tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

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1 TEMPO DE LAZER: CINEMA E CULTURA POPULAR NO COTIDIANO PRATENSE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX Ivanilda Aparecida Andrade Junqueira 1 Entender as concepções e significados do lazer tem sido um desafio no debate acadêmico devido à falta de consenso que existe sobre o assunto. Inicialmente, é importante ressaltar a relação existente entre lazer e cultura, pois, segundo Dumazedier 2 , muitas das atividades designadas como lazer passam por minifestações de cultura e se encontram ligadas às tradições, modos de vida e saberes partilhados por determinada sociedade. Neste sentido, a concepção de cultura a se considerar deve ser percebida numa realidade concreta enquanto cultura de massas, que também pode ser compreendida como Industria Cultural, constituída após o fim da Guerra Fria, principalmente pelo desenvolvimento da tecnologia e a transformação dos meios de produção na segunda revolução industrial, e Cultura Popular cujo termo se remete às manifestações coletivas, tais como o carnaval e as festas religiosas. Outro aspecto a ser considerado é o modo como se dedica o tempo ao lazer. Em “O Prazer Justificado História e Lazer”, Denize Bernuzzi de Sant‟Anna, discorre sobre a disciplinarização que ocorreu no modo de organização do tempo livre do trabalhador. Segundo Sant‟Anna, a questão da utilização do tempo livre para o lazer é uma reivindicação antiga da classe trabalhadora, que, na maioria das vezes, é atingida pela redução desse tempo, ocasionada pelas fraudes às leis que lhes assegurava esse direito. Ela salienta que, além da redução do tempo livre, o arrocho salarial também é uma das causas responsáveis pelo acesso de poucos às férias, ao lazer, transformando-os em artigos de luxo, essa redução tende a inserir o tempo livre no terreno do sonho, da utopia e envolvê-lo numa aura atraente e redentora; transforma-se num tempo ansiosamente esperado na medida em que é massacrado pelo tempo de trabalho. Por conseguinte, a redenção de todos os sacrifícios pelo tempo livre e pelo usofruto do lazer tem como contraponto a identificação do trabalho a tudo aquilo que é rotineiro, penoso, obrigatório, já que neste se torna cada vez mais difícil Ter prazer e, por isso, muito mais comum adiá-lo e depositá-lo no tempo livre. 3

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Page 1: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

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TEMPO DE LAZER: CINEMA E CULTURA POPULAR NO COTIDIANO

PRATENSE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Ivanilda Aparecida Andrade Junqueira1

Entender as concepções e significados do lazer tem sido um desafio no debate

acadêmico devido à falta de consenso que existe sobre o assunto. Inicialmente, é

importante ressaltar a relação existente entre lazer e cultura, pois, segundo Dumazedier2,

muitas das atividades designadas como lazer passam por minifestações de cultura e se

encontram ligadas às tradições, modos de vida e saberes partilhados por determinada

sociedade. Neste sentido, a concepção de cultura a se considerar deve ser percebida

numa realidade concreta enquanto cultura de massas, que também pode ser

compreendida como Industria Cultural, constituída após o fim da Guerra Fria,

principalmente pelo desenvolvimento da tecnologia e a transformação dos meios de

produção na segunda revolução industrial, e Cultura Popular cujo termo se remete às

manifestações coletivas, tais como o carnaval e as festas religiosas. Outro aspecto a ser

considerado é o modo como se dedica o tempo ao lazer.

Em “O Prazer Justificado – História e Lazer”, Denize Bernuzzi de Sant‟Anna,

discorre sobre a disciplinarização que ocorreu no modo de organização do tempo livre

do trabalhador. Segundo Sant‟Anna, a questão da utilização do tempo livre para o lazer

é uma reivindicação antiga da classe trabalhadora, que, na maioria das vezes, é atingida

pela redução desse tempo, ocasionada pelas fraudes às leis que lhes assegurava esse

direito. Ela salienta que, além da redução do tempo livre, o arrocho salarial também é

uma das causas responsáveis pelo acesso de poucos às férias, ao lazer, transformando-os

em artigos de luxo,

essa redução tende a inserir o tempo livre no terreno do sonho, da utopia e envolvê-lo numa aura atraente e redentora; transforma-se num tempo

ansiosamente esperado na medida em que é massacrado pelo tempo de trabalho.

Por conseguinte, a redenção de todos os sacrifícios pelo tempo livre e pelo usofruto do lazer tem como contraponto a identificação do trabalho a tudo

aquilo que é rotineiro, penoso, obrigatório, já que neste se torna cada vez mais

difícil Ter prazer e, por isso, muito mais comum adiá-lo e depositá-lo no tempo livre.

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Sant‟Anna argumenta que, à medida que o prazer é banido do tempo de trabalho,

a expectativa em torno dos finais de semana e férias aumenta devido à busca por um

“lugar de direito” para se expressar, associando o prazer à idéia de liberdade, sendo o

mesmo considerado como uma recompensa pelo esforço desempenhado no dia-a-dia.

Contudo, é importante ressaltar que, esse direito ao lazer só alcança aquele trabalhador

remunerado, pois, a dona de casa que trabalha sete dias por semana não é reconhecida

como trabalhadora e, portanto, o lazer não é considerado um direito seu.

No entanto, segundo essa autora, o resultado de pesquisas realizadas em torno do

tempo livre do trabalhador vêm demonstrar que um outro fator interfere quanto à

ausência do mesmo em clubes de campo, colônias de férias; pois, além da falta de

tempo, é preciso lidar ainda com a falta de dinheiro e as péssimas condições econômicas

da maioria assalariada na década de 1960. Nessa época, ocorre uma tentativa da classe

patronal em disciplinarizar o lazer, procurando corrigir e formar o trabalhador

organizando a maneira com o mesmo usa o seu tempo livre. Sant‟Anna destaca duas

tecnologias de poder diferenciadas; aquela que se recusa a investir no campo do lazer e,

conseqüentemente, é considerada como inimiga dos interesses e direitos do trabalhador;

a outra, a que promove o lazer tornando o trabalhador um aliado do sistema produtivo.

Em ambas é perceptível a lógica da produtividade.

No capítulo II, “Os perigos e a salvação do lazer”, a autora cita a reflexão do

sociólogo Renato Requixa, discordando do mesmo e, salienta que o salário dos

trabalhadores não combina com a situação apontada por Requixa. Argumenta quanto à

questão do tempo livre, quando existe, ser utilizado na realização de um outro tipo de

serviço ou com um transporte difícil, muito comum nas grandes cidades. Isso se

comprova pela “febre de consumismo” proveniente da alta produtividade decorrente do

desenvolvimento tecnológico. Quando nos reportamos a algumas décadas atrás,

notamos que o homem possuía hábitos diferentes.

Tomando como referência a cidade de Prata, interior de Minas Gerais, e fazer

uma retrospectiva das últimas décadas, é possível acompanhar as transformações no

cotidiano dos seus habitantes levando em consideração a influência que os avanços

tecnológicos exerceram no seu desenrolar. Desses adventos, o mais marcante em minha

memória foi a televisão. Antes que a primeira fosse instalada na cidade, o lazer era

diversificado. O cinema que se localizava na Praça XV de Novembro encontrava-se

sempre lotado nas sessões de final de semana; os passeios pelas calçadas da praça

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adquiriam um sabor especial para rapazes e moças que aproveitavam esses momentos

para entabularem uma conversa, ou mesmo um romance. Durante uma determinada

época, o passeio ideal se definia com o ir e voltar de uma esquina a outra na calçada do

cinema e, por isso, ao definir o local de encontro com amigos, alguém logo respondia:

“na porta do cinema!”

Quanto às festas religiosas que se realizavam na Igreja Matriz, localizada na

praça citada anteriormente, lembro-me da população da zona rural, chegando à cidade

com o intuito de participarem das procissões e barraquinhas. Esperávamos ansiosos pela

chegada dos tios e primos, os quais traziam sempre na “capanga” um queijo saboroso ou

um pote de doce com o qual nos regalávamos em poucos minutos. Então, a cidade, de

pacata que era, transformava-se num grande alvoroço.

No meu bairro, o lazer resumia-se aos programas de rádio, às conversas na porta

de casa, às brincadeira das crianças na rua iluminada parcamente pela energia gerada

por um grande e barulhento motor. Além disso, todas as noites, participávamos de uma

diversão muito especial; nos reuníamos sempre no alpendre do “Seu João Júlio”, um

velho inventor de cabelos grisalhos, para ouvi-lo tocar sua “sanfona” espalhando sons

alegres pelos arredores. Foi, na casa desse senhor “iluminado”, instalado o primeiro

aparelho de TV do bairro. O evento transformou-se numa grande festa. Quase toda a

vizinhança acorria todas as tardes para a sala não muito grande desta casa, e, silenciosa,

assistia aos filmes e novelas preferidos tomando o partido dos personagens

protagonistas e defendendo-os como se fossem reais.

Com o passar do tempo, “Seu João Júlio”, fez uma coisa inusitada. Construiu um

salão enorme e o encheu com bancos que ele mesmo reciclava em sua oficina de

inventor, somente para que os “espectadores” que freqüentavam sua casa, assistissem

aos programas mais comodamente.

Pouco a pouco, o acesso à TV se estendeu à maioria das pessoas e, hoje, é

praticamente impossível que exista na cidade, uma única casa que não a possua. Em

relação a esse fato, pode-se dizer que os hábitos das pessoas de meu bairro, começaram

a mudar no momento em que a TV foi ligada na casa de “Seu João Júlio”, pois, o

tempo livre da maioria das pessoas começou a ser utilizado com os programas

televisivos que, diferentemente daquela época, hoje são exibidos vinte e quatro horas

por dia. As festas religiosas, não possuem mais o “glamour” de antes, a praça,

anteriormente palco dos passeios domingueiros, eventos políticos, se transformou no

decorrer dos anos. Já não sentam-se mais em seus bancos, os engraxates à espera de

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clientes; as pessoas se utilizam de suas calçadas apenas para cortar caminho e chegarem

mais rapidamente ao seu destino. Seu espaço foi reapropriado com barracas comerciais,

característica predominante do trabalho informal autônomo.

