aspectos lÉxicos do falar cearense · o uso do sufixo aumentativo para formar adjetivos a partir...

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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 2 Número 1 julho 2012 1 ASPECTOS LÉXICOS, MORFOLÓGICOS E MORFOSSINTÁTICOS DO FALAR CEARENSE. Lorena da Silva Rodrigues 1 (UFC) [email protected] RESUMO: As peculiaridades dos falares regionais brasileiros é sempre objeto de estudo acerca da linguagem, sobretudo no que diz respeito à Dialetologia, uma vez que marcam no sistema linguístico traços socioculturais de cada uma das comunidades linguísticas a que se refere um dado modo de falar. Um exemplar desses falares é o falar cearense, conhecido popularmente como cearês, o qual será objeto de análise deste artigo. A pesquisa sobre o falar cearense, conforme Aragão (2005), é caracterizada por abordar, muita vezes, o folclore cearense; por serem pautadas em obras regionalistas, em textos de cantadores ou poetas populares; ensaios, estudos e elaboração de dicionários entre outros. Sabendo disso, nossa pesquisa se propõe analisar traços léxicos, morfológicos e morfossintáticos da fala do Ceará, a partir da coleta e análise de quatro textos humorísticos que circulam pela internet e caracterizam o indivíduo cearense por seu falar. Apesar de uma “globalização” da linguagem provocada pelo grande acesso à informação pelos meios de comunicação em massa, acreditamos que algumas marcas permaneçam como característica própria do povo cearense, como o uso de expressões de caráter intensificador, expressões adverbiais e marcadores discursivos e elementos fonológicos peculiares. Palavras-chave: Falar cearense, aspectos léxicos, aspectos morfológicos e aspectos morfossintáticos. ABSTRACT: The peculiarities of the Brazilian regional dialects is always an object of study of the language, especially with regard to Dialectology, since they mark the sociocultural linguistic system features of each language communities referred to as a way of speaking. A copy of these dialects is speaking Ceará, popularly known as cearês, which will be analyzed in this article. Research on the talk Ceará, as Aragon (2005), is characterized by address, many times, folklore Ceará, to be guided in regionalist works on texts by popular singers or poets, essays, studies and preparation of dictionaries and more. Knowing this, our research aims to analyze traces lexical, morphological and morphosyntactic speech of Ceará, from the collection and analysis of four humorous texts that circulate on the internet and characterize the individual Ceará by his talk. Although "globalization" of language caused by greater access to information by means of mass communication, we believe that some brands remain as characteristic of the people of Ceará, as the use of expressions of character enhancer, adverbial expressions and discourse markers and phonological elements peculiar. Keywords: Talking Ceará, lexis aspects, morphology aspects and morphosyntactic aspect. 1. Introdução No Brasil, a língua falada pela maioria da população é o português, entretanto, esse português apresenta um elevado grau de variabilidade por conta de diferenças regionais, sociais, de registro, etárias, entre outras. Dessa forma, ouve-se falar em “dialeto caipira”, “mineirês”, “falar cearense” etc. Dentro dessa realidade linguística brasileira, destacamos o peculiar “falar cearense” com suas características fonético-fonológicas, morfossintáticas, semânticas e 1 Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará e professora da SEDUC CE.

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ASPECTOS LÉXICOS, MORFOLÓGICOS E

MORFOSSINTÁTICOS DO FALAR CEARENSE.

Lorena da Silva Rodrigues1 (UFC)

[email protected]

RESUMO: As peculiaridades dos falares regionais brasileiros é sempre objeto de estudo acerca da

linguagem, sobretudo no que diz respeito à Dialetologia, uma vez que marcam no sistema linguístico

traços socioculturais de cada uma das comunidades linguísticas a que se refere um dado modo de falar.

Um exemplar desses falares é o falar cearense, conhecido popularmente como cearês, o qual será objeto

de análise deste artigo. A pesquisa sobre o falar cearense, conforme Aragão (2005), é caracterizada por

abordar, muita vezes, o folclore cearense; por serem pautadas em obras regionalistas, em textos de

cantadores ou poetas populares; ensaios, estudos e elaboração de dicionários entre outros. Sabendo disso,

nossa pesquisa se propõe analisar traços léxicos, morfológicos e morfossintáticos da fala do Ceará, a

partir da coleta e análise de quatro textos humorísticos que circulam pela internet e caracterizam o

indivíduo cearense por seu falar. Apesar de uma “globalização” da linguagem provocada pelo grande

acesso à informação pelos meios de comunicação em massa, acreditamos que algumas marcas

permaneçam como característica própria do povo cearense, como o uso de expressões de caráter

intensificador, expressões adverbiais e marcadores discursivos e elementos fonológicos peculiares.

