revista de conjuntura, n. 42

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ARTIGOS ENTREVISTA O SINCE é um evento que além de promover o debate sobre a estrutura e conjuntura econômica, política e social do país, examina e debate questões relativas à atuação e aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e à atuação profissional dos economistas. A crise na Europa e os dilemas da Espanha Estratégias para um novo ciclo de desenvolvimento: Uma visão do Conselho de Desenvolvimento Econômico A influência econômica nas eleições presidenciais

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Page 1: Revista de Conjuntura, n. 42

ARTIGOS

ENTREVISTA

Qualidade das instituições e crescimento econômico

Combate à Inflação

Complexo Eco-empresarial ou Eco-parque industrial - Uma forma de organização empresarial sustentável

Há razões para duvidar que a dívida pública no Brasil é Sustentável? érgio Gobetti e Bernardo Schettini

Estratégias para um novo ciclo de desenvolvimento: Uma visão do

Conselho de Desenvolvimento Econômico

Esther Bemerguy e Maria Luiza Falcão

O milagre da multiplicação dos pães

A influência econômica nas eleições presidenciais

A crise na Europa e os dilemas da Espanha

Análise do Projeto de Lei Complementar - PLP 549/09

XXII SINCE 2010: Desenvolvimento

Econômico com Justiça Social

O SINCE é um evento que além de promover o debate sobre a estrutura e conjuntura econômica, política e social

do país, examina e debate questões relativas à atuação e aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e à

atuação profissional dos economistas.

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Tãmnia a

Qualidade das instituições e crescimento econômico

Combate à inflação

Complexo Eco-empresarial ou Eco-parque industrial- Uma forma de organização empresarial sustentável

Há razões para duvidar que a dívida pública no Brasil é Sustentável?

érgio Gobetti e Bernardo Schettini

Estratégias para um novo ciclo de desenvolvimento: Uma visão do Conselho de Desenvolvimento EconômicoEsther Bemerguy e Maria Luiza Falcão

O milagre da multiplicação dos pães

A influência econômica nas eleições presidenciais

A crise na Europa e os dilemas da Espanha

Análise do Projeto de Lei Complementar - PLP 549/09

XXII SINCE: Desenvolvimento Econômico com Justiça Social

Tânia Bacelar

Page 4: Revista de Conjuntura, n. 42

Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat

Conselho editorialMaurício Barata de Paula PintoNewton Ferreira da Silva MarquesHumberto Vendelino RichterOscar Henrinque Belo SantosElder Linton Alves de AtaújoTito Belchior Silva MoreiraCarlos Eduardo de FreitasJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de Almeida

Jornalista responsávelCamila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851)

RedaçãoCamila Fiorese

Editoração eletrônicaCamila Fiorese

Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral

As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.

CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF

PresidenteJosé Luiz Pagnussat

Vice-presidenteJusçanio Umbelino de Souza

Conselheiros efetivosMônica Beraldo Fabrício da SilvaMaurício Barata de Paula PintoHomero Gustavo Reginaldo LimaJosé Luiz PagnussatJusçanio Umbelino de SouzaHumberto Vendelino RichterCarlos Eduardo de FreitasOscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira

Conselheiros suplentesGuilherme Costa DelgadoNewton Ferreira da Silva MarquesVictor José HohlÉrton Birk TeixeiraDiones Alves CerqueiraRonalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de OliveiraMiguel RendyElder Linton Alves de Araujo

Conselheiro Federal pelo DFJúlio Miragaya

Gerente ExecutivoGeraldo Andrade da Silva

Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares

EstagiárioJosé Luiz Cordeiro Cruz

End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)

O Conselho Regional de Economia do DF (CORECON/DF), em parceria com o

Conselho Federal de Economia (COFECON), realizará o XXII Simpósio Nacional dos

Conselhos de Economia – SINCE no período de 1º a 3 de setembro de 2010, no Carlton

Hotel em Brasília.

O XXII SINCE terá como tema central o “Desenvolvimento Econômico com

Justiça Social”. O evento, além de promover o debate sobre a estrutura e conjuntura

econômica, política e social do país; deverá examinar e debater questões relativas à

atuação e aperfeiçoamento do Sistema COFECON/CORECONs e à atuação profissional

dos economistas; estabelecer linhas de ação conjunta dos Conselhos Regionais e

Federal; e debater os assuntos referentes à formação profissional e o mercado de

trabalho dos economistas.

A expectativa é que o XXII SINCE aprove diretrizes que orientem a preparação de

um projeto de reformulação dos Conselhos de Economia no sentido do fortalecimento

da profissão de economista e que promova as mudanças institucionais necessárias

para a continuidade a longo prazo de nossas entidades. Tais ajustes na legislação e

na organização dos conselhos são urgentes para fortalecer o efetivo cumprimento da

missão do Sistema COFECON/CORECONs de atuar para o progresso e valorização da

profissão de Economista, por meio da defesa dos princípios éticos e da competência

técnica no exercício profissional do Economista.

Certamente este SINCE será um marco na evolução dos Conselhos de Economia e

do exercício da profissão de Economista, considerando as transformações do mercado

de trabalho; as novas exigências de formação em economia, que se caracteriza pela

ampliação horizontal da área da economia, com a consolidação de inúmeros campos

do saber relacionados, e pela diversidade de níveis de formação em economia, seja o

“tecnólogo”, o “graduado”, o “especialista” com mestrado e doutorado.

Os Conselhos de Economia não podem mais ignorar que há uma demanda por

uma diversidade de profissionais com conhecimentos de economia. A verdade é

que a sociedade reconhece como “economistas” muitos profissionais que não são

registrados nos Conselhos por desatualização da nossa legislação. Este é o caso de

muitos professores doutores em economia com elevada reputação na nossa área,

mas que, por não serem graduados em economia, não têm o registro no Conselho. Por

outro lado, o mercado de trabalho de alguns campos do saber da área de economia

se fortaleceu nas últimas décadas e os Conselhos não atenderam as novas demandas

de organização e fiscalização profissional. Este é o caso da área financeira e de

mercado de capitais, que buscou organizações alternativas para cumprir atribuições

típicas dos Conselhos. O SINCE será a oportunidade de aprofundarmos esse debate e

construirmos novos rumos para a nossa profissão.

O XXII SINCE há de ser, também, o momento de debate de propostas para mudar

o Brasil e a oportunidade de lançamento dos grandes pilares de um projeto para o

País de “Desenvolvimento Econômico com Justiça Social”, tema central do evento.

Enfim, fica o convite aos economistas para participar dos debates e grupos de

trabalho do XXII SINCE.

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Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional Desenvolvimento Regional

ENTREVISTA

Tânia Bacelar

Especialista em desenvolvimento regional, a econo-

mista e socióloga, Tânia Bacelar, fala em entrevista à

Revista Conjuntura, dos principais aspectos do desen-

volvimento territorial brasileiro, como os desequilíbrios

regionais e também das experiências acumuladas

durante os 20 anos que atuou na Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

Tânia Bacelar de Araújo tem mestrado em Diploma

de Estudos Aprofundados - D.E.A. pela Universidade

de Paris I, Panthéon-Sorbonne (1977) e doutorado

em Economia Pública, Planejamento e Organização

do Espaço pela Universidade de Paris I, Panthéon-

Sorbonne (1979). Foi secretária de Planejamento e

da Fazenda do estado, entre 87 e 90, e secretária de

Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério

da Integração Nacional no início do governo Lula.

Atualmente é professora da Universidade Federal de

Pernambuco e Presidente do Conselho Deliberativo do

Centro Internacional Celso Furtado. Foi conselheira do

COFECON - Conselho Federal de Economia.

Nordeste. Não era uma proposta revolucionária, mas

reformista. Por exemplo, na Zona da Mata a idéia era

reduzir o peso da cana e aumentar o peso da produ-

ção de alimentos, o que ainda hoje é um desafio para

a região, pois o Nordeste continua sendo uma região

importadora de alimento. Então era uma mudança es-

trutural. Ela não falava abertamente em reforma agrá-

ria, mas a proposta pressupunha uma mudança impor-

tante no uso da terra. Quebrar o monopólio da cana no

uso da terra. Mas infelizmente não houve mudanças. A

mudança foi na direção oposta, pois com o pró-álcool,

em 1974, a área plantada de cana na Zona da Mata do-

brou. Não aconteceu o que ele propunha.

