catálogo pontos de encontro - carolina ponte e pedro varela

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Carolina Ponte

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Exposição de Carolina Ponte e Pedro Varela, Caixa Cultural de Salvador/BA. Curadoria de Daniela Name. Projeto gráfico de Francisco Celso.

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Page 1: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

Carolina Ponte

Page 2: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

Quase não se percebe sua presença nos primeiros dias de montagem. O rio colorido de Pedro Varela ocupa es-paço, concentra as atenções, enquan-to Carolina Ponte, silenciosa, retira novelos de linha e as peças de crochê que vieram dentro da mala. Escolhe um canto, pega sua agulha e tece o mundo, perto de se tornar invisível. A formiga simpática de uma cigarra nada displicente.

O trabalho dele chega à sala central, a do encontro, bem antes. Ele o esfria e o silencia para que chegue até a en-cruzilhada rebaixado, instrospectivo, pronto para o diálogo. Com Carolina, o processo é inverso. Ela passa os dias trabalhando, como se nada ou quase nada fosse acontecer. Quem não a co-nhece não consegue adivinhar o com-bate. Até que se levanta. Sem espe-rar os montadores, junta pregos e um martelo e parte para a escada.

Vejo-a encarapitada e me lembro de uma conversa recente sobre pintura em que todos os debatedores falaram que a linguagem já nasceu site specific. Não só pelas cavernas, mas também por causa de Giotto, Michelangelo, Tintoretto. Todos os que ajudaram a transformar a pintura em algo autô-nomo como subiram um dia em an-daimes e escadas para pintar “em al-gum lugar”. Carolina não tem tinta e

produção patrocinio

Agradecimentos:

Nossas famílias, todas as pessoas envolvidas neste projeto, Anna Maria e Sebastião Reis, Sérgio Carvalho, Ricardo Kimaid e Zipper galeria. Gostaríamos de fazer um agradecimento especial a Paulo Sérgio Barreto por seu papel fundamental neste projeto.

ArtistasCarolina PontePedro Varela

CuradoriaDaniela Name

Produção executivaMUSEO - Museologia e Museografia

Projeto gráficoFrancisco Macedo [email protected]

ComunicaçãoSeven Star Comunicação e Marketing

FotografiaAntonio José Santos Pereira

ApoioZipper Galeria

Carolina Ponte Pedro Varela

Livre para todos os públicos

Ela é a nuvem

CAIXA Cultural SalvadorGaleria dos Arcos20 de abril a 05 de junho de 2011

Sem título, 2010 >Crochê. 200 x 100 x 25 cm

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nem pincel entre seus apetrechos. Tem linha – e linha literal, trançada como crochê. Usa a linha para criar massas de cor – usa o desenho e o suor para fazer pintura e es-cultura, ganhando o espaço.

Martelando a parede, do alto da escada, leva esta matéria híbrida para uma batalha com a arquitetura. Ocupa colunas e quinas com suas peças, levando a conversa com o ornamento – base de seus desenhos – para o campo da vida real. Suas peças se tornam adorno e complemento, reinventando significados para o crochê, esta coisa “que qualquer um pode fazer”, mas que só quem tem intenção e talento pode cha-mar de arte. Durante a montagem, os visitantes param diante dos trabalhos, falam de pontos, comentam suas próprias memórias, falam do crochê como atividade fami-liar corriqueira. Carolina encorpa sua nuvem, a característica vaporosa de seus traba-lhos, com este reforço da experiência de cada espectador. Seu trabalho é também o que fazemos dele.

No último dia de bastidores, chegam os desenhos emoldurados. A grande mandala de crochê já está na parede, as outras peças de linha, escolhidas para uma sala de entrada, já têm seus devidos lugares definidos. Com os desenhos, elas ganham no-vos dados. Completamente inéditos, eles mostram a relação direta da padronagem com os ornamentos arquitetônicos. Têm mais áreas vazias, o que nos faz olhar mais demoradamente para cada área “preenchida ” e para as conversas entre elas.

Se Varela cria uma batalha campal de verdes e vermelhos, Carolina promove a co-munhão dos contrários com estas padronagens de origens distintas. Leques gregos convivem com flores egípcias e folhas persas; curvas e estrelas árabes são ladeadas por desenhos elisabetanos, latino-americanos, renascentistas, hindus. Estas áreas, to-madas por cores e formas distintas, iluminam as peças de crochê.

