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Marlène da Silva e Silva & Jacques da Silva (Orgs.) Actas do Colóquio Didáctica das Línguas-Culturas Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino- aprendizagem das línguas- culturas estrangeiras Universidade do Minho Abril 2008 EDIÇÃO ELECTRÓNICA PDF ISBN 978 - 989 - 20 - 1299 - 5

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Marlène da Silva e Silva & Jacques da Silva (Orgs.)

Actas do Colóquio

Didáctica das Línguas-Culturas

Implicações didácticas daInterculturalidade

no processo de ensino-aprendizagemdas línguas-culturas estrangeiras

Universidade do Minho

Abril ▪ 2008

EDIÇÃO ELECTRÓNICA PDF – ISBN 978-989-20-1299-5

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FICHA TÉCNICA

Título Actas do Colóquio

Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras

Organizadores

Marlène da Silva e Silva & Jacques da Silva

Edição

1ª edição : Agosto de 2008

Editores

Silva / Silva, Marlène da Silva e / Jacques da

ISBN

Edição electrónica PDF – 978-989-20-1299-5

Separata

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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Diálogos, discursos e práticas curriculares em torno do conceito de interculturalidade1

Mónica Bastos Helena Araújo e Sá

Universidade de Aveiro (Portugal) Resumo

Tornar a interculturalidade presente na educação formal implica formar os professores dentro dos seus pressupostos. Assim, desenvolvemos uma acção de formação, colocando o professor numa dupla situação, profissional e sujeito de linguagem, acreditando que a intersecção entre as vivências experienciadas nas duas situações favorece o desenvolvimento profissional. Partindo das impressões dos formandos, reflectiremos sobre como esta proposta favoreceu práticas de interculturalidade na sala de aula. Résumé

Rendre l’interculturel présent dans l’éducation formelle exige une formation des enseignants adéquate à ses présupposés. Ainsi, nous avons développé une action de formation en mettant le professeur dans une double situation, professionnel et sujet de langage, en croyant que l’interaction entre les expériences vécues dans ces deux situations favorise le développement professionnel. À partir des impressions des professeurs, nous réfléchirons sur la façon dont cette proposition a favorisé des pratiques professionnelles d’interculturalité. Abstract

Having formal education based on intercultural assumptions requires training teachers accordingly. Therefore, since we believe that professional development can be fostered by the intersection between teachers’ experiences, we developed a training course that would allow them to experience two different contexts, teachers as professionals and as language agents. Based on the teachers’ impressions, we will explore in what way did this course enhanced the intercultural practices in the classroom.

1. Apoiada, no âmbito de uma bolsa FCT, pelo Programa Operacional Sociedade do Conhecimento (Pos_C) do

Quadro Comunitário de Apoio III.

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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INTRODUÇÃO

Portugal, país tradicionalmente monolingue e monocultural, tem vindo a tornar-se gradualmente num país cada vez mais plurilingue e pluricultural, com um número considerável de imigrantes oriundos essencialmente de países africanos, do Brasil e do Leste europeu (ACIME, 2005; SEF, 2007). Como consequência, as nossas escolas são, igualmente, mais diversas linguística e culturalmente (Dionízio, 2005).

Esta realidade sociológica cada vez mais complexa coloca um desafio à sociedade, em geral, e à escola, em particular: o de cultivar a compreensão mútua, promovendo relações de cooperação entre os cidadãos, cultivando e valorizando as suas diferenças e o enriquecimento que resulta do seu encontro. Este desafio acabou por ser legitimado com a adopção pela Comissão Europeia do tema Diálogo Intercultural como leit-motiv para o ano de 2008.

Assim, se, por um lado a escola vê reforçado o seu papel educativo no que diz respeito à Educação para a Cidadania Democrática, nomeadamente uma das suas dimensões, a intercultural (Council of Europe, 2003: 19), por outro lado, o espaço curricular das línguas tem vindo a ser considerado um campo privilegiado para a educação intercultural, já que concebido como “un lieu d’ancrage idéal de celle-ci, puisque c’est par les langues qu’est le plus immédiatement rendue possible, y compris à distance, une expérience significative de l’altérité.” (Beacco, 2005: 21).

Neste quadro, as mais recentes orientações para o ensino das línguas, quer do Conselho da Europa (Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas), quer do Ministério da Educação português (Currículo Nacional do Ensino Básico), reforçam uma finalidade educativa fundamental do espaço curricular das línguas: desenvolver as competências plurilingue e intercultural.

Apesar desta mudança de paradigma no ensino das línguas, inserido numa Didáctica da Interculturalidade e do Plurilinguismo, alguns estudos (Dionízio, 2005) têm vindo a mostrar que o desenvolvimento de competências plurilingues e interculturais é dificilmente transponível para a escola e praticamente inexistente nas práticas curriculares.