No Maranhão, ela trouxe o Estado para a região Nor-

deste, porque para o Instituto Brasileiro de Pesquisa e

Conjuntura – Nos fale sobre sua experiência

que adquiriu durante os vinte anos que atuou na

SUDENE?

Tânia Bacelar - Eu trabalhei na SUDENE de 1966 a

1986 e na minha opinião existiram duas SUDENEs: a de

Celso Furtado que foi de 1959 a 1964; e a do período

militar e do começo da democratização. Essas duas têm

diferenças importantes.

A SUDENE de Furtado tinha um projeto reformista:

ela queria mudar as estruturas mais importantes do

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Piauí. Porque o Maranhão era pouco ocupado e era

uma área de transição entre o bioma do semi-árido e

o bioma da Amazônia e o sonho de Furtado era levar

a produção de alimentos para lá que tinha terra fértil,

água, pequena densidade demográfica e podia cum-

prir um papel de abrigar nordestinos que viessem do

semi-árido para lá. Já havia uma migração espontânea

do semi-árido do Nordeste, porque um dos problemas

é que o semi-árido nordestino é o mais densamente

povoado do mundo. E Furtado tinha uma proposta de

desadensar o semi-árido criando uma alternativa para

o Maranhão.

Quando se olha o que aconteceu com o Maranhão,

de fato hoje o estado tem uma presença grande na

produção de alimentos - soja principalmente, mas

não foram os nordestinos que foram para lá, mas os

gaúchos. O sul do Maranhão e do Piauí fazem parte

do processo atual de ocupação do cerrado brasileiro.

E o oeste do Nordeste é cerrado. Do São Francisco para

Oeste se tem uma porção do território do Nordeste

que é do bioma do cerrado.

Eu diria que era um projeto de mudanças estrutu-

rais importantes que a SUDENE de Furtado propôs e o

padrão de investimento que ele comandou tinha dois

eixos estratégicos, tidos como pré-condição para fazer

essas mudanças.

Um eixo era o de infra-estrutura da região, princi-

palmente a econômica. O Nordeste não tinha energia

suficiente, apesar da Chesf já existir desde os anos 50.

O Ceará, por exemplo, não tinha energia. As estradas, a

malha rodoviária era muito precária. Até Juscelino se

levava 13 dias e 13 noites de Pernambuco para San-

tos, por exemplo, como fez o Presidente Lula ao migrar

com sua família naquele tempo. Juscelino fez a Rio -

Bahia que já diminuiu bastante o tempo de desloca-

mento e os custos de transportes, mas a estrutura de

acessibilidade do Nordeste era muito precária. Houve,

portanto, um investimento importante da SUDENE na

elevação dos padrões de infra-estrutura da região. Pois

não se faz desenvolvimento sem infra-estrutura.

O segundo eixo era formação de gente. Um dos de-

partamentos mais fortes da SUDENE de Celso Furtado

era o departamento de recursos humanos. Na verdade

o grande objetivo era formar quadros, também não se

faz desenvolvimento sem quadros. As universidades

na região eram ainda muito frágeis. Muitos estados do

Nordeste não tinham universidades. Então tinha uma

carência de gente especializada.

Havia dois grandes programas. Um programa de

formar gente de nível superior. A SUDENE concedia

bolsa de estudos, uma espécie de Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

da época. Ela tinha um rol de profissões que eram im-

portantes para o desenvolvimento e que a região não

tinha, então ela financiava as pessoas para fazer os cur-

sos. Selecionava e depois dava uma bolsa para que as

pessoas se dedicassem com exclusividade para fazer

uma boa formação superior. Foram formados agrôno-

mos, veterinários, médicos, engenheiros entre outros

que tinham um foco voltado para as necessidades da

região.

O outro eixo era voltado para a pós-graduação. A

SUDENE formava gestores públicos com especialidade

nas necessidades regionais, também em áreas estra-

tégicas como educação, saúde, desenvolvimento agrí-

cola, industrial, orçamento e gestão entre outros. Ela

pegava os recém formados e oferecia um curso de es-

pecialização para formar quadros tanto para a própria

instituição quanto para os governos estaduais. Quan-

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do as pessoas passavam nos cursos e retornavam para

seus estados, a SUDENE dava uma bolsa para garantir

que aquela pessoa ficasse no lugar de origem, como se

fosse uma gratificação, para estimular que as pessoas

que tivessem sido formadas para a região não fossem

para outros lugares.

Com o golpe de 1964, toda a equipe de direção foi

mudada, os militares assumiram. O caráter reformis-

ta da instituição foi deixado de lado e a trajetória foi

bastante diferente. Por exemplo, o eixo de formação de

quadros perdeu-se no caminho e os recursos da SU-

DENE foram tirados na primeira reforma da legislação

tributária que os militares fizeram.

A SUDENE operava com o recurso parecido com o

que atualmente é o Fundo Constitucional, eram recur-

sos oriundos do imposto de renda e do IPI e formava

o chamado na época Fundo da Seca. Esse recurso foi

utilizado para lastrear a SUDENE, o que significa muito

recurso, além de ser razoavelmente estável. Quando os

militares fizeram a reforma, acabou-se com o recurso

que havia em quantidade e passou a se disputar no

orçamento Federal uma dotação anual. Foi introduzida

uma variável de instabilidade muito grande e o volume

de recurso também reduziu muito. Então infra-estrutu-

ra, que era muito cara de se fazer, perdeu peso e coinci-

dentemente no mesmo período, logo de imediato após

o golpe de Estado, os incentivos começaram a deslan-

char e começou a se construir a segunda SUDENE, que

era a de incentivos.

No primeiro Plano Diretor da SUDENE (Lei No 3.995,

de 14 de dezembro de 1961) foi criado o sistema de

incentivos com o artigo 34. Ele dizia que as empresas

poderiam renunciar,ou seja,pagar a metade do imposto

a Receita Federal para se investir no Nordeste. Só que

o artigo 34 tinha duas restrições: quem renunciava

não podia ser o investidor no Nordeste e empresas

transnacionais não podiam fazer a renúncia. Tinham

que ser empresas nacionais e o optante não podia ser

o investidor. E assim o sistema não deslanchou.

No segundo Plano (Lei 4.239, de 27 de junho de

1963) veio o artigo 18 que quebrou essas duas travas,

já havia tido o golpe. Qualquer empresa podia ser op-

tante e investidor, por exemplo, a Hering, por exemplo,

foi para Pernambuco, ela mesma optava e apresentava

projeto na SUDENE, além de ter recebido um aporte

de recursos para implantar a unidade lá. E aí o sistema

deslanchou, numa linha em que a indústria que se es-

tabeleceu lá era, na grande maioria, filiais de empresas

que já estavam em outras partes do Brasil, principal-

mente do Sul e Sudeste, usando os incentivos. Assim o

carro-chefe da SUDENE passou a ser os incentivos. Mas

ela morre depois debaixo de denúncias de desvio de

recursos com incentivo. Por isso que eu digo que teve

duas SUDENES.

Em termos de resultado a primeira SUDENE plantou

sementes importantes e os incentivos geraram uma

nova indústria que era um dos objetivos de Furtado.Essa

era uma transformação consentida, porque também in-

teressava a indústria do Sudeste se instalar no Nordes-

te. Isso não era revolucionário, era sim falta de incentivo

para ir para uma região com menos condição, que antes

nunca o governo tinha dado, e os empresários foram.

Furtado pensava, e por isso o artigo 34, é que quem

optava não era o mesmo que apresentava o projeto

à SUDENE, porque o sonho era criar no Nordeste em-

presários que fossem da região. Tinha o objetivo polí-

tico também, era ver se uma classe industrial era mais

progressista do que os coronéis da oligarquia regional.

Quando se faz uma mudança no sistema essa classe

empresarial nova só apareceu no Ceará. Como o perfil

da indústria que se instala no Ceará, é mais de confec-

ção, então teve uma transição com os próprios empre-

sários do Ceará, que é a geração do Tasso Jereissati, que

depois chega até ao poder do governo do estado.

Quando se olha a industrialização de Recife e Salva-

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dor, ela foi conduzida muito mais por filiais de empresas

nacionais ou estrangeiras que foram para lá. Eu diria que

a industrialização aconteceu, foi importante o resultado,

mas foi muito concentrada nas três regiões metropoli-

tanas, cerca de 2/3 dos incentivos foram para Salvador,

Recife e Fortaleza. Na Bahia e Pernambuco o modelo foi

o de captar investimentos de filiais de grandes empresas

tanto transnacionais como de empresas brasileiras. No

Ceará ocorreu um processo de industrialização mais en-

dógeno, seriam pessoas que vinham de atividades eco-

nômicas do próprio estado,de alguns grupos comerciais

importantes que é o caso do grupo Jereissati, é o capital

mercantil que se transforma no capital industrial.O perfil

do Ceará foi um pouco diferente dos outros.

