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Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP) ESPIRITUALIDADE SÉC. XV - XVI Pe. José Carlos A.A. Martins

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Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

ESPIRITUALIDADE SÉC. XV - XVI

Pe. José Carlos A.A. Martins

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Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

A RELIGIOSIDADE POPULAR, OS PREGADORES

A influência da “Devotio” domina os movimentos espirituais e as práticas

da vida dos religiosos, do clero e dos leigos durante o séc. XV. Um profundo

desconcerto verificava-se naquele tempo por parte de um grande número de

cristãos. As muitas crises que agitam a Europa, como as guerras e as

epidemias, aumentam o medo colectivo. Assim, a morte, representada pelo

cadáver putrefacto e cheio de vermes, a caveira, é um facto recorrente a nível

popular. A consciência da caducidade do ser humano está prevista até aos

nossos dias na liturgia de quarta feira de cinzas. O luto exagerado pela morte

de familiares, a cor negra na liturgia de defuntos. As danças da morte,

sublinhavam a vaidade das distinções sociais e das honras e a igualdade de

todos os mortais. Não era pois uma pia exortação sobre a transitoriedade das

coisas terrenas, mas também uma sátira, uma crítica social.

Ligada à esperança da vida depois da morte, busca-se o modo de se

preparar para isso. Aqui se apresentam as tentações que provavelmente olham

o moribundo, isto é a dúvida sobre a fé, o desespero pelos pecados, o apego

às coisas terrenas, o desespero pelo sofrimento e o orgulho pelas próprias

virtudes. Era necessário estar preparado para este momento assim decisivo

para o ser humano: o seu destino eterno. Com o tema da morte desenvolve-se,

de modo exagerado, a descrição do tormento do inferno, do purgatório, etc.

Olhando para o mistério de Cristo, sublinha-se a sua paixão, em

particular a crucifixão, que não aparecia simplesmente como a expiação da

culpa de Adão, mas também como expressão do amor de Deus pelo homem. A

cruz, assim, é vista como sinal deste amor divino ao qual o homem responde

com a sua compaixão. Para ajudar a esta piedade popular fizeram as suas

aparições a imagem de crucifixos não serenos e reais, mas representando um

homem sofredor, atormentado. Os crentes para receberem mais intensamente

a paixão de Cristo recorriam à flagelação. Começou aqui a utilizar-se a oração

da via sacra, a devoção às cinco chagas, às sete palavras de Cristo na cruz.

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Neste contexto também Maria aparece, preferencialmente, como

“dolorosa” aos pés da cruz, às vezes representada desnuda, sobretudo no

modo de Pietà; também a Assunção de Maria foram verdades familiares na fé

deste tempo. A mãe de Jesus é assim aquela que intercede junto de Seu filho

pela humanidade, aquela para a qual os crentes se voltam para obter graças e

milagres, como mostram os muitos santuários dedicados a Nossa Senhora.

No que diz respeito aos santos, estes eram vistos como figuras notáveis,

dos quais se conhecia particularmente o seu martírio e os seus estupendos

milagres; eram vestidos como o povo e podiam encontrar-se entre os

peregrinos. Cada figura de santo tinha uma imagem bem delineada, com a sua

individualidade. E por isso tendo em conta as suas particularidade as pessoas

invocavam mais um santo que outro.

Uma menção particular merecem os santos pregadores: A pregação era

desenvolvida sobretudo pelos mendicantes, franciscanos e dominicanos, que

andavam de terra em terra, sempre vivendo em grande pobreza. Este tipo de

pregação exigia uma mudança no modo de viver. Na prática apelava a um

exame de consciência a cada indivíduo e à própria sociedade. Assim os

pregadores assumiram um papel de reformadores sociais e transformaram-se

também num grande movimento de reconciliação. Entre os pregadores deste

tempo deve mencionar-se, Vicennzo Ferrer de Valência, Espanha (+ 1414),

teólogo dominicano. No centro da sua pregação encontra-se a figura de Cristo,

expressa particularmente no seu nome (IHS) ; e também o anticristo, do qual

se esperava a vinda eminente, um tom apocalíptico que fez com que muitas

pessoas se voltassem, se aproximassem seriamente à prática da vida cristã.

Também o franciscano S. Bernardino de Sena (1380-1444) emerge

como pregador. Depois de ter sido professor durante um breve período,

percorre toda a Itália setentrional e central. Enquanto Vicente insistia na vinda

do anticristo, Bernardino reorienta a sua pregação para Cristo, deixando o

apocalipse em favor do evangelho, centra-se sobre a devoção ao nome de

Jesus.

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JOÃO CAPRISTANO (ÁQUILA 1368-1456)

Frade menor, pregador ambulante, dedicou particular atenção à Odem

Terceira. Ele tinha o laicado no coração. Os seus sermões não procuravam

tanto a moralização teórica, mas mais apresentar a vida dos santos como

exemplos de vida cristã. Os seus termos preferidos eram a teologia de Cristo

Rei e a devoção ao nome de Jesus (IHS). É de sublinhar o movimento de

reforma laical, do qual nasceram as confrarias e os institutos laicais.

