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  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    TEXTO 02

    A Teoria Psicogenética de Jean Piaget

    Lúcia Pulino

    Quem foi Piaget, este teórico tão estudado nos meios educacionais?

    Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchâtel, Suiça e morreu em 1980, em

    Genebra. Aos 10 anos, já mostrava sua vocação para a pesquisa: dedicou-se à

    observação de um pardal em um jardim público, escreveu uma descrição do

    comportamento do passarinho e esse seu trabalho foi publicado. Aos 16 anos, realizou

    estudos sobre Zoologia. Aos 21, licenciou-se e, no ano seguinte, doutorou-se em

    Ciências Naturais, com tese sobre o desenvolvimento e a adaptação de moluscos a

    novos ambientes. Aos 25 anos, já havia publicado 25 trabalhos científicos, em quemostrava que o desenvolvimento biológico não era devido apenas à maturação e

    hereditariedade, mas também a variáveis do ambiente.

    Piaget era muito dedicado ao estudo da Filosofia e da Psicologia. Argumenta

    que o desenvolvimento humano e o esforço em direção ao conhecimento movem o

    homem no sentido da cooperação e do altruísmo, afastando-o do egocentrismo e da

    guerra. Este otimismo em relação à espécie humana se revela em seu trabalho

    filosófico e psicológico.

    Acreditando que o homem é movido pelo uso da razão, Piaget interessou-se em

    compreender o processo de construção do conhecimento na história da humanidade e

    em cada indivíduo, e criou a disciplina Epistemologia Genética, que estuda as raízes, a

    gênese (daí o termo ‘genética’) das várias formas de conhecimento, desde suas formas

    mais elementares, até o pensamento científico.

    Piaget partiu da concepção de que o conhecimento nem está pré-determinado

    nas estruturas internas do indivíduo (concepção inatista), nem dado nos caracteres

    pré-existentes no objeto a ser conhecido (concepção empirista), mas é construído na

    interação do indivíduo com o meio. Sua teoria é, portanto, interacionista.

    Do ponto de vista do desenvolvimento da espécie humana – a filogênese - e decada indivíduo – a ontogênese – o conhecimento é uma construção solidária, uma

    relação entre as condições cognitivas de quem conhece e as condições ambientais.

    Aqui, vamos nos dedicar a compreender as idéias de Piaget referentes ao

    desenvolvimento do indivíduo, do sujeito que conhece.

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    Você, educador, que se dedica à educação artística, imagina a importância de

    estudar a respeito de como as pessoas conhecem, não é?

    Em revistas sobre educação e em palestras e entrevistas nos meios de

    comunicação, é muito comum as pessoas tratarem do desenvolvimento psicológico

    segundo a concepção piagetiana, abordando os vários estágios de desenvolvimento.E o que são esses chamados estágios de desenvolvimento? Ou, antes, o que é

    desenvolvimento psicológico para Piaget?

    Desenvolvimento: Para Piaget, o desenvolvimento psicológico é um processo de

    equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio

    para um estado de equilíbrio superior. O desenvolvimento psicológico,

    especialmente as funções superiores da inteligência e da afetividade, diferentemente

    do desenvolvimento biológico, que decai com a idade, tendem a um equilíbrio móvel,

    ou a terem mais mobilidade, ou capacidade de adaptação, conforme o indivíduo

    avança na idade. A maneira como o conhecimento é construído, para Piaget, depende

    do momento de desenvolvimento psicológico do sujeito, que se inicia com o

    nascimento e continua até a idade adulta.

    Para o autor, toda ação supõe um interesse que a desencadeia, isto é, que o

    indivíduo age de acordo com necessidades fisiológicas, afetivas ou intelectuais, seja ele

    um adulto, um jovem, uma criança ou um idoso. Piaget considera que esse interesse,

    entretanto, varia de acordo com o nível de desenvolvimento do indivíduo.

    Esses diferentes níveis de desenvolvimento são o que Piaget chama de estágios

    do desenvolvimento psicológico.  Em todos os estágios de desenvolvimento, é osurgimento de necessidades – internas ou externas – que provoca um desequilíbrio no

    funcionamento mental e desencadeia ações do indivíduo, visando restabelecer o

    equilíbrio. Só que em cada estágio, o sujeito apresenta necessidades e interesses

    típicos e modos específicos de superar o desequilíbrio.

    Para compreender a teoria de Piaget, vamos explicitar alguns conceitos que ele

    utiliza para construir uma compreensão do desenvolvimento psicológico. São eles:

    assimilação, acomodação, estruturas ou esquemas, adaptação e equilibração e

    estágios de desenvolvimento.Assimilação: O processo de equilibração, ou adaptação, ou desenvolvimento, é

    um processo de construção, consolidação e mudança de estruturas mentais, por meio

    de processos de assimilação e acomodação, segundo Piaget.

    O indivíduo, motivado por necessidades ou interesses, assimila ou incorpora o

    mundo exterior às suas estruturas mentais já construídas, ou, falando de outro modo,

    a assimilação  é o processo mental pelo qual uma pessoa integra um novo dado

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    perceptual, motor ou conceitual aos esquemas ou padrões de comportamento já

    existentes.

    É como se a pessoa ‘encaixasse’ os elementos novos do que percebe, sente ou

    pensa numa estrutura já previamente existente e interpretasse o novo pelo esquema

     já conhecido. Como se ela tivesse uma fôrma mental que desse forma ao mundo.Por exemplo, quando uma criança vê um cavalo e o chama de au au, ela está

    assimilando a percepção do cavalo ao esquema já adquirido de cachorro.

    Na assimilação, o indivíduo amplia suas estruturas cognitivas. A transformação

    ou criação de esquemas ou estruturas, entretanto, dá-se pelo processo de

    acomodação.

    Acomodação: A acomodação  consiste em criar ou transformar esquemas ou

    estruturas mentais, através do reajuste das ações e pensamentos, com vistas ao

    contato com os dados de realidade assimilados. A apreensão do mundo assimilada é

    como o sujeito a pode captar, mas, graças à acomodação, ela se torna compatível com

    o mundo objetivo. Depois de acomodado, o estímulo é novamente assimilado às

    estruturas mentais, agora já acomodadas.

    Adaptação: Adaptação é o equilíbrio das assimilações e adaptações. Essa é a

    forma geral do equilíbrio psíquico: o desenvolvimento mental, em sua organização

    progressiva, apresenta uma adaptação sempre mais precisa à realidade.

    Você vê que interessante? Para Piaget, o sujeito conhece e se desenvolve no

    encontro de sua estrutura mental com a estrutura do mundo e desse encontro o

    resultado é uma transformação mútua: mudam as estruturas internas e mudam asestruturas do ambiente, já que para conhecer o sujeito age no mundo. É isso que

    Piaget entende por interação. 

    Piaget acredita que o sujeito é agente de seu desenvolvimento. Criando o

    mundo, o sujeito se cria, ao mesmo tempo, em sua relação com o mundo.

    Nesse processo, o importante a se compreender é que sempre a mente do

    indivíduo está estruturada, sempre há uma estrutura prévia a ser ampliada ou

    transformada ou totalmente substituída por outra. Quando nasce o bebê, essas

    estruturas são de caráter hereditário e genético e, na medida em que ele entra nomundo das relações humanas, suas estruturas vão sendo modificadas, visando sua

    adaptação. Não podemos confundir isso com a suposição de que o bebê nasce com

    algum conhecimento. Ele nasce com estruturas herdadas.

    O indivíduo, portanto, está constantemente vivendo um processo de

    modificação – ampliação, transformação ou criação de estruturas mentais, nos níveis

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    perceptivo, motor, afetivo, intelectual e social, ou formas de compreender e agir em

    relação ao mundo, às pessoas e a si mesmo.

    O que são estruturas ou esquemas, para Piaget?

    Estruturas ou esquemas : Piaget entende que a mente é dotada de estruturas,

    que ele chama também de esquemas.Os esquemas são as estruturas mentais pelas quais os indivíduos organizam

    seu meio e se adaptam. Diferentemente das estruturas orgânicas, que têm a função de

    adaptação do corpo, as mentais, ou esquemas, não são objetos reais, como o

    estômago, por exemplo, mas são inferidos por Piaget, são construtos hipotéticos.1 O

    autor cria os esquemas e os considera como conjuntos de processos dentro do sistema

    nervoso.

    Ao nascer, a criança apresenta poucos esquemas, hereditários. A mente

    humana pode ser pensada como um arquivo, na qual cada ficha representa um

    esquema. Os adultos têm muitas fichas ou esquemas. Esses esquemas são usados

    para processar e identificar a entrada de estímulos. Os esquemas mudam na relação

    do indivíduo com o mundo, por assimilações e acomodações e se tornam mais

    refinados. Ao assimilar, isto é, entrar em contato com um cavalo pela primeira vez, a

    criança o chama de au au, ou cachorro grande, ligando o estímulo à ficha de cachorro,

    pelas suas semelhanças, encaixando-o a ela, que já fazia parte de seu arquivo

    (esquema). Depois, vai acomodar internamente esse novo objeto, vai arquivá-lo, vai

    relacioná-lo com as outras fichas.

    Nas mudanças de estágio, esses esquemas se transformam qualitativamente, ese reorganizam, de acordo com um elemento que é essencial a cada um.

    Do nascimento à idade adulta, o conhecimento, os sentimentos e as relações

    sociais são construídos mentalmente, sendo os esquemas do adulto construídos a

    partir dos esquemas da criança.

    Adaptação, na psicogenética piagetiana, não se relaciona a conformismo, a ser

    como o mundo exige que sejamos, mas a um entrosamento com o mundo, em que

    sujeito e elementos externos a ele se combinam e promovem mudanças mútuas,

    podendo resultar, até mesmo, numa transformação radical de um ou de outro.De fato, Piaget sustenta que há momentos em que essa transformação radical

    ocorre e que podem ser previstos: são as mudanças de estágios de desenvolvimento.

    Como você pode depreender de tudo isso, a psicogenética não é apenas uma

    psicologia evolutiva, pois não se resume a uma seqüência cronológica. O pesquisador

    1 Construtos são conceitos ou “coisas” que não são diretamente observáveis (por exemplo, inteligência,criatividade, capacidade, habilidade, motivação, instintos). Wadsworth, B. J., 1993. p. 2. 

