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DESFECHO- ENCERRAMENTODEUM PROCESSO*
JOO AUGUSTO POMPIA
resumo
O texto destaca os sentidos da palavra desfecho como algo que fi-
nalizou, que foi compreend ido e a partir do que novos comeos so pos-
sveis. Pensar esta palavra com tudo que ela abarca esbarra numa idia
predominante em nossa cultura: o valor preponderante da efic incia a
qual medida pelos resultados e pela rap idez e fruto principalm ente de
uma anlise racional das situaes. E sta idia abrange tambm o que diz
respeito vida, que deveria ser adm inistrada segundo tais critrios.
Isto entretanto deve ser repensado. Para tanto, dois pontos princi-pais so propostos para reflexo:
1. As coisas da vida precisam de tempo. Aqui no vale a pressa.Nem mesm o para sa ir do sofrim ento.
2. A clareza da razo no tem a h egem onia absoluta nas questes da
existncia. Estas tm necessidade de uma compreenso que as abarquenum outro plano. O sentido nem sempre surge de um ilum inado enfoque
racional, m as ao contrrio, vem chegand o a partir da obscuridade.
Abstract - Outcome
This text am plifies the understanding o f human existence, speciallyo f experiences o f finalizing som ething, o f ending, or experiences which
equire a solution, i.e. situations o f conc lusion. Such situations also occur
n the process o f therapy.
The word conclusion is seen in its various meanings: something
hat is clarifies, som ething that finalizes and in finalizing may originate
Palestra proferida na Faculdade de Psicologia da Universidade Catlica de Santos, 1990.Este texto foi editado por Maria de Jesus Tatit S apienza, a p artir de gravao original.
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new beginnings. In the conclusion the meaning of lived experience is
comprehended. However, this comprehension does not happen in haste,
nor does it come from mere rational understanding alone.
PALAVRASCHAVE: Existncia Humana, Psicoterapia, Maturidade,
Compreenso, Heidegger.
Desfecho uma palavra curiosa que aparece com significados
diversos.
O primeiro significado o de final. Mas no um final como qual-
quer outro. Este vem acompanhado de uma certa fora e vigor. uma
espcie de final marcante, apotetico.
Assim, ele pode ser o final de um texto literrio, de um conto poli-cial ou de mistrio em que acompanhamos o autor na apresentao de
questes at que elas se tornem esclarecidas. Este momento, alm de
final, hora de esclarecimento e de compreenso onde aparece o sign ifi-
cado dos episdios relatados. como se encontrssem os um certo alvio
para uma tenso que vinha crescendo ao longo da histria. Quanto mais
estivermos envolvidos e curiosos procurando saber quem o assassino
ou de onde vem aquela potncia m isteriosa que engendrou o clima quepercorreu o enredo, mais in tensamente curtiremos o desfecho.
Desfecho ento o final, mas est tam bm profun dam ente ligado
totalidade da histria.
O mesm o acontece com nossos problemas. Q uanto mais so obscu-
ros e quanto maior nosso envolvimento, mais curtimos o desfecho. Te-
mos de ser capazes de penetrar nas questes que o problema apresentapara que o desfecho venha e complete . E com o se o desfecho tivesse de
preencher alg uma coisa que antes p recisasse ser cavoucada. Quanto mai-
or for o buraco, mais amplo pode ser o desfecho em seu sentido, a sur-presa ser m aio r e a com preenso dos deta lh es mais prazerosa. Quanto
mais mergulharmos em nossos problemas, no momento em que encon-
trarmos o desfecho, de fato, ali terminar um ciclo.
O segundo sentido que encon tramos para a palavra desfecho tam -
bm curioso . Ele m omento de ao, em que realizamos ou desfecha
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mos o golpe. Aqui, desfechar tem o sentido de realizar. No se trata de
contemplao. No m omento em que algo se encerra, se esclarece, se des-
fecha, alguma coisa solicita um agir imediato, concreto. Algo que est
preparado para acontecer acontece, tornase real, desd obran dose numa
ao concreta.
Falamos at agora de desfecho como final, encerramento, realiza-o de algo que vinha sendo preparado, ou seja, de certa forma, tratase
de um fechamento.
Mas h um terceiro sentido para esta palavra e aqui o curioso est na
pergunta Por que cham ar o fecham ento de desfechamento? que des-
fecho, ao mesmo tempo que encerra, fecha, tambm abre alguma coisa.
