4 bi a braudel repensando a vida material

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Capítulo I- Repensando a vida material e a vida econômica, p. 6-26) [20]. BRAUDEL. Fernand. A dinâmica do capitalismo. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. (tradução Álvaro Cabral).

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  • Captulo I- Repensando a vida material e a vida econmica, p. 6-26) [20].BRAUDEL. Fernand. A dinmica do capitalismo. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. (traduo lvaro Cabral).

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAPOSIES OCUPADAS: ORDENAO VERTICAL Capitalismo;Economia de mercado;Vida material

    Acima da massa imensa da vida material de todos os dias, a economia de mercado estendeu suas malhas e manteve em vida suas diversas redes. E foi, habitualmente, acima da economia de mercado propriamente dita que o capitalismo prosperou. Poderia dizer-se que a economia do mundo inteiro visvel num verdadeiro mapa em relevo. (BRAUDEL, 1987, p. 26);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAEUROPA: SCULOS XV A XVIII

    Existia um enorme setor de autoconsumo que, no essencial, permanece inteiramente estranho economia de troca.

    A Europa, mesmo a mais desenvolvida, est salpicada, at o sculo XVIII e mesmo depois, de zonas que participam pouco na vida geral e, em seu isolamento, obstinam-se em levar sua prpria existncia, quase inteiramente fechada sobre si mesma. (BRAUDEL, 1987, p. 28);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICASUPERIORIDADE DA ECONOMIA EUROPEIA: BOLSAS E AS DIVERSAS FORMAS DE CRDITO

    Em resumo: se a comparamos com as economias do resto do mundo, a economia europeia parece ter ficado devendo seu desenvolvimento mais clebre superioridade de seus instrumentos e de suas instituies: as Bolsas e as diversas formas de crdito.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICA

    Mas, sem uma nica exceo, todos os mecanismos e artifcios da troca se reencontram fora da Europa, desenvolvidos e utilizados em graus diversos, e pode-se a discernir uma hierarquia:

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAHIERARQUIAS: no estgio quase superior: o Japo; talvez a Insulndia e o Isl; certamente a ndia: com sua rede de crdito desenvolvida pelos mercadores banianos, sua prtica de emprstimo de dinheiro s iniciativas arriscadas, seus seguros martimos;

    no estgio inferior: a China, habituada a viver voltada para si mesma;

    logo abaixo dela: finalmente, milhares de economias ainda primitivas.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAA chamada histria econmica

    Por minha parte, escolhi os equilbrios e desequilbrios profundos a longo prazo;

    a histria econmica nem por isso deixa de apresentar todos os problemas inerentes nossa profisso: ela a histria inteira dos homens, considerada de um certo ponto de vista. (BRAUDEL, 1987, p. 8);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICA

    A chamada histria econmica, cuja construo se encontra ainda e to-somente em curso, esbarra em certos preconceitos: no a histria nobre. (BRAUDEL, 1987, p. 8);

    , simultaneamente, a histria daqueles que se considera como os grandes atores, um Jacques Coeur, um John Law; a histria dos grandes acontecimentos, a histria da conjuntura e das crises e, enfim, a histria macia e estrutural que evolui lentamente ao longo dos tempos. (BRAUDEL, 1987, p. 8);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAVIDA ATIVA DOS HOMENS: VIDA MATERIAL

    (E ningum as observa com ateno)

    Creio que a humanidade est pela metade enterrada no cotidiano.

    Inumerveis gestos herdados, acumulados a esmo, repetidos infinitamente at chegarem a ns, ajudam-nos a viver, aprisionam-nos, decidem por ns ao longo da existncia.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICASo incitaes, pulses, modelos, modos ou obrigaes de agir que, por vezes, e mais frequentemente do que se supe, remontam ao mais remoto fundo dos tempos.

    Muito antigo e sempre vivo, um passado multissecular desemboca no tempo presente como o Amazonas projeta no Atlntico a massa enorme de suas guas agitadas. (BRAUDEL, 1987, p. 9);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAII - O NMERO DE HOMENS

    a potncia biolgica por excelncia que impele o homem, como todos os seres vivos, a reproduzir-se; (...)

