É isso que dá a aparência detérmino da luta de classes. Assim, o que já acontecia na sociedade capitalistaocidental chegou ao Brasil. Percebemos, agora, com luz cintilante, que aimposição que vem de fora, jeitosa e como uma massa molenga, penetra, come sem sutileza, no fundo da sociedade e do Estado brasileiro. O pacto de 2002só confirmou essa assertiva.

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As finanças e a morte da utopia — a crise do Brasil

O cair do horizonte utópico

O Partido dos Trabalhadores atravessou as disputas pela conquista dopoder, no Brasil, no dorso da perda do horizonte utópico da revolução; perda quese efetuou nas lutas políticas pelas transformações sociais no Ocidente. Sãoessas derrotas que explicam o enxugamento da hipótese revolucionária em prolda hipótese social-democrata, até chegar o momento em que as mudanças sãodetidas frontalmente pelas finanças. Sim, porque é preciso ter presente que háderrota nesse processo. Para sustentar o argumento, cabe, neste ponto, partirda queda do socialismo real — da implosão da União Soviética, do desmanchedo Leste Europeu, da transformação da China, do isolamento da revoluçãocubana, etc. — e do triunfo do capital, na passagem da hegemonia do capitalindustrial para o capital financeiro, para que se veja interrompido e fechado ocaminho teórico e prático da revolução. No mesmo processo, consumou-se umprogressivo desgaste da via reformista, sobretudo na Europa, e a interrupção dequalquer veleidade social-democrata no resto do mundo, representando aquiuma utopia menor.

Não que a história tenha terminado, mas ela não tem um futuro definido enão percorre uma linha já traçada. No caso do capitalismo, apesar de uma longae vasta luta, a revolução perdeu os combates políticos, econômicos, sociais eculturais, de tal forma que, dada a vitória das finanças, a passagem para osocialismo e, mais precisamente, para o comunismo se tornou uma via bloqueada. E, como conseqüência dessa vitória do capital, o caminho da social--democracia também se interrompeu e retrocedeu, sobretudo a partir das políti-cas de Reagan e Tatcher. Para aqueles que são oposição ao capital, só lhesrestaria encontrar ou descobrir uma outra forma de revolução, que não está nohorizonte possível e provável dos tempos que correm. Naturalmente, durante atrajetória do PT, o afastamento do campo revolucionário e da linha reformistacolocou-se para algumas das correntes internas e mesmo para o Partido comoum todo. Por essa razão, voltar-se para um reformismo social, para a busca deuma social-democracia no Brasil, que chegou a parecer ter alguma chance polí-tica, ficou algo cada vez mais longínquo, após os anos financeiros de FHC e deseu precário social-liberalismo.

Assim, no quadro da eleição de 2002, a política de alianças conduziu oPT, após a Carta ao Povo Brasileiro, ironia pura, a uma situação de articuladorde um bloco social comandado, na prática, pelo capital financeiro. Assim, devidoao enxugamento utópico e reformista, o Partido caminhou lentamente, sob ahegemonia de sua direção, para deixar de lado o seu projeto nacionalista,desenvolvimentista, e fixar-se num projeto de poder pelo poder. E esse projeto

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de poder pelo poder significava a construção de um itinerário de intenso cunhopragmático: montar uma máquina política que pudesse permanecer no controledo Estado por longo tempo. Seria a forma de aceitar, usufruindo, o cerco e o sítiodo capital financeiro ao projeto nacionalista. A política de alianças partidáriaster-se-ia transformado, na prática, numa política de aliança social, com as finançasjogando ao mar o projeto nacionalista (e qualquer visão de transformaçãosocialista no longo prazo). Este último caminho nacional foi atrevidamentedesmanchado por fora e por dentro. Por fora, com a manutenção do ataquefinanceiro e, por dentro, com a implosão do projeto nacionalista, através daqueledo poder pelo poder. Com isso, o governo liderado pelo PT deixou de ter unidadeestratégica, e a direção do Estado acabou por se fragmentar e se romper emtrês partes.

Por falta de estratégia também se morre

A temática fundamental dessa crise se desdobra a partir da desqualificaçãoque faz a estratégia do capital financeiro em relação ao projeto nacionalistaautônomo e desenvolvimentista. Podemos dizer que esse projeto não tem acapacidade de se tornar uma estratégia. O Governo não alcança uma unidadena sua concepção de futuro, um ponto de norte que possa orientar todos osseus órgãos e que funcione como um todo diante do adversário financeiro. Logo,não maneja uma orientação consolidada visando a uma transformação profundado Brasil. Precisamos, assim, examinar, como essa unidade se partiu e sefragmentou e o modo como o projeto nacionalista e desenvolvimentista foiimpedido de se desenvolver em estratégia. Nesse sentido, estamos enfatizandoo triunfo, cada vez mais amplo, das finanças na forma de dominar um Estadonacional. Portanto, é decisivo entender que o confronto, progressivamente vencidopor elas, foi o que provocou, estruturalmente, as possibilidades e a expansão dacrise.

Isso quer dizer que as personalidades políticas que vão assumir as rupturasdessa fase são importantes; as trajetórias que o conflito e a tensão seguiram eseguirão são norteadoras; a trama que as figuras dramáticas vão tecer, igualmente;mas, se o desequilíbrio se espraia mais para um lado do que para outro, essafaceta tem características indeterminadas, às quais só os atores são capazesde dar solução, de precisá-las, na hora calorosa ou gélida dos seus lances e dosseus atos. No entanto, o espaço amplo e profundo que organiza o lugar dasdisputas, a configuração que faz os personagens se moverem e a estrutura quepermite a flexão dos atores já estão dados e se evidenciam, como uma semente

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em forma de caroço, quando se examina a natureza do processo e o leito ondecorrem as águas revoltas e voluptuosas do rio das mudanças.

E o que nós vamos perceber nesses anos do Governo Lula é um combate,onde a esquerda foi derrotada, onde o PT foi batido, onde o projeto nacionalistade desenvolvimento foi desarmado. A marca e o avanço das finanças ficouindelével na arquitetura do Estado. E foi esse confronto com o projeto nacionalistade desenvolvimento associado que culminou por desatar o desabamento dacrise. Sem dúvida, a falta de uma estratégia efetiva que sustentasse esse projetopermitiu que a dança das cadeiras se fizesse ao ritmo da música da corrupção.E só poderia, porque, se as utopias desapareceram, se as classes que comandamo País estão agrupadas com as finanças, o que sobra para os partidos políti-cos — dados a fratura do Estado e o domínio do capital financeiro na políticaeconômica restrita — é um projeto de poder pelo poder, um projeto puramentepragmático, ou seja, um projeto de mando e não um projeto estratégico.

A perturbante explosão da unidade

A partir do cerco das finanças, das abdicações da utopia revolucionária eda utopia menor da social-democracia, o projeto de poder pelo poder contribuiudecisivamente para a desagregação da estratégia e do projeto nacionalista,inclusive, até mesmo de uma variante desta que fosse defensiva, mas quefustigasse a estratégia financeira. O efeito desse abandono provocou, na faceunitária do Estado, uma ruptura irreversível, um esfacelamento, um esquarte-jamento, fragmentando a desejada unidade estratégica. Temos que analisar asfissuras que ocorreram e colher as faces fragmentadas de uma máscara perdida.O processo de desarticulação interno começou com a ruptura entre o movimentoneoliberal das finanças (Banco Central e Fazenda) e os demais ministérios, que,na verdade, estavam desagregados entre si. Cada um deles, como membrosdescolados de um corpo central, visava alcançar os objetivos a que se propuse-ram na ordem de sua especialização, sem que houvesse necessariamente umacoerência entre eles. Uma segunda fissura emergiu da oposição entre o Ministériodas Relações Exteriores, que mantinha fidelidade à estratégia e ao projetonacionalista autônomo, e a estratégia financeira. Só que essa fissura não sedava como um conflito aberto, aparecia por meio de uma terceira fenda, o conflitoentre a realidade externa do País e a sua realidade interna, absolutamenteestilhaçada pela variedade de fins diferentes perseguidos pelos múltiplosministérios.

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Visto dessa perspectiva, o que percebíamos? Percebíamos que a unidadedo Estado se partia em, pelo menos, três cabeças: a da área econômica, a dasrelações externas e a do agrupamento multifacetado da realidade interna daNação, constituída pelos demais ministérios. A partir disso, houve uma outracisão, agora noutro plano, transversal ao que descrevemos acima, que envolviaa condução do Estado, um corte na figura da Presidência, efetuando uma espéciede separação entre Chefe de Estado e Chefe de Governo. Nesse sentido, oPresidente Lula deslocou-se e foi deslocado lentamente para assumir a ficção,pelo menos até o estado atual das relações internacionais, de líder mundial ede representante da política externa do País. Noutro sentido, o Ministro JoséDirceu inclinou-se, informalmente, para dirigir a política interna, todavia, semautonomia plena. Porém era dentro dessa realidade que, suposição pura doanalista, o Ministro empunhava a tarefa de exercer o projeto pragmático depoder pelo poder, fazendo um traço de união entre o Governo e o Partido, paraestabelecer duas coisas: apoiar a constituição de maiorias nas votações,imprescindíveis ao Governo, e estabelecer a formação de uma máquina partidária,ou de uma base aliada, capaz de construir o poder pelo poder, um projeto político--partidário de domínio do Estado. Dito de outra forma, quando a grande política,que é estratégica, não articula o todo do Estado e cede para a pequena política,surge sempre, como uma orquídea negra e uma surpresa, a possibilidade daemergência de um tráfico político desvairado e de sinais inconfundíveis decorrupção. Parece que foi desse manancial que a água foi bebida.

O crepúsculo da estratégia nacionalista

Vimos que a presença das finanças no Banco Central e no Ministério daFazenda bloqueou a unidade do projeto e da estratégia nacionalista, rompendo--a em três partes. Pelo menos uma delas se mantém e se move fiel à referidaestratégia, o Ministério de Relações Exteriores. Naturalmente, havia, dentro doagregado dos demais ministérios, alguns que trabalhavam nessa direção, porém,ao que parece, não havia uma integração num movimento amplo e unitário.Desse modo, na arena dos gladiadores, percebem-se duas fortes linhas emdivergência, com superioridade impositiva da estratégia financeira.

Se a economia buscava, com dores populares, alcançar um equilíbriomacroeconômico financeiro, com franca hegemonia do aporte do capitalinternacional, seja para proporcionar uma acumulação propriamente financeira,seja para realizar um desenvolvimento produtivo quase residual, os objetivos daFazenda e do Banco Central eram que as contas internas e externas estivessem

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relativamente controladas para o pleno desenrolar financeiro e sem nenhumapreocupação com as questões sociais. Não necessariamente em oposição frontal,porém em oposição discreta, mas efetiva, estava a política das relaçõesexteriores, que tinha movimentos muito alentados, claros e muito competentes.Acentuava com notória evidência dois pontos: o Brasil como global player médio(e, portanto, interveniente nas conjunturas internacionais) e a tentativa de projetaro Presidente Lula como um líder no cenário mundial, reforçando o primeiro item.

Na sua ação, o Governo definiu uma adesão aos Estados Unidos, massem alinhamento automático. O exemplo mais claro é o caso da condenação daguerra ao Iraque — um equívoco norte-americano brutal —, porém sem deixarde criticar com ênfase o terrorismo internacional. Em continuação a essaindependência, o Itamaraty fez uma estratégia de grande envergadura, parasurgir como potência média. Primeiro, assumiu a liderança do Mercosul, deslocan-do-a, em seguida, para a Comunidade Sul-Americana das Nações (bloqueando,com essa troca, uma certa competição com a Argentina). Avultava, assim, apretensão de ser o sol da América do Sul, na intenção de criar uma união regional,começando com projetos de infra-estrutura (estradas, gás, petróleo, portos, etc.),onde o Brasil seria o efetivo líder político e econômico. Outros aspectos reforçarama pauta da política externa: o bloqueio da ALCA, a criação do G-3 (Brasil, Índia,África do Sul), o G-X, no caso da OMC, as relações com a China, com a Rússiae uma aproximação com a Índia, e uma tentativa de apoiar e de ser um parceiropolítico fundamental para a África. E, para coroar essa política, houve o lançamentode um programa contra a fome mundial, com apoio de Jacques Chirac, e abusca de um assento no Conselho de Segurança da ONU, o que consagraria oBrasil, de fato, como um global player médio — coisa, até agora, não conseguida.

Apesar da condução eficiente da política econômica, a implosão internaoriunda da crise do projeto de poder pelo poder, com a emergência do chamado"mensalão" e das três CPIs, trouxe o tema da corrupção, da crise do PT e doimpeachment de Lula para o primeiro plano do palco. E, obviamente, a políticaexterna interrompeu-se, como uma sessão de cinema em que faltasse luz, jáque a luz era a estratégia nacionalista, desenvolvimentista, autônoma, abandona-da em função da eficiência do bloqueio das finanças e pela incapacidade doGoverno de sustentar uma unidade de Estado.

A política e o símbolo

É indispensável ver, nas múltiplas disputas e nos confrontos políticos,para dar um novo rumo às nossas análises, um elemento que, geralmente, a

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esquerda — e particularmente o grupo que dirigia o Governo — não chegou alevar em conta. E não chegou a levar em conta por ter uma concepção pordemais racionalista e positivista da política e do poder. Estamos, portanto, naabsoluta incompreensão do papel do símbolo, sobretudo num momentoextremamente complexo como foi o da vitória eleitoral do PT, sob o teto rebaixadoda imposição da política econômica neoliberal das finanças. Nessa ocasião,emergiu um fenômeno social desperdiçado nas adversidades dos primeirosinstantes. No momento da posse, pleno de felicidade, o Presidente Lula lançouo Programa Fome Zero, que colocou para o País a questão da dignidade básicada nação, a campanha da erradicação da fome no interior do Brasil. Ao propor oreferido programa, o Governo objetivava a possibilidade de trabalhar e realizarum sonho de uma nação; um sonho de alimentação dos indigentes num paísinjusto; um sonho de um Estado que começasse a ser para todos, ao alcanceda mão. A resposta imediata do País foi quase de júbilo. Apesar de algumacrítica, como aquela que falava da necessidade de fornecer empregos e nãoapenas comida, a expectativa era fantástica e trepidante. Até mesmo ospoderosos e os ricos, até mesmo os industriais e os banqueiros estavamdispostos a conceder essa migalha, numa espécie de remorso social, contribuindocom alguma coisa, dinheiro ou bens, para solucionar o dito problema.

Além disso, o Fome Zero trazia a questão política fundamental: o sonhocomo unidade estratégica da ação do Governo. Assim, a erradicação da fomecomo norte da política poderia ter dado ao Governo não só o cimento para aunião do País — que se rompe, em todo pós-eleitoral da sociedade capitalistacontemporânea, entre o governante e os governados —, mas também o ambientee o clima ideológico popular capazes de se contrapor a qualquer ideologia oposta,visceralmente aquela vinda das finanças, que exalta o darwinismo político dohomem vencedor. O sonho em pauta seria o contraveneno. E teríamos, então,um atendimento político aos perdedores sociais, aos loosers, fornecendo umsustentáculo simbólico de oposição às manobras permanentes da políticaeconômica ligada às finanças e não ao bem comum. Pois foi a perda dessesonho — por incapacidade de compreensão do símbolo na política — quecolocou, desde logo, sem qualquer possibilidade de reviravolta, o desmanchede qualquer unidade estratégica do Governo.

Confirmou-se, assim, que o projeto nacionalista não tinha de fato estratégiae que o símbolo que estava à disposição também foi desprezado, deixado delado, como uma planta inocente e um produto inútil. Os pensadores da ação doGoverno abandonaram, quem sabe, o elemento fundamental que lembrariasempre, aos seus adeptos e adversários, que o Governo tinha sido eleito pelanação e tinha um compromisso com 52 milhões de votos. Um recurso político e

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ideológico de resistência e de combate. Ao nosso ver, no entanto, a razão pro-gressiva do descuido com a presença do símbolo, independentemente daracionalidade e do positivismo da própria visão política, foi o voltar-se, dada asubmissão ao capital financeiro, para um projeto de poder pelo poder, à sombra,como diria um Proust monetário, das finanças em flor.

Quando a corrupção entra na política

Queremos abordar aqui, quase sob a forma de parêntese e tocando apenasalguns traços, a conjugação entre política, poder e corrupção. A gravidade doque ocorreu com o PT, ou com o núcleo que dirigia o Governo e o Partido, foique, além da liquidação da perspectiva utópica e mesmo reformista e da influên-cia das finanças no cenário econômico e político, ele atuou de forma não orto-doxa na questão do poder. Introduziu a arma da sua débâcle, um sistema decorrupção ainda não totalmente esclarecido, no projeto pragmático. Supunhauma articulação Partido-Governo, montada numa oligarquia de políticos nadireção partidária, e a necessária ocupação dos cargos públicos por seus se-guidores em muitos níveis, de tal ordem que pudesse fazer a montagem tantode um poder atual como de um poder futuro.

A questão do poder atual era muito simples. Na estrutura política do Brasil,o partido que consegue a vitória não tem necessariamente maioria no Congresso,o que supõe negociações sempre complicadas para as votações no Parlamento.Em vista disso, um misto de combinação de idéias políticas, de disciplinapartidária e de favores (seja de cargos, seja de verbas, seja de compra pessoal)é uma prática corrente na política brasileira. O que pareceu novidade, na presentelegislatura e na formação do que se chamou a base aliada, foi o "mensalão",instrumento da busca de uma unidade mais sólida e mais continuada para definiras maiorias nas votações. Mas o que se especula com mais acuidade estánoutra audácia: a utilização de um projeto de poder de longo prazo, armado,como uma rede, em cima de um esquema monetário para garantir acordospolíticos, definir campanhas, etc., como teria sido o projeto Sérgio Motta noGoverno de FHC.

A transformação lenta da política em negócio dá-se no momento em queas finanças passam a assumir a hegemonia na sociedade ocidental. Nesseprocesso, ocorrem mutações na escala de valores e nas determinações éticasda sociedade, passando a ser o dinheiro o valor que ocupa o topo da escala. Édentro disso que podemos entender a transformação do poder no Brasil. E oalvo — registramos uma desabusada ironia com o partido que falava da ética na

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política — era um esquema onde esse valor "dinheiro" poderia organizar, juntocom as idéias políticas de esquerda, a conquista de um poder mais prolongado,a partir do qual poderia acionar uma determinada direção na política, dandoconsistência ao poder pelo poder.

Muitas coisas não foram esclarecidas nem tocadas. No caso do poder,seria preciso comprovar as múltiplas formas de existência, através de verdadeirasengenharias financeiras, de financiamentos do processo político, incluindoaqueles das empresas públicas e privadas. Para fazer uma análise completa dacorrupção na política, haveria que se desentranhar, igualmente, a vasta presençadas empresas privadas no Estado, sobretudo no fenômeno da privatização dosetor público.

O balanço provisório dos espaçosda política

Na luta social, econômica e política, as forças estão sempre em relaçãoumas com as outras, estão sempre em oscilação, avançam, recuam, confrontam--se, combatem. Sabemos também que a posição estrutural dessas forças estádefinida, embora os eventos propriamente ditos e a direção concreta das tendên-cias ainda não estejam totalmente elaborados. Como já falamos, o desenlacenem sequer está esboçado, pois as peripécias, como os fornos, ainda têm muitalenha para ser queimada. Política é negociação, imposição, submissão, jogo,ardil, ruptura ou continuação das disputas. Trata-se de uma dinâmica sem fôlego,na qual os resultados e as conseqüências se vão compondo, organizando-se econfigurando-se. Mas, no nível estrutural, algumas forças triunfam, outras seequilibram, as demais perdem. E é um pouco essa realidade que pretendemosvislumbrar e sobre a qual dar algumas pinceladas, como um artista faria em umde seus quadros, promovendo as figuras e o fundo, que ficaram e ficarão. Vamosfazer uma pequena, mas decisiva, contabilidade. Há um lado trágico dosacontecimentos, embora exista comédia em toda tragédia. Alguma coisa já setornou irreversível, outras estão na categoria de iminentes, tratamos, então, deencaminhar um primeiro e rápido balanço.

Primeiro ponto: a vitória, nessa crise toda, está, inexoravelmente, do ladodo capital financeiro, mesmo que ele tenha ficado apenas balizando os eventos.Como decorrência, a burocracia vinculada à área econômica também foi outraque conquistou um mais amplo espaço. Com isso, queremos dizer que o cercofoi, de fato, exitoso e apertou mais um pouco a economia brasileira. Lembramo-

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-nos de Mr. Snow, titular do Tesouro norte-americano, em visita ao Brasil, dizen-do que os capitais, os aplicadores, estavam satisfeitos com o País, que a crisepolítica não afetaria a confiança dos investidores. A robustez do triunfo comandavaa compreensão do espetáculo. E o efeito presente desse cerco foi, sem dúvida,tanto pôr em xeque o sistema político brasileiro, como provocar a derrota dopartido de esquerda, que ainda tinha veleidades do ponto de vista nacionalista edesenvolvimentista, criando um cordão de isolamento entre o Partido e oPresidente. Nesse sentido, as finanças levaram o prêmio e o bônus, enquanto o"mico" ficou com o PT e com todas as frações de esquerda. De outro lado, comoas finanças dominaram o Banco Central e a Fazenda, o triunfo pertence tambémà burocracia dessas áreas. O primeiro troféu, absolutamente significativo, é amanutenção, e provavelmente a ampliação, da política econômica, pois foi elauma das grandes virtudes para a continuação da estabilidade da economia dentroda crise política. Por essa razão, o primeiro ponto radica-se na concretização dahegemonia do capital financeiro e na reafirmação de sua política, a políticaeconômica neoliberal.

Ainda dentro desse ponto, vejamos, por sua vez, um dos aspectos daconquista dessa burocracia, ainda durante a crise, que obviamente leva água aomoinho do capital financeiro na busca do controle do Estado nacional: a criaçãoda Receita Federal do Brasil. Ela, que leva o nome fantasia de Super-Receita,culmina por fazer a fusão da Secretaria da Receita Previdenciária, vinculada aoMinistério de Previdência Social, e da Secretaria da Receita Federal, ligada aoMinistério da Fazenda. Isso significa, mais do que nunca, a hegemonia da Fazendana questão da racionalização da arrecadação de tributos federais, na integraçãodos sistemas de informação, na busca de diminuição da sonegação, no controlede um "buraco negro" do Estado brasileiro. Essas alterações surgiram no exatomomento da mudança do Ministério de Lula, e a agregação das duas receitas foiefetuada, não diríamos exatamente na calada da noite, mas sem que tivéssemoscontemplado maiores debates e amplos comentários. Palmas à eficiência daburocracia fazendária.

Segundo ponto: a derrota frontal da esquerda e do Partido dos Trabalhadores.O que fica claro é a impossibilidade da primeira de produzir uma estratégia, sejade metamorfose do modo de produção capitalista, seja de uma reforma dentroda democracia própria do capitalismo. Concomitantemente, mostram-se visíveisduas características, como efeito atual de suas ações: a fragmentação permanen-te dos seus grupos e partidos e a incapacidade teórica e prática de estabeleceruma estratégia bloqueadora ou transformadora do capitalismo financeiro, o quesignifica que inexiste uma estratégia de longo prazo, hoje nem sequer pensada,salvo como um desejo ou uma vontade sem racionalidade, ou, então, como uma

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insuficiência na formulação dessa estratégia. Esta última termina por cair naluta do poder pelo poder, uma proposta sem valores de futuro social e que arrastaa esquerda para uma luta fratricida ou para um auto-engano ideológico, disfarçandoa simples assunção ao poder do Estado. Logo, na questão estratégica, a esquerdaacabou por vacilar e perder o rumo. A conseqüência será, certamente, a enormedesilusão, o vasto desânimo e o grande fracionamento dessa força. E o PT,totalmente batido pela negativa de sua superioridade ética em relação aos outrospartidos e também pelo absoluto domínio da oligarquia na direção partidária,excluindo uma democracia interna, colherá um vasto decréscimo de militantes,de simpatizantes, ou seja, uma perspectiva de recuo significativo de eleitores.A vitória do capital financeiro correspondeu à derrota da esquerda e do Partidodos Trabalhadores. E, no limite mais amplo, da população, que teve a suarepresentação descartada e suas esperanças incrivelmente adiadas.

Terceiro ponto: os capitais que foram na esteira da liderança social e político--partidária do PT, como os capitais industriais e agrícolas e do setor serviços,sabem, hoje, qual é o comando efetivo da sociedade. Não podemos dizer queforam integralmente derrotados, pois acabaram por ficar alinhados com asfinanças. De qualquer modo, a busca de mudanças na política econômica, tipobaixa da taxa de juros, seja para investimento, seja para capital de giro, ou tipoatenção primordial à distribuição da renda, aumento de emprego e acréscimosubstancial do mercado interno, adquiriu um estatuto de passado ou de sonhode uma noite de verão. Nisso, foram batidos. Mas o capital financeiro tem funçãopara eles; servirá intensamente para solucionar as contas externas (saldos dabalança comercial por exemplo), incrementar a produtividade do sistema ecanalizar uma parte da lucratividade para aplicações no mercado financeiro, etc.Ou seja, na fase da hegemonia das finanças, cabe aos demais capitais compo-rem-se com elas. Já era assim no tempo de Fernando Henrique, será mais aindanos tempos de hoje e de amanhã.