No entanto, as lembranças dos moradores da cidade, nos contam um pouco da

história de suas práticas de lazer na Praça XV.

1 – CINE PRATA: FANTASIA, ILUSÃO E SOCIABILIDADES

Nas décadas de 1940 e 1950, as salas de cinema passam a ocupar um lugar de

destaque no cotidiano dos brasileiros e, em Prata, tais salas foram eleitas como núcleos

de encontro e sociabilidade. Além dos filmes, da variedade de enredos, dos astros e

estrelas; havia ainda a possibilidade do encontro com os amigos, o footing antes do

início da seção e isso acabava por atrair um grupo considerável de pessoas. Segundo

Luziano Macedo Pinto:

Geralmente as cidades, das maiores às menores, elegem os seus núcleos de

encontro e sociabilidade. Nestes locais reúnem-se elementos das mais variadas

classes sociais. Estes pontos variam de acordo com determinada época, mas ficam na memória das pessoas, pois retratam uma fase de sua história. No

entanto, estes locais mudam com o desenvolvimento destas cidades.4

Em seu artigo, Pinto trata da influência que as salas de cinema exerceram no

cotidiano da sociedade uberlandense nas décadas de 30, 40 e 50, salientando que os

cinemas contribuíram, de maneira significativa, para a divulgação de novas formas de

comportamento, novas maneiras de se vestir, colocando o espectador em contato com

um “mundo novo”. Na cidade do Prata, o advento do cinema apresentou características

semelhantes às enunciadas pelo autor e para entender um pouco a sua importância no

cotidiano da sociedade pratense, apoiei-me nas palavras de Walter Benjamin que diz:

Uma das funções sociais mais importantes do cinema é criar um equilíbrio entre o homem e o aparelho. O cinema não realiza essa tarefa apenas pelo modo

com que o homem se representa diante do aparelho, mas pelo modo com que ele

representa o mundo, graças a esse aparelho. Através dos seus grandes planos, de sua ênfase sobre os pormenores ocultos dos objetos que nos são familiares, e de

sua investigação dos ambientes mais vulgares sob a direção genial da objetiva, o

cinema faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que

determinam nossa existência, e por outro assegura-no0s um grande e insuspeitado espaço de liberdade.

5

Segundo Benjamin, após a invenção do cinema, o espaço em que o homem agia

conscientemente foi substituído por outro em que sua ação é inconsciente. Ao assistir os

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filmes, o espectador cria uma relação de interação em que o seu cotidiano se mistura ao

que acontece na tela. Ele, algumas vezes, assume o papel desempenhado pelo intérprete:

É diante de um aparelho que a esmagadora maioria dos citadinos precisa alienar-se de sua humanidade, nos balcões e nas fábricas durante o dia de

trabalho. À noite, as mesmas massas enchem os cinemas para assistirem a

vingança que o intérprete executa em nome delas, na medida em que o ator não

somente afirma diante do aparelho sua humanidade (ou que aparece com tal aos olhos do espectador, como coloca esse aparelho a serviço de seu próprio

triúnfo.6

O cinema, ao ser instalado na cidade do Prata, proporcionou à sociedade da

época, entrar em contato com os hábitos de outras culturas, como por exemplo, o modo

do vestuário, os grandes bailes de gala, as músicas que eram ouvidas, e procurava

assimilá-los adaptando-os à sua realidade. O primeiro cinema da cidade foi instalado à

Rua Presidente Antônio Carlos acerca de um quarteirão da Praça XV de Novembro, por

volta da década de 1930:

Era o Cine Santa Helena. Ele não tinha aquela inclinação porque o prédio não

havia sido construído com esse propósito. Mas foi lá que o povo começou a gostar de cinema. Os filmes eram mudos. Começou com o cinema mudo, depois

veio o cinema falado. O movimento todinho era ali na Presidente Antônio

Carlos. Lá fora tinha um barzinho... era muito amplo! Muitos filmes bons a

gente assistiu ali. O povo do Prata era assim: eles iam para a primeira seção no

Cine Santa Helena... corriam depois para a seção do Cine Prata e vice-versa. O

povo, então ficava pra lá e pra cá. Tudo por causa do cinema... pra você ver como o povo do Prata adorava cinema!

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Até a década de 1940, o Cine Santa Helena era o único cinema da cidade:

Quando o cinema era lá embaixo, nois ia lá para a porta e ficava lá. Se quisesse

namorar era só escorar lá na porta e ficar lá, esperando as moças passar pra lá,

pra cá... pra lá, pra cá... Daí um pouco elas interessavam nocê e vinham

chegando... chegando... e logo a gente convidava para fazer vai e vem. Eh! Mas era bão! Só que ninguém podia pegar na mão, não! Mesmo as moças daquela

época, não podia sair de casa dia de semana, não. Os velhos não deixavam. E

para sair tinha que ser só no sábado e no domingo e só se fosse acompanhada. Era uma beleza, viu, naquele tempo! Agora acabou tudo. Tinha também os

seriados que passavam de noite e na matinê. Era cada aventura gostosa...8

Essas palavras, para mim, são especiais, pois partiram de um contador de casos

inveterado. Desde criança ouço suas histórias e nunca me canso. Trata-se de meu pai. A

beleza com que as conta atrai, além de mim, várias pessoas que ao vê-lo sentado no

“tronco” colocado na esquina de sua casa, param apenas para ouvi-lo. O seu relato nos

leva a perceber que as pessoas que freqüentavam o cinema, não pertenciam apenas às

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classes mais altas, pois ele era um trabalhador de origem simples, mas também se

interessava pela cultura..

Segundo os depoimentos, percebendo o interesse da população, a qual dedicava

boa parte de seus finais de semana assistindo aos filmes exibidos pelo Cine Santa

Helena, um grupo de irmãos resolve, na década de 1940, iniciar a construção de um

prédio com todos os requisitos exigidos para a instalação de um cinema digno de

receber aquela clientela. Os irmãos, Alor, Frausto, João Edson e Zoraide Melo, com

espírito empreendedor, dão início à construção do Cine Prata, na face oeste da Praça XV

de Novembro.

Ilustração23: Fotografia do Cine Prata produzida na década de 1950. Fotógrafo desconhecido.

Acervo: DEC.

A imponência dessa construção, ressaltada por alguns dos depoentes, pode ser

observada na ilustração 23. O design do prédio apresenta um telhado de quatro águas e

uma fachada suntuosa ornamentada por relevos e marquizes que se justapõem em

horizontalidades e verticalidades. Constatamos que o referido prédio se destaca dos

demais revelando uma nítida separação entre ele e aqueles que se localizam ao seu

redor, principalmente por contar com dois pavimentos. No piso térreo funcionava a

bilheteria, o bar e uma sala de espera que dava para o grande salão onde ficava a tela e a

platéia. No piso superior ficava a sala de projeção. Em frente percebe-se a rua com

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calçamento de paralelepípedos denotando a ausência do asfalto, técnica já utilizada em

outras cidades da região.

Partindo para a observação daquilo que se encontra presente e ausente na

fotografia, notamos que no momento do registro fotográfico nenhuma pessoa compunha

a paisagem retratada, o que nos levou a pensar nas reais intenções do fotógrafo no

momento da produção. Nesse sentido, Benjamin salienta que ao excluir o homem da

fotografia, o valor de culto, decorrente da saudade consagrada aos amores ausentes ou

defuntos, tende a diminuir ocorrendo a sua superação pelo valor de exposição.9 Então, o

objetivo buscado pelo fotógrafo com tal exclusão seria evidenciar a suntuosidade do

edifício do Cine Prata? Existiria algum propósito político norteando a sua prática? Para

Benjamin, esse processo de exclusão foi radicalizado quando Atget fotografou:

as ruas de Paris, desertas de homens, por volta de 1900. Com justiça, escreveu-

se dele que fotografou as ruas como quem fotografa o local de um crime. Também esse local é deserto. É fotografado por causa dos indícios que ele

contém. Com Atget, as fotos se transformam em autos no processo da história.

Nisso está a significação política latente. Essas fotos orientam a recepção num sentido predeterminado. A contemplação livre não lhes é adequada. Elas

inquietam o observador, que pressente que deve seguir um caminho definido

para se aproximar delas.10

Por meio desse processo, o receptor recebe instruções que lhe indica caminhos

sem importar se são verdadeiros ou falsos. Já a teoria exposta por José Mattoso ao falar

dos monumentos históricos que pretendam exaltar o passado nos leva a perceber que ele

considera a paisagem como documento, referindo-se às marcas que o homem tem

deixado nela e enfatiza a importância de se examinar essas marcas. Para ele, na

paisagem urbana, os vestígios temporais são mais facilmente perceptíveis; então,

poderemos utilizar a fotografia como fonte documental quando ela retrata edifícios,

praças, ruas e casas da cidade que formam a paisagem urbana.

Nesta paisagem, a figura humana está presente, mesmo que apenas por

abstração, ou seja, mesmo que apenas na imaginação, pois, essa presença pode ser

sentida por meio das ações do homem na construção do meio em que vive e que surge

documentada sob a ótica do fotógrafo. Através da fotografia dessa paisagem, será

possível fazer uma análise do cotidiano das pessoas na época em que determinadas

fotografias foram produzidas.

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O Cine Prata não atraiu a clientela apenas por causa dos filmes exibidos, mas

também por essa sofisticação que o fotógrafo tornou visível na ilustração 23, o que pode

ser comprovado pelas palavras de Ana Augusta:

Nossa, como era bonito, viu? O Cine Prata era “chic”. Havia uma cortina que

abria lentamente, porque naquela época valia a pena ir ao cinema. Na sua inauguração foi exibido aquele filme... O Corcunda de Notre Dame. Não sei se

vocês se lembram ou já ouviram falar. Foi o primeiro lançamento dessa história.

O cinema era muito bonito pra época e ficava ali na Praça que ainda se chamava Fernando Terra. Depois, todo domingo, a gente passeava na praça após a retreta.