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    da psicogênese identifica a seqüência evolutiva, mas, além disso, tenta reconstruir os

    laços de filiação entre os níveis que identifica, perguntando-se “Como se passa desse

    estado de conhecimento para outro estado de conhecimento? O que, no estado

    anterior Y, tornou possível que a seguir aparecesse aquilo que observamos no estado

     posterior Z? O que existia em um nível anterior X que tornou possível o nível Y?”  (Ferreiro, 2001:93)

    Estágios de desenvolvimento: “Os estágios se caracterizam como formas de

    organização da atividade mental, sob um duplo aspecto: motor ou intelectual, de uma

    parte, e afetivo de outra, com suas duas dimensões individual e social. (...) cada

    estágio é caracterizado pela aparição de estruturas originais se distingue dos estágios

    anteriores. O essencial dessas construções sucessivas permanece no decorrer dos

    estágios ulteriores, como subestruturas, sobre as quais se edificam as novas

    características.” (Piaget,1994:15)

    Durante cada estágio vigora um modo de apreensão de mundo, de

    comportamento, de afetividade, de relacionamento social. O sujeito atua de acordo

    com um estágio, até o momento em que os recursos típicos deste estágio não são

    suficientes para que ele se adapte ao ambiente, ou para reconstituir seu estado de

    equilíbrio mental. Aí se dá a mudança de estrutura mental e de estágio.

    Piaget acredita que há uma seqüência lógica na sucessão dos estágios, que o

    mais básico é o alicerce para todos os outros, que o segundo mantém o que é

    essencial do primeiro, o terceiro o que é importante no segundo, e assim por diante,

    cada novo estágio promovendo uma re-constituição do anterior e se re-estruturandocomo qualitativamente distinto dele. Assim, um se desenvolvendo a partir de outro, a

    estrutura mental seria como uma cebola, cujas camadas se sobrepõem, formando um

    todo. O estágio é, então, um tipo de organização do psiquismo, que caracteriza o

    desenvolvimento motor, perceptivo, cognitivo e afetivo-social dos indivíduos.

    Para Piaget, ocorre uma evolução mental  na sucessão dos vários estágios, no

    sentido em que o indivíduo desenvolve recursos cada vez mais eficazes em termos de

    adaptação intelectuais e sócio-afetivos.

    O desenvolvimento progride num movimento que vai do conhecimento concretoao abstrato, do egocentrismo à descentração e socialização, do próximo ao distante,

    do incoerente ao sistemático, da dependência à autonomia. O padrão adulto de

    apreensão de mundo, de relação sócio-afetiva e de compreensão de si mesmo, para

    Piaget, é mais desenvolvido do que o do jovem ou o da criança.

    Embora Piaget sugira idades para o início e o final de cada estágio, ele

    reconhece que essa faixa etária é variável, dependendo das condições internas do

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    indivíduo e das do ambiente em que ele vive, já que, como vimos, o desenvolvimento

    não depende apenas da maturação biológica (embora esta seja essencial) do indivíduo,

    mas da relação entre as suas estruturas psíquicas (com o potencial de que são

    dotadas) e o mundo externo.

    São quatro os estágios de desenvolvimento propostos por Piaget:

    1º) Estágio da Inteligência Senso-

    Motora ou Prática (ou Senso Motor)

    3º) Estágio da Operações

    Intelectuais Concretas (ou

    Operatório Concreto)

    4º) Estágio das Operações

    Intelectuais Abstratas (ouOperatório Formal)

    2º) Estágio da Inteligência

    Intuitiva (ou Pré-Operatório)

    1º.) Estágio da Inteligência Senso-Motora

    Este estágio corresponde ao desenvolvimento a partir do nascimento da

    criança, até aproximadamente os 2 anos de vida. É decisivo para todo o curso da

    evolução psíquica.

    Compreende 3 subestágios: a) Estágio dos reflexos, ou mecanismos

    hereditários; b) Estágio dos primeiros hábitos motores, das primeiras percepções

    organizadas e dos primeiros sentimentos diferenciados; c) Estágio da inteligência

    senso-motora, ou prática, e das regulações afetivas elementares.

    Do nascimento até a construção de uma inteligência prática, o bebê passa de

    um estado de indistinção entre o mundo interno e o externo, que formam um todoindiferenciado, até conseguir representá-los mentalmente como duas instâncias. As

    percepções e impressões vividas não se relacionam nem à consciência pessoal sentida

    como um “eu”, nem a objetos concebidos como exteriores. Ambos fazem parte de um

    bloco indissociado, que não é nem interno nem externo. À medida que o bebê vive

    experiências, os dois pólos vão se opondo um ao outro.

    O eu, no início inconsciente de si mesmo, vai se constituindo como uma

    realidade interna, na medida em que o mundo externo vai se objetivando. Do

    egocentrismo inconsciente e integral, vai se desenhando a distinção eu/mundo, poratos de inteligência.

    No primeiro subestágio, a estrutura mental básica são os esquemas reflexos ou

    mecanismos hereditários que potencialmente garantem que se desenvolvam esquemas

    relacionados a tendências instintivas como a nutrição, de que a sucção é a primeira

    expressão comportamental.

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    Para a mãe que amamenta seu bebê, é evidente que a sucção é uma ação que

    demonstra a participação ativa do pequeno, já que a cada dia ele ‘mama melhor’. Na

    verdade, ocorrem as primeiras ações de assimilação e acomodação, já que o bebê, ao

    primeiro contato com o peito da mãe, mama como seu esquema hereditário lhe

    permite (assimila a este esquema os elementos externos), e vai acomodando suaestrutura mental às informações vindas do corpo da mãe, aprimorando a forma como

    chupa o bico do seio, buscando a melhor forma de se aninhar no colo da mãe,

    adaptando-se à situação. Bebê e mãe, juntos, adaptam-se um ao outro na ação do

    amamentar. A mãe também está se adaptando, naturalmente, assimilando as

    percepções e movimentos do primeiro contato com o bebê e acomodando suas

    estruturas mentais às ações do bebê.

    Está claro o processo de adaptação? Pois isso ocorre continuamente desde o

    início da vida do bebê, em relação a seu bem-estar, como sensações de frio e calor,

    fome e dor, expressas por gritos, choro ou movimentos.

    Nesse subestágio, o bebê apresenta, no nível afetivo, impulsos instintivos,

    ligados à alimentação, e reações reflexas e emoções primárias, ligadas a sensações

    repentinas, como a perda de equilíbrio.

    No segundo subestágio, em constante processo de adaptação, com assimilações

    e acomodações, o bebê generaliza o ato de sucção do peito a outros objetos, sugando

    primeiramente no vazio, depois os próprios dedos, ou qualquer outro objeto,

    fortuitamente, ampliando o esquema de sucção. Quando consegue coordenar o

    movimento dos braços com a sucção (já no segundo mês), leva o polegar à boca.O desenvolvimento de novos esquemas de sucção a partir de assimilações e de

    leves acomodações, imprime uma nova maneira de o bebê experienciar o mundo. Para

    ele, agora, o mundo é uma realidade a sugar . Coloca tudo na boca. Sua experiência

    em relação ao mundo, então, se dá pelo contato da boca com tudo o que pode sugar.

    Além de sugar, ele olha, ouve, toca o mundo. Desenvolve esquemas que lhe

    permitem virar a cabeça na direção de um ruído, ou seguir um objeto em movimento.

    Do ponto de vista sócio-afetivo, começa a reconhecer pessoas, a sorrir (no final

    do 1º. mês ou no início do segundo), embora as distinga à sua maneira, comoaparições sensíveis e animadas.

    Com o desenvolvimento da capacidade de preensão, ou de segurar objetos, o

    bebê (por volta dos 4 meses e meio) passa a manipulá-los e forma hábitos novos, que

    vão se acomodar aos esquemas já desenvolvidos, perceptivos e motores.

    Afetivamente, Piaget sustenta que nesse subestágio surgem as sensações

    básicas de prazer e desprazer, agradável e desagradável, ligadas a ações. As pessoas

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    ainda não são muito distintas para o bebê, o que o mantém indiferenciado em relação

    aos outros. Interessa-se, sim, neste momento, pelo próprio corpo, num padrão

    narcisista, embora sem ter consciência de si.

    No terceiro subesatágio, o bebê desenvolve uma forma de inteligência

    manipulando objetos e utiliza percepções e movimentos, organizados em “esquemasde ação”, em lugar de palavras e conceitos. A criança usa objetos como ferramentas,

    como puxar o lençol da cama para aproximar um brinquedo de si.

    Esses esquemas de ação que resultam em atos inteligentes observáveis são

    construídos pela criança por um processo de experienciar o mundo: o bebê não se

    contenta mais apenas em reproduzir os movimentos e gestos que conduziram a um

    efeito interessante, mas os varia intencionalmente, ficando atento aos resultados

    dessas variações, entregando-se a verdadeiras explorações.

    Você já deve ter visto um bebê jogar um brinquedo no chão, a mãe devolvê-lo

    a ele, pensando que foi sem querer, e ele jogá-lo novamente, não? Pode mesmo ter

    sido uma queda casual da primeira vez, mas as seguintes são visivelmente propositais,

    como se ele estivesse pesquisando os sons, a velocidade e as características do objeto.

    Também, quando pega um objeto, o bebê pode lambê-lo, chacoalhá-lo, esfregá-lo,

    além de jogá-lo, incorporando o novo objeto a seus antigos esquemas de ação já

    assimilados, como se ele explorasse as possibilidades daquele objeto, como se o

    conhecesse na prática.

    Nesse momento de desenvolvimento, ele consegue criar categorias mentais

    ligadas à sua ação prática. Seu desenvolvimento motor lhe possibilita que avance noespaço e lide com uma grande quantidade e diversidade de objetos.

