ernest laclau - polÍtica e ideologia na teoria marxista - populismo

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5/28/2018 ERNESTLACLAU-POLTICAEIDEOLOGIANATEORIAMARXISTA-POPULISMO-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/ernest-laclau-politica-e-ideologia-na-teoria-marxista-populismo 1/30 ~  ~ / 30 p~ Coleção PENSAMENTO C R IT IC O vol , 26 1, Ficha c a t al o g rá f ic a , ~ CI P - Brasil . Catalogação-na-fonte Sindicato N acional dos Editores de L ivros, R J, Ll45p L ac la u , E rn es to . P ol íti ca e i de ol og ia n a t eo ria m arx is ta : capitalismo, fáscism o e populism o / Ernesto Laclau; tra du çã o de João M aia e Lúcia K lein . - Rio de Janeiro: Paz e Ter- r a, 1 97 8. (C oleç ão P en sa mento critico; v, 26) Tradução de : Politics and ideology in M arxist theory: capitalism, Iascia r n and populisrn I. E con om ia m arx is ta - Teoria 2. Socialism o -A s - p e ct o s p o lí ti co s l. Título I . Série 78-0731 , CDD - 335 .4 CDU - 330 .85 ' EDITORA PAZ E TED R A Conselho Ed itarial: Antonio Ca n dido Cels o Furtado F er na nd o G asp ari a n  r ' m and e Henr i que C ardoso , ,. , 1 1 /  '  - I . v I . )~'{Y'~ {; -- --? 1 c~~~~ E R NE ST O LA CL AU NOME PROF . ° :\:\ t- > \J \ N COD - \&PASTA j.O  0 2 . ~ o.  i\.6 POLíTICA E IDEOLOGIA NA TEORIA MARXISTA CAPITALISMO~ FASCISMO E POPUL Tradução de João M aia e Lúcia K le i n EfJ Paz e rerra

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    ~/30p~Coleo PENSAMENTO CRITICOvol, 26

    1,

    Ficha catalogrfica ,

    ~CI P - Brasil. Catalogao-na-fonte

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ,

    Ll45pLacla u, Ernesto.

    Poltica e ideologia na teoria marxista: capitalismo,fscismo e populismo / Ernesto Laclau; traduo deJoo Maia e Lcia Klein. - Rio de Janeiro: Paz e Ter-ra, 1978.

    (Coleo Pensamento critico; v, 26)

    Traduo de: Politics and ideology in Marxisttheory: capitalism, Iasciarn and populisrn

    I. Economia marxista - Teoria 2. Socialismo - As-pectos polticos l. Ttulo I!. Srie

    78-0731 ,CDD - 335.4CDU - 330.85

    'EDITORA PAZ E TED RAConselho Editarial:Antonio CandidoCelso FurtadoFernando Gasparian

    """ r' mande Henrique Cardoso, ,.,! I

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    ERNESTO LACLAU

    NOME PROF. :\:\ t->\J\ NCOD-\&PASTA j.O 44

    02. ~ o.'i\.6

    POLTICA E IDEOLOGIANA TEORIA MARXISTA

    CAPITALISMO~ FASCISMO E POPULISMO

    Traduo deJoo Maia

    eLcia K lein

    EfJPaz e rerra

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    !i::..,I:W'quunio o fascismo constitui o discurso popular radical neui r a liz adopelu burguesia e por ela transformado em seu prprio discurso pol-tico especifico, em um perlodo de crise. o socialismo o discursopopular ao qual foi permitido desenvolver todo o seu potencial re-volucionrio. a partir de sua vinculaco ao ant icupitulismo radicalda classe operria.

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    PARA UMA TEORIA DO POPULISMO

    "Populisrno " uma conceito ao mesmo tempo evasivo e recor-rente. Poucos conceitos tm sido to amplamente usados na anlisepoh.icu contempornea. embora bem poucos tenham sido defini-dos com menor preciso. Sabemos. intuitivamente. a que nos referi-mos quando quulificurnos de populista a um movimento ou a urnaideolog iu. Porm, enfrentamos as maiores dificuldades para tradu-I.ir essa inruic o em conceitos. Isso tem levado. com freqncia, aum tipo de prticu ad hoc: continuar utilizando o termo de uma for-ma p uru me nt c intuitiva ou alusiva. e renunciar a qualquer tentativade precisar seu contedo. David Apter , por exemplo. ao se referiraos novos regimes polticos do Terceiro M undo, afirma:

    "No mundo atual. atestamos a existncia de uma var icd a dc desistemas p o liticos acomodados. Mesmo os mais duros so fracos.Mesmo os mais mcnolicos na rorma tendem a estar divididos emsU;JS rr~tl(;IS c diludos em suas idias. Poucos so totalitrios.

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    mar em um conceito. sinttico que define ou sirnboliz a o conjuntode traos caracterstico do movimento analisado;,(3) dai por diante,sempre que se queira voltar a definir o que especifico no p cpulis-mo. o nico caminho ser, em vez de isolar um trao comum a v-rios movimentos, comparar esses movimentos como tais e procurarestabelecer o que tm em comum, atravs de um procedimento tipi-camente ernpirista de ..abstrao/generalizao. Porm, como afir-mamos, esta tentativa no leva muito longe, pois os chamados mo-vimentos populistas diferem fundamentalmente entte si. Em conse-qncia. o que normalmente se faz continuar a falar em populis-mo sem defini-lo - o que nos traz de volta ao ponto de partida.

    As dificuldades para identificar conotaes de classe no popu-lismo. freqentemente, conduzem a uma segunda concepo, quepoderamos qualificar de nthllismo terico. De acordo com ela,"populismo" um conceito destitudo de contedo. Deveria, por-tanto. ser eliminado do vocabulrio das cincias sociais, e substitu-do por uma anlise direta dos movimentos at hoje qualificados depopulistus, em funo de sua natureza de classe. Desse modo, aanlise dos fundamentos de classe de todo movimento constitui achave rara desvendar a sua natureza. Entretanto - caberia pergun-tar-nos - isto tudo? A anlise de classe realmente elimina a per-gunta relativa ao populismo? J: evidente que no. Porque h aquipelo menos um problema no resolvido: o de que o "populismo"no simplesmente uma categoria analtica, mas um dado da expe-rincia. I: aquele "algo em comum" que percebido como compo-nente de movimentos de base social totalmente divergen;e, Aindaque se tratasse de uma pura iluso, ou aparncia, haveria que expli-car a "iluso" ou a "aparncia" enquanto tais. Nesse sentido, PeterWorsley formulou o problema em termo corretos: Pode muito bemocorrer, ento, que falar do populismo como um gnero correspon-da a presumir o 'que deve ser demonstrado: que movimentos comcaructeristicus muito diversas, separados no tempo, espao e cultu-ra. possuem certos atributos cruciais que justificam a sua agregaoconsciente e unuliticurnen!e sob a mesma rubrica de "populista",apesar das variaes em suas outras caracteristicas. O uso desse ter-mo requer a especificuco desses atributos cruciais e no, simples-mente, que se presuma que O fato de se rotular arbitrEiamenteuma palavra implique q~~ em qualquer semelhana, sociologica-mente Calando, entre as ativida(.~cs s quais o rtulo roi aplicado.Essas semelhanas podem no c,\istir. Mas como a palavra tem sido

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    usada. a existncia deste fumaa verbal poderia. eventualmente, in-dicar a presena de fogo em algum lugar'." Pode-se at admitir oargumento de queo populisrno insuficiente para definir a especifi-cidade concreta de certo tipo de movimento poltico. Contudo, issoseria suficiente para negar que constitua um elemento abstrato domesmo'! Trata-se de perguntas que a abordagem nihilista do popu-lisrno incapaz de responder. Da esse tipo de enfoque ter se revela-do insuficiente ou insatisfatrio e que. apesar de sua indefinioconceitual, o populisrno continue gozando de boa sade nas cin-cias sociais. I

    Uma terceira concepco tenta superar essas dificuldades, res-tringindo o termo "populismo" caracterizao de uma ideologia,e no de. um movimento. Considera-se como caractersticas tpicasdexsu ideologia o anti-slatus quo, a desconfiana nos polticos tradi-cionuis, o apelo ao povo e no s classes, o antiintelectualismo, etc.Oicornplexo ideolgico que se constitui a partir desses elementos se-ria. ento. adotado por movimentos sociais de bases diversas, deacordo com processos histricos concretos, sobre as quais irn-possvel formular qualquer generalizaco apriorstica. Contudo,esse tipo de anlise embora tenha contribudo para enriquecer - co-mo, de fato, enriqueceu - o estudo das/armas de que O populismotem se revestido. apresenta as duas seguintes insuficincias: (I) ostraos caractersticos da ideologia populista so apresentados' deuma forma puramente descrititiva, ignorando-se o que constitui suaunidade peculiar; (2) nada se sabe sobreo papel que o elemento es-tritamente populista desempenha em uma mobilizao social deter-minada.

    Finalmente, resta avaliar a concepo funcionalista do popu-lisrno, segundo a qual trata-se de um fenmeno aberrante, produzi-do pela assincronia nos processos de transio de uma sociedadetradicional para uma sociedade industrial. A concepo funciona-lista , de longe. u mais coerente e desenvolvida de todas as j men-cionadas. Para discuti-Ia. tomaremos como exemplo o conhecidomodelo de Gino Ger mani, e a anlise do populismo, realizada porTorcuato Di Tel!a, a partir de uma perspectiva terica semelhante,

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    P. Wor sley, "The Concepl of Populism", in G. lonesco e E. Gellncr, Populism,Londres. !970. P. 219.

    153

  • I.'nI!:: o processo de desenvolvimento econmico concebido por

    Gerrnani;' obedece.ido a uma tradio sociolgica j bastante sli-da, como a transio de uma sociedade tradicional a uma socieda-de industrial. Esta transio implica em trs mudanas bsicas: (1)modificao no tipo de ao social (passagem da predominncia deaes prescritivas a aes eletivas); (2) passagem da institucionali-zaco do tradicional para a institucionalizao da mudana; (3)evoluo de um conjunto relativamente indiferenciado de institui-es para uma diferenciao e especializao crescentes das mes-mas. Estas trs mudanas bsicas so acompanhadas por modifica-es profundas no tipo de relaes sociais e no tipo de personalida-de. (Por exemplo, Germani sugere que a modernizao da atitudedas crianas com relao aos pais, e das esposas com relao aosmaridos, acabaro por provocar mudanas nas atitudes dos paiscom relao aos filhos e na dos maridos com relao s esposas. Es-tretanto, estas ltimas atitudes, por refletirem o elemento dominan-te no relacionamento, no sero necessariamente modernas em si.)Neste modelo, as etapas de transio so consideradas como umaforma de assincronia - ou seja, de uma coexistncia, em uma mesmaetapa, de elementos pertencentes aos dois plos da sociedade tradi-cional e da sociedade industrial. Essa assincronia pode ser geogrfi-ca (sociedade dual; pases, ou regies, centrais ou perifricos); instl-tucional (coexistncia de instituies correspondentes a diferentesfases); de certos grupos sociais ("as caractersticas "objetivas" - p.ex.: ocupao, posio na estrutura scio-econmica - e as carac-tersticas "subjetivas" - atitudes, carter social, personalidade so-cial - de certos grupos correspondem a etapas "avanadas", ao pas-so que us de outros grupos correspondem a uma etapa "atrasada";c ntotivacional ("pelo fato de um mesmo indivduo pertencer a v-rios grupos e a instituies diferentes, a assincronia afeta o prprioindivduo. Em seu psiquismo coexistem atitudes, idias, motivaese crenas correspondentes a' sucessivas "etapas" do processo"). Oajustamento ou correspondncia entre esses elementos heterog-neos, entretanto, no se reduz. a uma mera coexistncia. A moderni-zao de um deles provocar mudanas nos demais, embora nonecessariamente em um sentido moderno.

