tópicos de lingüística aplicada. o ensino das línguas

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Hilário Bohn e Paulino Vandresen (org.), Tópicos de Lingüística aplicada. O ensin das línguas estrangeiras Celina Scheinowitz (UFBa) A Editora da Universidade Federal de Santa Catarina lançou em 1988 o livro Tópicos de Linguística Aplicada. O ensino das línguas estrangeiras, organizado pelos professores Hilário Bohn e Paulino Vandresen. Trata-se de uma coletânea de artigos de quinze colaboradores, a maioria dos quais provém da Universidade Federal de Santa Catarina, contando a publicação ainda com dois docentes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e dois da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A um dos autores originários desta instituição Maria Helena Curcio Celia - a publicação é singelamente dedicada "com Saudade e Admiração". Os organizad Introdução, justi aparecimento do li escassez e desatual material bibliográf subsidiar os cu Licenciatura em Dest inan d prioritariamente a graduação, não se d utlização nos cu pós-graduação o para o ensino de l para programas treinamento e recic professores. Enriqu coletânea, seguem-s artigo, além da bib específica, questõ debate, o que sub intenções pedagóg livro. A ordem na apr dos artigos confere 138

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Page 1: Tópicos de Lingüística aplicada. O ensino das línguas

Hilário Bohn e Paulino Vandresen (org.),

Tópicos de Lingüística aplicada. O ensinodas línguas estrangeiras

Celina Scheinowitz (UFBa)

A Editora daUniversidade Federal deSanta Catarina lançou em1988 o livro Tópicos deLinguística Aplicada.O ensino das línguasestrangeiras, organizadopelos professores HilárioBohn e Paulino Vandresen.Trata-se de uma coletânea deartigos de quinzecolaboradores, a maioria dosquais provém da UniversidadeFederal de Santa Catarina,contando a publicação aindacom dois docentes daPontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo e doisda Universidade Federal doRio Grande do Sul. A um dosautores originários destainstituição Maria HelenaCurcio Celia - a publicaçãoé singelamente dedicada "comSaudade e Admiração".

Os organizadores, naIntrodução, justificam oaparecimento do livro pelaescassez e desatualização dematerial bibliográfico parasubsidiar os cursos deLicenciatura em Letras.Dest inan do-seprioritariamente a alunos degraduação, não se descarta autlização nos cursos depós-graduação orientadospara o ensino de línguas epara programas detreinamento e reciclagem deprofessores. Enriquecendo acoletânea, seguem-se a cadaartigo, além da bibliografiaespecífica, questões paradebate, o que sublinha asintenções pedagógicas dolivro.

A ordem na apresentaçãodos artigos confere-lhes uma

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organização temática.Agrupam-se inicialmente trêsartigos construídos em tornodos conceitos e questõesepistemológicas daLinguística Aplicada, bemcomo da discussão sobre asteorias de aprendizagem deuma segunda língua.

Em "LinguísticaAplicada", que abre ovolume, Hilário I. Bohn, apartir da discussão sobreciência pura e ciênciaaplicada, coloca apreocupação original daLinguística Aplicadaconcomitantemente comproblemas do ensino e datradução automática, emconformidade com osobjetivos declarados dapioneira AssociaçãoInternacional de LinguísticaAplicada (AILA), fundada em1964, em Nancy, na França.Desenvolvimentos posterioresdas investigaçõesrestringiram-se na prática aum sõ desses aspectos nosdiferentes países, ao ensinodas línguas estrangeiras,como é o caso dos EstadosUnidos, e à traduçãoautomática, na Rússia. Aabrangência do assunto éentretanto salientada peloautor, que examina a seguira definição da LinguísticaAplicada do tríplice pontode vista da literatura dereferência geral eespecializada na área deciências sociais, daliteratura de referenciaespecializada em linguísticae na opinião dosespecialistas da área deLinguística Aplicada. Comoconclusão, expõem-seaplicações possíveis dadisciplina na solução deproblemas práticos.