Essa é uma experiência muito interessante, eu

acho que tem lições importantes. Essa lição, por

exemplo, que para fazer desenvolvimento se tem

que criar pré-condições, porque o grande problema

das regiões menos desenvolvidas é que muitas vezes

elas não têm pré-condições, porque não se investiu

antes nelas, para criar infra-estrutura, para ter gente

qualificada, a própria classe empresarial - geralmente

é economicamente mais frágil e politicamente mais

conservadora - então essa é uma lição importante, é

preciso criar pré-condições. Essas duas linhas ação ini-

cial da SUDENE foram muito importantes porque se

colheu depois os frutos do investimento que foi feito,

e ainda se colhe.

Conjuntura – Qual a sua participação na atual

política de desenvolvimento regional e a sua defesa

que o governo aposte em um país policêntrico, com

vários centros de crescimento, a partir de 11 macro-

pólos consolidados, sete novos macro-pólos e 22

sub-pólos?

Tânia Bacelar - O Brasil tem uma história de ocu-

pação de seu território com dois tipos de concentra-

ção. Uma concentração no litoral e uma concentração

do Sul e Sudeste. São duas heranças importantes. Isso

concentrou pessoas, base produtiva, infra-estrutura

econômica, universidades.... Então esse é um perfil im-

portante, porque aí fica o desafio de se desconcentrar

na direção Norte e Nordeste e na direção Oeste - tirar a

prioridade do litoral para o interior.

As principais cidades brasileiras estão no Sul/ Su-

deste e no litoral, então se tem um país com grandes

cidades,mas a maioria das grandes cidades são cidades

litorâneas ou, como São Paulo, cidades do Sudeste do

Brasil.

O Brasil de hoje tem outra tendência de ocupar

esse espaço mais central do país, uma tendência lenta

de reduzir essa concentração litorânea. Por exemplo,

São Paulo se expandindo em direção ao Mato Grosso

do Sul. Uma porção importante do Centro-Oeste na

verdade é uma expansão da economia do país naque-

la direção e cidades importantes começam a aparecer

nesta parte do Brasil. Cidades médias de 100 a 500 mil

habitantes ou cidades de outro patamar de 500 mil a

um milhão de habitantes. Tem-se um tecido urbano

de um milhão a mais que predominantemente litorâ-

neo ou Sudeste e Sul. Atualmente se tem um tecido

de cidades médias de 100 a um milhão, dois portes de

cidades que estão penetrando o território mais cen-

tral do Brasil.

A idéia é que o Brasil tenha um olhar especial para

as cidades médias. Porque é mais fácil se construir boas

cidades quando elas têm um porte menor do que de-

pois se consertar grandes aglomerados urbanos. Por

exemplo, qualquer investimento urbano em São Paulo

hoje é caríssimo, porque já tem muita coisa feita, por-

que se tem que desfazer para fazer.Um exemplo é o Ro-

doanel, um investimento importante para a circulação

na Grande São Paulo, foi um investimento caríssimo. Ele

é necessário e é caro ao mesmo tempo.

Quando se tem cidades do porte de 200, 300, 500,

800 mil habitantes, organizar uma cidade legal é mui-

to mais barato e muito mais fácil. Então essa é a ideia,

que o Brasil tivesse uma política de ordenamento do

seu território e como o país hoje é mais urbano do que

rural, então cidade é muito importante, porque a maio-

ria dos brasileiros vive em cidades.Há uma necessidade

de se ter um olhar mais estratégico para organizar as

cidades do país melhor e esse tipo de tamanho permite

fazer isso. O sonho seria que daqui a algumas décadas

tivéssemos um Brasil mais polinuclear do que o do final

do século XX, ou seja, com cidades médias boas de vi-

ver. Mas o Brasil está andando devagar e sem uma op-

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ção estratégica clara, na minha opinião: o país devia

ter uma opção estratégica mais clara nesta direção.

Por exemplo, nós estamos tomando decisões impor-

tantes como a de interiorizar as universidades. Esse

processo que está em curso é positivo e é estruturan-

te de cidades. A cidade média, que recebe uma uni-

versidade, muda. Exemplos são as cidades de Petroli-

na, Caruaru, Campinas. A universidade mobiliza gente

de fora, professores e alunos. Então são estruturas de

formação média que o Brasil precisa fazer hoje. Existe

hoje um buraco no sistema educacional, que é o da

formação média, com destaque para a formação pro-

fissionalizante, esses equipamentos estão indo para o

interior, portanto escolher os lugares para onde eles

vão é uma decisão estratégica importante.

Eu não diria que o governo está parado,está se cui-

dando disso, são escolhas importantes para o futuro.

O rumo é um rumo bom porque é o da desconcentra-

ção, está se indo mais para as regiões que têm menos

e menos para o litoral, agora a idéia é que isso fosse

também organizado num mapa estratégico. Porque

se pode não só combinar isso, como se podem fazer

outras opções, por exemplo, levar a universidade para

uma cidade, mas levar uma escola de ensino médio

para uma cidade adjunta em um porte menor, porque

aí se dinamiza uma de 500 ou 600 mil habitantes, mas

também se dinamiza outra de 200 e 300 mil.

O Sistema de saúde trabalha com um conceito

muito interessante de hierarquia dos serviços, quan-

do se leva os hospitais de maior complexidade para

as cidades maiores e os hospitais de menor comple-

xidade para as cidades menores. As políticas públicas

organizam, ao tomar essas decisões, elas mudam o

destino das cidades. Também uma cidade onde se co-

loca uma estrutura de saúde boa, ela muda, um exem-

plo é Teresina, no Piauí. A imagem que o Brasil tem da

cidade, é de capital do estado mais pobre do Brasil, mas

com a chegada de um bom serviço de saúde interes-

sante mudou a vida dos habitantes e mudou a dinâmi-

ca da cidade.

A idéia força de 11 macro pólos para o Brasil veio de

um estudo que foi feito para o ministério do Planeja-

mento que foi realizado pelo curso de Desenvolvimen-

to Regional da Universidade Federal de Minas Gerais

com o qual concordo plenamente.

Na minha avaliação, foram reduzidas as desigual-

dades regionais no Brasil. As desigualdades regionais

foram muito fortes até a década de 70, desta década

em diante foi percebido um lento processo de descon-

centração da base produtiva do Brasil. Tanto industrial

e terciária como agrícola. Agrícola no rumo do cerrado

e a industrial terciária um pouco espalhada Brasil. Tan-

to o Sudeste perde peso, como São Paulo, o Sul ganha

peso, principalmente nas cidades médias, Minas Gerais

ganha peso com a ida da Fiat para Betim que foi um

fato que mudou o estado, Manaus ganhou peso, pois

ajudou também a questão industrial. Isso foi resultado

de política pública, porque não foi o mercado que fez,

foi incentivo pesado das políticas industriais que gera-

ram o pólo no Amazonas. Eu acho que tem essa ten-

dência que é favorável.

Na minha leitura no que se avançou mais foi em po-

líticas nacionais que tiveram um rebatimento na desi-

gualdade regional positivo, mas avançamos pouco nas

políticas regionais strictu sensu que são as comandadas

... para fazer desenvolvimento se tem que criar pré-condições, porque o grande

problema das regiões menos desenvolvidas é que muitas vezes elas não têm pré-condições,

porque não se investiu antes ...

Tânia Bacelar

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pelo Ministério da Integração. Eu acho que se avançou

conceitualmente, mas não avançou na implementação

das políticas. Por falta de recursos, porque o Ministério

tem uma proposta de política que eu gosto, até porque

eu participei e por isso sou suspeita, mas a leitura que

ela faz é que o Brasil tem problemas regionais em todas

as regiões. Na escala macro regional o desafio maior é

Norte e Nordeste, mas quando se desce na escala me-

nor o estado de São Paulo tem um problema regional

que é o Vale do Ribeira. O Paraná é dinâmico no litoral,

mas o centro do estado é uma área de desafio. O Rio

Grande do Sul dividido da metade para baixo é proble-

mático e da metade pra cima é muito dinâmico. Então

as regiões mais ricas do Brasil, a Sul e a Sudeste, têm

problemas quando se coloca uma lupa e se vê numa

outra escala.