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  • I I"uscetisrnc capitalista" e a tica da produo I;rcvalece sobre a doconsu~o. Na segunda etapa, as massas se Integr arri vida poltica e vida urbana; mas o importante que essa mobilizao se processaatravs do modelo da integrao, com o qi-e no ocorreram gran-des traumas nem rupturas profundas no aparelho poltico. "A dife-rena entre o exemplo da Inglaterra e de outros pases ocidentais, eo caso da Amrica Latina reside, ento, no grau de correspondnciadiferente entre a mobilizao gradual de urna proporo cada vezmaior da populao (at alcanar a sua totalidade) e o surgimentode mltiplos mecanismos de integrao - sindicatos, educao, le-gislao social, partidos polticos, consumo de massa - capazes deabsorver estes sucessivos grupos, proporcionando-lhes os meios deexpresso adequados tanto do ponto de vista acadmico quantoIfrico, assim como em outros aspectos fundamentais da cultura mo-derna)." Nos pases europeus, a essas mudanas somou-se" trnsi-co para um novo capitalismo de grandes empresas e para o pre-domnio da sociedade de consumo e do estado do bem-estar social.

    Nas sociedades subdesenvolvidas atuais, e especialmente nocaso da Amrica Latina, em que Germani concertra sua anlise, oefeito de demonstrao, o efeito de fuso e assincronias, bem maisprofundas do que as conhecidas no processo de transio europeu,unem-se para produzir uma conseqUncia caracterfstica , ao nvelda vida poltica: a impossibilidade de uma mobilizao realizadaatravs da tntegrao. Em conseqncia, a mobilizao assume for-mas aberrantes e antiinstitucior,ais, que constituem a matriz deonde emergem os movimentos p:!cional-populares. Para isso contri-bui tambm o novo clima histrico do sculo XX, caracterizadopelo declinio da democracia liberal e pela ascenso dos totalitaris-mos fascista e comunista. "Isto se reflete de maneira tpica, nasideologias da industrializao, cujas caractersticas essenciais pare-cem ser o autoritarismo, o nacionalismo e uma ou outra forma desocialismo, de coletivismo, ou de capitalismo de estado, isto , mo-vimentos que combinam, de vrios modos, contedos ideolgicoscorrespondentes a tradies pollticas opostas. Autoritarismo de es-querda, nacionalismo de esquerda, socialismo de direita e uma rn ul-tiplicidade de frmulas hbridas e at paradoxais, do ponto de vistada dicotomia (ou continuum) direita/esquerda. So precisamente,

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    5 Germuni, 01'. cit .. p. 154.

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    essas formas que, apesar de suas variantes diversas, e, sob muitosaspectos, opostas, podemos reunir sob a denominaco genrica demovimentos "nacionais-populares" e que parecem representar umaforma peculiar de interveno na vida poltica nacional, por partedos estratos em vias de rpida mobilizaco, nos pases de industria-lizao tardia.'."

    A explicao de Germani para o populismo, portanto, resume-se nisto: a incorporao prematura das massas na vida politica lati-no-americana gerou presses que extravasaram os canais de absor-o e de participao que as estruturas polticas tinham condiesde oferecer. Em conseqncia, a integrao das massas, de acordocom o modelo europeu do sculo XIX, no pde se realizar e dife-rentes elites, influenciadas pelo novo clima histrico do sculo XX,manipularam as massas recm-mobilizadas em favor de seus pr-prios objetivos. A mentalidade dessas massas, dada a sua integra-o insuficiente, caracterizava-se pela coexistncia de traos tradi-cionais e modernos. Em conseqncia, os movimentos populistasconstituem a acumulao heterclitade fragmentos corresponden-tes aos paradigmas os mais dspares. Observemos o seguinte par-grafo de Germani, que evoca a "enumerao catica" caractersticada poesia surrealista: "H aqui algo diflcil de entender, partindo daexperincia europia do sculo X IX. Grupos polticos os mais dife-rentes, nacionalist~s de extrema direita, fascistas ou nazistas, comu-nistas, estalinistas, todas as variantes do trotskismo -. assim comosetores dos mais diversos - intelectuais, operrios modernizados,profissionais e polticos de origem pequeno-burguesa, militares, se-tores da veiha "oligarquia" latifundiria em decadncia econmicae poltica, nada menos do que as mais inslitas combinaes entretodos eles, tm tentado (s vezes, com xito) apoiar-se nessa basehumana a fim de atingir seus objetivos polticos. Como bvio, es-ses objetivos nem sempre coincidem com as aspiraes das prpriascamadas mobilizadas, embora. possa, vez por outra, haver umaidentidade de aspiraes e de objetivos entre elites e massas'."

    Uma anlise mais pormenorizada do populismo e de suas di-versas variantes, a partir de um enfoque terico semelhante ao deGermani, pode ser encontrada em um conhecido ensaio de Torcua-

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    6 O". Cit .. p. 157.7 01'. cit .. p. 158.

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  • I'p',,ld' ,li/!:l~1~~:

    M T, Di Tetla, "Populism and Reform in Latin Arnerica" in C. Veliz, Obstacles 10Cnang in Latin America, Londres, 1970, pp. 47-74.

    9 Op. Cit.. p. 47. ~ 'N. do T.: nwu media. no original,

    1() O". Cit .. p. 49.

    158

    50 decisrio da sociedade. J no "conhecem. seu' lugar", como osoper.irios europeus conheciam o seu 'at bem pouco tempo. Consti-tuem uma massa de apoio em disponibilidade maior e mais reivin-dicadora do que qualquer Luiz Napoleo poderia ter sequer imagi-nado

  • qenternente ocorra. - em uma avaliao negativa de seu p a pe l noscontextos histricos em que surge, Di Tella, por exemplo. acha queo populisrno. embora sendo um fenmeno transicional. um ins-trumento irnj.ortunte e positivo de reforma e de mudanca.)

    A primeira objeo que a anlise de Gerrnani-Di Tella provoca a de que questionvel atribuir o populismo a uma etapa de tran-sico do desenvolvimento, Tambm em pases desenvolvidos se re-gistraram experincias populistas: haja visto o Qualunquismo, naItlia. ou O Poujadisin li, na Franca, ou mesmo a experincia fascistaque a maioria das concepes considera como uma forma sui gene-ris de pcpulisrno. Vincular o populisrno a uma etapa determinadade desenvolvimento cometer o mesmo erro de: numerosas inter-pretaes dos anos 20 - entre elas, a do Comintern - que considera-vam o fascismo como uma expresso do subdesenvolvimento agr-rio da Itlia e que. por isto. no poderia se repetir em pases indus-triais adiantados. como a Alemanha, verdade que. nas metr po-lex cupitulistus, as experincias populistas so menos freqentes doque nos pases perifricos. mas isto ser suficiente para concluir queo motivo Se situe nos diferentes nveis de desenvolvimento de uns eoutros'! Uma argumentao nesses termos implica pressupostos al-tamente quesuonveis: (I) quanto maior desenvolvimento econ-mico. menor a probabilidade do populismo; (2) uma vez ultrapassa-do um certo limiar, e superadas certas assincronias no processo dedesenvolvimento. as sociedades industriais se tornariam imunes aofenmeno do populisrno: t)) as sociedades "atrasadas" que atual-mcue passam por experincias populistas - quer sejam considera-das de maneira positiva ou negativa - avanaro necessariamenteem direco a formas mais "modernas". e "classistas", de canaliza-co du protesto popular. Essas hipteses constituem um conjuntode axiomas ideol6gicos perfeitamente arbitrrios, Mais ainda, ateoria no nos fornece os instrumentos necessrios para decidirsobre sua validade, Pois o conceito de "sociedade industrial" noroi teoricamente construido - , antes, o resultado do prolongamen-to ad quem de certas caracteristicas das sociedades industriais avan-adas e da adio meramente descritiva dessas caractersticas; en-quanto o conceito de "sociedade tradicional" no passa de umaanttese de cudu UIl1 dos traos da sociedade industrial. tomados ir.-dividuulmenic. Dentro desse esquema. as etapas de transio s po-dem consistir nu cucvistncia de caractersticas pertencentes a am-bos os plos. Sendo assim, o fenmeno "populisia" aparecer sem-

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    pre como um agregado heterogneo e confuso de "tradicionais" e"modernos", Do rresmornodo. o surgimento de elites rnodernizan-res que exortam ruobilizac o populista das massas no explica-do de maneira sutisfutria. (A menos que se considere como expli-CH;~O o que, na verdade. no passa da reproduo do problema emnovos tt:rmoS)- como a hiptese da incongruncia de st at us; ou quese aceite, com Gerrnuni, explicaes tais como o deito de dernons-tru o derivado do novo clima histrico gerado pela crise da demo-crucia liberal - fenmeno esse que, mais do que efeito de dernons-tr;\~';'lIl SI: a~~l!lllclha ;\ urnconulgio). Dai. linulmcntc. o abuso U;\S cx-plicues em termos de manipulao que, ou regridem ao puro mo-rulismo (fraude, demagogia) ou, quando se trata de explicar como amanipulao se torna possvel. incorre em explicaes em termosda dicotomia sociedade tradicional/sociedade industrial: massascom caractersticas tradicionais so, repentinamente. incorporadas:l vida urbana. e da por diante, A concluso clara a de que, nestaconcepo, o populisrno jamais definido em si mesmo, mas ape-nas em contra posio a um paradigma.

    A segunda crtica a ser formulada com relao a essa concep-o a de que. dado que os conceitos de ambos os tipos de socieda-de no forum construdos teoricamente - na verdade, no passamda resultante da adio meramente descritiva de seus traos carac-tersticos, - no h como entender o significado de um fenmeno. ano ser indicando sua progressividade relativa: isto e. suu localiza-o no continuum que vai da sociedade tradicional sociedade in-dustrial. Esta progressividade . por sua vez, reduzida respectivaproporo de elementos "tradicionais" e "modernos" que entramna definio do Ienrneno analisado, Germani. sem dvida. contra-argumentaria. aflrrnando que no apenas leva em conta a presenade elementos isolados como. tambm. de suas funes, de vez quegrande parte de sua anlise se dedica, prectsoruente, a estudar as for-

    "mas especficas que assume a combinao de elementos pertenceu-tes s diversas etapas - tais como os efeitos de demonstrao e defuso - e a funcionalidade real dessas combinaes na sociedade emseu conjunto, Analisemos este problema mais de perto, Ao estudarO efeito de fuso, Germani percebe com clareza - o que um mritoindiscutvel" que certas formas de "modernizao" no somenteno so incompatveis. como tendem mesmo a rcforcar as carac-tersticas tradicionais (a modernizao dos padres de consumo dossetores oiigrquicos tradicionais, por exemplo. pcdc:n, em sua an-