O segundo artigo, deautoria de LeonorScliar-Cabral, desenvolve otema "Semelhanças ediferenças entre aquisiçãodas primeiras línguas e aaprendizagem sistemática dassegundas línguas". A autorapensa a aprendizagem emtermos de psicolinguística,considerando a capacidadeinata da espécie humana emdesenvolver a linguagemverbal. A estruturabiopsicológica do homemestabelece entretanto que,uma vez dominados osautomatismos das primeiraslínguas, o indivíduo temdificuldades, a partir decerta idade, em adquirirnovos automatismos. Amotivação, em especial, estána origem das diferenças noprocesso de aquisição dalíngua nativa e daaprendizagem de uma segundalíngua, já que o uso daprimeira língua resulta depredisposiçõesbiopsicolOginas da espécieintegrando mecanismosadaptativos para sobreviver,situação que não ocorre noambiente artificial da salade aula. Essa diferenciaçãodecorre ainda da maturaçãocognitiva do indivíduo, umavez que ao adulto é dadovaler-se de estratégiasdedutivas de aprendizagem,enquanto que a criançaaprende por inferências. Oselementos expostos pelaautora permitem-lheestabelecer tetos ou asmelhores fases para o ensinodas segundas línguas.

O último artigo desseprimeiro grupo insere-seigualmente no quadro daspreocupações dapsicolinguística. LiliaCarioni, em "Aquisição de

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segunda língua: a teoria deKrashen", resume a teoriadeste autor, exposta em seulivro Principies andpractice in second languageacquisitíon, publicado em1982 pela Pergamon, emOxford. Em uma primeiraparte, Carioni apresenta ascinco hipóteses quefundamentam a teoria, asaber: a distinção entre aaquisição e aprendizagem, aordem natural, a hipótese doinput, o monitor e o filtroafetivo. Na segunda parte,expõe as características doinput como requisitosindispensáveis em qualqueratividade ou material quevise a aquisição dalinguagem como processonatural e subconsciente. Sãoelas: compreensibilidade,interesse, relevância, nãosequenciamento gramatical equantidade suficiente. Aterceira parte aborda opapel da gramática no modeloe a quarta, fundamentada emoutra obra de Krashen, Inputhipothesis: Issues andimplications, Londres,Longman, 1985, trata dasimplicações da teoria para oensino da segunda língua,com destaque para o períodode silêncio que precede aprodução em língua.

Um segundo grupo deartigos reúne seis estudoscentrados na análisecontrastiva. PaulinoVandresen, em "Linguísticacontrastiva e ensino delínguas estrangeiras", vê alinguística contrastiva comouma subárea da linguísticageral, o que significa quenão a vê como um ramo daLinguística Aplicada,posição que também adotamos.Distingue a versão forte, aanálise contrastiva

propriamente dita, da versãofraca, a análise de erros,com base nos pressupostosteóricos que as sustentam. Aprimeira, ancorada nosprincípios taxonomistas dalinguística estruturalista,admite que a aprendizagem éa criação de automatismos ea segunda, moldada nocontexto do modelogerativo- transformacional ,considera a capacidade inatado ser humano em desenvolvera competência linguística apartir dos dadoslinguísticos. Ilustra aquestão com uma análisecontrastiva do sistemafonológico do português e decinco línguas estrangeiras,o espanhol, o italiano, ofrancês, o inglês e oalemão. Leva em conta osseguintes aspectos nacomparação: a comparação dosquadros de fonemas, acomparação de alofonesposicionais e a distribuiçãodos fonemas. Duas tabelassumariam os fonemasvocálicos e os fonemasconsonantais das línguasobjeto de análise. No quadrodas consoantes, verificamosa dificuldade de Vandresenem situar as semivogais, porsua condição de sonsintermediários entre asvogais e as consoantes: nosistema fonológico dofrancês, com trêssemivogais, faltando nadescrição o dado referente àposição dos lábios,pertinente na identificaçãodas vogais, o autor é levadoa caracterizar o /W/ comovelar, em oposição ao /W/das demais línguas doquadro, descrito comobilabial. Parece-nos que adescrição correta seriaconsiderar o /W/ como velar,em oposição ao /y/, palatal,

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o primeiro articulado com oslábios arredondados e osegundo com os lábiosafastados; a semivogalsuplementar do francês, /q/se situaria como palatal, damesma forma que o /y/ e comoarredondada, da mesma formaque o /W/.