Por volta das sete horas mais ou menos, começava a música no Cine Prata. Eles

faziam uma programação de auto falantes... parecia rádio. Ofereciam músicas

em data de aniversário, recados amorosos... essas coisas. Então, a gente ouvia essa música..., era um tempo muito gostoso... Eram boleros, eram peças muito

bonitas que a gente escutava. Depois, quando batia um gongo, ia começar a

seção de cinema, né? Logo eles punham uma outra música, eu me lembro bem... uma era o Barbeiro de Sevilha, outra era a Rapsódia Húngara número dois...

depois começava a seção de cinema. Era muito gostoso... Fazíamos o “footing

na porta do cinema... Isso era no nosso tempo de quinze anos. A gente passeava pra lá e pra cá... os rapazes ficavam na calçada ou na rua, porque ali era

impedido o trânsito naquele trecho. Então a gente passeava... era um quarteirão

só... pra lá e pra cá... ouvindo as músicas que tocavam no Cine Prata e as moças

flertando com os rapazes... era muito interessante!11

Analisando a narrativa de Ana Augusta e do Sr. Osvaldo quando falam do

“footing”, podemos perceber que houve uma transferência de local para a prática de tal

hábito. À medida que a clientela do Cine Santa Helena era atraída para o Cine Prata,

esse passeio de vai e vem também se deslocou, passando a acontecer na Praça XV de

Novembro.

Além de exibir, em sua maioria, filmes americanos e europeus, o salão do Cine

Prata também se prestava a outra função, a de palco para vários shows contratados pela

prefeitura ou por particulares. Um dos mais comentados foi a apresentação de um grupo

haitiano com uma orquestra de tambores. Mas não eram os instrumentos tradicionais,

eram tambores parecidos com aqueles que servem para armazenar gasolina. Segundo

Ana Augusta era uma orquestra maravilhosa. O tambor era adaptado de forma que cada

um, dependendo da saliência que possuía; um amassado maior outro menor; produzia

uma nota musical e emitia um som diferente. “Era um amassadinho que davam na

tampa do tambor... eles penduravam aquela tampa no pescoço e tocavam. E como

tocavam tão bem!”12

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Na década de 1970, sob a influência dos festivais de música popular que

acontecia no Rio de Janeiro e em São Paulo, por vários anos o palco do Cine Prata

abrigou inúmeros candidatos que lá iam mostrar os seus dons musicais.

Nós tivemos também o prazer de fazer o festival de música inédita, o FECAP,

Festival da canção Pratense. Estes festivais eram influenciados por aqueles que aconteciam no Rio e em São Paulo. Aqueles festivais em que se apresentaram

Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, dentre outros. Essa influência se

estendeu pelo Brasil inteiro. Eu me lembro também que nós conseguimos formar um grupo de músicos... eu não participei, mas tive o prazer de vê-los se

apresentarem no festival do Chapadão em Uberaba no ano de 1967. Nós

tivemos um grupo musical pratense se apresentando num festival da canção de

Uberaba! Pra nós foi motivo de muito orgulho! Esse grupo era liderado pelo Carminho do Ismar e foi organizado apenas para participar deste festival.

Valeram a pena estes festivais. Hoje o Carminho é um músico respeitado dentro

de Goiânia onde reside.13

O relato de Cleanto ressalta que não apenas a influência externa era importante,

mas quando alguém da cidade se sobressaía fora de seu âmbito, havia um certo orgulho

por parte de seus conterrâneos. Era importante levar, segundo eles, o nome do Prata

para fora de sua fronteiras, principalmente na área cultural.

O Cine Prata foi desativado na década de 1980. Novos usos foram atribuídos ao

seu espaço. Onde outrora se realizavam eventos culturais, hoje funciona a instituição

financeira Bradesco. Sua fachada foi descaracterizada e em momento algum se falou na

sua restauração ou preservação, mesmo que, como disse Françoise Choay14

ao se

reportar às palavras de Ruskin, a arquitetura seja o único meio que dispomos para

conservar vivo um laço com o passado ao qual devemos nossa identidade, “e que é

parte de nosso ser”. Ao interrogar os monumentos, Ruskin prefere uma abordagem

afetiva considerando que o passado é definido pelas gerações humanas que nos

precederam. Ora, podemos dizer então, que ao tomarmos contato com o que viram e

tocaram as gerações desaparecidas existe a possibilidade de nos comunicarmos com

elas. Mas, esse pressuposto citado pela autora não deve ser considerado como verdade

absoluta, pois nem sempre as lembranças necessitam de objetos palpáveis para vir à

tona. Um cheiro ou um som, também são responsáveis por despertar nosso

subconsciente. Contudo, se considerarmos as políticas preservacionistas adotadas no

país, nos deparamos com uma série de dificuldades. Quando se trata de dar uma nova

destinação aos edifícios antigos mantendo sua originalidade:

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os trabalhos de infra-estrutura exigem uma competência técnica especial e têm

um custo às vezes proibitivo. É por isso que é difícil garantir que a

reutilização seja rentável, o que em geral só se consegue em prejuízo da funcionalidade. Neste caso, resta apenas uma casca vazia de seu conteúdo por

“curetagem”: procedimento discutido quando se trata de preservar a morfologia

de uma malha urbana; procedimento inadmissível quando se resume ao sacrifício das estruturas e o ambiente interno de um edifício.

15

Outro fator agravante quando se trata da preservação de edifícios particulares é

que, se tombado pelos órgãos públicos, a sua conservação fica a cargo do proprietário.

Sendo assim, não há interesse de sua parte quanto ao fato de sua propriedade ser

considerada de valor histórico, portanto passível de ser tombada e, desse modo, ela não

lhe renderia os dividendos que obtém ao alugá-la a terceiros ou destinar-lhe novos usos.

A especulação imobiliária passa a orientar os modos de utilização dos edifícios

que se localizam nas áreas mais movimentadas das cidades. Mesmo que eles possuam

um valor histórico expressivo constatamos que não existe, por parte do poder público,

nenhum interesse em destinar verbas para a preservação de tais edifícios; a não ser

quando a valorização do patrimônio histórico representa um empreendimento lucrativo.

As cidades históricas de Minas Gerais são um exemplo disso e sua fonte de renda

firma-se nas atividades relacionadas ao turismo. O que não devemos esquecer, de

acordo com Lia Mota , é a maneira como o IPHAN desde a sua fundação até a década

de 1960 selecionou:

o que e como preservar nas cidades brasileiras, influencia até hoje as políticas públicas, no que se refere ao urbanismo, e o entendimento que as comunidades

urbanas e os cidadãos têm sobre o valor das cidades como patrimônio. Essa

atuação leva à valorização das cidades pela uniformidade de seus aspectos estilísticos e fortalece o discurso das que vêem seus interesses comprometidos

pela preservação urbana, aqueles a quem interessa a transformação de áreas

históricas em produtos de consumo. Tais enfoques prevalecem em detrimento de outras propostas que têm como alvo trabalhar áreas do ponto de vista da

história urbana, com fontes de conhecimento e identidades, independente de

julgamento sobre a estética dos imóveis.16

Devemos nos lembrar que a escolhas das cidades mineiras como parâmetro para

as práticas preservacionistas buscava construir uma imagem que representasse o Brasil

como uma nação moderna durante o governo de Getúlio Vargas a partir da década de

1930. Segundo a autora, ao distinguir com uniformidade o tratamento que é dado às

cidades:

contrapõe-se a outras possibilidades de preservação ao desconsiderar as cidades como processo social e historicamente construído, como espaços que acumulam

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11

vestígios culturais no seu processo permanente de reapropriação social e como

lugares que adquirem valor simbólico, referências culturais das comunidades

que as habitam, independente das características estéticas.17

Assim, mesmo que a preservação do Cine Prata tenha sido um desejo daqueles

que o freqüentaram como demonstra o depoimento de Maria Augusta: “eu acho que o

Cine Prata era um prédio que deveria ter sido preservado... que fosse utilizado para

outra função... ele lembra um tempo muito bom na vida de todos nós!”.18

a sua

preservação, segundo as políticas de preservação praticadas no país, só seria uma

realidade se ela representasse retorno financeiro aos investidores. Neste caso, optou-se

pelo aluguel do imóvel.

2 - SONHOS E “GLAMOUR” NAS NOITES DO PRATA CLUB.

Em dez de fevereiro de 1933, realizou-se uma reunião nos salões do Grupo

Escolar onde foi discutido e aprovado o projeto de estatutos sociais apresentado pela

comissão encarregada da fundação e instalação do Prata Club.

O prédio em que provisoriamente se instalará a nova sociedade já passou pelas

reformas e adaptações necessárias de modo que, antes mesmo da cerimônia de inauguração, que se pretende levar a effeito no dia vinte e seis do corrente, elle

já poderá ser freqüentado pelos sócios. O número de sócios fundadores, cujas

vantagens, aliás, não são de se desprezar, é bem animador, havendo muitos

deles, adiantado várias mensalidades, para que o Prata Club possa fazer frente às despezas iniciais.

19 (sic.)

Começa assim a história de mais um dos prédios que compõem o entorno da

atual Praça XV de Novembro. Inicialmente as reuniões sociais se realizavam nos salões

do Grupo Escolar Noraldino Lima por falta de um prédio que abrigasse a sede da

entidade. Para satisfazer a sociedade da época. Em um outro editorial publicado em

26/11/1936, e que descreve a festa ocorrida em 18/11/1933, nos é proporcionada uma

idéia de como se comportava tal sociedade:

...Foi inteiramente correspondida a expectativa com que a aguardava a

sociedade pratense, pois a elegante reunião constituiu, por todos os títulos, a

nota de arte e de distinção deste fim de anno. Numerosa e distincta, a assistência que a ella acorreu. Felizes e encantadores os números de declamação e canto, a

cargo de senhoritas da nossa sociedade. Brilhante a palestra literária de que se

encarregara o sr. Dr. Garibaldi de Mello Carvalho. Animado e encantador o

sarau dançante. [...] A seguir, a senhorita Helena Novaes Costa declama com expressão “Carinhos” versos de Menotti Del Picchia. A senhorita Meiga

Mazzaro canta “Rubis”, acompanhada pela orquestra. A senhorita Aracy Franco

declama “Descrença”, os lindos versos de Ana Amélia e a senhorita Zilá Vilela Junqueira “Confissões de Amor”de Aristeu de Andrade.