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    lise, contribuir para o reforo de uma 'tica pr-capitalista de consu-mo e para a man urenco de padres tradicionais ~a esfe~a da pro-duo). At a no haveriam objees; mais ainda, a palavra esco-lhida. "fuso", descreve bastante bem o fato d~ que os elementos"tradicionais" e "modernos" perdem sua identidade enquanto tais,em razo da mescla queda resulta. Porm, aqui se: abre uma linhade desenvolvimento lgico que conduz negao das premissassobre as quais todo o raciocnio se baseia. Sigamos esta linha de ar-gumentao: (1) se aceitamos que a modernizao de certos aspec-tos da sociedade no um indcio necessrio da modernizao des-sa sociedade considerada como um todo - pelo contrrio, a moder-nizao de aspectos parciais pode conduzir ao fortalecimento deum padro social tradicional - temos que admitir tambm que umasociedade pode ser mais "tradicional" do que outra, do ponto devista de algu mas, ou da maioria, de suas caracterlsticas e, ainda as-sim. ser mais "moderna" do ponto de vista de sua estrutura. Istosignifica, por um lado, que essa estrutura no pode ser reduzida mera soma descritiva de seus traos, e, por outro lado, que a rela-o varivel entre esses traos e o-todo implica em que as primeiras,consideradas em si mesmas, carecem de um significado especifico.Com isto se introduziu um elemento estrutural na anlise, daI de-correndo a necessidade de abandonar a anlise da transio em ter-mos de um continuum de traos e atitudes, e de! ehfrent-la comouma srie descontlnua de estruturas. (3) Em conseqncia, se os ele-mentos considerados isoladamente perdem o significado em si mes-mo, no tem sentido uni-Ios nos psradigrnas "~ociedade tradicio-nal" e "sociedade industrial". Qualquer afirmativa de que os ele-mentos isolados tm uma esssncia "em si", margem das estrutu-ras, consistindo na sua insero essencial como momento de um pa-rudigrna, uma colocao meta fsica, destituda de legitimidade,Decorre da que as categorias. que nos permitem pensar as socieda-des concretas so categorias analticas, desprovidas de qualquer di-menso histrica (se por esta se entende que a noo de etapa inter-vm na prpria definio do conceito), Por conseguinte, tambmperdem validade os conceitos de modernizao, assincronia e, em ge-ral, todos os que introduzem uma perspectiva teleolgica na anlisecientfica, Ao usar conceitos tais como "efeito de demonstrao" e"efeito de fuso", Germani incorporou uma dimenso estruturalem sua anlise. embora no tenha levado as conseqncias-desta in-corporao sua concluso lgica, No foi por outra razo que ter-

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    IIIIII,IU p"r manter urnu ubor dugern teleolg icu na analise dos Ie n o-111,11\', p o li t icux. 'Os 'elementos que se "fundem" u so ubsoluta-m cnt c "t rudicio nuis". o u absolutumerue "modernos", Em que co n-"i"te, cntu, esse processo de "fuso"? Neste ponto. Gerrnuni evitaconst r uir um conceito que nus permita cornpr eend-lo - "Fuso " uma puluvru lusiva ou uma metfora. mas no um conceito - esubstitui eSS,t coustruo ror uma explicao em termos de origens:a i'US:t'l scr in II resultado de uma assincroniu. Ou seja, do efeito dei'us:ill Sll se IlllS explica o que c! inteligvel em termos de nossos doispurudig rnu: IIS elementos que se fundem, Como ocorre geralmenteCOI11,tS cxpticuces em termos de purudigrnus, tudo o que sabemosao i'inal du unlisecorresponde ao que j huviu sido colocado noincio, Os purudigrnus s explicam a 'si mesmos,

    Manter ou no lnnu perspectiva teleolgica e uma explicaoem termos de purudigrnus tem conseqncias irnporiuntes para aanlise de processos policos concretos, Tomemos um exemplo co-mum na literatura sobre o populismo: o do migrunte recente. Ele usudo. [rcuicntcmente. puru explicar J10r que os setores sociais ori!;!ill:'trios de 1.11llaS rurais u irusudus. ao se incorporarem fora det ruha lhu das novas indstrias urbanas em expunso. tm dificulda-des CI11desenvolver [1/11sindiculismo de tipo europeu. e so [acil-I11Cl1tcconquisru dos J10r mobilizuces de tiJ10 populistu, Germani eoutros tendem a explicar este fenmeno corno sendo. essencialrnen-te. II resultado de dois J1rUL't:SSOS:(I) massas sem experincia polui-e,l truzcm consig o, das zonas rurais. UI11tiJ10 tradicional de rnentuli-dude e de idculcgiu que ainda no tiveram tempo puru superar. emuvur de urna ideologia moderna e de um estilo de ao poltica se-mclh.uuc ,IllS da classe operr iu europia: (2) os ussincronism os doprocesso de desenvolvimento impelem, prernut urumente. essas mas-sas rara a al,:~illpoltica. COIll o que a uusncia de uma "conscinciade clussc" desenvolvida. gera [ormus de mobilizuco desvianies en o rcxul tu CI11umu u t ividude orgunizucionul autnoma da classecoruo t.rl. f: bvio que os migrunres recm-chegados trazem consigoum tiro de mcntulidude rural. Tambm evidente que esta rneruuli-dude se tr.msfor mu em comuto com o meio urbano e com a utividu-de industrial. Os problemas tm inicio quando tentamos medir ogr

  • vemos isto mais de perto. Uma vez chegados a Vrlj centro urbano,os rnigruntes comeam a sofrer um conjunto de presses: explora-o de classe nos novos empregos. que os transfotma em prolet-rios: presses mltiplas da sociedade urbana - problemas de habita-o. sade. educao - atravs das quais entram em relaes dialti-cus e conflitantes com o Estado. Nessas circunstncias. a reao na-tural seria reafirmarem os smbolos e valores ideolgicos da socie-dade de que procedem. de modo a manifestarem seu antagonismoem relao nova sociedade que os explora. Superficialmente. esse'fenmeno se assemelharia sobrevivncia dos velhos elementos, po-rm. na verdade. por trs dessa sobrevivncia. oculta-se uma trans-[onnao: esses "elementos rurais" constituem. simplesmente. amatria-prima que a prtica ideolgica dos novos migrantes trans-forma. a fim de expressar novos antagonismos. Neste sentido. a re-sistncia de certos elementos ideolgicos a se articularem no discur- .so dominante dos velhos setores urbanos pode expressar exatamen-te o oposto ao tradicionalismo: uma recusa em aceitar a legalidadecapitalista que. neste sentido - ao refletir o mais radical dos confli-tos de: classe - expressa uma atitude mais "avanada" e mais "mo-derna" do que o sindicalismo de estilo europeu. O estudo cientficode ideologias pressupe. precisamente. a anlise desse tipo de trans-formao - que consiste em um processo de articulao e de desar-ticulao dos discursos - e do "campa ideolgico" que lhes d senti-do. Porm. esse processo ser ininteligvel na medida em que se atri-bua aos elementos ideolgicos uma origem essencial paradigmtica.

    A concluso que se depreende da anlise anterior inequvoca:o significado dos elementos ideolgicos identificados com o popu-lismo devem ser procurados na estrutura da qual so um simplesmomento. e no em paradigmas ideais. Essas estruturas parecemreferir-se - tambm inequivocamente - natureza de classe dos mo-virnentos populistas, a suas raizes nos modos de produo e a suasarticulaes. Deste modo. nossa explorao das tedrias relativas aopopulismo parece reduzir-se a uma viagem circular: comeamos as-sinulando a ;mpossibiliciade de vincular o elemento estritamentepopulistu natureza de classe de um determinado movimento: emseguida. passamos a analisar as teorias que o apresentam como aexpresso de situaes em que as classes no conseguem expressar-se plenamente como tais: e. agora. conclumos que os traos ideol-gicos que: resultam desse tipo de situao s faz.em sentido se referi-dos ti estrutura de que Iazern parte, isto . estrutura de classes.

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    Aparentemente: no haveria uma maneira de escapar a estecrculo vicioso. Por um lado. o elemento estritam;ente "populista"s encontra sua especificidade se deixamos de considerar a naturezade 'classe dos movimentos pop.ulistas concretos. M as. por outro la-do. devemos nos referir s contradies de classe. como um mo-mento estrutural fundamental para encontrar o princpio da unida-de das diversas carabtersticas polticas e ideolgicas isoladas. En-tretanto. se observa+mos o problema mais de perto. veremos queeste crculo vicioso na realidade o resultado de uma confuso.Esta confuso provm de uma ausncia de diferenciao de dois as-pectos: o problema geral da determinao de classe das superestru-turas poltica e ideolgica e as formas de existncia das' classes aonvel das referidas superestruturas. Observe-se que se trata de doisproblemas diferentes: afirmar a determinao de classe das superes-trnturus no significa estabelecer e forma em que essa definio seexerce. (Ou. o que o mesmo. a forma em que as classes enquantotais esto presentes nelas.) A identificao de ambos os problemass se justifica-se se pensa a ~xistncia das classes sociais. a nvelideolgico e poltico, sob a forma da reduo. De fato. se todo ele-mento ideolgico e poltico tem um pertencimento de classe neces-srio, bvio que .a classe se expressa tambm, necessariamente,atravs dele. Em conseqncia, as formas de existncia poltica eideolgica de uma classe se reduziram. enquanto momentos neces-srios. explicitao de sua essncia. Em conseq ncia, as classesno mais determinariam as superestruturas poltica e ideolgica mas as absorveriam como um momento necessrio em seu processode autodesdobramento. Como se sabe. este tipo de interpretaopode se apresentar sob uma perspectiva economicista - comum nocaso do marxismo da Segunda e da Terceira lnternacionais aoieorizar as superestruturas como um reflexo das relaes de produ-o. 'ou ento. sob uma perspectiva "superestruturalista" (Luk csou Korschkao tornar a "conscincia de classe" o momento funda-mental e constitutivo da classe como tal. Em ambos os casos. entre-tanto. a relao entre classe e:superestrutura concebida em termosigualmente reducionistas. Da mesma forma. esta concepo conduza uma identificao entre: a classe como tal e o grupo social ernpiri-camente obse rvvel. Porque se cada uma das caractersticas de umdado grupo pode ser reduzida - ao menos em principio - .sua na-turcza de classe. no h como distinguir entre: ambos. A relao en-

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  • j":I:!'tre a insero do grupo nos processos de produo - sua naturezade classe - e suus caructersticas "empricas", seria-de tipo idntico que a filosofia medieval estabelecia entre natura naturans e natu-ra naturata. Compreende-se. assim. que uma concepo que faz dareduo de classe a fonte ltima ,da inteligibilidade de qualquer fe-nmeno se depare com dificuldades especiais na anlise do populis-mo, e lenha oscilado entre reduzi-I o expresso dos interesses deuma classe - ou da imaturidade dessa mesma classe - ou ento. con-tinuar empregando o termo de um modo indefinido e meramentealusivo.