O olho volta para a grande mandala, espelho do desenho azul de Varela em sua parede oposta. Com um centro feito de linha mesclada em dois tons de verde, ela parece um redemoinho, que pode sugar para seu interior tudo o que está à sua vol-ta, mas que também projeta um fio para o lado de fora; e dele sai aquilo que é uma outra peça e ao mesmo tempo a mesma; a escultura virando teia e casulo para con-quistar o espaço museológico.

Ver esta peça depois de ver os desenhos tem outro sabor. Assim como aproxima pa-drões diversos, Carolina usa pontos, cores e linhas muitos distintas em uma mesma superfície de crochê. Em alguns momentos, suas peças se transformam em ninhos de várias formas ovóides, que poderiam ser toucas, se tivessem alguma funcionalidade. Estes ovos de cor abrigam um princípio muito precioso do trabalho da artista, um dos pontos de encontro desta exposição – a capacidade de comunhão entre maté-rias e formas antitéticas.

Criados com nanquim e caneta colorida, os desenhos não contam com a ajuda da reprodutibilidade. São, como o crochê, trabalho contínuo, para esvaziar a cabeça e

Sem título, 2008Crochê. 150 x 40 x 20 cm

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fazer a intuição fluir. O crochê, por sua vez, é, como os desenhos, uma conjugação de padronagens. Sutilmente, Carolina usa um repertório de pontos e um acervo de linhas como se fosse uma nova Gramática de ornamentos.

É neste último dia, com os trabalhos todos juntos, que o “lado” de Carolina fica pronto para o encontro. Acontece quase de repente: os desenhos ganham corpo com o crochê e retribuem dando outras leituras para este trabalho que já virou uma das marcas da artista. Passamos do meio da sala com uma das esculturas. É a última a ser medida e montada. Ela completa no ar o desenho azul de Varela na parede. A linha literal com a linha fluida, de adesivo; as massas aquosas e brilhantes da parede unidas com gotas de pano que pendem do teto. Cheia de formas, a nuvem troveja, mas também dá sombra para as águas do rio. Alimenta a ele e aos que entram na galeria com suas delicadezas. Chove.

Sem título, 2011Desenho, caneta e nanqui sobre papel

104 x 144 cm

Sem título, 2011Desenho, caneta e nanqui sobre papel. 140 x 102 cm

Page 5: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

< Sem título, 2009Crochê. 1250 x 300 x 220 cm

Sem título, 2011Desenho, caneta e nanqui sobre papel. 104 x 144 cm

Page 6: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

Ele é o rioela é a nuvem

O rio cai em ribanceiras da parede, gruda no piso, se divide em afluentes e se mul-tiplica em satisfações ao tingir o branco da galeria com lagos vermelhos, cachoeiras roxas, piscinas de mil azuis naturais, uma Atlântida doce e furta-cor... Ou um Reino das Águas Claras revelando seus palácios, belezas submersas. Há ainda poças prate-adas, holográficas, que de relance servem de espelho para a vizinhança. Esta superfí-cie brilhante pode ser uma das maneiras para avistar o horizonte onde ela, a nuvem, já se insinua.

Ah, a nuvem. Ela parece discreta até que se nota sua capacidade de ganhar todo o ambiente, mais a parte de fora e a de dentro de nossas ideias. Com a cabeça nas nuvens – ela também se ramifica para frutificar – enxergamos seus desenhos de metamorfose. Variam, é claro, de acordo com a imaginação: são mandalas, flores, o peixe e a rede, animais de todo tipo. A nuvem é teia, adere às quinas e às vigas com um trabalho paciente de conquista do espaço. Muda de cor, tira partido da luz, oferece sutilezas ao humor. Vaporosa, às vezes é carneirinho, em outras relampeja... Enquanto se movimenta na direção do rio.

Este é o ponto de encontro: Pedro Varela, o rio; Carolina Ponte, a nuvem. Ela pode chover e engordar o rio. Ele pode evaporar e ampliar a nuvem. Um pode se alimen-tar do outro sem deixar de ser quem era. A manutenção de cada identidade passa justamente pelo ligeiro abalo que vem do embate com uma potência que é outro estado do mesmo elemento. Luta e cópula com o igual que é diverso.