A minha proposta é de se trabalhar uma política re-

gional com múltiplas escalas e com o mapa do Brasil

na mão e não só com o do Norte e Nordeste, que era

a tradição das antigas políticas regionais. O que dava

uma distorção era fazer o Centro-Oeste querer ser só

Norte e Nordeste, quando na verdade o Centro-Oeste é

muito mais expansão do Sudeste do que Norte e Nor-

deste. Então eu acho que a proposta conceitualmente

é boa, mas o que faltou foram os recursos. O governo

até tentou fazer criar o Fundo de Desenvolvimento Re-

gional em duas ocasiões.Uma primeira PEC da Reforma

Tributária, em 2003, e também na última PEC da Refor-

ma Tributária. Talvez por isso mesmo o Fundo nunca

saiu, porque as duas reformas tributárias nunca saíram.

Porque ele estava associado à Reforma Tributária e ela

não conseguiu andar. Ficou-se com uma concepção,

mas sem instrumento para fazer aquela concepção ser

implementada.

Do lado das políticas ditas setoriais eu acho que

se avançou. Nós construímos políticas com esse olhar

das desigualdades regionais. Um exemplo é a política

de ampliação do ensino superior público. Criou-se 12

universidades, quatro só no Nordeste e no interior, em

cidades médias como Mossoró, Petrolina e Caruaru,

percebe-se que houve uma leitura regional das desi-

gualdades para definir a Política Nacional.

A melhoria do salário mínimo, não tem nada a ver

em princípio com o problema regional, mas tem sim,

porque a maioria das pessoas que ganham um salário

mínimo está no Nordeste, quando se deu um aumen-

to significativo no poder de compra do salário mínimo,

por uma decisão de política nacional, teve um rebati-

mento regional muito grande. São Paulo sentiu menos

essa política, porque a maioria das pessoas de lá já ga-

nham mais de dois salários mínimos. Mas no Nordes-

te, onde mais da metade ganha salário mínimo, teve

um aumento no poder de compra o que dinamizou

o mercado de consumo nas regiões mais pobres do

Brasil onde o mercado de trabalho é mais frágil e aí as

pessoas ganham mais perto do mínimo. Onde se tem

a economia mais forte, o mercado de trabalho é mais

estruturado, as pessoas tendem a ganhar acima do mí-

nimo. Essa, em princípio, não é uma política de porte

regional, mas é uma política nacional correta e que tem

um rebatimento na desigualdade regional positivo.

Conjuntura - Na sua opinião qual é o impacto

dos programas assistenciais para o desenvolvimen-

to regional?

Tânia Bacelar - O Bolsa Família é uma política as-

sistencial, ela teve um impacto diferenciado no Norte

e Nordeste, porque a miséria no Brasil tem um duplo

endereço.Ou ela é do mundo rural do Norte e Nordeste

ou ela é da periferia urbana.Tanto que o Nordeste rece-

be 55% do Bolsa Família, porque ele tem mais da me-

tade dos pobres do Brasil, mas o Sudeste recebe 25%,

porque também boa parte das pessoas muito pobres

do Brasil está nas periferias das grandes cidades. Só

‘‘A minha proposta é de se trabalhar uma política regional com múltiplas

escalas e com o mapa do Brasil na mão e não só com o do Norte e Nordeste, que era a tradição das antigas

políticas regionais.

‘‘8

Page 11: Revista de Conjuntura, n. 42

9

abril/junho/2010

que o impacto social nos dois é muito parecido, quem

recebeu a cobertura do Estado sentiu o impacto. Mas

o impacto econômico em São Paulo não é perceptível,

porque se tem uma estrutura econômica tão grande

que aquele adicional não faz diferença, mas em regiões

muito pobres onde as bases produtivas são muito pe-

quenas, aquela transferência sistemática e continuada

termina virando economia também.Porque se melhora

a feira, a farmácia, a padaria o comerciante cresce e já

emprega mais. Então aquilo que era para um destino

social também tem um impacto econômico muito mais

perceptível do que nas periferias das grandes cidades.

Conjuntura – Existem vários registros que a se-

nhora colabora com movimentos sociais. Qual sua

opinião sobre a atuação deles no desenvolvimento

econômico?

Tânia Bacelar – Na minha opinião muito das mu-

danças que foram feitas no Brasil não foi política pú-

blica de iniciativa do governo. Por exemplo, as políticas

de apoio à agricultura familiar foram muito importan-

tes e para mim elas foram conquistas dos movimen-

tos sociais. O Ministério do Desenvolvimento Agrário

foi criado no governo de Fernando Henrique quando

ele estava desmontando o Estado brasileiro. A lógica

da década de 90 é uma lógica de redução de política

pública e de desmonte das estruturas publicas. Neste

cenário foi criado um ministério para a agricultura fa-

miliar. Quem conquistou aquele ministério foi a luta so-

cial, eu credito ele ao Movimento dos Sem Terra (MST)

e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agri-

cultura (CONTAG). Eles criaram o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), mas

com o governo Lula ele foi fortalecido, pois ele passou

de 2 bilhões por ano para 15 bilhões por ano.

O Brasil é um país com potencial de desenvolvimen-

to rural muito grande. E acho que ele tem dois cenários.

O primeiro é ser os Estados Unidos, ou seja, uma grande

potência agrícola com pouca gente no campo, com a

agricultura patronal tomando todo o espaço e ela tem

uma tendência a usar mais máquinas, a usar grandes

superfícies e pouca gente: e esse é um modelo e pode

ser uma de nossas trajetórias.

O segundo é ser um país como querem os movimen-

tos sociais,um Brasil rural poderoso,pois temos tudo para

ser uma potência agrícola e energética importante no

século XXI, mas eles querem um campo com gente que

tem a ver com a agricultura familiar porque ela emprega

muito mais,porque por ser familiar ela não cria relação de

assalariamento. Um dos problemas no nosso mercado de

trabalho que é o alto custo dos encargos sociais ela tá li-

vre.A agricultura familiar também mostrou ser rentável.O

censo agrícola mostrou que ela tem um importante peso

econômico na oferta da alimentação do país, então se ela

tem essa capacidade,como posso dizer que ela não é eco-

nomicamente viável,como dizem alguns especialistas? Eu

acho que a gente mostrou que os projetos dos movimen-

tos sociais são bons para o Brasil.

O Brasil ainda pode fazer a opção de ter esses dois

tipos de agricultura. Tem espaço para as duas, porque

o espaço de crescimento é tão grande que vai precisar

de alimento e o Brasil é uma das fronteiras de recurso

de água, de terra e de tecnologia agrícola. Então se nós

temos um potencial, porque nós vamos ter que fazer

uma escolha. Nós só devemos seguir o bom senso dos

movimentos sociais que diz que o Brasil pode ser uma

grande potência agroindustrial com esse duplo perfil,

cumprindo o papel da geração de empregos rurais, por-

que é importante se ter um campo com gente. E com

gente feliz: educada, ganhando bem, e com acesso aos

serviços modernos, por exemplo, a internet banda larga.

‘‘Porque se melhora a feira,a farmácia, a padaria o

comerciante cresce e já emprega mais. Então aquilo

que era para um destino social também tem um

impacto econômico muito mais perceptível do que

nas periferias das grandes cidades.

‘‘

Page 12: Revista de Conjuntura, n. 42

O objetivo desse artigo é mostrar a importância da

qualidade das instituições sobre o desenvolvimento

e crescimento econômico. Para tanto fazemos uma

breve comparação entre um pool de países, seus

respectivos padrões de bem estar, e correlacionamos

esses dados com a qualidade das instituições.

Dado o caráter informal desse Boletim, não

são executados procedimentos estatísticos mais

complexos. Contudo, os resultados reportados aqui

servem para nos mostrar ao menos a direção que

devemos percorrer para melhorarmos o padrão de

vida de nosso país.

Do ponto de vista de desenvolvimento regional,

os resultados reportados aqui servem para

ilustrar possíveis medidas de políticas públicas

para incrementar as taxas de crescimento e

desenvolvimento das regiões brasileiras. Entre os

principais resultados, podemos destacar a importância

dos direitos de propriedade, a estabilidade econômica,

a liberdade comercial e a diminuição da burocracia

como importantes determinantes do crescimento

econômico.

Países Selecionados

Os países detentores dos 61 maiores Produto

Interno Bruto (PIB) do mundo, no ano de 2005, foram

incluídos em nossa amostra. Dessa maneira, nossa

analise abrange os 61 mais ricos países de nosso

planeta. Claro que se pode argumentar que o PIB

não é a melhor medida de riqueza de uma nação. Por

exemplo, países com renda per capita altíssima como

Luxemburgo e Islândia não entraram em nossa amostra

por não estarem ranqueados entre os 61 primeiros PIB.

