revista democracia viva 20

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  • 8/7/2019 Revista Democracia Viva 20

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    D E M O C R A C I A V I V A 20fev 2004 / mar 2004

    FrumSocial Mundial

    Cndido GrzybowskiFlvia Mattar

    Gustavo MarinJoo Sucupira

    Leonardo MlloSilvana De Paula

    Vvian Braga

    Futebol globalizadoFbio S Earp

    Governo LulaSonia Fleury

    EntrevistaDod da Portela

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    E D I T O R I A LCndido Grzybowski

    Socilogo, diretor do Ibase

    oderamos resumir a misso da revistaDemocracia Vivaem exercer uma vigi-lncia cvica sobre a democracia em ao entre ns. Democracia, para o Ibase, so direitos civis epolticos plenos. ideal e vivncia prtica, como processo em permanente construo da sociedadehistoricamente possvel. Olhar a democracia em ao uma forma de agir criticando, para extrair omximo de possibilidades dos limites reais.

    Este nmero daDemocracia Vivavem a pblico num momento em que nossos contras-

    tes como sociedade so mais evidentes, ao menos para os olhares mais atentos. Temos o carnaval, com suaexploso de criatividade, alegria e afirmao de uma identidade poltico-cultural que ningum conseguedestruir. Somos ns, curtindo-nos como somos, mesmo nas piores adversidades, como nos anos dechumbo. Na outra ponta, temos os 40 anos do incio da ditadura militar no Brasil. Por mais que queiramosesquecer os tristes anos, como lembra lvaro Caldas, ainda no botamos a limpo o que foi a torturapoltica entre ns para extrair a delao. Estamos pagando caro por isso. A crnica de Alcione Arajo reveladora da tragdia que se abate sobre ns at hoje. Algum, sem nome, vive e morre. Triste herana nocotidiano de nossa atitude complacente com o terror. A democracia no aguenta isso.

    Explorar e expor nossos contrastes uma maneira de olhar sobre os limites e possibili-

    dades da democracia. Seja no futebol artigo de Fbio S Earp , seja no samba a entrevista com Dodda Portela e o ensaio fotogrfico de Cris Veneu, com texto de Ftima Pontes. Mas a contradio opera nocentro do governo Lula, como mostra Sonia Fleury, alertando sobre os cenrios possveis neste segundoano de esperana esgarada. O olhar irrequieto e provocador deDemocracia Vivaacolhe o discursoradicalmente democrtico em defesa do feminismo de Ana Veloso. No mbito internacional, a edio trazo artigo de Carls Riera sobre Barcelona. A cidade espanhola uma referncia do urbanismo mundial, masainda no conseguiu superar o desafio de alcanar uma integrao onde caibam o respeito diversidade e cultura, alm da sustentabilidade

    Logo aps o Frum Social Mundial, em Mumbai, na ndia, a revista do Ibase nopoderia deixar de ser o espao de ressonncia deste que , indiscutivelmente, o portador da maior ondade cidadania planetria jamais vista. No calor do que ocorreu em Mumbai, diferentes impresses depessoas do Ibase que l estiveram. Alm disso, temos o artigo de Gustavo Marin. Trata-se de umprimeiro balano, feito no calor da hora, instigante, apontando fraquezas e debilidades do FSM em suaquarta edio mostrando de forma cabal uma vontade de superar o dficit de globalidade, tantogeogrfica como social. Voltaremos a Porto Alegre em 2005 precisando dar um enorme salto de qualidadeem termos propositivos e de estratgias de ao.

    Democracia Vivaatende claramente a sua misso, trazendo tudo isto para debate pblico.Mas precisamos de vocs, leitor e leitora, para que exeramos nosso papel de vigilantes da democracia.Ajudem-nos na tarefa de radicalizar o debate entre ns! A democracia e a cidadania no Brasil agradecem.

    P

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    S U M R I O

    ENTREVISTA Dod da Portela

    CULTURA Do samba

    Ibase Instituto Brasileiro de AnlisesSociais e EconmicasAv. Rio Branco, 124 / 820148-900 Rio de Janeiro/RJTel.: (21) 2509-0660 Fax: (21) 3852 [email protected] - www.ibase.br

    Conselho CuradorRegina NovaesJoo GuerraCarlos Alberto AfonsoMoacir PalmeiraJane Souto de Oliveira

    Direo ExecutivaCndido GrzybowskiFrancisco MenezesJaime Patalano

    Coordenadores(as)Erica RodriguesIracema DantasItamar SilvaJoo Roberto Lopes PintoJoo SucupiraLeonardo MlloMoema MirandaNbia Gonalves

    Assessora da Direo ExecutivaMaria Nakano

    D E M O C R A C I A V I V A ISSN: 1415149-9

    Diretor ResponsvelCndido Grzybowski

    Conselho EditorialAlcione ArajoAri RoitmanEduardo Henrique Pereira de OliveiraJane Souto de Oliveira

    Regina NovaesRosana Heringer

    Coordenao EditorialIracema Dantas

    SubeditorMarcelo Carvalho

    RevisoAnaCris BittencourtMarcelo Bessa

    Assistentes EditoriaisFlvia MattarJamile Chequer

    ProduoGeni Macedo

    DistribuioMaria Edileuza MatiasProjeto GrficoMais Programao Visual

    DiagramaoImaginatto Design e Marketing

    Foto da CapaCris Veneu

    FotolitosRainer Rio

    ImpressoSRG Grfica e Editora

    Tiragem4.300 exemplares

    [email protected]

    2 ARTIGO40 anos do golpe militar, um legadoque ainda paira sobre nslvaro Caldas

    8 NACIONALGoverno Lula: continusmo noprimeiro ano. Mudanas no segundo?Sonia Fleury

    14 VARIEDADES

    16 CRNICA Rquiem sem lgrimasAlcione Arajo

    18 ESPORTEGrandezas e misrias do futebolglobalizadoFbio S Earp

    24 INTERNACIONALDesenvolvimento urbano emBarcelona: conflito de vizinhanae consenso miditicoCarls Riera

    30 PELO MUNDO

    32 ENTREVISTA Dod da Portela

    40 RESENHAS

    44 FRUM SOCIAL MUNDIALEstamos mais fortesGustavo Marin

    48 OPINIO IBASEImpresses de MumbaiCndido Grzybowski, Vvian Braga,Joo Sucupira e Flvia Mattar

    54 INDICADORESNotas de pesquisaSilvana De Paula e Leonardo Mllo

    60 ESPAO ABERTOO discurso feminista na esfera pblicaAna Veloso

    68 CULTURA Do samba

    76 LTIMA PGINA Marco

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    A R T I G Olvaro Caldas*

    um legado

    que ainda paira

    40 anos do

    Num angustiado ensaio escrito em meio ao espanto e indignao provocados pela revelao

    dos pores da guerra da Arglia, Jean Paul Sartre advertiu que a tortura no civil nemmilitar, nem tampouco especificamente francesa, mas uma praga que infecta toda nossa

    era. Naquele momento, entre 1957 e 1958, a populao francesa tomou conhecimento deque o exrcito francs e as foras policiais da colnia empregaram sistematicamente a

    tortura no enfrentamento aos rebeldes argelinos, levando a uma comoo generalizada.

    golpe militar,

    sobre ns

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    A R T I G O

    At ento, no mundo chamado civilizado,acreditava-se que o emprego da tortura cons-titua uma aberrao de governos psicticose degenerados, sem apoio popular, brba-ros e dspotas no esclarecidos que viola-vam todos os princpios de justia e de direi-to universalmente reconhecidos.

    A praga antevista por Sartre alastrou-se na dcada seguinte. Dessa vez, tendo osgovernos ditatoriais da Amrica Latina comocentro de uma nova fase de expanso e re-crudescimento da tortura como mtodo ro-tineiro e institucionalizado de represso pra-ticado pelo Estado. Esses governos contavamcom a cobertura e o ostensivo apoio tcnicoe financeiro da CIA, agncia do governo nor-te-americano e de outros Estados liberal-de-mocrticos, todos considerados civilizados.At mesmo oknow-how francs adquirido

    na Arglia foi transferido.Gestada nos po-res da ditadura militar,essa infeco constituium dos seus legadosmais nocivos socieda-de brasileira; seus tent-culos criaram razes e seespalharam, aproveitan-do-se do ambiente pro-pcio ao abuso de auto-ridade, impunidade, corrupo e violnciapolicial. A ditadura du-rou mais de 20 anos.Parte do seu acervo de ar-bitrariedades com muitosdos seus crimes inclu-indo a localizao doscorpos dos desapareci-dos polticos , continuaat hoje trancada nos ar-quivos militares.

    Quando se falaem tortura, no se trata

    de desmandos de meiadzia de policiais e ofi-ciais subalternos. Prti-ca institucionalizadapelo regime ditatorial, atortura tornou-se umpoderoso instrumentoda poltica repressora do

    Estado, que se provou eficiente e eficaz, custa de muitas vidas, de centenas de pesso-as mortas e desaparecidas, de terrveis se-qelas, fsicas e morais. No solitrio e abjeto

    embate que se trava numa prolongada ses-so de suplcios, o torturador no se con-tenta com a rendio da pessoa torturada,ele a lmeja apossar-se de sua alma,despoj-lo de seus valores, tornar-se donode sua voz para transform-lo num dela-tor. O carrasco sevicia, humilha e adminis-tra a dor para arrancar uma informao,num sdico ritual que pode terminar comum cadver em suas mos.

    No Brasil, ainda no fizemos uma dis-cusso para passar a limpo essa histria, oque significa que estamos aptos a repeti-la,como de fato se repete pas afora. Relatriorecente da Organizao das Naes Unidas(ONU) confirma que a tortura policial corresolta nas delegacias de polcia e penitenci-rias do pas.

    No Rio, vale lembrar dois casos de im-

    pacto registrados pela imprensa. Em outu-bro do ano passado, Chan Kim Chang, co-merciante chins naturalizado brasileiro, foipreso no aeroporto internacional Tom Jobime levado por agentes federais para o pres-dio Ary Franco. Trs dias depois, foi deixadoem coma no hospital Salgado Filho. Para apolcia, o chins causou uma leso em simesmo. Policiais suspeitos foram afastadosde suas funes, mas as investigaes ain-da no chegaram ao fim e punio dospoliciais delinqentes. Em outro caso, ain-da mais recente, o estudante de fisioterapiaRmulo Batista de Melo, 21 anos, foi presono dia 21 de janeiro de 2004 em Cabo Frio,sob acusao de roubo de carro. Seis diasdepois, seu corpo, com marcas de tortura esevcias, foi entregue famlia. Relatriopolicial informa que ele causou as lesesem si mesmo. Quem no se recorda de queo jornalista Wladimir Herzog, assassinadopelo DOI-Codi em So Paulo, em outubro1975, foi dado como suicida?

    Os casos de tortura e morte inte-graram-se rotina das delegacias de pol-

    cia, com graves conseqncias para a so-ciedade. Pesquisa realizada pelo Datafolhapublicada em fevereiro deste ano pelaFolhade S.Paulo revelou que 24% da populaopaulistana admite a prtica de tortura fsi-ca para que pessoas suspeitas confessemcrimes. Num pas que manteve o regimede escravido at o fim do sculo XIX, aaberrao da tortura pode vir a se tornaraceitvel, diante de uma poltica de Esta-do que ora se omite, ora a utiliza para seusfins ilegtimos.