Esta constatação pode indiciar que os professores de línguas sentem ainda algum desconforto não só em relação a esta abordagem didáctica, mas também aos papéis que actualmente lhe são cada vez mais associados, nomeadamente o de mediador e actor social (Bastos & Araújo e Sá, no prelo).

Neste sentido, parece-nos que, se pretende que as competências plurilingue e intercultural sejam operatórias nas práticas curriculares das aulas de línguas, importa apostar na formação dos professores, nomeadamente no desenvolvimento de

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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competências pessoais e profissionais que lhes permitam gerir e valorizar a diversidade linguística e cultural em contextos de ensino/aprendizagem.

Cientes destas necessidades de formação, planificámos, fizemos acreditar e implementámos, durante o ano lectivo 2006/2007, o plano de formação O Professor Intercultural, composto por um curso e uma oficina de formação, a qual será objecto de reflexão neste artigo.

Assim, começaremos pela descrição do plano de formação, focalizando-nos essencialmente na oficina de formação. Após explicitarmos os princípios estratégicos de formação que estiveram na génese de todo o plano formativo, bem como os eixos de formação propostos, apresentaremos o estudo exploratório relativo aos discursos e práticas dos professores em formação em torno do conceito de interculturalidade. Finalmente, partindo dos pontos convergentes e/ou divergentes entre os discursos e práticas dos professores em relação à competência intercultural, reflectiremos acerca de eventuais implicações para a formação em línguas. 1. O Plano de Formação

O plano de formação O Professor Intercultural integrou duas acções de formação:

i) o curso Professor de Línguas: promotor da escola plurilingue e intercultural2, de natureza essencialmente informativa e teórica, cujo enfoque se centrou na justificação de práticas profissionais (Setembro a Dezembro de 2006);

ii) a oficina O Professor de Línguas Intercultural: do mundo virtual ao contexto escolar3, de carácter experiencial e prático, direccionada para a inovação de práticas profissionais (Janeiro a Julho de 2007).

Neste artigo, focalizar-nos-emos na oficina, uma vez que os dados analisados no âmbito do estudo exploratório que apresentaremos posteriormente foram recolhidos junto dos professores que a frequentaram e no âmbito das suas actividades.

Antes de passarmos à descrição da oficina, importa explicitar o design da proposta de formação, nomeadamente as dimensões do conhecimento profissional que pretendemos trabalhar com os professores e os princípios formativos que estiveram na base da sua concepção. 2. Acreditado pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (n.º de certificado de acreditação

CCPFC/ACC-44902/06) com 1 crédito, correspondente a 25h de trabalho de carácter presencial. 3. Acreditada pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (n.º de certificado de acreditação

CCPFC/ACC-46955/06) com 3,2 créditos, correspondentes a 50h de trabalho (40h presenciais e 10h de trabalho autónomo).

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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1.1. Design da oficina de formação

Na concepção da oficina, tal como do restante plano de formação, orientou-nos sempre a convicção de que importa trabalhar as três dimensões do desenvolvimento profissional definidas por Andrade e Pinho (2003) no que se refere à formação de professores para a intercompreensão, conceito indissociável dos de plurilinguismo e interculturalidade. Assim, na concepção do plano de formação, na planificação das actividades e na selecção dos materiais e das estratégias de formação, tivemos sempre em mente estas três dimensões: social e política, pessoal e didáctica. A dimensão social e política está ligada à compreensão do valor educativo das línguas na resolução de mal-entendidos linguísticos, culturais e mesmo políticos. A dimensão pessoal está intimamente ligada ao carácter único, particular e individual da intercompreensão, resultado das experiências plurilingues e interculturais de cada um enquanto indivíduo e sujeito de linguagem, das suas representações e predisposições em relação às línguas, às culturas, aos povos e à própria situação de comunicação. A dimensão didáctica engloba competências profissionais para organizar o processo de ensino/aprendizagem de línguas com base numa didáctica da intercompreensão, do plurilinguismo e da interculturalidade.

Estas dimensões podem ser trabalhadas em programas de formação, cujos princípios subjacentes são, na perspectiva de Araújo e Sá (2003), os seguintes: i) Princípio Inter- : relativo à importância da experimentação de situações de interacção, de circulação e de diálogo entre os sujeitos, as línguas e as culturas, as disciplinas escolares, os professores…; ii) Princípio Pluri- : ligado à valorização do plurilinguismo e a conceitos como diversidade (linguística, cultural), competência plurilingue e competência intercultural, ecletismo metodológico…; iii) Princípio Meta- : referente ao desenvolvimento de práticas reflexivas a propósito das línguas, da comunicação, dos processos de ensino/aprendizagem… ; iv) Princípio Ex- : correspondente à ideia de desocultar conceitos e factores relativos ao próprio sujeito em formação e outros factores que possam ter implicações nas situações de aprendizagem e de utilização das línguas.