Quarto ponto: o desfecho dessa crise está, no plano político, na exigênciade reformulação do atual sistema brasileiro. Existem muitas coisas que requeremalterações, como financiamento de campanha, lista fechada ou aberta, votodistrital, fidelidade partidária, etc. Nessa crise, esses ângulos demandam solu-ções, para que fiquem claros e nítidos, como os conceitos cartesianos ou oscéus de verão. Antes de tudo, a integridade ética do sistema está ancorada napossibilidade inacreditável do autofinanciamento ou do financiamento privadolegal para as campanhas políticas. Se atentarmos para a realidade do financia-mento não legal, chegamos à conclusão de que se trata de um convite quaseexplícito para a corrupção. A política passa a ser, então, uma mercadoria para osetor privado. E, depois das eleições, durante a legislatura, há igualmente uma

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possível integração de frações do empresariado com o Legislativo, através da"compra" do apoio de políticos a projetos que as beneficiem. Há que encontrarmosuma adequação de modernidade entre o triunfo do capital financeiro e aorganização do Executivo e do Legislativo, embora saibamos, e Machado deAssis já mostrou à sociedade, que uma das notas da brasilidade é a postergação.

Quinto ponto: a reforma do sistema político desemboca em algo maisproeminente, porque traz também a exigência de uma reforma do Estado, umaexigência fundamental para ultrapassar a arquitetura e a burocracia herdadas,embora com modificações, do tempo dos militares. O que parece evidente, quandodiscutimos a burocracia estatal, é a vasta influência do setor privado. Não quehaja integração imediata do empresariado no interior dos órgãos estatais, mascertamente há uma profunda influência daquele nestes, o que significa que asburocracias, se são fechadas à sua renovação, sobretudo a burocratas de forma-ção técnica distinta daquela hegemônica, elas, no entanto, são abertas à influênciadas forças econômicas, chegando a ser representantes de muitas delas. Ocorremesmo que a burocracia esteja dividida segundo a competição econômica emvigor na área. Isso quer dizer que a chamada impessoalidade dos funcionários éum equívoco de base, embora a melhor forma de constituir o corpo de burocratasainda seja através de uma formação técnica adequada. Mas, se a crise evidencioua promiscuidade setor privado/burocracia, ela trouxe um outro item grave: anecessidade de que seja discutida e examinada a chamada ocupação do Estadopelos partidos vencedores e o fenômeno da negociação partidária de cargos.Cabe também salientarmos, por fim, que, na exigência de reforma do Estado, épreciso criar, sobretudo no campo ministerial, um ministro que faça, de formaexplícita e autorizada pelo Presidente da República, se continuar opresidencialismo, a coordenação transversal dos ministérios, que há muito tempoo Ministério de Planejamento não tem mais poder para fazer.

A conclusão indispensável é que seja feita não só a reforma do sistemapolítico (Legislativo e Executivo), como a reforma do Estado. Mas não podemosnos enganar nesse ponto. Ela está mais próxima do pensamento das finançasdo que das outras forças, principalmente daquelas ligadas aos movimentossociais. Só que essa reforma é uma imperiosidade que tem origem no triunfo docapital financeiro.

Sexto ponto: continua dentro da política nacional a evidência dainsuficiência do presidencialismo, pois as crises nesse sistema paralisamexcessivamente o País e são de mais difíceis soluções do que, teoricamente,no parlamentarismo. É um tema que continua a insistir na cena política brasileira,embora não haja nem apelo popular, afora um limitado apoio político, para amudança do regime.

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Sétimo ponto: aqui temos um dos problemas mais graves da realidadecontemporânea. A campanha eleitoral permite, de um modo geral pelo lado dademocracia, vitórias que sejam populares e favoráveis aos oprimidos, como foia eleição de 2002. Mas, pelo fato de, na pós-eleição, haver uma ruptura entre ogovernante e as massas, ocorre uma apropriação do Governo por parte dasforças econômicas, em certo sentido, perdedoras, mas que triunfam pelaaproximação com o Estado, o que significa que há um comportamento eleitoralà esquerda e um desempenho governamental à direita. E esse é também umdos fatores da crise. E podemos dizer que, no horizonte dela, pode aparecer otema da ampliação da democracia e que, junto com a democracia representativa,alguns elementos de uma democracia direta, como o referendo e o plebiscito,podem entrar no cenário da nova era que virá.

Conclusão

Os tempos em que vivemos são tempos das finanças. E o que aconteceufoi uma derrota ímpar da esquerda, dos trabalhadores e da população na disputapelo Estado. A causa principal foi a incapacidade de unir o projeto nacionalista auma estratégia nacional desenvolta e bem articulada. Venceu a estratégiafinanceira, que se impôs bem antes de o Governo Lula ter começado, com osepisódios do ataque das finanças ao Brasil e da Carta ao Povo Brasileiro. Oresto foi uma questão de tempo. O compasso da tragédia foi duro: o Estadosucumbiu, dividindo-se em três, e, nas cercanias da Presidência, construiu-seum projeto de poder pelo poder, no vazio estratégico e no esfacelamento estatal.E porque não havia uma estratégia comandando, ou seja, não havia uma grandepolítica, o navio foi invadido pela agitação dos gafanhotos da pequena política,daquela que fazia da corrupção seu dia-a-dia. E a crise apenas evidenciou otriunfo maiúsculo do capital financeiro, como também algo relativamente comumnas sociedades ocidentais, governos eleitos pela esquerda, mas governados àdireita. O que significa tudo isso? Significa que, parodiando um autor do séculoXIX, temos, em verdade, algo muito preciso: a submissão do trabalho e docapital ao domínio das finanças. E, diante dessa realidade, só podemos perguntarse Shakespeare tem razão: "O resto é silêncio"?

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As finanças e a morte da utopia — a crise do Brasil

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Metas de inflação: uma avaliação do caso brasileiro

Metas de inflação: uma avaliação do caso brasileiro

Marcelo Curado* Doutor em Economia (IE-Unicamp) e Professor do Departamento de Economia da UFPR.José Luis Oreiro** Doutor em Economia (IE-UFRJ), Professor do Departamento de Economia da UFPR e Pesquisador do CNPq.

ResumoEste artigo analisa o regime de metas de inflação no Brasil, desde 1999, o qualtem exercido um papel significante na estabilização dos preços. Este trabalhosugere que, em sua forma atual, o regime é incapaz de produzir a estabilizaçãodos preços e o crescimento sistemático do produto. Para resolver esse proble-ma, são propostos mudanças na forma de condução da política monetária e umnovo desenho para o regime de metas de inflação.

Palavras-chavePolítica monetária; metas de inflação; taxa de juros.

AbstractThis paper analyzes the regime of inflation targeting in Brazil since 1999. Thisregime has played a highly significant role in price stabilization. We suggest thatin its current form it is unable to produce both price stabilization and systematiceconomic growth. In order to overcome this problem, we suggest changes in the

* E-mail: [email protected]

** E-mail: [email protected]

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form in which the monetary policy is managed and a new design for the regime ofinflation targeting.

Artigo recebido em 06 jul. 2005.

1 - Introdução

O ataque especulativo promovido contra o real em janeiro de 1999 obrigouo Banco Central do Brasil (Bacen) a abandonar o regime de bandas cambiais.Chegava ao fim um período, iniciado em 1995, no qual o Banco Central contro-lava, através da utilização de um regime de bandas cambiais, o comportamentoda taxa de câmbio nominal. A utilização dessa política de “ancoragem cambial”com efetiva valorização da taxa de câmbio e elevação do grau de aberturaexterna da economia constituiu-se no elemento-chave da política de combate àinflação no período.

O ataque especulativo de 1999 teve, portanto, um duplo efeito. Em primei-ro lugar, tornou evidentes os limites de uma política de “ancoragem cambial”num contexto de instabilidade do sistema financeiro internacional. Em segundo,retirou do Banco Central a possibilidade de manutenção da política de controleda inflação por intermédio do controle da taxa de câmbio nominal.

O ataque especulativo não apenas deixou patente a incapacidade de sus-tentação e controle das taxas de câmbio nominal e real, como também deixouos policy makers órfãos de seu instrumento de controle da inflação. A opção doBanco Central foi adotar o regime de metas de inflação a partir de julho de 1999.

Nesse contexto, pretendemos, com o presente artigo, fazer uma avaliaçãocrítica do regime de metas de inflação no Brasil. Para tanto, iremos, inicialmen-te, discutir o comportamento das principais variáveis macroeconômicas noperíodo de vigência do regime de metas, sobretudo os resultados obtidos emtermos de inflação, do crescimento do produto e das interações entre a políticamonetária e a política fiscal. A análise do comportamento dessas variáveisaponta claramente o fato de que o regime de metas de inflação, embora tenhasido relativamente eficiente no que se refere à obtenção da estabilidade de

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preços, não foi capaz de obter a estabilidade macroeconômica1, tendo emvista o pífio desempenho da economia brasileira no que diz respeito ao cresci-mento do PIB e ao comportamento da dívida pública como proporção do produ-to real. Na seqüência, argumentamos que os problemas do regime de metas deinflação, no Brasil, se devem à existência de uma estrutura de governança dapolítica monetária que é inadequada para o funcionamento satisfatório do regi-me de metas inflacionárias. Dessa forma, sugerimos algumas mudanças nessaestrutura, as quais poderão melhorar significativamente a performance da eco-nomia brasileira em termos de crescimento e de criação de empregos.

O artigo encontra-se organizado da seguinte forma. Na seção 2, fornece-mos uma caracterização do regime de metas de inflação no Brasil. Apresenta-mos, também nessa seção, uma breve discussão sobre o significado teórico doregime de metas. Na seção 3, focamos a discussão sobre o comportamentodas variáveis macroeconômicas selecionadas (inflação, crescimento do produ-to, política monetária e política fiscal). Na seção 4, apresentamos as propostasde alteração da estrutura de governança da política monetária no Brasil, com oobjetivo de torná-la mais adequada ao funcionamento do regime de metas deinflação, o qual pode ser uma boa alternativa para a economia brasileira. Final-mente, a seção 5 contém as conclusões do trabalho.

2 - Regime de metas de inflação e sua instituição no Brasil

Um regime de metas de inflação é aquele no qual as ações da políticamonetária, sobretudo a fixação da taxa de juros básica, são guiadas com oobjetivo explícito de obtenção de uma taxa de inflação (ou de nível de preços)previamente determinada (Svensson, 1998; Bernanke et al., 1999; Bogdanski;Tombini; Werlang, 2000; Mendonça, 2001).2 A instituição de um regime de metasde inflação possui, de acordo com a literatura, uma série de vantagens. O anún-cio das metas de inflação eleva o grau de transparência da política monetária,

1 O conceito de estabilidade macroeconômica é mais amplo do que o conceito de estabilidadede preços, uma vez que o primeiro inclui também a estabilidade da demanda agregada e ado nível de emprego como objetivos primordiais da política macroeconômica (Sicsú; Paula;Michel, 2005, p. XVIII).

2 Com intuito de imprimir maior flexibilidade e credibilidade ao regime, a autoridade monetáriapode adotar como meta uma faixa de variação (banda) para a inflação e/ou nível de preçosdesejado.

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tornando mais clara a compreensão do público em relação à atuação dos ban-cos centrais, o que capacita os agentes econômicos a acompanharem e a con-trolarem as ações dos bancos centrais de forma mais precisa. Outra vantagemdo regime de metas de inflação é que — caso a meta inflacionária seja crível —a determinação a priori da inflação minimiza as incertezas no cálculo econômico,facilitando a tomada de decisões, em especial a das decisões de investimento.A meta de inflação funciona, portanto, como um balizador das expectativas deinflação dos agentes, conduzindo a taxa de inflação na direção da taxa natural(Bernanke et al.,1999).

Canuto (1999) sintetiza alguns dos problemas e/ou desvantagens da insti-tuição de um regime de metas de inflação apontados pela literatura, em que sedestacam:

a) os gestores do regime defrontam-se com a possibilidade de amploserros de previsão em relação à inflação. A necessidade de antecipaçãoda inflação dá-se num ambiente de incertezas, sobretudo em economi-as em desenvolvimento sujeitas às turbulências do sistema financeirointernacional e/ou choques de oferta e demanda. Na prática, o bancocentral adota algum modelo econômico que sintetiza as principais rela-ções entre as variáveis econômicas relevantes na determinação dainflação;

b) existem gaps temporais entre o curso completo dos efeitos da políticamonetária e sua atuação efetiva sobre a inflação. No caso brasileiro, deacordo com Bogdanski, Tombini e Werlang (2000), esse gap está naatuação da política monetária, mais especificamente entre a variaçãoda taxa de juros nominal e seu efeito sobre a produção; e

c) a focalização unilateral na estabilidade da inflação pode implicar exces-so de volatilidade nas flutuações do produto. Nesse sentido, a fixaçãode uma meta inflacionária muito restrita pode gerar elevações das ta-xas de juros e, portanto, elevações do gap entre o produto efetivo e oproduto potencial que não sejam positivas do ponto de vista social.

Esse regime vem sendo implementado por diversas economias, com des-taque para as de Nova Zelândia, Inglaterra, Canadá, Suécia, Austrália e Espanha(Bernanke et al., 1999). No Brasil, o regime de metas de inflação foi formalmen-te adotado no dia 1º de julho de 1999, a partir do Decreto Presidencial nº 3.088e da Resolução nº 2.615 do Conselho Monetário Nacional (CMN). O índice deinflação escolhido pelo CMN para determinação e averiguação do funcionamen-to do regime de metas de inflação foi o Índice de Preços ao Consumidor noAtacado (IPCA), da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). Inicialmente, foram fixadas as metas de inflação para três anos: 8% em1999, 6% em 2000 e 4% em 2001 (Bogdanski; Tombini; Werlang, 2000).

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O alcance das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional é,de acordo com o Decreto nº 3.088, de responsabilidade do Banco Central. Emsíntese, no regime de metas de inflação, o compromisso do Banco Centralpassa a ser com a obtenção/manutenção da taxa de inflação previamenteestabelecida. O instrumental utilizado pelo Banco Central para garantir a taxa deinflação é a taxa de juros.3

A instabilidade crescente da velocidade de circulação da moeda a partir doinício dos anos 70 e o conseqüente abandono do regime de metas monetáriaspor parte da quase-totalidade dos bancos centrais, no mundo inteiro, durante asdécadas de 80 e 90 levaram os economistas a desenvolverem uma “nova” con-cepção sobre a maneira pela qual a inflação pode ser mantida sob controle. Aoinvés de controlar o crescimento da quantidade de moeda, o Banco Centraldeve focar sua atenção na relação entre a taxa de juros real efetiva e a taxa dejuros real de equilíbrio4 (Blinder, 1998, p. 29). Se a taxa de juros real efetiva —aproximadamente igual à diferença entre a taxa de juros nominal fixada pelobanco central e a taxa esperada de inflação — for maior do que a taxa de jurosde equilíbrio, então, o nível de atividade econômica irá reduzir-se, fazendo comque a taxa de inflação também se reduza em função da existência do trade-offde curto prazo entre inflação e desemprego, expresso pela Curva de Phillips.Por outro lado, se a taxa real efetiva for menor do que a taxa de juros de equilí-brio, então, o nível de atividade econômica irá aumentar, o que irá induzir a umaumento da taxa de inflação.

Nesse contexto, para manter a inflação constante ao longo do tempo, obanco central deve manter o nível corrente da taxa de juros real em linha com ovalor de equilíbrio da referida taxa; e o instrumento usado para esse fim é ocontrole da taxa de juros nominal (básica). Isso significa que o banco centraldeve aumentar a taxa de juros nominal toda vez que houver um aumento dasexpectativas de inflação e que deve reduzir a taxa de juros nominal toda vezque houver uma redução da inflação esperada.

3 O controle da inflação no regime de metas de inflação dá-se fundamentalmente por intermé-dio da fixação do valor da taxa básica de juros — a Selic — num patamar que seja compa-tível com a meta inflacionária definida pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse regime depolítica monetária, o crescimento dos agregados monetários — M1, M2 ou M3 — não é umavariável sobre a qual o Banco Central tenta exercer algum tipo de controle. Isto porque aevolução da teoria e da prática da política monetária nos países desenvolvidos mostrou quea instabilidade crescente da velocidade de circulação da moeda observada, nessespaíses, após a década de 70 tornava extremamente fraca a relação entre a taxa de inflaçãoe a taxa de crescimento do agregado monetário de referência (Blanchard, 2004, p. 536).

4 A taxa de juros real de equilíbrio é definida como o nível da taxa de juros real que, se obtido,faz com que a economia opere com plena utilização dos recursos produtivos disponíveis(Blinder, 1998, p. 32).

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3 - Comportamento das variáveis macroeconômicas selecionadas

Nesta seção, apresentamos o comportamento de um conjunto de variá-veis macroeconômicas selecionadas. Boa parte da discussão sobre o regimede metas de inflação, incluindo as discussões internacionais, concentra-se nadiscussão das metas e dos resultados obtidos da inflação. Embora o controleinflacionário seja uma condição necessária para o desenvolvimento econô-mico, acreditamos que é necessário discutir os resultados do regime de metasde uma perspectiva mais ampla, que inclua o conceito de estabilidademacroeconômica, incorporando a discussão sobre o comportamento da infla-ção, temas como o crescimento econômico e as interações entre a políticafiscal e a monetária.

A capacidade de cumprir a meta estabelecida é o ponto de partida dequalquer análise do regime. A Tabela 1 sintetiza esses resultados.

Os resultados obtidos nos dois primeiros anos de implantação do regimeforam bastante favoráveis. Em 1999 e 2000, levando em consideração a bandapreestabelecida, a meta de inflação foi alcançada. Em 2001, 2002 e 2003, asmetas de inflação não foram alcançadas, com forte discrepância entre a metade 2002, de 3,5%, e o resultado efetivo da inflação, de 12,5%. O ano de 2004

Tabela 1

Metas de inflação e IPCA — 1999-04

(%)

DISCRIMINAÇÃO 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Meta fixada ......

Banda (+/-) ........

8,00

2,00

6,00

2,00

4,00

2,00

3,50

2,00

3,25

2,00

3,75

2,50

Meta revista .....

Banda (+/-) ........

-

-

-

-

-

-

-

-

4,00

2,50

5,50

2,50

IPCA ................. 8,94 5,97 7,70 12,50 9,30 7,60

FONTE: RELATÓRIO DE INFLAÇÃO 1999/2005. Brasília, DF: Banco Central do Bra- sil, 1999/2005.

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Metas de inflação: uma avaliação do caso brasileiro

Tabela 2

Crescimento do produto real no Brasil e em grupos de economias selecionadas — 1999-04

(%)

DISCRIMINAÇÃO 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Brasil .......................... 0,8 4,4 1,3 1,9 -0,2 5,2

Países desenvolvidos 6,4 5,8 5,9 6,4 6,3 6,3

Países em desenvolvi-mento .........................

4,0

5,9

4,0

4,8

6,1

6,6

Países em desenvolvi-mento da Ásia ............

6,2

6,7

5,5

6,6

7,7

7,6

FONTE: WORLD ECONOMIC OUTLOOK 1999/2004. Washington, DC: IMF, 2000/ /2005.

marcou o retorno da capacidade de cumprimento da meta pelo Banco Central. Oresultado geral é de cumprimento da meta em três anos e de não-cumprimentoem outros três.

Algumas observações devem ser realizadas. A primeira é que o estabele-cimento inicial de metas de inflação declinantes se mostrou incompa-tível com a realidade da economia brasileira. Chama atenção o fato de que onão-cumprimento das metas em três anos seguidos não afetou a credibilidadedo sistema na condução da política monetária, nem promoveu o descontrole doprocesso inflacionário, demonstrando que a fixação de metas de inflação tãobaixas e declinantes foi, na melhor das hipóteses, um equívoco do CMN.

O comportamento do crescimento é outro tema relevante. Embora, no regi-me de metas de inflação, a preocupação da política monetária se concentreexclusivamente no cumprimento da meta estabelecida, é preciso analisar emque medida a estabilidade econômica contribuiu para o crescimento da econo-mia. A Tabela 2 resume as informações sobre o crescimento do produto realpara a economia brasileira e para grupos de países selecionados.

A implantação do regime de metas de inflação no Brasil coincidiu com umperíodo de franco crescimento econômico em nível internacional. Chama aten-ção o fato de que, em nenhum dos anos de vigência do regime de metas deinflação, o crescimento da economia brasileira tenha sido superior ao dos gru-pos dos países selecionados. Mais grave ainda é a observação de que o Paíscresceu sistematicamente menos do que os países desenvolvidos, aumentan-

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Gráfico 1

0

5

10

15

20

25

30

Jun.

/99

Out

./99

Fev

./00

Jun.

/00

Out

./00

Fev

./01

Jun.

/01

Out

./01

Fev

./02

Jun.

/02

Out

./02

Fev

./03

Jun.

/03

Out

./03

Fev

./04

Jun.

/04

Out

./04

Fev

./05

Evolução das taxas de juros nominais e reais no Brasil — jun./99-mar./05(% a.a.)

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Banco Central do Brasil. NOTA: A taxa de juros real é igual à taxa de juros atual descontada a inflação.

Taxa de juros nominal

Taxa de juros real

do o gap em relação a essas economias. Mesmo do ponto de vista absoluto, ocrescimento econômico é baixo. Apenas em dois anos (2000 e 2004), a econo-mia brasileira apresentou um crescimento superior a 4%. Para 2005, o cenário éigualmente desfavorável. As expectativas do mercado, como, por exemplo, asapresentadas no Relatório Focus do Banco Central, são de um crescimento,para este ano, inferior ao verificado em 2004. O Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (IPEA) reduziu sua expectativa de crescimento para 2005 de 3,5%para 2,8%.

No que se refere à condução da política monetária, chama atenção a ma-nutenção de elevadas taxas de juros nominais e reais, contrariando os resulta-dos esperados com base na teoria. O Gráfico 1 apresenta a evolução das taxasde juros nominais e reais no Brasil para o período jun./99-mar./05. A tônica dapolítica monetária, como pode ser observado no Gráfico 1, é de manutenção detaxas de juros reais e nominais exageradamente elevadas.

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0 2 4 6 8 10 12 14

Brasil

Turquia

Hungria

México

Israel

África do Sul

Austrália

Inglaterra

Polônia

Hong Kong

(% a.a.)

FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, maio 2005. NOTA: A taxa de juros real é igual à taxa de juros anual des-contada a inflação futura medida pelo IPCA.

Ranking das taxas de juros reais — maio/05Gráfico 2

A instituição do regime de metas de inflação em conjunto com a instituiçãodo regime de taxas de câmbio flutuante deveria engendrar uma dinâmica distin-ta no comportamento da taxa de juros, sendo, em princípio, esperada uma redu-ção substancial das taxas de juros internas. Essa é uma das principais vanta-gens, apontadas pela literatura,5 da combinação de um regime de metas deinflação com um de taxas de câmbio flutuantes, que não vem sendo observadana experiência brasileira, o que mantém o País na liderança do ranking das maisaltas taxas de juros reais do mundo, conforme apresentado pelo Gráfico 2.

5 Ver, sobre o tema, Bogdanski, Tombini e Werlang (2000) e Canuto (1999).

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Necessidade de financiamento do setor público (NFSP) nominal, superávits primários e gastos com pagamento

de juros nominais — jan./99-jan./05

-6

-4

-2

0

2

4

6

8

10

12

Nominal

Juros nominais

Primário

Legenda:

Gráfico 3

NFSP nominal

Pagamento de juros nominais

Superávits primários

(% do PIB)

A manutenção de elevadas taxas de juros ao longo desses anos tem umimpacto significativo sobre as contas públicas, como pode ser observado noGráfico 3.

FONTE: RELATÓRIO ANUAL 1999/2004. Brasília, DF: Banco Central do Brasil, v. 34/40, 2000/2005.

O impacto fiscal da política monetária conduzida durante a vigência doregime de metas de inflação é vislumbrado a partir da observação dos dadosapresentados no Gráfico 3. As altas taxas de juros praticadas no período man-tiveram elevados os patamares dos gastos com pagamento de juros da dívidapública. Em certos momentos, esse comprometimento chegou a ultrapassar10% do PIB.

O impacto dessa política sobre as contas públicas é evidente. Durantetodo o período, para compensar a geração de déficits no conceito nominal —NFSP nominal positiva —, o Tesouro Nacional praticou uma política de geração

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Metas de inflação: uma avaliação do caso brasileiro

de superávits primários crescentes. O somatório dessas ações com os efeitosda valorização cambial sobre a dívida pública e o crescimento da economia em2004 permitiram a manutenção da relação dívida pública/PIB em patamarespróximos aos verificados no início da implantação do regime de metas.

Outro impacto relevante da política monetária sobre o sistema econômicoencontra-se no comportamento do setor bancário. Para aumentar as já altastaxas de juros, o setor bancário brasileiro eleva, sistematicamente, suas aplica-ções em títulos do Tesouro Nacional, reduzindo a capacidade de expansão docrédito para o setor privado. Alguns dados ilustram esse fenômeno: entre setem-bro de 2004 e março de 2005, os bancos elevaram em R$ 32,25 bilhões suasaplicações em títulos do Tesouro. Os dados do Tesouro Nacional e do BancoCentral do Brasil informam ainda que os bancos possuíam, em março de 2005,R$ 273 bilhões em recursos próprios investidos em títulos públicos, enquanto ovolume de empréstimos a clientes era de R$ 290 bilhões, o que permite visualizara importância dos títulos do Tesouro Nacional na atividade bancária brasileira.Em síntese, apresentam-se como resultados do período:

a) o cumprimento das metas estabelecidas não ocorreu sistematicamen-te. Em três anos, a inflação efetiva foi superior à meta. No entanto, oprocesso inflacionário pode ser considerado sob controle;

b) o crescimento da economia brasileira, no período, foi baixo e inferior aoverificado para o conjunto dos países em desenvolvimento e desenvol-vidos. Em apenas dois anos, foi observado um crescimento importanteda economia (acima de 4%);

c) em grande medida, esse reduzido crescimento pode ser creditado àconjunção de política monetária excessivamente recessiva;

d) a tônica da política fiscal foi de geração de superávits primários cres-centes, com o intuito de manutenção de patamares estáveis na relaçãodívida/PIB;

e) as elevadas taxas de juros nominais e reais tornaram os títulos doTesouro Nacional muitos atrativos, o que elevou sua participação nasaplicações dos recursos do setor bancário e reduziu a capacidade deexpansão do crédito para o setor privado.