    Sigamos. entretanto. uma outra linha de racioclnio. Abando-nemos o pressuposto reducionista e definamos ~s classes como osplos de relaes de produo antagnicas que, enquanto tais, notm nenhuma forma de existncia, necessria" aos nveis ideolgicoe poltico. Afirmemos, ao mesmo tempo, a determinao. em lti-ma instncia, dos processo! histricos pelas relaes de produo, oque equivale a dizer, pelas classes. Desta mudana de nfase deri-vam trs conseqncias fundamentais:

    I. No mais possvel pensar a existncia das classes, aos nveiside(}ll~ico e poltico, sob a forma da reduo. Se as classes esto pre-sentes aos nveis ideolgico e poltico - pois as relaes de produoconservam o papel de determinao em ltima instncia - e se oscontedos ou ideologia e da prtica poltica deixaram de ser as for-mas necessrias de -existncia das classes a esses nveis, o nicomodo de conceber-lhes tais presenas afirmar que o carter declasse de uma ideologia dado por suaforma, e no por seu conte-do. Em que consiste a forma de uma ideologia? J vimos anterior-mente!' que a resposta est no principio articulatrio de suas inter-pelaes consu.utivas. O carter de classe de um discurso ideolgi-\:O se revela no que poderamos chamar de seu princpio articulat-rio especifico. Tomemos um caso: o nacionalismo. Trata-se de umaideologia feudal, burguesa ou proletria? Considerado em si, notem nenhuma conotao c1assista. Esta ltima s deriva de sua arti-culaco especfica com outros elementos ideolgicos. Uma classe

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    fj,,~' 12 A concepo da ideologia e da polltica come. nlveis apresenta uma srie de difi

    culdudcs em que no podemos entrar neste texto. Continuaremos. portanto.usando o lermo corrente.

    t.1 Cf. supra. Capo J. subtulo "Interpelaes de classe e interpelac.:S popular-dernocrticus" .li;:1'

    166

    lcud.rl. ror exemplo. pode vincular o nacionalismo manutenode um sistema hierrquioo-autoritrio de tipo tradicional - bastalembrar a Alemanha de Bismark. Uma classe burguesa pode ligar onucionulismo ao desenvolvimento de um Estado-Nao centraliza-do em luta contra o purticularlsrno feudal e, simultaneamente, ape-lar para a unidade nacional como meio de neutralizar os conflitosde classe - recordemds o caso da Frana. Finalmente, um movi-mento comunista pode denunciar a traio da causa nacionalistapelas classes capitalistas, e articular o socialismo ao nacionalismo,em um discurso ideol6gico unitrio - pensemos, por exemplo, emMao. Dir-se- que.entendemos por nacionalismo algo diferente nostrs casos. J:. verdade, mas nossa meta , precisamente, determinaronde reside li diferena. Ser que o nacionalismo refere-se a conte-dos to diversos que niio seja possvel identificar um elemento co-mum de sentido em todos eles? Ou talvez ocorra que certos ncleoscomuns de sentido estejam conotativamente ligados a campos ideo-lgico-urticulutrios distintos? Se aceitarmos a primeira soluo,teramos que concluir que a luta ideolgica enquanto tal irnposs-vel, uma vez que as classes s6 podem competir a nvel ideolgicocaso exista um matco comum de sentido compartilhado por todasas foras em luta. justamente este "background" de significadoscompartilhados que permite aos discursos antagnicos estabelece-rem suas diferenas. Os discursos polticos das diversas classes, porexemplo; consistem em esforos articulat6rios antagnicos, em quecada classe se apresenta como a autntica representante do "povo","do interesse nacional", etc. Se, por conseguinte, aceitarmos a se-gunda soluo - que consideramos correta - ser preciso concluirque as classes existem aos nlveis ideolgico e poltico, sob aforma daarticulao, e no da reduo.

    2. A articulao requer. portanto, a existncia de contedos">interpelaes e contradies - no classistas, que constituem a ma-tria-prima sobre a qual atua a prtica ideolgica de classe. Essaprtica ideolgica determinada no somente por uma viso domundo coerente com a insero de uma classe no processo de pro-duo, como tambm, por suas relaes com as outras classes, epelo nvel concreto. da luta de classes. A ideologia de uma classe

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    14 A~ prricus. nuturalrnente. esto sempre corporificadus em aparelhos ide orgi-coso

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  • 1111!dominante no consiste apenas em uma Wcl tansch aung" que ex-presse ideologicamente sua essncia, mas tarnbrn uma parte doaparelho de dominao desta classe.i A ideologia da classe domi-nante, justamente por ser dominante, interpela no s os membrosdesta classe mas, tambm, os membros das clas,es dominadas. Aforma concreta que assume a interpelao dessas ltimas consistena absoro purciul e neutralizaco dos contedos ideolgicos atra-vs dos quais se expressa a resistncia dominao. O mtodo atra-vs do qual se realiza esse processo o de eliminar o antagonismo etrunsforrn-Io em uma simples diferena. Uma classe hegemnicano tanto na medida em que capaz de impor uma concepo uni-forme do, mundo ao resto da sociedade, mas na medida em que con-siga articular diferentes vises de mundo de forma tal que seu anta-gonismo potencial seja neutralizado. A burguesia inglesa dg sculoXIX transformou-se em uma classe hegemnica no atravs da irn-posico de uma ideologia uniforme s demais classes, e sim' na me-dida em que conseguiu articular diferentes ideologias a seu projetohegemnico, graas eliminao de seu carter antagnico: a aris-iocruciu no foi abolida, ao estilo jacobino, ma~ reduzida a um pa-pel cada vez mais subordinado e decorativo, enquanto as reivindi-caes da .classe operria eram parcialmente absorvidas - o que re-sultou no reformismo eno sindicalismo. O particulrismo e a natu-reza ad hoc das instituies e da ideologia dominante na Gr-Bretanha no refletem, portanto, um desenvolvimento burgus in'-suficiente: mas justamente o contrrio: o supremo poder articula-dor da burguesia'!' Do mesmo modo, as ideologias, das classes do-minadas consistem em projetos articulatrios que tentam desenvol-ver os antagonismos potenciais constitutivos de uma formao so-cial determinada. O importante para nosso tema que a classe do-minante exerce sua hegemonia de duas maneiras: (I) atravs da arti-culao, ao seu discurso de classe, das contradies e 'interpelaesno classistas: (2) atravs da ubsorco de contedos que fazem par-te do discurso poltico e ideolgico das classes dominadas, A pre-

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    N. do :r.: Uma cosrnovis o abrangente, especialmente de um certo ponto de vis-ta (do alemo "viso do mundo").

    15 Neste ponto discordo do ponto de vista de Perry Anderson, para quem a persis-tencin do particulerisrno institucional e ideolgico britnico t: a expresso de umarevoluo burguesa no consumada inteiramente. Cf. Perry Andcrson, "Originsof the Present Crisis", Nrw Left Review, n' 2J.

    168

    scncu de reivindicaes operrias em um discurso -a jornada deoito horas, por exernplo v no suficiente para determinar a natu-reza de classe deste discurso. O discurso poltico da burguesia passatambm pela uceitao da jornada de oito horas como uma reivin-dicaco "justa", e por uma legislao social avanada. Isto umaprova clara de que no na presena de determinados contedos deum discurso e sim no princpio articulatrio que os unifica que de-vemos procurar o carter de classe de uma polftica e de uma ideolo-gia.

    Pode uma classe dominante, atravs da incorporao sucessivade elementos do discurso ideolgico das classes dominadas, chegarao ponto de que seus prprios principios articulatrios de classe se-jam' questionados? Esta , por exemplo, a tese levantada por C. B.Macpherson, acerca dos dilemas da teoria democrtico-liberal nosculo XX, quando "Ela tem de continuar usando as hipteses deindividualismo possessivo, em um momento em que a estrutura dasociedade de mercado j no proporciona as condies necessriaspara deduzir uma teoria vlida de obrigao polltica a partir daque-las hipteses"." A luta de classes determina mudanas na capacida-de ideolgica-artiaulatria das prprias classes. Quando uma classedominante vai demasiado longe em sua absoro de contedos dodiscurso ideolgico das classes dominadas corre o risco de que: umacrise venha 11 diminuir sua prpria capacidade neutralizadora, e deque as classes dominadas tenham condies de impor seu prpriodiscurso articulador no seio dos aparelhos de Estado. E o caso dautual situao na Europa Ocidental, onde a expanso do capitalis-mo monopolista torna-se cada vez mais contraditria com as insti-tuies democrticas liberais criadas pela burguesia em sua etapacompetitiva e em que, conseqentemente, a defesa e ampliao dasliberdades democrticas se ligam, cada vez mais, a um discurso so-cialista alternativo. tambm o caso, tomando um exemplo maisclssico, da transformao, descrita por Lenine, das bandeiras de-mocrticas em bandeiras socialistas, no decorrer de um processo re-volucionrio.

    (3) A terceira concluso a tirar da anlise anterior que, se asclasses se definem como os plos antagnicos de um modo de pr o-

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    16 C, H, Macpherson, The Politicol Theory 01 Possessive lndividuolism, Oxfor d,1972. r 275,

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    plllilic\). SU'I pr cciso conceituul no ultrupussu o plano purumeru ealusivo ou mcuurico. Dizamos no incio deste ensaio, que "popu-lism u' l: um conceito ao mesmo tempo rugido e recorrente. Agoracntcndcnn, p\)r que l: ru!!iuo: porque t\)JI)~ os US\)S UO ICrnH) \l rcrc-rC111:J \1111lundamcntu unulgico que, ror sua vez. carece de preci-S:il) coucciruul. lnh ur i explicar a recorrnciu do termo. A persis-tl:llci:1 de sua utili/,

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    por Thlrnunn. i\1uso embora constituindo mero elementos, as tra- .dies populares esto longe de ser arbitrrias e no podem ser mo-dificadas vontade. Elas so o resduo de urnaexperincia histricanica e irredutvel e, enquanto tal, constituem uma estrutura de sig-nificados mais slida e durvel do que a prpria estrutura social.Esta dupla referncia ao povo e s classes constitui o que podera-mos denominar, de dupla articulao do discurso polltlco.

    Examinemos um exemplo especialmente ilustrativo: a excelen-te anlise sobre As Guerras Camponesas na Alemanha, de Engels,feita por Alain 8adiou e Francois Balrns. Estes dois autores che-gam, em algum aspectos, a concluses semelhantes s nossas, aindaque a partir de uma perspectiva terica e poltica com a qual esta-mos longe de concordar. Conforme destacam, o texto de Engelsconstitui uma pea privilegiada para observar os limites com que sedefronta uma mera anlise de classe. Engels" afirma: "Nesta poca(sculo XV e incio do XVI) os plebeus eram a nica classe que semantinha inteiramente margem da sociedade oficial existente ...Careciam de privilgios e de bens; no .tinharn sequer a propriedadegravada com taxas esmagadoras dos camponeses e pequeno-burgueses. Eram, em todos os sentidos, seres sem bens e sem direi-tos; suas condies de vida jamais os colocavam em contato diretocom as instituies existentes, que os ignoravam completamente ...Isto explica por que a oposio plebia no se p.ode limitar nemmesmo ento a lutar s contra o feudalismo e os burgueses privile-giudcs: porque, pelo menos na imaginao, chegou alm da moder-na sociedade burguesa recm-nascendo; porque um grupo absolu-tamente sem propriedades questionou as instituies, os pontos devista e as concepes com uns a todas as sociedades baseadas nosantagonismos de classe ... A antecipao do comunismo pela fanta-sia converteu-se, em realidade, em uma antecipao das modernascondies burguesas. Apenas nas doutrinas de, Mnzer estas resso-nncias comunistas expressam as aspiraes de uma verdadeira fra-o da sociedade. Ele foi o nico a formul-Ias com uma certa niti-dez, e a partir dele foram observadas em todos os grandes levantespopulares, at se fundirem gradualmente com o movimento prole-trio moderno". .

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    19 F. Engels, The Peasant Wor in Grrmany, Moscou, t956, pp. 59-60 . N. do T.: o trecho citado tambm est em Marx e Engels, Sobre 10 Rcltgin,

    (Capitulo intitulado "La Guerra Carn pesina en Alernania"), da Editorial Carta-go, BueAOS Aires, t959, pp. 90-92.