Palavras-chave: Falar cearense, aspectos léxicos, aspectos morfológicos e aspectos morfossintáticos.

ABSTRACT: The peculiarities of the Brazilian regional dialects is always an object of study of the

language, especially with regard to Dialectology, since they mark the sociocultural linguistic system

features of each language communities referred to as a way of speaking. A copy of these dialects is

speaking Ceará, popularly known as cearês, which will be analyzed in this article. Research on the talk

Ceará, as Aragon (2005), is characterized by address, many times, folklore Ceará, to be guided in

regionalist works on texts by popular singers or poets, essays, studies and preparation of dictionaries and

more. Knowing this, our research aims to analyze traces lexical, morphological and morphosyntactic

speech of Ceará, from the collection and analysis of four humorous texts that circulate on the internet and

characterize the individual Ceará by his talk. Although "globalization" of language caused by greater

access to information by means of mass communication, we believe that some brands remain as

characteristic of the people of Ceará, as the use of expressions of character enhancer, adverbial

expressions and discourse markers and phonological elements peculiar.

Keywords: Talking Ceará, lexis aspects, morphology aspects and morphosyntactic aspect.

1. Introdução

No Brasil, a língua falada pela maioria da população é o português, entretanto,

esse português apresenta um elevado grau de variabilidade por conta de diferenças

regionais, sociais, de registro, etárias, entre outras. Dessa forma, ouve-se falar em

“dialeto caipira”, “mineirês”, “falar cearense” etc.

Dentro dessa realidade linguística brasileira, destacamos o peculiar “falar

cearense” com suas características fonético-fonológicas, morfossintáticas, semânticas e

1 Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará e

professora da SEDUC – CE.

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lexicais próprias, as quais são alvo de diversos estudos como os de Alencar (1997),

Aragão (2005) e Monteiro (2009).

Com base nesses estudos, este artigo propõe-se a estudar os aspectos léxicos do

falar cearense em texto2 de circulação nacional que caracterizam o sujeito cearense a

partir de seu falar. Atualmente, com uma “linguagem globalizada” é provável que os

traços linguísticos de uma região ocorram em outras. Contudo, alguns dos traços dos

autênticos cearensismos, mostram-se passíveis de análise por suas particularidades. Por

fim, produziremos um breve glossário, a partir da análise de nosso corpus.

2. Língua, dialeto e falar

Para se chegar à caracterização do falar cearense, é necessária a conceituação de

língua, dialeto e falar, termos-chave nos estudos dialetais.

Historicamente, os seres humanos organizam-se em sociedade através de um

sistema de comunicação de base fundamentalmente oral, ou seja, através da língua.

Desta inter-relação entre língua e sociedade, concebe-se a língua como um sistema

diversificado e variável do mesmo modo que os falantes também são diversificados

social, cultural e geograficamente.

Uma língua apresenta pelo menos três tipos de diferenças internas, a saber:

Diferenças no espaço geográfico ou variação diatópica;

Diferenças entre estratos sociais ou variação diastrática;

Diferenças entre os tipos de registro ou variação diafásica.

A esses três tipos acrescentamos as diferenças etárias ou variação diacrônica e

as diferenças convencionadas a partir de inúmeros gêneros textuais ou variação

diamésica.

Segundo Cunha e Cintra (1985), somente a partir da concepção de língua com

um diassistema, isto é, sistemas linguísticos, no qual se correlacionam diversos sistemas

e subsistemas:

Tornou-se possível o esclarecimento de numerosos casos de polimorfismo, de

pluralidade de normas e de toda a inter-relação dos fatores geográficos,

2 Os textos serão descritos em seção a seguir referente à metodologia.

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históricos, sociais e psicológicos que atuam no complexo operar de uma língua

e orientam sua deriva. (p.3).