    Pesquisa realizadapelo Datafolhapublicada emfevereiro deste

    ano revelou que24% da populaopaulistana admitea prtica detortura fsicapara que pessoas

    suspeitasconfessemseus crimes

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    Museus do terrorNa Amrica Latina, o violento legado dos anosde terror com seu sqito de tortura, assassi-natos, execues e desaparecimentos perma-nece sombra e ainda no foi inteiramenterevolvido. Com o fim das ditaduras militaresno Brasil, Uruguai, Chile e na Argentina, dra-mas pessoais foram expostos, mas a ao cri-minosa e terrorista dos Estados continua en-coberta. So segredos militares que

    permanecem fechados.H indcios de que os ventos come-

    am a mudar na Argentina. O presidenteNstor Kirchner anunciou que o prdio datemida Escola de Mecnica da Marinha(Esma), principal centro de tortura durante aditadura, ser transformado em museu parapreservar a memria das pessoas presas pol-ticas mortas e desaparecidas. Exemplo que ogoverno brasileiro poderia seguir, transfor-mando em museu e abrindo ao pblico asinstalaes do DOI-Codi no Rio de Janeiro,

    no 1o Batalho de Polcia do Exrcito, ruaBaro de Mesquita, na Tijuca, com os fantas-mas que habitam seus pores.

    No tivemos um movimento de massade repdio praga da tortura porque no sedeu opinio pblica informaes sobre aprofundidade da infeco. A covardia e osinteresses de uma parte da sociedade, quetransitou da ditadura para a democracia man-tendo postos no poder e nas Foras Arma-das, e uma imprensa que no se empenhouem recuperar esse passado maldito contri-buram para que o povo brasileiro, e demaispovos latino-americanos, no tivessem essainformao, como a populao francesa pdeter no caso da Arglia.

    Aqui no se criam recordaes, umaterra sem coisas passadas. As bandeiras de de-nncia, os cartazes com as pessoas mortas edesaparecidas e o grito tortura nunca mais!continuaram como se ainda ditadura fosse, nasmos de grupos politizados, entidades de

    Barbrie em questoA guerra da Arglia reabriu uma ferida. Asprimeiras vtimas da tortura naquele pas fo-ram os revolucionrios rabes que lutavampela independncia, ou seja, os estrangeiros,os outros, os negros, os oprimidos, pon-do em xeque o problema geral das polticasde colonizao europia. A incmoda pre-sena da barbrie no centro da Europa cau-sou escndalo e o caso teve enorme reper-cusso. Em grande parte porque oressurgimento da tortura no sculo XX eravisto como um fenmeno confinado e res-trito a algumas formas de governos ditatori-ais, de caractersticas aberrantes emanipuladoras, como foram os casos da Ale-manha nazista e a selvageria stalinista naUnio Sovitica e seus estados satlites.

    A Frana levantou-se, indignada. Comofora possvel chegar at aquele ponto?Aps 1957, quando as denncias se in-tensificaram na imprensa, a mobilizaode repdio da sociedade cresceu e contri-buiu para a queda da Quarta Repblica e,logo a seguir, para a independncia daArglia, em 1962. O povo francs orgu-lhava-se do carter humanitrio e legal desuas instituies e no estava preparadopara acreditar que oficiais de seu exrcito

    fossem capazes de dependurar um prisio-neiro no pau-de-arara. Abriu-se um de-bate nacional, envolvendo polticos, sin-dicalistas, jornalistas e intelectuais doporte de Sartre e de Albert Camus, esteum pied noir , nascido na Arglia. A im-prensa teve papel relevante, contribuin-do para revelar a extenso e gravidadedos fatos, com a comprovao de que asautoridades francesas, militares e mem-bros da polcia utilizaram a tortura noapenas contra argelinos mas tambm con-tra cidados e cidads franceses.

    No mesmo ensaio, que serviu de pref-cio ao libelo La question, de Henri Alleg,citado no livroTortura , do historiador nor-te-americano Edward Peters, Sartreexteriorizou o seu horror:

    Em 1943, na rua Lauriston, o quar-tel-general da Gestapo em Paris, os fran-ceses gritavam de agonia e dor e toda aFrana podia ouvi-los. Naqueles dias asconseqncias da guerra eram incertase no queramos pensar no futuro. Ape-nas uma coisa parecia impossvel emquaisquer circunstncias: que algum diahomens agindo em nosso nome fizes-sem outros gritar daquela forma.

    40 ANOS DO GOLPE MILITAR, UM LEGADO QUE AINDA PAIRA SOBRE NS

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    A R T I G O

    * lvaro CaldasJornalista, professor eescritor. Autor deTirando o capuz(Codecri, 1980), queser relanado noprimeiro semestre de

    2004 pela editoraGaramond

    anistia, mes, avs e familiares, ou seja, emseus pequenos guetos, como se ainda vigo-rasse o regime de opresso e essas fossembandeiras da esquerda, de algunsrevanchistas, e no uma questo de interessede toda a sociedade.

    J diziam os gregos que, diante de tra-gdias e crueldades incomuns, as pessoas,para ganhar coragem, sempre costumam re-petir que j viram coisas piores , quando de-veriam dizer que o pior est por vir . Entrens, a imagem da tortura praticamente ficoureduzida a um interrogatrio de delegaciapolicial, durante o qual so aplicadas rotinei-ramente umas porradinhas, uma extravagn-cia do Dops praticada por delegados. O maisfamoso deles, Srgio Fleury, um facnora cni-co, morreu prematuramente, ainda durante a

    ditadura, num estranho

    acidente em seu barco,para satisfao dos res-ponsveis maiores, osmilitares, que haviam cri-ado o monstro.

    Tudo se passoumuito pertoVista sob essa tica de-formada pelos temposde censura, a tortura vi-rou sinnimo de maustratos , um detalhe me-nor da guerra suja , ex-presso que iguala todasas pessoas na mesmavala, torturadores e com-batentes, afinal anistia-das juntas. Porm, a di-tadura brasileira e suascongneres institucio-nalizaram, de fato, a tor-tura e a utilizaram comouma poderosa arma a

    servio do Estado paradifundir o terror, omedo, obter informa-es e eliminar seus ad-versrios polticos. E ofez com grande eficin-cia, numa ao integra-da denominada Opera-o Condor.

    Os oficiais mili-tares recrutados para compor suas equi-pes receberam tratamento de elite, salri-

    Todos os aparelhoseram devidamenteequipados com osprosaicos e terrveisinstrumentos

    necessrios a seuinfame e rduotrabalho. Poucaspessoas no Brasilconhecem de fatoessa histria.

    Quando soinformados, osjovens abrem a bocahorrorizados

    os e soldos extras, benefcios familiares,alm de clandestinidade, impunidade, pro-teo e verbas secretas. Tambm foram trei-nados em cursos e escolas especializadas, umadelas mantida pela CIA no canal de Panam.A ainda recente experincia francesa na guer-ra da Arglia foi muito bem-vinda. O regimedestinou a esses seletos grupos de foras-da-lei espaos inviolveis dentro de seus quar-tis e em delegacias, com direito a casas estios clandestinos, como a famosa Casa doterror , em Terespolis.

    Todos os aparelhos eram devidamen-te equipados com os prosaicos e terrveis ins-trumentos necessrios a seu infame e rduotrabalho. Poucas pessoas no Brasil conhecemde fato essa histria. Quando so informados,os jovens abrem a boca horrorizados.

    Na Casa do terror, os carrascos no te-

    riam testemunhas. Somente os deuses e algu-mas pessoas desmemoriadas sobreviventes da-quelas oficinas de tortura. Mas tudo se passoumuito perto, do nosso lado. Como na ruaLauriston, em Paris, onde franceses gritaramde agonia e de dor, muitos brasileiros grita-ram de dor e agonia no 1o Batalho da PE, ruaBaro de Mesquita, centro de operaes doDOI-Codi no Rio, e tambm nos pores de umatranqila delegacia policial na rua Tutia, bair-ro do Paraso, em So Paulo, sede da temvelOban (Operao Bandeirantes), ou em tantosoutros lugares no pas onde essa praga con-fortavelmente se instalou.

    E com ela o sdico, cruel, covarde erotineiro exerccio da macabra explorao docorpo nu da pessoa torturada pelo tortura-dor, procura dos pontos sensveis de dor ede sua rendio fsica e moral.

    Naquela assombrada casa de pessoasmortas onde reina o terror e o tempo no pas-sa, o torturador busca infatigavelmente extra-ir esse o verbo aquela informao que apessoa torturada resiste em lhe dar, numa pe-nosa negociao cujo preo a dor. Uma bru-

    tal negociao que se desenrola em meio agritos, choques, porradas, execues simula-das, queimaduras, afogamentos, estupros, fo-bias, humilhao, desespero, suor, dejetos esangue. Agonia e morte de muitas pessoas,seus cadveres.

    Esse o passado que precisamos pas-sar a limpo. Para livrar a sociedade dessa pra-ga, indispensvel remover os escombros dei-xados pela ditadura. Quarenta anos decorridosdesde o golpe militar de 1964, o abominvellegado ainda paira sobre ns.

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    O que era segredo,a gente revela.

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    usando o dinheiro dos seus impostos. O Ibase pesquisou e

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    N A C I O

    8 DEMOCRACIA VIVA N 20

    N A C I O N A LSonia Fleury*

    Governo

    Lula:O presidente Lula foi eleito por uma ampla coalizo, que somou aos votos tradicionais

    da esquerda os de outros setores descontentes com o modelo poltico liberal. Neste

    ltimo grupo, incluem-se empresariado, industriais e a classe mdia. Sob o lema A esperan-

    a venceu o medo , o novo governo tomou posse prometendo mudanas com seguran-a, demonstrando o amadurecimento poltico do lder sindical que organizou a resistncia

    da classe operria aos governos militares e fundou o Partido dos Trabalhadores (PT).

    Internacionalmente, a vitria de um governo de esquerda no Brasil representou a possi-

    bilidade de construo de uma alternativa globalizao subordinada aos interesses da

    especulao financeira.

    A vitria de Lula s pode ser explicada como resultado da poltica liberal implantada

    pelo governo anterior, que provocou um desmonte simultneo nos canais de representao da

    burguesia e da classe trabalhadora. nos marcos da crise de hegemonia do modelo liberal

    vigente na dcada de 1990 que se constri um projeto alternativo de poder. A eleio de

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    N A L

    * Texto apresentado na jorna-da Um ano de governo Lula:oportunidades e desafios ,promovido pela Escola Brasi-leira de Administrao Pbli-ca e de Empresas (Ebape) Fundao Getlio Vargas,Universitat Pompeu Fabra eFundacin Cidob, em Barcelo-na, Espanha, em 1o de dezem-bro de 2003.

    continusmo noprimeiro ano.Mudanasno segundo? *

    Lula representaria, portanto, a possibilida-de de unir os interesses do capital produtivoe do sindicalismo em torno de um projetode desenvolvimento nacional, alterando aatual correlao de foras e, assim, reduzin-do a margem de manobra do capital finan-ceiro e sua voracidade devastadora da eco-nomia nacional.

    O novo governo recebeu uma heranaeconmica amarga de seus antecessores, coma economia crescendo cerca de 1% ao ano,incapaz, portanto, de criar empregos para

    uma nova gerao de trabalhadores e traba-lhadoras. O crescimento do desemprego e dainformalidade no mercado de trabalho, a vul-nerabilidade da economia, o crescimento ex-ponencial da dvida como porcentagem doProduto Interno Bruto (PIB), o desmonte doaparato estatal desenvolvimentista por meiode privatizaes dos ativos pblicos e a inca-pacidade de desenvolver mecanismos de re-gulao foram legados da poltica liberal. Oinvestimento social realizado, capaz de me-lhorar os indicadores sociais, no reduziu a

    concentrao da renda, fato que tem geran-do uma exploso sem precedentes da violn-cia urbana.