"Análise contrastiva",de John Robert Schmitz,representa uma contribuiçãoimportante para o estudantee o pesquisador. Lastimamosa desordem da numeraçãoadotada para organizar aspartes: anunciam-se trêspartes, mas a la correspondeà 2a na numeração; na p. 106há um erro, 3.1. á narealidade 3.2; a 3a parte,numerada 3.3 deveria ser 4,se houvesse coerência com anumeração adotada; à p. 111,remete-se para 3.2.2.1. e3.2.2.2., inexistente notexto. O artigo apresentainicialmente um histórico daanálise contrastiva, a quese segue uma ilustração dadisciplina, com base nacomparação lexical egramatical do português e doinglês. Merece destaquenesta, a exemplificação compalavras que exprimem ascores, em que há umacontribuição interessante doautor. Notem-se ainda asprecauções veladas deste emdistinguir a polissemia dahomonímia, com indecisão noslimites entre as duasnoções, nas consideraçõesreferentes às palavrascravo, quadro, light eracket que constam àspáginas 101 e 102.0 trabalhoconclui com a explanação dautilidade pedagógica aaanálise contrastiva.

Um terceiro artigo,nesse segundo grupo,introduz também

dados

teóricos acerca da análisecontrastiva, emboraincluindo, como doispre ce de nt es,exemplificações, no presentecaso com o português e oinglês e japonês. Refiro-meao trabalho de Mary A. Kato,"Uma taxonomia desimilaridades e contrastesentre línguas". A partir daproposta de R. Berman, de1978, M. Kato sugere que aslínguas sejam contrastadassegundo os seguintesparãmetros: similaridadesobrigatórias, similaridadestipológicas, diferençastipológicas, similaridadesnão-tipológicas acidentais,diferenças não-tipológicassistemáticas e diferençasacidentais. Admite que ataxonomia apresentadapermite uma exploraçãopedagógica, com indicaçãodas estratégias de ensinomais apropriadas para cadatipo de similaridade ou decontraste. Assumindo umaposição eclética, concluipostulando que as línguasnaturais revelam tantoaspectos universais quantoidiossincráticos.

Três artigos completamo bloco referente à análisecontrastiva, apresentandoestudos específicos comaplicação ao inglês ("Tempoe duração no inglês eportuguês - tentativa deaplicação de análisecontrastiva para aexplicação das diterenças nouso de algumas formasverbais", de Rosa Konder, e"Dificuldade do alunobrasileiro na colocação doacento vocabular em inglês",de Bárbara Baptista) e aofrancês ("Francês eportuguês - contraste einterf,, rencias no plano

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fonológico", de Maria MartaFurlanetto). Interessou-nossobretudo este últimotrabalho, que vem a ser umasíntese da dissertação deMestrado que a autoraapresentou ã UNICAMP.Consideramos oportuna suadivulgação nesse livro,mesmo treze anos depois,pela utilidade do texto paraos professores de francês,sem falar da contribuiçãoque representa para odesenvolvimento dos estudoscontrastivos.

O terceiro bloco,formado de sete artigos,inicia-se com "Metodologiado ensino de línguas", deautoria de Vilson J. Leffa,uma revisão histórica dasabordagens metodológicas noensino de línguasestrangeiras. Distinguindopreviamente os conceitos deabordagem e método,aprendizagem e aquisição,segunda língua e línguaestrangeira e o demetodólogo, faz o autor aseguir a descrição dasdiferentes abordagens doensino das línguas, desde agramática e tradução -surgida na época doRenascimento com o interessepelas culturas grega elatina até a abordagemcomunicativa, passando pelochamado "método" direto,pela abordagem para aleitura, pela abordagemaudiolingual, além dosmétodos que lograram menordifusão, como a sugestologiade Lozanov, o métodosilencioso de Gattegno, ométodo de Asher de respostafísica total e a abordagemnatural baseada na teoria deKrashen. Ilustrando estadescrição, quatro anexos

reproduzem montagens demanuais de ensino de línguasconfeccionados segundo asprincipais abordagenselencadas, o que representaum substancialenriquecimento para aexposição. Conclui o autoradmitindo que, no balanço

entre o sucesso e o fracassoda aprendizagem, outrasvariáveis podem ter maisvalor que a metodologia,cabendo ao mestre adotar umaatitude sábia de incorporarao seu trabalho didático oselementos das diferentesabordagens importantes paraas suas aulas.