    Essa matria humana em perptuo movimento comanda, sem que os indivduos tomem conscincia disso, uma boa parte dos destinos de conjuntos de seres vivos. (BRAUDEL, 1987, p. 10);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICASUCESSIVOS FLUXOS E REFLUXOS

    A partir de 1450, na Europa, o nmero de pessoas cresce com rapidez; e porque se faz necessrio compensar, porque ento possvel compensar, as enormes perdas sofridas no sculo precedente, na esteira da Peste Negra.

    Houve recuperao at ao refluxo seguinte.

    Sucessivos fluxos e refluxos, como que esperados de antemo aos olhos dos historiadores, desenham, revelam regras tendenciais, regras de longa durao que continuaro vlidas at ao sculo XVIII.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICASomente no sculo XVIII ocorrer a exploso das fronteiras do impossvel, superao de um teto at ento intransponvel. Desde ento, o nmero de seres humanos nunca mais parou de aumentar, no voltou a haver suspenses nem reverses do movimento. Poder surgir amanh tal reverso? (BRAUDEL, 1987, p. 11);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICA

    No faltam os modos e as ocasies para restabelecer o equilbrio: penrias, escassez, fome, duras condies da vida de todos os dias, guerras, enfim e sobretudo o longo cortejo das doenas. (BRAUDEL, 1987, p. 11);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAA RESPEITO DAS TCNICAS:

    Tudo tcnica desde sempre, o esforo violento, mas tambm o esforo paciente e montono dos homens, modelando uma pedra, um pedao de madeira ou de ferro, para fazer disso uma ferramenta ou uma arma.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICA

    No essa uma atividade rente ao cho, conservadora por essncia, de transformao lenta, e que a cincia (que e a sua superestrutura tardia) recobre devagar, quando a recobre?

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAAs grandes concentraes econmicas pedem as concentraes de meios tcnicos e o desenvolvimento da tecnologia:

    assim ocorreu com o Arsenal de Veneza no sculo XV, com a Holanda no sculo XVII, com a Inglaterra no sculo XVIII. E de todas as vezes a cincia, por mais balbuciante que fosse, estar presente ao encontro. A conduzida fora. (BRAUDEL, 1987, p. 13);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAMOEDA E AS CIDADES

    A verdade que as moedas e as cidades mergulham, ao mesmo tempo, no cotidiano imemorvel e na modernidade mais recente. A moeda e uma inveno muito velha, se entendo por moeda todo o meio que acelera a troca.

    E sem troca no h sociedade.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAQuanto s cidades, elas existem desde a pr-histria.

    So as estruturas multisseculares da vida mais comum.

    Mas so tambm os multiplicadores, capazes de se adaptar mudana, de a ajudar poderosamente.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAPoder-se-ia dizer que as cidades e a moeda fabricaram a modernidade;

    mas tambm, segundo a regra de reciprocidade cara a Georges Gurvitch, que modernidade, a massa em movimento da vida dos homens, impeliu para diante a expanso da moeda, construiu a tirania crescente das cidades.

    Cidades e moedas so, ao mesmo tempo, motores e indicadores; elas provocam e assinalam a mudana. So tambm a consequncia desta. (BRAUDEL, 1987, p. 14);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAIII - HABITUAL, O ROTINEIRO

    esse grande ausente da histria invade o conjunto da vida dos homensNa realidade, o habitual invade o conjunto da vida dos homens, difunde-se nela como a sombra da tarde enche uma paisagem.

    Mas essa sombra, essa falta de memria e de lucidez, admitem simultaneamente zonas menos iluminadas e zonas mais claras do que outras.

    Entre sombra e luz, entre rotina e deciso consciente, seria importante marcar o limite.