    Economia vulnervelNeste contexto, e para gerar condies degovernabilidade, armou-se uma ampla coa-lizo liderada por dirigentes do PT, mas comuma composio diversificada, que se refle-tiu na contraditria composio do Minist-rio de Lula. Nesse sentido, lapidar a afir-

    mao de frei Beto, assessor do presidente,ao afirmar que o PT havia chegado ao gover-no, mas no ao poder. Mesmo assim, a es-peculao financeira se fez sentir imediata-mente aps a eleio, gerando uma sensaode perda de controle da estabilizao eco-nmica gerada a altos custos no governoanterior, mas mantendo a economia comple-tamente vulnervel. Apesar de Lula ter seapresentado como candidato responsvel,que respeitaria os contratos firmados e man-teria a estabilidade financeira, a especulao

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    N A C I O N A L

    financeira que se seguiu sua vitria fez comque o dlar disparasse e a estimativa inter-nacional do risco de investir no Brasil subis-se vertiginosamente.

    A opo por uma poltica econmicaortodoxa, dando continuidade quela assu-mida pelo governo anterior em consonnciacom as metas acordadas com o Fundo Mone-trio Internacional (FMI), foi adotada com vis-tas a estabilizar a economia e restaurar a cre-dibilidade ameaada no mercado financeiro

    internacional. Sem recur-sos para investir em po-lticas pblicas, o gover-no se dedicou a cortargastos e aumentar as ex-portaes, aumentando osupervit primrio, emum esforo gigantesco

    para gerar divisas e pagarjuros da dvida pblica.As conseqncias

    foram devastadoras: odesemprego atingiu n-veis assustadores, aeconomia entrou em re-cesso, a indstria ficouestagnada, empresariadoe classe trabalhadora jno suportavam a absurdataxa de juros e a demandadiminuiu no mercado in-terno. Nesse contexto, ogoverno encaminhou aoCongresso as propostas dereforma previdenciria etributria, ambas voltadaspara promoo do ajustefiscal e aumento da cre-dibilidade internacional

    do governo. O processo de negociao des-sas reformas evidenciou algumas das princi-pais qualidades e deficincias do governo. Porum lado, o governo Lula inovou ao instituir

    diferentes instncias de negociao das re-formas, seja com a sociedade civil, no Conse-lho de Desenvolvimento Econmico e Social,seja com os governos estaduais. Dessa for-ma, deu maior densidade ao processo demo-crtico, reduzindo as presses de congressis-tas por barganhas de cargos e verbas pblicaspara aprovar as reformas. Por outro lado, pri-sioneiro da armadilha da poltica econmicae do mercado financeiro internacional, redu-ziu a reforma da seguridade social a um ajus-te fiscal, diminuindo os gastos estatais com o

    funcionalismo pblico. Dessa forma, deixoude formular uma proposta para as carreirasdo Estado e perdeu a oportunidade de criarmecanismos de incluso no sistema de pro-teo social de 60% da fora de trabalho quese encontra no mercado informal de traba-lho. Conseqentemente, promoveu a ruptu-ra com aliados histricos, como sindicatos efuncionalismo pblico, e gerou fissuras nasua base parlamentar de apoio, passando adepender dos votos da oposio para apro-vao das reformas.

    Ano de tensesO primeiro ano do governo Lula caracterizou-se por continusmo na poltica econmica or-todoxa, inovaes no estilo e instituies po-lticas, impasses em virtude das contradies

    internas ao governo e uma ousada polticaexterna. As primeiras tenses se fizeram sen-tir no interior do prprio PT, caracterizadotanto pela disciplina partidria como por seuscompromissos ideolgicos e programticos,ao ter de apoiar medidas de reforma encami-nhadas pelo presidente ao Congresso, emfranca contradio com todo o iderio polti-co daquele partido. As opes de solidarizar-se com o governo, crescer como partido edescaracterizar-se ideologicamente oudesidentificar-se com o programa governa-mental e isolar-se so tenses permanentesdesse dilema. Dadas as caractersticas do pre-sidencialismo de coalizo vigente no sistemamultipartidrio do Brasil, associado a baixocompromisso programtico dos partidos, po-rm com fortes controles das bancadas pelaslideranas no Congresso, a aprovao das pro-postas do governo depende da negociaocom as lideranas parlamentares. Para tanto, crucial a posio articuladora desempenha-da por lderes do PT no Congresso, fortementeidentificados com as propostas governamen-tais, mas em franca contradio com as bases

    do partido e com os movimentos sociais quetradicionalmente o apoiaram.O governo tambm procurou cons-

    truir sua maioria por meio da negociao comgovernos estaduais, reconhecendo a impor-tncia poltica que tradicionalmente tiveramno controle das bancadas estaduais no Con-gresso. Foi marcado um tento pelo governoao convocar governadores para negociar asreformas. No entanto, a recesso econmicaaumentou a tenso poltica, com os gover-nos estaduais reivindicando compensaes

    Foi marcadoum tento pelogoverno

    ao convocargovernadorespara negociaras reformas.No entanto,a recessoeconmicaaumentoua tenso poltica

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    financeiras por meio da reforma tributria,de tal forma que essa negociao terminousendo incua e os contedos centrais da re-forma foram postergados.

    A perspectiva de gerar uma nova insti-tucionalidade, capaz de permitir espaos p-blicos de negociao e concertao, marcoucomo inovadora a gesto Lula no seu primei-ro ano de governo. A construo de um novocontrato social, capaz de impulsionar um pro-jeto de crescimento nacional com inclusosocial requer a formao de um novo blocodirigente para o pas, segundo palavras doministro Tarso Genro. Para tanto, o governoLula adotou uma estratgia de concertaosocial, inovando nos mecanismos institucio-nais de negociao e argumentao entre so-ciedade civil e governo, que, no entanto, seencontram limitados pela poltica de conten-

    o do gasto pblico estatal.Cada vez mais, as lideranas compro-metidas com um projeto nacional esto con-vencidas de que os instrumentos de reativa-o da economia, capazes de induzir ocrescimento, deveriam ser o gasto e o crditopblicos, combinados com a reduo subs-tancial da taxa de juros e a estabilizao dataxa cambial. Os eixos para os quais deveriamser orientadas essas medidas seriam os daampliao do supervit comercial e os investi-mentos pblicos na infra-estrutura econmi-ca e social. O prprio governo, em seu planoplurianual, assume essa mesma perspectiva,em franco desacordo com a poltica posta emprtica pelo Banco Central e pela Fazenda,cujos cortes oramentrios tm como esteioo acordo com o FMI.

    Contradies tambm se acentuam narea relacionada produo agrcola e ao meioambiente, com relao liberao ou no dasoja transgnica para plantao e comerciali-zao. Em um lado, encontra-se o Ministrioda Agricultura, cujo titular representa os inte-resses do setor agroexportador, atual respon-

    svel pelo supervit na balana comercial, e,no outro lado, a ministra do Meio Ambiente,Marina Silva, figura histrica das lutas dos mo-vimentos sociais nessa rea.

    Todas essas tenses implicaram umcongelamento da gesto pblica, mesmo emreas prioritrias para o governo, por serememblemticas, como o programa Fome Zero.Tambm nesse campo social o governo atualsegue a perspectiva de refilantropizao dapoltica social, margem da institucionali-dade das polticas universalistas criadas com

    a Constituio Federal de 1988. Em muitosmomentos, evidencia-se uma perspectivaque identifica desenvolvimento com cresci-mento e cidadania com consumo, retroagin-do em relao ao padro constitucional quereconhece os direitos de cidadania e inovana criao de mecanismos de co-gesto daspolticas sociais.

    Morte sbitaSe o primeiro ano foi ca-racterizado pela continui-dade nas polticas econ-micas e sociais, caberiaperguntar quais as chan-ces de que uma rupturaseja introduzida a partirdo segundo ano de go-

    verno. Se a estratgia dedar continuidade foijustificada como a nicaforma de evitar a mortesbita do governo, a in-capacidade de implemen-tar as mudanas para asquais a populao lheatribuiu um mandato se-ria razo suficiente paracaracterizar a morte lentado governo.

    medida que asexpectativas popularesno se realizaram, houveaumento da presso dosmovimentos sociais, es-pecialmente dos setoresvinculados a trabalhado-res e trabalhadoras semterra e, na rea urbana, asem teto. O recrudesci-mento dos conflitos commorte no campo, das invases das terras in-dgenas, da violncia urbana e do desrespei-

    to aos direitos humanos cobra medidas ime-diatas para buscar reduzir a secular eestrutural iniqidade na distribuio tanto darenda como dos bens pblicos no Brasil.

    Impossibilitado de atuar de forma efe-tiva na redistribuio da renda, em funodas restries econmicas das quais no con-segue se libertar, o governo tem buscado mar-car sua gesto por meio de medidas de com-bate corrupo, construo de uma polticae um sistema nacional de segurana pblicae uma poltica externa autnoma.

    A perspectiva degerar uma nova

    institucionalidade,capaz de permitirespaos pblicos

    de negociaoe concertao,marcou como

    inovadoraa gesto Lula

    no seu primeiroano de governo

    GOVERNO LULA: CONTINUSMO NO PRIMEIRO ANO. MUDANAS NO SEGUNDO?

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    Na poltica externa, o Brasil enfrentou-se com a questo da rea de Livre Comrciodas Amricas (Alca), cuja agenda inicial favo-recia os interesses dos Estados Unidos em de-trimento dos demais pases. Com habilidade,a diplomacia brasileira negocia acordos compases membros do Mercosul em uma estra-tgia que reduz a hegemonia norte-america-na na Alca, ao transferir temas polmicos paranegociaes conjuntas ou multilaterais. Noentanto, a capacidade de dar continuidade aessa poltica externa autnoma depender,sem dvida, da legitimidade do governo noexerccio interno do poder.

    Possveis cenriosO ano de 2004 ser um ano importante porvrias razes: em primeiro lugar, porque j

    no se poder tributar a poltica atual he-rana recebida do governo anterior; em se-gundo, porque ser ano de eleies muni-cipais; e, em terceiro, porque existe umaforte mobilizao da sociedade civil, tantofruto dos mecanismos de participao jexistentes como daqueles introduzidos poreste governo.

    O primeiro cenrio possvel aqueledesenhado pelo governo, no qual o pas sai-ria da recesso e iniciaria um ciclo virtuoso decrescimento econmico, com investimentospartilhados por Estado e iniciativa privada.Esse cenrio de crescimento econmico di-visado por alguns em relao aos indicado-res de reaquecimento da produo industrialnos dois ltimos meses, tanto do setor ex-portador como daquele responsvel pela pro-duo de bens para o consumo do mercadointerno. A suposio de manuteno de umapoltica macroeconmica ortodoxa, com al-guma pequena flexibilidade dada pelas con-dies de negociao do acordo com o FMIseria compensada por uma poltica meso-econmica heterodoxa, com mecanismos que

    j esto sendo implementados de expansodo crdito popular. O ano seguinte seria ain-da de poltica de conteno e de arrumaoda casa, com o aprofundamento da revisodo papel das agncias reguladoras e fortale-cimentos dos instrumentos de planejamentoe investimento pblico.