4 - A governança da política monetária brasileira e o regime de metas de inflação

As evidências empíricas demonstram que os países que implantaram oregime de metas de inflação obtiveram sucesso no combate ao processo infla-cionário e conseguiram avançar no sentido de manter a estabilidade de preços,

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condição necessária, ainda que não suficiente, para garantir o equilíbriomacroeconômico. Israel, Reino Unido e Nova Zelândia são alguns exemplosdesse sucesso.

Combinar os benefícios de um ambiente macroeconômico de estabilida-de com o crescimento econômico sustentável de longo prazo é o desafio dospróximos anos para o regime de metas de inflação.

Acreditamos que os resultados pífios obtidos pela economia brasileira,nos últimos anos, em termos de crescimento e estabilidade macroeconômicase devem ao fato de que a atual estrutura de governança da política monetá-ria brasileira6 não é a estrutura mais adequada para o funcionamento dosistema de metas de inflação. Isto porque, na atual estrutura:

a) não há uma clara separação entre a instituição responsável pela fixa-ção das metas inflacionárias e a instituição responsável pela suaobtenção. Isso ocorre porque o Presidente do Banco Central do Brasiltem voz e voto no Conselho Monetário Nacional, que é a instituiçãoresponsável pela fixação das metas inflacionárias. Como, nas regrasatuais, o Conselho Monetário Nacional é composto por apenas trêsmembros — sendo os outros dois o Ministro da Fazenda e o Ministro doPlanejamento —, segue-se que a capacidade do Banco Central de in-fluenciar a fixação das metas inflacionárias é bastante elevada;

b) o processo de fixação das metas inflacionárias no âmbito do ConselhoMonetário Nacional não obedece ao requisito de representatividadedas preferências sociais por inflação e desemprego que se esperada instituição responsável pela fixação das metas da política monetá-ria. A teoria da política econômica, tal como elaborada pioneiramentepor Tinbergen (1952), prevê que os objetivos da política econômica se-jam fixados como resultado de uma ampla discussão entre os segmen-tos representativos da sociedade. No caso específico da política mone-tária, os objetivos desta devem refletir um equilíbrio obtido por consen-so entre o “grau de aversão social” à inflação e o “grau de aversãosocial” às perdas de produção e emprego decorrentes de toda a políticade desinflação. Contudo, na estrutura atual, as metas inflacionárias nãorefletem um consenso social a respeito da “taxa ótima de inflação” a ser

6 A estrutura de governança da política monetária é definida como o arcabouço institucionalno qual a política monetária é realizada. Esse arcabouço engloba não só o conjunto deinstituições subjacente à operação da política monetária, como também os tipos de agentesenvolvidos na elaboração e na execução dessa política.

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Metas de inflação: uma avaliação do caso brasileiro

7 O Banco Central do Brasil explicitamente persegue uma meta de inflação de longo prazo de4% ao ano. Entretanto a fixação dessa meta de inflação de longo prazo não foi objeto denenhum tipo de discussão fora do restrito âmbito do Conselho de Políticas Monetária (Copom)ou do Conselho Monetário Nacional.

8 A velocidade de convergência da meta de inflação de longo prazo é de fundamental impor-tância para determinar a taxa de sacrifício (ou seja, a razão entre a taxa de inflação e a taxade desemprego) da estratégia de desinflação. Quanto maior for a velocidade de convergên-cia, maior tende a ser o aumento da taxa de desemprego resultante de uma política dedesinflação. Sendo assim, a escolha da velocidade de convergência não pode ser umaquestão a ser resolvida com base em argumentos puramente técnicos, ela envolve consi-derações de natureza política e, como tal, deve ser deliberada em círculos mais represen-tativos da sociedade.

obtida no longo prazo7 e, muito menos, a respeito da velocidade com aqual essa meta de longo prazo deve ser obtida8;

c) existe pouco espaço para a autoridade monetária acomodar choquesde oferta. Tal como ressaltado por Bernanke et al. (1999, p. 291), acondução da política monetária com base no sistema de metas de in-flação não implica que as autoridades monetárias devam ignorar oobjetivo tradicional da estabilização do nível de produção e de em-prego. De fato, o regime de metas de inflação proporciona um“estabilizador automático” no caso de choques de demanda. Isto por-que um aumento ou uma redução não previstos da demanda agregadairão traduzir-se em pressões inflacionárias ou deflacionárias (confor-me o caso) — devido ao trade-off de curto prazo entre inflação edesemprego —, as quais levarão o Banco Central a aumentar ou areduzir a taxa de juros básica. Esse estabilizador automático estáausente, contudo, no caso da ocorrência de choques de oferta(Blanchard, 2004, p. 540-541). Para acomodar a ocorrência de choquesde oferta, alguns bancos centrais de países que adotaram o regime demetas de inflação optaram por “expurgar” do cálculo do índice de infla-ção de referência do sistema a variação de preços dos bens e serviçosmais diretamente afetados por esses choques. Esse é o caso, porexemplo, do Banco Central da Nova Zelândia (Blanchard, 2004, p. 290).No caso brasileiro, o Banco Central do Brasil utiliza o “índice cheio” doIPCA como referência para o sistema de metas de inflação. Dessa for-ma, toda ocorrência de choques de oferta gera uma pressão imediatapara a elevação da taxa de juros por parte do Banco Central, quando apolítica recomendada nesses casos seria a de acomodar esses cho-ques por intermédio de um aumento temporário da taxa de inflação; e

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9 A respeito da influência do sistema financeiro brasileiro nas decisões de política monetáriado Banco Central do Brasil, ver Weber e Lirio (2003).

d) a decisão de fixação da taxa de juros é influenciada por expectativas deinflação que não refletem a percepção dos agentes com efetivo poderde formação de preços a respeito da evolução futura da inflação, mas,sim, as opiniões vigentes entre os analistas do mercado financeiro so-bre esse tema. Com efeito, como se observa no Relatório de Inflaçãode setembro de 2004, do Banco Central do Brasil, as expectativas demercado desempenham um papel importante na decisão do Copom arespeito do valor da taxa de juros básica. No entanto, essas expectati-vas de mercado nada mais são do que as expectativas dos departa-mentos de análise econômica dos bancos e dos agentes do sistemafinanceiro. Dessa maneira, cria-se um mecanismo perverso no qual osistema financeiro brasileiro pode influenciar a decisão do Banco Cen-tral a respeito da fixação da taxa de juros, pois, se os bancos entraremem acordo entre si, eles podem “forçar” um aumento da taxa de jurospor intermédio de uma “revisão para cima” de suas expectativas deinflação. Em função das fortes evidências de comportamento oligopolistapor parte dos bancos brasileiros (Belaisch, 2003), a ocorrência de um“conluio” para forçar um aumento da taxa de juros não pode ser encara-da como uma simples “curiosidade teórica”.9

Essas características da atual estrutura de governança da política mone-tária no Brasil geram os seguintes problemas:

a) O Banco Central do Brasil tem, na atual estrutura, autonomia para fixaros objetivos da política monetária, e não apenas autonomia no usodos instrumentos necessários à operacionalização dessa política.Tal como afirma Blinder (1998, p. 54), a decisão a respeito dos objetivosda política monetária deve caber aos representantes democraticamen-te eleitos pelo povo. Se o Banco Central tem poder para determinar ouinfluenciar a determinação da taxa de inflação que ele deve obter porintermédio do uso dos instrumentos da política monetária, então, o prin-cípio fundamental da democracia está sendo violado, qual seja, “Todopoder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”;

b) as metas de inflação tendem a ser fixadas em “patamares irrealistas”,isto é, em níveis que não refletem adequadamente o grau de aversãosocial à inflação e o grau de aversão social ao trade-off de curto prazoentre inflação e desemprego. Esse fenômeno se observa nas freqüentesdeclarações dos representantes da indústria e dos sindicatos em favorde uma “política mais realista de combate à inflação”; e

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c) a taxa de juros real efetiva tende a permanecer num patamar “excessi-vamente elevado” não só com respeito ao valor observado em outrospaíses — de fato, o Brasil é o país com a mais alta taxa de juros real domundo —, mas também com respeito a qualquer estimativa minima-mente plausível do valor de equilíbrio da referida taxa. O “problema dosjuros”10 decorre da fixação de metas declinantes de inflação11 —em função do objetivo de se obter uma taxa de inflação de 4,0% ao ano,no longo prazo — em conjunto com a ausência de qualquer tipo demecanismo de “expurgo” dos efeitos sobre a inflação da ocorrência dechoques de oferta. Além disso, o setor financeiro brasileiro, porintermédio do “mecanismo das expectativas inflacionárias”, pode exerceruma forte pressão no sentido de impedir uma queda da taxa de jurosreal abaixo de um patamar considerado “razoável” para os integrantesdesse setor. Uma análise mais cuidadosa das declarações públicasdos representantes do sistema financeiro brasileiro indica que o mesmonão está disposto a aceitar uma taxa de juros real abaixo de 9% ao ano.Nesse contexto, o “mecanismo das expectativas inflacionárias” podeser um importante instrumento pelo qual o sistema financeiro brasileirofaz com que a política monetária seja conduzida com base nos seusinteresses específicos.

Tendo em vista esse diagnóstico a respeito da estrutura de governança dapolítica monetária brasileira, propomos o seguinte conjunto de mudanças nessaestrutura:

a) ampliação da composição do Conselho Monetário Nacional — hoje,o CMN é formado por apenas três membros (o Ministro da Fazenda, oMinistro do Planejamento e o Presidente do Banco Central). O Conse-lho, responsável pela determinação da meta de inflação, deve incorpo-rar em sua composição outros atores sociais representativos da socie-dade brasileira, em especial representantes dos trabalhadores, dosempresários e do meio acadêmico de economia. Essa medida tem avalhistórico. Basta lembrar que, antes do Plano Real, o CMN era composto

10 Ao falar em "problema dos juros", estamos referindo-nos à manutenção da taxa de jurosreal, no Brasil, em patamares elevadíssimos do ponto de vista internacional. Conformesalientado por Bresser e Nakano (2002), a economia brasileira apresenta taxas de jurosreais muito mais altas do que a de países que possuem o mesmo rating de risco, tal comoelaborado pelas agências internacionais de risco.

11 Esse problema foi identificado por Oreiro (2004). O argumento é que, devido à inérciainflacionária, a obtenção de taxas declinantes de inflação ao longo de uma seqüência deperíodos exige que a taxa de juros real seja mantida acima de seu valor de equilíbrio,durante todo o intervalo de convergência, com respeito à meta de inflação de longo prazo.

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por 20 membros. A ampliação do CMN contribuirá para uma discussãomais madura e democrática sobre quais as metas de inflação deseja-das para o País, sobretudo no que se refere à compatibilidade da metacom as condições de crescimento da economia. Chama atenção tam-bém o fato de que o Presidente do Banco Central participa da determi-nação da meta (já que é membro efetivo do CMN) e, posteriormente, éo responsável pelo cumprimento dessa meta. Essa é uma situação,criada com a implantação do regime de metas, que precisa ser revista.O CMN deveria contar também com representantes do meio acadêmi-co de Economia, os quais teriam titulação mínima de Doutor em Eco-nomia, em instituição reconhecida pela CAPES. Essa eleição seria rea-lizada no âmbito do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dosCentros de Pós-Graduação em Economia (Anpec);

b) adoção de metas estáveis de inflação — a prática, perseguida desdea implantação do regime de fixação de metas de inflação decrescen-tes, demonstrou-se equivocada para a realidade brasileira. O objetivoda fixação de metas de inflação decrescentes, do ponto de vista dosformuladores de política, é sinalizar, para o mercado, o compromissocom a estabilidade de preços, garantindo, dessa forma, a credibilidadedos agentes em relação à sustentação do processo de estabilização.No entanto, parece mais razoável supor que a credibilidade não se en-contra no rigor excessivo das metas estabelecidas, mas, sim, no seucumprimento. As evidências internacionais, assim como todo oreferencial teórico de metas de inflação, parecem corroborar a idéia deque a credibilidade é ganha com o cumprimento da meta. A fixação demetas muito decrescentes não tem, de fato, contribuído para a reduçãodas taxas de inflação. Seu único efeito é induzir o Copom a promoverpolíticas monetárias austeras, reduzindo as possibilidades de expan-são do produto e do emprego no Brasil.12 A adoção de metas estáveisde inflação elevaria os graus de liberdade do Copom na determinaçãoda taxa de juros, contribuindo para o crescimento da demanda agrega-da e do produto;

c) definição das metas de inflação a partir do núcleo do IPCA, e nãodo IPCA “cheio” — desde a implantação do regime, em 1999, no Bra-sil, utiliza-se um índice de inflação “cheio”, no caso o IPCA. Em todosos anos desde a implantação do regime, os preços administrados têmpressionado o IPCA, ficando substancialmente acima das variações

12 A esse respeito, ver Oreiro (2004).

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dos chamados “preços livres” (Relatório de Inflação, 1999/2005). A re-ceita do regime de metas, nessa situação, é contraproducente, pois oCopom se vê obrigado a elevar a taxa de juros para controlar um pro-cesso inflacionário que não tem relação com a expansão da demandaagregada, reduzindo o ritmo de crescimento da economia. Outro equí-voco ao se utilizar o IPCA cheio é que o sistema de metas fica vulnerá-vel aos choques de oferta externos. Elevações no preço do petróleo,que pressionam o IPCA, serão sistematicamente contidas por contraçãode demanda, reduzindo as possibilidades de crescimento. A experiên-cia internacional tem diversos exemplos de modelos distintos. Na NovaZelândia, por exemplo, os choques de oferta são expurgados da meta.A meta deve concentrar-se no indicador que capture o comportamentodas oscilações nos preços sujeitos à dinâmica de mercado. Choquesde oferta e preços administrados devem ser expurgados. Dessa forma,as elevações na taxa de juros servirão, de fato, para controlar a inflaçãode demanda, e não para conter pressões inflacionárias derivadas decontratos ou de choques adversos; e

d) mudança da forma de apuração das expectativas inflacionárias —essas expectativas devem refletir a percepção dos agentes queefetivamente dispõem de poder de formação de preços a respeito daevolução futura da taxa de inflação. Dessa forma, o Banco Central develevar em conta as expectativas de inflação de um conjunto mais amplode agentes. Concretamente, o Banco Central deve apurar as expectati-vas de inflação de amplos segmentos da indústria e do comércio. Paraaumentar a confiabilidade das expectativas assim apuradas, o BancoCentral pode ainda consultar os departamentos de pesquisa econômicade renomadas instituições de ensino superior a respeito de suas previ-sões sobre a inflação futura. Essas informações serviriam de base parao Banco Central montar as suas próprias expectativas inflacionárias,as quais são fundamentais para informar a decisão de fixação da taxade juros pelos membros do Copom.

5 - Considerações finais

Ao longo do presente artigo, foram enumerados vários problemas do regi-me de metas de inflação no Brasil, os quais estão fortemente relacionados coma atual estrutura de governança da política monetária no Brasil. Nesse contexto,apresentamos uma proposta de mudança na governança da política monetária,

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cujos elementos principais são o fortalecimento e a ampliação do ConselhoMonetário Nacional, a adoção do core inflation e a mudança na forma de apura-ção das expectativas inflacionárias, as quais passariam a expressar as opini-ões dos agentes econômicos com efetivo poder de fixação de preços.

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Demanda agregada, crescimento e emprego na economia brasileira: 1991-05

Demanda agregada, crescimento e emprego na economia brasileira:

1991-05

André Luis Contri Economista da FEE e Professor da PUCRS.

ResumoNo presente artigo, procuram-se identificar algumas tendências na trajetória decrescimento da economia brasileira, no período 1991-05, fazendo uso, essen-cialmente, dos indicadores do PIB trimestral. Busca-se enfocar esse agregadotanto pela ótica da demanda agregada como pela ótica da produção setorial.A partir das informações analisadas, observa-se que, no período em análise, aeconomia brasileira passou por um profundo ajuste, o qual tem priorizado omercado externo em detrimento do mercado interno. Verifica-se ainda que oincremento na produção agrícola tem estado muito acima do da produção indus-trial e do do setor serviços. Tal padrão de crescimento tem apresentado proble-mas para uma maior absorção de emprego na economia brasileira. Conclui-seque a construção de uma sociedade mais igualitária do ponto de vista distributivoirá requerer que a política econômica passe a priorizar o mercado interno.

Palavras-chaveEconomia brasileira; crescimento econômico; demanda agregada.

AbstractThis paper aims at identifying the tendencies in the path of growth of the Brazilianeconomy during the 1991-2005 period. It is based, essentially, on data of thequarterly GDP, which is analyzed from the point of view of the aggregate demandand of the sectoral production as well. The paper shows that the Brazilian economyhas experienced a structural change, which has given priority to the foreignsector instead of the domestic economy. The data also reveal that the increasein the agricultural production has been greater than production in the manufacturing

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André Luis Contri

industry and in services. Such pattern of growth fell short form creating a sufficientnumber of new jobs that could lead to a decline in the unemployment rate. Finally,the paper suggests that an improvement in the distribution of income will requirethat the economic policy prioritize the domestic economy.

Artigo recebido em 25 jul. 2005.

Introdução

Há mais de um século, os economistas identificaram na demanda umadimensão essencial para o crescimento econômico. Apesar disso, foi somentecom Keynes que a demanda passou a ser o pedestal sem o qual o crescimentoeconômico não se sustenta. A teoria econômica dominante até a década de 30do século XX colocava na dotação de recursos de um país o seu potencial decrescimento. Ou seja, privilegiava essencialmente o lado da oferta. Após acontribuição keynesiana, o debate sobre as fontes do crescimento econômicoficou dividido entre os economistas que enfocavam o lado da oferta e os quepriorizavam o lado da demanda de uma economia.

Numa economia aberta e com governo, a demanda agregada, como ficouconsagrada pela macroeconomia do século XX, é composta por quatro compo-nentes, a saber; consumo das famílias (C), investimento das empresas ou for-mação bruta de capital fixo (I), gastos do governo ou consumo da administraçãopública (G) e, finalmente, as exportações líquidas (X - M). A partir dessasvariáveis, podem-se identificar duas fontes da demanda agregada, a primeiraconstituindo-se do setor externo (X - M), e a segunda consistindo na economiadoméstica, ou, ainda, no mercado interno (C + I + G).

Quando se trata de estimular o crescimento econômico, ou de administrá--lo, é sobre um desses quatro componentes que o governo deve atuar. Ao longodos anos de teorização em economia, esses quatro componentes foram rece-bendo tratamento diferenciado, segundo os diferentes paradigmas do pensa-mento econômico. Dentro da tradição keynesiana-kaleckiana, os investimentosreceberam papel de destaque como fonte do crescimento econômico, por seuimpacto multiplicador sobre a produção. Ainda segundo alguns economistas daescola pós-keynesiana, esse papel central recai sobre as exportações. Para os

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economistas que enfocam o lado da oferta, a existência de poupança — a rendanão consumida — é uma condição necessária para a realização de investimen-tos e, portanto, de crescimento do produto.

No que se refere à economia brasileira, as exportações têm tido um papelpreponderante nos processos de ajustes, desde o início da década de 80.As exportações, nesse contexto, não se limitam a ser uma fonte de demanda,também desempenhando papel central no ajuste das contas externas daeconomia brasileira, nos períodos de adversidades externas. Nestes doisúltimos anos, o desempenho das exportações tem recebido destaqueaté mesmo nos discursos do Presidente Lula, o qual, durante a campanhapresidencial, afirmava a importância de priorizar o mercado interno como fontede crescimento e de distribuição de renda.

Ao longo deste último ano, o noticiário econômico tem sido enfático nasboas notícias a respeito da economia brasileira. A queda acentuada do Risco--Brasil, o controle da inflação, a qual se está aproximando da meta estabelecida,os níveis recordes das exportações e do superávit da balança de transaçõescorrentes, com a conseqüente valorização da moeda nacional, e a retomada docrescimento do PIB em 2004 têm sido alguns dos indicadores exibidosdiariamente nos meios de comunicação e enfatizados por alguns economistascomo sinais da retomada do “crescimento sustentável” da economia brasileira.É claro que alguns problemas ainda persistem. As elevadas taxas de juros pra-ticadas pelo Banco Central têm sido consideradas, pela maioria dos economis-tas, dos empresários, pela opinião pública em geral e pelos governantes, comosendo um dos principais problemas.

Diante desse quadro, uma considerável parcela da população brasileiracontinua alimentando a “esperança” que a levou às urnas em 2002, a despeitoda crise política. Qualquer cenário prospectivo, no entanto, requer uma análiseda trajetória que a economia brasileira tem percorrido ao longo dos últimosanos, e não somente no biênio 2004-05. Ou seja, tal perspectiva deve, necessa-riamente, ser construída a partir da análise da economia brasileira nos últimostempos, a qual é um resultado de anos de decisões de política econômica e deajustes aos diferentes cenários externos.

O objetivo do presente artigo é o de investigar, através do comportamentoda demanda agregada da economia brasileira, algumas tendências e caracte-rísticas do crescimento econômico brasileiro nos últimos 15 anos. Para tanto,far-se-á uso, basicamente, das informações trimestrais sobre o crescimento doPIB brasileiro. Argumenta-se que a economia brasileira se encontra num padrãode crescimento voltado essencialmente para o mercado externo em detrimentodo mercado interno. Como poderá ser observado, tal padrão tem-se mantido nos

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André Luis Contri

últimos anos, independentemente de quem tenha ocupado a Presidência daRepública, seja no Governo FHC, seja no de Lula. Verificar-se-á, ainda, que asexportações, por seu lado, têm sido incapazes de alavancar o crescimento doPIB, o qual têm apresentado modestas taxas de crescimento. Com isso, preten-de-se demonstrar que se têm agravado alguns problemas de ordem estruturalna economia brasileira, os quais vão além do impacto das taxas de juros sobreas contas governamentais e sobre os investimentos.

A economia brasileira sob a óticada demanda

Segundo dados divulgados recentemente pela Fundação Instituto Brasilei-ro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia brasileira apresentou, noprimeiro trimestre de 2005, um crescimento de 2,8% no Produto Interno Bruto apreços de mercado, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Tal desem-penho está ligeiramente acima da média de crescimento dos últimos anos. Noentanto, analisando as taxas de crescimento anualizadas, constata-se que essedesempenho aponta uma desaceleração no crescimento, que se estava mani-festando nos trimestres anteriores.

Como já vinha ocorrendo em outros trimestres, esse crescimento foiessencialmente alavancado pelas exportações. De fato, nesse primeiro trimes-tre, as exportações apresentaram uma taxa de crescimento de 13,6%, quandocomparadas às do mesmo trimestre do ano anterior, enquanto o consumo dasfamílias e os investimentos apresentaram taxas de crescimento de 3,1% e 2,3%respectivamente.

O desempenho apresentado pela economia brasileira neste último trimes-tre insere-se dentro da lógica do seu movimento nos últimos oito anos. Ao seanalisar a série histórica do PIB brasileiro (Gráfico 1), verifica-se claramenteque, desde 1997, as exportações têm tido um crescimento muito acima do doPIB, bem como do dos demais componentes da demanda agregada. Os doisanos que se seguiram à implantação do Plano Real apresentaram um comporta-mento das exportações que acompanhou o do mercado interno. De fato, o níveldas exportações, em finais de 1996, era o mesmo do do início de 1993, enquan-to, nesse mesmo período, o consumo das famílias e os investimentos vinhamnuma trajetória crescente.

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Demanda agregada, crescimento e emprego na economia brasileira: 1991-05

30,0

80,0

130,0

180,0

230,0

280,0

1º tr

im./9

1 IV

3º tr

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2 II

1º tr

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4 IV

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0 IV

3º tr

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1 II

1º tr

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3 IV

3º tr

im./0

4

PIB pm Consumo

Exportações FBKF

Índice

Esta última alterou-se significativamente após 1997. Se se desconsideraro comportamento irregular da segunda metade de 1994 e do início de 1995,pode-se afirmar que os investimentos passaram a crescer desde a segundametade de 1992 até o terceiro trimestre de 1997. A partir de então, eles apresen-taram movimentos oscilatórios em torno de uma trajetória estacionária. De fato,no primeiro trimestre de 2005, o nível de investimentos na economia brasileiraestava ligeiramente abaixo do do início de 1997. Fenômeno semelhante ocorreucom o consumo das famílias, o qual apresentou um modesto crescimento de7,1% entre o primeiro trimestre de 1997 e o de 2005. Por sua vez, as exporta-ções tiveram, nesse mesmo período, um crescimento de 121,0%, enquanto oPIB aumentou 18,1%. Ou seja, se esse crescimento das exportações, emparte, se deveu à modernização dos setores voltados ao mercado externo, fatoque certamente repercutiu positivamente sobre os investimentos, deve-se terpresente que a recuperação de uma trajetória crescente dos investimentos irá

FONTE: CONTAS NACIONAIS TRIMESTRAIS. Rio de Janeiro: IBGE, jan./mar. 2005.