Este foi o quadro matricial que sustentou a planificação, preparação e implementação da oficina que passamos a descrever. 1.2. Roteiro de formação

A oficina intitulada O Professor de Línguas Intercultural: do mundo virtual ao contexto escolar4 decorreu no primeiro semestre do ano civil transacto (2007), com um grupo de formandos constituído por sete professoras de duas escolas secundárias do distrito de Aveiro. 4. Para informações mais detalhadas sobre a oficina de formação, ver Bastos & Araújo e Sá, 2007; 2008.

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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As actividades propostas dividiram-se em três momentos, dois dos quais simultâneos:

i) o primeiro momento, com a duração de 8 horas de formação, consistiu na preparação dos formandos para a participação na plataforma europeia Galanet5, uma vez que esta plataforma foi um instrumento de formação privilegiado ao longo da oficina, nomeadamente no âmbito das actividades do segundo momento de formação;

ii) o segundo momento, o mais longo, com a duração de 22 horas, consistiu no trabalho colaborativo e de projecto na plataforma Galanet com outros participantes falantes de línguas românicas, professores ou não de línguas;

iii) o terceiro momento, com a duração de 20 horas (10 em regime presencial e 10 em regime de trabalho autónomo), foi simultâneo ao apresentado anteriormente e consistiu no desenvolvimento colaborativo, implementação e análise de projectos de investigação-acção subordinados aos temas da interculturalidade e do plurilinguismo.

As actividades referentes a estes três momentos organizaram-se em torno de quatro eixos de formação, concebidos como espaços articulados, que se tocam, estabelecendo relações recíprocas e interdependentes. As dimensões e princípios de formação mencionados na secção 1.1 foram tidas em consideração, como ilustra o esquema abaixo (Figura 1; cf. Bastos & Araújo e Sá, 2008).

No âmbito do eixo de formação Sensibilizar para uma Didáctica da Interculturalidade e do Plurilinguismo, os professores analisaram documentos orientadores de políticas educativas nacionais e europeias, textos teóricos sobre esta abordagem didáctica e propostas de intervenção didáctica concebidas segundo os princípios da interculturalidade e do plurilinguismo.

No que diz respeito ao eixo Agir Comunicativo e Intercultural, correspondente à participação na sessão “Entre Línguas e Culturas” da plataforma Galanet, o seu principal objectivo foi o desenvolvimento das competências plurilingue e intercultural dos formandos. A eleição deste objectivo prendeu-se à nossa convicção de que, antes de tudo, os professores são sujeitos de linguagem e as suas competências, tal como as dos seus alunos, estão em permanente (re)actualização e (re)construção. Assim, no 5. Galanet é um projecto europeu (Sócrates – Línguas) que tem como grande objectivo desenvolver uma didáctica

da intercompreensão em línguas românicas (Espanhol, Francês, Italiano e Português), estimulando e promovendo as interacções plurilingues através das potencialidades oferecidas pela proximidade linguística. Este projecto coloca à disposição dos locutores romanófonos uma plataforma internet de formação à distância que lhes permite interagir uns com os outros (através de instrumentos de comunicação síncrona e assíncrona) tendo em vista a realização comum de uma publicação sob a forma de “dossier de imprensa” ilustrativa das discussões que tiveram lugar ao longo da sessão. Cada sessão desenvolve-se ao longo de 4 fases: quebrar o gelo / escolha de um tema (as equipas constituem-se, os participantes conhecem-se, propõem e escolhem, através de voto, um tema comum); turbilhão de ideias (os participantes interagem para trocar ideias e escolher as rubricas temáticas em torno das quais se publicará o dossier de imprensa); recolha de documentos e debate (os participantes debatem as rubricas e anexam documentos para fundamentar as suas opiniões); e dossier de imprensa (os participantes preparam e publicam o dossier de imprensa à volta do tema debatido). Para mais informações, ver www.galanet.eu.

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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nosso entender, para desenvolverem as competências plurilingue e intercultural nos seus alunos, os professores têm de eles próprios as terem desenvolvido antes e reflectido sobre o seu processo de desenvolvimento. Para isso, o ideal será proporcionar-lhes momentos de formação que exijam a (re)construção dessas competências em acção, em situação de comunicação plurilingue e intercultural, como a que proporciona a participação numa sessão desta plataforma.

Figura n.º 1 – Eixos de Formação da oficina de formação

Foi no eixo denominado de Agir Profissional, correspondente ao terceiro momento de formação, que os professores desenvolveram colaborativamente projectos de investigação-acção enquadrados numa didáctica da interculturalidade e do plurilinguismo. O grande objectivo deste eixo foi o desenvolvimento de competências profissionais no que se refere: i) à concepção, planificação e avaliação de estratégias pedagógico-didácticas para desenvolver as competências plurilingue e intercultural dos seus alunos; ii) ao desenvolvimento de projectos de investigação-acção; iii) à participação em trabalho colaborativo. No âmbito deste eixo de formação, foram desenvolvidos três projectos de investigação-acção.