Todo desfecho tambm necessariamente abertura. Quando ele
ocorre h a realizao de uma ao e nesse momento comea tudo denovo ou outra vez.
Comear de novo no o mesmo que comear outra vez. Comear
outra vez repetio. Comear de novo tem o carter de novidade, ou
seja, uma nova coisa vem se colocar quando o desfecho p reenche a situ-ao primeira.
Falando em desfecho nessa perspectiva, isto nos remete aos antigos
ritos de passa gem na histria da hum anidade. Todo desfecho concretiza eefetiva uma passagem.
H m uito a ser pensado sobre a fora que tinham os rituais nas cul-turas antigas e sobre o quanto nossa cultura desprovida desses instru-
mentos. Vivemos, segundo Mircea Eliade, numa cultura areligiosa, amitolgica.
Havia os ritos de passagem e entre eles destacavase o da passagem
da puberdade. Mircea Eliade em O Sagrado e o Profano diz: O rito depassagem por excelncia, o mais uniform e, pre sente em todas as cultura s
o rito de passagem da puberdade. E acrescenta: Todo rito de passa-
gem um rito que congrega trs elementos fundamentais: morte, nasci-
mento, e sexualidade .
Este auto r mo stra que em tais rituais h similaridade com os rituais
de nascimento. Em algumas tribos Bantus, quando os meninos esto em
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torno dos doze anos e quando as meninas tm a primeira menstruao,
so levados pelo pai para um lugar especial onde passam trs dias envol-
vidos no peritnio retirado de um carneiro. Eliade comenta a respeito:tambm os mortos, nessas tribos, so envolvidos em tripas, num a esp-
cie de reproduo do processo de nascimento em que a criana vem en-
volvida do tero e ao nascer se liberta e deixa algum a coisa para trs .
No ritual, o deixar para trs e comear de novo extraordinariamente
potente... Isto aparece nos processos de cura. A cura que os feiticeiros rea-
lizam nas tribos primitivas sempre um recurso para a criao do mundode novo. Eles recriam o mundo e a pessoa, como se o doente ficasse para
trs, isto , morresse para que uma nova pessoa pudesse nascer. Eliade
apon ta que isto perm anece nos rituais judaicoscristos. Assim, no batismo,
esto presentes morte e ressurreio, fechamento e abertura.
Nossa cu ltura dis tanciouse dos rituais que de alguma fo rma mos-
travam como as coisas so complexas e precisam de um tempo para acon-
tecer plenamente.
Os rituais indicavam para o iniciante as ambigidades, mostravam que
havia algo de morte e tambm algo de nascimento na passagem, por isso era
preciso passa r devagar. Se houvesse pressa, provavelmente haveria confuso
e o necessrio para a nova vida no estaria aprendido e disponvel.
N ossa cultura cheia de pressa e com isso vivemos alg um as
distores. Pensemos no exemplo da pessoa excessivamente curiosa e
apressada que no primeiro cap tulo de um livro de suspense no resiste
tentao de dar uma olhadinha na ltima pgina. Desde o comeo da
histria ela fica sabendo quem o assassino e com o o mistrio. Nesta
pressa, o livro perde a graa que estava em esperar pelo desfecho no final
e a leitura tornase mais difcil.
A prim eira tentao e o prim eiro perigo esto na pressa. E m geralachamos que eficiente o apressado. A idia de eficincia est direta-mente relacionada a tempo: m ais eficiente a m aior produo na meno r
unidade de tempo.
A ligao de pressa e eficincia um vis que na situao especfi-
ca da psicoterapia que o horizonte a partir do qual estamos falando
extremam ente sedutora e perigosa.
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Na profisso de psiclogo, provavelmente todos ns vivemos a expe
rinciadapressa em nossos primeiros atendimentos. O cliente chega, co-
mea a falar, a formular um problema e o terapeuta j est afobado procurando
o que vai dizer para ele. Um de seus ouvidos escuta o cliente e o
outroescuta o dilogo interno de sua procura: Mas onde vou encaixar isto
que eleest dizendo? Ser que este mesmo o problema? . Vai levantando
hipteses, fazendo mil operaes apressadas, e de repente pode v ir a desagrad
vel surpresa de no finalzinho do relato ouvir do cliente: Mas o meu
problema no esse .Ele s tinha contado um a histria para dizer: M as
no por isso que eu procurei a terap ia!. E tudo recomea.
Diante da pressa to comum, podemos fazer algumas considera
es sobre a dinm ica da passagem.