    Os objetos e seres, que para ele existiam apenas quando ele os via, passam a

    ter existência própria, o que observamos porque ele passa a buscar um objeto que se

    esconde debaixo do cobertor, o que antes não fazia. Da mesma maneira, por exemplo,

    compreende a noção de causalidade, na prática, já que quando chama (causa) a mãe

    ela vem (efeito).Esse tipo de experiência lhe permite construir a noção de que o

    espaço que existe não é apenas aquele em que ele está (a mãe vem de outro lugar);

    desenvolve, também, a noção prática de séries temporais, pois passa a entender queantes ele chora e depois a mãe aparece, por exemplo.

    Os diversos esquemas de ação são assimilados entre si, coordenados

    mentalmente, como se a criança estivesse construindo uma noção prática dos objetos

    explorados. Por esta coordenação vai se consolidando a formação da inteligência

    senso-motora.

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    O desenvolvimento de esquemas percepto-motores relacionados à fala, e da

    linguagem como representação do mundo vão se articulando com os esquemas senso-

    motores e possibilitando a adaptação do bebê, até o ponto em que esse tipo de

    apreensão de mundo e de si mesmo não dá mais conta de equilibrar as suas estruturas

    mentais e adaptá-lo ao meio.Piaget afirma que neste primeiro estágio ocorre uma “revolução copernicana”

    no psiquismo: o universo psíquico da criança, que se inicia como indiferenciado, passa

    a se centrar nela, em seu corpo, para, depois, ir se descentrando e a criança passar a

    se colocar como uma dentre muitos seres.

    Afetivamente, com o desenvolvimento da categoria prática de objeto, o bebê se

    destaca do mundo exterior, e começa a objetivar seus sentimentos em atividades e

    pessoas: prefere uma atividade a outra, desinteressa-se de umas coisas, dedica-se a

    outras, sente-se fracassado ou bem sucedido no que realiza e isso lhe causa tristeza

    ou alegria.

    A consciência do “eu” começa a se afirmar como pólo interior da realidade, em

    oposição ao pólo externo objetivo.

    Gradativamente, a criança começa a ter seus sentimentos de alegria e tristeza

    relacionados não só às atividades, mas a objetos concretos e às pessoas, originando-

    se os sentimentos interindividuais. A pessoa que é o primeiro alvo do afeto da criança

    é a mãe, depois o pai, e as pessoas que cuidam dela e fazem parte da família. Esta é a

    fonte dos sentimentos de simpatia e antipatia que vão se desenvolver na etapa

    seguinte.

    Da perspectiva da apreensão, ou da construção estética do mundo e de si, um

    bebê até os dois anos, aproximadamente, desenvolve seus primeiros sons e gestos e

    vai dando significado a eles por sua relação com os outros, cujos sons e gestos e ele

    vai aprendendo a significar. O mundo físico vai sendo representado pelo bebê em suas

    estruturas mentais, por assimilação e acomodação, juntamente com o significado

    social e cultural dos conteúdos assimilados. Assim, reorganizando suas estruturas

    mentais, suas representações do real, vai se conhecendo, conhecendo os outros, edesenvolvendo sentimentos em relação a pessoas e situações.

    Começa, assim, o desenvolvimento do gosto, a base de suas preferências

    estéticas, o que lhe dá prazer, ou não, o que lhe traz conforto e satisfação de

    necessidades e desejos, o que consiste na primeira matriz de sua concepção conceitual

    e estética do real.

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    Você pode estar se perguntando sobre a importância de conhecer como o bebê

    constrói a representação mental (ainda prática) do mundo e de si mesmo.

    Tem toda a importância, quando se trata da teoria de Piaget, em que conhecer

    a gênese, a origem, da percepção, do movimento, do pensamento, da ação e dos

    afetos é fundamental para se compreender como o indivíduo se desenvolve e - o queinteressa muito a você - como ele percebe o mundo, desenvolve-se e aprende.

    Veja como é importante para um professor de artes, conhecer o

    desenvolvimento psicológico do indivíduo no início de sua vida, pois é a partir dessas

    experiências primeiras que as pessoas vão construindo seus padrões cognitivos, sócio-

    afetivos, estéticos, e éticos. Todos os aspectos do psiquismo se desenvolvem juntos,

    entrelaçando-se e formando a identidade da pessoa. O mundo externo e o mundo

    interno se constroem ao mesmo tempo.

    E, o que é importante para nós, educadores: cada pessoa, apesar de estar num

    mesmo estágio de desenvolvimento que outras, apresenta-se como um indivíduo

    original, com características que a diferenciam das outras.

    Se você trabalhasse numa creche, iria observar que, apesar de todos os bebês,

    neste estágio de desenvolvimento, explorarem o mundo físico, mexerem em tudo, se

    locomoverem – engatinhando, andando ou correndo – muito, imitarem o adulto ou uns

    aos outros, cada um o faz de um jeito, do ‘seu jeito’.

    Da mesma forma, você vai notar que ao longo de todos os estágios de

    desenvolvimento, podemos notar o que há de comum entre as pessoas no

    desenvolvimento de suas estruturas mentais e padrões de ação, e o que há de originalna formação de cada pessoa.

    Vamos ao 2º. estágio.

    2º. estágio: Estágio da Inteligência Intuitiva, ou Pré-Operatório 

    Este estágio abrange o período de desenvolvimento dos 2 aos 7 anos,

    aproximadamente.

    Se você já tiver conhecido uma turma de crianças de 2 anos de uma escola deEducação Infantil, ou tenha tido contato com crianças desta idade, lembre-se de como

    elas se comportam.

    Você se lembrou de como essas crianças caminham? De como se comunicam

    entre si e com os adultos? De como articulam as palavras e manipulam os objetos do

    ambiente?

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    O que chama nossa atenção é a intensa exploração dos objetos, a brincadeira

    solitária de cada uma, em meio ao grupo de crianças, que só se dá conta da presença

    do colega quando tem interesse em usar algum objeto que este segura. Enquanto

    brinca, faz sons típicos dos brinquedos, como caminhõezinhos, cachorrinhos, bumbos,

    bonecas.Se o período ou estágio anterior se organiza em torno da percepção e da

    motricidade, construindo a inteligência senso-motora, por volta dos 2 anos se

    consolida um outro elemento organizador: a linguagem.

    Isso não significa que os gestos, gritos, sons, da criança desde bem pequena

    não sejam já a entrada no mundo da linguagem, mas, sim, que a linguagem, o uso de

    símbolos para se referir ao mundo, além de poder lidar diretamente com objetos

    concretos, começam a se tornar mais significativos. Ao invés de só pegar um carrinho,

    a criança anuncia que quer fazê-lo, ou acompanha seu ato pronunciando o nome do

    brinquedo. Ela começa a representar a realidade para si mesma, através do uso de

    símbolos, incluindo imagens mentais, palavras e gestos. Os objetos e os eventos não

    precisam mais estar presentes para serem considerados.

    Com a introdução efetiva no mundo simbólico do jogo, do desenho e,

    sobretudo, da linguagem, as condutas da criança se modificam profundamente, tanto

    do ponto de vista cognitivo como sócio-afetivo. Ela é capaz de, além de agir, fazer

    narrativas, reconstituindo suas ações passadas e antecipando suas ações futuras, pela

    representação verbal.

    Pela linguagem, a criança se liberta, gradativamente, das amarras do aqui-e-agora, colocando sua experiência na dimensão do tempo. “Nenê caiu!” “Nenê qué

    papá” O bebê começa a relatar o que viveu, e o que deseja no futuro, ainda se

    referindo a si mesmo na 3ª. pessoa do singular, ocupando o lugar dos pais no

    discurso, já que o “eu” é insipiente, ainda.

    É como se a criança se introduzisse num outro mundo, como se começasse a

    viver em outra dimensão: a da linguagem, a do pensamento.

    Dominando cada vez melhor a linguagem, ainda no primeiro ano, imitando os

    adultos em seus gestos, sons e na articulação das palavras, associando-as a ações eobjetos, a criança começa, no segundo ano de vida, a efetivamente se relacionar com

    as outras pessoas, consigo mesmo e com o mundo, num padrão distinto do anterior, o

    que denuncia uma reestruturação de seu psiquismo.

    A ação se socializa por meio do uso da linguagem, já que a criança consegue

    participar de trocas com as outras pessoas: pede algo e recebe, dá algo a alguém

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    quando isso lhe é pedido, disputa, não só com ações, mas com palavras, um brinquedo

    com outra criança: “É meu!”

     “É meu!” Este é o grito da criança que, na ânsia de se distinguir do outro,

    demarca seu espaço, seus direitos, os objetos que estão em seu poder. A concepção

    de “meu” é construída e expressa antes do “eu”.Os pais e professores que cuidam da criança deixam de ser apenas figuras

    percebidas, vozes, provedores de afeto, para serem pessoas que têm um nome, que

    sentem algo, que querem algo, que dão ordens à criança, que preferem que ela aja de

    uma maneira em detrimento da outra.

    As relações da criança vão se configurando na dimensão de uma ética. Ela

    respeita os pais, de quem depende, e assume a moral deles. Piaget diz que do ponto

    de vista da criança, esta é uma moral heterônoma, em que a regra, a lei (nomos) é

    dada pelo outro (hetero).

    Nesse sentido, a criança desenvolve a noção de “eu ideal”, ou seja, desenha-se

    em sua mente a representação do tipo de criança que seus pais desejariam que ela

    fosse; o que é certo ou errado é representado mentalmente pela criança, que leva em

    consideração a atuação e as opiniões externadas pelos pais e professores para tentar

    pautar suas ações por esse modelo.

    Você vê que a moralidade, em Piaget, tem suas bases na capacidade cognitiva

    da criança de compreender e usar a linguagem e dos vínculos afetivos já construídos,

    que garantem que ela tenha confiança e respeito em relação aos pais.

    Isso não significa que a criança obedeça aos ditames da moral dos pais, masque começa a saber “como deveria agir”.

    Como a criança começa a “conversar” com o adulto, colocando em palavras

    seus desejos, necessidades e interesses, além de disputar, pela linguagem, um espaço

    existencial entre seus iguais, ela se introduz em discussões, opondo-se a outras

    pessoas, a favor de suas próprias idéias, inicialmente ligadas a fortes desejos.