20 (sic.)

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12

Em 1934, a sede do Prata Club que se localizava à Av. Major Carvalho, desloca-

se para um prédio totalmente remodelado situado na Praça Fernando Terra. Conforme a

pesquisa se desenvolvia, fui descobrindo fontes e documentos referentes a esse mesmo

assunto em diferentes locais. Inicialmente foram-me doadas algumas fotografias e uma

delas me chamou a atenção (ilustração 24). Conforme os depoimentos, é uma fotografia

que retrata várias pessoas à porta do prédio da prefeitura aguardando o desfecho de uma

corrida de carros ocorrida em 1938.

Era, então, o período do Estado Novo de Getúlio Vargas. Por meio da análise de

determinados elementos da fotografia21

foi possível reconhecer sua relação com uma

outra fonte encontrada posteriormente: um artigo no jornal “Cidade do Prata” publicado

em 13/11/1938.

Ilustração24: Comemorações de um ano do Estado Novo – 1938. Fotógrafo desconhecido.

Acervo: DEC

A imponência dessa construção, ressaltada por alguns dos depoentes, pode ser

observada na ilustração 23. O design do prédio apresenta um telhado de quatro águas e

uma fachada suntuosa ornamentada por relevos e marquizes que se justapõem em

horizontalidades e verticalidades. Constatamos que o referido prédio se destaca dos

demais revelando uma nítida separação entre ele e aqueles que se localizam ao seu

redor, principalmente por contar com dois pavimentos. No piso térreo funcionava a

Page 13: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

13

bilheteria, o bar e uma sala de espera que dava para o grande salão onde ficava a tela e a

platéia. No piso superior ficava a sala de projeção. Em frente percebe-se a rua com

calçamento de paralelepípedos denotando a ausência do asfalto, técnica já utilizada em

outras cidades da região.

Tal artigo trata das festividades organizadas pela diretoria do Prata Club para

comemoração do primeiro ano do Estado Novo e relata passo a passo o programa de

atividades elaborado para a ocasião. É inaugurada nos salões do Prata Club um retrato

do Presidente Getúlio Vargas.

Ao observarmos a referida imagem, podemos ver exposto em evidência, no

ponto de chegada, à porta da antiga prefeitura, outro retrato do Presidente. As pessoas

que se encontram em cima do palanque improvisado, denotam pertencer ao corpo

administrativo da cidade. Outros se posicionam mais distanciados. A ausência da

mulher no grupo fotografado demonstra a sua exclusão da cena política e do ambiente

dominado por homens. Elas permanecem à distância e aparecem em segundo plano na

cena registrada. Segundo Carrijo, “sua presença quase sempre imperceptível, introduz

a simbolização da inserção marginal da mulher da época no espaço público da

cidade”.22

Ao longe, em terceiro plano, avista-se um dos Morrinhos. Já o discurso que

compõe o texto do editorial é laudatório e enaltece profusamente o “mito” Getúlio

Vargas o que pode ser constatado pelo fragmento transcrito abaixo:

[...]o Prata Club julgava praticar um ato de justiça e de patriotismo,

inaugurando no seu salão de honra, o retrato do grande e benemérito brasileiro.

[...] O Sr. Aymoré Dutra, digno inspetor de ensino nesta circunscrição, foi o

segundo orador. O seu discurso rico de imagens e conceitos, foi a exaltação do Estado Novo, que apesar de ter apenas um ano de existência, já se impusera,

pelas suas normas de honestidade e civismo, não só pelo aplauso como ao apoio

decidido e entusiástico de todos os bons brasileiros.23

O empenho dos políticos pratenses em evidenciar a figura do Presidente se deve,

em parte, à postura adotada pelo governo getulista após a revolução de 1930 em que:

o Estado reorienta seu eixo de atuação frente às camadas populares. Definiu-se

uma nova trajetória rumo à complexa articulação política que buscava conciliar a hipertrofia do aparato de dominação – e a concomitante veiculação de

ideologias marcadamente autoritárias – com a constituição de um discurso

dirigido às classes trabalhadoras, fundamentado nos argumentos da ordem e

disciplina. Além do forte tom acéptico do discurso político do período em questão, estava em curso um projeto populista, que se expressava no esforço de

Getúlio Vargas em estabelecer uma estreita vinculação de caráter paternalista e

Page 14: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

14

afetivo com as massas. A partir do Estado Novo essa estratégia tornou-se o

ponto de convergência de todas as ações do Estado junto às classes

trabalhadoras.24

Esse discurso era assimilado por grande parte da elite política cujo interesse se

pautava na necessidade de alinhamento ao poder vigente procurando garantir que suas

reivindicações fossem atendidas e caracterizando, desse modo, uma relação de

dependência que objetivava a legitimação da autoridade do Estado na tutela da

sociedade. A imagem de um poder estatal forte era introjetada na população por meio da

imprensa que era alvo de um intenso controle por parte da censura que procurava

disciplinarizar a população salientando o valor da conservação das tradições. Além

disso, havia a proposta modernizante que visava a criação de uma nova identidade

coletiva calcada na recuperação do passado, associada aos progressos técnicos e

políticos da época.

O editorial informa ainda que essas festividades iniciaram-se às cinco horas da

manhã e foram fechadas por um “suntuoso baile, que constituía a última parte do

programa”. Os depoentes falaram de vários bailes como o descrito acima e que se

realizaram por toda a trajetória social do Prata Club. Grandes orquestras animaram as

noites da sociedade pratense. Quando se referiram a esses eventos, a importância do

“vestir-se bem” para aquelas ocasiões foi ressaltada por grande parte dos depoentes. A

entrada dos cidadãos no recinto do Prata Club só era permitida se eles seguissem a regra

imposta no quesito vestuário:

Era um clube muito grande, as moças e rapazes que participavam dos bailes trajavam-se muito bem. Traje a rigor... jamais se admitia a entrada em baile a

rigor sem “smoking”, seja branco ou preto. Mesmo os mais pobres também se

trajavam bem. A sociedade era muito selecionada e pra você conseguir um

convite tinha que ter um currículo respeitável. Não era o dinheiro que valia, era a moral. A moral da pessoa valia muito mais que dinheiro. Podia ser alguém de

família humilde, porém era preciso que um conselheiro analisasse a situação da

pessoa pra decidir se teria permissão para entrar. 25

A opinião feminina também não se diferenciava do que nos diz professor

Virgilio. Para Ana Augusta:

o baile de inauguração do Prata Club foi uma maravilha! Duas orquestras...

engraçado, como é que coube lá dentro? Era uma orquestra de Frutal que ficou em cima daquele palco que eles construíram, né? E a outra ficava no outro

canto. A sociedade do Prata era uma sociedade pequena. Mas as roupas eram

lindas... lindas! Cada vestido mais bonito que o outro... era um guarda roupa de classe mesmo! E um pessoal muito chique... os sócios eram bem selecionados.

Page 15: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

15

Talvez por isso coube duas orquestras no salão. Porque a sociedade era muito

pequena.26

Em outro depoimento, Maria Augusta Camargos salienta que desde o tempo em

que o Prata Club se localizava na avenida Major Carvalho:

lá não entravam negros, não. Só Brancos. E tinha outra coisa também. Os

homens não podiam entrar lá sem paletó e gravata. Quem trabalhava lá era o Sr.

Cetim. Ali também se realizavam festas maravilhosas e eles eram muito enérgicos. Por exemplo: se seu pai não pagasse a contribuição mensal em dia

eles não deixavam entrar e ainda humilhavam. O “Tio Luiz”, o que ele podia

“picar” as pessoas ele picava. Mas isso era muito bom porque as pessoas evitavam atrasar as mensalidades. [...] Eu me lembro também da inauguração do

prédio novo, na esquina da praça. Foi um baile a rigor, muito chique! Nessa

ocasião eu não tinha idade para freqüentar bailes ainda, mas eu fui ali pra esquina só pra apreciar aquelas belezas que estavam entrando... porque as

mulheres estavam muito bem trajadas... umas roupas lindíssimas!27

Por meio dos depoimentos, torna-se evidente que conflitos como separação de

classes e segregação racial também faziam parte do cotidiano da comunidade pratense e

que ali também os territórios de sociabilidade eram “projetados e construídos de forma

a segregar uns e incorporar outros, subjuga e absorve aqueles que procuram por ele.

Espaço fantasmagórico que invade a alma pois oferece, promete e, ao mesmo tempo,

nega, retira, ilude”.28

Características de segregação racial são identificadas em vários outros

depoimentos que afirmaram não ser permitida a presença de negros nem mesmo como

sócios do Prata Clube. “Os brancos podiam ir no clube dos pretos, mas os pretos não

podiam ir no clube dos brancos, o Prata Club. Só era permitida a entrada de pessoas

de cor, no carnaval quando eles iam fazer a visita... eles desciam com a Escola de

Samba, aí então, era permitida a sua entrada.” 29

Mas, ao serem questionados sobre e

existência de tais conflitos, em nenhum momento os depoentes os confirmaram, o que

sugere a necessidade de camuflá-los na tentativa de consolidar a imagem de sociedade

harmônica criada no imaginário da sociedade em questão.

Quanto falam das tardes dos finais de semana, salientam que o lazer dos mais

jovens consistia em participar das matinês que se realizavam nos recintos do Prata

Club. Na sala ao lado da escada, ficava uma mesa de pingue-pongue onde as duplas se

empenhavam em disputas acirradas. Pessoas de todas as idades aproveitavam esse lazer:

Da história do Prata Club eu tenho a dizer que foi a melhor época. Eu posso

dizer que vivi a época de outro, não só do cinema, do teatro e da música. Várias

Page 16: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

16

peças extraordinárias foram encenadas no Cine Prata e às vezes, até mesmo no

Prata Club, por companhias de alto nível. Nós ouvimos orquestras de nível

internacional que passaram pelo Prata realizando bailes maravilhosos em que a sociedade comparecia toda. Eram bailes finos, não se aceitando homens

trajando camisas pura e simples, mas era necessário o uso de terno e gravata ou

“dinner jacket”... afinal de contas, se o que acontece hoje é modernidade, então eu digo que o Prata perdeu muito com essa modernidade. Os bailes eram muito

bonitos, e a sociedade que comparecia era mais escolhida. Eu digo mais

escolhida porque as famílias pratenses que compareciam eram as mais

tradicionais. Sempre havia muito respeito, não havendo muita bagunça... mas, quando alguém passava um pouco da medida, o Juiz Moreira, que era o zelador,

chamava a atenção e o presidente convidava o inoportuno a sair. A época de

ouro da sociabilidade pratense aconteceu com os eventos patrocinados pelo Prata Club.