Finalmente, o eixo Reflectir sobre (acções e percursos) foi transversal a todo o percurso de formação, já que consistiu no preenchimento de um e-Portfolio Profissional, de carácter essencialmente reflexivo, constituído pelas seguintes secções: “A minha identificação”, “O meu perfil” (profissional, linguístico-comunicativo e intercultural), “O meu dossier” (materiais produzidos no âmbito do desenvolvimento dos projectos de investigação-acção), “O meu diário de bordo” (reflexões individuais decorrentes das experiências de formação vivenciadas) e “A minha avaliação da acção de formação”.

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Como se pode depreender desta breve descrição da oficina, ela assentou essencialmente numa abordagem accional e reflexiva, características que, segundo as palavras dos formandos, constituíram duas grandes potencialidades da proposta formativa, proporcionando-lhes o desenvolvimento das três dimensões do conhecimento profissional referidas em 1.1 (Bastos & Araújo e Sá, 2008).

2. Discursos e práticas em torno do conceito interculturalidade

Apresentado o desenho e o roteiro da oficina de formação, contexto em que foram recolhidos os dados que serão objecto de análise e reflexão seguidamente, estão reunidas as condições para passarmos à apresentação do estudo exploratório objecto deste artigo: discursos e práticas em torno do conceito interculturalidade.

Os sujeitos foram as sete professoras que participaram na oficina, todas elas pertencentes ao Quadro de Escola de dois estabelecimentos de ensino básico e secundário do concelho de Águeda, distrito de Aveiro. Tratam-se de professoras bastante experientes, com responsabilidades nas escolas a que pertencem (Conselho Executivo, Assembleia de Escola, coordenação de grupos disciplinares, orientação de estágios), algumas delas com pós-graduações (duas com Mestrado em Didáctica de Línguas e duas com Curso de Formação Especializada em Supervisão).

Os dados analisados para este estudo foram recolhidos através de dois tipos de instrumentos diferentes, de acordo com os dois objectivos a que pretendíamos dar resposta: i) compreender as representações dos sujeitos relativamente à noção de competência intercultural (CI) e ii) descrever a forma como a interculturalidade foi trabalhada em sala de aula, no âmbito dos projectos de investigação-acção desenvolvidos. Assim, no que se refere ao primeiro objectivo do estudo, analisámos dados recolhidos na secção “O Meu Perfil Intercultural” do e-Portfolio Profissional. Em relação ao segundo objectivo, focalizámos a nossa análise na secção “O Meu Diário de Bordo” do e-Portfolio Profissional e nos Guiões de desenvolvimento de projectos de investigação-acção6 preenchidos pelos formandos. A técnica de tratamento dos dados foi a análise de conteúdo.

Passamos, agora, à apresentação dos resultados a que chegámos no que se refere a cada um dos objectivos e, num momento posterior, passaremos à reflexão em torno dos pontos convergentes e/ou divergentes entre os discursos e práticas dos professores. Finalmente, com base nesta análise, teceremos algumas considerações

6. Estes guiões contêm as seguintes informações: tema do projecto; motivações pessoais e/ou profissionais que

estiveram na base da escolha do tema; conceitos-chave; teorias, modelos ou autores de referência; questão/questões de investigação; objectivo(s) de investigação; modo de avaliação do projecto / instrumentos de recolha de dados; participantes; e esboço do projecto de acção.

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relativas a eventuais implicações deste estudo exploratório para a didáctica de línguas e culturas.

2.1. Dos discursos…

Para construir um modelo de análise que nos permitisse analisar as representações dos formandos relativamente à CI, procedemos a uma revisão de vários modelos de CI que constam da literatura da especialidade (Byram, 1997; Candelier, 2007; INCA, 2004; Jandt, 1998; Ogay, 2000).

Através de um cruzamento entre esses modelos, o de competência plurilingue de Andrade et al (2003) e os dados recolhidos e analisados, chegamos a um modelo descritivo de CI, adaptado ao nosso público-alvo, os professores de línguas. Trata-se de um modelo ainda em construção, aberto, uma vez que nasceu de uma primeira abordagem aos dados que recolhemos. A figura 2 constitui uma tentativa de conceptualização gráfica desse modelo, que passamos a descrever.

A dimensão afectiva integra um elenco de atitudes positivas face às línguas, à diversidade, à comunicação e ao contacto com o Outro e comportamentos ligados à esfera das relações pessoais e interpessoais. Estas atitudes e comportamentos podem ser agrupados em quatro componentes:

i) relação com o Outro, destacando-se o interesse e curiosidade pelo Outro, a abertura e respeito pelas outras culturas, a sensibilidade em relação à diferença e o desejo de aprender, de se actualizar;

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ii) relação com o próprio sujeito, evidenciando-se atitudes como o respeito por si próprio e pela sua cultura e a consciência cultural crítica, bem como a segurança e confiança em si mesmo;

iii) relação com a situação de comunicação, sendo de salientar a disponibilidade e predisposição para participar em encontros plurilingues e interculturais, assim como o esforço e empenho no sucesso da interacção;

iv) relação com as línguas, nomeadamente a concepção que os sujeitos têm do que é uma língua e do seu modo de funcionamento, bem como das relações que se podem estabelecer entre línguas. A dimensão cognitiva diz respeito aos saberes e conhecimentos que o sujeito coloca em acção aquando de um encontro intercultural.