Passagem vem de passar. Podemos pensar numa ponte ou numa
porta, uma ligao entre duas coisas . A ponte marca o trm ino de uma
margem do rio e d acesso a outra margem. A porta fecha um am biente ed acesso a outro.
A pressa distorce essa passagem.
Freqentemente, quando comeamos a ouvir sobre uma situao
ansiosa, sofrida, queremos rapidamente acabar com o problema, obter
uma resposta, e agimos sem imaginar que isso possa ser ruim e que alguma coisa possa ficar faltando na pressa de alcanar um desfecho.
Diante do sofrimento comum pessoas bem intencionadas dize-
rem: Calma, isso passa! . Outros dizem: Calma! N o h bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe! . claro que o sofrim ento vai
passar. Tudo passa. Mas passar tambm pode ser uma co isa assustadora,
pois aponta para a precariedade, diz que nada veio para ficar. A dim en-
so de morte contida na perspectiva de que tudo passa assusta. Olhandopara esse aspecto da passagem, de que nada dura o tempo todo, es tamos
lidando com uma ameaa concreta.
Existe um momento de tristeza no trmino de um processo. Algo
pertence ao passado, foi em bora, distanciouse de ns. E ns, impedidos
de parar, temos de ir deixando para trs. Mas tambm h satisfao nessedeixar para trs , pois quando no de ixamos para trs porque alguma
coisa deu errado. Quando paramos l atrs, nos sentimos pesados.
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Nesse tudo passa, h ainda outro aspecto da passagem que s
vezes fica esquecido. Quando dizemos que tudo passa, de certa forma
estamos dizendo que tudo se torna nada mais, tudo se nadifica. Assim,
tudo que hoje est sendo objeto de sofrimento, daqui a algum tempo ser
nada. Mas isso no necessariamente verdade, felizmente.
Quando na pressa de acabar com o problema apelamos para o issopassa, isso no nada, ns no avaliamos o quanto de transto rnos tal
afirmao pode trazer para quem ouve.
Exem plifiquemos isto com a histria de quem est vivendo um pri-
meiro grande amor. Este algum tem doze anos. Apaixonase to perdi-
damente que, de fato, fica perdido. No consegue se achar. Apaixonado e
perdido, ele no consegue fazer nada. Pensa: Hoje fa lo com ela ! . Maschegando perto da menina no consegue respirar nem abrir a boca. P re-
para coisas para dizer, mas tu do some. a situao de quem est perdi-
damente apaixonado.
Perdido e apaixonado jun tam se fortemente. E assim, com o passar
do tempo, ela se cansa dessa histria. E la s v seu estar perdido, no v
o estar apaixonado e comea a se interessar por outro. A partir da, ele
comea a curtir sua situao de apaixonado abandonado. Interessante
que em seguida ele passa do estado de perdido para o de achado. Ins-tantaneamente ao ser abandonado, o apaixonado se acha abandonado.
Ele sabe muito bem onde est e quem abandonado.
Nosso menino agora na condio de achado no abandono, vai con-
versar com algum mais velho, mais experiente, em quem confia. E o
que ele ouve o seguinte: No esquenta! Voc s tem doze anos, tem a
vida inteira pela frente e ainda vai se apaixonar muitas vezes. Isto no
nada! Isto que Voc est vivendo passa porque no nada! .
Assim, pela primeira vez o menino ouve que tudo passa, que tudo
que ele sente nada. Ele cai das nuvens, pois mesmo abandonado, prprio do apaixonado esta r nas nuvens . Q uando se cai das nuvens,
o tombo grande.
A sensao em seguida de que a paixo no confivel, pois ela
passa, se desmancha e daqui a dois ou trs anos ele vai olhar para a m e-
nina e se perguntar: Mas o que eu vi nela para me apaixonar tanto?
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Surge o carter do engano. O "tudo passa" mostra a precariedade e o
enganoso .
Podemos imaginar o menino j adulto em um a terapia, voltando por
vezes a esse episdio e lam entando por aq uela p essoa com quem conversou
no conhecer m elhor sobre ritos de passagem.
Depararse repentinamente com a possibilidade do engano, vistoque "tudo passa" , faz sentir que tudo iluso.
A questo da iluso em oposio ao princpio de realidade tem sidofoco de reflexo para a Psicologia.
Freqentemente encontramos certa inquietao do terapeuta por
fazer seu cliente cair na real. Imp ortante lem brar aqui que na real
s se cai, N ingum sobe para a real . Este movim ento de descida, e specialmentese h pressa para descer, significa tombo. Quando nos precipi
tamos na real porque estamos com pressa, sem preparo para a queda,
estamos nos esfolando na real.