Dentro de suas variações geográficas, observam-se as unidades sintópicas,

comumente, identificadas com dialetos. Assim, de um modo geral, os dialetos são

conceituados como as formas características de uma língua regional. (CUNHA E

CINTRA, 1985). Entretanto, alguns linguístas diferenciam as unidades sintópicas em

dialetos e falares.

Para os lingüistas que fazem essa diferença, dialeto seria “as estruturas

linguísticas, simultânea de outra, que não alcançam a categoria de língua”.

(ALVAR,1961 apud CUNHA E CINTRA, 1985, p.4). Já falar corresponderia a um

subsistema “de traços pouco diferenciados, mas com matizes próprias dentro da

estrutura regional a que pertencem cujos usos estão limitados a pequenas circuncisões

geográficas”. (Idem, ibidem).

A partir dessa diferenciação, ao tratarmos da diversidade do português brasileiro,

adotaremos o conceito de falar para as unidades sintópicas.

3. Algumas considerações sobre o falar cearense

O falar cearense mostra-se altamente produtivo com várias expressões de caráter

intensificador que, segundo Monteiro (2009), funcionam como se formassem o grau

aumentativo ou superlativo no caso dos substantivos e adjetivos. Assim temos

expressões como “calor de rachar o quengo” equivalendo a “calorão” ou “calor muito

forte” (MONTEIRO, op. cit., p.23).

Observam-se ainda expressões adverbiais e marcadores discursivos, revelando

uma motivação semântica de acordo com o propósito comunicativo expressivo. A

exemplo disso, têm-se expressões como “lá na baixa da égua” e “pense”.

Outra marca do falar cearense que merece destaque são suas características

fonológicas3 segmentais e supra-segmentais. Uma vez que o cearense é conhecido por

“falar cantando” e por traços como a transformação da fricativa surda em laringal, a

exemplo de “rei”, “corra” e “mermo” e da supressão, a exemplo de “fulerage”.

3 Os traços fonológicos não serão contemplados nessa pesquisa, a não ser nos em que esses

fenômenos forem essenciais para a compreensão de algum vocábulos.

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Para a melhor caracterização dos vocábulos que estruturam o falar cearense,

destacaremos, a seguir, aspectos morfológicos e lexicais, assim como aspectos

morfossintáticos.

3.1. Aspectos morfológicos e lexicais

Segundo Monteiro (2009, p. 26 e 27), merecem destaque, no campo morfológico

e lexical do falar cearense, fenômenos poucos freqüentes em outras regiões do país

como:

A formação de verbos derivados por sufixação a partir de bases nominais, a

exemplo de assuntar etc;

A aplicação do sufixo diminutivo, com valor afetivo, em bases não

nominais, a exemplo de aquelezinho, dormidinho (ou dormindinho);

A alternância entre as formas –inho e –im, esta última bem mais frequente, a

exemplo de livrim, bichim, sozim;

O emprego dos prefixos –in e –a com valor protético, a exemplo de

intropicão (“tropeção”), intropicar (“tropeçar”), abastar;

A formação de verbos mediante acréscimo de prefixo e sufixo, a exemplo de

desmastrear (“humilhar”, “derrubar”);

O uso do sufixo aumentativo para formar adjetivos a partir de verbos, a

exemplo de poupão (“boi que se poupa”);

A permuta de sufixos para atribuição de valor pejorativo, a exemplo de

cafedório, poveiro, piauizeiro, paroara, ceariba;

A derivação sufixal a partir de sintagmas, a exemplo de semodagem (de

“sem modos”), semancol (de “se mancar”), caradurismo (de “cara dura”);

A formação de adjetivos mediante derivação regressiva, a exemplo de

estrompa (“sujeito violento”);

A flexão de gênero para substantivos ou adjetivos normalmente de gênero

único, a exemplo de diaba, peixa, cearensa;

Uma grande quantidade de termos alterados ou produzidos com intuito

expressivo, a exemplo de chubata, lagalhé (“pessoa ínfima e desprezível”),

coxia (“sarjeta”), bribado (de “briba”, por “víbora”), escalafobético,

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dismilinguir, canelal, figança, alvação (“gado branco”), manhecença, bodete

(diminutivo de “bode”), soltura (“diarreia”), mamimolência, estrovenga,

bafafá, espritado, nhenhenhém, fulustreco etc.