Estes podem ser de quatro naturezas: i) auto-conhecimento: referente ao auto-conceito, à auto-descoberta e à auto-

instrução, uma vez que o conhecimento sobre si e a sua cultura, resultante de um processo de auto-análise constante, é condição indispensável para a capacidade de descentração e para a valorização do Outro nas suas especificidades;

ii) hetero-conhecimento: relacionado com o conhecimento dos contextos culturais dos diferentes intervenientes na interacção e das suas representações sociais e padrões de comportamento. É neste contexto que as representações sobre os outros povos e culturas desempenham o seu papel enquanto “grelha de análise”, pois são elas que, inicialmente, auxiliam o sujeito a “rotular” os seus interlocutores e, de acordo com o “rótulo” encontrado, guiam o sujeito nos primeiros momentos da interacção, na tentativa de não dizer ou fazer algo que provoque um mal-entendido ou mesmo um conflito intercultural. No entanto, importa que o sujeito esteja consciente das limitações das representações, não se deixando orientar cegamente por elas, mas, pelo contrário, mantendo uma atitude crítica e introduzindo-lhes variáveis sempre que o contacto intercultural o proporcione;

iii) conhecimento sobre o processo de interacção: relativo à consciência das línguas em presença, do contexto de interacção e dos processos de gestão da comunicação. Os conhecimentos que o sujeito tem na sua língua e cultura maternas e em outras línguas e culturas estrangeiras constituem-se como um repertório linguístico-comunicativo e cultural a que o sujeito pode recorrer em situações de contacto exolingue e intercultural. Para além disso, o conhecimento sobre os processos de negociação de sentido revelam-se cruciais neste tipo de situações de comunicação;

iv) conhecimento sobre conceitos: ligado ao conhecimento sobre conceitos operatórios no que diz respeito à abordagem didáctica da interculturalidade e plurilinguismo, nomeadamente o reconhecimento e consciência do valor político-educativo de conceitos como plurilinguismo, interculturalidade, intercompreensão, entre outros.

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A dimensão accional integra, portanto, as habilidades e capacidades do sujeito para lidar com situações de contacto entre línguas e culturas. No nosso entender, estas situam-se a três níveis:

i) aptidões linguísticas e comunicativas, como a capacidade de percepção, de escuta, de descodificação de dados verbais e não-verbais e de estabelecimento de pontes entre línguas. Constituem-se como ferramentas comunicativas plurilingues que o sujeito põe em acção com o intuito de construir sentido com o Outro;

ii) aptidões pessoais, referentes a capacidades como a descentração, a empatia, a adaptabilidade às situações, a flexibilidade comportamental, a tolerância relativamente à ambiguidade, o pluralismo cultural e, apesar de toda esta “plasticidade” identitária e cultural, a capacidade de manter a sua identidade, enriquecendo-a com todos os contactos e experiências interculturais, mas mantendo intacto o núcleo da sua identidade cultural;

iii) aptidões cognitivas, relacionadas com a capacidade de descoberta de saber e de actualizar a sua CI (possível através das capacidades de observar, analisar, interpretar, relacionar, descobrir, estabelecer interacções), integrando, a cada contacto intercultural, o novo conhecimento adquirido.

Como se pode depreender da descrição destas dimensões, elas encontram-se intimamente ligadas umas às outras. Por um lado, se os conhecimentos (dimensão cognitiva) estão na origem de algumas atitudes (dimensão afectiva), também existem atitudes, como a do desejo de aprender e de se estar sempre a actualizar, que se constituem como motores do alargamento desses conhecimentos. Por outro lado, estes conhecimentos e atitudes dotam os sujeitos de habilidades e capacidades, operacionalizadas aquando dos encontros plurilingues e interculturais (dimensão accional), o que sublinha a reciprocidade e interdependência que, na nossa perspectiva, caracterizam as dimensões deste modelo de CI.

Analisando as representações dos professores com este modelo descritivo, constatamos que a dimensão que mais valorizam é a afectiva, com 33 das 60 unidades de conteúdo (UC) identificadas nas entradas da secção “O Meu Perfil Intercultural” do e-Portfolio Profissional, como se pode verificar no gráfico abaixo. Para estes sujeitos, a CI parece estar mais ao nível das atitudes, do saber-ser, e não tanto ao nível dos saberes ou do saber-fazer.