    Essa oposição de idéias, muitas vezes acompanhada das chamadas “birras”, é o

    prenúncio das discussões acaloradas típicas de outros estágios de desenvolvimento.

    O pensamento verbal da criança se mostra egocêntrico: ela não consegue secolocar no lugar do outro e compreender seu ponto de vista.

    No segundo e terceiro anos, as crianças já têm uma linguagem mais

    aprimorada, ou diferente daquela ligada a seus desejos, diretamente.

    Geralmente a partir de um ano, desenvolve-se um tipo de ação – o  jogo

    simbólico  – que é a conhecida brincadeira de faz-de-conta: o jogo de casinha, de

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    boneca, de carrinho, que é uma atividade espontânea da criança, e não ensinada a ela

    pelo adulto.

    Este jogo é importante para Piaget porque ele é o início do pensamento, sua

    forma mais egocêntrica, que vai dar origem a outras formas mais descentradas e mais

    socializáveis. O presente e o passado usados na mesma frase, mostram como elaaltera a lógica do pensamento adulto.

    Segundo Piaget, no jogo simbólico, a criança transforma o real em função de

    seus desejos, revive seus prazeres e conflitos, como se completasse a realidade

    através da ficção que cria. Ela é a autora do script  e a diretora da “peça” que executa,

    com objetos vários, que muitas vezes nem exibem semelhanças com o “papel” que

    representam.. O verbo no pretérito imperfeito, denuncia a consciência que a criança

    tem de que se trata de um jogo, que ela, envolvida afetivamente, leva tão a sério.

    O pensamento da criança vai se desenvolvendo, por assimilações e

    acomodações, e ela começa a interiorizar a palavra e desenvolver um pensamento

    verbal que busca compreender o real.

    Este pensamento se inicia quando a criança começa a querer saber os

     “porquês” de tudo o que percebe e experiencia, além das perguntas anteriores sobre

     “onde” estão as coisas e pessoas e “o que” são elas.

    Os “porquês” da criança são difíceis serem respondidos, já que o adulto não

    consegue compreender o sentido desta pergunta para ela. O que ela realmente quer

    saber, se, depois de o adulto responder, fornecendo a causa e a finalidade dos fatos,

    ela continua a perguntar sobre o “porquê” daquela causa ou daquele fim, e assimindefinidamente, mesmo em relação a fatos que não comportam “porquês”, porque

    ocorrem ao acaso?

    Você, certamente, já esteve na situação de não conseguir satisfazer com suas

    respostas aos porquês de uma criança.

    Sabe como Piaget decidiu investigar porque isso acontecia?

    Piaget formulou a uma criança a pergunta de outra: “ Por que o lago de

    Genebra não vai até Berna?” . E a criança (de 6 anos) respondeu: “O lago de Genebra

    não vai até Berna porque cada cidade deve ter o seu lago”.Piaget compreendeu, com suas investigações, que para o pensamento da

    criança não há acaso na natureza: tudo tem uma razão de ser.

    Este pensamento apresenta as seguintes características: animismo, finalismo e

    artificialismo.

    O animismo é a tendência de a criança conceber as coisas como vivas e dotadas

    de intenção. O finalismo inclui a consciência e a intencionalidade: a lâmpada acende

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    (animismo) para iluminar o ambiente para o homem (finalismo); ou as nuvens sabem

    que se deslocam para levar a chuva e a noite é uma grande nuvem negra que sabe

    que cobre o céu na hora de dormir. Da mesma forma, o pensamento para a criança “é

    uma voz, uma pequena voz  que está por trás, a voz do vento”. O animismo provém de

    uma assimilação das coisas à própria atividade, por parte da criança.Outra característica é o artificialismo, ou a crença de que tudo foi construído

    pelo homem ou por divindades, do mesmo modo que se dá o processo de fabricação

    na sociedade.” Os bebês são ao mesmo tempo fabricados e vivos”, “as montanhas

    crescem porque se plantaram pedrinhas depois de tê-las fabricado”, “os lagos foram

    escavados”.

    Este pensamento, animista, finalista e artificialista, é regido por leis causais que

    se confundem com leis morais: os barcos flutuam “ porque devem flutuar ” e a lua

    ilumina somente à noite “porque não é ela que manda”. 

    Isso, para nós educadores, é importante, pois nos mostra que para a criança

    errar uma tarefa cognitiva tem o mesmo caráter de errar moralmente, com toda a

    carga afetiva que acompanha a falha moral.

    Assimilações e acomodações resultantes das trocas entre essas crianças e

    adultos e de suas experiências com a natureza e o meio físico, vão tornando este

    pensamento cada vez mais articulado, já que ele, espontaneamente, é pouco capaz de

    prover a adaptação do indivíduo.

    Desenvolve-se, então, o pensamento intuitivo que é a estrutura mais avançada

    de pensamento que a criança constrói neste estágio de desenvolvimento. A criançareconstrói o mundo construído por suas explorações senso-motoras, agora num

    formato representacional: pode antecipar ações, e as configurações e relações entre os

    objetos.

    No início, é um tipo de pensamento marcado pela certeza: a criança não tem

    dúvidas em relação à maneira como vê o mundo e discursa sobre ele. Não tem a

    necessidade de provar, demonstrar o que diz.

    O mundo da criança, então, deixa de ser apenas aquele mundo da concretude

    dos objetos que ela explora, e começa a se configurar como representação mental, das possibilidades do pensamento e da imaginação, e o mundo do dever-ser , construído a

    partir da compreensão ética das relações humanas.

    Por meio de experimentos, Piaget (1964/1994:34, 35 e 36) pôde compreender

    as características do  pensamento intuitivo. Ele mostrou a crianças dois corpos que se

    deslocam, seguindo o mesmo trajeto na mesma direção, um ultrapassando o outro. A

    criança intuitiva avaliou que aquele que ultrapassou o outro “vai mais depressa”. Mas,

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    se o primeiro percorresse, no mesmo período de tempo, um caminho mais longo sem

    alcançar o segundo, ou se andassem em sentidos inversos, ou em pistas circulares

    concêntricas, ela não compreendia esta desigualdade de rapidez, o que mostrou que

    sua intuição de rapidez se reduz à de ultrapassagem, sem fazer relações entre o tempo

    gasto e o espaço percorrido.Em outro experimento, Piaget apresentou aos sujeitos seis a oito fichas azuis

    enfileiradas com pequenos intervalos, e lhes pediu para “pegarem outras fichas

    vermelhas que poderiam tirar de um monte à disposição e fazer com elas uma fileira

    igual à apresentada.”

    Acompanhe a maneira como as crianças, em diferentes períodos deste estágio,

    resolvem este problema, de acordo com o experimento:

    •   “Por volta de 4 a 5 anos em média, as crianças constituirão uma fileira

    de fichas vermelha do mesmo tamanho que a das azuis, mas sem se preocuparem

    com o número de elementos, nem com a correspondência termo a termo de cada ficha

    vermelha com a azul.”

    Piaget avalia que aí se vê uma forma primitiva de intuição: a criança avalia a

    igualdade apenas pelo espaço ocupado, ou pelas qualidades perceptivas globais da

    coleção, sem fazer a análise das relações.

    •   “Por volta de 5 a 6 anos, a criança coloca uma ficha vermelha em frente

    a cada ficha azul, concluindo, desta correspondência termo a termo, uma igualdade

    das duas coleções”.

    Piaget complementou que embora já se observe um trabalho mais racional emenos perceptivo, intuitivo, se se afastam um pouco as fichas extremas da fileira das

    vermelhas, a criança, que viu que não se tirou nem se acrescentou nada, avalia que as

    duas coleções não são iguais e afirma que a mais longa contém “mais fichas”.

    Se uma das fileiras é desmanchada e se colocam as fichas dela numa caixa

    antes vazia, a criança tem dificuldade em avaliar sua equivalência. Seu critério é dado

    pelas informações visuais ou óticas.: há equivalência quando existe correspondência

    visual. A igualdade não se conserva por correspondência lógica, não havendo,

    portanto, uma operação racional.Essas intuições, que são esquemas motores e perceptivos interiorizados como

    representações, para se tornarem operações racionais, precisam ser articuladas para

    se tornarem móveis e reversíveis.

    Em que consiste a reversibilidade?

    Reversibilidade é a possibilidade de reverter uma ação mentalmente, desfazê-

    la. Se o pensamento é reversível, ele pode seguir a linha de raciocínio de volta ao

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    ponto de partida. A reversibilidade é uma construção mental da criança, a partir de seu

    contato com o mundo, por meio de assimilações e acomodações.

    A reversibilidade não é ensinada à criança, nem observada por ela, já que

     “a maior parte das ações sensório-motoras são irreversíveis por definição: a água que sai datorneira não pode voltar a ela. Uma bola atirada não pode voltar à mão do atirador em sentido

     “reverso”. Algumas ações são reversíveis ou quase. Uma porta ou um portão pode ser aberto efechado. Um objeto (como um bloco) pode ser virado e revirado novamente.” (Wadsworth,1993:95)

    No exemplo acima, se as moedas são afastadas, a criança, rigidamente,

    acredita que mudou a relação de igualdade de quantidade de moedas entre as fileiras.

    Se conseguisse reverter mentalmente a ação, como mais tarde vai conseguir, ela

    conseguiria refazer mentalmente a fileira alterada e avaliar, racionalmente, que a

    quantidade de fichas não mudou.

    Enquanto o pensamento é intuitivo, quer dizer, não operatório, ou não racional,

    a criança não constrói o esquema de conservação, isto é, ela não avalia que a

    quantidade de uma matéria permanece a mesma, independentemente de quaisquermudanças em uma dimensão irrelevante. O exemplo da conservação da noção de

    número está dado no experimento citado das duas fileiras de fichas.