No que a iluso seja um te rritrio para permanecermos. Mas ela
nopode simplesm ente passar. Uma iluso precisa de um desfecho. Quan-
do a iluso se desfecha ela nos abre pa ra a realidade e nos faz reencon trar
o significado daquilo que nela vivemos de tal modo que nos tornamosum pouco mais sbios. Nessa condio de sabedoria, (que na etimologia
latina tem o sentido de paladar) por temos sentido o sabor da iluso e da
desiluso podem os nos iludir de novo.
No podemos eliminar a iluso em todos os nveis*. At na maisdesenvolvida Fsica, ela toma a pom posa forma de uma equao que fala
do Quantum de Indeterm inao presente nos fenmenos investigados.
Na experincia concreta , sem iluses no encontramos finalidade.
A finalidade condio para o desfecho porque este correspond e ou ao
alcance da finalidade ou presena de um impedimento radical que fi-naliza um processo e torna evidente que a finalidade no pode ser
alcanada. Iluso, finalidade e desfecho esto profundamente ligados e aeliminao de um altera o outro.
Ver a respeito, Au to En ga no , de Eduardo G ianetti, particularmente em A M isria e a Glria do Auto Engano,pg. 52 65.
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Voltemos ao amigo do menino. Ele diz, bem intencionado: No
fica som ente olhando para trs, olha para frente porque a vida con tinua e
tudo passa. Ele esquece de dizer que tudo passa, mas tudo no voltapara o m esm o lugar, e no voltar para o m esm o lugar um a oportunida
de de com ear de novo e no m eramente outra vez.
E assim que aquilo que o amigo prope como consolo provoca
raiva no menino: raiva da paixo, raiva do amigo, raiva da menina, raiva
do envolvimento com um engano. A dor daquele mom ento m uito gran-
de ao pensar que o mais importante naquela vida toda de doze anos
nada, um engano, um a grande mentira.
O conselho do amigo parece dizer: Esquec e. Ora, se esquecem oso que vivemos com tanta paixo, se esquecemos coisas to significativas
num dado mom ento, no podem os fazer de novo. Se h esquecimen to, spodemos fazer outra vez, porq ue no esquecim ento no sabemos diferen-
ciar o de novo do outra vez.
Aquilo que no desfecho se d, mesmo que seja o abandono, a
oportunidade da compreenso de alguma coisa que de fato se deu.
Mesmo que no tenha acontecido do jeito que espervamos e que o
mundo no tenha sido como queramos, o acontecido no significa
um nada. Pois exatamente na hora em que somos abandonados na
paix o que podem os com preender profundam ente a paix o que vive-mos. Quando no mais estamos perdidos que podemos rever uma
experincia anterior de perdidos na paixo. Isto s pode acontecerquando nos reencontramos. A condio de perdido na paixo, de es-
tar preso e cego por uma esperana que tanto brilha e ofusca todo o
resto, nos impede uma clareza.
A princpio a clareza ainda est perm eada de obscuridade. Mas quan-
do nos acostumamos a esta, outras coisas vo aparecendo, inclusive a
nossa prpria condio de estarmos vivendo na obscuridade, o prpriodesejo de encontrar a luz e a prpria vontade de mergulhar de novo em
algo significativo e cheio de vigor.
N o esta m os, no enta nto , pre sos ao m ito do ete rno reto rno. Noestamos sempre voltando ao mesmo ponto de partida. Podemos de
dentro do sofrimento e da obscuridade de um certo momento em que
vivemos olhar de novo para aquilo que acabamos de viver. Isto no
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"des-o lhar ou o lhar para frente . o olha r pa ra tr s no e svaz ian do
tudo que aconteceu. Para aquele menino, tudo, foi o mximo dele
mesmo, do que ele pde perceber de si e da menina. Tudo isso faz
parte de sua his t ria.
A perspectiva de que tudo passa presente no apressado consoloque simplesmente recomenda o esquecimento para afastar o que inco
moda se amplia tambm para as coisas que so realizadas. Se esquecer
mos aquilo que nos afligiu, esquecem os tambm o que vivemos e quan
do nos esquecemos de nossas experincias no chegam os a ser humanos,
j que peculiaridade humana ser e fazer histria.