Gráfico 1 – Representações sobre CI

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Focalizando agora a nossa atenção na dimensão afectiva (anexo 1), verificamos que os sujeitos parecem dar uma maior importância às atitudes em relação ao Outro, ao diferente linguística e culturalmente (subcategoria relação com a alteridade, com 24 UC). Dentro desta subcategoria, a atitude que mais valorizam é o respeito pelas outras culturas (15 UC): “não demonstrar superioridade enquanto falante de uma determinada língua e subestimar as outras” [C7]; “saber aceitar a diferença” [A]; “ser tolerante com os outros” [R], “respeitar outras culturas, outras formas de estar no mundo” [C]. A abertura, interesse e curiosidade pelo Outro foram também atitudes destacadas pelos sujeitos (5 UC), assim como o desejo de aprender (3 UC) e a sensibilidade em relação à diferença (1 UC).

Os sujeitos reconhecem igualmente a importância quer da subcategoria da relação com o próprio sujeito (4 UC), quer da relação com a situação de comunicação (4 UC). No caso da relação com o próprio sujeito, os formandos colocaram uma maior ênfase no respeito por si próprio e pela sua cultura (2 UC), referindo o “respeito da individualidade” [C] e a importância de nos valorizarmos [C]. Para além disso, ainda dentro desta subcategoria, um dos sujeitos salienta a “predisposição para eventuais mudanças de atitude em relação a si próprio e em relação ao outro” [L] (consciência cultural crítica) e outro a importância da “confiança em si” [R] como componentes fundamentais de uma competência intercultural. Relativamente à subcategoria da relação com a situação de comunicação, a disponibilidade e predisposição para partilhar experiências e pontos de vista com o Outro são bastante valorizadas pelos sujeitos (3 UC). No entanto, a vontade e predisposição não são suficientes, “mobilizar atitudes de esforço, concentração e compromisso na interacção” [L] é igualmente fundamental para que a interacção plurilingue e intercultural obtenha sucesso.

Por fim, ainda dentro desta categoria, um dos sujeitos chamou a atenção para um outro aspecto importante: “pensar as línguas com pontes entre elas e não como ilhas isoladas” [E], o que fez emergir uma outra subcategoria referente a uma visão relacional das línguas, designada por relação com as línguas.

No que concerne a dimensão cognitiva (anexo 2), mais uma vez é o Outro que é valorizado: a subcategoria hetero-conhecimento reuniu 8 UC das 14 associadas à categoria, destacando-se o conhecimento acerca dos contextos culturais do Outro, das suas representações sociais e dos seus padrões de comportamento (5 UC). Para os sujeitos, “conhecer os usos e costumes do outro, a sua cultura” [C] parece ser uma condição sine qua non para a existência de uma CI, assim como as representações sobre os outros povos e culturas (3 UC).

Os sujeitos valorizam também o conhecimento sobre o processo de interacção (5 UC), nomeadamente o repertório linguístico-comunicativo e cultural do sujeito e a 7. Para referir os sujeitos, utilizamos a primeira letra do nome de cada um deles como codificação.

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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consciência dos processos de interacção (línguas, contexto, comportamentos e atitudes dos sujeitos…).

O auto-conhecimento é também tido em conta pelos sujeitos (4 UC), nomeadamente o autoconceito, encarado como a capacidade de se conhecer [C] e de melhorar o “conhecimento da sua própria cultura” [L], e a auto-descoberta, relacionada com a “auto-reflexão” [L] e a capacidade de “crescermos enquanto cidadãos” [C].

Para além destas três subcategorias, do discurso dos sujeitos emergiu ainda uma outra, relativa ao conhecimento sobre conceitos (2 UC), nomeadamente à consciência do valor político-educativo de conceitos como o de CI, relacionando-o “com questões de justiça social, com preocupações políticas de procurar a igualdade e combater a discriminação” [L], conseguindo “estabelecer uma relação com o outro” [C].

Finalmente, e no que se refere à dimensão accional (anexo 3), os sujeitos sublinham fortemente as aptidões linguísticas e comunicativas (13 UC das 21 relativas a esta dimensão), nomeadamente a capacidade de se fazer compreender e de compreender o Outro (12 UC), mesmo “quando não possuem as mesmas experiências culturais” [L] e “independentemente das línguas faladas” [R]. Um dos sujeitos refere ainda a capacidade de escuta, nas suas palavras “paciência para ouvir” [C], como componente indispensável da CI. De uma maneira geral, podemos referir que os sujeitos relacionam bastante esta competência com a capacidade de comunicar.

As aptidões pessoais são também referidas pelos sujeitos (5 UC), salientando-se a flexibilidade comportamental e adaptabilidade às situações (“Em Roma faz como os Romanos” – L), a “empatia no conhecimento do outro e na interacção com a sua cultura” [L], a descentração (“relativizar o olhar que temos de nós próprios” – C) e a capacidade de manter a sua identidade, mas também negociá-la (“não abdicar de si próprio, ser si próprio” – R].

