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Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP) ESPIRITUALIDADE SÉC. XV - XVI Pe. José Carlos A.A. Martins

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Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

ESPIRITUALIDADE SÉC. XV - XVI

Pe. José Carlos A.A. Martins

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Instituto Diocesano de Estudos Pastorais (IDEP)

1. Introdução

2. Gerson

3. Devotio Moderna

4. Alguns escritores da Devotio Moderna

5. A Devotio e outras espiritualidades

6. Espiritualidade feminina

7. A religiosidade popular

8. Savonarola e o Humanismo Renascentista

9. Erasmo e o Protestantismo Luterano

10. Tomás Moro

11. João d’Ávila

12. Inácio de Loyola

13. Teresa de Jesus

14. João da Cruz

15. Filipe de Neri e o Oratório

16. Carlos Borromeu e a Reforma Tridentina

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Introdução

A fé cristã como história de salvação realiza-se no tempo, como um

interlaçar-se entre o eterno divino com o tempo histórico, um diálogo de aliança

entre a iniciativa de Deus e a livre resposta do homem. Isto que no evento

Cristo tem o seu ponto culminante, continua com a ação do Espírito Santo na

história. Assim Deus guia a Igreja e a humanidade de idade em idade, através

de etapas e horas únicas (Kairós), particularmente suscitando figuras e

movimentos de renovação.

A exigência de renovação da cristandade dá-se sobretudo nos séculos

XV e XVI. Uma multiplicidade de fatores põe em crise a vida cristã; muitas

eram ainda as sequelas do cisma do Ocidente (1378-1414) com três Papas

que lutavam entre si, mesmo com armas e exércitos, pelo Papado; a voz

profética de Catarina de Sena (1347-1389), pedindo aos Papas a reforma da

Igreja, mostra a gravidade do momento. Desde o Concílio de Viena (1311-

1312) e daí para a frente que se reclamava uma reforma da Igreja. Eram

sobretudo dois os âmbitos da reforma:

1) Os comportamentos morais (reforma dos costumes);

2) Os mecanismos institucionais que geram corrupção (reforma estrutural).

O conceito de reforma implica sempre uma vontade de melhorar. É

muito notado o ditado: “Ecclesia semper reformanda”, ou seja a fé da Igreja é

uma realidade sempre viva! Ela conhece a necessidade contínua de se renovar

de se revitalizar (Nova evangelização!). A reforma estrutural não teria muito

sucesso se se esquecesse a auto reforma, a reforma singular de cada crente à

luz do evangelho. Foi precisamente isso que recordou Catarina de Sena e que

depois continuarão a recordar Gerson, o movimento da “devotio moderna”,

Inácio de Loyola, Teresa de Jesus e outros, como veremos.

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É por isso uma vontade geral de uma religiosidade interior, longe dos

formalismos da oração, de práticas exteriores populares (peregrinações,

cerimónias), do abstratistismo teológico e jurídico. Trata-se de um aproximar-se

de novo à simplicidade de uma vida cristã segundo o Evangelho, como já o

tentaram fazer nos três séculos anteriores, S. Francisco e S. Domingos com a

fundação das ordens mendicantes, mas que agora têm também uma nova

necessidades reforma.

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JOÃO GERSON

Jean de Charlier, conhecido com o nome de Gerson, torna-se Prelado e

Chanceler da Universidade de Paris, onde estudou. Não obstante a grande

carga académica e teológica, desenvolve trabalhos pastorais na paróquia,

pregou na língua do povo e ocupou-se com intensidade na vida espiritual.

Gerson, desenha, pensando nas suas irmãs, um programa de vida

espiritual muito simples: fazia-se uma oração comum, a horas estabelecidas e

sempre às mesmas horas (para se disciplinarem), mais vezes ao dia, recebia-

se os sacramentos (da confissão e da comunhão) frequentemente; estavam

juntamente em paz, exortando à vivência e à prática do bem e consideravam-

se todos iguais; o vivido no quotidiano pode conduzir à santidade, sem

necessidade de fazer escolhas particularmente radicais.