30

Ao comentarem que quem não possuísse condições financeiras e,

conseqüentemente, não se vestisse bem, não poderia participar dos eventos promovidos

no Prata Club, os depoentes deixam transparecer um certo preconceito. Vale ressaltar

que essa é uma característica que perdura na atualidade, não apenas em Prata, mas em

grande parte do país. Os estatutos que estabelecem normas na maioria dos clubes mais

luxuosos prevêem taxas altas para o ingresso de novos sócios e esse fator, por si só, já é

excludente, pois é uma minoria da população brasileira que conta com uma renda

mensal adequada para suportar tal despesa.

Até a década de 1950, a sede do Prata Club funcionava em um prédio alugado.

Em 1951 foi concluída a construção da sede própria localizada na esquina noroeste da

Praça XV de Novembro. Ao observarmos a fotografia que retrata a largada de corrida

de bicicletas, inserida neste trabalho na página 134, notamos o prédio do Prata Clube

compondo o pano de fundo ainda apresentando sua arquitetura original típica da época,

seguindo o estilo “art déco”. Contudo, ao observarmos a ilustração 25, fotografia

produzida no ano de 2004, notamos as intervenções que descaracterizaram totalmente

sua fachada. Segundo o atual dono do Bar Caiçara, Sérgio Luiz Felisbino, o telhado

apresentava sérios problemas ocasionando goteiras que prejudicavam seu

estabelecimento, instalado no piso térreo do prédio. A marquise sob a qual se apoiava

uma parede de canto do salão de baile corria o risco de desabar e, desse modo, ele não

encontrou outra alternativa a não ser optar pela reforma.

Perguntei, então, se algum especialista havia visitado o prédio e elaborado um

diagnóstico. A resposta foi negativa. O motivo é que, na cidade, não existem

especialistas capacitados para realizar a tarefa. Neste sentido, o que acontece em Prata

Page 17: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

17

quanto à conservação dos prédios mais antigos vai ao encontro do que nos fala

Françoise Choay:

Querer e saber tombar monumentos é uma coisa. Saber conservá-los

fisicamente e restaurá-los é algo que se baseia em outros tipos de conhecimento.

Isso requer uma prática específica e pessoas especializadas, os arquitetos dos

monumentos históricos”, que o século XIX precisou inventar31

Ilustração25: Reforma do Prata Club. Fotografia produzida no ano 2004 pela autora. Acervo próprio.

Ora, quando pensamos a questão da preservação de patrimônio em Prata, e a

relacionamos ao pressuposto acima, percebemos que talvez seja este seja um dos

entraves para que a implantação de políticas de preservação ocorra de maneira

satisfatória. A ausência de mão de obra especializada é perceptível nas reformas que são

realizadas nos prédios públicos, como por exemplo, as igrejas. Nenhum estudo relativo

ao estilo da arquitetura adotada na construção do projeto original é feito. A obra de

reforma é normalmente realizada por leigos e, na maioria das vezes, não se pensa em

manter a originalidade do projeto.

A presença de uma pá carregadeira, a qual passa em frente ao prédio do Prata

Club na hora em que o dispositivo da câmera fotográfica foi disparado nos remete à

demolição da antiga Igreja Matriz e percebemos que a situação não é nova. Do mesmo

Page 18: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

18

modo que o Prata Club foi reformado devido ao risco de desabamento, a demolição da

igreja foi calcada na justificativa de que estava prestes a desabar. Mas, já no inicio do

processo de demolição, várias dificuldades surgiram devido à solidez da construção:

Quando eu vi derrubar a Igreja, eu fiquei tão chateada... porque eu vi o tanto de

trabalho que deu pra desmanchar. Cada coluna daquela que tinha no interior da Igreja... eram umas colunas no estilo romano que dava até para o povo sentar

nos cantinhos delas, porque sua base era quadrada. O tijolo cresceu até certa

altura que dava pra você sentar. Depois dessa base, ela começava circular, em estilo romano mesmo. Os gomos que ela tinha... a coluna saia daquele pilar

quadrado e subia formando uns gomos como se fosse uma coisa dentada... e

depois ela saía mais fina no centro e ia até ao teto. Eu vi desmanchar aquelas

colunas e pensei comigo: Mas é um absurdo desmanchar essas colunas! E o trabalho que deu! Foi preciso da ajuda de pás carregadeiras e trator de esteira

para fazer isso. Eles amarravam pedras enormes em correntes e elas eram

jogadas de encontro às paredes, mas isso não surtia efeito algum.32

Então, nem sempre, a possibilidade de desabamento para justificar qualquer

demolição, é avaliada da maneira correta. Percebe-se, desde essa época, uma

preocupação com a remodelação estética reforçada pelo espírito da modernidade

difundido desde a década de 1920. Segundo o depoimento de Cícero Junqueira,

infelizmente no Brasil, não só na cidade do Prata, as pessoas não têm noção da

importância da preservação dos patrimônios e isso tem prejudicado culturalmente as

cidades. A conservam de edifícios e valorização das raízes culturais faz parte de uma

quantidade muito pequena de cidades brasileiras:

O Prata por exemplo, apesar de ser bastante antiga, quem a visita hoje pensa que

ela tem trinta anos, porque a maior parte dos prédios que estão ali são bem

recentes. Os prédios antigos foram todos demolidos e vários deles tinham um estilo arquitetônico que não poderia ser destruído, porque realmente mostrava o

estilo adotado em cada época durante o seu processo de desenvolvimento. Em

1830 já começou a surgir o arraial do Prata.. Nós estamos então, com mais de

cento e cinqüenta anos de história que foi perdida. A maior parte dos países estrangeiros conservam os seus edifícios e valorizam sua história. Isso atrai

pessoas para conhece-los gerando divisas para as cidades. 33

Como já foi dito, existe no país uma mentalidade de que a preservação deve se

restringir apenas aos monumentos históricos pertencentes ao período colonial e em

Prata também não é diferente. Nesse sentido, Lúcia Lippi de Oliveira salienta que:

em cada época a sociedade e suas autoridades têm uma idéia sobre o que deve

ser preservado. A partir doa anos 30 constituiu-se no Brasil um discurso que

organizou as ações do patrimônio e passou a orientar nossa compreensão e nossa leitura estética sobre o urbano. Durante muito tempo achava-se que não

tínhamos nada a ser preservado. Depois, passou-se a defender a preservação do

período colonial – daí a atuação no espaço das cidades mineira, a proteção das

Page 19: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

19

igrejas barrocas. Nos dias de hoje, o patrimônio arquitetônico está conectado

não só com o passado e a memória nacionais, mas também com a vida das

pessoas que moram no espaço da cidade. O conjunto urbanístico, assim como a paisagem, está fazendo parte do patrimônio cultural que se inter-relaciona com a

noção de espaço turístico.34

Em relação à descaracterização que se encontra em andamento no prédio do

Prata Club, a opinião de Cícero se assemelha ao proposto pela autora. Para ele:

apesar de não ser um prédio que segue o estilo barroco deveria ser preservado

pois, por ser uma construção da década de 1950, tem uma característica mais ao

estilo “art déco”. É uma construção mais nova. Só que também é uma escola que existiu e deve ser preservada. Neste ano, o Prata Club está sendo reformado

por causa do telhado. A reforma o descaracterizou bastante. Perde-se assim,

mais um patrimônio da cidade, porque a administração municipal não tomou providências neste sentido. Pensam que não vale a pena. Mas, se nós não

preservarmos hoje, uma construção que tem uns quarenta anos, daqui a cem,

cento e cinqüenta anos não haverá nenhum registro da história (passado) da

cidade.35

Por isso a iniciativa de criação de um conselho voltado para orientar o processo

de preservação de patrimônio histórico na cidade traz a esperança de mudanças

sistemáticas. O Conselho Municipal do Patrimônio Cultural do Município do Prata foi

criado pelo decreto nº 2064/2003 em 04/04/2003. Sua criação segue a política

instaurada pelo Estado de Minas Gerais:

Para a difusão de políticas de preservação para o nível local, pode ser

considerado um marco na história da preservação em Minas Gerais a decisão

de se incluir o patrimônio cultural como um dos critérios para o repasse do

ICMS aos municípios, através da Lei Estadual 12040/95, que ficou conhecida como Lei Robin Hood. Para se beneficiarem de maiores repasses do ICMS, os

municípios tiveram que atender a uma norma estrategicamente concebida pelo

IEPHA que, a princípio, foi de fácil cumprimento, para, nos anos subseqüentes, ir sendo gradualmente aprofundada, possibilitando um amadurecimento

gradativo e monitorado. Vale dizer que os municípios que cumprissem um

conjunto gradual de tarefas passavam a receber uma pontuação, traduzida em

seguida em índice, que iria se refletir na cota de ICMS a receber do repasse do Estado.[...]O resultado é que conceitos aparentemente sofisticados como o

próprio conceito de patrimônio, os conceitos de tombamento, de inventário e de

política municipal de proteção estão difundidos de forma consistente em mais de 200 municípios de Minas. Uma linguagem comum, que orienta a

identificação de valores locais e que instala a discussão dos critérios de atuação

encontra-se largamente implantada. Em termos quantitativos, os dados são muito significativos – 160 Conselhos de Proteção do Patrimônio foram criados

por Leis municipais e cerca de 600 bens foram tombados com base em dossiês

de tombamento fundamentados. Outros resultados interessantes vieram da Lei:

o enriquecimento do banco de dados do IEPHA; a ampliação da preocupação com os acervos documentais, levando à criação de arquivos e museus

municipais; a valorização das equipes locais responsáveis por cumprir as metas

que garantem a pontuação, muitas delas reforçadas com a contratação de

Page 20: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

20

arquitetos restauradores e historiadores, abrindo mercado de trabalho para esses

profissionais.36

Depois de criado esse conselho, algumas conquistas já foram alcançadas.