Por fim, os sujeitos aludem também a aptidões cognitivas (3 UC), nomeadamente a capacidade de descoberta de saber e de actualizar a sua CI, mobilizando “saberes de forma a relacionar as diferentes culturas, explorando as diferenças e acentuando as semelhanças” [E] e tendo “paciência (…) para aprender” [C].

De acordo com estes dados, os sujeitos parecem sobrevalorizar a dimensão afectiva da CI, manifestando uma representação desta competência essencialmente ligada a aspectos sócio-afectivos e pessoais e não a percepcionando tanto como algo de trabalhável em sala de aula, desinstrumentalizado-a.

No nosso entender, isto poderá ser indício de uma eventual dificuldade em trabalhar a CI em contexto de sala de aula, apesar de reconhecerem o seu valor educativo e a pertinência do seu tratamento didáctico, como atesta esta confidência de

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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um dos nossos sujeitos: “É verdade que os documentos orientadores do ensino das línguas definem ‘competência plurilingue e pluricultural’, perspectivando a aprendizagem como a construção desta competência. No entanto, materializar esta intenção é difícil, sobretudo porque não possuímos dela um entendimento, de facto”. [C]

2.2. … às práticas…

Depois de analisado o discurso dos sujeitos em relação à CI, quisemos compreender como é que os professores trabalharam esta competência em sala de aula, no âmbito dos projectos de investigação-acção que desenvolveram. Para isso, focalizámos a nossa atenção num instrumento de recolha de dados: os guiões de desenvolvimento de projectos de investigação-acção (ver nota 6), nomeadamente nos objectivos a que se propuseram e nas actividades que implementaram.

Dadas as limitações de espaço, e uma vez que não é esse o objectivo deste artigo, não vamos apresentar aqui os três projectos de investigação-acção em profundidade8, faremos apenas uma breve análise de cada um deles, referindo-nos aos objectivos e às actividades propostas. Em anexo (anexo 4), segue a sinopse de cada um dos projectos de investigação-acção.

Se atentarmos nos objectivos de cada projecto, verificamos que, mesmo sem ter sido previamente definido, cada um dos grupos se focalizou numa das dimensões da CI, tal como a definimos atrás. Assim, o grupo responsável pelo projecto “Nós, europeus: conhecer os outros para melhor agir” valorizou a dimensão cognitiva, nomeadamente a subcategoria hetero-conhecimento.

Já o projecto “Intercompreensão e desenvolvimento da competência de aprendizagem” centrou-se na dimensão accional, em particular na subcategoria aptidões cognitivas. Por fim, o grupo responsável pelo projecto “Diversidade intralinguística do Português: o prestígio das variedades linguísticas na nossa escola” pretendeu trabalhar a dimensão afectiva, mais concretamente no que toca à relação com a alteridade.

No que concerne as actividades, podemos verificar que estas estão de acordo com os objectivos propostos. Para além disso, assentam numa abordagem accional e reflexiva, bastante valorizada no QECR, uma vez que se trata de uma abordagem potenciadora do desenvolvimento de competências em acção, fazendo, experimentando, agindo e reflectindo acerca de todo esse processo.

Posto isto, podemos referir que existe coerência entre a forma como os sujeitos percepcionam a CI e a forma como conceptualizam o seu trabalho em contexto escolar. Importa agora compreender como é que eles se sentiram ao longo de todo o processo

8. Para mais informações sobre os projectos de investigação-acção desenvolvidos, ver Bastos et al, 2008.

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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de desenvolvimento dos projectos de investigação-acção, dando particular atenção às dificuldades e constrangimentos com que se foram debatendo. 2.3. …passando pela reflexão sobre as práticas

Analisando os projectos desenvolvidos e as reflexões dos sujeitos acerca dos mesmos, registadas na secção “O Meu Diário de Bordo” do e-Portfolio Profissional, parece haver uma tensão entre o discurso dos professores sobre as suas práticas e as capacidades manifestadas em acção, no âmbito dos projectos desenvolvidos.

Esta constatação levou-nos a querer perceber que factores poderiam estar na base desta tensão. Para isso, fomos analisar as reflexões autobiográficas, escritas antes, durante e após a implementação dos projectos. Para a análise convocámos as três dimensões do desenvolvimento profissional propostas por Andrade e Pinho (2003), que constituíram as dimensões-alvo a trabalhar no plano de formação, como referimos anteriormente: a dimensão social e política, a pessoal e a didáctica.

Olhando para os dados, verificamos que a maior parte dos constrangimentos e limitações sentidos se encontram ao nível da dimensão didáctica (12 UC), logo seguida da pessoal (10 UC). A dimensão social e política não parece ser problemática para os sujeitos (4 UC), o que vai ao encontro do que referimos anteriormente: estes professores têm consciência do valor educativo da CI, mas manifestam algumas dificuldades em trabalhá-la em contexto de sala de aula.