    A viabilidade de ser esse um cenriomais ou menos positivo e provvel depende-r da capacidade, a ser demonstrada, de rea-o do setor produtivo, especialmente daque-le que absorve mais mo-de-obra. Por outro

    * Sonia FleuryProfessora da EscolaBrasileira deAdministrao Pblica ede Empresas daFundao GetlioVargas (FGV), onde

    coordena o Programade Estudos da EsferaPblica, e membro doConselho deDesenvolvimentoEconmico e [email protected]

    lado, sem uma reduo dos juros e sem au-mento do investimento pblico em expansoda infra-estrutura econmica e social, serdifcil viabilizar uma retomada consistente docrescimento.

    Um cenrio oposto, pessimista, v nacontinuidade da poltica econmica ortodoxaa manuteno das condies de asfixia da ca-pacidade produtiva nacional, com aumento dodesemprego e do desespero. Dada a enormesolidariedade das lideranas sindicais e parti-drias com o presidente Lula, poderia ocorrerum aprofundamento do distanciamento en-tre bases e lideranas, que j se fez sentir porocasio da reforma previdenciria. Nesse caso,os canais democrticos de canalizao de in-teresses e agregao de preferncias se en-contrariam com o sentido invertido, de cimapara baixo, deslegitimando no s o governo

    como tambm as instituies da democracia.O estouro da boiada ocorreria quando asmassas passassem a atuar por conta prpria, revelia das lideranas, gerando uma situaode ingovernabilidade.

    Um terceiro cenrio identifica a ma-nuteno da poltica econmica ortodoxacomo um limite para que o governo possaatender s expectativas que o elegeram. Nes-se cenrio, os setores organizados da socie-dade, empresariado, sindicalistas, movimen-tos sociais, partidos polticos e a prpriaburocracia passariam a cobrar, cada vez mais,os compromissos assumidos em campanha.O que diferencia esse cenrio do anterior no a identificao da manuteno da atual po-ltica econmica como restritiva, mas a con-vico de que as instituies democrticasno sero afetadas. Ao contrrio, o revigora-mento das demandas sociais passaria peloscanais institucionais, fortalecendo-os. Consi-derando que este um governo que sabe res-ponder s demandas e presses polticas, es-pera-se que possa redirecionar sua polticaeconmica em consonncia com as expecta-

    tivas sociais.Todos esses cenrios sero fortemen-te afetados pela conjuntura econmica in-ternacional, pelo prestgio do governo noexterior e pelas condies de governabilida-de na Amrica Latina. Internamente, umacombinao do primeiro cenrio com o ter-ceiro seria mais provvel que a ocorrnciado segundo. Do desempenho da economiae da reao da sociedade organizada depen-der o grau das mudanas no segundo anodo governo Lula.

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    V A R I EV A R I EFlvia MattarColaboraram: Elaine Ramos e Jamile ChequerChope com cidadania

    A ONG gacha Nuances grupo pelalivre orientao sexual iniciou emPorto Alegre a distribuio de men-sagens conscientizadoras em bola-chas personalizadas de chope. De-senhos e cores chamativas foram

    utilizados como linguagem visual.Mais de 30 mil j esto decorandoas mesas de bares, boates, saunas,videolocadoras, livrarias etc.

    Foram criados quatro modelosbem-humorados de bolachas. Duasmulheres, segurando suas escovasde dentes, trazem a mensagemQuem casa quer casa! Os direi-tos civis so de todas e todos. Umhomem, com uma garrafa em umadas mos e uma camisinha na ou-tra, observado por olhares gulo-

    sos de outros homens, passa o se-guinte recado: O de bbado notem dono, mas tem camisinha! Sexo seguro prazer sem medo.Em uma referncia s dificuldadesenfrentadas por homossexuaispara a adoo de crianas, foi fei-ta a brincadeira Troque seu ca-chorro por uma criana pobre! Adoo um direito cidado. E,para chamar a ateno contra opreconceito que ronda as relaesinter-raciais, existe a mensagemMelancia com leite vai bem,tambm! Diversidade democra-cia. Bom proveito!.

    (51) 3286-3325www.nuances.com.br

    Trovador do samba

    Angenor de Oliveira (19081980) que ficou conhecido como Car-tola por ter o hbito, quando pe-dreiro, de usar um chapu-cocopara que o cimento no grudasseem seus cabelos , ao longo de 72

    anos de vida, comps cerca de 500canes, sozinho ou em parceria.A grandeza de seus versos e melo-dias tamanha que at hoje suasmsicas so regravadas pordiversos(as) intrpretes.

    Alm do legado de suas com-posies, o mestre ainda nos dei-xou a escola de samba EstaoPrimeira de Mangueira, qualno s deu o nome como tam-bm determinou suas cores. Paraquem dizia que o verde e rosa no

    combinavam, retrucava: Ora, overde representa a esperana, orosa representa o amor. Como oamor pode no combinar com aesperana?.

    Mesmo tendo declarado re-vista Manchete (3/12/1977) quequem gosta de homenagem ps-tuma esttua, impossvel nocontinuar a reverenciar a suaarte, patrimnio cultural brasilei-ro. O Centro Cultural Banco doBrasil do Rio de Janeiro apresen-tar, at 28 de maro, o espet-culo teatralObrigado, Cartola(direo de Vicente Maiolino etexto de Sandra Louzada). O mu-sical ganhou de presente sambaindito de Paulinho da Viola eHermnio Bello de Carvalho. Valea pena conferir.

    (21) 3808-2020

    Bota pra quebrar

    Mulheres quebradeiras de cocobabau da regio do Mdio Mearim,no Maranho, acionaram o Institu-to Brasileiro de Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renovveis(Ibama) para denunciar os proble-

    mas que a produo de carvo coma queima de cocos inteiros poderi-am acarretar. Segundo a Associaoem reas de Assentamento no Es-tado do Maranho (Assema), a em-presa Cosima, que nega as acusa-es, j teria instalado 40 fornosno municpio de Lago da Pedra.

    Em termos ambientais, as mulhe-res chamaram a ateno para as der-rubadas e o envenenamento das pal-meiras de coco babau e para o fatode no existir legislao que proteja

    esse bem natural. Em reunio com oIbama, ficou acordado que deputadosfederais e estaduais seriam procura-dos pelas quebradeiras para tentaracabar com essa lacuna legal.

    Tambm estaria em jogo o sus-tento de muitas chefes de famlia,que extraem subprodutos do cocobabau para aumentar sua fonte derenda. Produzem farinha domesocarpo que serve como com-plemento alimentar , leo paracosmticos e azeite comestvel,alm de carvo, utilizando apenasa casca do coco. A empresa tira apossibilidade de as mulheres au-mentarem a sua renda queimandoos cocos inteiros, para a produode carvo em escala industrial,denuncia Maria de Jesus Brinjelo,coordenadora adjunta da Assema.

    (98) [email protected]

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    D A D E SD A D E SArte kusiwa reconhecida

    As expresses orais e o grafismodos(as) Waipi, que habitam terrasno Amap, na divisa com a GuianaFrancesa, foram declarados patri-mnio oral e imaterial da huma-nidade pela Organizao das Na-

    es Unidas para a Educao,Cincia e Cultura (Unesco). A in-dicao partiu do Museu do ndio/ Fundao Nacional do ndio(Funai) e foi apoiada pelo Minis-trio da Cultura.

    Registrada pelo Instituto doPatrimnio Histrico e ArtsticoNacional (Iphan), desde dezembrode 2002, como Patrimnio Cultu-ral Brasileiro, a arte kusiwa revelapadres grficos, com infinitascombinaes, que so utilizados em

    pinturas corporais, tranados e de-corao de artefatos. Os traos,representando animais e objetos douso cotidiano, so feitos com tin-tas em cuja composio esto se-mentes de urucum, gordura de ma-caco, suco de jenipapo verde eresinas perfumadas.

    O status de patrimnio imaterialda humanidade poder proteger osgrafismos e saberes orais dos(as)Waipi do uso abusivo da sociedadeno-indgena para fins comerciaise publicitrios. Alm disso, poderelevar a auto-estima desse povo eo desejo dos(as) mais jovens decontinuar fortalecendo sua tradi-o e expresso cultural.

    Conferncia contraa fome

    A II Conferncia de Segurana Ali-mentar e Nutricional, que aconte-ce de 17 a 20 de maro, em Olinda,Pernambuco, cumprir o impor-tante papel de propor diretrizes

    para um plano nacional sobre otema. O evento acontecer em ummomento de decises no pas,como a discusso sobre o PlanoNacional de Reforma Agrria,novo Plano de Safra e as negocia-es internacionais do acordo agr-cola. Esses elementos tero boainfluncia nas discusses de cercade 800 delegados e delegadas e de200 integrantes do governo e doConselho Nacional de SeguranaAlimentar e Nutricional (Consea).

    Espero que as diretrizes estabele-cidas na conferncia tenham umbom impacto nas definies dopas, anima-se Francisco Menezes,diretor do Ibase e integrante doConsea.

    A conferncia ter 17 grupostemticos para o aprofundamentode um amplo leque de temas. Den-tre os mais controversos, RenatoMaluf, professor da UniversidadeFederal Rural do Rio de Janeiro(UFRRJ) e integrante do Consea,destaca os transgnicos. Certa-mente um ponto de debate e po-lmica. O Consea tem uma posi-o de favorecer o debate edesejamos que a conferncia tam-bm seja assim, diz.

    Academia sertaneja

    Ser inaugurada em agosto a Uni-versidade Federal do Vale SoFrancisco (UFVSF), com sede emJuazeiro (BA) e Petrolina (PE).A nova universidade incentivarprojetos que visem soluo de

    problemas socioeconmicos queafetam a populao pobre da re-gio do semi-rido.

    O professor Jos Weber FreireMacedo, reitor da UniversidadeFederal do Esprito Santo e gestorda implantao da nova federal,declarou que a idia destinar 50%das vagas para candidatos(as)oriundos(as) de escolas pblicas.Mas alerta que a deciso final fi-car a cargo do Conselho Federalde Educao.

    O concurso pblico para opreenchimento do corpo docen-te ser entre abril e junho. Jna seleo, o candidato a profes-sor da UFVSF dever apresentarum projeto social a ser desenvol-vido com os alunos na comuni-dade, explica Macedo.

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    C R N I C A

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    Tenho em mos o documento oficial de umapgina. No alto, em letras grandes em negrito,l-se Repblica Federativa do Brasilencimando as Armas da Repblica. Abaixo,em letras menores, Estado do Rio de Janei-ro. Em tipos manuscritos, l-se Mauro S.Dias, encimando quatro linhas de letras mi-das: Registrador e Notrio da Dcima Quar-ta Circunscrio do Registro Civil das Pesso-as Naturais e Tabelionato. Freguesia deMadureira Stima Zona. Matriz: Rua Dagmarda Fonseca, 118 Madureira. Filial: Rua Dozede Fevereiro, 427 Loja A Bangu. Apstriplo espao, l-se, em negrito: Certido de

    bito. Em seguida, o texto:Certifico que fl. 227 do livro no: C-0182do registro de bitos, sob o nmero deordem 85607, foi lavrado o bito de umcorpo falecido aos 30 dias do ms de ju-lho do ano de 2003, em hora ignorada,no(a) rua Virglio Filho s/no, Costa Bar-ros, do sexo masculino, filho de pais des-conhecidos, com a idade ignorada, pro-fisso ignorada, Estado Civil ignorado,residncia ignorada, natural de regioignorada. Ignora-se a existncia de fi-lhos, ignora-se a existncia de bens, ig-

    nora-se a existncia de testamento, ig-nora-se se era eleitor. Causa mortis:indeterminada em razo de intensa car-bonizao. Mdico atestante: Dr(a). NiloJorge R. Gonalves; Local do sepultamen-to: Cemitrio de Iraj. Declarante: Fabi-ano Silva dos Santos. Observaes: Re-gistro feito a 01 dia do ms de agosto doano de 2003. Guia: 189 39 DP. Eu,[assinatura ilegvel], declaro que o refe-rido verdade e dou f.