Quando resgatamos a experincia do que foi vivido sem esvaziar oque passou, ns nos to rnamos mais capazes de ouvir quando o outro nos
fala de suas paixes, mais capazes de sentir o ressoar da vida e no da
morte, mesmo quando se trata da morte de uma paixo. A morte, naperspectiva do desfecho em seu tr p lice sentido de final que traz clareza,
de realizao e de abertura, ainda parte da vida. Faz parte de nosso
modo de ser.
Mas, se deixamos simplesmente tudo para trs, camos num tre-
mendo vazio e desolao. Isto diferente de desiluso. A desiluso s
tem o carter de desolao quando h uma grande frustrao e sofrimento, quando a iluso se rompe. Porm, mesmo este momento de ruptura
pode ser tamb m a oportunidade frtil de mergulharmos e alcanarmos
uma coisa de outra natureza.
A compreenso que se abre a par t i r da ruptura de uma i luso,
diferentemente daquela que provm da clareza da razo, nasce na
obscuridade. Sua peculiar idade est em aproximar o t rgico, o di
f ci l da vida, da possibi l idade mais vigorosa de renovao da pr-pria vid a.
Como experincia humana, o desfecho sempre fecho e desfe
cho, sempre encerra e prope, tira alguma coisa e coloca outra no lu
gar. E esta nova coisa um jeito de ser diferente do anterior. Assim,
podemos ente nder que a desiluso no a capacid ade de no te r ilusoalguma, m esmo porque em geral o desiludido tambm est muito iludi-
do com a vida. Vive como se tivesse chegado ao fina l do romance quando
ainda est nos primeiros captulos e no sabe o que est por vir nas
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pgin as seguintes. O vazio que ainda est presente na pgin a seguinte
, na verdade, a oportunidade de comear de novo.
Referimonos acima a uma com preenso que nasce na obscuridade.
Por outro lado, j Aristteles e toda a tradio do racionalismo privilegi-
am a luz da razo, do bvio, da evidncia. Estas duas posies nos levam
a dizer que h mais de uma forma de compreender, de conhecer.
certo, por exemplo, que no claro, com os olhos que conhece-
mos. M as, no escuro, com os olhos no percebem os e nos perdemos. Noescuro temos um sentido de orientao diferente, e com os ouvidos, o
tato, e o olfato que podemos conhecer. So muitas as experincias con-
cretas que podem ser feitas relativas ao conhecer no escuro.
Num outro plano, podemos tambm exemplificar isto atravs da
tragdia de dipo. Esta histria aproxima o que queremos dizer tendoem vista a compreenso que nasce na obscuridade.
dipo desvenda o enigma da Esfinge com seu olhar penetrante e gui-ado pela luz da razo. A esfinge era para ser entendida na clareza da razo.
Mas, num outro momento, esse olhar e a luz da razo j no servempara a compreenso de sua vida, quando se encontra na desiluso radicalao perceber que fez tudo errado. Fura seus olhos, instrumentos com os
quais ascendeu de vagabundo a rei. A resoluo da vida de dipo nopode ser fe ita agora pelo en tendim ento. Ela tem de vir por um outromodo de compreenso, na obscuridade.
Este outro modo de compreenso supe compreender com o signi-
ficado especial de abarcar e conter.
A compreenso no modo de ser do escuro uma ocasio em que
somos solicitados para o conter de toda a experincia que ento se ofe re-ce ao entendimento. Mais do que isto, porm, conter significa a oportu-
nidade de expanso alm do limite daquilo que j contemos. N este sen ti-
do, abarcar quer dizer rodear de tal modo que ficamos alm daquilo que
abarcamos. Isto est presente tambm na perspectiva que apresentamosdo desfecho.
Jung relata que por volta dos cinqenta anos descobriu que os m ai-
ores e mais importantes problemas permitem o movimento daquilo que
chamam os v ida. Se esses problemas fossem resolvidos ou eliminados,
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eliminaramosjunto a prpria vida. Assim ele diz que os grandes pro
Mrni.is podem ser apenas ultrapassados .
importante lembrar que ultrapassar tem dois significados:
1 Deixar para trs, passar.
2 Compreender.
Quando ultrapassar compreender nos damos conta de que, de al-
guma forma, mesmo no centro da desiluso, somos de alguma maneira
maiores do que a desiluso que compreendemos.Ao compreendermos a
iluso e a desiluso, no estamos fazendo apologia da desiluso nem
crtica da iluso. M as ns as contem os e isto quer dize r que as deixamosperto de ns. Assim, em vez de deixar para trs, a ultrapassagem que
compreende e abarca retoma a dimenso do nascimento, do incio.