3.2. Aspectos morfossintáticos

Nesse campo, constam-se construções que tomadas em conjunto define a

particularidade do falar cearense. Sobressaindo um vasto repertório de frases feitas ou

expressões gramaticalizadas, a exemplo de:

“ter de um tudo”

“botar banca”

“arre égua!”; “arre diabo!”

“andar nos trinques”

“desembuche”

Além dessas expressões, cabe ressaltar duas características sintáticas:

O advérbio de negação depois do verbo: “carece não”.

A reiteração do advérbio de negação: “Não vou não”.

4. Metodologia

Para esta análise, foram selecionados quatro humorísticos que caracterizam o

cearense através de seu falar. Textos esses que circulam pela internet e ganham

destaque por seu caráter humorístico.

Os textos escolhido foram: Conselhos cearenses para 2009, Homenagem de

Fortaleza, Cearês e Cada lugar tem seu jeito de roubar, reproduzidos a seguir.

Optamos por utilizar a grafia original do texto quando essa reflete algum traço

fonológico do falar cearense.

Texto 1:

"Conselhos" de cearense para 2009

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1. Você já é um cagado por estar vivo, pense nisso e agradeça a Deus,

2. Não fique arrudiando para estar junto de quem você gosta, se avexe...

3. Não bote boneco no trabalho, seja paciente, pois...

4. Pra você ficar estribado é preciso trabalhar, não fique frescando, respeita a

poliça, com os colegas, funcionário que não dá um prego numa barra de sabão não fica

não, mas....

5. Se você tiver mesmo a fim de sair porque não agüenta mais aquele seu chefe véi

fulerage, aquele cabra que te deixa fumando numa quenga, tenha calma pois não

adianta ficar ispritado porque ele não reconhece que você rala o bucho no trabalho, vá

procurar algo melhor e cape o gato na hora H,

6. Mesmo que seus objetivos estejam lá na baixa da égua, vale a pena buscá-los e dê

uma rabiçaca para os maus pensamentos, pois pra gente conseguir o que quer tem é Zé...

7. Dê um desconto para aquele cabra que só bate fofo com você, vale a pena investir

pois de tanto insistir pode nascer um bruguelo ou um minino réi amarelo,

8. Quando quiser algo, seja o cão chupando manga e vá em frente, não desista e dê

uma pinóia pros maus pensamentos,

9. Você é um(a) corralinda, é importante que você ame a si próprio.

10. Não vá bulir em coisa que tá dando certo, deixe quieto, pois de tanto coisar com

uma, coisar com outra, vc pode ganhar um chapéu de touro, seu mói de chifre!! e se

quiser matar o verme, procure o doidim/doidinha que está a seu lado...porém se....

11. Você ainda não tem ninguém, não pegue qualquer marmota, escolha uma

corralinda igual a você, e não rebole no mato as boas oportunidades,

12. Pras vitalinas (aquelas que o cabra não pode nem triscar que já ficam igual a uma

barata num bico de uma galinha) fiquem pastorando até encontrar alguém pai dégua,

não escolha um cabra peba ou malamanhado, o segredo é pelejar e não desistir, não

peça pinico e deixem quem quiser mangar, um dia seu machoréi vai encontrar,

13. Não fique batendo o quengo pensando em besteira, tenha pensamentos positivos e

diga: Sai mundiça !!!

14. Se algo não sair como você planejou, não fique de lundu, saia com aquele magote

de amigos seus pra tomar um merol ou uma meiota,

15. E na noite da entrada do ano, coma aquela gororoba prá dar sorte até encher o

bucho, mas não demais senão dá gastura, ah! não esqueça do grito de guerra pra dar

mais sorte ainda: Queima raparigal !!!!!

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16. Aí é torcer que 2009 vai ser só o mi disbuiado e respeite como ele vai ser bom!!

Texto 2:

Homenagem a Fortaleza

Pense numa cidade pai d'égua!

O ano todo com um calor de rachar o quengo.

Toda noite tem comédia e o povo é bonequeiro que só!

Tá pra nascer quem é de Fortaleza que não é amancebado com esse lugar.

Tem é zé prum cabra conhecer aqui e depois querer capar o gato.