Índice do PIB trimestral, do consumo das famílias, dos investimentose das exportações no Brasil — 1991/05

Gráfico 1

0

Legenda:

Investimentos

PIBpm

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 147-160, set. 2005

André Luis Contri

Gráfico 2

requerer medidas adicionais de política econômica. Somente essa maior inser-ção da economia brasileira no mercado externo não tem gerado um impactosuficiente para elevar o nível dos investimentos e, conseqüentemente, repô-lanuma trajetória contínua de crescimento.

Essa expressiva diferença na evolução do setor externo, em relação à domercado interno, torna-se ainda mais explícita, quando se incorpora à análise odesempenho das importações. Conforme se pode observar no Gráfico 2, desdea implantação do Plano Real até o último ano do Governo Fernando Henrique,os níveis das importações estiveram muito acima do das exportações.Tal trajetória foi o fundamento da insustentabilidade da política econômica adotadaapós a implementação do Plano Real. Conforme se verifica também noGráfico 2, tal padrão de comércio internacional se alterou após o início doGoverno Lula.

30,0

80,0

130,0

180,0

230,0

280,0

1º tr

im./9

1

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2

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4

1º tr

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5

Exportações Importações

Plano Real

Gráfico 2

Índice

Legenda:

Índice de volume das exportações e importações do Brasil — 1991/05

Associada a essa mudança de rumos da economia brasileira, ocorreu umasignificativa redução na taxa média de crescimento do PIB, no período pós1997, quando comparada à taxa média do período pré 1997. Na Tabela 1,

FONTE: CONTAS NACIONAIS TRIMESTRAIS. Rio de Janeiro: IBGE, jan./ /mar. 2005.

GovernoLula

Índice de volume das exportações e importações do Brasil — 1991/05

Índice

Gráfico 2

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Demanda agregada, crescimento e emprego na economia brasileira: 1991-05

verifica-se que as taxas de crescimento mais elevadas estiveram associadascom períodos de crescimento acentuado do consumo e dos investimentos.Evidentemente, tal observação não implica desprezar as exportações enquantouma fonte de crescimento da demanda. No entanto, fica claro que qualquerpolítica econômica que tenha por objetivo o crescimento econômico se deverávoltar para o mercado interno.

Como conseqüência dessas mudanças, verifica-se uma profunda altera-ção no coeficiente exportações/PIB, o qual passou de 8,2% em 1990 para 18,0%em 2004 (Gráfico 3). Se se agregarem as importações ao total das exportações,ter-se-á um coeficiente de abertura da economia brasileira de 31,4% do PIB em2004. Esse mesmo coeficiente era de 15,2% em 1990.

A política econômica iniciada com o Plano Real possibilitou umcrescimento do mercado interno apenas nos dois primeiros anos de vigência doPlano. Parece evidente que a sustentabilidade de um nível elevado das importa-ções iria requerer, necessariamente, um aumento das exportações, o quepassou a ocorrer significativamente a partir de 1997. Por outro lado, as eleva-das taxas de juros atreladas tanto à política de âncora cambial como à de metasde inflação mantiveram o mercado interno praticamente estagnado. Assim, setais políticas promoveram uma maior inserção da economia brasileira no cená-rio internacional, também é verdade que tal ocorreu em detrimento do mercadointerno.

Tabela 1

Taxas de crescimento do PIB e dos componentes da demanda agregada no Brasil, em períodos selecionados

(%)

PERÍODOS PIBpm CONSU- MO

GOVER- NO

INVESTI- MENTOS

EXPOR- TAÇÃO

1990-04 2,51 2,25 1,60 1,68 7,42 1990-97 3,04 3,77 1,82 3,62 5,01 1997-04 1,98 0,75 1,39 -0,23 9,89

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE.

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André Luis Contri

4,006,008,00

10,0012,0014,0016,0018,0020,00

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

Gráfico 3

Participação das exportações no PIB brasileiro — 1990-04

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE.

(%)

O desempenho setorial: a ótica da produçãoe do emprego

Se, por um lado, a inserção externa do Brasil se tem dado em detrimentodo mercado interno, quando se analisa o desempenho do PIB em nível setorial,observa-se uma performance da agricultura muito acima da da indústria.

O Gráfico 4 ilustra o comportamento do índice do PIB real a preços demercado no nível de setores de atividade. Através dele, verifica-se que, até osegundo semestre de 1998, todos os setores seguiam uma trajetória comum decrescimento. No entanto, a partir de então, a indústria brasileira praticamenteestagnou até o segundo trimestre de 2003, enquanto a produção agropecuáriacontinuou ascendente. De fato, o nível da produção industrial no terceiro trimes-tre de 2003 estava ligeiramente acima do do terceiro trimestre de 1997. Ou seja,a indústria brasileira esteve estagnada por cinco anos. A trajetória ascendenteque se iniciou no segundo semestre de 2003, porém, parece ter sido interrompi-da nos dois últimos trimestres. Já o setor serviços apresenta oscilações bemmenores, contudo o seu crescimento é induzido pelo desempenho dos outrosdois setores, especialmente o da indústria.

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Demanda agregada, crescimento e emprego na economia brasileira: 1991-05

80,090,0

100,0110,0120,0130,0140,0150,0160,0170,0

1º t

rim./

91 IV

3º t

rim./

92 II

1º t

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94 IV

3º t

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1º t

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rim./

00 IV

3º t

rim./

01 II

1º t

rim./

03 IV

3º t

rim./

04

Agropecuária Indústria

PIBpm Serviços

Gráfico 4

Índice dessazonalizado do PIB trimestral e do valor adicionado bruto da agropecuária, da indústria e de serviços no Brasil — 1991/05

O desempenho da agropecuária, por sua vez, pode ser explicado pelodesempenho das exportações de produtos desse setor. De fato, quando seanalisa a participação dos produtos da agropecuária no total das exportaçõesbrasileiras, verifica-se que esse percentual foi de 7,2% em 2004, contra 2,9%em 1995. Embora esses percentuais sejam reduzidos, é importante frisar que aparticipação alcançada em 2003 pelos produtos agropecuários, na pauta deexportações, foi a maior desde 1977.

Os dados analisados no Gráfico 4 remetem ao tipo de estrutura econômicaque se está moldando no Brasil, desde 1997. Essencialmente, a economia bra-sileira entrou num padrão de crescimento voltado para o mercado externo einseriu-se neste através de uma participação crescente de produtosagropecuários. Num contexto econômico global onde o desenvolvimentoeconômico depende cada vez mais dos avanços tecnológicos e onde osrecursos naturais reduzem sua importância como insumos, uma trajetória comoa que se está configurando pode trazer comprometimentos ainda maiores nofuturo. Indo um pouco além, pode-se questionar sobre o tipo de inserção que

FONTE: CONTAS NACIONAIS TRIMESTRAIS: Indicadores de volume. Rio de Janeiro: IBGE, jan./mar. 2005.

Índice

Legenda:

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uma economia com essa performance poderá ter num mercado globalizado, namedida em que participa dele com produtos de baixo valor agregado.

Outro aspecto a destacar nesse padrão de crescimento se refere à gera-ção de empregos. Quando analisado o pessoal ocupado na agropecuária, verifi-ca-se que o mesmo apresentou uma queda de 14,8% entre 1990 e 2003. Comisso, o setor reduziu sua participação no total do pessoal ocupado, que era de25,5% em 1990, para 18,9% em 2003. Em valores absolutos, tal queda noemprego do setor representou uma redução de aproximadamente 2,2 milhõesde trabalhadores. Muitos destes devem ter-se deslocado para as cidades, agra-vando o problema social urbano. Apesar dessa queda, o setor agropecuáriocontinua sendo responsável por um percentual elevado de absorção do empre-go. Para efeitos de comparação, convém ressaltar que o setor industrial, incluin-do os serviços industriais de utilidade pública e a construção civil, era responsá-vel, em 2003, por 19,0% do total do pessoal ocupado na economia brasileira. Ouseja, um percentual ligeiramente acima daquele do setor agropecuário. Noentanto, da mesma forma que neste último, a queda na absorção de trabalhotambém ocorreu no setor industrial, porém em proporções menores. A quedano valor absoluto do pessoal ocupado somente não ocorreu em virtude do cres-cimento mais do que proporcional do emprego no setor serviços, o qual apre-sentou um acréscimo de 39,4% entre 1990 e 2003. Dentro do setor serviços,destacaram-se, na geração de emprego, essencialmente os subsetores vincula-dos ao mercado interno, a saber, comércio, serviços prestados às famílias e àsempresas e os serviços privados não mercantis.

Dado esse cenário, não é de surpreender que a taxa de desemprego tenhamantido uma certa estabilidade — em torno de 12% — (Gráfico 6),1 independen-temente do grande crescimento do mercado externo e da produção agropecuária.Ou seja, a redução nas taxas de desemprego, quando ocorre, deve-se muitomais a questões conjunturais do que a alguma transformação estrutural da eco-nomia brasileira. Ou seja, tomando-se o agregado da economia, a estrutura decrescimento descrita acima está gerando um desemprego significativo naagropecuária e na indústria. Por outro lado, a geração de empregos no setorserviços tem sido insuficiente para absorver o crescimento da PopulaçãoEconomicamente Ativa, fato que acaba se manifestando na taxa de desempre-go global da economia.

1 Em 2002, o IBGE implantou uma nova metodologia de cálculo do desemprego. Com isso, asérie anterior ficou desativada. No presente artigo, optou-se pela apresentação somentedesta última série, em detrimento de apresentar um período maior, mas defasado. As con-clusões expostas no texto, no entanto, não seriam alteradas, no caso de se utilizar a análiseda taxa de desemprego de todo o período.

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Demanda agregada, crescimento e emprego na economia brasileira: 1991-05

8,59,09,5

10,010,511,011,512,012,513,013,5

Out

./01

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Abr

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Abr

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Out

./03

Jan.

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Abr

./04

Jul./

04

Out

./04

Jan.

/05

Abr

./05

Gráfico 6

Taxa de desocupação no Brasil — 2001/05

FONTE: IBGE.

(%)

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

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1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

Gráfico 5

Participação da agropecuária no total das exportaçõesdo Brasil — 1980-04

(%)

FONTE: Funcex.

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0

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Considerações finais

Qual deve ser o foco da política econômica ao tentar promover ocrescimento econômico é uma questão divergente entre os economistas, se omercado interno ou o externo. Ao se analisarem as distintas experiênciashistóricas, ver-se-á que o primeiro foi o responsável pelo crescimento econômicodos EUA, enquanto o mercado externo exerceu papel determinante para ocrescimento britânico desde a Primeira Revolução Industrial.

No caso especifico da economia brasileira, os dados analisados acimaparecem demonstrar alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, pareceevidente que as exportações têm tido um impacto limitado em termos decrescimento do PIB. Se, por um lado, é evidente que as exportações estãopuxando o pequeno crescimento do produto, por outro, também é verdade queesse crescimento não tem repercutido no mercado interno.

Em segundo lugar, analisando-se o comportamento da economia brasileirapela ótica da produção, observa-se que o setor agropecuário tem apresentadotaxas de crescimento muito acima das dos demais setores. A baixa participa-ção desse setor no PIB — 9,9% em 2003 —, no entanto, tem-se mostradoincapaz de colocar a economia brasileira numa trajetória de crescimento maisacentuada. Se, por um lado, o crescimento desse setor deve ser saudado comopositivo — na medida em que a agropecuária tem-se tornado competitivano mercado internacional, ao mesmo tempo em que atende ao mercadointerno —, a qualidade da inserção da economia brasileira no cenário interna-cional deve ser considerada. Ou seja, sabidamente, os produtos da agropecuáriasão de baixo valor agregado, enquanto os países que mais se têm destacado nocomércio internacional priorizam produtos intensivos em tecnologia e deelevado valor agregado. Evidentemente, o Brasil terá de fazer esforços enormespara aumentar seu grau de abertura ao exterior, caso continue com essa formade inserção no mercado externo.

Em terceiro lugar, dada a preocupação dos responsáveis pela atual políticacom o controle inflacionário, não se deve ter a expectativa de que o padrão decrescimento analisado aqui sofra alguma alteração. A menos que a lucratividadedo setor empresarial apresente significativos aumentos, não é de se esperarque os investimentos recuperem sua trajetória de crescimento com a atualtaxa de juros.

Finalmente, numa economia marcada por profundas desigualdadesdistributivas e por profundos problemas sociais, outras questões devem serconsideradas nas decisões de política econômica. Uma dessas questões é opotencial gerador de emprego dos setores. De fato, os indicadores de emprego

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Demanda agregada, crescimento e emprego na economia brasileira: 1991-05

demonstram que, apesar desse crescimento acentuado das exportações, a taxade desemprego se tem mantido relativamente constante ao longo dos últimosanos, sendo muito mais afetada por questões conjunturais do que por algumamudança de caráter estrutural. Como decorrência desse aspecto, é forçosoconsiderar que qualquer política de distribuição de renda se inviabilizará numpadrão de crescimento como o que se tem apresentado nos últimos anos, naeconomia brasileira.

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Produtividade e emprego na indústria do RS de 1996 a 2000:...

Produtividade e emprego na indústria doRS, de 1996 a 2000: especialização ou

desempenho setorial?*

Eduardo Pontual Ribeiro** Professor no Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS.

ResumoO Estado do Rio Grande do Sul (RS) liderou a geração do emprego industrial,entre 1996 e 2000, no Brasil, de acordo com o IBGE e a FEE, com ênfase emsetores tradicionais. Com isso, a participação do Estado no emprego industrialbrasileiro aumentou. Todavia esse aumento não foi acompanhado por aumentosimilar no nível de atividade, levantando dúvidas sobre o desempenho da produ-tividade no RS, no período. O objetivo deste artigo é estudar o comportamentoda produtividade no RS, em relação ao desempenho do Brasil, identificando,através de decomposições, se o comportamento da produtividade foi influenci-ado por uma especialização em setores tradicionais da economia, através dedecomposições. Os resultados sugerem que o crescimento da produtividade noRS ficou abaixo da média nacional apenas em termos absolutos, mas não emtermos relativos. De qualquer forma, o pior desempenho não pode ser associadoà especialização em setores menos produtivos.

Palavras-chaveProdutividade; emprego; decomposições contrafactuais.

* Este artigo teve apoio da FAPERGS e do CNPq.

** E-mail: [email protected]

O autor agradeçe a Kelly dos Santos Leal e a Aline Ruaro Teixeira (PIBIC/CNPq/UFRGS) pelo auxílio na pesquisa.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 161-174, set. 2005

Eduardo Pontual Ribeiro

AbstractEmployment in Rio Grande do Sul grew faster than the Brazilian average over1996-2000. This rose the state employment share in tbe Brazilian economy. Yetproductivity did not rise, in absolute terms, the same in the state. The goal of thisarticle is to study the evolution of Brazil and Rio Grande do Sul productivitydifferential, focusing on the hypothesis that the state specialization in labor--intensive sectors hindered productivity growth in the state. Based ondecompositions and counter-factual productivity estimates, the lower productivitygrowth of the state seems to be driven by slower intra-sector produtivity growth,with little contribution of the employment specialization patterns.

Artigo recebido em 13 abr. 2005.

1 - Introdução

A Carta de Conjuntura FEE (2002) chamou atenção para o fato de que, noperíodo 1996-00, o Rio Grande do Sul foi o estado com o maior avanço nadistribuição estadual do emprego industrial do Brasil, aumentando um pontopercentual. A mesma publicação informou que a participação do Rio Grande doSul no Valor da Transformação Industrial (VTI) não teve o mesmo desempenho,aumentando apenas meio ponto percentual na distribuição nacional. Naquelapublicação, foi levantada a dúvida sobre o que estaria acontecendo com a pro-dutividade no Estado. Por motivos de espaço, aquela nota não desenvolveu otema até o final. Assim, o objetivo deste artigo é investigar mais à fundo ocomportamento da produtividade industrial durante o período 1996-00.

De acordo com a Tabela 1, verificamos que, enquanto o emprego industrialdo Brasil cresceu 5,46% entre 1996 e 2000, esse aumento foi de 14,01% no RioGrande do Sul. É interessante notarmos que a produtividade industrial do Brasil,por outro lado, teve um crescimento muito similar à do Rio Grande do Sul, dequase 50%. Esse primeiro resultado sugere que o medo de que a produtividadeda indústria como um todo tivesse aumentado pouco no Rio Grande do Sul nãose verificou.

Embora o crescimento da produtividade não tenha sido tão diferenciadoentre o Brasil e o Rio Grande do Sul como o crescimento do emprego, isso, na

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Produtividade e emprego na indústria do RS de 1996 a 2000:...

verdade, indica que o crescimento da produção (ou Valor da Transformação In-dustrial) do Rio Grande do Sul foi superior ao crescimento da produção no País.A partir dos valores da Tabela 1, podemos dizer que o aumento da produçãoindustrial, no Rio Grande do Sul, chegou a 70,2% no período, enquanto, noBrasil, foi de aproximadamente 57,9%, quase 12 pontos percentuais a menosno Brasil do que no Estado.

A Carta de Conjuntura chama atenção: “(...) o ganho no emprego, noperíodo, deveu-se principalmente à especialização em setores mais intensivosem mão-de-obra vinculados aos gêneros mais tradicionais” (FEE, 2002, p.1).Uma questão que surge diretamente disso é se essa especialização em seg-mentos mais intensivos em mão-de-obra prejudicou o crescimento da produtivi-dade no Rio Grande do Sul.

Tabela 1

Produtividade do trabalho e emprego na indústria do Brasil e do Rio Grande do Sul — 1996 e 2000

a) produtividade do trabalho

ESPECIFICAÇÃO 1996 2000 ∆P ∆P%

RS …………………….. 25 420 37 938 12 518 49,24

BR ............................... 30 348 45 438 15 091 49,73

Diferença RS - BR ...... -4 928 -7 501 -2 573 -0,48

b) emprego

ESPECIFICAÇÃO 1996 2000 ∆N ∆N%

RS .........................….. 477 627 544 564 66 937 14,01

BR ............................... 4 708 391 4 965 528 257137 5,46

Diferença RS - BR ...... 8,55

FONTE: IBGE. Pesquisa industrial 1996/2000: empresa. Rio de Janeiro: IBGE, 1997/2001.

NOTA: 1. Produtividade em R$ 1.000,00 por trabalhador.

2. Emprego em número de trabalhadores.

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Eduardo Pontual Ribeiro

Em outras palavras, será que a especialização em segmentos mais inten-sivos em mão-de-obra freou o crescimento da produtividade no Estado e, as-sim, a geração de valor agregado por trabalhador? Essa é uma questão quevamos tentar identificar neste artigo; outra é efetivamente identificar qual a con-tribuição da especialização em setores mais intensivos em mão-de-obra, emrelação ao Brasil, para o crescimento do emprego.

Ambos os casos, ou seja, a identificação da especialização no crescimen-to da produtividade setorial e a questão do crescimento do emprego, serão estu-dados a partir de decomposições, em que o crescimento da variável de interes-se será decomposto em parcelas exaustivas, que tratam da especialização emespecíficos setores e do desempenho intra-setorial.

2 - Emprego no Rio Grande do Sul e no Brasil, de 1996 a 2000: especialização ou desempenho?

Uma questão central da avaliação do crescimento do emprego no Rio Grandedo Sul é sua diferenciação setorial em relação ao Brasil como um todo, ou seja,no Estado haveria uma especialização em setores mais intensivos emmão-de-obra. O Gráfico 1 apresenta uma comparação entre o Estado do RioGrande do Sul e o Brasil referente aos pesos dos subsetores da indústria noemprego industrial, representados por witS e witB respectivamente. No eixo dasabscissas, encontramos os pesos dos setores do Rio Grande do Sul e, no eixodas ordenadas, os do Brasil. A linha de 45° foi traçada apenas para facilitarnossa análise.

Como podemos observar, o Brasil apresenta uma distribuição mais equili-brada, e os seus setores têm um peso geralmente maior em relação aos do RioGrande do Sul. Este, por sua vez, tem como destaque o setor de fabricação decalçados, que representa cerca de 25% do peso total da indústria. Isso podesignificar que o desempenho desse setor acabará determinando todo o desem-penho da economia gaúcha.

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Produtividade e em

prego na indústria do RS

de 1996 a 2000:...

0,0000

0,0500

0,1000

0,1500

0,2000

0,2500

0,3000

0,0000 0,0100 0,0200 0,0300 0,0400 0,0500 0,0600 0,0700 0,0800 0,0900 0,1000

Seqüência1 45° Linear (45°)

Gráfico 1

Fração do empregoindustrial em cada setor do Brasil

Legenda:

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Pesquisa Industrial 1996/2000: empresa. Rio de Janeiro: IBGE, 1997/2001.

Comparação entre a distribuição do emprego industrial no Rio Grande do Sul e no Brasil — 1996

Fração do emprego industrial em cada setor do RS

Seqüência 1 450

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Eduardo Pontual Ribeiro

A magnitude da diferença da distribuição setorial do emprego pode seravaliada usando-se o Índice de Diferença de Duncan1, também chamado deÍndice de Turbulência. De acordo com esse índice, cerca de 35% dos trabalha-dores da indústria do Rio Grande do Sul teriam de se realocar entre setores paraque a distribuição setorial do emprego no Estado fosse igual à do empregoindustrial no Brasil.

Esse valor mudou muito pouco ao longo do período estudado, passando de35,7% do emprego industrial em 1996 para 34,7% em 2000. A similaridade tem-poral repercute quando o índice é avaliado para cada região ao longo do tempo.No período, houve uma mudança na composição do emprego setorial, de 6,0%no Rio Grande do Sul e de 5,4% no Brasil. A pequena mudança temporal doemprego indica que não houve modificação no padrão de especialização, noperíodo.

Para lançar luz sobre o crescimento do emprego no Rio Grande do Sul emmais de 8 pontos percentuais em relação ao Brasil (14,0% no RS e 5,46% noBR), empregaremos uma decomposição das diferenças das taxas de cresci-mento em dois componentes2: um devido ao diferencial de desempenho de cadasetor no Rio Grande do Sul e no Brasil; outro devido à especialização diferen-ciada do Estado em relação à média nacional.

Consideremos a variação percentual do emprego no Brasil —gB=(NtBR - Nt-1BR)/ Nt-1BR —, entre 1996 e 2000, e no Rio Grande do Sul —

gS=(NtRS - Nt-1RS)/ Nt-1RS —, onde NiJ representa o emprego, no período

t=1996, 2000, na região J=RS, BR. Essa variação pode ser calculada a partirda soma ponderada da variação do emprego em cada setor, em cada regiãogi

J=(NitJ - Nit-1

J)/ Nit-1J, usando como pesos a fração do emprego do setor i

da região J no emprego total da região, wiJ =Nit-1

J/ Nt-1J.

gS - gB = ΣigiSwi

S - ΣigiBwi

B (1)

A decomposição parte da construção de uma variação de emprego noEstado, usando a distribuição setorial do emprego do Rio Grande do Sul, mas astaxas de crescimento do emprego setorial no Brasil, g*S = Σigi

BwiS. Somando e

subtraindo g*S em (1) e arrumando os termos, temos:

1 i=1,...,m setores, onde ;.. wiJ =NitJ/ NtJ ,J=RS, BR, Nij representa o empre-go no setor i, no período t, na região J, e

2 Essa decomposição é bastante comum na literatura de economia regional, chamadashift-share, e também é empregada em economia do trabalho; ver, por exemplo, Araújo eRibeiro (2002).

T=0,5 Σi |wiRS – wi

BR|,

NtJ= Σi Nit

J.

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Produtividade e emprego na indústria do RS de 1996 a 2000:...

Tabela 2

Decomposição da variação no emprego industrial do Rio Grande do Sul em relação à do Brasil — 1996-00

a) variação em pontos percentuais

EQUAÇÕES ∆Ν TOTAL DESEMPENHO ESPECIALIZAÇÃO COVARIÂNCIA

Equação 2 ....... 0,0855 0,0334 0,0521 -

Equação 2´ ...... 0,0855 0,4628 -0,3773 -

Equação 3 ....... 0,0855 0,4628 0,0521 -0,4294

b) variação em percentual

EQUAÇÕES ∆Ν TOTAL DESEMPENHO ESPECIALIZAÇÃO COVARIÂNCIA

Equação 2 ....... 100,0 39,1 60,9 -

Equação 2´ ...... 100,0 541,1 -441,1 -

Equação 3 ....... 100,0 541,1 60,9 -502,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Pesquisa industrial 1996/2000: empresa. Rio de Janeiro: IBGE, 1997/2001.

gS - gB = Σi(giS - gi

B)wiS + Σi gi

B(wiS - wi

B) (2)

(desempenho) (especialização)

O primeiro termo do lado direito da equação mede quanto teria sido o cres-cimento do emprego do Rio Grande do Sul em relação ao Brasil, se a distribui-ção do emprego nas duas regiões fosse similar (ou seja, o segundo termo dolado direito igual a zero). Assim, o diferencial de crescimento seria devido aocrescimento superior em cada setor do Rio Grande do Sul, em relação ao Brasil.Esse termo é chamado de efeito desempenho. Já o segundo termo do ladodireito pode ser considerado como o efeito especialização. Ele mede o queseria o diferencial de crescimento do emprego entre Rio Grande do Sul e Brasil,se não houvesse diferença no crescimento de cada setor entre as regiões. Des-sa forma, a única fonte de diferencial no crescimento seria o diferente padrão deespecialização do Rio Grande do Sul em relação ao do País.