    Uma vez reconhecido, ele permitiria distinguir o que est direita e o que est esquerda do observador ou, melhor, acima e abaixo dele. (BRAUDEL, 1987, p. 14);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAMERCADOS ELEMENTARES: ANCIEN RGIME

    Ancien Rgime, entre 1400 e 1800, ainda se trata de uma economia de troca muito imperfeita. Sem dvida, por suas origens, perde-se na noite dos tempos mas no chega a unir toda a produo a todo o consumo, perdendo-se uma enorme parte da produo no autoconsumo, da famlia ou da aldeia, pelo que no entra no circuito do mercado. (BRAUDEL, 1987, p. 15);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAECONOMIA DE MERCADO EST EM PROGRESSO:

    Devidamente considerada essa imperfeio, subsiste o fato de que a economia de mercado est em progresso, de que liga suficientemente burgos e cidades para j comear a organizar a produo, a orientar e a controlar o consumo.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICADOIS UNIVERSOS: PRODUO E CONSUMO

    Sero precisos sculos, sem dvida, mas entre esses dois universos a produo onde tudo nasce, o consumo onde tudo se destri a economia de mercado a ligao, o motor, a zona estreita mas viva donde jorram as incitaes, as foras vivas, as novidades, as iniciativas, as mltiplas tomadas de conscincia, os crescimentos e mesmo o progresso.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICA

    Gosto, sem dele compartilhar inteiramente, do comentrio de Carl Brinkman, para quem a histria econmica se resume histria da economia de mercado, seguida desde suas origens at o seu fim eventual. (BRAUDEL, 1987, p. 15);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICADISTINO: DOIS REGISTROS DA ECONOMIA DE MERCADO

    um registro inferior, os mercados, as lojas, os camels;

    um registro superior, as feiras e as Bolsas.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAMERCADOS ELEMENTARES: LIMITE INFERIOR DA ECONOMIA

    Por isso observei longamente, descrevi e fiz renascer os mercados elementares ao meu alcance. Eles marcam uma fronteira, um limite inferior da economia. Tudo o que ficar fora do mercado s tem um valor de uso, tudo o que transpuser a porta estreita e ingressar no mercado adquire um valor de troca.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAA VIDA ECONMICA: O INDIVDUO - AGENTE

    Segundo se encontra de um lado ou do outro do mercado elementar, o indivduo, o agente, est ou no includo na troca, no que chamei a vida econmica, para op-la vida material; e tambm para distingui-lo mas essa discusso ficar para mais tarde do capitalismo. (BRAUDEL, 1987, p. 15-16);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAARTESO ITINERANTE

    O arteso itinerante, que vai de burgo em burgo oferecer seus modestos servios de reempalhador de cadeiras ou de limpa chamins, embora um consumidor medocre, pertence, no entanto, ao mundo do mercado; deve pedir-lhe o seu alimento cotidiano.

    Se ele conservou os vnculos com a sua terra natal e no momento da colheita ou da vindima retorna sua aldeia, volta a ser um campons e transpe a fronteira do mercado, mas no sentido inverso.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAO CAMPONS

    O campons que comercializa ele prprio, regularmente, uma parte da sua colheita e compra ferramentas, vesturio, j faz parte do mercado.

    Aquele que s vai ao burgo para vender algumas mercadorias midas, ovos, uma galinha, a fim de obter algumas moedas necessrias ao pagamento de seus impostos ou compra de uma relha de charrua, esse toca somente a fronteira do mercado.Permanece na enorme massa do autoconsumo.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAO CAMEL E O MASCATE

    O camel que vende nas ruas e o mascate que percorre o interior oferecendo mercadorias em pequenas quantidades, esto do lado da vida de trocas, do lado do clculo, do deve e haver, por modestas que sejam suas trocas e seus clculos.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAO LOJISTA : ARTESO-LOJISTA

    Quanto ao lojista, ele , francamente, um agente da economia de mercado.

    Ou vende o que fabrica e, nesse caso, um arteso-lojista;

    ou vende o que outros produziram e est, por conseguinte, no estgio dos mercadores ou comerciantes.

    A loja, sempre aberta, tem a vantagem de oferecer uma troca contnua, enquanto que o mercado instala-se uma ou duas vezes por semana.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAA LOJA: PERMUTA ADEQUADA DE CRDITO

    Ainda mais, a loja a permuta adequada de crdito, pois o lojista recebe sua mercadoria a crdito e vende-a a crdito.