Pode ser liso, estribado, vir de perto ou lá da baixa-da-égua.

Qualquer um fica arriado os quatro pneu quando vê as praias daqui.

Fica logo todo breado de areia, depois se imbioca no mar e num quer mais sair nem a

pau.

Depois de conhecer a negrada, então, vixe!

Se a cidade é boa assim, avalie o povo!

Tem gente de todo jeito: do fresco ao invocado, do batoré ao galalau, dos

gato réi às ispilicute, do cabra-macho ao fulerage e muitas outras marmotas.

Bom que nem presta. É por isso que nas férias dá uma ruma de turista tudo

doido por uma estripulia , porque sabem que Fortaleza não é de se rebolar no mato.

Só precisa dar um grau ou uma guaribada aqui ou ali, mas, mermo assim, tá de

parabéns.

Arre égua, ô corra linda, mah , essa cidade!

(Assis Coelho)

Texto 3:

Cearês

Cearense não briga... ele risca a faca!

Cearense não vai em festa... ele vai raparigar!

Cearense não vai embora... ele vai pegá o beco!

Cearense não bebe um drink... ele toma uma!

Cearense não joga fora... ele rebola no mato!

Cearense não discute... ele bota boneco!

Cearense não é sortudo... ele é cagado!

Cearense não corre... ele faz carrera!

Cearense não ri... ele se abre!

Cearense não brinca... ele fresca!

Cearense não compra garrafinha de cachaça... ele compra um celular!

Cearense não toma água com açúcar... ele toma garapa!

Cearense não calça as sandália.... ele calça as opercata!

Cearense não exagera... ele alopra!

Cearense não percebe... ele dá fé!

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Cearense não vigia as coisas... ele pastora!

Cearense não sai apressado... ele sai desembestado!

Cearense não agarra a mulher... ele arroxa!

Cearense não dá volta... ele arrudêia!

Cearense não espera um minuto... ele espera um pedaço!

Cearense não é distraído... ele é ariado!

Cearense não fica encabulado... ele fica todo errado!

Cearense não comete gafe... ele dá uma rata!

Cearense não sobe na arvore... ele se trepa no pé de pau!

Cearense não passa a roupa... ele engoma a roupa!

Cearense não ouve barulho... ele ouve zuada!

Cearense não acompanha casal de namorados... ele segura vela!

Cearense não dá cantada... ele quêxa!

Cearense não é esperto... ele é desenrolado!

Cearense não é rico... ele é estribado!

Cearense não é homem... ele é MAXO!

Texto 4:

Cada lugar tem seu jeito de roubar

(...)

ASSALTANTE CEARENSE

Ei Macho, isso é um assalto!

Deixe de marmota, arriba os braços, não se bula nem faça mungango.

Bora logo abestado, me dê logo a céda que eu sei que tu tá estribado.

E num bote boneco não, senão eu papoco uma mãozada no teu

pé-do-ouvido! Arriégua, só isso! Penseeeee num fi-duma-égua liso!

Agora vai, vai, vai timboooora carniça. Pega o beco, pega o beco!

5. Expressões do falar cearense

Abestado: abobalhado

Aloprar: exagerar

Ariado: distraído, desnorteado

Arri égua: interjeição que indica espanto

Arribar: levantar

Arrudiar: fazer rodeios; não ser direto

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Arroxar: agarrar alguém

Atrepar: subir

Avexar-se: apressar-se

Bater fofo: deixar na mão

Batoré: pessoa baixa

Botar boneco: fazer confusão

Breado: suado.

Bulir: mexer em algo

Cabra: homem

Calor de rachar o quengo: calor muito forte

Capar o gato: ir embora

Cão chupando manga: algo muito feio ou muito ruim

Céda: Cédula, dinheiro

Celular: garrafa de cachaça

Corra linda: coisa linda

Dar fé: perceber

Dar uma rata: cometer uma gafe

Desembestar: apressado, atrapalhado

Desenrolado: esperto

Doidim (doidinha): pessoa sem muita importância

Engomar: passar roupa

Esperar um pedaço: esperar algum tempo

Espilicute: (Do inglês spiel cute) pessoa que conversa de forma esperta; menina

“descolada”

Estribado: rico

Fazer Carrera: correr

Fi duma égua: xingamento equivalente a filho de uma égua.