    Ao acabar de ler isso, caro amigo oucara amiga, fiquei como voc: pasmo, incr-dulo, chocado. De alma aturdida e espritodesarrumado. O que pensar primeiro? Nem sei.Para comear, o primeiro impulso de brasilei-ro: suspeitar da autenticidade do documento.Porm, est na minha mo, e recebi de fontelimpa jornalista que busca algum com quemcompartilhar sua perplexidade. um docu-

    mento autntico e legal. Tem as Armas daRepblica e est assinado pelo responsvelque, diz aqui, d f tem, pois, f pblica.

    Mas, pensando bem, d f exatamen-te de qu? De que nada sabia da criatura quese foi? Da prpria ignorncia? Imagino queum atestado de bito deveria informar quemmorreu, de que morreu, como o corpo domorto, seus parentes, endereo etc. Para queservir um documento que informa que ig-nora tudo do morto e das circunstncias damorte? De tudo, restam apenas trs informa-es: homem, morreu, queimado.

    Rquiemsem lgrimas

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    Alcione [email protected]

    O que pretendia a autoridade ao exarar como se diz no jargo dela um tal docu-mento? Tripudiar? O nico documento querestou do morto registra a sua morte e nadada sua vida. Talvez seja rotineira a macabraironia. Para a burocracia oficial, que costumaexigir que o cidado vivo prove que existe,deve ser natural que um morto no tenha pro-vas de que existiu. H, porm, um insofismvelcorpo. Ele grita no seu silncio.

    Para mim, para voc, caro leitor ou caraleitora, e para o mundo, algum morreu e nosabemos quem. Como pode isso acontecer naera da Internet, em plena sociedade de infor-mao? Acredite: agora que o sei, em absolu-ta indigncia e total anonimato, surge imensavontade de t-lo conhecido.

    Ningum registrou queixa do desapa-recimento nem foi reclamar o corpo ouidentific-lo. No nada, no nada, era um

    cidado. Seria branco? Negro? ndio? Japo-ns? Seria um brasileiro? Estrangeiro, incg-nito no Brasil? Um espio? Ser que morreuqueimado viveu o inferno na Terra parano restar despojos? Esteve entre nsdeliberadamente incgnito?

    Ningum verteu uma lgrima em suamemria. No se ouviu um Descansou, coi-tado, ou uma grande perda, ou aindaQue Deus o tenha. Quem seriam seus pais,seus irmos? No teria uma famlia? Foi semdeixar filhos, netos, nenhuma descendncia?No nada, no nada, era um indivduo.

    Passou por aqui sem deixar rastros nem pe-gadas, partiu sem deixar vestgio. Passou, eo mundo no deu pela sua presena.

    Ningum sentiu a sua falta? Ser queno tinha sequer parentes distantes? No nada, no nada, era um homem. Esteveentre ns e partiu sem que tivssemos achance de ouvi-lo, abra-lo, quem sabeconvid-lo a sentar-se mesa, como se fazcom um irmo.

    Ser que ningum o amou? Ningumo amava? Esposa, namorada, ningum? Umvizinho no lhe teria acenado nunca? Umco no lhe teria seguido os passos algumavez, ainda que escorraado em seguida? No nada, no nada, era um ser humano.

    Ningum indagou dos seus sonhos,desejos, saudades? Ningum mirou o fundodos seus olhos (azuis? Verdes? Negros? Cas-tanhos?) para saber da sua alma pelos

    olhos, opacos, brilhantes, radiantes, caloro-sos, tristes, frios, a alma fala. Ser que via-jou, visitou cidades, fez amigos, divertiu-se?Seria analfabeto e s viu a montanha, a r-vore, a gua do rio, ou foi um iniciado queentendeu a metfora do mundo que repousana vida letrada?

    Um bito no basta atestar. H queinvestigar, revelar, desvelar, conhecer, res-peitar. No nada, no nada, num s cor-po carbonizado morreram um cidado, umindivduo, um homem, um ser humano. E umpouquinho de todos e todas ns.

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    E S P O R

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    futebol

    E S P O R T EFabio S Earp*

    Grandezas

    O futebol uma das poucas atividades em que se cumpriu integralmente a promessa daglobalizao a extino das fronteiras para o capital e para todas as mercadorias, incluindoa fora de trabalho. Jogadores de futebol pertencem, juntamente com cientistas, artistas,

    executivos internacionais e alguns poucos outros profissionais, ao ncleo de privilegiados

    que consegue ganhar a vida em um mercado verdadeiramente mundial. Esse um segmen-

    to do mercado de trabalho caracterizado pela meritocracia, em que as firmas precisam de

    trabalhadores e trabalhadoras capazes de criar o novo. Enquanto cientistas e executivos so

    e misrias do

    globalizado

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    T E

    1 No se trata de excluir otrabalho de aprimoramentodos jogadores realizados pe-los clubes, apenas deixar cla-ro que, uma vez realizado omesmo trabalho, o talento ina-to continua gerando jogado-res melhores.

    2 As est imativas estono site Football TransfersInformation, obtidas em 26de outubro de 2003, em

    .

    3 Dados de Leonardo Ramalho,obtidos em 26 de outubro de2003 em .

    4 Dois meses e meio depois,quando estas linhas foramredigidas, trs deles manti-nham a liderana da artilha-ria. Apenas Adriano perdeua posio, em funo da cri-se que atingiu seu clube porconta do escndalo que aba-lou a firma patrocinadora, aParmalat.

    produzidos em srie pelas universidades,artistas e jogadores so artesos dotadosde habilidades inatas do tipo que no seaprende na escola , as quais lhes permitemoferecer espetculos.1 Esses trabalhadoresda indstria do espetculo so raros por-tanto, so muito mais caros.

    Quanto ganham essas pessoas pri-vilegiadas? A maior parte das estrelas deprimeirssima linha do futebol mundial recebeaproximadamente US$ 500 mil por ms.Esse o caso do nosso Ronaldo, do francsZidane, do portugus Figo e do espanhol Raul.O italiano Del Piero e o holands Kluivertganham US$ 750 mil; j o ingls Beckham o recordista com US$ 850 mil. Jogadoresem incio de carreira e de pouco prestgiojamais recebero menos de US$ 3 mil.2 obastante para fazer a cabea de multidesde jovens para quem o mercado de traba-lho raramente reserva mais de uma cente-na de verdinhas.

    Nossos jovens desempregados po-dem sonhar, mas dificilmente chegaro aesse paraso. O mercado de trabalho parajogadores de futebol que recebem salrioscomo esses dificilmente ultrapassar, emtodo o mundo, 20 mil vagas. No Brasil, osclubes da primeira diviso empregam apro-ximadamente 1.500 atletas, dos quais ametade na categoria iniciante ( jnior ).Existem 353 jogadores brasileiros registrados

    atuando no exterior;3 supondo a existn-cia de outros tantos jogadores mais jovensainda no registrados, podemos imaginarque existam aproximadamente 700 brasi-leiros defendendo seu lugar ao sol nos gra-mados estrangeiros.

    Muitos desses jogadores ocupamposio de grande destaque. Quando fi-zemos nossa pesquisa, eram nossos patri-otas os artilheiros dos campeonatos espa-nhol (Ronaldo), alemo (Ailton), italiano(Adriano) e portugus (Derlei).4 Mas tal

    prestgio no se restringe aos atletas queatuam no exterior; as selees brasileirasvivem o melhor perodo de sua histria.Somos o nico pas que j deteve ao mes-mo tempo as copas do mundo de todas ascategorias (adultos, sub-20 anos e sub-17 anos).

    Nas trs ltimas copas que dispu-tou, a seleo principal venceu duas e, naoutra, ficou em segundo lugar. H umadcada, o Brasil ocupa o primeiro lugarno ranking da Federao Internacional deFutebol (Fifa), por ser a seleo de melhoraproveitamento em todas as partidas.

    Temos todas as razes para ufanis-mo no futebol, no qual somos indubitavel-mente os melhores do mundo. Exceto uma:a populao brasileira raramente assiste aosespetculos desses artistas dos gramados.Sim, pois um quinto dos nossos jogadores os melhores se exibem em campeonatosa que s assistimos pela TV paga (canaisESPN). Apenas nos jogos das selees bra-sileiras podemos assistir a eles ao vivo oupela TV aberta.

    Isso acontece porque, enquantonossos craques se deram excepcionalmen-te bem com a globalizao e a Confedera-o Brasileira de Futebol soube adaptar-se aos novos tempos, os clubes brasileirosesto completamente falidos. Chafurdam napior crise de toda a sua histria e no con-

    seguem pagar nem previdncia social muito menos segurar os jogadores media-namente competentes, capazes de inserointernacional. Para entender como chega-mos a esse ponto, preciso retroceder eexaminar a histria do futebol no Brasil.

    Massas urbanas e espetculosO futebol acompanhou a industrializao ea urbanizao da economia brasileira, queproporcionaram massas urbanas vidas por

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    O Brasil tem umadas melhoresselees de futeboldesde 1930,quando ocorreua primeira Copado Mundo;na verdade,foi o nico pasa comparecer atodas as 17 copasj realizadas

    5 Alguns saudosistas talvezainda se recordem dos versosque embalavam a programa-o esportiva: Quem gostade cerveja/bate o p/reclama/ Quero Brahma!/Quero Brahma!ou Barba feita/com Gilletteazul/ perfeita/com Gillettemonotech/alegria/fao a bar-ba todo dia/com a Gilletteazul! .6 O caso paradigmtico foi ode Didi, ento tido como omelhor jogador do mundo,que no se adaptou durezados treinamentos na Espanha,pois, em suas palavras, trei-no treino, jogo jogo . Ra-ros casos de adaptao foramCanrio, Evaristo, Valdo,Julinho, Mazzola e Amarildo no por coincidncia, merameia dzia.

    espetculos que lhes permitissem trans-mutar frustraes e dios sociais em riva-lidades simblicas entre grupos de iden-tidade esportiva.

    As torcidas foram a identidade socialpela qual pudemos deixar de ser nativos oumigrantes, pobres ou ricos, brancos ou mesti-os de diversas misturas, dos bairros nobresou suburbanos, no turbilho cultural que foio Brasil na segunda metade do sculo XX. To-dos e todas ns, ao longo da vida, mudamos

    de moradia, de bairro, deemprego e de profisso,votamos em diferentescandidatos e partidos,acreditamos em diferen-tes utopias. Mas umacoisa no muda: a paixopelo clube de futebol e a

    identidade com seus de-mais torcedores.Foram esses apai-

    xonados que pagaram,com seus ingressos, os es-tdios e os salrios dos jo-gadores. Mas foram aindamuitos mais aqueles queaprenderam a torcer a dis-tncia, pelo rdio progra-mao de baixssimo cus-to para a indstria cultural,capaz de assegurar umaaudincia predominante-mente masculina, atraindoanunciantes como asgrandes cervejarias e lmi-nas de barbear, que sus-tentaram a incipiente pro-duo de jingles.5

    Alm dos jogos, osnoticirios esportivos, os

    comentrios, tudo aquilo que transformava ummero jogo de 90 minutos em um espetculo per-manente e quase sagrado, integrante de uma

    cultura esportiva capaz de dar sentido vida eordenar a passagem do tempo a semana entreum jogo e outro, os anos de uma competiopara a seguinte (Lembra, foi naquele ano emque o Flamengo ganhou com um gol do Validofeito com a mo...).