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    Os termos do problema esto claros. Encontramos em M nz.erum progr arnu comunista que perdurar como tema ideolgico. emtodos os grandes levantes populares da poca mercantilista, at [un-dir-se com o programa do proletariado moderno. (Engels chega aafirmar que as seitas comunistas do sculo XIX, s vsperas da re-voluo de maro, no contavam com um arsenal terico melhorequipado do que os seguidores de Mnz.er.) O problema que se co-loca. como indicam Badiou e Balms, doterminar de que prticade classe este programa constitui a expresso. A resposta de Engelsa estu questo hesitante. Por um lado, procura resolver o proble-ma dentro de um marco estritamente classista: um programa comu-nista s pode ser o .programa do proletariudo c, neste sentido, osplebeus mnzerianos do sculo XVI constituiriam um proietariadoembrionrio. que se expressaria ideologicamente atravs de um cer-to comunismo de massa. Esta no , contudo, como destacam Ba-diou e Balmes. uma resposta convincente, uma vez que toda evidn-cia demonstra trutur-se dc uma ideologia comunista que reflete eunifica uma revolta camponesa. As insurreies camponesas geramidias de tipo igualitrio e comunista, e foram estas as idias queThornus M nzer sistematizou. Em conseqncia, necessrio par-tir para uma soluo alternativa. Com base em outras passagens domesmo texto de Engels, Badiou e Balms sugerem o seguinte: "asrrssonncias C11/11un ist as so uma constante dos levantes popularesparcialmente .uutnornos em relao ao "movimento proletriomoderno", que seu realizador histrico. Abre-se aqui. ria esferaideolgica, uma dialtica do povo e do proletariado. il qual o rnaos-mo veio a conferir toda sua amplitude:"."

    Da anlise precedente v , Badiou e Bulrns derivam as seguintes'concluses tericas: "Todas as grandes revoltas de massas das 'su-cessivas classes explorudus (escravos. camponeses, proletrios) en-contram sua expresso ideolgica nas Iorrnulaces igualitrias. an-ti proprietria e untiestutul que constituem as linhas mestras de umprograma comunista ... So os elementos dessa tomada geral de po-sio pelos produtores rebelados que denominamos de invoriant escomunistas: inva riantes ideolgicas de tipo comunista. continua-mente regeneradas pelo processo de unificao das grandes revoltaspopulares de todos os tempos. As invariantes comunistas no tm

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    li/li curter de classe, definido: sintetizam a a spir aco universal dosexplorados no sentido de derrubar todo princpio da explorao eda opresso, Elas nascem no campo da confrontao entre as massas(' li Estado. Naturalmente, esta contradio , ela prpria, estrutu-ruda em termos de classe, pois o Estado sempre o Estado de umaclasse dominante especifica, Entretanto, existe uma forma geral doEstado. organicamente vinculada prpria existncia das classes eda explorao, contra a qual as massas invariavelmente se insur-gem, portadoras que so de sua dissoluo e do movimento histri-co que "relegar todo o aparelho do Estado ao lugar que, da pordiante ser o seu: ao museu de antiguidades, ao lado da roca e domachado de bronze"."

    Esta anlise tem o mrito indiscutvel de ter Isolado o "povo"como plo de uma contradio que no de classe, e de haver colo-cado esta contradio como a oposio entre as massas e o Estado,O inconveniente da formulao de Badiou e Balrns, entretanto, es-t em confundir a forma de resoluo lgica da contradio queanalisam - isto , a supresso do Estado - com as formas 'concretase histricas de existncia desta contradio. Nenhum dos dois ter-mos da denominao que utilizam - "invariantes comunistas" - po-dem justificar-se sem restrio. O comunismo no representa a for-ma normal de existncia da ideologia "igualitria, antiproprietriae antiestutul" das massas, e sim uma articulao muito particulardela: precisamente u que permite o desenvolvimento de tudu II untu-gonismo potencial desta ideologia, Normalmente, o antagonismoinerente a esta contradio neutralizado e parcialmente absorvidopelo discurso das classes dominantes. C. B. Macpherson, por exern-rio, estudou a forma como a ideologia popular-democrtica foiprogressivamente desligada de seus elementos antagonsticos que,no incio do sculo XIX, identificavam-na com o governo "dos queesto e~baixo"*e com 'O jacobinisruo odiado, de modo a permitirsua absoro e neutralizaco pela ideologia liberal dominante. Afir-ma: "Na poca em que surgiu a democracia, nos atuais pases de-mocrtico-liberais, ela no mais se opunha sociedade liberal e aoEstado liberal. J era, ento, no uma tentativa das classes maisbaixas de derrubar o estado liberal, ou a economia competitiva demercado; era uma tentativa das classes mais baixas de assumir, ple-

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    ~I li", ";1,. p. 1>7. Nol:! de Reviso - em ingls, "under ling s".

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    na e justamente, seu lugar competitivo dentro daquelas instituiese daquele sistema de sociedade. A democrada havia sido transfor-mada. De uma ameaa ao Estado liberal, tornara-se uma realizaoplena do Estado liberal... O Estado liberal realizara sua prpria l-gica. E ao Iaz-lo, nem se destruiu nem se enfraqueceu: fortaleceutanto a si mesmo como sociedade de mercado. Liberalizou a de-mocracia ao democratizar o liberalismo", ".

    Assim' como a ideologia popular-dernocrtica pde ser articu-lada ao liberalismo, pode tambm ser articulada ao socialismo e aoutras ideologias de classe. No livro j citado; Macpherson estudaalgumas destas articulaes. A concluso clara: a democracia sexiste" a nlvel ideolgico, sob a forma de elementos de um discurso.No existe um discurso popular-democrtico como tal. Neste senti-do, a democracia no espontaneamente comunista, pela simplesrazo de que no cfiste uma espontaneidade democrtica, A lutapopular-democrtica est subordinada luta de classes e a ideolo-gia democrtica s existe articulada como momento abstrato de umdiscurso de classe. Creio ser necessrio estabelecer aqui uma distin--o: (I) a ideologia espontnea das massas enquanto conjunto arti-culado ser sempre urna ideologia de classe; (2) todavia, os elemen-tos ideolgicos democrticos conduzem potencialmente ao comu-nismo, na medida em que O desenvolvimento lgico da contradio"povo"/bloco de poder conduz supresso do Estado.Tintretanto,as potencialidades antagnicas de uma contradio e sua forma deexistncia - que no que consiste a espontaneidade - so aspectosmuitodiferentes, A transformao da potencialidade antagnica dademocracia em espontaneidade concreta das massas depende deuma condio histrica que ultrapassa o campo da luta popular-democrtica: do surgirnento, como fora hegemnica, de uma classecujos .prprios interesses levem-na supresso do Estado, Nestesentido,somente O socialismo representa a possibilidade de .plenodesenvolvimento e superao da contradio "povo't/bloco de po-der, '

    A partir da, podemos ver por que errado denominar de ;/11'0-riante as ideologias populares." Se estamos nos referindo s ideolo-

    22 C. B. Macpherson. The Rea! Worldof Democracy, Oxford, 1975, pp. 10-",23 Badiou e Balmes poderiam alegar que no chamam de invariames H ideologias

    populares com" tais, e sim 80S elementos comunistas presentes nelas. Isto, contu-do, no afeta nossa critica, porque, como argumentamos no texto, o comunismono uma invariante mas um. das articulaes possveis do! elementos popular.democrticos.

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    grus como lodos articulados, evidente que no so "invariantes", esim. que mudam de acordo com o ritmo da luta dCl'dasses. Se, pelocorurrio, nos referimos aos elementos popular-democrticos dodiscurso como tais, o processo de transformao mais complexomas. seja como for, tarn po uco podemos falar de invariantes. Veja-mos um exemplo para ilustrar nossa argumentao. Imaginemosuma formao social semicolonial em que uma frao dominantedos proprietrios de terras explore comunidades camponesas ind-genas. A ideologia do bloco dominante liberal e eurcpeizante, en-quanto a dos camponeses explorados antieuropia, indigenista ecomunitria. Esta segunda ideologia - a nica que se ope ao blocode poder - tem, portanto, uma ntida origem camponesa. Nesta so-ciedade surge uma crescente oposio urbana de classes mdias eoperrias, que disputam o monoplio do poder frao latifundi-ria hegemnica. Nestas circunstncias, os intelectuais orgnicosdestes novos grupos, que tentam dar coerncia e sistematizao sua oposio poltica, apelaro cada vez mais para smbolos e valo-res dos grupos camponeses, porque constituem as nicas matrias-primas ideolgicas que, nesta formao social, expressavam um en-[rentamrnto radical COIl1 o bloco de poder. Mas no processo de refor-mulao urbana desses smbolos e valores, eles se transformam:perdem sua referncia a uma base social concreta e passam a trans-Iorrnur-se em expresso ideolgica do confronto povo/bloco de po-der. Da por diante. tero perdido toda a referncia classista e pode-ro, em conseqncia, articular-se aos discursos ideolgicos dasclasses mais diversas.

    Mais ainda, nenhum discurso poltico poder prescindir deles:as classes dominantes, para neutraliz-Ios, as classes dominadas,para desenvolverem seu antagonismo potencial, esses elementosideolgicos estaro sem pre presen tes nas mais variadas articula-cx. ( oportuno recordar as metamorfoses do nacionalismo mexi-cano, li onipresena do indigenisrno como smbolo ideolgico noPeru. ou as reforrnulaes antagnicas dos smbolos ideolgicos doperunisruo ror suas alas de esquerda e direita). Assim se explica por411t.: esses elementos ideolgicos qua elementos mudam com maiorlentido do que' a estrutura de classes: porque representam simplesmument os abstratos de um discurso e porquanto expressam umacorurudio inerente a toda sociedade de classes, que no se !i.ga, deforma exclusiva. a um modo de produo determinado. Porm,corno vimos. ainda que com maior lentido e obedecendo a leis di-

    Ierentes das que regem os discursos de classe. eles tambm se t r a ns-furmam. .