Jesus ocupa-se desde o início ao fim da realidade pobre e sofredora da

humanidade. Isso passa a ser um empenho total, fazendo do necessitado a

imagem do próprio Cristo. Esta mensagem tem sido levada muito em conta e

muito a sério por muitos cristãos de todos os tempos. Vejamos o empenho e o

discurso do Papa Francisco! Neste período a pobreza era uma chaga, para

tentar resolver o problema, criaram-se associações, confrarias, que

desenvolviam várias formas de solidariedade: no caso dos cegos, por exemplo,

havia aqueles que os acompanhavam, a mútua assistência no caso de doença

e também os locais onde se davam esmolas.

Os grandes pregadores de que falámos não cessavam de chamar à

atenção dos cristãos para o serviço dos pobres. Bernardino de Sena dizia: “ Tu

não sentes o grito dos pobres! E sabes porquê? Porque para ti não faz muito

frio: tu tens a barriga cheia, bebes bem, comes bem... corpo bem composto e

alma bem consolada!”

Savoranola dizia: “vós os ricos... ajudai os pobres!”

A Instituição que manifesta mais preocupação pelos necessitados é o

Hospital. Os hospitais fundados pelos cristãos eram lugares de terapia, mas

também de acolhimento. A expressão francesa para hospital é “Hotel”.

Hospitais especializados eram as leprosarias, para as pestes e epidemias,

refúgios para as prostitutas. Tudo isto mostra bem como a fé cristã criava

sempre Instituições novas, organizações humanitárias segundo as

necessidades dos necessitados e tinha para eles a respectiva espiritualidade.

Depois virão as escolas, etc.

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JERÓNIMO SAVONAROLA (1452-1498) E O HUMANISMO

RENASCENTISTA

A sua vida dividiu e divide a opinião geral das pessoas. Para alguns é

um santo, para outros um impostor, um exaltado ou até um iludido reformador.

Nasceu em Ferrara em 1452, entrou na Ordem Dominicana em Bolonha (1475)

e uma vez ordenado sacerdote, dedica-se à pregação com especial interesse

por temas apocalípticos e proféticos. Em 1492 num sermão diz que a Igreja

está construída sobre um monte, mas pouco a pouco de está a desmoronar;

importava reconstruí-la a pulso, como a Igreja dos apóstolos. Incitou à reforma

dos costumes, ao fervor, à extirpação dos vícios (vaidade, jogo, luxo, usura,

imoralidade) e à rebelião social contra as “tiranias” dos senhores de Florença.

Na sua pregação criticava os religiosos, os clérigos, os bispos e o Papa. Fez

terríveis investidas contra Roma.

Estando num ambiente renascentista, que tanto tinha reprimido o

paganismo greco-romano sobretudo no âmbito moral, Savonarola não se quer

apegar ao conformismo da mentalidade do Renascimento, como faziam tantos

cristãos, começando pelos Papas, cardeais bispos, que deixavam as

exigências do Evangelho, vivendo ao estilo dos pagãos. O seu programa

ascético era muito rigoroso, mas não se discutia. Em cada caso importa dizer

que a mensagem da sua vida cristã era essencialmente sobre a “imitação de

Cristo” e por isso não permite uma conformação ao ambiente circunstante sem

um discernimento, permanece válido, para não confundir “actualização” ou

“inculturação” com “secularização”. Entre os seus escritos devemos mencionar

“O triunfo da Cruz”.

O caso Savonarola, mostra que a relação da fé cristã com a nova visão

da vida, que o Renascimento comportava, não era fácil. Não se pode dar uma

definição que o caracterize completamente, mas podemos afirmar que no

Renascimento se encontra uma concepção da vida, em cujo centro se constrói

a partir do homem e não tanto de Deus e da religião, como na Idade Média.

O homem com a sua força e a sua racionalidade é capaz de escolher o

seu destino e a sua postura no mundo (embora haja o perigo de exagerar).

Mas estava neste antropocentrismos renascentista também uma redescoberta

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do protagonismo que o homem tem na concepção cristã: à sua volta roda toda

a reacção porque ele foi feito à imagem e semelhança de Deus. A partir de

Itália o humanismo renascentista difundiu-se por toda a Europa.

NICOLAU CUSANO (1401-1464)

Nicolau, nasceu perto de Treviri na Alemanha, e teve uma primeira

educação na Holanda junto dos Irmãos da Vida Comum ( Devotio); estuda na

universidade de Heidelberg e Pádua; ordena-se padre, depois bispo e é feito

cardeal; é uma das mais importantes personalidades intelectuais do seu

século. Trabalha pela reforma religiosa e formula, retomando temas típicos da

mística medieval, a doutrina da “douta ignorância”; os grandes fenómenos

naturais fogem à natureza humana e a maior razão foge-nos porque Deus é

infinito. É típico dos ignorantes torrarem-se Sábios.