    O Brasil tem uma das melhores sele-es de futebol do mundo desde 1930,quando ocorreu a primeira Copa do Mun-do; na verdade, foi o nico pas a compare-cer a todas as 17 copas j realizadas. Desde1950, disputamos como real candidato ao

    ttulo e, em 14 competies, ganhamoscinco e tivemos dois vice-campeonatos estivemos em metade das finais. Nenhu-ma outra seleo tem esse retrospecto, se-quer parecido.

    Lei do PasseOs jogadores que despontaram para o su-cesso surgiram de clubes organizados emcampeonatos locais hierarquizados. At1966, apenas as cidades do Rio de Janeiroe de So Paulo tinham os pr-requisitospara o sucesso: torcidas dispostas a pagare estdios capazes de acomod-las. Emcada uma dessas capitais, havia quatro clu-bes com torcidas expressivas (chamadosgrandes ), que efetivamente competiampelos ttulos, e uma dzia de times sem

    torcida, que eram meros participantes (cha-mados pequenos ).Os pequenos (a includos os principais

    clubes das demais capitais brasileiras) no ar-recadavam o suficiente para cobrir suas des-pesas e s sobreviviam graas ao ltimo traodo trabalho servil existente no pas, a Lei doPasse do jogador de futebol.

    Essa lei consistia no fato de que umatleta s podia atuar por um clube se noestivesse mais ligado a nenhum outro. Ouseja, depois de comear em um clube, o joga-dor dependia da autorizao do mesmo paracontinuar exercendo sua profisso em umnovo empregador. O clube s liberava o atle-ta se recebesse uma quantia em dinheiro avenda do passe . Os clubes pequenos eramfbricas de jogadores a serem vendidos aosclubes grandes.

    proporo que esse mercado se de-senvolvia, os clubes grandes passavam agastar cada vez mais com passes e salriosde jogadores, excedendo o que arrecada-vam nas bilheterias.

    Para equilibrar as finanas, recorri-

    am s famosas excurses jogos amistosos(isto , de exibio, no de competio) re-alizados no exterior e pagos em preciososdlares. Quanto mais a seleo brasileiraobtinha resultados, mais os nossos clubeseram convidados a exibir os craques consa-grados pela camisa amarela Pel ,Garrincha, Didi etc. Alguns desses jogado-res eram negociados e se transferiam paraclubes no exterior, mas eram muito poucos,pois os brasileiros dificilmente se adapta-vam vida noutro pas.6

    E S P O R T E

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    Mercado futebolstico

    Na poca do milagre econmico , foi po-ltica dos governos militares descentralizaro futebol, mediante a construo (ou o in-centivo construo) de grandes estdiosnas principais capitais. Com grandes bilhe-terias, os clubes locais conseguiam compe-tir pelos grandes jogadores e, assim, en-trar para o panteo do futebol brasileiro.Foi assim que as cidades de Belo Horizon-te e Porto Alegre forneceram cada uma doisgrandes clubes ao recm-criado campeo-nato brasileiro, e tambm foi desse modoque Salvador, Recife e Curitiba fornecerammais uns tantos clubes de porte mdio.Estava criado um mercado nacional para oespetculo futebolstico.

    Na dcada de 1970, no exportva-

    mos jogadores: apenas craques em fim decarreira iam como uma espcie de embaixa-dores do futebol tentar popularizar o espor-te em novos pases (como Pel, nos EstadosUnidos, e Rivelino, na Arbia). A razo queos clubes europeus desenvolviam polticasprotecionistas, dificultando a importaopara dar oportunidade ao surgimento detalentos nacionais. A xenofobia revelou-seintil (quando o Brasil decaiu, ascendeu aArgentina, nico pas capaz de produzir cra-ques em quantidade e qualidade compar-veis aos nossos) e foi sendo paulatinamentesuavizada ao longo da dcada de 1980. Foiento que os melhores jogadores brasilei-ros tomaram o rumo da Europa Zico,Scrates, Falco, Cerezo e Jnior.

    No incio da dcada de 1990, o fute-bol europeu sofreu uma profunda moderni-zao administrativa, com um aumento dasreceitas resultante da venda de campeona-tos para a televiso (sobretudo TV paga), dolicenciamento de marca e de venda anteci-pada de carns de ingressos. Ao mesmo tem-po, reduziam-se as barreiras entrada de

    atletas, em parte como resultado da mobili-dade de cidados da Unio Europia. Foiassim que, na dcada de 1990, criou-se omercado globalizado do futebol, ora em ex-panso para a sia, com o Japo e a Coriado Sul j consolidados e sendo a China aprxima fronteira.

    O enorme aumento do poder aquisi-tivo dos clubes europeus foi sentido pelosclubes brasileiros, que no puderam maisreter jogadores de seleo no pas. Com otempo, nem mais os reservas da seleo aqui

    permaneciam. Mas a evaso de atletas foimuito menor do que poderia ter sido em fun-o de duas barreiras: a Lei do Passe, que res-tringia o direito de trabalho, e a poltica devalorizao cambial da primeira etapa do Pla-no Real. Alis, com o real valendo um dlar,no faltaram empresas multinacionais dispos-tas a investir em clubes brasileiros, pensandoem obter ganhos semelhantes aos do merca-do europeu. Foi possvel repatriar jogadores,tendo sido Romrio o caso mais conhecido.

    bastante prov-vel que as experinciasmodernizantes tivessemacabado pelo carterpredatrio da adminis-t rao dos clubes,freqentemente caso depolcia. Mas no vale a

    pena perder muito tem-po com isso porqueduas mudanas decisi-vas sepultaram essa fasedo futebol brasileiro. Aprimeira foi uma mu-dana jurdica, a elimi-nao da Lei do Passe,aps uma agonia pro-longada; agora, o clubes pode reter os direi-tos sobre o atleta du-rante a vigncia do con-trato. Livres dos clubes,os jogadores colocaramseus destinos nas mosde agentes (os famososempresrios ), que oscolocam em clubes emtroca de uma comisso algo semelhante aoque ocorre no boxe e nomundo artstico. A se-gunda foi uma mudana macroeconmica,a poltica de flutuao cambial, que nos

    trouxe a um patamar sustentve l de um d-lar por trs reais.A conseqncia de ambas as mudan-

    as que os jogadores esto livres para emi-grar e que mesmo salrios baixos em dlarconvertem-se em valores extremamente ele-vados a essa taxa de cmbio. E existe umacategoria de agentes especializados, autori-zados pela prpria Fifa, em colocar jogado-res em contato com os novos clubes; comisso, muitos clubes estrangeiros podem com-prar um craque brasileiro. Agora, no mais

    O enormeaumento do poder

    aquisitivo dosclubes europeusfoi sentido pelos

    clubes brasileiros,que no puderam

    mais reterjogadores de

    seleo no pas.E nem mais os

    reservas da seleoaqui permaneciam

    GRANDEZAS E MISRIAS DO FUTEBOL GLOBALIZADO

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    * Fabio S EarpProfessor do Instituto deEconomia da UFRJ eorganizador do livroPoe circo: fronteiras eperspectivas daeconomia do

    entretenimento (RazoCultural, 2002).E-mail: [email protected]

    S nas situaesde desesperonos dispomosa aceitarsoluesinovadoras.A situaodos clubes

    brasileiros j suficientementedesesperadorapara permitiro experimento

    7 IBOPE, Pesquisa Personali-zada/Opinio Pblica/Timesde Futebol , obtido em09/01/2004 em

    apenas o Real Madrid que tem dois jogado-res brasileiros: o Milan tem trs; a Roma, oSporting Lisboa e o Lyon tm quatro cada;o Borussia Dortmund, cinco; e o Benfica,outros seis. Mas no so somente os gran-des clubes que tm essa possibilidade: oBolvar boliviano, o CSKA blgaro e oPortimonense portugus tambm tm qua-tro jogadores brasileiros cada um, oChernomoritz russo e o Chombuk Hyundaitm cinco e o recordista o modestssimo

    Nacional, de Portugal,que conta com nove jo-gadores brasileiros.

    Essa fuga de atle-tas prejudicou a quali-dade dos espetculosapresentados no merca-do interno, e o pblico

    se retraiu, reduzindo asreceitas de bilheteria.Os grandes clubes bra-sileiros viram-se incapa-zes de sequer pagar sa-lrios em dia, o queaumentou ainda mais oxodo. Os clubes quetm sorte conseguemreceber alguma coisapela sada dos jogado-res com contratos emandamento que este-jam sendo pagos emdia; mas a maioria cha-furda impotente na pr-pria agonia. Ou seja,todos os clubes do pastransformaram-se empequenos , incapazesde se sustentar comsuas receitas prprias ede manter seus princi-pais jogadores.

    Qual a sada?Existe uma soluo vazia, repetida como ummantra, que a profissionalizao do fute-bol brasileiro. Nada contra, mas no se es-pere que da venha a soluo. Se triplicaremsuas receitas, os grandes clubes passaro areceber em torno de US$ 2 milhes mensais o que no d para sustentar um clube desegunda diviso na Europa e que no nadadiante de uma dvida como a do Flamengo,que se diz alcanar US$ 80 milhes. A verda-

    de que, com esta taxa de cmbio, no exis-te alternativade mercado capaz de salvar ofutebol brasileiro.

    Mas, felizmente, existem alternati-vas fora das fronteiras do mercado . No setrata de interveno estatal, pois ningumde s conscincia pensaria em proibir a sa-da de jogadores ou em destinar recursospblicos aos clubes. A alternativa algoque j acompanhava a humanidade desdeseu nascedouro, muitssimo antes da in-veno de mercados e de Estados: addi-va , com a qual se sustentam museus e so-ciedades beneficentes. A melhor forma criar uma sociedade de amigos que captedoaes e as direcione para a finalidadedesejada doaes que podem ser obti-das at por telefone.

    No caso do futebol, as contribuies

    no podem ser feitas mediante doaes di-retas aos clubes porque os dirigentes damaior parte deles no gozam da confianade suas torcidas. As sociedades de amigosprecisam ser dirigidas por pessoas de ido-neidade moral inquestionvel e ter suascontas publicadas mensalmente na impren-sa. Pensemos em torcedores ilustres que po-deriam aceitar trabalhar de graa: no Rio deJaneiro, pessoas como o tricolor ChicoBuarque, o vascano Srgio Cabral, o rubro-negro Zico, o botafoguense Armando No-gueira e muitos outros... E s devem liberarrecursos para finalidades especficas, ms ams, fora do controle dos dirigentes de clu-bes, destinando metade dos recursos paradvidas trabalhistas e previdencirias, en-quanto elas existirem.

    Vejamos o potencial deste sistema, quepode ser administrado por um convnio comum banco. O Flamengo tem 25 milhes de tor-cedores;7 se apenas um dcimo deles doarmensalmente R$ 10 (preo de uma arquiban-cada no ltimo campeonato), teremos mais deUS$ 8 milhes por ms, ou US$ 100 milhes

    por ano o que suficiente, por exemplo, parapagar todas as suas dvidas. Parece mgica, mas mera canalizao da paixo.

    S nas situaes de desespero nos dis-pomos a aceitar solues inovadoras. A situ-ao dos clubes brasileiros j suficiente-mente desesperadora para permitir oexperimento do novo. Ou ento, caso per-manea a misria atual de nossos clubes, quepelo menos se barateie a TV paga, para quepossamos assistir ao nosso melhor futebol nos campos europeus.