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    J determinamos, ento, o status terico do conceito de "po-vo", e a contradio especifica de que ele constitui um dos plos.Todavia, ainda no definimos a especificidade do populismo. Po-deramos considerar populista aquele tipo de discurso em que pre-dominam as interpelaes popular-democrticas? Evidentemente,no. Numerosos discutsos ideolgicos fazem referncia 'ao povo,sem que por isso pensssemos em qualific-Ios de populistas. Se,portanto, no a mera presena de interpelaes popular-democrticas em um discurso o que o transforma em populista e se,todavia, sabemos que o populismo est diretamente ligado pre-sena do "povo" neste discurso, devemos concluir que o que trans-forma um discurso ideolgico em populista uma forma peculiar dearticuiaco das interpelaes popular-democrticas nele. Nossa lese que o populismo consiste na apresentao de interpelaes popular-democrticas como um conjunto sinttlco-antagnico com relao ideologia dominante, Examinemos isto em detalhe. Como j vimos,a ideologia das classes dominantes consiste no somente em inter-pelar os sujeitos dominantes como, tambm, as classes dominadas,com o efeito de neutralizar seu antagonismo potencial. J dissemostambm que o mtodo fundamental deste processo de neutraliza-co consiste em transformar todo antagonismo em diferena, Arti-cular as ideologias popular-democrticas ao discurso dominanteconsiste em absorver tudo o que nelas simples particularidade di-ferencial e reprimir os elementos que tendem a transformar a parti-cularidade em sfmbolo do antagonismo. (O c1ientelismo nos distri-tos rurais, por exemplo, exaltar tudo o que for folclrico na ideo-logia de massas. ao mesmo tempo em que, ao representar o caudi-lho como intermedirio entre as massas e o Estado, tender a repri-mir o elemento antagnico.) neste sentido que a presena de ele-mentos populares em um discurso no suficiente para transform-10 em populista. O populismo comea no ponto em que os elemen-.ios popular-democrticos se apresentam como opo antagnicaface ideologia do bloco dominante. Observe-se que isto no signi-fica que o populismo seja sempre revolucionrio. Basta que, paraassegurar sua hegemonia, lima classe ou frao de classe requeirauma transformao substancial do bloco de poder para que umaexperincia populista se torne possvel. Podemos indicar, neste sen-

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    tido, a existncia de um populismo das classes dominantes e de umpopulisrno das Classes dominadas: -

    (a) Quando o 'bloco dominante sofre uma crise profunda, por-que uma nova frao que tenta impor sua hegemonia no consegueIaz-lo dentro da estrutura existente do referido bloco de poder,uma das solues possveis pode ser um apelo direto por parte dessafrao s 'massas para que desenvolvam seu antagonismo em faceao Estado. Como salientei anteriormente 24, foi este o caso do nazis-mo. O capital monopolista no podia impor sua hegemonia dentrodo sistema institucional vigente - como o fizera na Inglaterra ou naFrana - nem tampouco podia apoiar-se no Exrcito, que const-iula um "c 'clave" sob a influncia feudal dos "[unkers". A nicasoluo era um movimento de massas que desenvolvesse o antago-nismo potencial das interpelaes populares, mas articuladas demodo a impedir sua canalizao em urna direo revolucionria. Onazismo constituiu. em conseqncia, uma experincia populista e,como todo populismo das classes dominantes, teve que ape\arparaum conjunto de distores ideolgicas - como o tacismo - para evi-tar que o potencial revolucionrio das interpelaes populares seorientasse no sentido de seus verdadeiros objetivos. O populismodas classes dominantes sempre altamente repressivo porque tentauma experincia mais perigosa do que um regimeparlamentar: en-quanto o segundo simplesmente neutraliza o potencial revolucion-rio das interpelaes populares, o primeiro procura desenvolver esteantagonismo. embora mantendo-o dentro de certos limites.

    (b) Para os setores dominados, a luta ideolgica consiste emexpandir o antagonismo implcito nas interpelaes democrticas eem articul-lo ao prprio discurso de, classe. A luta da classe oper-ria por sua hegemonia consiste em alcanar d mximo possvel defuso entre a ideologia popular-democrtica e a ideologia socialis-ta. Neste sentido, um "populismo socialista" no a forma maisatrasada de ideologia operria, mas sua Io. ma mais avanada: omomento em que a classe operria consegue condensar em suaideologia o conjunto da ideologia democrtica em uma formaosocial determinada. Dar, o carter inequivocamente "populista"que adotam os movimentos socialistas vitoriosos: lembremo-nos deMao, de Tiro e. at. do Partido Comunista Italiano - que. na Euro-pa Ocidental. foi o que mais se aproximou de uma posio hegern-nica - que foram inmeras vezes qualificados de populistas.

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    24 C r. unter iormente pp. I';~ 125.[80

    V-se assim pqr que p o ssivel chamar, ao mesmo tempo, Hi-tler, Muo, e Peron, de populistas. No que as bases sociais de seusmovimentos fossem semelhantes. nem que suas ideologias expres-sassem os mesmos inte:esses de classe, e sim porque nos discursosideolgicos de todos eles as interpelaes populares so apresenta-das sob a forma de antagonismo e no somente de diferena. Suaoposio ideologia dominante pode ser mais ou menos radical e,em conseqncia. o antagonismo estar articulado aos discursos declasse os mais divergentes, porm, de qualquer forma, estar sem-pre presente: e esta presena o que, intuitivamente. percebemoscomo constituindo o elemento especificamente populista na ideolo-gia dos trs movimentos.

    Recordemos, para concluir, o que dissemos em nosso estudosobre o Iascismo: acerca c jacobintsmo, Depois de indicar a formaem que as interpelaes populares se articulam nos discursos detipo clientelistico e nos discursos prprios aos partidos populares,destacamos que, no jacobinismo, as interpelaes popular-democrticas adquirem o mximo de autonomia cornpatlvel comuma sociedade de classe. Dissemos, tambm, que este um movi-mento puramente transitrio que, cedo ou tarde, se dissolve, com areubsor o das interpelaes populares pelos discursos ideolgicosde classe. O importante que essa reabsorco pode-se dar de duasmaneiras: ou os elementos popular-democrticos se mantm a nvelde meros elementos, enquanto se aceita. cada vez mais, o marcoideolgico vigente: ou se produz uma cristalizao da inflexo jaco-bina: organizao das interpelaes popular-democrticas em umatotalidade sinttica que, unida a outras interpelaes, que adaptamo jucobinisrno aos interesses das classes que atravs dele se expres-sam, apresenta-se como alternativa antagnica ideologia vigente.A primeira soluo significa uma reconverso do estgio o jacobi-nistno ao dos partidospopulares, A segunda soluo o populismo.Fica claro. assim: (I) que "populista" em uma ideologia a presen-eu de interpelaes popular-democrticas em seu antagonismo es-pecfico: (2) que o conjunto ideolgico, do qual o populismo ape-nas um momento. consiste na articulao deste momento antagni-co a discursos de classe divergentes. Portanto. no se pode afirmarque as ideologias populistas concretas sejam supraclassistas, embo-ra iumpouco possa vincular-se o momento estritamente populist ado discurso a uma classe deterrnineda,

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    Se ;IS ;lrgulllelll;l(,:es anteriores estiverem corretas. o populis-ruo surge his or ica m e nte ligado a uma crise do dissurso ideolgicodorninurue que ~. ror sua vez. parte de uma crise social mais geral.J.:sta crise pude ser , quer o resultado de uma ciso no bloco de po-der, em que urna classe ou frao de classe necessita. para afirmarsua hcgemoniu, upelur ao povo contra a ideologia vigente em seuconjunto; quer o resultado de uma crise na capacidade do sistemapara neutralizar os setores dominados - isto . uma crise do trans-Iorrnisrno. Naturalmente. uma crise histrica importante combinaurnbos os ingredientes. O que fica claro que as "causas" do popu-lisrno tm pouco a ver com uma determinada etapa do desenvolvi-I/WI/III. como supem as teses funcionalistas. I:: certo que o longoprocesso de expanso das foras produtivas. que caracterizou naEuropa a etapa do capitalismo monopolista, aumentou a capacida-de do sistema de absorver e neutralizar suas contradies. Porm.turnbrn certo que sempre que o sistema capitalista sofreu umacrise grave, na Europa Ocidental, diversas formas de populismo no-rescerurn. Lembremo-nos apenas que a crise aps a Primeira Guer-ra M un diul que provocou o triunfo do fascismo. que a crise econ-mica mundial que conduziu ascenso do nazismo. e que a reces-so mundial de hoje. que se faz acompanhar do surgimento de fen-menos diversos - como o florescirnento dos regionalismos - tendema se expressar em ideologias que fuzern do populismo um momentocentral. .

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    Torneruos como exemplo de articulao popullsta das interpe-laes democrticas. um caso especialmente ilustrativo em funodas mltiplas metamorfoses que. sofreu: o peronismo. Nenhumaoutra ideologia populistu latino-americana se constituiu a partir daarticulao de interpelaes mais dispares; nenhuma outra obtevetanto xito no esforo de se transformar em denominador comumda li nguagem popu lar-democrtica das massas; ri nalmen te, nenh u-ma outra esteve articulada a discursos de classe to diversos.

    O peronisrno tem sido considerado - junto com o varguismo -um dos dois exemplos tlpicos de movimento populista latino-americano. Da argumentao j apresentada podemos deduzir queesta expresso - "movimentos populistas" - encerra um equivoco

    . que requer esclarecimento. 1::, certarnentevinex at a se ccrm ela qui-sermos caracterizar a natureza daqueles movimentos, porm corre-

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    ta. se com ela se alude presena do populismo como um momentoem sua estrutura-ideolgica. Uma ideologia no ' "populista" nomesmo sentido em que "conservadora", "liberal", ou "socialis-ta", pela simples razo de que, enquanto estes trs termos fazemaluso aos princpios articulatrios das respectivas ideologias, con-sideradas em seu conjunto, "populismo" alude a um tipo de contra-dio que s existe como momento abstrato de um discurso ideol-gico. Por isto, o problema do motivo da multiplicao dos movi-mentos populistas na Amrica Latina, depois de 1930, pode sermais precisamente formulado nos seguintes termos: por que os dis-cursos ideolgicos de movimentos politicos com orientaes e basessociais to distintas tiveram que recorrer crescentemente ao popu-Iismo, isto , que desenvolver o antagonismo potencial das interpe-laes popular-democrticas?

    Uma opinio bastante generalizada tende a vincular "populis-mo" e industrializao por substituio de importaes. FranciscoWeffort e Octvio lanni" produziram os melhores estudos do po-pulismo latino-americano a partir desta 'perspectiva, Do que foidito deriva que no podemos partilhar este critrio: o "populismo"no a superestrutura necessria de nenhum processo social oueconmico. Os fenmenos populistas podem-se apresentar nosmais variados contextos, na medida em que se satisfaam certascondies. Se. por conseguinte, tentamos explicar por que movi-mentos com ideologias populistas floresceram na A mrica Latinaentre 1930 e 1960, essa explicao.deve consistir em mostrar comoas condies necessrias emergncia de fenmenos populistas sereuniram, nesse perodo, e foram, pelo contrrio, muito menos Ire-qentes antes e depois dele. J estabelecemos quais so essas condi-es: uma crise particularmente grave no bloco de poder, que levauma de suas fraes li tentar estabelecer sua hegemonia atravs damobilizao das massas, e uma crise do transformismo.

    Para compreender a especificidade da ruptura populista deque.surgiu o pcronismo, necessrio entender a natureza do sistemaideolgico dominante anterior e seus principios articulatrios ca-ractersticos. Com relao a isso, cumpre lembrar duas coisas: (a)

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    25 Cf. especialmente F. Weffort, "Clases soei ales y desarrollo social (Contribuci6nai estudio dei populismo)". in A. Quijano y F. Weffort, Populismo, marginalidody depcndencia. Costa Rica, 1973; O. lanni. La Formarin drl Estado populisto tilAmerico Latina. Mxico. 1975.

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    que o principio de. unidade de um discurso ideolgico no dadopelo desenvolvimento das implicaes lgicas de uma interpelao,determinada, mas pelo poder de condensao desta em um campoconotativo especifico; (b) que a hegemonia de uma classe consisteno s .na capacidade de impor sua "concepo do mundo" s ou-tras classes mas, tambm e especialmente, na capacidade de articu-lar diferentes "concepes do mundo" 'de modo a neutralizar seuantagonismo potencial.