    Neste ponto, estende-se atravs da troca toda uma sequncia de dvidas e de crditos. (BRAUDEL, 1987, p. 16);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAACIMA DOS MERCADOS: PAPEL SUPERIOR - FEIRAS E AS BOLSAS

    Acima dos mercados e dos agentes elementares da troca, as feiras e as Bolsas (estas abertas todos os dias, aquelas funcionando em datas fixas, durante alguns dias, e voltando aos mesmos lugares a intervalos mais ou menos longos) desempenham um papel superior. (BRAUDEL, 1987, p. 16-17);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAOS NEGOCIANTES: GRANDES COMERCIANTES ATACADISTAS

    Mesmo que as feiras estejam abertas, como e geralmente o caso, aos pequenos vendedores e aos comerciantes medocres, elas so, tal como as Bolsas, dominadas pelos grandes comerciantes atacadistas, aqueles a que em breve se passar a chamar os negociantes e que no se ocupam do comrcio de varejo. (BRAUDEL, 1987, p. 16-17);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAFEIRAS E MERCADOS ARCAICOS

    V o leitor ao Brasil e percorra o interior da Bahia, ou Cablia, ou frica Negra, e reencontrar feiras e mercados arcaicos vivendo ainda sob os seus olhos. (BRAUDEL, 1987, p. 17);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAVENTRE: CENTRO ATIVO DE TODAS AS TROCAS

    Em 1530, o Aretino, que tinha sua casa sobre o Grande Canal, divertia-se olhando os barcos carregados de frutas, de montanhas de meles, vindos das ilhas da laguna at esse ventre de Veneza, pois a praa dupla de Rialto Rialto Nuovo e Rialto Vecchio e o ventre o centro ativo de todas as trocas, de todos os negcios, pequenos e grandes.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICALOGGIA: BOLSA - GRANDES NEGOCIANTES DA CIDADE

    A dois passos das bancas ruidosas da dupla praa, eis os grandes negociantes da cidade, em sua Loggia, construda em 1455, poderamos dizer, em sua Bolsa, discutindo todas as manhs, discretamente, seus negcios, seguros martimos, fretes, comprando, vendendo, assinando contratos entre eles ou com mercadores estrangeiros.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAOS BANCHIERI

    A dois passos, em suas apertadas lojas, os banchieri esto a postos para fechar de imediato essas transaes mediante saques ou transferncias de conta a conta.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICA

    Tambm nas proximidades, onde ainda hoje se encontram, a Herberia, o mercado das verduras e legumes, a Pescheria, a lota ou mercado do peixe e, um pouco mais longe, na antiga Ca Quarini, as Beccherie, os aougues, na vizinhana da igreja do padroeiro dos aougueiros, San Matteo, a qual somente veio a ser destruda no sculo XIX. (BRAUDEL, 1987, p. 18);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAECONOMIA EUROPIA E NO-EUROPIA

    Primeira pergunta: Em que e que esses instrumentos da troca podem ajudar-nos a explicar, de um modo geral, as vicissitudes da economia europeia de Ancien Rgime, entre os sculos XV e XVIII?

    Segunda pergunta: Em que, por semelhana ou por contraste, podem eles elucidar, para ns, os mecanismos da economia no-europeia, da qual apenas se comea a conhecer alguma coisa?

    So estas as duas questes a que desejaramos responder, na concluso da presente conferncia. (BRAUDEL, 1987, p. 19);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAIV EVOLUO DO OCIDENTE NO TRANSCURSO DE QUATRO SCULOS: XV AO XVIIIEm primeiro lugar, a evoluo do Ocidente no transcurso desses quatro sculos: do XV ao XVIII.

    depois de 1450: dos mercados urbanos.

    so esses mercados que ditam a lei.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICADEPOIS DE 1450: RETOMADA GERAL DA ECONOMIA

    O sculo XV, sobretudo depois de 1450, assiste a uma retomada geral da economia, em benefcio das cidades, as quais, favorecidas pela elevao dos preos industriais, ao mesmo tempo que os preos agrcolas estagnam ou declinam, progridem mais depressa que o interior.