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Eduardo Pontual Ribeiro

Pelos resultados apresentados na Tabela 2, vemos que o diferencial de8,55 pontos percentuais do crescimento percentual do emprego no Rio Grandedo Sul, em relação ao crescimento percentual do emprego no Brasil, pode seratribuído, em sua maior parte, à especialização em setores que tiveram maiorcrescimento do emprego no Brasil; 3,34 pontos percentuais ou 39% da diferen-ça de taxas de variação podem ser atribuídos ao crescimento superior do em-prego em cada setor do Rio Grande do Sul.

Como é comumente destacado na literatura de decomposições, a mes-ma análise pode ser feita empregando-se outra base de comparação, ou seja,g*S = Σigi

SwiB seria calculado usando-se as taxas de crescimento setorial do

Estado, mas a distribuição setorial do emprego do País. Isso gera uma novaversão para a decomposição

gS - gB = Σi(giS - gi

B)wiB + Σi gi

S(wiS - wi

B) (2´)

(desempenho) (especialização)Como a base de ponderação dos diferenciais muda, os resultados podem

mudar de modo significativo, se as bases de ponderação forem pouco similares.E esse é o caso aqui. Na segunda linha da Tabela 2, vemos que a decomposi-ção, agora, sugere que a especialização do Rio Grande do Sul tem um efeitonegativo sobre o diferencial positivo do crescimento do emprego no Estado. Ouseja, se o Rio Grande do Sul tivesse a distribuição setorial do emprego doBrasil, o desempenho setorial do emprego no Estado levaria a um crescimentode 46 pontos percentuais do emprego no RS, superior ao crescimento do empre-go no Brasil, ao invés dos 8,55 pontos percentuais identificados.

A grande diferença estimada nas versões de análise sugere que os setoresem que o Rio Grande do Sul é mais especializado tiveram taxas de crescimentodo emprego menores que no Brasil. Por exemplo, o emprego no setor de calça-dos, no RS, de acordo com a Pesquisa Industrial 2000 (IBGE, 2002) cresceu19%, enquanto, no Brasil, o crescimento foi de 23,8%. Da mesma forma, pareceque os maiores crescimentos do emprego, em termos percentuais, no Estado,se deram em setores com peso no emprego industrial bem menor no Estado doque no Brasil, como beneficiamento de fibras têxteis e fabricação e refino deaçúcar.

Para confirmar a interpretação acima e evitar as diferenças de resultadosdevido a mudanças de bases de comparação, a decomposição citada pode serfeita usando-se as mesmas bases de comparação, como em Timmer e Szirmai(2000) e Carvalheiro (2003), para a análise de produtividade. Seguindo essesautores, o diferencial da variação percentual do emprego em cada região podeser escrito como:3

3 Os detalhes da demonstração estão disponíveis com o autor.

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Produtividade e emprego na indústria do RS de 1996 a 2000:...

gS - gB = Σi(giS - gi

B)wiB + Σi(wi

S - wiB)gi

B + Σi(giS -gi

B)(wiS - wi

B) (3)

(desempenho) (especialização) (covariância)O terceiro termo é também dito efeito mudança estrutural. Para facilitar a

interpretação, vale a pena notar que a equação (3) usa como termo de efeitodesempenho aquele da equação (2´) e o efeito especialização da equação (2).Considerando as estimativas apresentadas na Tabela 2, na terceira linha,vemos que o efeito covariância é negativo e de grande tamanho, confirmando aanálise acima, em que as maiores taxas percentuais de crescimento do empre-go no Rio Grande do Sul se deram naqueles setores em que o Estado não eraespecializado, em comparação com o Brasil.

3 - Produtividade no Rio Grande do Sul e no Brasil, de 1996 a 2000: especialização ou desempenho?

Na seção anterior, vimos que a especialização produtiva do Rio Grande doSul pode ter contribuído para uma desaceleração do crescimento do empregono Estado. Da mesma forma, e buscando responder à indagação da FEE (2002),buscamos verificar se o padrão de especialização produtiva no Rio Grande doSul contribuiu para um crescimento da produtividade apenas similar à do Brasil(ou menor que a brasileira, em termos absolutos, medido em R$ 1.000 por traba-lhador).

Primeiramente, podemos fazer um exercício de análise contrafactual, ima-ginando quanto seria a produtividade no Rio Grande do Sul, se o emprego fossedistribuído como no Brasil. Usando os pesos do emprego industrial em cadasetor, para os anos de 1996 e 2000, para o Brasil, temos, na Tabela 3, que aprodutividade passaria de R$ 25,42/trabalhador para R$ 27,59/trabalhador em1996 e de R$ 37,94/trabalhador para R$ 48,96/trabalhador em 2000. Com isso, oaumento da produtividade no Estado teria sido de R$ 21,37/trabalhador ao invésdos R$ 12,52/trabalhador observados. Ao que parece, a especialização do RioGrande do Sul em setores mais intensivos em trabalho leva a perdas de produti-vidade.

Mas o que deve ser analisado é a evolução dinâmica do padrão de especi-alização. Ou seja, o aumento de 21,37% na produtividade — que poderia ter sidoverificado no Rio Grande do Sul, se a distribuição do emprego fosse como a doBrasil — depende também de como se comportou a distribuição do emprego

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(4)

industrial entre setores no País. Vimos, na seção anterior, que essa distribuiçãonão é constante ao longo do tempo.

Tabela 3

Decomposição da variação da produtividade do trabalho no Brasil e no Rio Grande do Sul — 1996 e 2000

PRODUTIVIDADE DO TRABALHO ESPECIFICAÇÃO

1996 2000 ∆P ∆P%

RS ……………………………. 25,41987 37,93781 12,51794 0,492447

RS com emprego setorial co-

mo no BR .............................

27,59312

48,96157

21,36845

0,774412

Diferença .............................. -2,17325 -11,0238 -8,85051 -0,28197

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Pesquisa industrial 1996/2000: empresa. Rio de Janeiro: IBGE,1997/2001.

Para isso, na análise, agora, comparamos a produtividade em diferentesperíodos no tempo, em cada região, ao contrário da seção acima, em que com-parávamos a variação temporal entre duas regiões, para isolar os efeitos devariações de produtividade intra-setoriais e de variações na distribuição do em-prego nas duas regiões. Consideremos a variação de produtividade (emR$ 1.000,00 por trabalhador) Pt

J=PtJ-Pt-1

J para a região J=RS, BR, entreos períodos t=1996 - 2000, onde a produtividade é medida como produtividademédia do trabalho Pt

J= YtJ/Nt

J, onde YtJ representa a produção (medido como

Valor da Transformação Industrial nos dados da PIA-IBGE) e NtJ o emprego,

como na seção anterior. A decomposição da variação da produtividade, em ter-mos absolutos, para cada região, segue Timmer e Szirmai (2000), sendo similarà equação (3).

PtJ = Σi(Pit

J - Pit-1J)wit-1J + Σi(witJ - wit-1J)Pit-1J + Σi(Pit

J -Pit-1J)(witJ - wit-1J)

(desempenho) (especialização) (especialização dinâmica)

O segundo termo é também chamado de efeito estático. O terceiro termo,de acordo com os autores, aparece pela natureza discreta das variações emanálise. No limite, com uma variação temporal instantânea, o último termo tende

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Produtividade e emprego na indústria do RS de 1996 a 2000:...

a zero. Mas ele apresenta uma interpretação econômica interessante; indica sesetores em que há variação positiva da produtividade também são acompanha-dos por aumentos de importância relativa do setor no emprego. Rocha (2005)chama o terceiro termo de indicador de bônus estrutural do crescimento, se-guindo Timmer e Szirmai e autores como Harberger e Kuznets. Timmer e Szirmaichamam-no de efeito dinâmico da mudança estrutural. Como, em certas condi-ções, países que se especializam em setores de alto crescimento da produtivi-dade tendem a crescer mais, seria importante verificar se o Rio Grande do Sul(ou o Brasil) está se beneficiando das mudanças na estrutura produtiva(identificada através das mudanças na distribuição setorial do emprego industri-al). Os resultados de Carvalheiro (2003) e Rocha (2005) indicam que, para adécada de 90 e, em particular no período em estudo, para o Brasil, o efeito deespecialização dinâmica, ou de covariância, foi negativo4.

Para os dados aqui considerados, os resultados da decomposição apare-cem na Tabela 4. A avaliação qualitativa para o Brasil e para o Rio Grande do Sulé similar. Em cada região, o efeito desempenho (ou intra-setorial) é maior que ocrescimento da produtividade verificado; os efeitos especialização estática edinâmica são negativos, mas de magnitude bem menor que o efeito desempe-nho. Tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil, parece que os setores commaior crescimento da produtividade, entre 1996 e 2000, foram aqueles comredução de sua importância relativa no emprego industrial.

Analisando o caso do Rio Grande do Sul em detalhe, constatamos que acoluna desempenho da Tabela 4 indica que a variação da produtividade no RioGrande do Sul, entre 1996 e 2000, teria sido de 15,17 pontos percentuais, aoinvés dos 12,51 observados. Assim, a dinâmica do emprego industrial dos setoresno Estado, entre 1996 e 2000, contribuiu para um aumento menor na produtivi-dade, pois o termo especialização é negativo. É importante notarmos que omesmo acontece no Brasil, ou seja, se a distribuição do emprego industrial nãotivesse mudado no período, o crescimento da produtividade brasileira seria de17,45 pontos percentuais, ao invés dos 15,09 observados. A similaridade dotermo de desempenho para o Rio Grande do Sul e para o Brasil indica que,dentro de cada setor, o crescimento da produtividade foi similar entre o RS e oBR.

4 Há várias razões, listadas em Timmer e Szirmai (2000), para um efeito dinâmico negativo epara a interpretação da relação entre produtividade e mudança estrutural (ver sua seção 6),como, por exemplo, nível de agregação da análise (setores, ao invés de firmas), a hipóteseimplícita de produtividade do trabalho média igual à marginal, spillovers e a relação entrecrescimento do produto e da produtividade. Não perseguimos as explicações, pois o obje-tivo do trabalho não é entender as razões do efeito negativo, mas, sim, apresentar amensuração dos fatos. Claramente, esse é um caminho frutífero de pesquisa.

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A avaliação acima é sintetizada na terceira linha da Tabela 4, que apresen-ta as diferenças entre o crescimento da produtividade no Rio Grande do Sul e noBrasil e a decomposição dessa diferença nos três termos da equação (4). Ve-mos que quase todo o diferencial pode ser explicado pelo maior crescimentointra-setorial no Brasil, em relação ao Rio Grande do Sul. O efeito dinâmico(última coluna) é maior no Rio Grande do Sul, contribuindo para o menor cresci-mento da produtividade estadual em relação ao País. O efeito estático, querepresenta a mudança na composição do emprego setorial do Rio Grande doSul, em relação ao Brasil, ao longo do tempo, é o único que reduziria a diferençaentre a variação da produtividade estadual e da nacional. A especialização con-tribuiu para reduzir a distância na variação da produtividade entre o RS e o País(embora de forma tênue, quando comparados os valores de -1,251 para o Brasile -1,052 para o Estado).

Em suma, não parece razoável supor que o menor crescimento absolutoda produtividade do trabalho industrial, no período 1996-00, no Rio Grande do

Tabela 4

Decomposição da variação da produtividade do trabalho no Brasil e Rio Grande do Sul — 1996-00

a) variação em pontos percentuais

ESPECIFICAÇÃO ∆P TOTAL DESEMPENHO ESPECIALI- ZAÇÃO

ESPECIALI- ZAÇÃO DINÂMICA

RS .......................... 12,518 15,169 -1,052 -1,599

BR .......................... 15,091 17,449 -1,251 -1,107

Diferença RS - BR -2,573 -2,280 0,199 -0,492

b) variação em percentual

ESPECIFICAÇÃO ∆P% DESEMPENHO ESPECIALI- ZAÇÃO

ESPECIALI- ZAÇÃO DINÂMICA

RS .......................... 100,0 121,2 -8,4 -12,8

BR .......................... 100,0 115,6 -8,3 -7,3

Diferença RS - BR 100,0 88,6 -7,7 19,1

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Pesquisa industrial 1996/2000: empresa. Rio de Janeiro: IBGE,1997/2001.

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Produtividade e emprego na indústria do RS de 1996 a 2000:...

Sul, em comparação com o crescimento da produtividade do trabalho no Brasil,foi determinado pela especialização dinâmica em setores menos produtivos doEstado. Se a especialização em setores mais trabalho-intensivo possui algumpapel na evolução da produtividade ao longo do tempo, isso se deve a umaestrutura histórica que não foi revertida no período. Como vimos na análise doemprego, as diferenças nas estruturas setoriais do emprego industrial entre oEstado e o País alteraram-se muito pouco ao longo do período em estudo. Mantidasconstantes a variação da estrutura e a própria diferença histórica da estrutura daindústria gaúcha em relação à brasileira, os setores da indústria, no Rio Grandedo Sul, caracterizaram-se por menores variações da produtividade intra-setorialno período em estudo, explicando, assim, o menor crescimento da produtivida-de, em termos absolutos, no Estado, no período.

4 - Considerações finais

O objetivo deste artigo foi analisar o comportamento do emprego e daprodutividade no Rio Grande do Sul, em comparação com o Brasil, entre 1996 e2000. A análise foi baseada em decomposições de variações, também chama-das de decomposições contrafactuais. Os resultados do trabalho indicam quehá uma significativa diferença entre a estrutura produtiva do Estado — enten-dida como a distribuição setorial do emprego industrial — em relação à do País.Essa diferença não mudou, de modo marcante, ao longo do período em estudo,embora tenha havido crescimento diferenciado entre os setores.

A mudança do emprego dentro de cada setor da indústria explica a maiorparte do diferencial da evolução do emprego industrial no Rio Grande do Sul, emrelação ao do Brasil. Por outro lado, os setores que tiveram maior crescimentopercentual do emprego no Estado foram os setores em que este é menos espe-cializado.

As diferenças intra-setoriais também explicam a maior parte dos diferen-ciais da evolução da produtividade. Por um lado, a especialização do Rio Grandedo Sul em setores mais trabalho-intensivo, ou, dito de outra forma, menosprodutivos — particularmente calçados —, faz com que a produtividade do tra-balho na indústria do Rio Grande do Sul seja menor que a do Brasil. Por outro,mantendo-se constante o padrão de especialização ao longo do tempo e entreregiões, é possível identificar que 88,6% do diferencial de menos R$ 2.57/traba-lhador verificado na variação da produtividade do Rio Grande do Sul, entre 1996e 2000, em relação à variação da produtividade, no mesmo período, no Brasil,

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Eduardo Pontual Ribeiro

seria devido ao crescimento mais lento da produtividade em cada setor do RioGrande do Sul, em relação ao do Brasil.

Os métodos de decomposição aplicados aqui não são novidade, masainda são relativamente pouco usados na análise de economia regional. Seuuso é simples e pode trazer nova compreensão sobre a evolução e a compara-ção de economias.

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 175-204, set. 2005

Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

Diferenciais dos rendimentos dotrabalho na indústria de transformação

da Região Metropolitana de PortoAlegre (RMPA): linearidade ou

dualidade no mercado de trabalho?

André Luiz Leite Chaves Economista da FEE e Professor da FAPA.

ResumoO objetivo deste artigo é analisar os diferenciais de rendimentos dos trabalhado-res da indústria de transformação da Região Metropolitana de Porto Alegre, noano de 2002, consoante os postulados da Teoria do Capital Humano e da Teoriada Segmentação. Verificamos que não são unicamente as variáveis referentesàs características produtivas dos trabalhadores (educação e experiência) quedeterminam as diferenças nos rendimentos, mas também as relacionadas àscaracterísticas não produtivas dos ocupados e àquelas referentes aos postosde trabalho. Utilizando-se dados individuais da Pesquisa de Emprego e Desem-prego (PED) na Região, foram agrupados ramos industriais em dois segmentos,através da Análise de Cluster, considerando características comuns utilizadasna determinação de rendimentos. Estimaram-se funções de rendimentos para ototal da indústria, para o segmento primário e para o secundário. Os resultadosobtidos sugerem que é possível encontrar evidências de segmentação no mer-cado de trabalho da indústria de transformação da RMPA.

Palavras-chaveDiferenciação de rendimentos; segmentação; capital humano.

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André Luiz Leite Chaves

AbstractThe purpose of this article was to analyze the earnings differentials of workers inthe manufacturing industry in the Metropolitan Region of Porto Alegre, in 2002.The research follows the Segmentation of the Labor Market Theory principlesand to the Human Capital Theory principles. When we investigate the remunerationdifferences among workers we verify that not only the variables related to workers’productive characteristics (education and experience) determine the earningsdispersion, but also that the “nonproductive” characteristics and those related tothe working positions affect, in the same way, the fact that some workers earnmore than another. Using panel data of the PED-RMPA we grouped the workingpopulation in two segments considering common characteristic with Cluster’sAnalysis method. We estimate the earnings functions for the industry total, forthe primary market and for the secondary market. The results obtained suggestthat there is evidence of segmentation in the manufacturing industry in theMetropolitan Region of Porto Alegre.

Artigo recebido em 21 mar. 2005.

Um traço peculiar do mercado de trabalho brasileiro é a ocorrência de dife-renciais salariais bem mais elevados que aqueles observados em países comestágio de desenvolvimento similar. O fato de indivíduos diferentes perceberemdiferentes rendimentos no mercado de trabalho é algo fácil de ser verificado emqualquer economia, porém, no Brasil, essa dispersão de rendimentos mostra-sedemasiado elevada. No País, essa questão tem sido, há muito tempo, foco deintensa atenção dos economistas, devido às características do mercado detrabalho brasileiro e à elevada desigualdade de renda. Foram feitos diversosestudos referentes à relação dos salários com seus determinantes, medianteequações de rendimentos do trabalho.1 Esses estudos abordaram a relação dosalário com a educação, a experiência, a cor, o gênero, o setor de atividade, aposição na ocupação, a natureza jurídica das firmas, a região geográfica e asindicalização.

1 Para um melhor esclarecimento sobre esses estudos, sugerimos o artigo de Coelho eCorseuil (2002), que apresenta uma resenha da literatura referente à relação dos salárioscom seus determinantes, estimada no Brasil mediante equações de salários.

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Dentre tantos enfoques tratados, destacamos, neste artigo, o diferencialde salários interindustrial. Ocorre uma regularidade da dispersão de salário den-tro e entre diferentes indústrias no País e também em diferentes países, confor-me pode ser verificado no trabalho de Arbache e De Negri (2002).

Conforme Coelho e Corseuil (2002), existem três fontes de desigualdadesalarial: as características individuais produtivas, as não produtivas e as ca-racterísticas dos postos de trabalho. Segundo o comportamento do mercadode trabalho, podemos considerar que os trabalhadores possuem dotações deum conjunto de atributos, uns tidos como “produtivos”, outros não, enquanto asfirmas remuneram os trabalhadores na razão direta em que valoram tais atribu-tos. Se todos os trabalhadores possuíssem dotações idênticas e se todas asfirmas os valorassem igualmente, não haveria desigualdade salarial. Porém aobservação da realidade mostra que o trabalhador é remunerado de formaheterogênea. Na Tabela 1, observamos que os trabalhadores com um conjuntode atributos homogêneos — homens, com idade entre 25 e 35 anos e com umtempo de permanência na atual ocupação entre dois a cinco anos — possuemsalários diferenciados.

Os trabalhadores das indústrias de alimentação, artefatos de borracha,vidros, cristais e cerâmicas, metalúrgica, mecânica, vestuário e artefatos detecido e farmacêutica que possuem o ensino fundamental completo ganhamacima da média da totalidade da indústria de transformação. Já os com o ensinomédio possuem os salários relativos médios acima da média nas indústrias dealimentação, artefatos de borracha, papel, papelão e cortiça, materiais de cons-trução, química e plásticos e farmacêutica.

O objetivo deste estudo é analisar a diferenciação dos rendimentos naindústria de transformação da Região Metropolitana de Porto Alegre, em termosempíricos, enfocando o ano de 2002. Ao investigar as diferenças de remunera-ção entre os trabalhadores da indústria da RMPA, procuramos demonstrar quenão são unicamente as variáveis referentes às suas características produtivas(educação e experiência) que determinam a dispersão salarial, mas também asrelacionadas às características não produtivas e àquelas referentes aos postosde trabalho, que, da mesma forma, influem no fato de uns trabalhadores ganha-rem mais que outros. Para tanto, apoiamo-nos na Teoria do Capital Humano(TCH) e na Teoria da Segmentação do Mercado de Trabalho (TSMT), as quaisconformam nosso marco teórico e são apresentadas na seção 1. Na seção 2,descrevemos a metodologia adotada, que permitiu agrupar os gêneros indus-triais em função das características usualmente utilizadas em estudos sobredeterminação de rendimentos, bem como o instrumental econométrico utilizadopara alcançar nosso objetivo. A seção 3 contém a constatação empírica denossa hipótese: os retornos do investimento em capital humano não são iguais

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no mercado de trabalho da indústria de transformação da RMPA. Num determi-nado segmento da indústria, um indivíduo com certo stock de capital humanoobtém maiores retornos e, portanto, maiores salários que em outro segmento.Se não rechaçarmos essa hipótese, poderemos afirmar que não são só as ca-racterísticas pessoais produtivas que explicam a dispersão nos rendimentos,mas também a estrutura dual do mercado de trabalho contribui para essa disper-são. Por fim, na seção 4, apresentamos as considerações finais.

Tabela 1

Índices dos salários médios dos setores relativamente ao índice do salário médio da indústria de transformação, segundo a escolaridade,

na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2002

SALÁRIOS RELATIVOS

SETORES Com Ensino Fundamental

Com Ensino Médio

Têxtil ......................................................... 86,3 87,4

Alimentação .............................................. 105,3 106,9

Mobiliário e produtos de madeira ............. 88,6 80,4

Artefatos de borracha ............................... 130,4 113,2

Papel, papelão e cortiça ........................... 87,4 111,5

Gráficas .................................................... 94,2 89,4

Vidros, cristais e cerâmicas ...................... 101,0 99,4

Materiais de construção ............................ 76,6 121,5

Metalúrgica ............................................... 103,3 91,7

Mecânica .................................................. 113,5 95,8

Eletroeletrônica e transporte ..................... 100,2 101,0

Química e plásticos .................................. 97,5 114,4

Farmacêutica ............................................ 106,9 164,8

Vestuário e artefatos de tecido ................. 103,2 74,2

Calçados ................................................... 85,3 96,6

TOTAL ...................................................... 100,0 100,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA. NOTA: Salários relativos de homens, com idade DE entre 25 e 35 anos e com um tempo de permanência na atual ocupação de entre dois e cinco anos.

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1- Referencial teórico

A Teoria do Capital Humano, de origem neoclássica, apóia-se no comporta-mento maximizador de empregados e empregadores que participam do merca-do de trabalho, onde nenhum deles pode, por si só, influir nos salários, numasituação de concorrência perfeita. O processo competitivo, que nasce de umgrande número de decisões individuais guiadas pela “mão invisível”, é a base doprocesso de determinação dos salários. A análise parte do comportamento re-corrente dos salários: estes são maiores para as pessoas mais escolarizadas eexperientes e aumentam ao longo da vida de trabalho, primeiro, rapidamente, e,a seguir, a uma menor velocidade, até o momento em que começam a declinar.Além disso, observa-se que as pessoas jovens investem mais na aquisição deconhecimento que as pessoas mais velhas. Apoiados nessas regularidades,desenvolveram-se os modelos pioneiros do Ben-Porath (1967), Becker (1975) eMincer (1974), a partir dos quais continuam as investigações até hoje.

Esses modelos consideram que a acumulação de capital humano — cujoscomponentes observáveis mais importantes são a educação e a expe-riência — 2 é o principal determinante dos rendimentos individuais, da desigual-dade salarial e da distribuição da massa salarial. Partem da sistematização docomportamento de um indivíduo racional ao longo de sua vida, para tentar expli-car quando se adquire capital humano, quanto se adquire e quanto ganham ostrabalhadores. Em cada período, as pessoas devem decidir se dedicam seutempo ao trabalho ou à aquisição de capital humano. Os investimentos realiza-dos implicam um sacrifício ou um custo em troca de um benefício futuro. Obenefício de investir em uma unidade adicional de capital humano é igual aovalor presente do incremento nos ganhos, e o custo consiste nos gastos diretose nos ganhos que deixam de receber por se dedicarem a adquirir essa unidadeadicional de capital humano em vez de trabalhar.

A partir dessa análise, baseada no comportamento racional de um indiví-duo ao longo de sua vida, derivam-se os determinantes dos ganhos e as causasdas diferenças salariais dentro de uma amostra de indivíduos. A ferramentamais utilizada para analisar a influência do capital humano sobre os ganhos e adispersão salarial é a função minceriana de determinação dos rendimentos

2 O investimento em capital humano não só inclui a educação e o treinamento no trabalho.Também inclui os investimentos realizados em saúde, nutrição, migração e o ambientefamiliar durante os primeiros anos de vida. A característica comum desses investimentos éque todos aumentam a produtividade do indivíduo que os realiza (ou que os recebe, como nocaso do ambiente familiar), e, portanto, aumentam seus ganhos.

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individuais, proposta por Jacob Mincer (1974), que vem sendo amplamente uti-lizada como forma de verificação empírica da TCH.

A função salário de Mincer, que captou o perfil do salário-idade, é da forma:

lny = β0 + β1.s + β2. x + β3. x² + µ

onde y é a taxa de salário do trabalhador, s é o número de anos de estudo, xmostra o número de anos de experiência no mercado de trabalho, e x2 é o termoexperiência ao quadrado que captura a concavidade do perfil salário-idade.

O coeficiente de escolaridade significa a taxa de retorno da educação,e os coeficientes e , da experiência e da experiência ao quadrado,medem a importância do treinamento no trabalho3 e no estoque do capital huma-no do trabalhador.