    Na Argentina, antes da crise de 1930, a classe hegemnica den-tro do bloco de poder era a oligarquia latifundiria, e o princpioarticulatrio fundamental de seu discurso ideolgico era o liberalis-mo. As razes disto esto em uma dupla circunstncia, comum atoda 11 Amrica Latina de meados do sculo XIX a 1930: se, por umlado, 11 plena incorporao das economias latino-americanas aomercado mundial requeria a constituio de Estados Nacionais quecriassem as condies de estabilidade polltica e de continuidade ins-titucional necessrias para que a atividade econmica pudesse sedesenvolver, por outro lado, o poder poltico permanecia nas mosde oligarquias latifundirias locais. Entretanto, se na Europa estas.duas circunstncias foram contraditrias - j que o Estado liberal.surgiu, em grande medida, da luta contra o particularisrno fcudal-na Amrica Latina foram complementares, uma vez que eram asprprias oligarquias latifundirias que procuravam maximizar suaproduo para o mercado mundial e que, portanto, tentavam orga-nizar um Estado central. Os sistemas polticos latino-americanosque emergiram procuravam dar expresso a esta dupla situao:formaram-se, assim, Estados centralizados em que predominava arepresentao dos interesses oligrquicos locais. A frmula quemais se adaptava a esta situao era um estado liberal parlamentar,com forte predomnio do Legislativo sobre o Executivo. O grau dedescentralizao do poder variou bastante nos diferentes pases lati-no-americanos. Em alguns. casos, o Executivo foi reduzido a ummero poder arbitral :..lembremos a Repblica Velha, no Brasil, ou areorganizao constitucional do Chile, depois da revoluo de1891. Em outros casos, como na Argentina, onde o conjunto do po-der e.da riqueza concentrava-se em uma zona relativamente reduzi-da do territrio, esta descentralizao foi menor, e Executivo des-frutou de maior autonomia. Porm, de qualquer forma, em todosos casos o-Estado central foi concebido corno uma federao de oli-

    184

    garquias locais. Poder parlamcntar e hegernonia latifundiria setransformaram em sinnimos na Amrica Latina.

    O prprio processo histrico de implantao e consolidaodo estado oligrquico na Argentina explica o:campo conotativo es-pecfico a que a ideologia liberal esteve articulada. Em primeiro lu-gar. o liberalismo, em seus primrdios, demonstrou urna capacida-de limitada para absorver a ideologia democrtica das massas e in-tegr-Ia a seu .discurso. Democracia e Iiber.alismo se opunham. Apenetrao imperialjista e a incorporao do pais ao mercado munodial, na segunda metade do sculo XIX, exigiram e dissoluo deformas anteriores de organizao social e de relaes pr-capitalistas de produo. Isto implicou uma poltica violenta e re-pressiva faee s classes dominadas. As lutas entre o interior do paise Buenos Aires, a rebelio das Montoneras na dcada de 60, o le-vante de Lopez Jordan no inicio da dcada de 70, foram episdiosdesta luta atravs da qual o Estado liberal conseguiu se impor. Emsegundo lugar. o liberalismo esteve, neste perodo, conotativamentearticulado ao desenvolvimento econmico e ao progresso materialcomo valores ideolgicos positivos. (Observe-se que no se trata deuma articulao necessria: depois de 1930, o liberalismo e a ideo-logia desenvolvimentista perderam, definitivamente, sua capacida-de de implicao mtua.) Em terceiro lugar. a ideologia liberal este-ve articulada ao "europesmo", ou seja, a uma defesa das formas devida e dos valores ideolgicos europeus como representativos da"civilizao". Processou-se, com isso, uma rejeio radical das tra-dies populares nacionais, consideradas sinnimos de atraso, obs-.curantismo e estagnao. Em quarto lugar, o liberalismo argentinofoi uma ideologia conseqentemente antipersonalista. A emergn-cia de lideres polticos nacionais quel estabeleciam contato diretocom as massas, prescindindo das' mquinas pollticas locais de baseclientelstica, sempre foi encarada com desconfiana pelo poder oli-grquico, .

    Estes quatro elementos ideolgicos, dos quais o liberalismoconstitula o princpio articulado r, formam o.sistema de coordena-das que definem o campo ideolgico da hegemonia oligrquica. Opositivismo foi a influncia filosfica que sistematizou estes diferen-tes elementos em um todo homogneo. As ideologias populares _'isto . aquele conjunto de interpelaes constitutivas dos sujeitospopulares em sua oposio ao bloco de poder - apresentavam tra-os opostos. Era natural, portanto, que a resistncia popular se cx-

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  • pressasse em contedos ideolgicos antiliberais; que fosse naciona-,lista e antieuropia; que defendesse as tr adies ;>opulares contra osefeitos corrosivos quea expanso capitalista Ihes acarretava; quefosse, conseqentemente, personalista e que se expressasse atravsdo apoio a lderes populares que representassem uma politica doanti-slalu.~ quo. Como se elaboraram os sim bolos ideolgicos destaresistncia popular? Corno dissemos antes, a prtica ideolgica pro-cede sempre com base nas matrias-primas constitudas por inter-pelaes anteriores que, ao serem desarticuladas dos discursos declasse a que pertenciam, perderam todo pertencimento classista ne-cessrio, Nos palses andinos, a resistncia expressava-se, cada vezm ais, atravs de slrn bolos indigenistas, que origihalmente represen-tavam a resistncia a sua dissoluo por partJ das comunidadescamponesas, mas que, ao serem reinterpretados pelos setores urba-nos, perderam toda conotaco rural necessria, transformando-seem sim bolos da resistncia popular em geral.Ao contrrio, na Ar-gentina, onde no existem tradies camponesas e onde a estruturasocial foi radicalmente modificada como resultado da imigraomacia, a resistncia popular antiliberal se alimentou das tradiesdas Montoneras do sculo XIX, dos sim bolos ideolgicos do fede-ralismo oposto ao unitarismo europeizante de Buenos Aires."

    O problema que se coloca ento o seguinte: em que medida obloco oligrquico dominante conseguiu, neste perodo, neutralizarsuas contradies com o povo e articular as interpelaes popular-democrticas ao discurso liberal? Este , exatamente, o problemadiscutido por Macpherson, a quej nos referimos: em que medidas.se liberalizou a democracia e se democratizou o liberalismo? Emque medida o discurso ideolgico das classes dominantes foi neu-irulizudo e seu 'protesto mantido no estgio dos partidos populares, eem que medida, pelo contrrio, jacobinizou-se, e conduziu ao po-pulisrno?

    26 Isto no significa que face aos programas de expanso econmica capitalista. ba-seu do na penetruo do capital imperialista e na plena ineorporao da Argerui-na ao mercado mundial. os grupos federais do interior tenham oposto um pr o-grama de desenvolvimento alternativo, baseado na soberania industrial. Estaimagem abusiva e sem Iuridamento foi o resultado de uma leitura da histr ia ar-gonlinl\ efetuada por escritores nacionalistas, depois ri, 1930. que, dessa forma,pr ojetararn no sculo XI X o campo conotativo a que v antiliberalismo estava ligudo em sua prpria poca.

    186

    A resposta a esta pergunta no deixa margem dvida: a oli-garquia latifundir i teve pleno xito em neutralizar as interpela-es democrticas, e em nenhum caso a resistncia popular chegou radicalizaco populista. O motivo est no xito da incorporaoda Argentina ao mercado mundial e na grande capacidade redistri-butiva da oligarquia latifundiria no ciclo expansivo da renda dife-rencial. J me referi aos aspectos econmicos deste processo." Oque importante para o tema de que tratamos que duas conse-qncias fundamentais decorreram desse processo: (1) o bloco depoder apresen tava UIT) alto grau de coeso, j que nenhum de seussetores se opunha orientao agropecuria do pais, nem tampou-co estava em condies de disputar a hegemonia oligrquica; (2) acapacidade redistributiva da oligarquia lhe permitiu associar asnascentes classes mdia e operria a seu ciclo expansivo, e cooptaras suas respectivas liderenas polfticas para o bloco de poder. Ouseja, no ocorreram nem a crise ao nvel do bloco de poder, nem ocolapso do transformismo que, como vimos, so as precondiespara a emergncia do populismo.

    O importante, todavia, descrever as formas ideolgicas atra-vs das quais a hegemonia oligrquica se imps. Como dissemos,essa hegemonia se imps atravs de duas formas: da absoro dasinterpelaes populares a seu discurso e de uma forma peculiar dearticulao das ideologias que formalmente se lhe opunham, o quelevou sua neutrlizaco. Com relao a esse ponto, consideremosquatro conjuntos ideolgicos: (a) a ideologia oligrquica como tal;(b) a ideologia do Partido Radical; (c) a ideologia das oligarquiasno liberais: (d) as idea.logias operrias.

    (a) A ideologia oligroui>a como tal. Na medida em que o libe-ralismo, como ideologia oligrquica, vai afirmando sua hegemonia,amplia sua capacidade de absorver .em seu discurso interpelaespopular-democrticas que, em umprimeiro momento, haviam esta-do totalmente excludas dele. A expresso ideolgica mais acabadado liberalismo em seu estado puro, isto , enquanto apresenteto-somente as quatro coordenadas j definidas e no tenha includoem seu discurso 'nenhuma das irrtcrpelaes popular-democrticas

    27 "Modos de producin. sistemas econ6micos y poblaci6n excedente. Ap roxirn a-cin histrica aios Cas0S argentino y chileno". Revista Latlno-Amrriccno dr Suociologia, 1969. n' 2.

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  • das massas, foi o mltrismo", Este foi o discurso poitico da oligar-quia de Buenos Aires em uma etapa em que sua hegernonia ideol-gica sobre o resto do pas era mnima, e que devia se afirmar no po-, der com base na represso pura e simples. (Foi a etapa da G .ierrado Paraguai, dos enfrentamentos com Urquiza e Com o federalismode Entre Rios, e das ltimas rebelies montoneras do interior).Mais tarde, pacificado o pas e iniciada sua transformao econ-mica, o liberalismo afirma sua hegemonia atravs da ampliaoconstante das bases sociais do bloco do poder e de uma absoro eneutralizao crescentes da' ideologia popular-democrtica dasmassas. O primeiro passo desta ampliao foi realizado atravs dacooptao das oligarquias do interior do pais ao bloco de poder.Este processo culmina em 1880, com a ascenso de Roca. presi-dncia da Repblica. significativo que Roca, em seu enfrenta-mente parcial corri o mitrismo de Buenos Aires, tivesse necessitadoincorporar a seu discurso elementos da tradio Ideolgica Cedera-lista, a fim de diferenciar-se. "Tenho meus matizes, de federalis-mo". afirmava ele. Esta uma constante que persistir ao longo detoda a histria da Argentina liberal: cada vez que se ampliam as ba-ses sociais do sistema os novos setores cooptados ao bloco do poderuflrmaro seu carter relativamente mais "democrtico", atravsde slmbolos ideolgicos originrios da tradio popular federal." Oliberalismo, precisamente por ser crescentemente hegernnico, podeapresentar-se como alternativa articulatria de interpelaes popu-lares que originalmente tivera que excluir. Finalmente, a implanta-o das mqu'iOlls eleitorais de base clientelstica consagra, definiti-vamente." mtodo de incorporao das massas ao sistema: s tra-dies populares so aceitas como uma subcultura especfica dasclasses dominadas, como um sermo humilis desconectaJo da lingua-gem do poder. O vinculo entre ambos representado pelo caudilholocul que, ao se apresentar como intermedirio entre as massas ,e o

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    N. do T.: Neologismo derivado do nome do presidente Mltre.2~ 1110 nuo quer dizer que Roca no fosse um perfeito liberal. tanto quanlo Mitre.

    ou mais. A diferena cru que Roea representava 11mmomento mais avanado doliberalismo, quando sua crescente hegernonia o capacitava B comear-a-absorver.parcialmente. elementos da rr e dico federal e a integr-Ios a leu discurso. Mas.naturalmente; seria completamente errado supor que. por isto, Roca cor porifi-casse uma polltice econmica mais naclonalista ou um maior grau de resistncier. penetrao imperialista.