H uma expresso comum entre os psiclogos, que trabalhar a
perda . Esta expresso significa compreender a perda . Mas quando
compreendemos aperda, somos projetados na ta refa de compreender tam -
bm o ganho, e isto muitas vezes esquecido ou no compreendido.Compreender a perda no se refere a ganhar um en tendimento, mas aquela
compreenso que se d na obscuridade e que busca conter.
Somente podemos compreender e conter a perda porque alm dohorizonte daquilo que se perdeu, h algo a ser ganho. E a p rimeira coisa
que se ganha a descoberta de que, na desiluso, no morremos. Na
perda do objeto da prpria paixo, ns no perdemos nossa vida , como
muitas vezes acreditamos. Em algum as ocasies, parece que vergonho-
so sobreviver morte de uma paixo, perda do objeto desejado. N essas
ocasies, surge um desejo de sofrimento, com o se este fosse a autentica-o do significado do vivido. como se o vivido somente pudesse ter
sido importante se o sofrimento pela perda fosse tambm muito grande.
No sendo assim , apareceria o carte r do enganoso .
H um ganho na compreenso de si mesmo que maior do que a
desiluso, uma vez que permanecemos vivos. A compreenso daquilo
que se deu pode s er olhada de novo em outras dimenses. Neste m om en-to, aquilo que se ganha quando se perde pode de alguma forma preparar
a continuidade deste processo em que sempre nos encontramos de certo
modo perdendo ou ganhando.
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M art in H e idegger , f i l so fo insp i rado r do t raba lho da
Daseinsana lyse, em seu texto0 caminho do cam po descreve este
movimento do qual falamos quando diz que para um a grande rvore acon-
tecer, para que um carvalho possa se apresentar no caminho do campo,
necessrio que ele mergulhe profundam ente suas razes na terra escura,
porque isto que lhe d oportunidade e a condio de expandir a suacopa em direo ao sol brilhante.
A, reencontramos como imagem o duplo processo de compreen-
so que marca o vigor do desfecho. Este o m om ento em que podemoscom em orar uma tristeza em silncio. O silncio e a obscuridade so, na
imagem, o silncio e a obscuridade da terra com as razes penetrando
lenta e profundam ente. Este penetrar na obscuridade da terra, com preen-
demos em alguns momentos como sendo o concreto. As expresses denosso cotidiano pr o p no cho, estar com os ps na terr a, signifi-
cam esse enraizarse de algum a forma. No cho , primeira vista, estotodas as sujeiras, os detritos e coisas em decomposio. Mas, para as
razes, tudo isto significa a origem da vida.
Na nossa vida tambm h ocasies em que nos pedido para mer-
gulhar no solo, como as razes na obscuridade, na presena do silncio,
na proxim idade daquilo que pode se oferecer como o passado, o detrito,o que j morreu.
O movimento de enterrar profundamente as razes possibilita al-
canar a seiva, o pulsar da vida, e o equilbrio.
Ah! O equilbrio que um a coisa to procurada por ns, pessoal e
profissionalm ente . o equilb rio que vai perm itir que a grande copa da
rvore no desestabilize o estreito tronco sobre o qual ela se apia. No
fossem as razes, nenhuma grande rvore permaneceria em p. So asrazes que do o equilbrio.
Mas, em outros momentos a vida nos solicita perman ecer na copa,fazer fotossnteses, gerar o elemento da vida que vai sustentar toda a
rvore.
A dinmica do desfecho a mesma, seja num processo de terapia,
numa paixo de adolescente, ou na vida de uma pessoa. Podemos ao
mesm o tem po sentir tristeza e alegria no desfecho.
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Perceber este movimento, que faz com que todas as coisas passem
mas no se nadifiquem ou desapaream, nos pe rmite juntlas na form ade uma histria presente em cada m om ento para cada um de ns.
Como as grandes rvores, tambm crescemos enterrando as razes
profundamente na te rra escura para encontrar a oportunidade do equil
brio daquilo que pretende se expandir in tensamente na direo do cu
brilhan te.
bibliografia
ELI ADE, M. O Sagrado e o Profano Editora Livros do Brasil.
Lisboa
FO NSECA, E. G. - Auto enganoCompanhia das Letras. So Paulo,1977.
H EID EG GE R, M. - E l S ery El Tempo. Fundo de Cultura Econm ica,
5a Ed. Mxico, 1974.
HEIDEG GER , M. O Cam inho do Cam po. Revista de Cultura Vo-
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