Ficar de lundu:

Ficar todo errado: ficar sem graça

Frescar: tirar sarro

Fulerage: alguém ou algo que não presta

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Fumando uma quenga: raivoso

Galalau: pessoa alta

Garapa: água com açúcar

Gato réi: mulher fácil

Invocado: com raiva, irado

Ir raparigar: sair para festa

Ispritado: enfurecido

Liso: sem dinheiro

Magode: grande quantidade

Malamanhado: desajeitado, mal arrumado, desengonçado

Mangar: rir, fazer chacota

Macho (mah): homem

Marmota: desajeitado, mal arrumado, desengonçado

Matar o verme: saciar a vontade

Meiota: meio litro de cachaça

Minino réi amarelo: criança. Utilizado para se referir à coisas própria da

imaturidade infantil.

Mói de chifre: corno

Mundiça: diz-se de alguém de baixa qualidade

Mungango: desengonçado

Não dá um prego numa barra de sabão: ser preguiçoso

Negrada: turma

Nem a pau: de modo algum

Opercarta: sandália

Pai d’égua: muito bom

Papocar: estourar

Pastorar: vigiar

Pé de pau: árvore

Pedir penico: dar-se por vencido

Peba: muito ruim

Pegar o beco: ir embora

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Pelejar: tentar fazer algo

Pense: marcador discursivo

Queima raparigal: Grito de guerra, incentivo para as meninas agitarem

Quêxar: dá uma cantada

Rabissaca: virar o rosto em gesto de desprezo

Ralar o bucho: suar, dançar

Rebolar no mato: jogar fora

Respeitar o poliça: ter respeito por uma autoridade

Risca faca: briga

Se abrir: rir

Ser cagado: ter sorte

Só o mi disbuiado:

Tem é Zé: difícil. Expressão adverbial para dimensionar o grau de dificuldade

de algo.

Véi fulerage: ruim

Vitalino: pessoa que não casou

Zuada: barulho

6. Considerações finais

Observamos que a variação diatópica é bastante produtiva no Ceará. Dessa

forma, expressões como “botar boneco” e “rebolar no mato” tão comuns em todo o

estado, independente de variáveis como sexo, idade, grau de escolaridade ou classe

social.

Além de uma grande variação lexical, esse falar apresenta distinções relevantes

em aspectos morfológicos e morfossintáticos, como ilustrado anteriormente.

Entretanto, cabe ressaltar que atualmente, os traços de uma região ocorram em

outra. Mesmo assim, os termos pertencentes ao autêntico falar cearense continuam em

destaque como objeto de estudos dialetais, uma vez que ressalta relações entre língua,

sociedade e cultura.

Page 12: ASPECTOS LÉXICOS DO FALAR CEARENSE · O uso do sufixo aumentativo para formar adjetivos a partir de verbos, a exemplo de poupão (“boi que se poupa”); A permuta de sufixos para

Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e I SSN : 217 8 -148 6 • Vo l u m e 2 • N úm er o 1 • j u l h o 201 2

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No que diz respeito ao caso específico do léxico, podemos observar, ao longo

dos exemplos supracitados, que o dia-a-dia desse povo, suas crenças, seus costumes,

suas práticas socioculturais, entre outros, são refletidos linguisticamente, trazendo para

a linguagem todo o bom-humor e entusiasmo do povo cearense.

Referências

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obra de Patativa do Assaré. Fortaleza, 1997. Dissertação (Mestrado em linguística) – UFC.

ARAGÃO, M. do Socorro Silva. A variação fonético-lexical em atlas linguísticos do Nordeste.

Revista do GELNE. Fortaleza. Ano I. n°2. 1999.

______Os estudos fonético-fonológicos no estado do Ceará. 57ª Reunião Anual da SBPC.

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CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo

2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Suzana Alice. A dialetologia no Brasil. São Paulo:

Contexto, 1994.

MONTEIRO, José Lemos. Considerações sobre o falar (dialeto) cearense. Revista de

Humanidades. Fortaleza, v. 24, n.1, p. 21-30, jan./jun. 2009

Recebido Para Publicação em 30 de junho de 2012.

Aprovado Para Publicação em 15 de julho de 2012.