Segundo Cleanto37

, as atividades do grupo envolvido nesse projeto têm acontecido da

melhor forma possível. Já aconteceram doze reuniões sob a orientação de um agente do

IEPHA (INSTITUTO Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico) de Belo Horizonte.

Vários imóveis antigos estão sendo inventariados por jovens da comunidade que

passaram por um treinamento específico. Espera-se que no próximo ano, sejam

aprovados os tombamentos da Igreja Nossa Senhora do Rosário localizada na Praça

Getúlio Vargas, um bem imóvel, e a imagem do Nosso Senhor dos Passos existente na

Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, um bem móvel. O grupo que compõe o

conselho, na maioria, é constituído por pessoas da comunidade que ali estão

voluntariamente e conta com a liderança de Maria Helena Cruz de Melo.38

Outros eventos fizeram parte da trajetória do Prata Clube e, dentre eles, um dos

mais relembrados é a realização dos bailes de carnaval:

Os carnavais eram uma maravilha... todo mundo brincava no salão, porque, hoje em dia o pessoal só pensa em cheirar lança-perfume escondido, coisa que não

pode.. Na minha época, o lança-perfume era liberado, então o laça-perfume

servia para os moços jogarem nas moças enquanto estavam dançando... era uma

brincadeira saudável! Tinha as coisas que em toda época tem, mas era uma época mais feliz. Os jovens tinham onde aproveitar e hoje, na nossa cidade, não

há um local para os jovens irem e não pensarem em bebida. Nós só tínhamos

aquele clube mas, ali fazíamos a nossa vida, dançávamos muito...39

Tais bailes, apesar de serem lembrados com uma certa saudade por parte de

vários depoentes, também se apresentavam como excludentes, pois deles só

participavam as pessoas com condições financeiras para se tornar sócio de um dos dois

clubes da cidade. Neste sentido, à grande maioria da população restava o consolo de

participar, como expectador, dos desfiles que se realizavam nas noites de domingo e de

terça-feira, ao redor da Praça XV de Novembro. Esses desfiles tinham como objetivo

acirrar a disputa entre as duas escolas de samba que existiam na cidade: Escola de

Samba do Clube Recreativo José do Patrocínio, “escola de samba dos pretos”, e Escola

de Samba Unidos do Prata Club, dos brancos.

Page 21: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

21

Ilustração26: Carnaval realizado no ano 1920. Turma do Zé Pereira. Fotógrafo desconhecido.

Acervo: DEC

Após 1950, havia um caminhão que conduzia um bloco de pessoas fantasiadas

denominado “Turma do Zé Pereira” (ilustração 26) pelas ruas da cidade durante os

festejos do carnaval. Eles despertavam a atenção dos moradores e todos aqueles que

estivessem no interior de suas casas, acorriam para a rua somente para vê-los passar. A

alegria com que desfilavam era contagiante! As crianças exultavam com a chuva de

confetes e serpentinas que caía pelos caminhos que percorriam.

O outro grupo, “A Furiosa”, também marcou época nos carnavais pratenses.

Esse grupo sempre se fantasiava de mulher. Era uma espécie de banda musical que saía

para as ruas, com os instrumentos e iam tocando uma melodia descompassada.

Entravam em todos os bares que encontrassem abertos pelo caminho. Enquanto o dono

do bar não lhes servia bebida gratuitamente, eles continuavam tocando uma melodia que

não possuía um ritmo definido, porém, quando eram atendidos, em agradecimento

tocavam algumas marchinhas de carnaval. No início, todas as pessoas que participavam

da furiosa conheciam música e tocavam algum instrumento, mas nos últimos anos em

que saiu nas ruas, nem instrumentos havia. Seus componentes batiam em latas ou

panelas, o que chama a atenção para o fato de que a decadência ronda até mesmo os

Page 22: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

22

hábitos mais simples. Mas, a Furiosa ainda é relembrada com saudosismo por aqueles

que dela participaram:

Um fato interessante de uma “Furiosa” da qual participei, o Hermane40

se vestiu com o maiô tipo aquêles engana papai, de duas peças, uma ligada na outra, que

pertencia a Dona Glória. Imagine só, o Hermane com o maiô da Dona Glória!41

Hoje, devido às mudanças dos tempos, o carnaval não acontece mais nos salões

fechados dos clubes, mas sim na Praça XV de Novembro. Um grande palco, onde as

bandas contratadas animam os cinco dias de folia, é montado na Avenida Major

Carvalho, bem em frente à Igreja Matriz. O direito de sambar foi estendido a todas as

pessoas de acordo com sua vontade. Nas laterais da avenida Major Carvalho, são

montados os camarotes para serem comercializados e o centro da avenida em frente ao

palco é tomado pela multidão que se aglomera para festejar os cinco dias de folia. Desse

modo, não existem mais excluídos nesta festa que é:

uma festa folclórica mesmo, do povo. Quem vai lá... Eu vou no carnaval e não bebo. Não estou desrespeitando ninguém, né? Vou lá, sinto bem, vou embora

pra casa. Eu já fui até folião do carnaval quando era no clube. No clube não era

uma festa tão popular. Hoje o pessoal ta querendo fazer uma festa para todo

mundo porque antes era uma festa pra quem tinha dinheiro pra gastar no clube, né? Hoje, não. Hoje dança João, dança Pedro, dança Mane, todo mundo dança

junto. Cada grupo faz seu bloquinho e eu acho que está certo. Todos convivem

bem em sociedade. Aquele que mora lá na periferia, se ele se comportar bem, ele pode viver em qualquer lugar. Nós, seres humanos, temos que nos

comportar bem em qualquer lugar. Não adianta ser rico ou pobre se a pessoa

não sabe se comportar. Hoje, a festa do carnaval de rua dá essa abertura pra todo mundo se confraternizar, entrosar, se cumprimentar, se abraçar... chega um

te abraça... um bebe e vem te abraçar... a gente que não bebe até sofre, né?

(risos) 42

Contudo existem contradições quanto a essa maneira de enxergar a realização do

carnaval na praça. Para Elite Nascimento houve uma mudança muito grande em relação

ao passado e, segundo seu ponto de vista, foi uma mudança negativa pois antes era:

um carnaval de rua muito bonito, do qual todo mundo participava. Aquela

beleza de desfile! Eu tenho saudade... Saudade dos carnavais no clubes também.

Era o Clube Recreativo José do Patrocínio e o Prata Clube. Tinha aquela rixa entre as escolas de samba dos dois clubes. Vinham as disputas e nós (os negros)

sempre saia na frente, entendeu? Mas era aquela união. Sempre na segunda

feira, nós fizemos um acordo: a turma dos brancos visitava o clube dos pretos e

os pretos depois visitava o clube dos brancos. Pra quebrar aquele preconceito... aquilo foi muito bonito... e os desfiles maravilhosos! Foi quando o Sérgio

“Manivela” entrou pra ser presidente do Prata Clube. A idéia das visitas foi

deles.43

Page 23: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

23

Observando o depoimento de Elite, percebemos que ela sente falta dos desfiles

das escolas de samba que hoje não acontecem mais, e não do carnaval que acontecia no

salão do clube. Nestes desfiles, a depoente sempre se destacava como madrinha da

bateria da Escola de Samba do Clube Recreativo José do Patrocínio. Quando ela

afirmou que todo mundo participava do carnaval de outrora, lembrei-lhe que

anteriormente a participação por parte da população era apenas passiva, pois quem não

fazia parte das escolas apenas assistia ao desfile, portanto, a maioria da população

ficava excluída dos folguedos. Ao que ela me respondeu: “Mas o povo todo saía de

casa para ver os desfiles!”44

Para Elite, essa também era uma maneira da população

participar da festa carnavalesca.

Um outro aspecto pôde ser captado nas entrelinhas de alguns depoimentos. Elite

nos fala das rixas entre negros e brancos durante o carnaval, mas a seguir ressalta que

todos partilhavam “aquela união”. Quando conta sobre as visitas entre os clubes diz que

era para quebrar o preconceito. Mas será que uma visita de apenas alguns minutos

significava que o preconceito racial, já salientado em outros depoimentos, seria abolido?

Nem todos os negros tinha permissão para ingressar no recinto do Prata Club por

ocasião da visita, mas apenas os integrantes da escola de samba. Partindo dessa análise

concluímos que os membros dessa sociedade, ensaiava um discurso, segundo o qual, se

pregava que deveria haver uma maior interação entre negros e brancos, mas suas ações

nesse sentido eram mínimas.

Quanto a se afirmar que essa interação ocorre hoje no carnaval da praça, é um

fato a se questionar. A separação de classes já não é tão visível, mas ainda existe. Isso é

constatado pela divisão do público participante entre os camarotes pagos e o centro da

avenida, gratuito. Os ingressantes dos camarotes, devido ao seu poder aquisitivo, estão

em posição superior à maioria da população de baixa renda que se aglomera em frente

ao palco.

Um outro conflito permeia as relações entre os organizadores do evento

carnavalesco e a administração da Igreja. Alguns católicos consideram uma falta de

respeito festejar o carnaval em frente ao templo sagrado da Igreja. A ilustração 27,

fotografia produzida por mim durante a realização do carnaval de 2004 denota, em

primeiro plano, a presença do “profano” representado pelo palco onde as bandas tocam,

e; em segundo plano, a presença do “sagrado” representado pela Igreja Matriz.

Page 24: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

24

Ilustração27: Fotografia do palco erguido durante o carnaval de 2004 em frente à Igreja Matriz.

Acervo próprio.

Insatisfeitos com a realização do carnaval naquele local, algumas medidas foram

tomadas pela administração da Igreja. Afixaram uma faixa com os seguintes dizeres:

“Tudo me é permitido mas nem tudo me convém” na sua entrada (ilustração 28). Foi

uma tentativa de chamar a atenção das pessoas para o fato de que o carnaval nunca foi

considerado pelos membros da igreja como criação de Deus.