Contudo, a maior parte dos estudiosos concordará que

o PIB, na maior parte dos casos, reflete a capacidade

produtiva (riqueza) de um país. Para pessoas desejosas

de replicar esse estudo, os dados foram obtidos do

CIA World Factbook referente ao ano de 2005, e o PIB

adotado foi o PIB com base na taxa de câmbio oficial

do país.

Após selecionados os países, procedeu-se a divisão

desses em três grupos: 1) Ricos; 2) Renda Média; e 3)

Pobres. Contudo, a inclusão de países nesses grupos

foi baseada no PIB PER CAPITA de cada nação. Assim,

os 23 países com PIB per capita superiores a 25.000

dólares por ano foram classificados como sendo ricos.

Os 20 países com PIB per capita entre 4.000 e 25.000

dólares foram classificados como sendo de renda

média. Já os 18 países com PIB per capita abaixo de

US$ 4.000 foram classificados como sendo pobres. A

Tabela 1 mostra essa divisão, bem como o valor do PIB

per capita, em dólares de 2005, de cada país. Os dados

referentes à renda per capita de cada país foram

obtidos do Fundo Monetário Internacional (World

Economic Outlook Database, September 2006). A

única exceção é a informação referente ao Iraque que

foi obtida do World Factbook da CIA.

Qualidade das instituições e crescimento econômico

Adolfo Sachsida

Page 13: Revista de Conjuntura, n. 42

11

abril/junho/2010

Países Ricos Países de Renda Média Países Pobres

1) Noruega 64.193 24) Grécia 20.327 44) Kazaquistão 3.7172) Suiça 50.532 25) Israel 19.248 45) Argélia 3.0863) Irlanda 48.604 26) Portugal 17.456 46) Peru 2.8414) Dinamarca 47.984 27) Coréia do Sul 16.308 47) Irã 2.7675) Estados Unidos 42.000 28) Taiwan 15.203 48) Tailandia 2.6596) Suécia 39.694 29) Arábia Saudita 13.410 49) Colômbia 2.6567) Holanda 38.618 30) República Tcheca 12.152 50) Ucrânia 1.7668) Finlândia 37.504 31) Hungria 10.814 51) Marrocos 1.7139) Austria 37.117 32) Eslováquia 8.775 52) China 1.70910) Reino Unido 37.023 33) Polônia 7.946 53) Iraque 1.700 11) Japão 35.757 34) México 7.298 54) Indonésia 1.28312) Bélgica 35.712 35) Chile 7.124 55) Egito 1.26513) Canada 35.133 36) Rússia 5.349 56) Filipinas 1.16814) Australia 34.740 37) África do Sul 5.106 57) Paquistão 72815) França 33.918 38) Turquia 5.062 58) Índia 70516) Alemanha 33.854 39) Malásia 5.042 59) Nigéria 67817) Itália 30.200 40) Venezuela 5.026 60) Vietnã 61818) Emirados Árabes Unidos 27.700 41) Argentina 4.799 61) Bangladesh 40019) Espanha 27.226 42) Romenia 4.53920) Singapura 26.836 43) Brasil 4.320

21) Nova Zelândia 26.46422) Kuwait 26.02023) Hong Kong 25.493

Tabela 1: Divisão dos Países com Base no PIB per capita, dólares de 2005

Qualidade das Instituições e Crescimento Econômico

Usando a definição do prêmio Nobel de Economia

Douglass North: Instituições são restrições que

estruturam a interação entre pessoas.Elas são compostas

de restrições formais (regras, leis e constituição),

restrições informais (normas de comportamento,

convenções e códigos auto impostos de conduta),

e pela maneira como as pessoas são compelidas a

seguirem tais regras. Juntas elas definem a estrutura de

incentivos da sociedade.

A relação entre a qualidade das instituições

e a riqueza de um país é direta. Boas instituições

providenciam os incentivos corretos ao trabalho

honesto, promovem os mais eficientes e impulsionam

o crescimento de um país. Por outro lado, instituições

ineficientes promovem a corrupção, recompensam os

menos aptos e punem os indivíduos que se esforçam

por uma sociedade melhor. A implicação disso é óbvia:

países com melhores instituições serão mais ricos que

países com instituições inadequadas. Assim, cabe a

pergunta: o que são boas instituições?

Essa pergunta parece possuir uma resposta simples:

boas instituições promovem a liberdade individual e,

ao mesmo tempo que impede que um individuo faça

o mal a outro, protege o individuo da arbitrariedade

do estado. O termo instituição é amplo o bastante

para podermos dividí-lo em duas partes: instituições

políticas e instituições econômicas. A primeira delas

refere-se às liberdades civis (e direitos políticos) e a

segunda às liberdades econômicas. Assim, democracia,

voto universal, liberdade de crença religiosa entre

outras coisas são exemplos de instituições políticas. Já a

questão de liberdade comercial, liberdade para se abrir

novos negócios, e cumprimento de contratos, refere-se

à esfera das instituições econômicas.

Page 14: Revista de Conjuntura, n. 42

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a

A Tabela 2 mostra o nível de liberdade civil

(e direitos políticos) dos países, nós usaremos

essa variável como uma medida da qualidade

das instituições políticas de um país. Estes dados

foram obtidos junto ao Freendom House’s Annual

Global Survey of Political Rights and Civil Liberties e

referem-se aos eventos globais ocorridos entre 01

de dezembro de 2005 ate 31 de dezembro de 2006.

Os países são classificados em três grupos distintos:

livres, parcialmente livres (PL) e não-livres (NL). Países

livres são aqueles onde há uma ampla margem para a

competição política aberta,um clima de respeito pelas

liberdades civis, significante vida cívica independente

e mídia independente.Um país parcialmente livre (PL)

é aquele onde há limitado respeito em relação aos

direitos políticos e liberdades civis.

Países parcialmente livres frequentemente sofrem

com um ambiente de corrupção, fraco cumprimento

das leis, conflitos étnicos e religiosos, e geralmente

ocorre de que um único partido político concentra o

poder a despeito da aparência artificial de pluralismo

de partidos. Um país não-livre (NL) é aquele onde

os direitos políticos básicos estão ausentes, e no

qual as liberdades civis básicas são largamente e

sistematicamente negadas.

De acordo com os dados apresentados na Tabela

2 temos que:

- 19 (82,6%) dos 23 países mais ricos do

mundo podem ser classificados como possuidores de

instituições políticas livres,3 (13%) como parcialmente

livres e apenas 1 (4,3%) como não-livre.

- 15 (75%) dos 20 países de renda média são

livres em termos de instituições políticas, 3 (15%) são

parcialmente livres e apenas 2 (10%) são não-livres.

- Em relação aos países pobres, apenas 4

(22,2%) deles podem ser considerados livres,5 (27,7%)

são parcialmente livres e 9 (50%) são não-livres.

Fica evidente da análise da Tabela 2 que a maioria

absoluta dos países ricos devem ser considerados

livres do ponto de vista de suas instituições políticas.

Contudo, isso não explica porque um grande numero

de países de renda média,mesmo possuindo liberdade

política, não possuem a riqueza dos países ricos.

Também não podemos esquecer que países como o

Peru,a Ucrânia,a Indonésia e a Índia são extremamente

pobres, apesar de possuírem instituições políticas

classificadas como livres. Assim, apesar de haver

uma correlação positiva entre liberdade política e

riqueza de uma nação, não podemos assumir que a

liberdade política seja a razão principal dessa riqueza.

Afinal, quase 18% dos países ricos não podem ser

classificados como livres do ponto de vista político, e

mesmo assim possuem um elevado nível de riqueza.

Nessa mesma linha de argumentação, 75% dos países

de renda média são politicamente livres, mas mesmo

assim não desfrutam do bem estar dos países ricos.

Em consideração com o parágrafo acima, parece

ser incorreto atribuir a riqueza de um país a existência

de instituições que promovam a liberdade política

dos cidadãos. Claro que existem outros argumentos,

que não puramente econômicos, para se defender a

liberdade política. De maneira alguma queremos dizer

que a liberdade política não seja importante para uma

sociedade. Argumentamos apenas que a inferência de

que liberdade política seja vital para o crescimento

econômico de um país é incorreta.