    Nenhum erro possvel: nesse momento, o papel propulsor o das lojas de artesos ou, melhor ainda, dos mercados urbanos. So esses mercados que ditam a lei. A retomada assim marcada no nvel mnimo da vida econmica. (BRAUDEL, 1987, p. 19);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICASCULO XVI - AMPLIAO DA ECONOMIA ATLNTICA FEIRAS INTERNACIONAIS

    No sculo seguinte, quando a mquina recuperada se complica em virtude da prpria velocidade readquirida (o sculo XIII e o sculo XIV, antes da Peste Negra, tinham sido pocas de franca acelerao) e em decorrncia da ampliao da economia atlntica, o movimento motor situa-se altura das feiras internacionais:

    feiras de Anturpia, de Berg-op-Zoom, de Frankfurt, de Medina del Campo, de Lyon, por um instante o centro do Ocidente, ainda mais, subsequentes, (BRAUDEL, 1987, p. 19);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAAPOGEU DAS ENORMES FEIRAS: METAIS PRECIOSOS DAS AMRICAS

    chegadas de metais preciosos das amricas: sculo XVI como o apogeu das enormes feiras

    as chamadas feiras de Besanon, de extrema sofisticao, reduzidas aos trficos do dinheiro e do crdito, e instrumento, durante pelo menos uma quarentena de anos, de 1579 a 1621, da dominao dos genoveses, senhores incontestveis dos movimentos monetrios internacionais. (BRAUDEL, 1987, p. 19);

    Raymond de Roover, pouco propenso, dada a sua prudncia inata, s generalizaes, no hesitou em caracterizar o sculo XVI como o apogeu das enormes feiras.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICA1579 A 1621: SISTEMA DE TROCAS - MASSA DE PAPEL E DE CRDITO

    O desenvolvimento pujante desse sculo to ativo seria, em ltima anlise, a exuberncia de um ltimo patamar, de uma superestrutura e,

    ao mesmo tempo, a proliferao dessa superestrutura, que inchada agora pelas chegadas de metais preciosos das Amricas e,

    mais ainda, por um sistema de trocas que faz circular rapidamente uma massa de papel e de crdito.

    Essa frgil obra-prima dos banqueiros genoveses desmoronar na dcada de 1620, por mil razes ao mesmo tempo. (BRAUDEL, 1987, p. 20);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAO SCULO XVII: ASCENSO FANTSTICA DE AMSTERDAM

    ascenso fantstica de amsterdam: o sculo XVII e tambm o do florescimento macio das lojas; redes compactas de redistribuio

    A vida ativa do sculo XVII, emancipada dos sortilgios do Mediterrneo, desenvolve-se atravs do vasto campo do oceano Atlntico.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICADescreveu-se freqentemente esse sculo como uma poca de recuo ou de estagnao econmica. H que atenuar, sem dvida, esse quadro.Pois se o impulso do sculo XVI foi certamente cortado, na Itlia e em outros centros, a ascenso fantstica de Amsterdam no ocorre, porm, sob o signo do marasmo econmico.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAHOLANDA: RETORNO DECISIVO MERCADORIA: FROTAS E BOLSA DE AMSTERDAM

    Em todo o caso, sobre esse ponto, os historiadores esto todos de acordo:

    a atividade que persiste apoia-se num retorno decisivo mercadoria, a uma troca de base, em suma, tudo em benefcio da Holanda, de suas frotas, da Bolsa de Amsterdam.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAPRAAS DE COMRCIO: FLUXO CONTNUO

    Ao mesmo tempo, a feira cede o lugar s Bolsas, s praas de comrcio, que esto para a feira como o mercado urbano para a loja comum, ou seja, um fluxo contnuo substitui os encontros intermitentes. Eis uma histria clssica, por demais conhecida. Mas a Bolsa no e a nica em causa.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAFLORESCIMENTO MACIO DAS LOJAS

    Os esplendores de Amsterdam ameaam esconder de ns xitos mais ordinrios.

    De fato, o sculo XVII e tambm o do florescimento macio das lojas, um outro triunfo da continuidade.

    Elas multiplicam-se por toda a Europa, onde criam redes compactas de redistribuio.