No entanto, segundo Gilberto Freyre, a Igreja católica nada tinha contra os festejos de

carnaval, já que eles surgiram com a propagação do cristianismo e por força do seu

calendário litúrgico. Inicialmente o carnaval era designado de “terça-feira gorda” por se

tratar do dia em que a Igreja suprime o uso da carne durante a quaresma. O carnaval

chegou ao Brasil por intermédio do português colonizador por volta de 1595 com o

nome de “entrudo”. Os festejos do entrudo foram proibidos no Rio de Janeiro em 1854

em virtude do entusiasmo e abuso dos foliões45

. Em relação ao pensamento religioso

dos católicos pratenses contrários ao carnaval, a maneira como Elite enxergava esses

Page 25: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

25

festejos antes de se tornar sambista e madrinha de bateria, sugere que essa é uma

mentalidade que norteia as discussões relativas ao assunto já há algum tempo:

A minha mãe puxou o primeiro cordão de carnaval. O nome dela era Maria Dolores Nascimento Dias. Aí ela entrou no clube dos brancos, que era ali onde

tem aqueles barzinhos. Foi lá que ela entrou puxando o primeiro cordão de

carnaval. Ela que fez a música. Depois, eu cresci e não vim com esse

pensamento, não. A minha irmã – ela se chamava Maria Gilce – ela que era a porta-bandeira da escola de samba. Eu ficava de lado. Não queria sair nisso,

não. Eu era muito da Igraja... eu achava que eu não ia mexer com carnaval

porque carnaval não era coisa de Deus. Aí, quando saiu aquela música “História de Iansã”... eu fiquei observando aquilo ali... de repente, eu saí dançando

também! Pedi pra minha mãe colocar umas bolas de... um desenho numas

roupas minhas... pregar... foi aí que eu comecei. Com catorze anos. Fui destaque, rainha da bateria esses anos todos, até quando tirou o carnaval de rua.

Agora é o carnaval do “povão” como se fala lá na praça. E não tem desfile... eu

não participo. Só vou lá pra dançar mesmo. A idade não faz diferença, estou

com sessenta e quatro anos... mas se sair uma escola de samba, eu caio no samba mesmo porque isso tá no sangue!

46

Ilustração 28: Faixa afixada na porta da Igreja Matriz durante o carnaval de 2004. Destaque para

a grade que impede a presença dos jovens na escada. Fotografia produzida pela autora. Acervo próprio.

Outro aspecto que foi observado na fotografia é a presença de uma grade

removível instalada aos pés da escada, com o objetivo de impedir a presença dos jovens

que se sentam ali durante esses festejos. Penso que essa seja uma atitude contraditória,

pois, sendo lá a “casa de Deus”, então deveria estar sempre pronta a receber “seus

filhos”. Essa grade imprime um caráter privado num local público que tem como

principal função receber a todos sem discriminação. A posição da Igreja perante a

Page 26: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

26

realização do carnaval em frente à Matriz, é um tanto dúbia, pois, se consideramos que

esta é uma festa popular, então se assemelha aos festejos religiosos que também se

realizam no mesmo local, como as barraquinhas em homenagens aos santos católicos,

das quais trataremos nas próximas linhas.

3 – FESTEJOS RELIGIOSOS

Durante todo o ano várias homenagens são prestadas aos santos católicos. São

realizadas novenas na Matriz Nossa Senhora do Carmo que culmina com procissão e,

algumas vezes, queima de fogos. Dois festejos ocupam lugar de destaque no calendário

religioso da paróquia: em janeiro homenageia-se o mártir São Sebastião, e em julho, a

padroeira da cidade Nossa Senhora do Carmo. Durante esses dois festejos, a quadra sul

da praça cede lugar para a instalação de uma tenda de circo que abriga as barraquinhas.

Várias atividades são programadas para a ocasião, tais como, leilões, bingos, desfiles de

moda, shows musicais, dentre outros. O objetivo principal da realização das

barraquinhas é a arrecadação de fundos para a manutenção da Igreja católica, sendo que

uma parte é destinada à paróquia local e outra à Diocese em Uberaba.

Segundo Cícero Junqueira47

, as festas religiosas têm uma importância muito

grande pra cidade. Antigamente elas atraíam pessoas principalmente da zona rural e,

nessas ocasiões, as ruas ficavam repletas de pessoas. Após a missa e as procissões,

realizavam-se as barraquinhas que contavam com um bom público participante.

Algumas características dessas barraquinhas eram os leilões na porta da Igreja, o jogo

da maçã, o qual era bem divulgado na época, principalmente entre as crianças. Os

correios elegantes eram uma troca de correspondência entre casais e funcionavam como

uma tentativa de facilitar o namoro. Eram festas bastante populares, durante as quais

vinham vários camelôs de outras cidades pra vender seus produtos e montavam suas

barracas ali na praça. “Quando eu era criança gostava muito de comprar ioiô dos

camelôs”.48

Apesar de serem ainda muito freqüentadas, ocorreram várias transformações no

decorrer do tempo, mas, isso não significou que houve uma perda da tradição. Segundo

Maria Clara T. Machado:

a cultura é um processo dinâmico e não pode pensar suas transformações como

deterioração. A idéia de preservar e valorizar não pode desconhecer as

mudanças ocorridas na coreografia e no significado das práticas culturais frente

Page 27: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

27

às alterações históricas em que ela se insere. Antes de serem representações

discursivas de uma época, foram ou são parte de um mundo real no qual ao se

produzirem relações econômicas e sociais está se produzindo também cultura. Esse entrelaçamento da cultura às condições concretas de vida induz a pensar

em transformações culturais engendradas no bojo da história concebida

enquanto processo.49

O que nos fala prof. Francisco sobre a festa do mártir São Sebastião que ocorreu

em janeiro de 2003 vai ao encontro da afirmação de Machado:

Teve inclusive a festa de São Sebastião que se realizou neste final de semana na

cidade. Apresentou muitas mudanças, inclusive por parte da Igreja. Ficou diferente! O padre agora está mais voltado para o povo, isso quer dizer que a

Igreja deu um passo enorme. A liturgia está muito bonita. Ontem mesmo, o São

Sebastião é o protetor do homem do campo, e o homem do campo, em sua maioria, é muito simples. Então, a missa foi sertaneja., toda baseada em música

sertaneja com a letra religiosa. Foi muito bonito. O padre que está aí há pouco

tempo disse que nunca tinha assistido uma festa tão bonita quanto essa! O carro

de boi que você viu acompanhando a procissão era o símbolo do homem do campo. Valeu a pena! E as barraquinhas... aquele congraçamento do povo, né?

Bonito!50

No entanto, algumas pessoas não encaram as transformações como totalmente

positivas. Segundo o sr. Osvaldo Sérgio, no passado as festas eram mais simples porém,

muito mais significativas:

Quando tinha festa na Igreja, o povo vinha das roças a cavalo, a pé e até mesmo

de carro de boi. Tinha o moçambique com o tio Leopodino véi... o sô

Honorato... todos eles trabalhavam no moçambique. Eles iam subindo ali na porta da Prefeitura indo na direção da Igreja, e então, aqueles negão véi caía no

chão assim, e corria o pé... vinha doido na corôa da juíza. Quem tirasse ganhava

um prêmio. Mas os capitães protegiam a juíza com os facão. Ah! Mas aqueles

facão voava longe! (risos), o nego chegava o pé nos facão, que o facão voava longe... mas num chegava na juíza, não! Eh! Mas aqueles negos sabia mexer!

Hoje num tem mais moçambique como antigamente. As procissões eram boas,

com muita gente. Uma vez saí pra ir numa procissão. E lá vai na procissão... lá vai... e veio uma chuva sô! E o povo correu tudo. Eu falei: ah! Eu vim pra ir na

procissão, eu vou na procissão. Cheguei na porta da Igreja, eu tava moiadim. E

quando terminou os fuguetórios eu já tava enxuto... um terno de casimira

ensopado... e foi só entrar pra dentro da Igreja, rezar... o terno seco!51

Uma das principais mudanças que podem ser percebidas na realização das

barraquinhas é que a cada ano o interesse em comercializar as várias prendas doadas

pela comunidade é maior. Como conseqüência disso, o serviço de som é utilizado com

muita freqüência para execução de leilões e bingos e o som que é emitido das caixas

encontra-se sempre em um volume muito alto, tornando qualquer tentativa de conversa

praticamente impossível. Isso tem afastado de lá algumas pessoas.

Page 28: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

28

Naquela época as barraquinhas eram realizadas ao lado da Igreja e não tinha

tanta exploração comercial. Eu lembro que naquela época, as barraquinhas eram

feitas em função de joquinhos... da maçã... aquela coisinha, sabe? Hoje você vê o comércio que é praticado nas barraquinhas... cerveja... naquela época era mais

simples mesmo. Não se fazia tantos leilões nem se vendia tantas tômbolas como

a gente vê hoje. Hoje virou comércio, e comércio violento, né?

Comparando o comércio realizado nas barraquinhas, o movimento das pessoas

na praça, o consumo de bebidas alcoólicas, com o movimento que acontece durante o

carnaval, não notamos muita diferença entre um festejo e outro. Como se explica, então,

essa dubiedade da Igreja perante a realização dos dois festejos? A diferença estaria no

fato de que em um, o lucro obtido é revertido em prol da Igreja e no carnaval ele é

destinado a outros fins?

Um outro fator que tem deixado as pessoas insatisfeitas é que, tanto para as

barraquinhas quanto para o carnaval, é preciso desfazer parte do calçamento da praça,

furar o piso em vários lugares e, na hora de refazer, nenhum cuidado é tomado na

execução da tarefa.