    Veja bem que a Piaget interessava mais conhecer os considerados “erros” das

    crianças, do que submetê-las a testes de medida de QI. Ele verificou que os “erros”

    não passam das formas próprias a cada estágio de a criança apreender o mundo, que

    são, na verdade, características, e não erros. Aliás, o conhecimento desses “erros” é o

    que nos possibilita conhecer como a criança constrói o conhecimento e se desenvolve

    psicologicamente.A criança começa a ver suas teorias intuitivas serem desafiadas pelo discurso

    das pessoas mais velhas e pela forma como os fatos transcorrem em seu cotidiano. Os

    tais “erros”, em contato com o mundo exterior e as outras pessoas provocam um

    desequilíbrio mental, são a alavanca para o desenvolvimento de novas estruturas

    mentais que capacitam a criança a tornar seu pensamento lógico.

    Quanto ao desenvolvimento da sociabilidade e da moralidade, neste estágio, a

    criança desenvolve sentimentos de afeição, simpatia e antipatia, ligados à socialização

    das ações, interesses e valores e sentimentos morais intuitivos.

    Os interesses das crianças podem ser notados através de seus desenhos, de

    expressões verbais, das brincadeiras, da forma como se aplicam nas várias atividades,

    do ritmo no desenvolvimento de atividades físicas e mentais.

    De acordo com a forma como os adultos valorizam suas atitudes e ações e com

    o sucesso ou fracasso, real ou imaginário, que tenha em seus empreendimentos, a

    criança desenvolve um julgamento de si mesma.

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    De acordo com a valorização mútua entre a criança e as outras pessoas,

    baseada em valores e preferências comuns, a criança vai criando laços afetivos em seu

    ambiente: o adulto que compreende e apóia suas necessidades, o colega que brinca do

    que ele gosta, o ambiente que lhe permite fazer explorações e experimentações.

    O sentimento de respeito para com os pais, um misto de afeto e temor, é oalicerce dos primeiros sentimentos morais, que geram a noção de dever e possibilitam

    à criança começar a julgar o que é certo e o que é errado. A moral é heterônoma,

    como vimos, e vai sustentar o desenvolvimento de valores morais e afetivos

    posteriores.

    Nesse estágio do desenvolvimento, as crianças freqüentam as escolas de

    educação infantil, em que são introduzidas em ambiente propício para a sua

    socialização, o desenvolvimento de habilidades lingüísticas e de raciocínio, e em

    situações de jogo, espontâneo e de regras.

    Para você, futuro professor de artes, é importante compreender que este

    estágio, segundo Piaget, marcado pelo desenvolvimento da intuição, é um momento

    riquíssimo de construção da realidade e da identidade por parte da criança, já que é

    nesse estágio que a criança desnvolve a linguagem, e o pensamento, de uma maneira

    que é típica da infância, muito diferente da do adulto.

    Entretanto, para quem tem intimidade com o mundo da arte, este estágio de

    desenvolvimento da criança é mais interessante do que para outros educadores,

    porque esse jeito de a criança conceber o mundo, representá-lo, expressá-lo pelo

    desenho e por palavras e agir nele – inicialmente como jogo simbólico, depois usandoimagens e concepções animistas, finalistas e artificialistas, transitando da realidade à

    fantasia, transpondo sua experiência pessoal, no mundo humano, para o mundo da

    vida em geral e até para o inanimado, tomando-se como centro e medida de todas as

    coisas - é um modo superado pela lógica assumida pelo mundo científico, no campo

    cognitivo, mas que é retomado e valorizado pela literatura, pelo teatro, pela pintura,

    escultura. O artista, o dramaturgo, o pintor, o poeta, valorizam esses processos

    intuitivos, que resgatam a fantasia, a magia, e fazem conversar mundos que a lógica e

    a ciência distinguem e tomam como antagônicos.O desenho da criança neste estágio é uma maneira original de ela expressar

    sua concepção de mundo. Neste curso de Licenciatura em Artes, certamente você vai

    estudar o processo de construção do desenho infantil, desde os primeiros rabiscos que

    a criança faz sem uma intenção representativa explícita, até suas produções mais

    sofisticadas.

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    O desenvolvimento da intuição, portanto, não é apenas um passo para a

    construção da lógica, mas um momento que permite à criança olhar o mundo e

    representá-lo sem ter como limite o certo e o errado, mas explorando as possibilidades

    da criação, fazendo-a experienciar a vida como sua autoria, agindo como sujeito

    criativo. E todos nós já vivemos esse momento, não é?As intuições da criança, nos campos cognitivo, afetivo e social, vão se

    articulando e se tornando reversíveis, por meio de assimilações e acomodações, e isso

    muda qualitativamente sua forma de ver o mundo. É o que Piaget analisa no 3º.

    estágio do desenvolvimento psicológico.

    3º. estágio: Estágio das Operações Intelectuais Concretas 

    Neste estágio, há mudanças radicais na estrutura psíquica da criança e no seu

    comportamento.

    Aos sete anos, idade aproximada em que ele se inicia, a criança é capaz de se

    concentrar em trabalhos individuais e de ter um comportamento cooperativo em

    relação a seus colegas. Seu pensamento não se centra mais em aspectos perceptuais

    do estímulo, mas se descentra, permitindo a compreensão dos passos sucessivos de

    transformações concretas ocorridas no ambiente e a construção de operações lógicas.

    Ela distingue seu pensamento do de outra pessoa e é levada a justificar suas

    idéias socialmente. Assim, a linguagem deixa de ser egocêntrica. É capaz, então de se

    envolver em discussões argumentativas, e de fazer reflexões, coordenando os diversospontos de vista a que tem acesso, até chegar a uma construção lógica, por

    assimilações e acomodações.

    Os jogos de regra iniciados no período anterior se tornam mais complexos, o

    que promove assimilações e acomodações de estruturas cognitivas, sócio-afetivas e

    morais. A criança pensa antes de agir, planeja suas atividades, e pode seguir regras

    socialmente colocadas. Afetivamente, desenvolve sentimentos calcados em valores

    racionais, e uma moral, que, embora heterônoma ainda, não é intuitiva, mas leva em

    conta valores como justiça, contrapondo a razão aos desejos.Piaget mostra que antes de se tornar operacional, o pensamento intuitivo se

    articula, por assimilações e acomodações, e a criança apresenta algumas formas de

    explicação para fenômenos naturais, que o epistemólogo suiço constata serem

    semelhantes às concepções que os gregos tinham do universo.

    A criança explica a origem dos astros não mais por uma fabricação

    (artificialismo) humana, como anteriormente, mas por geração natural: o sol e a lua

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    nasceram das nuvens, as nuvens, da fumaça do ar. As pedras são formadas de terra e

    esta da água, por transmutação, de modo semelhante aos filósofos cosmologistas

    gregos a que nos referimos na primeira Unidade. Sobre a origem e formação de

    elementos mais próximos da criança, ela desenvolve uma teoria atomista,

    aproximadamente aos 7 anos, que, embora não constituindo um sistema deexplicação, assemelha-se à escola atomística do filósofo grego Demócrito, que viveu

    no período pré-socrático. Ela acredita que tudo se compõe de pequeníssimas

    partículas.

    Piaget confirma, por experiências, que a criança de aproximadamente 7 anos é

    capaz de raciocinar segundo o princípio de conservação ou permanência.

    Leia o experimento piagetiano abaixo:

    Apresenta-se à criança dois copos de água de formas semelhantes e dimensões

    iguais, cheios até uns três quartos. Em um deles, jogamos dois pedaços de açúcar,

    perguntando, antes, se a água vai subir. Uma vez imerso o açúcar, constata-se o novo

    nível e pesam-se os dois copos, de modo a realçar que a água contendo o açúcar pesa

    mais que a outra. Pergunta-se, então, enquanto o açúcar se dissolve: 1º., se uma vez

    dissolvido, ainda ficará alguma coisa na água; 2º. se o peso ficará maior ou igual ao da

    água clara e pura; 3º. se o nível da água açucarada abaixará até se igualar com o do

    outro copo, ou se permanecerá como está. Pergunta-se o porquê de todas as

    afirmações da criança e, depois de terminada a dissolução, retoma-se a conversa, após

    constatar a permanência do peso e volume (do nível) da água açucarada. As reações

    foram claras e a ordem de sucessão foi tão regular, que se pode extrair destasperguntas considerações diagnósticas para o estudo dos atrasos mentais.

    Crianças menores de 7 anos: negam, em geral, qualquer conservação do açúcar

    dissolvido e, portanto, do peso e do volume. Para elas, o açúcar derreter implica sua

    total exterminação ou desaparição da realidade. Quando perguntadas sobre porque o

    gosto do açúcar permanece, as crianças dizem que ele vai aos poucos desaparecer,

    como um odor;

    Crianças de aproximadamente 7 anos: para estas, o açúcar permanece,

    transformado em água, ou num xarope que se mistura à água; as mais adiantadas,nessa fase, sustentam que o pedaço de açúcar se desfaz em pedacinhos, que se

    tornam cada vez menores, até ficarem bolinhas invisíveis, que dão o gosto açucarado à

    água. Quando desaparecer o gosto, vai abaixar o nível da água, porque desapareceu o

    açúcar;

    Crianças de 9 anos, aproximadamente: a criança acrescenta a esse raciocínio a

    noção de que cada bolinha terá seu peso e, somando todos esses pesos parciais vai-se

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    encontrar o peso dos dois pedaços imersos inicialmente. Entretanto, nesta idade elas

    ainda não desenvolveram a noção de conservação de volume;

    Crianças de 11, 12 anos, generalizam seu esquema explicativo para o próprio

    volume, declarando que as bolinhas ocupam cada uma um lugar, sendo a soma dos

    espaços igual à dos pedaços imersos, de maneira que o nível da água permanece omesmo.

    Essa experiência mostra que a criança, aproximadamente aos 7 anos é capaz

    de compreender racionalmente que a substância permanece, apesar de mudanças

    observáveis. O processo é equivalente àquele que ocorre quando o bebê consegue

    compreender que um objeto existe, mesmo que não esteja em seu campo perceptivo.

    A noção de permanência ou conservação obedece a uma seqüência: primeiro a

    criança reconhece a permanência da substância (o açúcar continua existindo na água),

    depois a de peso (o peso da água permanece, mesmo depois que o açúcar se dissolve)

    e de volume (o nível da água não se altera depois que o açúcar se dissolve).

    Essa noção de conservação é condição para o desenvolvimento do pensamento

    operacional-concreto, a primeira lógica que o indivíduo desenvolve.