“Como o rio as nuvens são água, / Refleti-las também sem mágoa/ Nas profundida-des tranquilas”, escreveu um dia Manuel Bandeira. Tão diferentes e tão semelhantes, este rio e esta nuvem. Tão autônomos e tão cúmplices - na carreira e na vida - os dois artistas desta exposição.

De suas pororocas e suas enchentes nasceram mais dois encontros na Bahia. O pri-meiro entre as obras de Varela e Ponte - dois talentos da jovem geração da arte con-temporânea carioca - com o público da CAIXA Cultural de Salvador. Houve ainda o cruzamento entre este prédio histórico da cidade e os desenhos-pinturas-esculturas (a classificação não importa, são estados da mesma arte). Feitos em papel, adesivos ou crochê, eles se oferecem à arquitetura peculiar e sinuosa da Galeria dos Arcos. A sala, por sua vez, permite que suas curvas se transformem em leito fértil para o rio; em céu de brigadeiro para a nuvem.

A CAIXA foi o ponto de equilíbrio para esta água boa

Encontro. Vista da instalação. Pedro Varela e Carolina Ponte.

Page 7: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

< Sem título, 2011Vista da instalação, vinil adesivo sobre parede

Sem título, 2011Detalhe da instalação. Vinil adesivo sobre parede

Sem título, 2011Detalhe da instalação. Vinil adesivo sobre parede

Page 8: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

barulho, as formas se aquietam junto com a cor. Há menos castelos e torres e mais florestas. Há mais organicidade e menos construção. O bambu se ver-ga e o rio se acalma para receber o ou-tro, valorizando-o. Os prateados refle-xivos, presentes desde a sala anterior, ganham aqui ainda mais força. O rio se oferece para Carolina, mas também para nós, que caminhamos por suas formas. Ele é nosso rival, nosso espe-lho, nosso estímulo.

Sem título, 2011Detalhe da instalação. Vinil adesivo sobre parede

Sem título, 2011Caneta e acrílica sobre papel de arroz. 35 x 20 cm

< Sem título, 2011Detalhe da instalação. Vinil adesivo sobre parede

Page 9: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

Por isso precisa resolver aquele vermelho. O verde clarinho, quem diria, está ven-cendo esta outra cor, a engole sem muita dificuldade. Horas se passam, pequenos ajustes e a espera. Até que vem o estalo: para valorizar o vermelho, é preciso que ele ganhe um opositor à sua altura. E ele não é o verde clarinho, cor que vai ganhando apelidos impublicáveis ao longo de nossa montagem. O rival do vermelho é um ver-de-bandeira, um dos rolinhos esquecidos no chão da galeria. Ele entra no desenho, na ponta da faca, na ponta do dedo.

Depois disso, a parede inteira se resolve e se abre para o nosso olho como uma flor, na hora certa. Amarelo, azuis, prateados, pretos e rosas entram na festa, todas as loas para o vermelho. Chamado para a briga pelo verde mais forte, seu opositor per-feito na escala cromática, o tom sanguíneo finalmente aparece, da o ar de sua graça a uma galeria instalada em um prédio tombado, cujo piso, de uma madeira marrom avermelhada, tinha dado a bússola para a paleta de Varela desde o princípio. Era preciso aquecer a sala, enchê-la dos contentamentos dos tons abertos. Mas, para de fato conseguirem se abrir, se mostrar ao olho do passante, uma cor “aberta” precisa de sua base “fechada”, fria. Por isso o verde precisou ganhar espaço, inventando no mundo real o vermelho que existia na ideia de Varela.