Dessa maneira, é assumida uma taxa de retorno semelhante para todos osníveis de escolaridade (e de experiência) e para diferentes qualidades de esco-laridade (e de experiência). Segundo Willis (1986, apud Rabanal, 2001, p.17),atribui-se que cada ano de educação é homogêneo e que, a cada ano, todos ostrabalhadores investem a mesma fração de tempo em adquirir maiores habilida-des, o que significa que têm o mesmo padrão de investimento pós-educativo.

Assume-se que as taxas de retorno são semelhantes para todos os indiví-duos e que o benefício conseguido para cada ano adicional de escolaridade oude experiência não é influenciado por suas características pessoais. A impor-tância dos coeficientes dessa equação reside no fato de quantificarem o efeitodo stock de capital humano sobre os ganhos e sobre a distribuição dos rendi-mentos do trabalho. Da função de Mincer, pode-se concluir que, quanto maisaltas forem as taxas de retorno (ou maior a inclinação da linha cheia centralilustrada na Figura 1), maior será a diferença de rendimentos entre indivíduos,ou, em outras palavras, maior será a dispersão salarial originada nas diferentesquantidades de capital humano acumulado. Essas taxas, junto à diferença nadotação de capital humano, provocam as diferenças salariais.

β1

3 Como os censos da época não registraram dados de experiência dos trabalhadores, umatransformação da idade de cada trabalhador foi utilizada como uma proxy da sua experiên-cia. Mincer usou a transformação x = idade - s - 6, assumindo que o trabalhador entra naforça de trabalho logo depois de completar a sua educação e que a idade de conclusão daescola é s + 6. Essa transformação parte do pressuposto de que as pessoas iniciam suaeducação com a idade de sete anos.

β3 β2

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Figura 1

FONTE: RABANAL, Juanpedro Espino. Dispersión salarial, capital huma no y segmentación laboral en Lima. Lima: CIES, 2001. (Investigaciones BREVES, n.13). Disponível em: http://consorcio.org Acesso em: ago. 2003.

Comparação do perfil dos rendimentos entre as Teorias do Capital Humanoe da Segmentação do Mercado de Trabalho

Escolaridade e experiência

ln do rendimento (Y)

Segmento primário

Teoria do Capital Humano

Segmento secundário

ln YSP

ln Y TCH

ln Y SS

n

Antepondo-se à TCH, a Teoria da Segmentação do Mercado de Trabalhonasceu, na década de 60 do século XX, como uma resposta à teoria neoclássica,considerada incompleta e insuficiente para explicar a crescente dispersão sala-rial (apesar da gradual redução na desigualdade da educação), a persistência dapobreza e do desemprego, o fracasso das políticas de educação e de treina-mento, a discriminação no mercado de trabalho e o comportamento aparente-mente irracional e discriminador dos empregadores. Do mesmo modo, acusava--se a teoria neoclássica de não reconhecer como as forças sociais einstitucionais restringiam as opções dos trabalhadores, determinando os resul-tados no mercado de trabalho.

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Os trabalhos sobre a segmentação do mercado de trabalho, ao contrário daTCH, adotam uma análise centrada no desenvolvimento histórico e institucionaldo mercado de trabalho, sustentando que esses fatores são mais importantesque as forças de mercado. Também defendem que a lei de um só preço nãoprevalece nesse mercado, e, portanto, pessoas com as mesmas característi-cas produtivas podem ter salários diferentes, dependendo do segmento em queestejam alocadas. Existem dois segmentos: um primário, caracterizado porsalários relativos elevados, segurança no emprego, benefícios sociais, possibi-lidades de carreira e existência institucionalizada de processos de negociação;e um segmento secundário, caracterizado por baixos salários, elevadarotatividade dos trabalhadores, baixa qualificação, poucas esperanças de pro-moção e ausência de segurança no emprego.

De acordo com Lima4, os trabalhos sobre a teoria do mercado de trabalhosegmentado:

“(...) são tantos, e tão diversos os pontos de vista adotados, quetalvez não seja apropriado referirmo-nos a uma teoria do mercadosegmentado de trabalho; na verdade, os approaches teóricos utilizadospor aqueles que defendem a existência de segmentação são bastantevariados. Em geral, as diferenças de opinião derivam do fato de osautores enfatizarem distintas causas para o fenômeno dasegmentação, dando destaque àquelas mais de acordo com suasconvicções ideológicas e observações empíricas. Parece-nos, porém,que as principais linhas do pensamento dualista são antescomplementares que concorrentes” (Lima, 1980, p. 233).

A divergência fundamental entre a TCH e a TSMT pode ser visualizada naFigura 1. A hipótese da TCH defende uma única taxa de retorno para todos osníveis de escolaridade e de experiência no trabalho. Dessa forma, haveria umarelação média entre o capital humano e o rendimento no mercado de trabalho,conforme demonstrado pela linha cheia central.

Já para a TSMT, o mercado de trabalho segmentado é caracterizado porduas curvas de rendimento, uma das quais representa o segmento primário epossui um retorno à variável de capital humano significativamente superior àoutra. Pertencer a um determinado segmento é uma das causas que explicamas diferenças nos rendimentos. Duas pessoas com n unidades de capital huma-no podem ter diferentes rendimentos, ao se empregarem em diferentes segmen-tos. Além disso, se esses dois trabalhadores continuarem aumentando o seu

4 Lima (1980, p. 233) apresenta três correntes teóricas: (a) a de Doeringer e Piore; (b) a deGordon, Edwards e Reich; e (c) a de Bluestone, Harrison e Vietorisz.

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stock de capital humano, o incremento nos rendimentos será diferente, depen-dendo do segmento. Observa-se que o rendimento não cresce na mesma pro-porção com o aumento da quantidade de capital humano nos dois segmentos. Omaior crescimento ocorre no primário, e o papel do capital humano na determi-nação do rendimento no segmento secundário é mínimo, senão nulo.

2 - Metodologia

Vimos, na seção anterior, que a TCH argumenta que, quanto maior for aacumulação de escolaridade e de experiência no trabalho, maior será a produti-vidade dos trabalhadores e — como estes são pagos pela sua produtividademarginal —, por conseqüência, maiores rendimentos terão. O salário, taxa deretorno por unidade homogênea de capital humano investido, será igual paracada unidade homogênea de capital humano. Logo, trabalhadores com igual es-colaridade e experiência possuem um mesmo perfil de rendimentos em um úni-co mercado de trabalho. A existência desse mercado de trabalho foi ilustrada,na Figura 1, pela linha cheia central, onde todos os trabalhadores recebem amesma taxa de retorno por seus investimentos em capital humano. Esses retor-nos são determinados com base nos coeficientes de equações de rendimentosestimadas geralmente pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO).

Em oposição, a TSMT coloca que essa relação entre rendimentos e carac-terísticas pessoais produtivas é questionável e que ela pode se comportar demaneira diferente, conforme o segmento em que esteja o trabalhador. Para aTSMT, as diferenças são determinadas em cada segmento e intensificadas pelainteração entre as características dos indivíduos e as dos empregos que lhessão oferecidos. Trabalhadores com as mesmas características produtivas ga-nham rendimentos diferentes segundo o segmento a que pertencem. Essa rela-ção também foi ilustrada na Figura 1, representada pelas duas linhas tracejadas,onde o segmento primário estaria caracterizado pela linha superior, e o secundá-rio, pela linha inferior.

O objetivo desta seção é descrever a metodologia que permitiu testarmosa hipótese de que, em um mercado de trabalho competitivo, trabalhadores comiguais características ganham salários iguais e que pertencer a um determinadogênero industrial não afeta a determinação de salários. Nesse caso, considera-mos que os trabalhadores da indústria de transformação da RMPA teriam umúnico perfil de rendimento. Caso contrário, se fossem encontradas evidênciasde que, no mercado de trabalho da Região, pudessem existir duas funções derendimento, não poderíamos rechaçar a hipótese de que essa indústria de trans-formação pode possuir um mercado de trabalho segmentado.

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O método utilizado neste trabalho, com a amostra obtida da PED-RMPA,consiste em duas etapas: na primeira, agrupamos gêneros industriais em fun-ção das características comuns, utilizando a Análise de Grupos; na segundaetapa, estimamos funções de rendimentos através do método dos MínimosQuadrados Ordinários para cada agrupamento estabelecido do total da amostra,quando, então, testamos a hipótese de coeficientes iguais para as duas equa-ções de rendimento. Se essa hipótese for verdadeira, teremos evidências deapenas um perfil de rendimentos para o mercado de trabalho na indústria daRegião e não rechaçamos a hipótese de um mercado de trabalho único, deacordo com os pressupostos da TCH. Caso contrário, rejeitando a hipótese decoeficientes iguais para as duas regressões, poderemos aceitar a suposição deum mercado de trabalho segmentado.

Os dados utilizados na amostra foram retirados da PED-RMPA para o anode 2002. Analisamos 3.920 indivíduos ocupados (assalariados e autônomos) nosetor industrial, com rendimento mensal no trabalho principal diferente de zero.

2.1 - Análise de Grupos

Para a divisão dos gêneros industriais, utilizamos a Análise de Grupos ouClusters Analysis, uma técnica exploratória de análise multivariada, que permi-te agrupar sujeitos em grupos homogêneos ou compactos relativamente a umaou mais características comuns. Cada observação pertencente a um determi-nado grupo é similar a todas as outras pertencentes a esse grupo, e é diferentedas observações pertencentes aos outros grupos. Neste estudo, os agrupamen-tos dos gêneros industriais foram feitos a partir de medidas de semelhança(distância) entre, inicialmente, dois sujeitos e, mais tarde, entre dois grupos deobservações, usando técnicas hierárquicas de agrupamento.

A medida de similaridade utilizada foi a Distância Euclidiana, que é umamedida de dessemelhança métrica, que mede o comprimento da reta que uneduas observações num espaço p-dimensional. Para p-sujeitos, a DistânciaEuclidiana entre as variáveis i e j é dada por Jonhson e Wichern (2002):

( ) =−= ∑=

2

1

p

kijikij xxD ( ) ( ) ( )22

222

11 jpipjiji xxxxxx −++−+− K

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onde xik é o valor da variável k no sujeito i, e xjk é o valor da variável k para osujeito j. De igual modo, de forma matricial,

onde xi e xj representam os vetores p-dimensionais das observações corres-pondentes aos indivíduos i e j. A Distância Euclidiana será calculada a partir dasvariáveis padronizadas para que não ocorra influência da amplitude das variá-veis.

A técnica analítica utilizada para o agrupamento foi a do AgrupamentoHierárquico de Clusters, e o método de agrupamento utilizado foi o da MaiorDistância (farthest-neighbor)5.

Os gêneros industriais foram agrupados em função de uma estrutura demercado de trabalho dual — para contrastar com a TCH — definida pela divisãoem dois segmentos: um primário e outro secundário. Levamos em conta, parademarcar os postos de trabalho, características que contextualizam a dinâmicado processo de segmentação. Para diferenciar os postos de trabalho, emprega-mos as seguintes características: estabilidade versus instabilidade no emprego,a qualificação do trabalhador, os rendimentos, a existência ou não de direitostrabalhistas, o tamanho da empresa e a função exercida na mesma.

A combinação dessas características6 permitiu-nos elaborar uma classifi-cação sobre a segmentação do mercado de trabalho na indústria de transforma-ção da RMPA. As características utilizadas para o agrupamento dos gênerosindustriais foram: participação do número de assalariados com carteira de tra-balho assinada; participação do número de ocupados em empresas com maisde 500 empregados; participação do número de ocupados qualificados ligadosàs tarefas de execução; rendimento médio; tempo de permanência na atualocupação; e média do número de anos de estudos completos.

5 A escolha do método da Maior Distância justifica-se pelo fato de minimizar a distância entreclusters em cada passo e produzir clusters compactos.

6 É importante salientarmos que essas características não esgotam as variáveis correspon-dentes ao conceito de segmentação. Ficamos limitados às informações disponíveis na basede dados da PED-RMPA.

( ) ( )jijiij xxxxD −−= '

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2.2 - Equações de rendimento

Para verificarmos se um indivíduo, ao pertencer a um determinado seg-mento, terá influência na sua remuneração, estimamos equações de rendimentopelo método dos MQO, levando em conta, na sua forma funcional, variáveisreferentes às características pessoais produtivas e não produtivas e às carac-terísticas referentes aos postos de trabalho.

A metodologia-padrão de análise consiste na aplicação do instrumentaleconométrico sobre uma amostra em painel, tal como a maior parte dos estu-dos dessa natureza. Para analisar a formação do rendimento, consideramos oseguinte modelo:

cuja descrição das variáveis está no Quadro 1 do Apêndice.Foram construídos três modelos: o primeiro, para a amostra toda; e mais

um para cada grupo, quando utilizamos um teste para verificar a igualdade doscoeficientes das equações para cada agrupamento.

Para testar a suposição de que existem dois modelos de regressão comcoeficientes diferentes, consideramos a hipótese nula de que asregressões são idênticas (confirmando a hipótese da TCH) contra a rejeiçãodessa hipótese , quando se teriam duas regressões comdiferentes parâmetros, confirmando a hipótese da TSMT.

Para realizar esse procedimento, utilizamos o método dos Mínimos Qua-drados Restritos, que consiste em comparar a soma dos quadrados dos errosde uma regressão múltipla não restrita com a soma dos quadrados dos erros deum modelo de regressão em que se supõe verdadeira a hipótese nula.

Sendo SQER a soma restrita de quadrados de erros no modelo quesupõe verdadeira a hipótese nula e SQEU a soma não restrita de quadradosde erros do modelo cujos parâmetros estamos testando, considerando que

lny = β0 + β1 s + β2 x + β3. a +β4 a² + β5 s.a + β6 sexo + β7 cor +

β8 chefe + β9.cônjuge + β10.poc1 + β11 poc2 + β12 tam1 +

β13.tam2 + β14 tam3 +β15 tam4 + β16 dir + β17 quali + β18

semiqual + β19.servop + β20 servesc + µ (1)

(H0: β = 0)

(H1: β ≠ 0)

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Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

SQER - SQEU > 0 e denotando J o número de hipóteses, a estatística Fdo teste é

Se a hipótese nula for verdadeira, a estatística F tem distribuição F com Jgraus de liberdade no numerador e T - K graus de liberdade no denominador. Sea hipótese nula não for verdadeira, então a diferença entre SQER e SQEUse torna grande, o que implica que as restrições impostas ao modelo pela hipó-tese nula têm efeito considerável sobre a capacidade de o modelo se ajustaraos dados, e o valor de F tende a ser muito grande. Dessa forma, a hipótesenula será rejeitada se a estatística do teste F for superior ao valor crítico Fccom J e T - K graus de liberdade.

Para obtermos o SQEU, a amostra com T observações será dividida emduas partes. A primeira, constituída por t1 observações correspondentes aoGrupo I, na qual a soma dos quadrados dos resíduos da estimação será chama-da de SQEt1; e para as t2 observações correspondentes ao Grupo II, a somados quadrados dos resíduos da estimação será chamada de SQEt2. Então, asoma não restrita de quadrados de resíduos SQEU é igual a SQEt1 + SQEt2. Onúmero de graus de liberdade será a soma do número de graus de liberdade emcada regressão individual, isto é, (t1 - k) + (t2- k) = T - 2k.

Para testarmos a hipótese de que existem dois modelos de regressõesdiferentes, um para cada grupo, assumimos a hipótese nula de que as regres-sões para cada agrupamento são idênticas e verificamos se podemos rejeitaressa hipótese. Considerando os modelos de regressão para cada grupo:

Grupo I (2)lnypi = δ1 + δ1 X2i + δ3X3i + ....+ δk Xki + µ

Grupo II (3)lnysj = α1 + α2 X2j + α3 X3j + ....+ αkXkj + µj

Na primeira equação, as variáveis estão subscritas com i, simbolizando asobservações que vão de 1, 2, ..... até t1, e, na segunda equação, j simboliza as1, 2, .... até t2 observações. Ao estimarmos o modelo (1) para cada grupo econsiderarmos que nenhuma restrição tenha sido estabelecida para osparâmetros, podemos calcular a soma não restrita de quadrados de resíduoscomo sendo a soma dos quadrados dos resíduos das duas equaçõesindividuais. O número de graus da liberdade é a soma do número de graus daliberdade em cada regressão individual.

( )( )KTSQE

JSQESQEFU

UR

−−

=/

/

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(4)

Assumindo, então, que a hipótese nula é verdadeira, isto é, o modelo de regressãopode ser escrito como uma única equação:δ1 = α1, δ2 = α2,..., δk = αk, e Var(µi) = Var(µj),

lny = β1 + β2 X2i + β3X3i + ....+ βk Xki + µi

onde o subscrito i significa, agora, o total das T observações (t1 + t2). Estimamosa equação (4) e calculamos SQER. Se a hipótese nula for verdadeira, as restri-ções não violarão o poder explicativo do modelo, e SQER não será muito maiorque SQEU. O teste F foi utilizado para verificarmos se a diferença entre as duassomas dos quadrados dos erros é significante. Existindo (t1 + t2) - 2k graus daliberdade na regressão irrestrita e existindo k restrições, a estatística F apropri-ada é:

Se a estatística F for maior que o valor crítico da distribuição F com k eT - 2k graus da liberdade, podemos rejeitar a hipótese nula. O significado darejeição implica que duas regressões separadas devem ser estimadas: as t1 e t2

observações não podem ser agrupadas. Em outras palavras, seF(k, T - 2k) < Fcrítico, nós aceitamos a hipótese nula e podemos admitir ospressupostos da TCH de um único mercado de trabalho para a indústria detransformação na RMPA. Caso contrário, se F(k,T - 2k) > Fcrítico, nós rejeita-mos a hipótese nula e podemos acordar com um mercado de trabalho segmen-tado na RMPA.

3 - Resultados empíricos

A análise de agrupamento possibilitou reunir os 15 gêneros industriais emdois segmentos, utilizando algumas características7 que demarcam os postosde trabalho segundo a TSMT. A Tabela 1 do Apêndice mostra as seis caracterís-ticas, assim como os valores correspondentes para cada gênero industrial naRMPA. Os valores foram padronizados levando em consideração um intervalode -1 a 1. A padronização foi feita dividindo cada valor pelo seus respectivos

7 Observa-se que o número de características fica limitado à disponibilidade de dados da PED.Não foram consideradas características importantes, como a mobilidade do trabalhadorentre segmentos, nem o grau de sindicalização.

( )( )( )

( ) ( )kTSQESQEkSQESQESQEF

tt

ttRkTk 2/

/

21

212, −+

+−=−

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Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

intervalos. Para esse procedimento, utilizamos a opção do software SPSS8.0: Range -1 to 1.

A utilização do método hierárquico da Maior Distância (farthest-neighbor)permitiu produzir clusters compactos. Aplicando aos dados da Tabela 1 do Apên-dice o software SPSS 8.0 for windows, tem-se o resultado da constituição decada agrupamento apresentado na Tabela 2, bem como o dendograma ilustradona Figura 2, que representa graficamente o esquema de aglomeração.

Tabela 2

Setores industriais participantes dos grupos selecionados na RMPA — 2002

SETORES GRUPOS

Têxtil ..................................................................... 1

Alimentação .......................................................... 1

Mobiliário e produtos de madeira .......................... 1

Artefatos de borracha ........................................... 2

Papel, papelão e cortiça ....................................... 2

Gráficas ................................................................. 1

Vidros, cristais e cerâmicas .................................. 1

Materiais de construção ........................................ 1

Metalúrgica ........................................................... 1

Mecânica ............................................................... 2

Eletroeletrônica e transporte ................................. 2

Química e plásticos ............................................... 2

Farmacêutica ........................................................ 2

Vestuário e artefatos de tecido ............................. 1

Calçados ............................................................... 1

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA, a partir do SPSS 8.0.

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Figura 2

Dendorama

* * * H I E R A R C H I C A L C L U S T E R A N A L Y S I S * * * Dendrogram using Complete Linkage Rescaled Distance Cluster Combine C A S E 0 5 10 15 20 25 Label Num +---------+---------+---------+---------+---------+ MOBIL 3 -+-----------------------------------+ VESTU 14 -+ I TEXTIL 1 -----+---+ +-----------+ ALIMENT 2 -----+ +---------+ I I CALC 15 ---------+ I I I VIDROS 7 -+---+ +-----------------+ I METAL 9 -+ +-----+ I I CONSTR 8 -----+ +-------+ I GRAF 6 -----------+ I BORRAC 4 -+-------+ I PAPEL 5 -+ +-----------------+ I MECAN 10 ---+-----+ +---------------------+ QUIM 12 ---+ I ELETRO 11 ---------------+-----------+ FARMAC 13 ---------------+

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA, a partir do SPSS 8.0.

Para verificarmos se a participação de um trabalhador em determinadosegmento influencia a determinação de seu rendimento, utilizamos a amostracom os dados da PED-RMPA referente ao ano de 2002, que foi composta por3.920 trabalhadores, sendo 882 pertencentes ao Grupo I e 3.038 pertencentesao Grupo II. A Tabela 2 do Apêndice apresenta os valores médios para asvariáveis consideradas neste estudo.

Para testarmos qual das duas teorias se adapta melhor ao mercado detrabalho da indústria de transformação da RMPA, estimamos uma regressãopara cada um dos dois grupos dos gêneros industriais e mais uma para a amos-tra total. Separando a amostra conforme o resultado da Análise de Grupos,podemos testar se, no mercado de trabalho da indústria de transformação daRMPA, existe somente uma (hipótese da TCH) ou duas (hipótese da TSMT)equações de rendimentos. A separação em grupos será válida, se os parâmetros

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Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

das regressões e as variâncias dos termos de erro forem diferentes para cadaum dos grupos.

Assim sendo, utilizando o modelo (1), foram obtidas duas regressões, umapara cada agrupamento e mais uma para a amostra total, que estão representa-das nas Tabelas 3, 4 e 5 do Apêndice.

Os resultados contidos nas Tabelas 4 e 5 permitem afirmar que, para aanálise com dados em painel, o poder de explicação das regressões se mostrourazoavelmente elevado, na medida em que o R2, para o Grupo I, foi de 0,65 e,para o Grupo II, de 0,54. Os testes F também foram satisfatórios. Quase todosos coeficientes apresentaram sinais esperados; apenas o da variável poc2 re-velou baixo nível de significância para o Grupo II. Para o Grupo I, os coeficien-tes com baixos níveis de significância foram os das variáveis: poc1, semiqual,servop e servesc. Mesmo assim, essas variáveis foram mantidas, para que sepudesse alcançar uma homogeneização analítica, utilizando-as nas duas re-gressões, permitindo, com isso, uma maior comparabilidade entre os resulta-dos.

Para testarmos a suposição de que existem dois modelos de regressãodiferentes para cada um dos clusters, consideramos a hipótese nula deque as regressões são idênticas ,confirmando a hipótese da TCH, contra a hipótese alternativa quando teríamos duas regres-sões com diferentes parâmetros, confirmando a hipótese da TSMT.

Para realizar esse procedimento, utilizamos o método dos Mínimos Qua-drados Restritos, cuja estatística F do teste e o respectivo cálculo foram:

(H0: δ1 = α1, δ2 = α2, δ3 = α3, ..., δk = αk,)

(H1: δ1 ≠ α1, δ2 ≠ α2, δ3 ≠ α3, ..., δk ≠ αk,),

( )( )( ) ( )

( )( )( ) ( ) 26,5

)212(3920/39,17133,57821/39,17133,57809,771

2//

21

21 =−+

+−=

−++−

=xKTSQESQE

JSQESQESQEF R

Comparando o valor do F calculado com o valor crítico da distribuiçãoF(13, 3864) e constatando que Fcalculado > Fcrítico, podemos rejeitar a hipótesenula, ou seja, a hipótese de que as funções de rendimentos para os Grupos I eII são idênticas ao nível de significância de 1%. Os resultados encontradosindicaram que existem evidências de segmentação nesse mercado de trabalho.Foi possível isolarmos um segmento primário, que representou cerca de umterço da amostra, e um segmento secundário, de expressiva proporção, querepresentou mais de dois terços.

Os resultados das Tabelas 4 e 5 do Apêndice mostram que os retornos daescolaridade foram de 11,7% para o segmento primário e de 6,6% para o secun-dário. Relativamente às características não produtivas, constatamos que o tra-balhador do sexo masculino ganha, em média, mais do que o feminino tanto no

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8 A diferença de rendimento é determinada pelo antilog (na base e) do coeficiente da variávelbinária e subtraindo 1.

9 Consideramos, para o cálculo, os resultados das médias para escolaridade e experiênciaanterior à atual ocupação (8,3 e 14,6 anos respectivamente). O perfil do indivíduo utilizadofoi: homem, branco, chefe de domicílio, assalariado com registro em carteira, empregado emempresa com 500 ou mais trabalhadores e qualificado ligado a tarefas de execução.

Perfis dos rendimentos mensais, por idade dos trabalhadores, dos segmentosprimário e secundário da indústria de transformação da RMPA — 2002

Gráfico 1

segmento primário (27,7%) como no secundário (29,9%);8 e, em relação à cor,os trabalhadores brancos ganham mais 14,9% que os não brancos no segmentoprimário, e, no secundário, a diferença foi de 12,8%.

Os coeficientes estimados referentes às características dos postos detrabalho também foram significativos na determinação dos rendimentos, confor-me os resultados obtidos e demonstrados nas Tabelas 4 e 5 do Apêndice. Osperfis dos rendimentos por idade9 obtidos através das regressões constantesnessas tabelas estão representados no Gráfico 1. Nele, constatamos uma linhamais côncava para o segmento primário e que o valor máximo do rendimento(R$ 1.957,00) ocorre aos 54 anos de idade, e, no segmento primário, o valormáximo (R$ 1.626,00) é obtido aos 60 anos de idade.