    E a noção de conservação ocorre quando o pensamento se torna reversível,

    pelo processo de articulação entre as estruturas intuitivas internas e a organização do

    mundo objetivo.

    Há dois tipos de reversibilidade: a inversão e a reciprocidade.

    Inversão é a capacidade de a criança reverter mentalmente uma ação.

    Reciprocidade ou compensação, é a capacidade de a criança raciocinar e deduzirque a mudança na relação entre as várias dimensões de um corpo, não altera sua

    área, peso ou volume, se não forem alteradas uma dessas dimensões. Este tipo de

    reciprocidade é requerida para resolver problemas de conservação.

    Apresentamos alguns exemplos de experimentos que exigem a capacidade de

    reciprocidade, nos exemplos abaixo:

    Inversão: Apresenta-se a uma criança 3 bolas A, B, e C, do mesmo tamanho,

    mas de cores diferentes. As bolas são colocadas num cilindro na ordem CBA. As

    crianças, ao final do estágio anterior, prevêm, corretamente, que elas aparecerãonessa mesma ordem. Mas, se se gira em 180 graus o tubo, elas continuam predizendo

    a mesma ordem, e se espantam de ver que saem na ordem ABC. A criança operacional

    concreta pode inverter mentalmente a ação, ou realizar uma inversão mentalmente e

    deduzir, racionalmente, a ordem correta, ABC, das bolas, depois da rotação do tubo

    em 180 graus.

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    Reciprocidade ou compensação: Apresentam-se à criança dois copos iguais com

    o mesmo nível de água e 1) se pergunta a ela qual dos dois têm mais água ou se os

    dois têm a mesma quantidade, ela reconhece a igualdade e, 2) na sua frente, coloca-

    se a água de um deles num copo mais alto, refazendo-se a pergunta: então, a criança

    intuitiva, com menos de 7 anos, não vê a equivalência entre eles e afirma que um ououtro (geralmente o mais fino e alto) tem mais água. Aproximadamente aos 8 anos, a

    criança é capaz de desenvolver a noção de conservação de volume referente a

    líquidos. A conservação para volumes sólidos costuma se desenvolver aos 11, 12 anos.

    É importante que compreendamos o sentido dessas conclusões de Piaget:

    •  Esses esquemas de conservação não se desenvolvem da noite para o

    dia, mas após muita experiência do sujeito em que ocorrem assimilações e

    acomodações, com reorganizações dos esquemas construídos mentalmente;

    •  Eles ocorrem numa seqüência invariável: conservação de número (5-6

    anos), de substância (7-8 anos), de área (7-8 anos) de volume líquido (7-8 anos), de

    peso (9-10 anos) de volume sólido (11-12 anos);

    •  Os esquemas de conservação não são ensinados à criança, nem brotam

    independentemente das experiências do sujeito – resultam da relação entre as

    estruturas mentais prévias e os elementos presentes em situações concretas que o

    sujeito vivencia.

    Você deve estar imaginando as mudanças que ocorrem nos esquemas afetivos

    da criança neste período.

    Assim como no nível cognitivo a criança desenvolve a reversibilidade, no nívelafetivo os sentimentos por determinadas pessoas passam a ganhar permanência ou

    conservação (no período anterior, a criança gostava de um objeto ou uma pessoa hoje

    e amanhã já não gostava mais, dependendo da situação experienciada). A criança

    consegue resgatar os sentimentos passados no momento presente e reconhecer o que

    sentiu antes, levando isso em conta no desenvolvimento dos sentimentos atuais. Ela

    desenvolve a capacidade de se colocar no lugar da outra pessoa, imaginar o que esta

    sente e pensa.

    Além disso, os sentimentos ganham reciprocidade: a criança resgata ossentimentos que os adultos expressaram em relação a ela no passado, e passam a

    interagir afetivamente, levando em conta o que o outro sente por ela no momento. Os

    sentimentos dela em relação aos outros e dos outros em relação a ela são construídos

    em interação.

    No nível do desenvolvimento moral, o sentimento de respeito, que antes era

    unidirecional – da criança para com o adulto – passa a ser recíproco.

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    O adulto começa a ouvir mais e a compreender o que a criança tem a dizer e o

    que ela sente e deseja e o respeito mútuo embasa um novo tipo de moralidade, menos

    heterônoma, caminhando progressivamente para um nível maior de autonomia.

    Nesse estágio de desenvolvimento, as crianças freqüentam as séries iniciais do

    ensino fundamental e consolidam suas aquisições do código lingüístico escrito e dasrepresentações matemáticas, sendo introduzidas formalmente no estudo de disciplinas

    que os atualizam em relação às conquistas do pensamento científico.

    Vimos como se inicia o desenvolvimento do pensamento racional, ou das

    operações lógicas, no estágio das operações lógicas concretas: pela construção da

    reversibilidade do pensamento.

    As operações concretas deste estágio são as primeiras que se tornam

    verdadeiramente lógicas. As intuitivas são pré-lógicas.

    O que são operações lógicas? Por que as chamamos de operações lógicas

    concretas?

    São ações que se dão no nível da representação mental, controladas pela

    atividade cognitiva e não pelas percepções; são construídas a partir de estruturas

    anteriores, como uma função de assimilação e acomodação, como todas as estruturas

    cognitivas; são meios de organizar a experiências em esquemas mentais que são

    superiores a organizações prévias.

    As operações são o resultado do processo de constituição de sistemas de

    conjuntos de ações passíveis, ao mesmo tempo, de composição e revisão; supõem

    algum nível de conservação; relacionam-se a sistemas de operações; são reversíveis;apresentam duas estruturas centrais: a seriação e a classificação.

    A seriação consiste na capacidade de organizar mentalmente um conjunto de

    elementos, em ordem crescente ou decrescente de tamanho, peso ou volume. Por

    meio dela, se ordenam objetos de acordo com diferenças.

    Leia a descrição de um experimento de seriação realizado com crianças:

    Apresenta-se à criança um conjunto de aproximadamente 10 varetas com

    variações pequenas mas perceptíveis. Solicita-se que ela ordene as varetas da menor

    para a maior. O examinador pode mostrar uma ordenação já pronta à criança antes depedir que ela construa a sua. As pesquisas de Piaget distinguiram cinco níveis no

    desenvolvimento da seriação do comprimento:

    •  Aos 4 anos: as crianças colocam as varetas em uma disposição sem

    ordem aparente;

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    •  Entre 4 e 5 anos: as crianças constroem pares, contendo cada um

    uma vareta maior e outra menor, sem relações entre os pares; começam a formar

    grupos de 3 varetas, sem nenhuma ordem regular entre eles.

    •  De 5 a 7 anos: as crianças ordenam as varetas de modo a se

    observarem coordenações parciais: podem alinhá-las pela extremidade superior, semlevar em conta o alinhamento da base , ou conseguem ordenar corretamente 4 ou 5

    varetas, mas não todas.

    •  Aos 7/8 anos, as crianças: a) primeiramente seriam todas as varetas,

    empiricamente, corrigindo os erros no processo; b) as crianças empregam uma

    estratégia para resolver o problema, como escolher a maior vareta primeiramente e

    depois buscar a segunda maior, a terceira maior, e assim por diante. Elas podem, até

    resolver o problema com anteparo visual, sem verem o que fazem.

    O processo de seriação se dá, como todos os outros, numa seqüência previsível,

    embora não em idades fixas, por meio de assimilações e acomodações.

    A criança de 8 anos consegue fazer a seriação racionalmente, porque já

    desenvolveu a compreensão da relação (propriedade) de transitividade: se A é menor

    que B e B menor que C, então A é necessariamente menor que C. Assim, toma

    decisões não por testes empíricos, mas por compreensão das relações entre as

    varetas.

    A classificação, que é outra operação lógica desenvolvida neste estágio, é a

    capacidade de agrupar mentalmente objetos, de acordo com as semelhanças.

    Leia este outro experimento:Apresentam-se às crianças conjuntos de objetos (como formas geométricas,

    variando em tamanho e cor) e se solicita a elas que coloquem juntos os objetos que

    são semelhantes. Piaget reconheceu três níveis de desenvolvimento da capacidade de

    classificação:

    •  Crianças de 4 ou 5 anos: tendem a selecionar objetos por semelhanças

    em um aspecto ocasional (ex.: círculo preto com círculo branco; ou triângulo branco e

    círculo branco);

    • 

    Crianças de 7 anos: formam coleções de objetos semelhantes em tornode uma dimensão: classificam pela forma, ou pela cor, sem, entretanto fazer relações

    entre as coleções, sem compreender a relação entre uma classe e uma subclasse.

    Se nesse nível se lhes apresentam 20 contas de madeira marrons e 2 contas de

    madeira brancas.

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    Depois de concordarem que todas as contas são de madeira, se lhes

    perguntamos “Há mais contas de madeira, ou mais contas marrons?”, elas respondem

    que há mais marrons, incapazes de comparar a subclasse de contas marrons à classe

    maior de contas de madeira. Não compreendem o conceito de inclusão de classe.

    Crianças em torno de 8 anos: Já construíram o princípio da inclusão de classe erespondem que há mais contas de madeira. Então, podem classificar objetos

    considerando não as propriedades empiricamente percebidas, mas aquelas

    racionalmente concebidas.

    As crianças capazes de operar classificações racionalmente, são capazes de

    desenvolver o conceito de número, pois este resulta da síntese das operações lógicas

    de seriação e inclusão. Envolve a noção de ordem (seriação) e de pertencimento a

    uma classe (inclusão). O número 5 representa uma posição numa série (depois do 4, e

    antes do 6) e é parte de um conjunto que inclui 1, 2, 3 e 4.

    Neste estágio do desenvolvimento, o conceito de causalidade se desenvolve

    também numa seqüência fixa, como os outros. Um exemplo é a explicação da criança

    de 7 a 12 anos sobre o que ocorre com o açúcar dissolvido no copo de água, como

    vimos anteriormente.

    A construção mental dos conceitos racionais de tempo e velocidade também

    segue uma seqüência, sendo que começam a se desenvolver por volta dos 8 anos de

    idade.