    E S P O R T E

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    O Jornal da Cidadania distribudopara pessoas que tm pouco ou ne-nhum acesso informao crtica ecomprometida com a democracia.Nossos leitores e leitoras so, espe-cialmente, estudantes e professorase professores de escolas pblicas detodo o pas. Mas tambm trabalha-doras e trabalhadores urbanos e ru-rais, lderes comunitrios(as), mora-doras e moradores de comunidadespobres. So 60 mil exemplares dis-tribudos gratuitamente.

    Participe de mais esta iniciativa doIbase. Voc pode ajudar com con-tribuies financeiras ou organizan-do um ncleo de distribuio.

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    I N T E R Nurbano em

    I N T E R N A C I O N A LCarls Riera*

    Desenvolvimento

    Barcelona est se convertendo, talvez j o seja, em uma referncia do urbanismo mundial,

    tanto pela sua tradio vanguardista como por seu atual crescimento, de grande projeomiditica, e por sua arquitetura, to valorizada entre as elites dessa disciplina. No entanto, a

    aposta pelo crescimento sem perder a identidade de cidade compacta, os objetivos da inte-

    grao e da coeso do conjunto da cidade compatveis com a diversidade funcional e de

    bairros, as respostas ao desafio da sustentabilidade e o horizonte de uma representatividade

    regional e global da cultura e do conhecimento superam em importncia o potencial de seus

    projetos arquitetnicos mais singulares.

    Barcelona:conflitode vizinhana

    e consensomiditico

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    A C I O N A L

    1 Na Espanha, movimento devizinhana (movimiento veci-nal ) corresponde a um conjun-to de organizaes entrepessoas que vivem em ummesmo bairro. O objetivo levar reivindicaes, propostase sugestes a autoridades lo-cais. Tambm pode ser deno-minado movimento de base(movimiento de base ).

    Apesar dessa fama, de grande atratividade tu-rstica, o desenvolvimento urbano de Barcelo-na no foi levado a cabo sem uma polmicacidad. A maior parte dos projetos de trans-formao e crescimento da cidade enfrentoucrticas e freqentes oposies e mobilizaespopulares, encabeadas, principalmente, pelomovimento de vizinhana.1 Entretanto, os su-cessivos governos locais conseguiram, quasesempre, criar um clima de consenso final, ba-seado na coeso das elites, econmicas, inte-lectuais e culturais, que produziram uma opi-

    nio pblica de apoio ao desenvolvimentismoda cidade e ao seu papel de liderana interna-cional em certos aspectos e momentos, resul-tando em notvel adeso e compromisso en-tre os setores populares, apoiados nasmelhorias dos bairros e na identificao comuma cidade que tem condio de protago-nista. Vejamos alguns dos principais proces-sos pelos quais passaram esse desenvolvimen-to e sua legitimao.

    Transformao urbanaNa regio metropolitana de Barcelona, dife-rentemente do que aconteceu na maioria dascidades europias e americanas que viramcomo seus centros urbanos mudavam crian-do downtowns metade centro de negcios(em que os fragmentos mais qualificados des-tinam-se a servios financeiros, servios em-presariais, sedes representativas das grandesinstituies etc.), metade centros de margina-lizao onde vo parar as minorias tnicas,desempregados(as), pessoas mais velhas sempossibilidades, marginalizados(as) e alguns

    grupos liberais de classe mdia , esse pro-cesso foi apenas parcialmente limitado, reno-vando e revitalizando o centro e tambm asperiferias compactas do municpio barcelons.

    As causas dessa tendncia so diversase devem ser entendidas no contexto histricoem que se produzem e na inteno que fazcom que Barcelona se dirija para sua recupera-o de maneira decidida.

    O peso de Barcelona em seu contextometropolitano e regional e sua progressivaimportncia internacional contriburam,

    juntamente com sua importncia poltica ecultural catal, de forma determinante parao seu desenvolvimento.

    Com o aparecimento das administra-es democrticas, administradores(as) pro-gressistas das cidades deram seu apoio e res-posta forte presso que a sociedade civilhavia exercido para recuperar Barcelona urba-nisticamente no regime poltico anterior. Emum primeiro momento, atuaram em peque-nos locais urbanos, praas e parques e, de-pois, ampliaram sua interveno para escalas

    maiores de reequilbrio de reas obsoletas oude reequilbrio entre regies da cidade.Posteriormente, em outubro de 1986,

    Barcelona foi escolhida para organizar os Jo-gos Olmpicos de 1992. Mais de 6 bilhes deeuros investidos no total da operao e, emdeterminados perodos, mais de 12 milhes deeuros dirios do uma idia da magnitude dasatuaes e da acelerao no processo de im-plementao. Esse fenmeno excepcional eoutros que, ao longo da histria recente deBarcelona, foram ocorrendo em intervalos de4050 anos (1888, 1929 e 1953) representa-ram saltos qualitativos e quantitativos na trans-formao da cidade. Atualmente, o Frum 2004das Culturas e a chegada do trem de alta ve-locidade legitimam novas atuaes de trans-formao e crescimento da cidade em grandeescala, que atraem investimento e novas opor-tunidades para atuaes urbansticas e arqui-tetnicas singulares. Novamente, reproduz-seo ciclo de oposio de vizinhana, dilogo elegitimao miditica a cargo das elites.

    Na requalificao de Barcelona, bus-ca-se novamente, como j haviam feito os pla-

    nejadores das expanses do sculo XIX, asreas comuns entre a arquitetura e o urba-nismo, trabalhando com a especificidade dacidade mediterrnea.

    A realidade construda da Barcelonacompacta permitia e permite intervir na cha-mada escala intermediria. Essa escala rei-vindicada como ponte entre as decises pro-gramticas e as estruturais. a consideraoda cidade por partes que permite solues for-mais bem especificadas e de qualidade. ochamado urbanismo urbano , do Laborat-

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    As construesrealizadas sobreedifcios jexistentese a exploraomximade todosos espaosdisponveisformam achamadafavelizaovertical

    I N T E R N A C I O N A L

    rio de Urbanismo de Barcelona (1984), que secaracteriza pela localizao dos aspectos vin-culados ao desenho em escala urbana.

    A Carta de Atenas prope, para o casodo projeto urbano, que o impacto da inter-veno a mdio prazo possa ser previamenteestimado. O valor do projeto de requalifica-o urbana ser dado pela aceitao dosagentes sociais e econmicos e pelo proces-so de revalorizao da cidade que se trans-forma e se atualiza em si mesma.

    Centro histricoO processo de renovaodo centro histrico deBarcelona um exemplode trabalho multidisci-plinar e de participao

    do tecido social, que su-pera necessariamente arealidade urbanstica doprojeto urbano e que,em certas ocasies, noem todas as necessrias,modula, transforma eacomoda diferentes pon-tos de vista.

    A Cidade Velha,como seu nome indica, a parte mais antiga da ci-dade. At o sculo XIX, aatual superfcie da Cida-de Velha representava atotalidade do territriourbano de Barcelona.Com o Plano Cerd, exe-cutado durante a segun-da metade do sculo XIX,a cidade rompe sua ter-ceira muralha e se esten-de at se unir com os po-

    voados vizinhos. Essa brecha permite umxodo da populao que possui os meios su-

    ficientes para faz-lo: a aristocracia e a bur-guesia se instalaro, assim, nos bairros emconstruo do Eixample. a que parece co-mear o processo de segregao urbana e demarginalizao do espao abandonado pelascamadas abastadas.

    No incio do sculo XX, a construodo metr e as obras realizadas em funo daExposio Universal de 1929 atraem uma im-portante onda de imigrao. Numerosos(as)cidados(s) de toda a Espanha partem emdireo a Barcelona e se instalam principal-

    mente na Cidade Velha. Eles(as) iniciam umprocesso de certa especializao ocupacionalnesses bairros, com a acolhida de recm-chegados(as) cidade e sua progressiva inte-grao no seio da estrutura urbana.

    Durante muito tempo, os bairros da Ci-dade Velha sofreram um importante processode degradao fsica. De sua longa histria ede sua forte densidade demogrfica, em cer-tas pocas, nasceu um tecido urbano muitoheterogneo. As construes realizadas sobreedifcios j existentes e a explorao mximade todos os espaos disponveis ptios inter-nos, terraos sobre os telhados, celeiros trans-formados em habitaes chegam a formar achamada favelizao vertical . Alm disso,proprietrios(as), em virtude do constante au-mento da demanda, optaram pela subdivisodos apartamentos que possuam, aumentan-

    do, assim, a rentabilidade de sua proprieda-de, sem realizar obras de manuteno e demelhoria dos edifcios. A tudo isso cabe acres-centar uma falta de investimento por parte dospoderes pblicos no tocante conservao dasinfra-estruturas urbanas e manuteno dosservios sociais.

    No fim da dcada de 1980, a adminis-trao empreendeu polticas de reformas ur-bansticas (os Planos Especiais de Reforma In-terna/Peri), destinadas a frear os fenmenosde degradao. Cada plano de reestruturaofoi objeto de uma mobilizao seguida de umanegociao das associaes de bairro. Isso expli-ca, em parte, a lentido de sua implantao e desua execuo. Os diferentes Peris da Cidade Ve-lha so apresentados como uma alternativa aosplanos anteriores de reformas urbanas, bloque-ados por causa de sua impopularidade. Em vezde proceder a uma terceirizao do setor subs-tituindo numerosas moradias por escritrios e em vez de mudar a textura do tecido social, osnovos projetos permitiriam que os(as) habitan-tes e suas atividades econmicas no-margi-nais permanecessem na regio.

    Esse processo, no entanto, no alcan-ou plenamente seus melhores objetivos, eo resultado atual inclui uma forte tendncia terceirizao, uma progressiva substituiode habitantes de camadas populares por clas-ses mdias e regies de forte marginaliza-o ligadas a novos(as) habitantes proveni-entes da imigrao, alguns(mas) dos(das)quais em ascenso social. Essa situao in-corpora tambm uma estrutura fortementeintercultural, valorada por uns(umas) e ques-tionada por outros(as).

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    DESENVOLVIMENTO URBANO EM BARCELONA: CONFLITO DE VIZINHANA E CONSENSO MIDITICO

    A democraciaatual foi

    verdadeiramenteparticipativaat o fim ou

    somente selimitou a

    escutar as

    peties comuma atitude desuperioridade?

    Conflito e participao

    A histria urbanstica da cidade est ligada aum ciclo constante de iniciativa urbansticamunicipal, protesto cidado, negociao e le-gitimao miditica do projeto estratgico comapoio das elites. Se, em um primeiro momen-

    to, as reivindicaes estavam ligadas s neces-sidades imediatas e fceis de justificar, tantodiante de vizinhos(as) como das autoridades,com o passar do tempo as demandas torna-ram-se mais complexas, e embora os movimen-tos sociais urbanos no tenham gerado mo-vimentos de massa como se esperava,acabaram influindo decisivamente na constru-o fsica da cidade. Depois de fazerem frentes necessidades imperiosas (expropriaes,falta de moradias), passaram a reivindicar umacerta qualidade de vida e acabaram exigindo com maior ou menor acerto uma qualidadena forma, um determinado desenho.

    Conjuntamente, as discusses geradaspela mobilizao cidad e a demanda de par-ticipao democrtica na redao do planeja-mento urbano questionaram tambm a fun-o de urbanista como projetista da novacidade e remodelador(a) da existente. O(a)tcnico(a) se viu obrigado(a) a reconsiderarseu papel e situar-se, em certo casos, comoredator(a) e planejador(a) de uma propostaque no pode remediar uma pressoreivindicativa e, em outros casos, comoimpulsionador(a) dessa presso. Ficou de-monstrado que no se pode prescindir do(a)usurio(a) se realmente se pretende construiruma cidade para todos(as).