‘‘A relação entre a qualidade

das instituições e a riqueza

de um país é direta. Boas

instituições providenciam

os incentivos corretos

ao trabalho honesto,

promovem os mais

eficientes e impulsionam o

crescimento de um país.

‘‘12

Page 15: Revista de Conjuntura, n. 42

13

abril/junho/2010

Tabela 9: Relação dos países de acordo com a qualidade de suas instituições políticas

Países Ricos Países de Renda Média Países Pobres

1) Noruega - livre 24) Grécia - livre 44) Kazaquistão - NL2) Suiça - livre 25) Israel - livre 45) Argélia - NL3) Irlanda - livre 26) Portugal - livre 46) Peru - livre4) Dinamarca - livre 27) Coréia do Sul - livre 47) Irã - NL5) Estados Unidos - livre 28) Taiwan - livre 48) Tailandia - NL6) Suécia - livre 29) Arábia Saudita - NL 49) Colômbia - PL7) Holanda - livre 30) República Tcheca - livre 50) Ucrânia - livre8) Finlândia - livre 31) Hungria - livre 51) Marrocos - PL9) Austria - livre 32) Eslováquia - livre 52) China - NL10) Reino Unido - livre 33) Polônia - livre 53) Iraque - NL11) Japão - livre 34) México - livre 54) Indonésia - livre12) Bélgica - livre 35) Chile - livre 55) Egito - NL13) Canada - livre 36) Rússia - NL 56) Filipinas - PL14) Australia - livre 37) África do Sul - livre 57) Paquistão - NL15) França - livre 38) Turquia - PL 58) Índia - livre16) Alemanha - livre 39) Malásia - PL 59) Nigéria - PL17) Itália - livre 40) Venezuela - PL 60) Vietnã - NL18) Emirados Árabes Unidos - NL 41) Argentina - livre 61) Bangladesh - PL19) Espanha - livre 42) Romenia - livre20) Singapura - PL 43) Brasil - livre

21) Nova Zelândia - livre22) Kuwait - PL23) Hong Kong - PL

Fonte: Freedom in the World 2007. Dados selecionados do Freendom House’s Annual Global Survey of Political Rights and Civil Liberties.

Vamos agora analisar a relação entre liberdade

econômica e a riqueza de uma nação. Os dados sobre

liberdade econômica foram obtidos junto a Heritage

Foundation. O índice de liberdade econômica mede e

ranqueia 161 países de acordo com 10 sub-índices de

igual peso. Os sub-índices têm como função capturar

a maneira como cada país trata questões específicas

referentes à liberdade econômica. Os 10 sub-índices,

cada um valendo uma nota máxima de 10 pontos, são:

liberdade de negócios, liberdade comercial, liberdade

fiscal,liberdade contra inferência do governo,liberdade

monetária, liberdade de investimento, liberdade

financeira, direitos de propriedade, liberdade contra

corrupção, e liberdade do trabalho. Dessa maneira, as

notas dos países podem variar de 0 (zero) a 100 (cem),

sendo zero um país completamente sem liberdade

econômica e 100 representando um país com a

máxima liberdade econômica. A Heritage Foundation

classifica os países em 5 diferentes grupos:

- Livre: país com pontuação entre 80 e 100

pontos.

- Majoritariamente livre (ML): país com

pontuação entre 70 e 79,9 pontos.

- Parcialmente livre (PL): país com pontuação

entre 60 e 69,9 pontos.

- Majoritariamente nao-livres (NL): país com

pontuação entre 50 e 59,9 pontos.

- Reprimido (R): país com pontuação entre 0 e

49,9 pontos.

Nós alteramos o ranking formulado pela Heritage

Foundation para incluir apenas os países que compõe

a nossa amostra. Assim, nosso ranking vai de Hong

Kong como o país mais econômicamente livre até o

Irã como o país mais econômicamente fechado. Países

que não pertencem a nossa amostra original não

foram selecionados.

Page 16: Revista de Conjuntura, n. 42

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A Tabela 3 apresenta o ranking dos países de acordo

com sua liberdade econômica. Aqui encontramos

um fato extremamente importante, TODOS os países

considerados econômicamente livres são também

países ricos. Não existe uma única exceção para esse

fato (nem mesmo quando se leva em consideração o

ranking original proposto pela Heritage Foundation).

Dessa maneira, a variável liberdade econômica passa

a ser nosso maior candidato para explicar a riqueza

de uma nação. Parece que a liberdade econômica

cria os estímulos necessários ao individuo, para este

dar o melhor de si e ter acesso as recompensas de

seu sucesso. TODOS os sete países classificados como

econômicamente livres (Irlanda, Estados Unidos, Reino

Unido, Austrália, Singapura, Nova Zelândia e Hong

Kong) possuem também um nível extremamente

alto de riqueza. Note que o oposto também ocorre.

Isto é, dos três países menos livres do mundo dois são

pobres (Irã e Bangladesh) e o outro de renda média

(Venezuela).

Ainda de acordo com a Tabela 3, dos 20 países com

maior liberdade econômica 18 são ricos e 2 (Taiwan e

Chile) são de renda média. Dos 14 países que podem

ser considerados como majoritariamente livres (ML)

12 são ricos e 2 de renda média. Assim, dos 21 países

classificados como “livre” ou “majoritariamente livre”

19 são ricos e 2 são de renda média. Não existe um

único país que possa ser considerado ao menos

majoritariamente livre (ML) que seja um país pobre. O

Países Ricos Países de Renda Média Países Pobres

24) Grécia - NL (45)45) Argélia - NL (52)

29) Arábia Saudita - NL (42)50) Ucrânia - Nl (53)51) Marrocos - Nl (47)52) China - NL (51)

33) Polônia - NL (43) 53) Iraque - sem informação54) Indonésia - NL (50)55) Egito - Nl (54)

36) Rússia - NL (52) 56) Filipinas - NL (48)57) Paquistão - NL (44)

38) Turquia - NL (41) 58) Índia - NL (49)59) Nigéria - NL (55)60) Vietnã - NL (57)

41) Argentina - NL (46)

Fonte: 2007 Index of Economic Freedom, Heritage Foundation. Entre parênteses aparece a posição do país no ranking de liberdade econômica. O

ranking foi modificado para incluir apenas os países presentes em nossa amostra original.

Tabela 3: Relação dos países de acordo com o grau de liberdade econômica

Livre = azul; Majoritariamente livres (ML) = verde; Parcialmente livres (PL) = vermelho; Majoritariamente Nao-livres

(NL) = negro; Reprimidos (R) = rosa

14

Page 17: Revista de Conjuntura, n. 42

15

abril/junho/2010

oposto também é válido, dos 20 países que podem ser

considerados “Reprimidos” ou “Majoritariamente não-

livres” 13 são pobres e 7 de renda média. Não existe

um único país que possa ser considerado reprimido

(R) ou majoritariamente não-livres (NL) que seja um

país rico. Mais do que isso, dos 10 países mais pobres

de nossa amostra (excluiu-se o Iraque, pois não temos

informação a respeito de sua liberdade econômica)

TODOS são majoritariamente não-livres ou reprimidos.

De maneira similar, dos 10 países mais ricos de nossa

amostra TODOS são livres ou majoritariamente livres.

A evidência conjunta, reportada nos parágrafos

acima, sugere fortemente a importância da liberdade

econômica para a riqueza de uma nação. Não existe

uma única nação rica que possa ser classificada como

totalitária do ponto de vista econômico. Também

não existe uma única nação pobre que possa ser

classificada como livre do ponto de vista econômico.

Assim, parece que uma importante resolução para

garantir a riqueza de uma nação é o compromisso com

a liberdade econômica. Instituições que promovam

a liberdade econômica promoverão também o

crescimento e o enriquecimento de um país. Por outro

lado, instituições que falhem em promover a liberdade

econômica acarretarão em pobreza e atraso aos países

que as adotarem.

Conclusão

O principal resultado encontrado nesse artigo

refere-se à importância da liberdade econômica e da

globalização para a riqueza de uma nação. Claro que

outras variáveis também são importantes, de maneira

alguma queremos desmerecer a importância da

educação, da infra-estrutura, da estrutura tributária,

entre outras, para o desenvolvimento (e bem estar) de

um país.