    Lope de Vega (1607) quem diz a respeito de Madri do Sculo de Ouro que todo se ha vuelto tiendas [tudo se transformou em lojas]. (BRAUDEL, 1987, p. 20);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICASCULO XVIII: ACELERAO ECONMICA GERAL

    No sculo XVIII, sculo de acelerao econmica geral, todos os instrumentos da troca esto logicamente em servio: as bolsas ampliam suas atividades,

    LONDRES imita e tenta suplantar Amsterdam, que tende agora a especializar-se como a grande praa dos emprstimos internacionais, enquanto que Genebra e Gnova participam nesses jogos perigosos,

    PARIS anima-se e comea a afinar pelo diapaso geral, o dinheiro e o crdito correm assim cada vez mais livremente de um lugar para outro.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAPERODO DE TROCAS E DE CRDITO FCEIS

    Nesse ambiente, natural que as feiras saiam perdendo: feitas para ativar as transaes tradicionais pela outorga de vantagens fiscais, entre outras, elas perdem sua razo de ser em perodo de trocas e de crdito fceis.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAFEIRAS ATIVAS DO SCULO XVIII: ECONOMIAS TRADICIONAIS EM REGIES MARGINAIS

    Entretanto, se elas comeam declinando onde a vida se precipita, mantm-se e prosperam onde perduram ainda economias tradicionais.

    Enumerar as feiras ativas do sculo XVIII significa tambm assinalar as regies marginais da economia europia:

    na Frana, a zona das feiras de Beaucaire;

    na Itlia, a regio dos Alpes (Bolzano) ou o Sul.

    Mais ainda os Blcs, a Polnia, a Rssia e, para oeste, alm-Atlntico, o Novo Mundo. (BRAUDEL, 1987, p. 21);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAO PRIVATE MARKET POR OPOSIO AO PUBLIC MARKET

    Desenvolve-se, enfim, o que a historiografia inglesa chama o private market, por oposio ao public market, este vigiado pelas autoridades urbanas carrancudas, aquele fora desses controles.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAELEVADO NDICE DE CONSUMO E DE TROCA

    Seria intil acrescentar que, nesse perodo de elevado ndice de consumo e de troca, os mercados urbanos elementares e as lojas esto mais animados do que nunca.

    Estas no chegam ento s aldeias?

    Os prprios mascates decuplicam suas atividades.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAPRIVATE MARKET: CADEIAS COMERCIAIS AUTNOMAS

    Tal private market que, muito antes do sculo XVIII, comeou organizando em toda a Inglaterra

    as compras diretas, freqentemente antecipadas, aos produtores,

    a compra aos camponeses, fora do mercado, da l, do trigo, dos panos, etc.,

    significou o estabelecimento, contra a regulamentao tradicional do mercado, de cadeias comerciais autnomas, bastante extensas, livres em seus movimentos e que, alis, se aproveitam sem escrpulos dessa liberdade.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAEUROPA: DESENVOLVE O CONTRAMERCADO

    Impuseram-se por sua eficcia, favorecendo os volumosos abastecimentos necessrios ao exrcito ou s grandes capitais.

    O ventre de Londres, o ventre de Paris foram, em suma, revolucionrios.

    O sculo XVIII, em poucas palavras, ter desenvolvido tudo na Europa, inclusive o contramercado. (BRAUDEL, 1987, p. 21-22);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAANALISE COMPARADA: MECANISMOS DA TROCA

    Se os mecanismos da troca que acabamos de descrever s para a Europa existem fora da Europa e existem na China, na ndia, atravs do Isl, no Japo poderemos utiliz-los para um ensaio de anlise comparada?

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICASITUAR A NO-EUROPA: ANTES DA REVOLUO INDUSTRIAL

    O objetivo seria, se possvel, situar a no-europa, em geral, em relao prpria Europa, ver se o crescente abismo que vai cavar-se entre elas j era visvel antes da Revoluo Industrial , antecipando-se em relao ao resto do mundo. (BRAUDEL, 1987, p. 22);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICACHINA: CANTO - ESTGIO DOS MERCADOS ELEMENTARES

    DA CHINA no estgio dos mercados elementares: canto, a zona de irradiao de um mercado de burgo; matriz da china camponesa.