O verde e o vermelho, nesta comunhão de opostos, diz muito sobre o trabalho de Varela. Quando ele corta, acrescenta. Na parede vizinha a desta grande composição, um fio vermelho leva o olho do visitante a um castelo cinzento. O vazio é tão “cheio” quanto as superfícies desenhadas, num diálogo enorme com seus trabalhos incluí-dos na exposição Ciudad de arena (Cidade de areia), montada no México. Castelos de areia formados por grãos que, individualmente, eram tão importantes quanto o conjunto. Desenhos criados no corte de folhas brancas sobrepostas. Lá e aqui, um exercício zen: menos é mais, o silêncio fala, o vazio preenche. O artista conduz o espectador, que é transportado por estas formas oníricas e fluidas para os reinos de sua infância, de sua memória, seus desejos não realizados. A imaginação de quem vê completa a obra, que ganha novos sentidos nas múltiplas subjetividades que se põem diante dela.

Enquanto desenha, já no salão principal, Varela conversa. Um dos temas favoritos nos encontros dos artistas e da curadoria com o educativo da CAIXA é a tumultuada relação entre Picasso e Matisse. Amor e ódio, inveja e admiração mútuas, pólvora para um crescimento baseado na disputa, mas também na reciprocidade que vem deste desafio constante. Não por acaso, Matisse – tão corte-e-cola, tão desenho flui-do e sem linha, tão pensamento orientado pela mão (e vice-versa) – aparece como uma referência que ultrapassa o território simbólico no segundo grande desenho site specific de Varela.

Ele tinge de um azul mais profundo e introspectivo este trabalho com que vai ao encontro de Carolina . Alegra esta timidez metafísica e anil com áreas amarelas, mas também com formas vegetais claramente importadas do repertório de Matisse. Uma pista na clareira, já que a hora do encontro é mais silenciosa. O azul faz menos

< Sem título, 2011caneta e acrílica sobre papel de arroz. 40 x 40 cm

Sem título, 2011caneta e nanquim sobre papel de arroz. 35 x 20 cm

Page 10: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

Ele é o rio

Brota do chão, onde estão os rolos de papel adesivo colorido. Lápis, faca olfa e capacidade de análise e de espe-ra. Estas são as ferramentas de Pedro Varela na sala que lhe cabe na CAIXA Cultural de Salvador. Na parede do fundo, uma de suas cidades coloridas começa a aparecer na parede. Há no desenho-pintura um verde clarinho, que salta do branco com uma força im-pressionante para uma cor aparente-mente inócua. Há também muito ver-melho, mas sem a vibração imaginada inicialmente pelo artista. Ele vai até a mesa de apoio, olha, espera, olha no-vamente, corta pedacinhos de adesivo, caminha até a parede, cola, faz os ajus-tes com a faca. Não há desenho pré-vio, nenhuma sombra de plotter. Tudo vai se fazendo no próprio ambiente da Galeria dos Arcos, com suas curvas si-nuosas em todas as portas sugerindo um caminho para Varela e o momento em que vai ter seus pontos de encon-tro com Carolina Ponte.

Ele desenha com corte-e-cola na pa-rede como alguém que escreve uma sinfonia. Ajusta acordes, acrescenta sustenidos, cerca o tal verde de mil de-talhes. Aí se afasta, olha de novo. Sabe que seu rio caminha para a pororoca, para uma encruzilhada com o traba-lho de Carolina; e precisa chegar neste momento forte e maleável, como uma altíssima vara de bambu, que se verga ao vento para não quebrar.

Sem título, 2011 >Caneta e aquarela sobre papel de arroz. 40 x 20 cm

CAIXA CULTURAL SALVADORRua Carlos Gomes, 57 – CentroSalvador, Bahia CEP 40.060-330Tel (71) 34 21 - 42 00www.caixa.gov.br/caixacultural

produçãopatrocinio

Presidenta da RepúblicaDilma Vana Rousseff

Ministro de Estado da FazendaGuido Mantega

Presidente da Caixa Econômica FederalJorge Fontes Hereda

ArtistasCarolina PontePedro Varela

CuradoriaDaniela Name

Produção executivaMUSEO - Museologia e Museografia

Projeto gráficoFrancisco Macedo Ponte

ComunicaçãoSeven Star Comunicação e Marketing

FotografiaAntonio José Santos Pereira

ApoioZipper Galeria

Carolina PontePedro Varela

Livre para todos os públicos

CAIXA Cultural SalvadorGaleria dos Arcos20 de abril a 05 de junho de 2011

Page 11: Catálogo Pontos de Encontro - Carolina Ponte e Pedro Varela

Pedro Varela