Seguem-se quatroartigos em que se discutemhabilidades específicas doensino das línguas. Aleitura, no primeiro caso,no artigo de Loni K.Taglieber "A leitura nalíngua estrangeira", em queo assunto é tratado de modoabrangente, concluindo-se,diante da precariedade daspesquisas existentes, que asensibilidade, imaginaçãocriadora e entusiasmo doprofessor poderãoestabelecer o elo entre oque é conhecido e o que oaluno descobre no texto, elofundamental ã aprendizagem."Compreensão de linguagemescrita: aspectos do papeldo leitor", artigo em queJosé Luiz Meurer desenvolveigualmente o tema daleitura, respondendo aperguntas colocadas no

parágrafo introdutório: "porque ao lermos certos textossomos capazes de entendê-loscom facilidade enquanto queao lermos outros nossacompreensão é apenas parciale, ainda, em outros casos,os textos se afiguram comoincompreensíveis? Seria a

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compreensão, ou a falta decompreensão, inerente àsinformações contidas nostextos? Ou seria istorelacionado unicamentehabilidade, ou à falta dehabilidade, dos leitores?"Fluência Oral", de TãneaMara Rondon Quintanilha, emque o ensino da prática oralé visto em uma abordagemcomunicativa e "Tradução eensino de línguas", deWalter Carlos costa, temaque "sempre esteve econtinua estando no centroda questão da aprendizagemda língua estrangeira"juntam-se ao conjunto,fechando a discussão sobreas habilidades ligadas aoensino de línguas.

Constam ainda doterceiro bloco de artigosdois trabalhos. O primeiro,de Hilário Inácio Bohn,"Avaliação dos materiais",objetiva analisar essavariável externa daaprendizagem. Nessa análise,discute-se inicialmente opapel dos materiais deensino no processo deaprendizagem e, a seguir, amaneira como estes serelacionam com asnecessidades e objetivos doensino, bem como asimplicações teóricasenvolvidas no processoavaliativo e os critériosutilizados na avaliação.Para finalizar, propõe-se umguia de avaliaçãofundamentado nos modelos deD.Williams e de T.Deyes.Subdividido em oito grandescategorias, a saber, geral,aspectos técnicos,compreensão oral, leitura ,expressão oral, expressãoescrita, vocabulário egramática, o guia seapresenta em três colunas:na parte central da figura o

construto teórico básicopara a avaliação, a colunada esquerda refere-se aosobjetivos e a da direita aosmateriais, sendo atribuídosa ambos pesos, a fim de,pela sua correlação,chegar-se à avaliação. .

O trabalho que encerraa publicação, "Objetivos doscursos de Letras para aformação de professores delínguas estrangeiras noBrasil", é de autoria deMaria Helena Curcio Celia.Parte da abordagem maisrecente em pesquisa delinguística aplicada, paracorrelacioná-la com ocontexto da realidaderepresentada pelo ensino delínguas estrangeiras noBrasil. Trata-se daabordagem comunicativa,cujos pressupostos teóricosse assentam na línguaconsiderada como discurso, oque significa levar em contaa complexidade do atocomunicativo e as ligaçõesda linguística com apsicolinguística e asociolinguística. Nessaperspectiva, a aprendizagemse apresenta como umprocesso interativo, em quea atenção se desvia dacompetência linguística paraa competência comunicativa.Ao caracterizar a situaçãoatual que ocorre no RioGrande do Sul, a autora vêuma "carência generalizadade uma conscientização dacomplexidade do atocomunicativo linguístico,bem como de uma posturacrítica e interativa quantoao processo deensino-aprendizagem". Aseguir, a partir daexperiência com alternativasque vêm sendo implementadas,aproxima pesquisa erealidade, apontando

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procedimentos para superaras deficiéncias constatadas.Na sua conclusão, CurcioCélia apresenta uma propostapara a formulação deobjetivos para cursos deformação de professores delínguas estrangeiras noBrasil.

De leitura estimulante,o livro que a UniversidadeFederal de Santa Catarinaapresenta ao público vempreencher uma lacuna nos

estudos de LinguísticaAplicada e prestarárelevantes serviços àcomunidade acadêmica deLetras.

Resenha do livro de BOHN,Hilário Inácio e VANDRESEN,Paulino (org.), Tópicos deLinguística Aplicada. Oensino das línguasestrangeiras. Florianópolis,Ed. da Universidade Federalde Santa Catarina, 1988.

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