    Em Barcelona, ainda que se tenhachegado a dialogar mais facilmente comvereadores(as) e prefeitos(as) nas adminis-traes democrticas, a resposta das associ-aes de vizinhana pergunta sobre se re-almente havia ocorrido uma mudanaimportante em sua forma de participao naconstruo da cidade negativa. A demo-

    cracia atual foi verdadeiramente participativaat o fim ou somente se limitou a escutar aspeties com uma atitude de superiorida-de? No momento da realizao das obras, ogoverno local imps seus critrios com umbom desenho, mas prescindindo das expec-tativas de vizinhos(as)? As associaes devizinhana, embora reconhecendo as gran-des realizaes e melhorias nos bairros, rea-firmam as crticas, insistindo na existnciade um despotismo ilustrado no urbanismobarcelons dos ltimos anos.

    A recente transformao da cidade deBarcelona de uma evidncia indiscutvel e comgrande consenso sobre o fato de que as mu-danas eram imprescindveis e inadiveis e so-bre as melhorias alcanadas em escala global ede bairros. Entretanto, bvio que ainda faltamuito a ser feito, tanto no plano fsico (cons-trutivo) como no social. Mas as discrepnciasaparecem em torno da questo sobre se foi fei-to ou no tudo o que era necessrio e da ma-neira adequada e, sobretudo, em relao ao pro-jeto estratgico de cidade,progressivamente elitista,dual, turstica, multicultu-ral e metropolitana.

    Balano dasreivindicaes

    Um trabalho de campoem 49 associaes debairro permitiu o preen-chimento, com mais oumenos dados, de 550 fi-chas de reivindicaescom uma repercusso f-sica sobre o territrio.

    Entre toda a in-formao sistematizada,foram analisados os ti-pos de reivindicaes,correlacionando-as como tempo e o local, o pro-cesso temporal entre rei-vindicao e realizao e acorrespondncia entre osolicitado e o conseguido,tanto a partir do que po-deramos chamar de pe-quena escala de satisfaodo(a) usurio(a) como a partir do parmetroem grande escala da incidncia na construoda cidade. A informao e a anlise foram or-denadas em quatro mbitos.

    1. UrbanizaoAs reivindicaes para uma melhoria da ur-banizao bsica aparecem na etapa inicialdo movimento em todos os bairros perifri-cos, sejam polgonos ou ncleos marginais,geralmente unidos com a reivindicao decondicionamento da moradia, e constatama nfima qualidade das atuaes construti-vas da dcada de 1950 de 1970. Alm dis-so, era imprescindvel para o progresso deum bairro conseguir um sistema de esgotos,

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    I N T E R N A C I O N A L

    Balano desigualEmbora seja verdade que o movimento de vizi-nhana tenha alcanado a dignificao urbanados bairros, assim como um clima de concerta-o e uma tendncia redistributiva eintegradora no crescimento da cidade, ele noconseguiu uma participao e uma influnciaefetivas no desenvolvimento estratgico deBarcelona, que ficou nas mos do consensodas elites polticas, tcnicas e econmicas. Issosignifica um modelo de adeso construdomidiaticamente que refora mais a aceitaodifusa de uma ordem do que a verdadeira co-eso. Progressivamente, a cidade se desarticulasocialmente sob a aparente comunho com oprojeto de cidade terciria, cultural, metropo-litana e tecnocrtica. Cada vez mais coexistemdiversas redes urbanas e sociais.

    Atualmente, Barcelona j est no limite desua capacidade de extenso urbana no territ-rio. E por isso que j faz tempo que est inter-vindo de forma muito ativa na configurao deuma conurbao metropolitana com os munic-

    pios de seu entorno e tentando salvar as barrei-ras fsicas que fragmentam essa grande redeurbana. Reivindicaes locais, ecolgicas e deconceito urbano que propem idias maisredistributivas e sustentveis tentam frear oulimitar tal projeto.

    De outra parte, projeto do Frum 2004 e achegada do trem de alta velocidade completamas grandes intervenes urbansticas no solo queno estavam redefinidas. Essas atuaes recebe-ram crticas relacionadas sua viso especulativae elitista. O fato que Barcelona encarece, amoradia inacessvel e as classes populares de-vem ir embora ou ocupar redutos de baixa qua-lidade habitacional.

    Provavelmente, s quando Barcelona en-contrar seus limites e se o movimento socialurbano for capaz de renovar suas foras ,poder ser reconsiderado o sentido de suasfuturas transformaes, j em escala metro-politana, a partir de uma verdadeira participa-o no estratgico.

    luz, gua ou asfalto. A exigncia dessas neces-sidades propiciou a coeso necessria para osurgimento dos movimentos sociais urbanos.

    Na dcada de 1970, os servios mni-mos foram conseguidos ou estava formuladasua reivindicao, e as peties de urbaniza-o eram, na verdade, de reurbanizao, ouseja, existia uma estrutura bsica, ruas ou pra-as, que necessitava uma remodelao ou ummelhor aproveitamento. O planejamento dedemandas de reurbanizao se manteve qua-se constante ao longo dos anos.

    Algumas dessas reivindicaes origi-naram as associaes de vizinhana, e a mai-oria teve uma importncia muito relevantepara a manuteno do carter do bairro oupara a recuperao de sua identidade.

    A oposio aos planos parciais forta-leceu as associaes de vizinhana, que con-

    seguiram passar da defesa dos habitantesafetados racionalizao das atuaes.A partir de 1973, foram registradas as

    primeiras denncias de irregularidades urba-nsticas, um tipo de ao que predominouat 1978 e que, alm dos resultados positi-vos de vigilncia e controle das imobilirias,parou ou modificou uma srie de constru-es de grande impacto. Continuaram os de-

    bates sobre o Plano Geral Metropolitano esobre os Peris dos diferentes bairros com re-sultados desiguais.

    2. PatrimnioO patrimnio entendido como tal a partirde duas variveis. Por ser de titularidade p-blica, ser necessrio zelar pela manutenoda propriedade, evitando-se a alienao oureclamando-se o uso pblico dos terrenosou edifcios. Ou, por seu valor cultural oscasos mais numerosos , ser necessrio res-gatar ou conservar certos edifcios privados,pelo interesse cultural ou artstico, ou, en-to, reclamar a manuteno ou a reposiode monumentos.

    As reivindicaes de patrimnio foramhabitualmente acompanhadas de propostasde reutilizao para equipamentos urbanos e

    de produo dos espaos pblicos e sempretiveram um valor simblico agregado. Taisequipamentos e espaos foram apresentadoscomo sinais de identidade do bairro e, em al-guns casos, acabaram por ser consideradosmais como um valor patrimonial exclusivo doprprio bairro, acima de seu servio ao con-junto da cidade. Apesar de tudo, esse tipo dereivindicao foi de grande utilidade para a

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    FEV 2004 / MAR 2004 29

    DESENVOLVIMENTO URBANO EM BARCELONA: CONFLITO DE VIZINHANA E CONSENSO MIDITICO

    * Carls RieraSocilogo, membroda Associao DesarrolloComunitario

    O RELATRIO 2003 DO OBSERVATRIO DA CIDADANIA TRAZ OCENRIO DE 15 PASES, ENFOCANDO A PRIVATIZAO DOS SERVIOS

    PBLICOS ESSENCIAIS E OS PREJUZOS QUE VM ACARRETANDO PARAAS POPULAES MAIS POBRES. O CAPITULO BRASILEIRO ENFATIZAOS SEGUINTES TEMAS: GNERO E AGRICULTURA FAMILIAR, COMBATE AIDS, RACISMO, PROTEO SOCIAL E DIREITOS, DESIGUALDADESE POLTICA, ECONOMIA E RELAES INTERNACIONAIS.

    O CD-ROM QUE ACOMPANHA A PUBLICAO TRAZ ESTATSTICAS QUEMOSTRAM O AVANO E O RETROCESSO DOS PASES EM RELAOS METAS DA ONU E TAMBM AS EDIES COMPLETAS EMESPANHOL E INGLS, COM AVALIAO DE 181 PASES.

    reconstruo de Barcelona e, sobretudo, tevea funo de catalogao e revalorizao dealguns edifcios de notvel interesse arquite-tnico e de conservao total ou parcial daarquitetura industrial, a qual constitui umreferencial histrico para o conjunto da cida-de e no somente para os bairros tradicio-nais onde est localizada.3. Produo do espao pblicoA reivindicao do espao pblico tem sidopredominante na histria do movimento so-cial urbano. No caso das reas verdes e dosequipamentos urbanos, dos quais Barcelonaest muito necessitada, o tema anima e ofe-rece grandes possibilidades de estender aslutas de vizinhana, chegar a todas as imedi-aes, imprensa e s autoridades compe-tentes. Se a essas circunstncias somarmos a

    to citada reviso do Plano Geral Metropoli-tano (PGM), ser possvel compreender que amaioria das reivindicaes foi formulada en-tre 1974 e 1980.

    A subdiviso dessas reivindicaes emdois grandes blocos, reas verdes e equipa-mentos urbanos, mostra o predomnio dasdemandas de equipamentos e, dentro destas,

    as escolas e as creches. A partir de 1970, apa-recem as primeiras demandas de equipamen-tos esportivos, assim como as primeiras de-mandas de equipamentos sanitrios, sociais,cvicos e culturais.

    4. Servios pblicos

    Desde a reivindicao inicial de um mercadoat a oposio a um aterro sanitrio, a deman-da de bombeiros e a supresso de torres de altatenso cruzando um bairro, passando pela de-manda de transporte pblico, tudo isso se tratade mobilizaes para converter os bairros emterritrio urbano conectado e de qualidade. Taismobilizaes tiveram uma grande repercussona idia de uma cidade integrada, redistributi-va e policntrica, assim como na construo deuma forte identidade de bairro.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICASDOMINGO I CLOTA, Miquel; BONET I CASAS, Maria Rosa.Barcelona i els moviments socials urbans . Barcelona: EditorialMediterrnia, 1998.

    MONNET, Nadja.La formacin del espacio pblico : unamirada etnolgica sobre el Casc Antic de Barcelona. Barcelona:Catarata, 2002.

    PALENZUELA, Salvador Rueda.Ecologia urbana : Barcelona i laseva regi metropolitana com a referents. Barcelona: Beta, 1995.

    Pedidos de exemplares ao Ibase: (21) 2509 0660 ou www.ibase.br

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    U N D O P E L O M U N D O P E

    30 DEMOCRACIA VIVA N 20

    Encontro cidado

    Entre os dias 21 e 24 de marode 2004, Gaborone, capital daBotsuana, ser a sede da 5a Confe-rncia Mundial da Civicus umaaliana internacional, fundada em1993, para a representao cidad

    com a participao de mais de cempases. Os eventos anteriores acon-teceram na Cidade do Mxico, Bu-dapeste, Manila e Vancouver.

    O objetivo desse encontro articular a sociedade civil, pesqui-sadores(as), ativistas, agncias dedesenvolvimento etc. e estimulara troca de informaes sobre ati-vidades de sucesso e desafios pre-sentes em suas organizaes e so-ciedades. Alm disso, o encontropretende descobrir maneiras de

    fortalecer as organizaes da so-ciedade civil, trabalhar para a jus-tia social e qualificar a partici-pao cidad.

    Agindo juntos para um mun-do justo o tema principal. MasHIV/Aids, juventude, grupos mar-ginalizados, entre out