Quem viu e quem vê hoje, a praça, se decepciona. É lastimável o estado de

conservação em que ela se encontra. Aquelas calçadas que foram feitas com tanto cuidado, formando desenhos... hoje você vê lá o branco no preto ou o

preto no branco... o cara que vai refazer ali, depois que tiram os camarotes, as

barracas... o cara não tem nem o capricho de – quem tá fiscalizando o serviço – não tem nem o capricho de ir lá e falar: „o branco é no branco, viu?‟ Há um

descaso geral.52

Fábio Camargos chama a atenção quanto aos culpados por esse descaso:

Não sei quem é o culpado. Acho até que nós mesmos somos os culpados,

porque você se senta dentro de casa, põe o bundão no sofá e... eu tava

perguntando estes dias pra uma pessoa: „quantas reuniões da Câmara de vereadores você foi nestas últimas quatro gestões?‟ A gente senta dentro de

casa, não vai atrás... então é preciso realmente mudar essa consciência. Eu nasci

aqui, cresci aqui e provavelmente, com a máxima certeza, devo morrer aqui

também. Vem filhos, vem netos, vem bisnetos... e se você quer alguma coisa melhor pra você e pros seus, você tem que tentar correr atrás pra reverter isso

aí. A gente coloca os prefeitos lá, coloca os vereadores... tem uma certa

comodidade em não cobrar nada... a cidade é pequena... a interferência do poder público é grande, pois quando você começa a pressionar, os caras começam a te

perseguir... Então, mesmo assim, você tem que procurar melhorar e reverter

essa situação porque ficar à mercê da situação não dá mais.53

Esse comodismo referenciado por Fábio Camargos tem sido uma característica

estendida à maior parte da população brasileira. Cada vez mais percebemos haver uma

indiferença por parte da população quanto aos atos tomados pelos administradores

públicos. Hanna Arendt ressalta que a perda do mundo comum, faz com que surja a

Page 29: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

29

figura do indivíduo desinteressado e desprovido de responsabilidade perante o mundo.

A preocupação com o próximo deixa de existir e o homem se vê reduzido à dimensão

privada da vida social. Desse modo, se privam de ser vistos e ouvidos:

A privação da privatividade reside na ausência dos outros; para estes, o homem

não se dá a conhecer e, portanto, é como se ele não existisse. O que quer que ele faça permanece sem importância para os outros e o que tem importância para

ele é desprovido de interesse para os outros.54

Para mudar essa situação como foi sugerido pelo depoente, penso que

seria necessário o desenvolvimento de um projeto de conscientização nos moldes

definidos pela Recomendação de Avignon55

, que propõe:

a educação permanente do público em todos os níveis e, em particular, no

estágio de formação escolar elementar, a fim, de lhes despertar a consciência de

sua responsabilidade e os fazer participar ativamente de seu próprio futuro.56

Não se deve esperar, no entanto, que as possíveis medidas a serem tomadas neste

sentido, apresentem resultados a curto prazo, pois esse é um trabalho que exige

planejamento e tempo para que seja implantado satisfatoriamente. Mas, se desde criança

já se começa a aprender noções de espírito participativo, cidadania e valores culturais,

haverá a possibilidade de se formar cidadãos conscientes, capazes de discernir se

determinadas intervenções no espaço público em que convivem são necessárias e até

que ponto interferem nas práticas de sociabilidade que ali ocorrem.

Notas

1 Doutoranda em História pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU/MG

2 DUMAZEDIER, P. Poder simb´lico. Rio de Janeiro: Brasil, 1989, p.35.

3 SANT‟ANNA, Denise Bernuzzi. O Prazer Justificado – História e Lazer: 1969-1979.

São Paulo: Marco Zero, 1994, p. 37. 4 PINTO, Luziano Macedo. Sociabilidade de “Matinée”: O Cotidiano Em Uberlândia

nos Anos 40. In: História e Perspectivas, (14/15): 113-132, Jan/Dez. 1996, p. 118. 5 BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. In:

Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1989, p.

189. 6 Idem. p. 179.

7 Ana Augusta Novais Miguel, 69. – Grau de escolaridade: magistério. É empresária,

presidente da casa de assistência “Casa do Samaritano”, presidente da AME – Aliança

Municipal Espírita, dirige o grupo de canto “Caminhos da Luz” do Centro Espírita

Corações Unidos. É viúva, três filhos. Depoimento prestado em 20/07/2004. 8 Osvaldo Luiz de Andrade, 82 anos, natural de Uberaba/MG. Mora na cidade desde

1940. Carpinteiro aposentado. Casado. Entrevista realizada em 12/01/2003.

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30

9 BENJAMIN, Walter. op. cit. p. 174.

10 Idem. P. 174.

11 Ana Augusta Novais Miguel. Depoimento citado.

12 Idem.

13 José Cleanto Vilela Reis José Cleanto Vilela Reis, 54. Natural de Prata. Formado em

química industrial. Trabalhou por 24 anos na Cooperativa dos Produtores Rurais do

Prata. É professor de química, músico. Casado com Cleonice Gomes Vilela. Uma filha.

Depoimento prestado em 23/07/2004. 14

CHOAY, Françoise. Op. Cit., p.221. 15

Idem, p.139. 16

MOTA, Lia. As Cidades Mineiras e o SPHAN. In: Cidade, História e

Desafios/organizadora Lúcia Lippi Oliveira. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.. 125. 17

Idem. p. 127. 18

Maria Augusta Camargos Vilela, natural de Prata/MG. Costureira aposentada. Três

filhos. Depoimento prestado em 18/01/2003. 19

Editorial.Cidade do Prata. Publicado em 12/02/1933. 20

Editorial.Cidade do Prata. Publicado em 26/11/1933 . 21

KOSSOY,Boris. op. cit., p. 09. Kossoy elabora um questionamento sobre “qual o

valor , o alcance e os limites das fotografias enquanto meios de conhecimento da cena

passada? Como podemos identifica-las enquanto instrumento de pesquisa e

interpretação da vida histórica? Onde se encontram as fotografias do Passado? Como

identifica-las no tempo? Quem foram seus autores? Em que medida os conteúdos

fotográficos são verdadeiros? 22

CARRIJO, Gilson Goular. op. cit. p. 68. 23

Editorial. Cidade do Prata. Publicado em 13/11/1938. 24

VIEIRA, Luiz Renato. A Capoeiragem Disciplinada: Estado e Cultura Popular no

Tempo de Vargas. História e Perspectiva, (7) : 111-132, Jul./Dez. 1992, p. 113. 25

Virgilio Mamede Minucci, natural de Prata, viúvo, pai de 9 filhos. Dentista, professor

aposentado, ex-empresário. Depoimento prestado em 06/06/2004 26

Ana Augusta Novais Miguel. Depoimento citado. 27

Maria Augusta Camargos Vilela. Depoimento citado. 28

CARRIJO, Gilson Goulart. op. cit. p. 108 29

Essas visitas foram uma forma de interação entre os dois clubes colocada em prática

por Sérgio Henrique Novais durante o mandado em que presidiu o clube na década de

1960. 30

Geraldo de Castro Novais, 78 anos, natural de Prata/MG. Juiz de Direito aposentado.

Depoimento prestado em 12/01/2003 31

CHOAY, Françoise. op. cit. p. 149. 32

Ana Augusta Novais Miguel. Depoimento citado. 33

Cícero Alves Junqueira, 47. – natural de Prata, atualmente reside em Uberlândia.

Formado pela Universidade Federal de Uberlândia nos cursos de Engenharia Mecânia e

Física. È professor de Física da rede estadual e corretor de seguros. Casado com

Ivanilda A. A. Junqueira com quem tem dois filhos. Depoimento prestado em

24/06/2004 34

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cidade: História e Desafios. Rio de Janeiro: FGV, 2002,

p.11. 35

Cícero Alves Junqueira. Depoimento citado. 36

MACHADO, Jurema. Espaço Público, Patrimônio e Cultura no Planejamento

Urbano. GUM – Brasíliua, julho/2000.

Page 31: Tempo de lazer cinema e cultura popular no cotidiano pratense

31

37

José Cleanto Vilela Reis. Depoimento citado. 38

Maria Helena Cruz de Melo, natural de Prata. Atual secretária do Conselho do

Patrimônio Histórico e Artístico da cidade do Prata. Depoimento prestado em

20/01/2003. 39

Maria Augusta Camargos Vilela. Depoimento citado. 40

Hermane Vilela Minucci é filho de Virgílio Mamede Minucci, já citado, e Dona

Glória Vilela Minucci. 41

Wagner Donizeth Vilela, 48. – natural de Prata, residente em Uberlândia. Corretor de

seguros, casado com Vânia Beatriz Armada Vilela com quem tem dois filhos.

Depoimento prestado em 24/06/2004 42

Amador Antonio Vieira Arantes, 51. – Natural de Prata. Ex-engraxate da Praça XV

de Novembro. Ex-dono do Bar Caiçara localizado no entorno da praça. Produtor rural.

Casado com Liodê Aparecida Lopes Arantes, dois filhos. Depoimento prestado em

21/07/2004. 43

Idem. 44

Idem. 45

FREYRE, Gilberto; MAIOR, Mário Souto. Carnaval: de onde veio? Como era?

Como evoluiu? Grandes Acontecimentos da História. São Paulo (9): 81-91, fev. 1974. 46

Elite Nascimento Dias, 55. – Natural de Prata. Escolaridade: 3ª série do ensino básico.

Bibliotecária. Presidente do Grupo Consciência Negra. Solteira. Foi por vários anos

madrinha da Bateria da Escola de Samba do Clube Recreativo José do Patrocínio.

Depoimento prestado em 23/07/2004. 47

Cícero Alves Junqueira. Depoimento citado. 48

Idem. 49

MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura Popular e Desenvolvimento em Minas

Gerais: Caminhos Cruzados de um Mesmo Tempo. Tese (Doutorado em História)

FFLCH, USP. São Paulo, 1998. 50

Francisco de Assis, natural de Prata/MG. Professor, poeta, trovador, advogado.

Depoimento prestado em 21/01/2003. 51

Osvaldo Luiz de Andrade. Depoimento citado. 52

Fábio Camargos Vilela, 44. – Natural de Prata. Serventuário da Justiça. Residiu até o

ano 2002 no entorno da Praça XV de Novembro. Casado com Maria Angélica Vilela

Camargos, três filhos. Depoimento prestado em 21/07/2004. 53

Idem. 54

ARENDT, Hanna. op.cit. p. 167-168 55

Ver ROCHA FILHO, Gustavo Neves da. Patrimônio Cultural: Uma Visão Histórica.

In: Sinopses. São Paulo: 16 p.48-55, dez. 1991. 56

Idem. p. 05.