Focalizando-nos agora na dimensão didáctica, a mais problemática do ponto de vista dos sujeitos, verificamos que as dificuldades em planificar segundo os princípios da Didáctica do Plurilinguismo e da Interculturalidade são assumidas claramente, como se pode depreender nas palavras que se seguem: “Não planifico de forma organizada estratégias intencionalmente delineadas para o desenvolvimento desta competência; ainda que, pontualmente e espontaneamente, recorra ao conhecimento e experiências que os alunos adquiriram ao longo da vida, quer no âmbito da língua materna quer de outras línguas” [L]. Numa tentativa de justificar esta dificuldade, os sujeitos apresentam como factores não só a falta de experiência no trabalho destas questões em contexto de sala de aula, mas também a falta ou insuficiente divulgação de recursos didácticos e de exemplos de boas práticas desenvolvidos no quadro desta abordagem didáctica.

No que se refere à dimensão pessoal, os sujeitos apontam essencialmente dois tipos de constrangimentos: as dificuldades em gerir o tempo de forma a integrar curricularmente a abordagem intercultural nas suas práticas escolares (“É lamentável que neste momento não possamos dedicar-nos somente e em pleno a este projecto, em vez de nos depararmos com tantas solicitações que a escola nos impõe” – A) e a insegurança em trazer para a sua aula línguas que não dominam tão bem ou que não

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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dominam de todo (“O desconhecimento de muitos vocábulos também tem levantado alguma dificuldade” – A).

Finalmente, na dimensão social e política, os sujeitos apontam como um grande factor inibidor a concepção tradicional da língua e do ensino das línguas que continua a predominar na escola, apesar das actuais orientações político-educativas para o ensino das línguas: “Este será um caminho árduo pois a Escola ainda continua a ver as línguas muito do ponto de vista de transmissora de conhecimentos científicos precisos” [E]. O segundo factor inibidor acaba por decorrer do primeiro, correspondendo à falta de sensibilidade para com as actuais orientações político-educativas de uma grande parte dos próprios professores de línguas: “Muitos desconhecem a filosofia dos últimos programas – ou então, conhecendo-a, ignoram-na – e continuam a fazer como aprenderam há 25 ou 30 anos atrás” [L]. Considerações finais

Como se pode depreender, existe uma tensão entre aquilo que os professores pensam ser capazes de fazer (muito pouco) e aquilo que conseguem fazer na prática. Como esta foi a primeira vez que receberam formação formal para trabalhar a CI em contexto de sala de aula, pensavam não serem capazes de o fazer, manifestando uma grande insegurança no que se refere à planificação dos projectos, à definição dos objectivos, à escolha das actividades e dos materiais a utilizar… Contudo, estas inseguranças acabaram por ser ultrapassadas devido ao carácter colaborativo dos projectos e aos momentos de partilha dos seus planos com o grupo de formandos e os formadores, onde todo o processo foi construído com o contributo de todos os participantes na oficina.

Neste quadro, do presente estudo podem ser retiradas algumas pistas para a formação de professores, nomeadamente a importância de se investir numa cultura de formação de professores enquadrada pela didáctica do Plurilinguismo e da Interculturalidade, apostando principalmente na formação dos professores no terreno, isto é, na formação contínua.

De acordo com as impressões dos sujeitos deste estudo, parece-nos que a promoção da abordagem accional, experiencial e reflexiva na formação de professores, bem como a aposta no trabalho colaborativo, são dois pontos a ter em consideração futuramente, pois foram aspectos bastante valorizados nas reflexões autobiográficas.

Favorecer uma cultura praxeológica da interculturalidade, assentando num trabalho colaborativo entre os professores das várias línguas da escola, constitui outra pista decorrente deste estudo, uma vez que os projectos de investigação-acção foram desenvolvidos por professores da mesma escola, mas nem sempre professores da

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Silva e Silva, M. & Silva, J. (Orgs.) (2008). Actas do Colóquio de Didáctica das Línguas-Culturas : Implicações didácticas da Interculturalidade no processo de ensino-aprendizagem das línguas-culturas estrangeiras, Universidade do Minho (Portugal) – ISBN 978-989-20-1299-5

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mesma língua, e este espírito de equipa entre professores foi também um outra aspecto valorizado pelos sujeitos nas suas reflexões.

Por fim, uma outra implicação do estudo é a emergência do estabelecimento de parcerias entre os principais actores da educação em línguas: os investigadores em Didáctica de Línguas e Culturas, os formadores e os professores, favorecendo “migrações” entre o conhecimento científico e a prática da sala de aula. Só assim será possível aproximar as orientações político-educativas para o ensino das línguas daquilo que se faz efectivamente na escola, enriquecendo estas práticas com os resultados a que a investigação em Didáctica de Línguas e Culturas tem chegado e envolvendo os professores no terreno nessas equipas de investigação. Referências bibliográficas ACIME (2005). Estatísticas da Imigração. (disponível em http://www.acime.gov.pt/docs/GEE/

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