500,00

700,00

900,00

1 100,00

1 300,00

1 500,00

1 700,00

1 900,00

29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65

FONTE: Tabelas 2 e 3 do Apêndice.

Segmento secundário

Segmento primário

(R$)

(anos)00

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Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

Os resultados encontrados indicam evidências de um mercado de trabalhosegmentado na indústria de transformação da RMPA, pois conseguimos com-provar uma das hipóteses da TSMT: um segmento da indústria outorga maioresretornos aos investimentos direcionados à acumulação de capital humano.

Através da Análise de Grupos, foi possível isolarmos um segmento secun-dário de expressiva proporção, que representa 77,5% da força de trabalho daindústria de transformação da Região Metropolitana de Porto Alegre, e um seg-mento primário, com 22,5% de participação. O primeiro foi composto de gruposde gêneros industriais usualmente classificados como indústrias tradicionais,que pagam menores remunerações e empregam trabalhadores menosescolarizados, e o segundo grupo, composto por indústrias dinâmicas, que pa-gam relativamente melhor e empregam trabalhadores mais escolarizados.

Confirmamos, mais uma vez, a relação positiva entre capital humano erendimentos. Ganham mais os mais escolarizados e os que têm maior experiên-cia no trabalho. Essas características individuais fazem com que a mão-de-obraseja heterogênea e que os ganhos sejam diferentes entre um trabalhador e ou-tro; ou seja, explicam as diferenças nas remunerações. Porém comprovamosque a heterogeneidade da mão-de-obra em relação ao stock de capital humanoacumulado não é o único fator relevante para explicar as diferenças de rendi-mentos entre indivíduos. O segmento industrial onde trabalham também é im-portante. A divisão por gêneros industriais revelou-nos algo importante: o efeitoda educação formal e da experiência no trabalho sobre os ganhos não équantitativamente similar em todo o mercado de trabalho. Se, dentro deste, dis-tinguimos um setor tradicional e um setor moderno, vemos que a relação émaior neste último setor. Um ano adicional de educação marca uma diferençamaior com relação ao menos escolarizado. Dessa maneira, duas pessoas nãoganharão o mesmo, apesar de possuírem o mesmo grau de instrução e expe-riência, e, portanto, a existência de segmentação no mercado de trabalho é umacausa adicional — distinta das características pessoais — de dispersão salari-al. Encontramos um retorno da escolaridade de 11,7% para os trabalhadores dosegmento primário e de 6,6% para os do segmento secundário. Isso implicaque, no segmento primário, existe uma maior dispersão de rendimentos origina-da pelo nível de educação, enquanto, no segmento secundário, verificamos umperfil mais plano com respeito à escolaridade.

Além disso, foi possível constatarmos que, afora as variáveis relativas aocapital humano, as características pessoais não produtivas e as característicasreferentes à ocupação também influem na dispersão de rendimentos dentro decada segmento. Considerando os coeficientes das variáveis referentes às ca-racterísticas pessoais, detectamos discriminação de gênero e raça em ambosos segmentos.

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Outro ponto a ser destacado é o fato de que o coeficiente de determinaçãofoi maior para a equação de rendimentos do segmento primário comparativa-mente ao do secundário. No segmento primário, 65% da variabilidade dos rendi-mentos dos trabalhadores foi explicada pelo modelo, e, no secundário, o poderde explicação foi de 54%.

Por último, faremos algumas considerações sobre as duas teorias utiliza-das como referencial teórico e que tentam explicar a determinação dos rendi-mentos no mercado de trabalho.

Em primeiro lugar, o foco da análise é diferente em cada teoria. A TCHcentra sua análise nos indivíduos e em suas características, e a TSMT enfatizao grupo social, assim como as características das empresas e dos postos queocupam os trabalhadores, e, conseqüentemente, os resultados do mercado detrabalho — emprego e rendimento — não são inteiramente de responsabilidadedo trabalhador. Se o indivíduo ganha pouco, não é necessariamente porqueacumulou pouco capital humano, mas, sim, porque a empresa em que trabalhatem certas características (tecnológicas ou institucionais) que condicionam asremunerações. Aí onde a teoria neoclássica vê um indivíduo livre, a dasegmentação vê um indivíduo limitado por seu entorno e por suascircunstâncias.

Em segundo lugar, a teoria neoclássica considera que a competência pro-move a eficiência no mercado de trabalho. Já a TSMT pensa que tal fato nãoacontece, porque as forças sociais, históricas e institucionais são mais fortes.Essa diferença leva cada teoria a expor recomendações que apontam diferen-tes direções. A TCH recomenda modificar o indivíduo, aumentando seu stock decapital humano e sua informação sobre o mercado; e, quanto ao mercado, indicaque deverá funcionar sem nenhuma interferência. Para a TSMT, ao contrário, arecomendação seria a de influir sobre as instituições e sobre as empresas.

Para concluir, assinalamos que nenhuma das duas teorias explica o níveldos rendimentos, mas, sim, o diferencial entre indivíduos com menor ou maiorstock de capital humano ou entre indivíduos que se localizam em um ou emoutro segmento. Apesar dos problemas na divisão dos segmentos, pelo fato dea base de dados não informar sobre algumas características pessoais e domercado de trabalho utilizadas pelas duas teorias, consideramos que é preferí-vel distinguir dois segmentos a assumir um mercado competitivo com empre-sas homogêneas. A realidade do mercado de trabalho na indústria de transfor-mação da RMPA merece a incorporação teórica e empírica de segmentos dife-renciados, onde o segmento primário é o setor moderno, avançado em termosde tecnologia e de produtividade.

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Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

Apêndice Quadro 1

Descrição das variáveis utilizadas na estimação

Variáveis Descrição da variável

lny logaritmo do rendimento mensal recebido na ocupação principal (valores mensais padronizados para uma jornada média semanal de 44 horas)

Características produtivas s número de anos de estudos completos x número de anos de experiência antes da ocupação atual a número de anos na atual ocupação a2 número de anos na atual ocupação ao quadrado s.a termo interativo entre o número de anos de estudos completos e

o tempo de permanência na atual ocupação Características não produtivas

sexo variável binária para o sexo (masculino = 1; feminino = 0) cor variável binária para a cor (branca = 1; não branco = 0) chefe variável binária para a posição no domicílio (chefe do domicílio

em que reside = 1; caso contrário = 0) Características referentes à ocupação

poc1 (1) variável binária para a posição na ocupação (assalariado com carteira assinada = 1; caso contrário = 0)

poc2 (2) variável binária para a posição na ocupação (autônomo = 1; caso contrário = 0)

tam1 (2) variável binária para o tamanho da empresa (empresas com 10 a 49 empregados = 1; caso contrário = 0)

tam2 (2) variável binária para o tamanho da empresa (empresas com 50 a 99 empregados = 1; caso contrário = 0)

tam3 (2) variável binária para o tamanho da empresa (empresas com 100 a 499 empregados = 1; caso contrário = 0)

tam4 (2) variável binária para o tamanho da empresa (empresas com 500 e mais empregados = 1; caso contrário = 0)

dir (3) variável binária para a função no trabalho principal (direção, gerência, planejamento = 1; caso contrário = 0)

quali (3) variável binária para a função na ocupação (ligado à execução qualificado = 1; caso contrário = 0)

semi-quali (3) variável binária para a função na ocupação (ligado à execução semiqualificado = 1; caso contrário = 0)

servop (3) variável binária para a função na ocupação (ligado ao apoio em serviços operacionais = 1; caso contrário = 0)

servesc (3) variável binária para a função na ocupação (ligado ao apoio em serviços de escritório = 1; caso contrário = 0)

(1) O grupo de base são os ocupados sem registro na carteira de trabalho. (2) O grupo de base são os indivíduos ocupados nas empresas com até nove empregados. (3) O grupo de base são os ocupados ligados à execução não qualificados e a serviços gerais.

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Tabela 1

Características dos gêneros industriais na RMPA — 2002

GÊNEROS

PARTICIPAÇÃO DO NÚMERO DE

OCUPADOS COM REGISTRO EM CARTEIRA

(%)

PARTICIPAÇÃO DO NÚMERO DE OCUPADOS EM

EMPRESAS COM MAIS DE 500

EMPREGADOS (%)

RENDIMENTO MÉDIO

(R$)

Têxtil ............................ 84,9 43,4 644

Alimentação ................. 84,8 42,2 963

Mobiliário e produtos de madeira ........................ 53,3 4,0 758

Artefatos de borracha .. 90,2 42,7 1 069

Papel, papelão e cor-tiça ............................... 88,9 29,1 1 079

Gráficas ........................ 68,6 18,9 925

Vidros, cristais e cerâ-micas ............................ 80,3 21,3 793

Materiais de construção 69,8 14,3 745

Metalúrgica .................. 76,7 23,2 954

Mecânica ..................... 87,5 39,2 1 072

Eletroeletrônica e trans-porte ............................. 87,4 26,6 1 036

Química e plástico ....... 84,8 24,5 1 129

Farmacêutica ............... 86,0 16,3 1 387

Vestuário e artefatos de tecido ........................... 53,0 3,4 620

Calçados ...................... 79,2 39,9 572

(continua)

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Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

Tabela 1

Características dos gêneros industriais na RMPA — 2002

GÊNEROS

NÚMERO MÉDIO DE ANOS DE

ESTUDOS COMPLETOS

TEMPO MÉDIO DE

PERMANÊNCIA NA ATUAL OCUPAÇÃO

(anos)

PARTICIPAÇÃO DO NÚMERO

DE OCUPADOS QUALIFICADOS NA EXECUÇÃO

(%)

Têxtil ............................ 8,6 4,9 6,6

Alimentação ................. 9,3 3,6 6,6

Mobiliário e produtos de madeira ........................ 7,5 4,8 4,4

Artefatos de borracha .. 8,3 6,5 9,8

Papel, papelão e cortiça .......................... 8,8 6,2 51,3

Gráficas ........................ 9,7 4,6 48,6

Vidros, cristais e cerâmicas ..................... 7,7 5,5 44,3

Materiais de construção 7,6 4,7 58,7

Metalúrgica .................. 8,6 5,6 59,8

Mecânica ..................... 9,6 4,7 57,9

Eletroeletrônica e trans-porte ............................. 10,4 4,0 51,4

Química e plástico ....... 9,2 5,0 33,0

Farmacêutica ............... 11,3 4,4 39,5

Vestuário e artefatos de tecido ........................... 7,7 4,6 59,8

Calçados ...................... 6,7 3,5 11,2

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA.

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Tabela 2

Caracterização do total da amostra e dos Grupos I e II na RMPA — 2002

TOTAL DA AMOSTRA

GRUPO I

GRUPO II VARIÁVEIS

Média Desvio Padrão

Média Desvio Padrão

Média Desvio Padrão

Lny ……... 6,484 0,695 6,797 0,757 6,394 0,648

s ……….... 8,249 3,389 9,774 3,269 7,806 3,294

x ……..…. 14,684 11,506 12,590 10,313 15,292 11,762

x² .............. 347,972 453,780 264,728 365,261 372,140 473,729

a ............... 4,559 5,513 5,160 5,677 4,385 5,454

a² .............. 51,177 117,043 58,813 116,094 48,960 117,243

s.a ............ 39,087 55,644 51,133 64,549 35,590 52,273

sexo ............. 0,661 0,473 0,763 0,425 0,632 0,482

cor ................ 0,937 0,243 0,950 0,218 0,934 0,249

chefe ............ 0,517 0,500 0,580 0,494 0,499 0,500

cônjuge ........ 0,196 0,397 0,126 0,332 0,216 0,412

poc1 ......... 0,854 0,353 0,956 0,206 0,825 0,380

poc2 ......... 0,068 0,252 0,017 0,129 0,083 0,276

tam1 ......... 0,181 0,385 0,183 0,387 0,181 0,385

tam2 ......... 0,096 0,294 0,078 0,269 0,101 0,301

tam3 ......... 0,233 0,423 0,307 0,462 0,212 0,409

tam4 ......... 0,344 0,475 0,381 0,486 0,334 0,472

dir ............. 0,083 0,277 0,138 0,345 0,067 0,251

quali ......... 0,102 0,303 0,188 0,391 0,077 0,267

semiqual ... 0,388 0,487 0,375 0,484 0,392 0,488

servop ....... 0,077 0,267 0,105 0,307 0,069 0,254

servesc ..... 0,031 0,174 0,050 0,218 0,026 0,158

Número .... 3 920 - 882 - 3 038 -

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA.

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Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

Tabela 3

Resultados da estimativa da equação para a amostra total no RMPA — 2002

VARIÁVEIS COEFICIENTES t p

c ............................ 4,739188 93,33841 0,0000

s ............................ 0,076915 19,43872 0,0000

x ............................ 0,008269 8,807795 0,0000

a ............................ 0,031946 7,334322 0,0000

a² ........................... -0,000835 -4,929514 0,0000

s.a ......................... 0,002132 5,944135 0,0000 sexo ............................. 0,270880 12,99093 0,0000 cor ............................... 0,129241 4,957420 0,0000 chefe ............................ 0,227348 11,06559 0,0000 cônjuge ........................ 0,190211 7,625586 0,0000

poc1 ...................... 0,032701 1,270569 0,2040

poc2 ...................... 0,038484 0,886065 0,3756

tam1 ...................... 0,093548 3,516866 0,0004

tam2 ...................... 0,161399 5,089362 0,0000

tam3 ...................... 0,126803 4,821730 0,0000

tam4 ...................... 0,227276 8,540065 0,0000

dir ......................... 0,679307 18,42827 0,0000

quali ...................... 0,349563 11,73062 0,0000

semiqual ................ 0,176736 9,490260 0,0000

servop .................... 0,092764 3,353081 0,0008

servesc .................. 0,288404 6,685401 0,0000

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA, a partir do Eviews 3.1. NOTA: R² = 0,592351;

2R = 0,590260; SQR = 771,0947; F = 283,2806; P = 0,000000; N = 3.920.

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André Luiz Leite Chaves

Tabela 4

Resultados da estimativa da equação para o Cluster I na RMPA — 2002

VARIÁVEIS COEFICIENTES t p

c ............................ 4,564460 34,65010 0,0000

s ............................ 0,116790 13,18047 0,0000

x ............................ 0,015624 7,438781 0,0000

a ............................ 0,056931 5,517145 0,0000

a² .......................... -0,001317 -3,270809 0,0011

s.a ......................... 0,001440 1,967233 0,0495

sexo ............................ 0,244152 4,820015 0,0000 cor ............................... 0,139239 2,389775 0,0171 chefe ........................... 0,180264 4,207172 0,0000 cônjuge ....................... 0,121369 1,981369 0,0479

poc1 ...................... -0,207485 -2,745643 0,0062

poc2 ...................... 0,071138 0,702333 0,4827

tam1 ...................... 0,137160 2,192124 0,0286

tam2 ...................... 0,207742 2,867598 0,0042

tam3 ...................... 0,193450 3,209577 0,0014

tam4 ...................... 0,381475 6,124231 0,0000

dir ......................... 0,444425 6,602691 0,0000

quali ..................... 0,196285 3,503646 0,0005

semiqual ............... 0,045989 1,060834 0,2891

servop ................... -0,042874 -0,796599 0,4259

servesc .................. 0,107351 1,537551 0,1245

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA, a partir do Eviews 3.1.

NOTA: R² = 0,660431; 2R = 0,652543; SQR = 171,3934; F = 83,72821;

P = 0,000000; N = 3.920.

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Diferenciais dos rendimentos do trabalho na indústria de transformação...

Tabela 5

Resultados da estimativa da equação para o Cluster II na RMPA — 2002

VARIÁVEIS COEFICIENTES t p

c ………………….………. 4,843346 86,19640 0,0000

s ...................................... 0,065509 14,82866 0,0000

x ...................................... 0,005976 5,801039 0,0000

a ..................................... 0,027798 5,810026 0,0000

a² .................................... -0,000692 -3,718214 0,0002

s.a .................................. 0,001930 4,665173 0,0000

d ..................................... 0,261552 11,43762 0,0000

sexo ................................ 0,120031 4,175523 0,0000 cor ................................... 0,237429 10,32026 0,0000 chefe ............................... 0,204349 7,574825 0,0000 cônjuge ........................... 0,064024 2,318467 0,0205

poc1 .............................. 0,060965 1,338335 0,1809

poc2 .............................. 0,094309 3,257338 0,0011

tam1 .............................. 0,159511 4,589678 0,0000

tam2 .............................. 0,117934 4,047639 0,0001

tam3 .............................. 0,187000 6,401572 0,0000

tam4 .............................. 0,717136 16,00804 0,0000

dir .................................. 0,366291 10,09909 0,0000

quali .............................. 0,202151 9,690840 0,0000

semiqual ...................... 0,127012 3,837176 0,0001

servop .......................... 0,309048 5,361050 0,0000

FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA, a partir do Eviews 3.1.

NOTA: R² = 0.546705; = 0.543700; SQR = 578.3254; F = 181.9354; P = 0.000000; N = 3.082.

2R

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Orçamento Participativo: eqüidade e formação de interesses públicos

Orçamento Participativo: eqüidadee formação de interesses públicos

Carlos Alberto Bello Doutor em Sociologia pela USP, Pesquisador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) da FFLCH-USP, Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e do Departamento de Economia da Unesp (Campus Araraquara).

ResumoO Orçamento Participativo é uma inovação política institucionalizada atravésde certas regras de discussão, deliberação e distribuição de recursos públicos.Analisando as experiências de Porto Alegre e São Paulo, o artigo examina otratamento de temas como a eqüidade e a formação de interesses públicos nasassembléias territoriais e nas plenárias temáticas. Diversas questões comple-xas são discutidas, propiciando avaliações dos procedimentos institucionais ea elaboração de sugestões para mudanças e aperfeiçoamentos.

Palavras-chaveOrçamento Participativo; eqüidade; interesse público.

AbstractThe Participatory Budget is a political innovation institutionalized by certain rulesof discussion, deliberation and distribution of public resources. Analysing theexperiences of Porto Alegre and São Paulo, the article examines the treatmentof themes like equity and public interest’s formation in the territorial assemblagesand in the thematic plenaries. Several complexes issues are discussed, providingevaluations of the institutional procedures and the elaboration of suggestions forchanges and improvements.

Artigo recebido em 17 fev. 2005.

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Carlos Alberto Bello

O Orçamento Participativo (OP) é uma inovação política, cuja principalcaracterística é propiciar à população certa capacidade de decisão sobre adestinação de recursos públicos. Nas experiências de Porto Alegre e São Paulo,houve a decisão de se institucionalizarem critérios de distribuição de recursosentre as regiões da cidade, nas Assembléias Territoriais, e de se discutiremprogramas voltados à cidade nas Plenárias Temáticas.1 O artigo busca analisaras regras que parametrizam essas duas dinâmicas institucionais, para discutirde que forma e em que medida tais regras contemplam, de um lado, dimensõesde eqüidade e, de outro, a perspectiva de propiciar a formação de interessespúblicos, contribuindo, assim, para o avanço da cultura política democráticada população.

1 - Critérios de distribuição dos recursos

Em sociedades nas quais existem tantas e tão variadas desigualdades(sociais, econômicas, culturais, étnicas e de gênero, dentre outras), a eqüidade,entendida enquanto igualdade de direito de cada um, conforme julgamentoscoletivos do que se considera justo, deveria ser o critério orientador mais valori-zado para as ações públicas, ao contrário da universalidade, que propõe benefi-ciar igualmente cidadãos altamente desiguais. Por outro lado, as desigualdadese as carências são tão pronunciadas que tornam múltiplas as possibilidades dese construírem critérios de avaliação pautados pela eqüidade.

Constatando ser inviável elaborar um plano de investimentos capaz deminimizar as iniqüidades, inclusive no médio prazo, faz sentido pensar-se naformação de consensos acerca de quais iniqüidades devem ser tratadasprioritariamente e com que intensidade, umas frente às outras. A participaçãoda população em debates públicos pode resultar na apuração de quais iniqüidadessão percebidas como mais injustas, contribuindo para a formação de interessespúblicos, que poderiam avançar até abarcar um amplo conjunto de políticaspúblicas. Dessa forma, combinar critérios de eqüidade e de participação seriauma boa maneira de se implementarem métodos de distribuição pautados pelaeqüidade, dadas a multiplicidade e a intensidade das iniqüidades existentes.

1 No caso de Porto Alegre, as informações foram obtidas em Fedozzi (1997), Souza (1997) eBaierle (2002). Para São Paulo, a fonte é a Prefeitura de São Paulo (São Paulo, 2001/2003).

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Orçamento Participativo: eqüidade e formação de interesses públicos

1.1- Participação popular

Cabe iniciar avaliando-se como a participação popular poderia ser inseridacomo critério de distribuição. É necessário partir-se do fato de que, num contex-to de elevadas carências frente a limitados recursos, qualquer processo de seleçãode prioridades, por mais justo e democrático que seja, deixará de contemplardemandas não só legítimas como também prementes. Esse mesmo contextotende, ainda, a dificultar posturas altruístas, tais como o reconhecimento de queuma maior necessidade de uma determinada obra ou serviço justificaria abrirmão de uma demanda menos urgente.

Isso não quer dizer que os processos participativos não possam alcançaruma dinâmica de interlocução que propicie uma ampla emergência de posturasaltruístas. O que é preciso ter claro é que a constituição de uma tal dinâmicaleva tempo, devido não só às enormes carências e às múltiplas demandas quemovem os agentes desses processos, como também à exigência de mudançasna cultura política da população, dada a longa história de governantes poucoafeitos a estimular a participação e a discussão política dos cidadãos. Essanecessidade é mais premente na Cidade de São Paulo, uma vez que suadinâmica política, na última década — os oito anos dos Governos Maluf e Pitta(1992-00), os nove anos dos Governos Covas e Alckmin (1994-03) e os oito anosdo Governo Cardoso (1994-02) —, desestimulou acentuadamente a mobilizaçãoe a participação da sociedade civil nos assuntos públicos.

Apesar de os sucessivos governos petistas, em Porto Alegre, terem fomen-tado a participação da sociedade civil, ainda assim parece estar um pouco dis-tante a consolidação de uma cultura política que possa ser entendida comocapacidade e disposição para a constituição de interesses públicos através deprocessos democráticos de persuasão e de convencimento. Um indicador des-sa situação decorre da avaliação de que os critérios de distribuição dos recursospouco apontam a constituição dos citados interesses em Porto Alegre e em SãoPaulo, como será discutido ao longo deste artigo.

O predomínio da pura dinâmica competitiva sobre posturas altruístas colo-ca riscos de que índices da participação popular (como o percentual da popula-ção da região que participa dos processos do OP), enquanto critério de distribui-ção, possam refletir trajetórias de regiões e/ou segmentos histórica ouconjunturalmente mais mobilizados, especialmente o risco de posturas oportu-nistas ou particularistas, no caso de mobilização de grupos econômicos,sociais e/ou políticos interessados em obter benefícios específicos através doOP, embora, em muitos casos, possa tratar-se de demandas socialmentejustas e concernentes a muitos cidadãos.

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Carlos Alberto Bello

De outro modo, o menor interesse dos cidadãos de certas regiões emparticipar do OP pode estar refletindo, de um lado, uma certa apatia social (des-crença nas virtudes da participação) e, de outro, um distanciamento frente aopoder público, remetendo, provavelmente, aos segmentos sociais de rendamédia ou elevada. Caberia, no primeiro caso, buscar-se reduzir a descrençaatravés de informações e de atividades públicas de engajamento e, no segundo,demonstrar, também, que o OP pode gerar resultados que beneficiem indiretamenteos segmentos de maior renda em questões relativas à saúde, à educação, àsegurança, à qualificação para o trabalho e a outras.

Cabe atentar ainda que o argumento de que se deve incentivar a participa-ção, premiando-a com um maior volume de recursos, pode tornar os processosdo OP virtualmente inadministráveis, dada a dificuldade de se conduzirem pro-cessos deliberativos que reúnam milhares de pessoas. Aliás, a qualidade dasdiscussões nas assembléias deliberativas tende a ser maior, quanto mais efetivafor a participação popular nas reuniões preparatórias, embora a representatividadedos delegados dependa do grau de democratização dos processos de eleiçãodos delegados.

Considerando o conjunto de argumentos desenvolvidos até aqui, parecerazoável concluir-se que adotar indicadores da participação popular como crité-rio de distribuição de recursos públicos acarreta um amplo conjunto de riscos.No entanto, em São Paulo, o longo período de bloqueio à participação da socie-dade civil nos assuntos públicos foi o principal argumento para justificar a inclu-são da participação como um dos três critérios de distribuição (premiandoregiões que tivessem maior proporção de sua população presente nos proces-sos do OP). Os riscos discutidos acima talvez pudessem ser atenuados, se ainclusão fosse provisória até que a participação popular alcançasse níveis maiselevados (próximos a 1% da população total por exemplo). Em Porto Alegre,esse critério não foi adotado, apesar de sua inclusão ter sido discutida.

Faria mais sentido incluir-se a participação popular como critério de distri-buição, quando ela refletisse a formação de amplos consensos que sinalizas-sem a constituição de interesses públicos. Entretanto incentivar essa espéciede participação não seria uma tarefa muito difícil, apenas se tais interesses jáestivessem previamente constituídos em alguma medida, o que não ocorria,pois um dos principais objetivos dos processos participativos tem sido precisa-mente contribuir para a constituição de interesses dessa espécie. Como elespodem ser constituídos somente através da formação de consensos relativa-mente amplos, capazes de resultar, por exemplo, na elaboração coletiva de umplano geral de obras públicas, incentivar a participação sinalizando que tais inte-resses seriam prioritários na distribuição dos recursos não parece ser uma

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Orçamento Participativo: eqüidade e formação de interesses públicos

iniciativa promissora, principalmente porque a limitada experiência democráticada população tende a fazer com que tais complexos procedimentos demo-cráticos sejam vistos com desconfiança ou descrença quanto aos seus efetivosresultados.