    A organizao mais surpreendente, no estgio dos mercados elementares, certamente a da China, a tal ponto que o seu caso depende de uma geografia exata, quase matemtica.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICACANTO: A ZONA DE IRRADIAO DE UM MERCADO DE BURGO

    Vejamos, a titulo de exemplo, um burgo ou uma cidade pequena.

    Marque-se um ponto numa folha em branco.

    Em redor desse ponto dispem-se de seis a dez aldeias, a uma distncia tal que o campons possa, durante o dia, ir ao burgo e regressar.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICA

    Esse conjunto geomtrico um ponto no centro e dez pontos em torno dele e o que chamaramos um CANTO, a zona de irradiao de um mercado de burgo.

    Praticamente, esse mercado divide-se segundo as ruas e as praas do burgo, agrega-se s lojas dos revendedores, dos usurrios, dos escrives pblicos, dos mercadores de gneros alimentcios, das casas de ch e de saque.

    W. Skinner tem razo, e nesse espao cantonal que se situa a matriz da china camponesa, no na aldeia. (BRAUDEL, 1987, p. 23);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAAUSENCIA DE FEIRAS E BOLSAS

    Em suma, a massa chinesa atravessada, animada por cadeias de mercados regulares, mutuamente ligados e todos rigorosamente fiscalizados.

    As lojas, os camels, os mascates, so igualmente muito numerosos, pode-se dizer que pululam;

    mas as feiras e as bolsas, mecanismos superiores, esto ausentes.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAExistem algumas feiras, sim, mas todas elas marginais, nas fronteiras da Monglia ou em Canto, para as mercadorias estrangeiras, tambm uma forma de vigi-las.

    Ento, das duas uma: ou o governo hostil a essas formas superiores de troca, ou ento a circulao capilar dos mercados elementares bastava economia chinesa: as artrias e as veias no lhe seriam necessrias.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICANO-DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO CHINS

    Por uma ou outra dessas razes, ou pelas duas ao mesmo tempo, a troca na china aparada, nivelada, e veremos numa outra conferncia que isso teve sua grande importncia para o no-desenvolvimento do capitalismo chins. (BRAUDEL, 1987, p. 24);

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAA NDIA: O PAS DAS FEIRAS

    A ndia , por excelncia, o pas das feiras, vastas reunies simultaneamente mercantis e religiosas, porquanto se celebram a maioria das vezes nos lugares de peregrinao.

    Toda a pennsula agitada por essas reunies gigantescas.

    Admiramos sua onipresena e sua importncia; no eram, entretanto, o sinal de uma economia tradicional, de uma certa maneira voltada para o passado?

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAMUNDO ISLMICO: ESTGIOS SUPERIORES DA TROCA

    Em contrapartida, no mundo islmico, embora as feiras tenham existido, no eram to numerosas nem to vastas quanto as da ndia. Excees como as feiras de Meca apenas confirmam a regra. Com efeito, as cidades muulmanas, superdesenvolvidas e superdinmicas, possuam os mecanismos e os instrumentos dos estgios superiores da troca. Ordens de pagamento e promissrias circulavam to correntemente quanto na ndia e emparelhavam com a utilizao direta do dinheiro vivo.

  • REPENSANDO A VIDA MATERIAL E A VIDA ECONMICAREDE DE CRDITO AO EXTREMO ORIENTE

    Toda uma rede de crdito ligava as cidades muulmanas ao Extremo Oriente.

    Um viajante ingls, de regresso das ndias, em 1759, e prestes a passar de Basra para Constantinopla, no querendo deixar seu dinheiro em depsito na East India Company, em Surat, entregou 2.000 piastras em espcie a um banqueiro de basra que lhe deu uma carta redigida em lngua franca e endereada a um banqueiro de alepo.

    Devia ter, teoricamente, retirado um lucro na transao mas no ganhou tanto quanto esperava. No se pode ganhar sempre. (BRAUDEL, 1987, p. 25);