    Em termos de sociabilidade, as crianças deste estágio, que, como vimos,

    desenvolvem a conservação de sentimentos e valores e uma moral de reciprocidade,são capazes de se relacionar com outras crianças e com o adulto em regime de

    cooperação.

    O desenvolvimento de sua autonomia progride, ela é capaz de argumentar

    sobre suas idéias e preferências afetivas e de começar a controlar seus impulsos por

    decisão racional, graças ao sentimento racional da vontade, que corresponde a decidir

    racionalmente e não agir guiado pelas paixões. Começa a se estabelecer, então, um

    equilíbrio paixão/razão.

    O importante é que você se lembre de que todo este processo que vai dopensamento intuitivo às operações racionais ocorre na relação da criança em contato

    com objetos e pessoas em sua concretude. Daí se denominar este estágio Operatório

    Concreto.

    Interessante a forma como a criança pensa, não é? Você teve vontade de fazer

    essas experiências com crianças que conhece? Muitas pessoas fazem isso. É uma boa

    maneira de consolidar sua aprendizagem. Talvez você esteja achando a leitura mais

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    agradável, até agora, já que consegue identificar essas formas de pensamento não só

    em crianças, mas em pessoas de seu convívio. O importante é que você considere que,

    para Piaget, conhecer a maneira como as pessoas pensam, nos vários momentos de

    desenvolvimento, é uma informação essencial, não para julgar suas concepções como

    erradas, mas para conhecermos o momento do processo de construção doconhecimento em que ela se encontra.

    Em termos do ensino-aprendizagem das artes, as crianças, neste estágio,

    começam a classificar eventos e olhar o mundo de acordo com padrões lógicos, o que

    torna suas expressões artísticas mais submissas à expectativa do outro, especialmente

    do adulto. Preocupam-se com a aprovação que sua produção vai ter por parte do

    professor, dos colegas, dos pais e irmãos. Ao escolherem a cor do desenho que fazem

    de alguma figura, como frutas, por exemplo, vão fazer corresponder a cor que

    escolhem com a cor que cada fruta apresenta na realidade: a banana, amarela, a

    maçã, vermelha, a laranja, alaranjada, e assim por diante. Diferente das crianças mais

    novas, que podem pintar o céu de alaranjado, ou a banana de azul, por exemplo.

    Se as crianças falham em corresponder as expectativas dos outros ou elas

    mesmas verificam que seu desenho não se assemelha à realidade, é muito comum que

    comecem a não querer mais desenhar, dizendo “não sei desenhar”, ou “fulano desenha

    bem e eu desenho mal”.

    Até mesmo a expressão corporal, os gestos, a voz da criança, passam a ser

    avaliados por ela mesma e ela espera que seus colegas ou os adultos aprovem ou não

    suas ações, para se sentir segura em repetí-las.Enfim, diferentemente da criança do estágio intuitivo, agora, aproximadamente

    depois dos sete anos, a criança busca se adaptar à forma convencional de ser, de

    desenhar, de cantar, de representar personagens, de agir de um modo geral.

    4º. estágio: Estágio das Operações Formais 

    A partir dos 12 anos, aproximadamente, o pensamento começa a se libertar da

    experiência direta e as estruturas cognitivas se organizam, de modo que o raciocíniose torna lógico e formal, isto é, não depende de processos empíricos, mas de relações

    racionais, operadas mentalmente.

    De concreto, o pensamento passa a ser abstrato, e esta mudança é

    desencadeada por desequilíbrios causados por desafios a que o sujeito se submete em

    suas relações com o mundo físico e social.

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    A criança, ou jovem adolescente, torna-se capaz de raciocinar de forma efetiva

    sobre o presente, o passado e o futuro, assim como sobre questões hipotéticas e

    problemas proposicionais verbais.

    O sujeito se torna capaz de introspecção, consegue pensar sobre seu próprio

    pensamento e sentimentos, como se fossem objetos.A criança operacional concreta só pode raciocinar sobre e resolver cada

    problema isoladamente, sem articulá-lo a outros. O adolescente que desenvolve as

    operações formais desenvolve a capacidade de empregar teorias e hipóteses na

    solução de problemas, usando várias operações intelectuais simultaneamente.

    Embora, então, as estruturas formais lógicas do pensamento emerjam das

    estruturas concretas, por assimilações e acomodações, são qualitativamente diferentes

    dessas, podendo ser de tipo hipotético-dedutivo, científico-indutivo e reflexivo-

    abstrato. 

    Pensamento abstrato é aquele coordenado por princípios gerais, possibilitados

    pelo desenvolvimento das operações formais. As operações formais diferem das

    concretas, na medida em que estas abrangem a solução de problemas palpáveis,

    vividos no presente e aquelas podem se aplicar a problemas hipotéticos, quer eles

    possam vir a ocorrer ou não. As operações formais caracterizam-se pelo raciocínio

    científico, funcionando pela elaboração de hipóteses e teses.

    Para você ter uma idéia do que caracteriza o pensamento abstrato, passamos a

    relacionar abaixo as estruturas desenvolvidas no estágio operacional formal.

    As estruturas de raciocínio desenvolvidas no estágio das operações formais são:

    raciocínio

    hipotético-dedutivoraciocínio

    científico-indutivo

    raciocínio

    reflexivo-abstrato

    Como podemos definir esses tipos de raciocínio?

    Raciocínio hipotético-dedutivo :

    Hipotético: raciocínio que transcende a percepção e a memória e lida com

    objetos dos quais não temos conhecimento direto, ou objetos hipotéticos;

    Dedutivo: raciocínio que vai das premissas à conclusão, ou do geral para oespecífico. Ex.: se A é menor que B, e B é menor que C; então A é menor que C ou

    se (A

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    O indivíduo no estágio operacional formal consegue raciocinar sobre hipóteses,

    como diante da instrução “Suponha que a neve é preta”, enquanto que a operacional

    concreta se recusará a raciocinar, porque isso é falso.

    O raciocínio hipotético-dedutivo não tem compromisso com o mundo empírico e

    é possível se ter um raciocínio lógico correto, independentemente da verdade oufalsidade de seu conteúdo.

    Raciocínio científico-indutivo :

    É o raciocínio que vai de fatos específicos às conclusões. Em ciência se usa este

    raciocínio para se construírem generalizações ou leis científicas.

    Os indivíduos neste estágio são capazes de raciocinar sobre problemas de

    maneira muito semelhante à dos cientistas: formulam hipóteses, experimentam,

    controlam variáveis, registram efeitos e extraem conclusões sistemáticas dos

    resultados.

    Neste estágio, o sujeito realiza o raciocínio combinatório, coordenando seu

    pensamento relativo a diversas variáveis ao mesmo tempo. Ele não baseia seu

    raciocínio na observação, mas vai além dela, e constrói variáveis mentalmente e as

    verifica por experimentação sistemática. Quanto mais o sujeito se desenvolve nesse

    estágio, mais ele é capaz de testar as variáveis sistematicamente na análise

    combinatória: ele isola uma variável e a testa, para depois passar a testar cada uma

    das outras.

    Raciocínio reflexivo-abstrato ou abstração reflexiva:

    É o mecanismo mental utilizado na construção do conhecimento lógico-

    matemático. É um pensamento interno ou reflexão baseada no conhecimento

    disponível, que pode resultar em conhecimento novo. As analogias são abstrações

    reflexivas.

    Ex.: “Cachorro está para pêlo assim como pato está para penas” é um raciocínio

    por analogia.

    O raciocínio analógico é construído quase que exclusivamente independente doconteúdo. Comparam-se relações entre pares. E relações não são observáveis.

    Embora o raciocínio abstrato formal não seja atrelado a dados empíricos há,

    segundo Piaget, alguns conteúdos que só podem ser manipulados racionalmente por

    indivíduos que estejam no estágio operacional formal.

    O adolescente, graças ao pensamento formal, desenvolve mecanismos

    metacognitivos, ou seja, pode refletir a respeito dos próprios processos de

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

    28/36

    pensamento, recuperando os passos seguidos para a solução de problemas. O

    conhecimento do processo de resolução de problemas o capacita a desenvolver

    estratégias mais eficientes diante de novos problemas.

    Acompanhando o desenvolvimento do longo processo de construção da

    cognição, desde os primeiros movimentos e as primeiras percepções do bebê até opensamento lógico abstrato do jovem adulto, compreendemos, por meio do trabalho

    de Piaget, como se desenvolvem as estruturas cognitivas, habilitando o indivíduo a

    agir, sentir, e a pensar o mundo em consonância com o estado mais avançado do

    pensamento científico e formal alcançado pela humanidade.

    Da mesma forma, desenvolve-se o psiquismo do ponto de vista afetivo, social e

    moral.

    Tendo construído as estruturas psíquicas que o habilitam a compreender o

    mundo tal como é, e a construir mentalmente um mundo ideal, habitam este “seu

    mundo” com sua utopia que orientam, também, as construções no nível da

    afetividade. Os adolescentes se identificam com seu grupo etário, contrapõem-se aos

    adultos e aos parâmetros que organizam o funcionamento social e político.

    Um novo mundo, que inclua novos elementos propostos pelos jovens, mais

    humanitários, mais justos, mais voltados para o amor e a busca da igualdade, é

    buscado por eles como a forma “mais logicamente correta” para se viver. Eles fazem

    poucas concessões ao mundo dos pais e autoridades e defendem propostas

    revolucionárias.

    O adolescente se sente em pé de igualdade com o adulto, mas diferente dele,menos conformista, não submisso às determinações dos poderes sociais e políticos.

    Defende a felicidade individual e a social como uma extensão desta.

    A personalidade se consolida na adolescência, orientando-se para o mundo

    social, nas relações do jovem com as outras pessoas, na escola, no trabalho, em seu

    relacionamento afetivo com o/a parceiro/a, visando a futura construção de uma

    família. A moralidade do adolescente conquista um alto nível de autonomia,

    contrapondo-se, inicialmente, à do adulto.

    Nas relações afetivas e morais, o jovem leva em conta as intenções das pessoase não só suas ações, e compreende que é importante ser fiel nas amizades e não

    mentir para as pessoas, ser justo, desenvolvendo uma moral de cooperação, buscando

    a igualdade.