O que argumentamos aqui é que na ausência de

liberdade econômica a efetividade dessas outras

variáveis é extremamente reduzida. De pouco

adianta termos uma população extremamente bem

preparada do ponto de vista educacional, se estas

mesmas pessoas não tiverem a liberdade de abrir suas

empresas ou de trabalharem nos negócios que mais

lhes aprazem. De pouco adianta uma excelente infra-

estrutura quando os empresários não podem comprar

do exterior, e são obrigados a agirem de acordo com

uma lenta (e corrupta) burocracia estatal. De pouca

serventia são altas taxas de poupança doméstica

quando o consumidor não é soberano para escolher

de qual firma quer comprar seu produto.

O que este artigo parece demonstrar é que sem

liberdade econômica é muito pouco provável que

um país tenha sucesso econômico. Nessa mesma

linha de argumentação, regiões que queiram crescer

e se desenvolver devem aprimorar suas instituições

para promoverem a liberdade econômica: o sucesso

econômico de uma região está intimamente ligado

com a sua capacidade de gerar e manter instituições

capazes de incentivar os negócios, respeitar os direitos

de propriedade, de dar liberdade aos empresários e

trabalhadores, de promoverem a concorrência entre

as empresas, de limitarem a intervenção estatal, de

diminuírem a burocracia, de estimular o comércio com

outras regiãoes, e, acima de tudo, permitindo que os

consumidores e empresários comprem (e vendam) de

Adolfo Sachsida [email protected]

Doutor em Economia pela UNB (2000). Pós-doutorado na Univer-sidade do Alabama (EUA). Lecionou economia na Universidade do Texas e foi consultor de curto período do Banco Mundial para An-

gola. Atualmente é professor da Universidade Católica de Brasília e pesquisador do IPEA. Mantém seu blog:

www.bdadolfo.blogspot.com

Page 18: Revista de Conjuntura, n. 42

quem (para quem) lhes for mais vantajoso.ququem (paruuemem ( (para quem) lhes faa ququem es fo aais vor mais vffff anantajota so.

Combate à inflaçãoAmir Khair

A última decisão do Copom surpreendeu o

mercado financeiro, ao aumentar a Selic abaixo das

previsões da maioria dos analistas, que tinham como

referência a ata anterior e o relatório de inflação do

Banco Central (BC) de junho. As razões alegadas na

última ata para continuar elevando a Selic em 0,50

ponto percentual (pp) ao invés de 0,75 pp foram os

fatos recentes sobre a redução do ritmo de crescimento

da atividade econômica, o mercado externo dando

sinais de desaquecimento e a inflação em queda.

Ocorre que esses fatos já vinham sendo sinalizados

há mais tempo por várias análises, mas o BC no seu

conservadorismo exagerado, ou não prestou a devida

atenção, ou achou que seria uma conjuntura passageira.

Diante desse cenário, a pergunta é: porque diante disso,

o Copom não parou de elevar a Selic e aguardou o

desenrolar da conjuntura interna e externa?

Previsão de Inflação

Verifica-se que são precárias as previsões de curto

prazo para a inflação, como ocorreu agora. As previsões

de longo prazo são mais precárias ainda. O problema

é que são sobre essas que atua a política monetária,

que leva de seis a nove meses para produzir seu efeito,

segundo o BC. O gráfico a seguir mostra a dispersão

entre a previsão de inflação para os próximos doze

meses e a efetivamente ocorrida com base no IPCA. O

período escolhido vai de janeiro de 2006 a junho de

2010, quando a inflação esteve mais estável em relação

a períodos anteriores e a dispersão entre as previsões

e a realidade foram substancialmente menores.

Page 19: Revista de Conjuntura, n. 42

17

abril/junho/2010

A previsão de inflação é básica para o Copom tomar

a decisão sobre a Selic. Pela dispersão ocorrida, vê-se

que são precárias as previsões e, consequentemente,

mais ainda as decisões que nelas se apóiam.

Cenário para 2010

O debate sobre cenário inflacionário deste ano

ainda está polarizado entre os que acham que a inflação

vai subir devido ao superaquecimento da demanda e os

que atribuem pressão inflacionária atípica por fatores

estranhos à demanda no primeiro trimestre, fraca base

de comparação da atividade econômica do primeiro

trimestre de 2009, recomposição de estoques e retirada

parcial de estímulos fiscais do governo federal.

Parece que a razão pende cada vez mais para a tese

da atipicidade e, assim, as elevações da Selic a partir de

abril não se justificariam, e os R$ 13 bilhões a serem

gastos com a elevação da Selic neste ano,seriam pagos

indevidamente pelos contribuintes, caso vá até o final

do ano a 11,5%, como previu o mercado financeiro no

início de agosto.

Alguns analistas prevêem ainda uma retomada

inflacionária a partir de agosto, pois a massa salarial, o

crédito e a confiança dos consumidores, continuariam

sendo os fios condutores da pressão da demanda.

Além disso, os alimentos in natura passariam a deixar

de cair e os preços do álcool devido à entresafra

voltariam a subir.Vamos aguardar.

Impacto Fiscal

O passado inflacionário no Brasil ainda mantém

o fantasma da retomada inflacionária a qualquer

momento. Isso tem servido como justificativa para o

País ser sacrificado pela mais alta taxa básica de juro

real do mundo, há mais de dez anos. Um exame das

contas públicas revela que nos últimos quinze anos

as despesas com juros consumiram 7,5% do PIB,

enquanto nos países da OCDE foram de 2,3%, ou seja,

um diferencial de 5,2 pontos percentuais! Na América

Latina e Caribe foi 1,6% em 2008.

A Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu

regras para geração de despesas para União, Estados e

Municípios, inclusive os Poderes Legislativo, Judiciário

e Ministério Público, mas falhou ao não incluir o BC

na sua responsabilidade pela elevação das despesas

com juros. Apenas determinou que o BC devesse

apresentar semestralmente ao Congresso o impacto e

o custo fiscal de suas operações.

Algumas análises parecem esquecer que juro

constitui despesa pública e, quando criticam os

aumentos de despesas do governo, só conseguem

enxergar as relativas a custeio. No entanto, são

as de custeio que respondem pela maior parte

do atendimento ao déficit social, ambiental e de

segurança pública. Racionalizá-las e priorizá-las é

exigência de boa gestão, não para reduzi-las, mas para

adequá-las às competências que são atribuídas pela

Constituição ao Estado, como a universalização da

saúde, da previdência social, do ensino desde a creche

até o nível médio, da segurança pública, etc.

Evolução Histórica

Desde 1945 até 1980 a inflação média anual medida

pelo IGP-DI e IPC-Fipe foi de 31,7% e só em três anos

ficou abaixo de 10%. Entre 1983 e 1994, esteve acima

de 100%, com média anual ao nível de 600%. O auge

foi em 1993 com 2400%, ou 1% ao dia!

O Plano Real, a partir de julho de 1994, sustou o

processo inflacionário. O fantasma inflacionário já

não tem mais razão de ser, pois decorridos 16 anos, a

inflação média anual caiu para 9,1% de 1995 a 2002

e 5,5% de 2003 a 2010, admitindo as previsões deste

ano. São níveis compatíveis com os países emergentes,

‘‘

A previsão de inflação é básica para o Copom tomar a decisão sobre a Selic. Pela

dispersão ocorrida, vê-se que são precárias as previsões

e, consequentemente, mais ainda as decisões que nelas se

apóiam.

‘‘

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a

mas acima dos desenvolvidos,com 2%.Importa reduzir

mais ainda nossa inflação. Todos saem ganhando,

especialmente a população de baixa renda.

Importância da Globalização

Com o avanço da globalização a concorrência

aumentou e impôs redução na inflação dos países

emergentes. Na década de 80 a média anual foi de

37%, na de 90 de 17% e de 2001 a 2009 de 7%. Em

economias abertas a empresa não consegue impor

seu preço ao mercado, à exceção dos monopólios,

como no caso do minério de ferro no País.Nesses casos

é necessário o controle de preços para não elevar a

inflação e contaminar a economia. Isso ainda não está

ocorrendo na forma desejável no Brasil.

No interesse geral, a forma de combate à inflação

merece ser mais debatida. Fora o controle de preços

sobre os monopólios, seguem algumas questões para

reflexão.

Responsabilidade pela inflação

Se a responsabilidade pela inflação for só do BC,

como é a tradição no País, ele deveria dispor de todos

os instrumentos para isso: possuir independência

formal, influir sobre a demanda (das famílias e

do governo), os meios de pagamento, o depósito

compulsório e o câmbio. Nessa hipótese ocorre a

predominância da política monetária sobre a fiscal e

o nível de despesas do governo fica dependente da

orientação do BC.

Se a responsabilidade pela inflação for do governo,

o BC atuaria como integrante da formulação e do

processo decisional da equipe econômica.