Por outro lado, incentivar a participação em função dos interesses públicosdas regiões praticamente regionalizaria os processos participativos, afastandoos cidadãos das questões relativas à cidade como um todo, como se eles tives-sem pouca capacidade ou pouco interesse em discuti-las. Isso tende a confor-mar o que Baierle (2002) e Navarro (2003) denominam OP demandista, entendi-do como o processo pelo qual a participação popular está voltada fundamental-mente para a obtenção de resultados materiais específicos e localizados. Cabefrisar que não se trata de excluir as demandas regionalizadas, tampouco deconsiderá-las pouco relevantes; trata-se de evitar que os processos participativosgravitem em torno delas com tal intensidade que virtualmente deixem de serdiscutidos interesses comuns a todos os cidadãos.

Cabe ressaltar que as Plenárias Temáticas estão voltadas à discussão dasquestões relativas aos interesses públicos referentes aos diversos temas (edu-cação, saúde, etc.). No entanto, não há nenhum incentivo à participação popularem termos da distribuição dos recursos, posto que as deliberações das Plená-rias não resultam na previsão de gastos que devam fazer parte do Orçamento,conforme será discutido na seção 2.

Nesse contexto, seria plausível buscar-se a constituição de medidas e nãopropriamente de interesses públicos, ao menos como ponto de partida. Seriamestimuladas discussões que apontassem a criação de parâmetros de justiçacomuns, ou seja, medidas de carência compartilhadas por amplos contingentesda população. Elas orientariam a distribuição de recursos públicos, sendo que oincentivo à participação consistiria na perspectiva de ela resultar em medidasque atendessem às necessidades mais prioritárias de cada segmento partici-pante das discussões.

Na experiência de Porto Alegre, criou-se uma dinâmica de discussão atra-vés da qual o incentivo à participação popular não se restringiu à lógica demandistae se pautou pela busca de uma medida comum de justiça. O incentivo restringiu--se à perspectiva de a população obter mais recursos para as prioridades setoriaisda sua região, mas de forma indireta: as regiões cujas prioridades maiscoincidissem com as prioridades da cidade receberiam mais recursos do queaquelas que elegessem outros setores prioritários.

No entanto, a participação popular não acarreta a formação de consensos,pois as prioridades da cidade são eleitas através do somatório de votosatribuídos pelos cidadãos de cada região. Trata-se, assim, dos interesses majo-

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ritários e não dos interesses públicos, os quais somente podem ser constituídosa partir de amplos debates entre os cidadãos ou seus representantes. Alémdisso, as regiões elegem apenas as suas quatro prioridades; se todos os oitosetores fossem votados, as prioridades poderiam ser diferentes, de forma quesequer os interesses majoritários seriam contemplados.

É preciso atentar ainda para um outro problema. Se a maior prioridade deuma região não for eleita uma das três principais da cidade, essa região não sónão terá atendimento à sua prioridade, como também perderá recursos paraoutras regiões que colocaram um daqueles setores entre suas três prioridades,já que uma menor nota nesse critério implicará menos pontos, os quais determi-nam a parte de cada região no montante total.

Ocorre que os ganhos e as perdas entre as regiões não decorrem dediscussões voltadas à formação de consensos, das quais poderiam resultaroutras prioridades para a cidade. Portanto, faria sentido excluírem-se os setoresprioritários escolhidos pelas regiões como um critério para distribuição de recur-sos entre elas, de forma que a eleição desses setores serviria somente paradecidir onde o Governo investiria seus recursos. Cabe ressaltar, ainda, que aausência de discussões sobre os interesses públicos deixa de considerar queas ações públicas podem gerar benefícios coletivos. Exemplificando, é bastantedifundida a noção de que a melhoria do nível de educação beneficia a todoscidadãos, melhora a qualidade das relações sociais, aumenta a produtividadee a qualidade do trabalho e contribui para a redução da violência (urbana edoméstica) e para a melhoria da participação das pessoas nos assuntospúblicos.

Mais grave ainda, apurar quais interesses prevalecem numa comunidadeapenas através de uma agregação numérica pode afastar-se muito do queseriam os verdadeiros interesses públicos, já que menos de 5% da populaçãototal participa dos processos do OP. Essa questão torna-se mais relevante quandose leva em conta que os governos não foram eleitos com base num projeto degoverno da cidade, entendido como um conjunto de objetivos concretos a seremalcançados através de certas ações públicas. Não se trata de afirmar que todasas candidaturas são populistas, prometendo tudo a todos. Trata-se de se terclaro que, apesar de as candidaturas petistas vitoriosas estarem lastreadas emcompromissos com a ética, a justiça social e o combate à exclusão, isso nãoas torna portadoras de projetos de governo.

Essa ausência é bastante compreensível. Além da exigüidade dos recur-sos e das limitações políticas (dificuldades com os vereadores e com ossegmentos empresariais), a vasta amplitude das carências populares e a com-plexidade dos interesses do conjunto de lideranças ligados à candidatura

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Orçamento Participativo: eqüidade e formação de interesses públicos

vitoriosa tendem a dificultar consideravelmente a constituição de um projeto degoverno coerente e articulado.

Dessa forma, o OP e as outras instâncias de participação (como os Con-selhos da área social) poderiam ter um papel ainda mais relevante face a essecontexto de relativa indefinição acerca dos objetivos a serem buscados atravésdas ações de um governo municipal. Para isso, iniciativas voltadas à constitui-ção de interesses públicos seriam altamente salutares, notadamente quando setem no horizonte a conformação de políticas públicas capazes de produzir efetivastransformações na vida das pessoas.

Essa discussão aplica-se apenas a Porto Alegre, uma vez que, em SãoPaulo, a participação popular não delibera sobre as prioridades setoriais da cida-de, hierarquizando somente as obras e os serviços mais desejados de cadasetor em cada região. A participação vale só para premiar as regiões que levamum número maior de pessoas às assembléias, de maneira que os debates maisgerais entre os cidadãos se restringem à definição de quais critérios serão utili-zados para distribuir os recursos entre as regiões, afastando a perspectiva dediscutir o interesse público da população.

1.2 - Justiça social

Não se pode dizer que noções de interesse público estejam totalmenteausentes dos critérios utilizados para a distribuição dos recursos nas cidadesaqui analisadas, posto que critérios pautados em preocupações com a eqüidadeou com a universalidade de acesso podem expressar noções compartilhadassocialmente, embora não impliquem discussões sobre os benefícios coletivosdas obras ou serviços priorizados.

As cidades que implementaram o OP geralmente adotaram critérios dejustiça social para distribuir recursos entre as regiões. Em Porto Alegre e emSão Paulo, o critério de carência de infra-estrutura ou serviço na região é utiliza-do para atribuir pontos, de forma a beneficiar as regiões mais necessitadas dasrespectivas ações governamentais, tendendo a favorecer as regiões mais peri-féricas e/ou mais pobres, geralmente menos atendidas pelos poderes públicosao longo da história.

No entanto, a utilização desse critério pressupõe que a prefeitura só podeser eficiente se disponibilizar recursos apenas para as carências que podemitigar, excluindo aquelas que somente poderiam ser reduzidas através de açõesde outros níveis de governo (como o estado na segurança urbana e a União napolítica macroeconômica). Trata-se de uma idéia discutível, inclusive porque

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tais divisões de funções não são claras e porque as prefeituras e/ou suas popu-lações podem desejar fomentar políticas alternativas ou complementaresàquelas desenvolvidas em outros níveis de governo.

De qualquer forma, um tratamento plenamente eqüitativo às populaçõessó pode ser alcançado através de um índice global de carência, abrangendo nãosó a infra-estrutura e os serviços públicos municipais como também o acesso abens públicos de responsabilidade de outras instâncias de governo (estadual oufederal) e as condições dignas de existência, estas dependentes da rendafamiliar disponível para a satisfação de necessidades através da compra debens e de serviços privados.

Existem índices agregados de carência (como o Índice de Desenvolvimen-to Humano) que identificam de forma abrangente as regiões mais carentes. Pon-derando tais índices pela população domiciliada em cada local, seria possívelelaborar-se uma classificação que posicionasse cada localidade em termos degraus de carência média, embora estes não permitam quantificar precisamenteo número de famílias inseridas em cada nível de carência, haja vista as dificul-dades de mensuração da distribuição dos cidadãos por faixas de renda e,especialmente, o grau de carência de cada localidade. Entretanto o índice adotadoem Porto Alegre e em São Paulo está sujeito às mesmas dificuldades, diferindoapenas na menor abrangência dos indicadores de carência utilizados.

Porto Alegre adotou, em 1991, o critério da população em áreas de carên-cia máxima (número de habitantes sem os níveis mínimos de infra-estrutura ouserviço), tendo deixado de utilizá-lo em 1996, devido a duas razões: dificuldadede cálculo preciso e duplicidade de efeitos, já que também estava sendo utiliza-do o critério geral de carência de bens públicos, discutido há pouco. Avaliar onúmero de habitantes sujeitos à carência máxima requer pesquisas detalhadas,dadas as dificuldades já debatidas acerca da utilização de índices médios,usualmente a informação que as prefeituras possuem. Cabe ressaltar que nãohouve informação acerca da utilização de alguma espécie de índice de exclu-são social.

Retomando-se o argumento central, utilizar o critério de carência deinfra-estrutura ou serviço na região exclui a incorporação de outras carênciascomo medida de eqüidade. Uma maneira de reduzir a abrangência dessa exclu-são é incluir o maior número possível de setores no cálculo do indicador, inclu-sive carências relativas aos níveis de renda e de emprego. Como essa iniciativaampliaria acentuadamente as áreas passíveis de deliberação, dificultando suaoperacionalidade, uma boa solução seria a conjugação de um índice global decarência a um esforço para priorizar algumas áreas durante um ano ou mais,criando a perspectiva de alternância de áreas.

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Considerando-se um índice global de carência como o melhor indicadorpara o estabelecimento de critérios de eqüidade, há uma série de complexasquestões a serem discutidas, para que se possa utilizá-lo como critério para adistribuição de recursos entre setores e entre regiões da cidade. Uma primeiraquestão remete à articulação entre as prioridades deliberadas pela população eas carências específicas de cada região. Há o risco de os setores eleitos comoprioritários pelo conjunto da população estarem entre as menores carências deuma certa região, apesar de ela estar classificada como muito carente por umíndice global, situação que pode acarretar uma alocação de recursos que colo-que em segundo plano um dos dois critérios. Além disso, cidadãos que estejamentre os menos carentes da região podem ser mais beneficiados, se as priorida-des da cidade tiverem um impacto maior sobre eles, ao contrário dos benefíciospara os cidadãos mais pobres de outras regiões.

Parece evidente não haver maneira de se evitar alguma espécie de distorção,quando se trata de avaliar critérios de eqüidade para a distribuição de recursospor regiões, ao partir-se de prioridades estabelecidas pela população para todaa cidade. Uma forma de reduzir o impacto de eventuais distorções seria instituircomo setores que poderiam ser priorizados pela população apenas aqueles paraos quais os índices de carência global estejam entre os mais acentuados nacidade como um todo.

Esse procedimento aumentaria a possibilidade de atendimento às maiorescarências de cada região, apesar da existência de uma diferenciação entre ossetores nos quais cada região é mais carente. Embora a população participantedos processos do OP possa se sentir um pouco frustrada pela exclusão dealgum setor por ela considerado prioritário, a possibilidade de isso ocorrerdiminui, especialmente se os contingentes mais carentes estiverem participan-do ativamente desses processos.

1.3 - Universalidade

Diversas experiências de OP têm-se preocupado com a questão da univer-salidade, ou seja, com a incorporação de um indicador de isonomia entre todosos cidadãos, para contrabalançar, de alguma maneira, os outros critérios decaráter desigual, buscando assegurar montantes mínimos a regiões menoscarentes ou menos atuantes no OP. São Paulo e Porto Alegre incluem o critériode população total (número de habitantes de cada região) como contraponto decaráter universalizante ao critério distributivo — carência de infra-estrutura eserviços — e ao critério de participação popular — porcentagem de votantes na

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primeira, prioridade da região na segunda cidade. Entretanto o critério da univer-salidade pode não conflitar totalmente com o critério distributivo, uma vez queeste último mede o grau de carência de infra-estrutura da região (frente ao queseria necessário), não exatamente o número de pessoas carentes.

Por outro lado, é claro que há situações onde esses critérios não secomplementam. Regiões mais habitadas podem estar entre as mais carentes,quando se trata de populações mais carentes expulsas para a periferia; no en-tanto, há regiões mais populosas onde existem amplos contingentes depessoas carentes e também de cidadãos pouco, ou bem menos, carentes (fave-las em bairros de alta renda). Há também áreas mais pobres, mas menos den-samente povoadas.

Dessa forma, uma região altamente carente de infra-estrutura, mas poucopopulosa, pode receber menos recursos do que uma região medianamentecarente, mas altamente populosa, nos casos em que ambos os critérios tenhamum mesmo peso para a distribuição dos recursos. Os efeitos negativos para aprimeira região tenderão a ser tanto maiores quanto maiores forem os custosunitários para a expansão da infra-estrutura, em comparação com os custosprevalecentes para a segunda região, já dotada de infra-estrutura. Esse pode sero caso quando a expansão, na primeira região, requer a construção de umequipamento de grande porte, enquanto, na segunda região, a expansão deman-da apenas a adição de uma unidade a um grande equipamento já existente.

Desse modo, os riscos citados permitem concluir que o critério de univer-salidade não deveria ter peso igual ao dos demais critérios — o distributivo e ode participação popular. Uma forma de evitar a plena equivalência entre essescritérios seria estabelecer pisos ou tetos de investimento per capita por região,ou uma proporção máxima entre o maior e o menor volume dos investimentos.Esses mecanismos implicariam mudança no caráter desse critério: não setrataria mais de universalidade, mas, sim, de não-exclusão, ou seja, de umlimite ao tratamento desigual dado aos mais carentes.

Caso os processos participativos permitam uma maior discussão sobre osinteresses públicos da cidade e também uma redução da disparidade de partici-pação entre as diversas regiões, para diminuir a diferença entre o número dedelegados das áreas mais pobres frente às áreas mais ricas, os riscos deexclusão das demandas das populações destas últimas áreas podem sersubstancialmente reduzidos.

Em suma, há diversas questões envolvidas na adoção de medidas volta-das à construção de indicadores a serem utilizados para os critérios de partici-pação popular, eqüidade e universalidade. As medidas adotadas em PortoAlegre e em São Paulo podem ser questionadas, em si mesmas e em conjunto,

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especialmente quanto à sua contribuição para a constituição de noções deinteresse público da cidade que possam ser amplamente compartilhadassocialmente.

2 - Plenárias Temáticas

Além de atrair setores que tendem a se ausentar das discussões emâmbito territorial (como classe média e empresários), as Plenárias Temáticasdestinam-se a ampliar as discussões para temas de âmbito global ou setorial,podendo reduzir a lógica majoritariamente regionalizada que tende a predominarno OP. Elas podem ser espaços para discussões acerca do perfil das políticaspúblicas nas diversas áreas, contribuindo para a constituição das noções cita-das acima. Nesse sentido, discutir quais são as questões públicas prioritárias edebater os diversos modos de enfrentá-las abrem a perspectiva de discutir asdiretrizes políticas do Governo. Colocando em debate tais assuntos, o OP pode-ria chegar à co-gestão do estado, pondo em pauta as questões essenciais degoverno: distribuir recursos de quem para quem, visando ao quê.

No entanto, a radicalidade contida nessa perspectiva só poderia ser efetivadase todas as políticas públicas estivessem em discussão, incluindo a destinaçãode verbas para cada órgão do estado, mesmo que questões como a manuten-ção dos serviços existentes não fossem objeto de discussão. Cabe ressaltarque essa possibilidade não foi suscitada sequer por Navarro (2003), um convic-to defensor da ampla autonomização da sociedade civil na gestão de parcelasdo orçamento público, e nem acenada pelas Prefeituras de São Paulo ePorto Alegre, que instalaram Plenárias Temáticas pouco tempo depois dacriação do OP.

Souza (1997) afirma apenas que elas visaram ampliar a discussãopara além dos problemas locais, buscando aprofundar o planejamento estra-tégico das obras estruturais e das políticas setoriais da cidade. Argumentospragmáticos, como compromissos já assumidos (por governos anteriores oupelo atual) quanto aos investimentos ou à manutenção da máquina pública,também têm sido aludidos como justificativa para evitar uma plena discussãosobre o Orçamento.

Embora o leque de temas tenha sido bastante amplo em Porto Alegre,tanto nesta cidade como na de São Paulo, a população é chamada a deliberarsomente acerca de quais devem ser os programas prioritários dentre aqueles jádesenvolvidos pela Prefeitura. Embora o Governo viesse a ter dificuldades paraexecutar programas que ainda não haviam sido implementados ou aqueles

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abandonados há algum tempo, o estreitamento do leque de opções reduz signi-ficativamente a autonomia de decisão da população.

Além disso, a priorização não parece estabelecer a intensidade da prefe-rência entre os programas, ou seja, não parece fixar parâmetros de recursoshumanos ou financeiros ou de metas a serem cumpridas em cada programa. Seassim estiver realmente ocorrendo, a Prefeitura pode definir com que intensida-de priorizará os programas escolhidos pela população, o que implica um consi-derável grau de autonomia para o Governo, não apenas quanto à priorizaçãoentre os programas como também quanto à distribuição dos recursos entre asregiões, já que não houve menção à utilização de critérios para essa distribui-ção, ao contrário do que ocorre nas assembléias territoriais.

Além dessas limitações a uma plena deliberação da população acerca daspolíticas públicas, não há evidências de que esteja havendo um amplo debatesobre os custos e benefícios de cada modalidade de política (Baierle, 2002),discussão altamente necessária, porque a escassez de recursos e a multiplicidadede carências são condicionantes estruturais de quaisquer debates sobrepolíticas públicas. A análise comparativa entre as diversas modalidades depolítica num certo setor e a discussão articulada entre políticas que possuemnatureza intersetorial (como saúde e saneamento, educação e segurança),procedimentos inerentes à busca de uma maior eficácia das ações estatais,tornam-se ainda mais relevantes nesse contexto.

Como as Plenárias Temáticas visam eleger prioridades dentre os progra-mas já desenvolvidos pela Prefeitura, parece haver pouco espaço para redefiniras características dos programas em andamento, bem como para articulá-losou remanejar verbas entre áreas. Noutras palavras, não estão postas as condi-ções necessárias para a realização de amplos debates e deliberações públicasacerca das políticas setoriais.

Como não parece estar em questão a possibilidade de a população alterara distribuição de recursos entre as áreas, o que depende fundamentalmente dedecisões estatais, não há indicações de que os processos participativosestejam contribuindo significativamente para o planejamento global da cidadeou, pelo menos, para a formulação de projetos de alcance supra-regional quantoà realização de obras ou serviços públicos.

Em suma, as Plenárias Temáticas não se caracterizam como espaçosonde amplos consensos sociais podem constituir interesses públicos, além dea participação popular ter um papel limitado, por não deliberar sobre a distribui-ção dos recursos.

É preciso considerar também que, enquanto as Plenárias Temáticas ele-gem políticas prioritárias para cada setor, as Assembléias Territoriais decidem

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sobre as prioridades de cada região, em tese, de forma independente daquelaspolíticas, as quais, por sua vez, podem não dar muita relevância à distribuiçãoregional dos recursos em pauta. A maior dificuldade potencial para compatibilizaras duas instâncias decorre da tendência de as Assembléias Territoriaispriorizarem demandas mais pontuais e urgentes, enquanto as Plenárias Temáticasdiscutem obras estruturais tidas como menos prioritárias pelos cidadãoscomuns, inclusive porque, nas Plenárias, as discussões são mais técnicas econtam com maior participação de segmentos médios da sociedade.

Dessa forma, enquanto a população poderia ter priorizado a construção deunidades de saúde nas Assembléias, as Plenárias Temáticas poderiam prever aalocação de vultosos recursos para obras viárias, que aquela população talvezpreferisse ver adiadas em função das demandas de saúde. As Assembléiastalvez fossem mais receptivas a obras de saneamento básico, já que estasresultam em melhores condições de saúde. Além disso, a discrepância entre asduas instâncias não depende apenas das diferentes formas de inserção daparticipação popular, já que as Plenárias Temáticas não decidem a alocação derecursos, prerrogativa que continua cabendo à Prefeitura.

De outra maneira, as Plenárias Temáticas poderiam contribuir para a for-mação de interesses públicos, se pudessem deliberar sobre a alocação de ver-bas orçamentárias para projetos prioritários da cidade em conjunto com os re-presentantes eleitos pelas Assembléias Territoriais. A integração entre as duasinstâncias permitiria discutir a possibilidade de transferência de recursos doâmbito da distribuição territorial para a realização de projetos estruturais dacidade ou vice-versa, conforme a urgência e/ou os benefícios coletivos que asações pudessem suscitar.

Em suma, a articulação entre discussões gerais e regionais poderia permi-tir um efetivo avanço na formação de interesses públicos, no âmbito municipal,descortinando perspectivas de discussão que poderiam chegar até aos gastosde pessoal e de custeio, apontando uma ampla democratização da discussão,da elaboração e da execução de todo o orçamento público.

Referências

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FEDOZZI, Luciano. Orçamento Participativo: reflexões sobre a experiência dePorto Alegre — Brasil. Porto Alegre: Tomo Editorial, 1997.

NAVARRO, Zander. O Orçamento Participativo em Porto Alegre: um concisocomentário crítico. In: AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. (Org.). A inovação demo-crática no Brasil: o Orçamento Participativo. São Paulo: Cortez, 2003.p. 89-128.

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SOUZA, Ubiratan. A experiência de Porto Alegre. In: GENRO, T.; SOUZA, U.Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre. São Paulo: FundaçãoPerseu Abramo, 1997. p. 45-72.

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5 - Devem ser encaminhadas três cópias impressas dos artigos, com as páginasnumeradas na margem superior direita e não excedendo 25 laudas de 24 linhas,em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12, incluindo notas,bibliografia e outras referências. As cópias impressas devem vir acompanhadasdo arquivo correspondente em MS-Word.

6 - As notas de rodapé devem conter apenas informações explicativas ou complementares e apresentadas em ordem seqüencial.

7 - As citações devem ser feitas no próprio texto, com a respectiva fonte: sobrenomedo autor, ano da publicação e número da página entre parênteses (Vanin, 1980,p. 8). As citações em língua estrangeira devem vir traduzidas, ficando a critério doautor a publicação do original em nota de rodapé.

8 - As referências bibliográficas devem conter o nome completo do autor, o título daobra, o local e a data de publicação, o nome do editor e o número de páginas,enquadrando-se em uma das situações a seguir referidas:

a) livros - POCHMANN, Márcio (2001). O emprego na globalização. A nova in-ternacionalização do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu.São Paulo: Boitempo Editorial, 151p.CASTRO, Antônio B. de, SOUZA, Francisco E. P. de (1985). A econo-mia brasileira em marcha forçada, 2. ed. São Paulo: Paz e Terra,217p.

b) capítulo ou artigo de livro - MIRANDA, José Carlos da Rocha (1997). Dinâ- ca financeira e política macroeconômica. In: TA-VARES, M. C.; FIORI, J. L., orgs. Poder e dinhei-ro: uma economia política da globalização. Pe-trópolis: Vozes, p. 243-275.

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d) artigos de periódicos - BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello (1997). O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados "glo-

balizados”. Economia e Sociedade, Campinas: UNI-CAMP/IE, n. 4, p. 11-20.PARTICIPAÇÃO do Brasil nos investimentos diretosmundiais (1997). Carta da SOBEET. São Paulo, v. 1,

n. 4, set./out.

http://bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm ponível em:

Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel HeuserRevista Indicadores Econômicos FEERua Duque de Caxias, 1691CEP 90010-283 — Porto Alegre — RSE-mail: [email protected]: (0XX51) 3216-9050Fax: (0XX51) 3225-0006

c) periódicos - CONJUNTURA ECONÔMICA (2000). Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez.

e) artigos de jornais - SALGUEIRO, Sônia (2000). Autopeças brasileiras con- quistam mercado externo. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. A-4, 6-8 mar.

PARTICIPAÇÃO de salários no PIB cai para 38% (1997). Folha de São Paulo, São Paulo, 12 dez., p. 2-5.

f) informação ou texto obtidos pela internet - BNDES (2000). O IED no Brasil e no mundo: principais tendên- cias. Sinopse Econômica. Dis-

Acesso em 21 mar.

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Supervisão: Valesca Casa Nova Nonnig.RevisãoCoordenação: Roselane Vial.Revisores: Breno Camargo Serafini, Rosa Maria Gomes da Fonseca, Sidonia Therezinha HahnCalvete e Susana Kerschner.EditoriaCoordenação: Ezequiel Dias de Oliveira.Composição, diagramação e arte final: Cirei Pereira da Silveira, Denize Maria Maciel, Ieda KochLeal e Rejane Maria Lopes dos Santos.Conferência: Elisabeth Alende Lopes e Rejane Schimitt Hübner.Impressão: Cassiano Osvaldo Machado Vargas e Luiz Carlos da Silva.

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