    A adolescência, na teoria de Piaget, portanto, é um momento da vida em que a

    mudança é a tônica: criticando ´o mundo real´ dos adultos, o jovem propõe novas

    formas de organização para a sociedade, novas maneiras de se conceber o amor, a

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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     justiça, a beleza, a liberdade. Até por isso, ele engaja-se em grupos, em gangues, e

    afilia-se a movimentos sociais, políticos, religiosos.

    E o interessante nisso tudo é que não só ele, adolescente, se transforma, fala

    uma nova linguagem, tem comportamentos diferentes, veste-se de forma diferente

    dos adultos, propõe novas formas de relacionamento afetivo-sexual, mas, agindo deformas novas, faz mudarem muitos costumes, valores e comportamentos na

    sociedade. Piaget considera, por isso, que os adolescentes são motores de mudanças

    sociais.

    Em termos da apreensão/produção estética, tanto quanto no campo da ética, os

    adolescentes, conhecendo a maneira de os adultos conceberem o mundo, propõem

    novas perspectivas para o olhar, desenham o mundo segundo seus sonhos, fantasias,

    utopias. Sua produção estética é crítica. Tendo ele já uma visão da lógica do adulto em

    termos de estética, propõe transgressões na poesia, na música, na literatura, na

    pintura, nas artes dramáticas. E, diferentemente das crianças do estágio anterior, eles

    escolhem a cor que usam em seus desenhos e pinturas, que não necessariamente

    correspondem à usada convencionalmente, ou à cor natural das coisas representadas.

    Eles podem, até, recriar as formas, estilizar os objetos, deformá-los. Entretanto, este

    processo - embora seja aparentemente igual ao da criança pequena, que, como

    dissemos, pode pintar o céu de alaranjado, por estar olhando e construindo o mundo

    sem os parâmetros rígidos do mundo adulto, mas por seus próprios critérios intuitivos

    - é um processo consciente e intencional na adolescência, uma recriação do mundo, no

    âmbito da arte.Os adolescentes, como seus heróis, muitas vezes, artistas e poetas que

    desconstroem a lógica adultocêntrica, aceita como a mais correta.

    Exemplo disso são as músicas preferidas dos adolescentes, cujas letras e

    melodias são apreciadas por eles e freqüentemente desqualificadas pelos adultos. Ou

    as pixações de muros, os desenhos com que enchem seus cadernos escolares, as

    tatuagens e piercings que enfeitam seus corpos, seus cabelos excêntricos.

    Você, como educador, vai ter contato com alunos nessa fase de

    desenvolvimento e por isso é importante que pense sobre o sentido que tudo isso tempara eles: na verdade, são pessoas que vivem um momento de formação da

    personalidade, carregado de emoção, e que tentam se inserir no mundo adulto, sem

    perder sua originalidade.

    E o desenvolvimento na idade adulta, como se dá?

    O desenvolvimento na Idade Adulta 

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    Observamos que, comumente, o adulto é mais sociável que o adolescente, mais

    ajustado socialmente, que vive respeitando as leis sociais, mesmo que eventualmente

    as critique e proponha mudanças na ordem estabelecida.

    Podemos, realmente, observar que o adulto critica a sociedade de dentro dela,quer transformá-la para que ela melhore, e o adolescente, no início, ainda egocêntrico,

    fica “com um pé fora”, tentando reformar a sociedade para ela “caber” em seu projeto

    pessoal.

    Na medida em que o jovem se exercita no padrão do pensamento formal e

    abstrato, em contato com a sociedade já estabelecida, ele vai sofrendo a resistência do

    sistema social diante de suas propostas, e vai negociando com as pessoas as

    possibilidades de se adaptar socialmente.

    Por meio de assimilações e acomodações, o adolescente começa um processo

    de ajuste entre suas utopias e as possibilidades de se inserir no mundo adulto de uma

    maneira não submissa, mas propondo modificações.

    Ele, agora, sendo capaz de visualizar várias possibilidades de estar no mundo,

    pode até ser um adulto revolucionário, afiliar-se a partidos, assumindo doutrinas

    políticas e traçando estratégias revolucionárias.

    Da perspectiva do pensamento de Piaget, o desenvolvimento do adulto não

    consiste em mudanças das estruturas típicas de apreensão cognitiva ou de relação

    afetiva – o estágio das operações intelectuais formais e do pensamento abstrato

    alcançado na adolescência, que pode se aprimorar pelo resto da vida, é o mais altonível de desenvolvimento do indivíduo, segundo Piaget.

    O que muda na idade adulta são as formas de lidar com o mundo, articulando

    seu pensamento e sua afetividade, de modo a compartilhar com os outros maneiras de

    agir no mundo – especialmente no trabalho – e de relacionar-se afetivamente –

    especialmente na família e nas relações de amizade.

    Pode-se considerar que esta é a marca do desenvolvimento adulto para Piaget:

    inserir-se no mundo da cultura e da sociedade, fazer trocas cognitivas e afetivas,

    construindo coletivamente o conhecimento e relações afetivo-sociais sólidas, tudo issose consolidando por meio do trabalho.

    Piaget fala do sujeito ideal, constrói um modelo teórico de indivíduo, a partir de

    suas experiências com amostras de sujeitos. Sua teoria, portanto, é um modelo

    científico, baseado numa concepção de ciência construtivista, que não é o retrato do

    mundo empírico, nem uma construção descolada do mundo concreto.

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    Sua teoria guarda relações com o mundo concreto, mas não se resume ao

    mundo. Fala de um sujeito construído a partir de pessoas concretas, mas seu sujeito 

    não é o ser humano concreto. O modelo ideal de desenvolvimento psíquico do sujeito

    do conhecimento é, para Piaget, o do cientista, já que este não só é capaz de construir

    um sistema de teorias explicativas e compreensivas da realidade, mas torna possível aaplicação de suas descobertas para o aprimoramento e o progresso da vida humana.

    Assim Piaget concebe o desenvolvimento dos processos psíquicos ligados à

    cognição, à construção do conhecimento. O desenvolvimento cognitivo é acompanhado

    pelo sócio-afetivo e pelo moral: o indivíduo, na medida em que constrói o mundo

    mentalmente e age nele objetivamente, constrói a si mesmo, inserido neste mundo, e

    desenvolve maneiras de se ligar afetivamente aos outros, de agir segundo sua

    compreensão do que é certo ou errado, justo ou injusto, que são (formas) compatíveis

    com os modos de compreensão intelectual por ele construídos.

    O ideal de indivíduo para Piaget não se resume à forma mais avançada de

    desenvolvimento, mas a cada estágio corresponde um ideal de desenvolvimento: o

    bebê ideal, a criança ideal, o adolescente e jovem ideais, o adulto ideal. Podemos

    acompanhar uma trajetória ideal do desenvolvimento na psicogenética de Piaget, que

    privilegia a construção cognitiva como o motor, como o carro-chefe do

    desenvolvimento global, dela dependendo o desenvolvimento sócio-afetivo e moral.

    Piaget fala, então, de um sujeito ideal, do sujeito construtor do conhecimento, e

    não de pessoas concretas, que lidam com situações contraditórias, com conflitos. Ele

    apresenta um modelo, uma proposta de estruturação do psiquismo. Em cada estágio,entretanto, as formas de pensamento que correspondem aos estágios anteriores não

    desaparecem, mas são reintegradas em sistemas estruturados e lógicos de

    pensamento. Em determinadas situações, o sujeito pode recorrer àquelas formas

    arcaicas de resolver problemas, mas as estratégias mais evoluídas tendem a

    predominar por serem mais adaptativas, ou seja, promoverem maiores condições de

    ajuste sujeito/realidade que as anteriores.

    O sujeito piagetiano é, em seu nível mais avançado de desenvolvimento,

    autônomo. Autônomo cognitivamente, na medida em que é capaz de pensar o mundocriticamente, atingindo um nível de conhecimento compatível com as teorias científicas

    contemporâneas; autônomo afetivamente, pois consegue escolher as pessoas com

    quem se relacionar socialmente e amorosamente; autônomo social e politicamente,

    pois consegue participar da organização social, trabalhar e agir como cidadão;

    autônomo moralmente, pois pauta suas ações pela consideração do dever e do bem

    comum e da felicidade pessoal.

  • 8/17/2019 TEXTO 02 - A Teoria Psicogenetica de Jean Piaget

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    O que realmente é importante na teoria de Piaget é a concepção de que o

    estar-no-mundo e conhecê-lo apresenta variações que são típicas de momentos

    específicos da vida. O desenvolvimento, entretanto, dá-se numa seqüência pré-

    determinada, com uma valorização da dimensão cognitiva, graças à qual as estruturas

    psíquicas relacionadas às relações sócio-afetivas e morais se desenvolvem.Para Piaget, não se ensina uma pessoa, tenha ela qualquer idade, a ser

    inteligente, a amar e respeitar os outros, e a viver em sociedade. Cada indivíduo se

    desenvolve neste sentido, a partir de potencialidades típicas do humano, enraizadas

    nas suas estruturas biológicas básicas, que se atualizam ou realizam em estruturas

    psíquicas, nas suas relações com seus semelhantes. É muito importante para o

    desenvolvimento que o indivíduo se relacione com os outros, vá à escola, conviva

    socialmente, e, a partir daí, promova assimilações e acomodações em suas estruturas

    psíquicas.

    Talvez possa ser útil mencionarmos, aqui, as idéias de estudiosos do

    desenvolvimento psicológico que têm se dedicado ao estudo do desenvolvimento

    adulto, no esforço de compreender se há indícios de mudanças na sua forma de

    conceber o mundo, de relacionar-se com os outros e de agir. Consideram que o

    pensamento formal não é o último estádio de desenvolvimento cognitivo. Ponderam

    que Piaget deu bastante ênfase à lógica matemática na resolução de problemas,

    considerando essa capacidade lógica como necessária e inerente ao pensamento

    formal. Consideram que a cognição na vida adulta está muito mais ligada a questões

    pragmáticas da vida real, e que os adultos geralmente procuram