Não pensando só nas irmãs, mas voltando-se em particular para os

leigos, Gerson escreve em francês duas obras importantes para a vida

espiritual: “Montanha da contemplação” e “ Mendicidade espiritual”. Estava

animado pela convicção de que cada batizado fosse chamado à perfeição do

amor e à santidade. Assim transparece o esforço de tornar acessível a todos

também os temas mais profundos da espiritualidade e da teologia: todos, por

isso devem pôr-se a caminho sobre o monte da contemplação, mesmo as

crianças.

Por isso tudo o que respeita ao início deste caminho, Gerson,

recomenda o conhecimento de si mesmo: cada um deve dar-se conta do

próprio carater. Uma pessoa que tende para a atividade, através do seu próprio

temperamento, não deve pretender forçar a sua natureza buscando uma forma

de vida espiritual em total retiro e silêncio.

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A ideia da montanha sugere um itinerário ascensional que ocorre para

chegar ou conseguir chegar à meta, escalando com fadiga as diversas etapas

da subida, até à contemplação (fase mais perfeita). O monte, a montanha é por

isso um lugar privilegiado para se fazer a experiência de Deus na Bíblia e

também noutras religiões.

A primeira etapa deste itinerário sublinha o aspeto penitencial que

consiste no “distanciar-se” no “apartar-se”, na libertação do “apego” a si mesmo

e às coisas. Trata-se por isso de iniciar um processo de autoconhecimento,

constatando os apegos que impedem o progredir do imperfeito ao perfeito com

gradualidade de modo semelhante ao que a natureza usa para fazer a sua

obra, levando ou passando da imperfeição à perfeição.

Só depois de ter percorrido o caminho da perfeição, se pode iniciar a

segunda etapa que consiste no estar “separado”, no silêncio. Isto é, trata-se

dum deserto espiritual interior; pode de facto estar-se sozinho exteriormente,

ou num deserto físico, mas cheio de recordações, de pensamentos, de rostos,

de lugares; e estas representações provocam no ser orante uma grande

perturbação!

A terceira etapa vem caracterizada por uma “forte perseverança”, que

dispõe a pessoa “para aquele estado perfeito” no qual se pode dizer que vive

do amor divino. “ Quem acredita não chegará ao cume da montanha sem uma

forte perseverança; é semelhante àquele que escala uma grande montanha e

desce sempre. Mesmo que esteja já no alto ou encontre alguma dificuldade ou

impedimento”.

Fica assim claro que segundo Gerson o amor divino é o início e o fim da

contemplação; por consequência, diz, o maior mestre de teologia é aquele que

mais ama a Deus, Quem mais ama Deus, conduz uma vida mais cristã. Neste

sentido a vida contemplativa é certamente a mais perfeita, como mostra a

palavra de Jesus a Marta, afirmando que Maria escolheu a melhor parte.

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É também verdade, afirma Gerson, que se se pode amar a Deus na

vida ativa, muito mais se pode na vida contemplativa. Alcança-se o estado de

maior perfeição a partir dum estado de menor perfeição: estar no “estado de

perfeição” (vida consagrada, consagração sacerdotal) não significa viver

plenamente a perfeição cristã, mas tender para esta com mais empenho!

A doutrina espiritual de Gerson, conduz à mística, como mostra a sua

obra de arte “ De mística theologia”, na qual analisa com profundidade a união

da alma com Deus. Nesta união, o crente é elevado à oração perfeita e

encontra nesta a sua plena realização. Entre os autores mais citados encontra-

se Dionísio Areopagita, Ricardo de S. Vítor, Hugo de Balma. Nesta obra a

mística assume a dimensão de uma “ciência” mas em estreita relação com a

vida da fé. Gerson não refuta a especulação teológica, como farão alguns

autores da “Devitio Moderna” mas procura estabelecer uma relação

complementar entre teologia e experiência religiosa.