    188

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    Estado. estabelece ~ unidade e, ao mesmo tempo, uni fosso intrans-ponlvel entre ambos. I

    (b) A ideologia do Partido Radical. A experincia do roquismonos havia colocado diante deste aparente paradoxo: b liberalismo mais hegemnico na medida em que o discurso ideolgico de queconstitui o principio articulador menos exclusivamente liberal. Omotivo - como se sabe - est em que a hegemonia no consiste emimpor uma ideologia uniforme, mas em articular elementos ideol-gicos dissemelhantes. n Isto fica ainda mais claro no caso de lri-goyen e do Partido Radical, em que se d uma slntese perfeita entreliberalismo ~ dernocraciavCom sua cooptao pelo bloco de poder- O ponto mximo a que chegou o transformismo oligrquico - asinterpelaes popular-democrticas deixam de constituir uma sub-cultura mediatizada por mquinas c1ientelsticas, e se incorporam vida poltica nacional. O sermo humilis se apodera da linguagem do~oder. ~ precisamente esta violao da regra da separao de esti-los que se configurou como um ultraje para o liberalismo oligrqui-co: da as inmeras invectivas contra lrigoyen, que vo de refern-cias depreciativas ao "ferrabrs de Balvanera" e ao "mazorquero"(membro ,doiS grupos de carrascos, de Rosas), at a acusao de"fascista"::\Estaremos ento diante de uma experincia populista?Parece clato que no. O trao mais notvel do discurso poltico delrigoyen como tambm de outros reformadores de classe mdia naAmrica 'Latina durante esse perodo - Battle e Ordonez, 'no Uru-guai, Alessandri no Chile, Madero no Mxico, Rui Barbosa no Bra-sil, e Afonso Lopez na Colmbia - sem dvida. a presena cres-cente - nesse discurso - de elementos popular-democrticos; po-rm, esses elementos permanecem em um nvel meramente emocio-nal ou retrico e no se articulam como totalidade coerente, opos-ta ideologia liberal. Como vimos, s6 este ltimo tipo de articula-o que confere carter populista presena de interpelaes demo-crticas no discurso. Os reforrnadores de classe mdia deste pero-do, pelo .contrrio, no momento das propostas sintticas globais,nunca vo alm de reivindicaes institucionis que aceitam o mar-co liberal do regime: "Meu programa a Constituio Nacional"(lrigoyen): "Sufrgio efetivo e no reeleio" (Madero). Este tipode articulao discursiva da ideologia democrtica caracterstico

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    29 cr. anteriormente. p. 167.~'.c

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    do estgio dos partidos populares e em .nenhurn a circunstncia atin-ge a jucobinizao populista."

    (c) Ideologias oligrquicas no liberais. O que existiu duranteeste perodo como esforo sistemtico para criar uma ideologia an-tiliberal coerente 'situava-se como antpoda do populismo; trata-sedo nacionalismo de direita, que enfatizava, na tradio liberal, oque esta tinha de autoritrio, elitista, clerical e antipopular. Esta li-nha ideolgica expressava, a partir de um ngulo oposto, o altograu de fuso a que haviam chegado liberalismo e democracia naArgentina: porque depreciava a democracia e a "escria radical", evia nelas uma resultante inevitvel do liberalismo. defendia um Esta-do uutoritrio cuja fonte de inspirao era Maurras. Mais tarde, svsperas da revoluo de 1930, um novo elemento se incorporar aesta tradio: o militarismo - uma vez que o Exrcito devia trans-formar-se, para o nacionalismo de direita, no agente histrico darevoluo antiliberal. .Onde esta ideologia oligrquica antiliberalencontrava sua matria prima? Evidentemente, nas mesmas tradi-es federais das quais brotavam as ideologias popular-democrticas. Porm, enquanto stas ltimas representavam umatransformao destas tradies, que as reduziam a.urn conjunto desm bolos e elementos ideolgicos expressivos da resistncia dasmassas frente ao Estado, o antiliberalismo oligrquico efetuavauma transformao na direo inversa: reduzia e~sas tradies s,formas ideolgicas que as articulavam ao discurso das classes domi-narites anteriores expanso do Estado liberal: clericalismo, cultoda hispunidade, continuidade dos valores coloniais e autoritarismo.

    (d) Ideologias operrias. O trao mais notvel na estruturaideolgica desses setores que no houve o menor esforo de sua

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    30 Nos casos em que. pelo contnlrio, li cooptao das classes medias se tornara maisdiflcil. e o trunsforrnisrno mio funcionou.adequadamente, assistimos a uma jaco-binizuco das interpelaes democrticas e emergncia. ainda nesse perlodo, dopopulismo. Foi o caso do Chile. onde o insucesso das tentativas de Alessandri.nos anos 20. de realizar seu programa de reformas democrticas dentro do marcodo Estado liberal, levou Uditadura popular do general Ibaez, que o levou a cabodentro de um marco ideolgico claramente nacionalista e populista. Tambm foio cuso do Peru. onde a incapacidade do liberalismo oligrquico para incorpora-'ar c neutralizar as dernundus da clusse mdia conduziu iJ crescente fuso desiusltimas com a ideologia indigenista no APRA. Finalmente, foi o caso do Mxico

    . onde a contradio entre as comunidades camponesas e a expanso do capitalis-. mo ugr rio impediu que a revoluo contra O Porliriato se mantizesse em ummero nvel de reforrnus iruernus ao Estado liberal e conduziu, pelo contrrio. aoc-lllllP'" do regime de Madero e ao longo processo d a Revoluo Mexicana.

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    parte para articular as interpelaes popular-democrticas a seudiscurso poltico: Trs razes se conjugam .para e~plicar esse fen-meno: (I) Dado o carter eminentemente agrrio da Argentina, aclasse operaria se reduzia a pequenos enclaves nas grandes cidadesdo litoral. Em conseqncia viveu, durante este perodo, uma exis-tncia marginal aos confrontos mais amplos em que o povo, comotal, se constituiu. (2) A classe operria deste perodo era constitu-da, em sua esmagadora maioria, por imigrantes europeus. DaI de-corriam duas conseqncias: primeiro, que a fuso entre sua ideolo-gia de classe e a idelogia popular-democrtica do pas para o qualse tinham transplantado: tinha necessariamente que ser um proces-so lento; segundo, que os aspectos de seu novo paIs que se lhes afi-guravam como os mais compreensveis em termos de sua experin-cia europia eram, precisamente, o Estado liberal e suas institui-es. DaI sua tendncia a interpretar todo elemento refratrio suacompreenso em termos de paradigmas europeus, como o resduode uma etapa cultural mais primitiva que o progresso material, aexpanso do Estado liberal e a progressiva europeizao do pasterminariam por eliminar. A condensao destes trs elementos -europelsmo, liberalismo e progresso material - em um discursoideolgico unificado, reproduzia, portanto, o tipo de articulaoque, como vimos, era caracterlstica do liberalismo oligrquico, (3)A isto necessrio acrescentar a forma especifica pela qual o ele-mento estritamente populista se integrava dentro desta ideologia.Como sabemos, o trao ideolgico mais caracterlstico da ideologiasocialista do fim do sculo XIX e comeo do sculo XX era o redu-cionismo classista, que levava a classe operria a se fechar em umapuea ideologia de classe a ver em toda interpelao popular aideoiogia de uma classe inimiga. Isto, naturalmente, opunha obst-culos a qualquer forma de populismo socialista. O importante queeste reducionismo classista, ao ser aplicado pela classe operria imi-grante sociedade argentina. levava a identificar a ideologia demo-crtica difus a das massas com resduos ideolgicos pr-capitalistas que a progressiva europeizao das sociedades latino-americanas acabaria por eliminar. DaI a unidade Intima c crescenteentre ideologia liberal hegernnica e ideologia socialista. O PartidoSocialista raciocinava nos seguintes termos: .o pleno desenvolvi-mento de' uma sociedade capitalista a precondio para o plenodesenvolvimento da classe operria; por conseguinte, a expansodo Estado liberal - considerado como a superestrutura poltica ne-

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  • cess ria do capitalismo - era um processo progressivo e que, com otal, deveria ser apoiado. Considerava-se, tanib~m, que o processoimigratrio lanava nas praias argentinas um nmero cada vezmaior de imigrantes que, finalmente, acabatiam por eliminar osresduos ideolgicos da Argentina federal e montonera. Deste mo-do, a ideologia socialista aceitava o conjunto articulativo carac-terstico do discurso liberal, ao qual acrescentava apenas um ele-mento: o reducionismo operrio. Este ltimo elemento, todavia,no alterava significativamente o quadro, poi] a classe operria eraconsiderada como a fora social que levaria a' sociedade liberal. sua consumao democrtica, O Partido .Comunista, por sua vez,elaboraria interpretao igualmente liberal da polltica argentina .:.embora com urna terminologia diversa. Durante o perodo dasFrentes Populares, mediria a progressividade das diferentes foraspollticas burguesas por seu grau de adeso ideologia liberal, e,pelo contrrio, denunciaria como fascista qualquer tentativa de in-corporar elementos da tradio nacionalista popular ao discursopolltico. Se compararmos o socialismo e o comunismo argentinos,teremos que concluir, pois, que a alternativa reforma/revoluono media o grau de progressividade de uma ideologia, porquantotodas as variantes daquela alternativa ocorriam no interior de umdiscurso ideolgico que aceit ava todas as articulaes constitutivasdo liberalismo oligrquico. ,

    A anlise destes quatro conjuntos ideolgicos - que natural-mente no so os nicos - permite-nos entender o sistema de alter-nativas ideolgicas da Argentina pr-peronista. Unidade crescenteentre liberalismo e democracia no discurso dominante; uma ideolo-gia autoritria marginal; simultaneamente antidernocrtica e antili-beral: reducionismo classista nas ideologias operrias: os trs aspec-tos, tomados em seu conjunto, expressam a hegernonia oligrquica.

    A dcada de 30 assiste a importantes mudanas nesta cristali-zao ideolgica, que prenunciam o decllnioda hegemonia oligr-quica e o surgimento de contradies novas no bloco de poder. Cri-se profunda no bloco de poder, em primeiro lugar: a depressomundial conduzir a um processo de industrializao por substitui-o de importaes que criar novos antagonismos entre os setoresindustriais nascentes e a oligarquia latifundiria. Crise do transfor-mismo, em segundo lugar. Como resultadoda depresso econrni-ca, li oligarquia no pode mais tolerar as generosas plticas redis-tributivas caractersticas dos governos radicais, e viu-se na contin-gncia de eliminar o acesso das classes mdias ao poder poltico.

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    Para isso, estabelece um sistema parlamentar, baseado na fraudeeleitoral: As drmandas democrticas das massas e os simbolos ideo-lgicos que as'representarn socada vez menos absorvidos pelo re-gime liberal, do ponto em que a ciso entre liberalismo e democra-cia chega a ser completa. Isto se reflete em uma diviso no crescentePartido Radical: a direo do partido, nas mos de Alvear, sonhacom um retorno impossvel unidade entre liberalismo e democra-cia e para isto negocia com o regime liberal fraudulento; e aceitaposies subordinadas nele, a tal ponto que no final deste perodotornara-se imposslvel, para todos os efeitos prticos, distinguir oradicalismo oficial da coaliso conservadora no poder. Por outrolado, entretanto, .urna corrente minoritria nacionalista tenta de-senvolver, dentro do Radicalismo, todo o antagonismo implcitonas interpelaes populares, acentuar a incompatibilidade entre li-beralismo e democracia, e colocar em questo o regime libe