Entre essas opções, creio que a política econômica

perde eficácia quando não são integradas as decisões

que afetam as principais variáveis macroeconômicas,

pois há forte inter-relação entre elas. Caso contrário,

corre-se o risco de formar, em ocasiões críticas, um

verdadeiro cabo de guerra, onde a política fiscal

puxa para um lado e a monetária para o outro, com

resultados macroeconômicos e imagem externa

desfavoráveis.

Inflação que independe do BC

São vários fatores que influenciam a evolução de

preços e que independem da ação do BC. Merecem

destaque: preços de alimentos, commodities, preços

administrados, preços internacionais, oferta de crédito,

massa salarial, etc. Representam mais de 70% no peso

da inflação, reduzindo a eficácia da política monetária

e tornando precárias suas projeções de inflação.

Assim, deixar o controle inflacionário à exclusiva

responsabilidade do BC não parece ser a melhor

estratégia. Isso reforça a opção de se usar políticas

econômicas integradas, sob responsabilidade do

governo, para permitir resultados mais efetivos de

redução da inflação.

‘‘

‘‘

Se a responsabilidade pela inflação for só do BC, como

é a tradição no País, ele deveria dispor de todos

os instrumentos para isso:possuir independência formal, influir sobre a

demanda (das famílias e do governo), os meios de pagamento, o depósito

compulsório e o câmbio.

18

Page 21: Revista de Conjuntura, n. 42

19

abril/junho/2010

Influência do crescimento na inflação

Várias análises defendem a oposição entre cres-

cimento e inflação. Se ocorre crescimento forte da

produção, acendem as luzes vermelhas do BC, que

eleva os juros. Deveria ser o contrário, pois mais

produção significa maior oferta de bens e serviços,

pressionando os preços para baixo. Se o crescimento

vem puxado pela expansão da demanda, essas análi-

ses usam como argumento para contê-la, a elevação

dos juros, usando como justificativa velhos conceitos,

como produto potencial, taxa de juros de equilíbrio,

taxa mínima de desemprego e nível máximo de utili-

zação da capacidade instalada. O pressuposto desses

conceitos é que o atendimento à demanda é feito ex-

clusivamente pelas empresas locais, sem contribui-

ção da importação. Assim, perdem significado, espe-

cialmente em contexto de forte oferta internacional,

como agora.

A partir de 2004, quando a economia pode

experimentar níveis maiores de crescimento a inflação

ficou sempre abaixo de 7%, com média de 5,1%. A

lógica parece estar no fato de ocorrer redução na

participação dos custos fixos nas empresas quando há

maior produção.Ou seja, para uma mesma margem de

lucro, é possível adotar preços mais baixos. Por outro

lado,inflação baixa eleva o poder aquisitivo,ampliando

a demanda e o crescimento. Assim, não parece haver

conflito entre crescimento econômico mais robusto

e inflação, e a política econômica adequada seria de

estímulo à produção (ampliação da oferta) como

melhor arma para o controle inflacionário.

A relação Selic e inflação

O uso da Selic como principal instrumento de

controle inflacionário pelo BC é problemático. Seu

nível historicamente elevado atua como desestímulo

à oferta, sem afetar a demanda das famílias e aumenta

a demanda do governo.

O desestímulo à oferta ocorre pela decisão

empresarial de preferir aplicar seus recursos em títulos

federais,com bons lucros,sem risco e liquidez imediata,

ao invés de arriscar em investimentos na produção. A

Selic não afeta a demanda das famílias, pois as taxas de

juros ao consumidor se descolaram dela e o comércio

soube adequar as prestações ao alcance do bolso do

consumidor. A elevação da Selic aumenta as despesas

do governo federal com juros, ou seja, aumenta a

demanda do governo.

Pode-se argumentar que a Selic cumpriria o papel

de orientar as expectativas dos agentes econômicos.

Não parece, pois o BC ao sinalizar a possibilidade

de elevação da inflação para daqui a doze meses,

os consumidores podem antecipar compras e as

empresas remarcar preços.

Finalmente, poder-se-ia argumentar que a Selic por

ser elevada, atrai dólares na busca de ganhos fáceis

pelo investidor estrangeiro e com isso aprecia o real,

reduzindo os preços dos produtos importados (âncora

cambial). Ocorre que essas aplicações especulativas de

estrangeiros têm dupla mão:entra X e sai X mais os juros,

ou seja, acaba saindo mais dólares do que entrou, o que

leva à depreciação do real, causando inflação no médio

prazo. Além disso, há dano ao País, pois o BC cria uma

bomba de sucção de recursos públicos para o exterior.

Sugestões

Diante disso tudo, o que fazer? Seguem algumas

sugestões.

1) A meta de inflação deve ser definida para horizontes

de doze meses e não por ano, como é hoje, e a

responsabilidade por cumpri-la é do governo (equipe

econômica e BC).

2) Ampliar as políticas de estímulo (fiscais e creditícios)

à produção industrial e agropecuária para aumentar a

oferta.

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3) Reduzir o preço ex-refinaria, margens de distribui-

ção e eliminação da CIDE para o óleo diesel e isenção/

redução de pedágio para transporte de carga. Isso re-

baixa custos de locomoção e de fretes

4) Estimular a criação de centros de abastecimento

para comercialização direta entre produtores e consu-

midores de produtos agrícolas. Isso reduz os custos de

alimentação. Existem experiências exitosas em prefei-

turas.

5) Criar programa permanente de orientação aos con-

sumidores via internet e mídia para facilitar decisões

de compras a preços mais acessíveis.

6) Controlar os preços dos monopólios.

7) Reduzir/eliminar a tributação sobre produtos e

serviços de consumo popular.

8) Usar alíquotas/quotas para importação e exportação

em casos de majorações indevidas de preços internos.

Exemplo: minério de ferro.

9) Reduzir a Selic ao nível internacional e controlar a

oferta de crédito ao consumo via ajuste nos depósitos

compulsórios e/ou alteração na relação capital sobre

empréstimos às instituições do setor financeiro.

10) Apresentar relatórios bimestrais sobre as ações

adotadas para o controle inflacionário e seus resulta-

dos.

Finalmente é sempre bom ressaltar o peso sobre

a demanda das despesas com juros, que atingiu nos

últimos doze meses encerrados em junho R$ 181,5

bilhões ou 5,43% do PIB! A taxa básica de juros atual,

excluída a inflação é de 5,0%, mais do dobro do

segundo colocado com taxa mais alta que é a China

com 2,4%. Enquanto não for resolvida essa anomalia

será impossível por em ordem as finanças públicas e

o desenvolvimento de forma sustentada. O País não

pode se dar ao luxo de desperdiçar 5,4% do seu PIB

com taxas anormais de juros. Creio que esse será um

dos principais desafios imediatos do próximo governo.

Usando um conjunto amplo e integrado de ações,

a possibilidade de sucesso na redução da inflação é

superior ao uso duvidoso e exclusivo da Selic.

Amir [email protected]

Economista, mestre em Finaças Públicas pela Fundação Getúlio

Vargas e consultor. Foi secretário de Finanças da Prefeitura de São

Paulo na gestão Luiza Erundina (1989-1992).

‘‘

‘‘

O desestímulo à

oferta ocorre pela

decisão empresarial

de preferir aplicar

seus recursos em

títulos federais, com

bons lucros, sem risco

e liquidez imediata,

ao invés de arriscar

em investimentos na

produção.

20

Page 23: Revista de Conjuntura, n. 42

Complexo Eco-empresarial ou Eco-parque industrial - Uma

forma de organização empresarial sustentável

Paulo Lima

A economia empreendedora adota como

elemento propulsor a inovação, entendida como a

atitude de combinar recursos existentes em uma

nova e mais produtiva configuração que resulte na

criação de valor e contribuição à sociedade1.

A inovação aplicada como processo sistemático

de mudança pode ser um instrumento de desen-

volvimento sustentável, quando abrange as dimen-

sões tecnológica, econômica, social e ambiental, e

configura-se como fator de mudança econômica e

sócio-ambiental ao criar oportunidade para suprir as

necessidades da atual e das futuras gerações de for-

ma diferente e/ou nova.

Um modelo de organização integrada de negócios

empresariais que vise o modo de produção limpa, a

geração de valor e de emprego e renda, respeitando

as características locais, e adotando como premissa o

equilíbrio entre desenvolvimento econômico, social

e a proteção ambiental, no Brasil, ainda pode ser

considerado como algo novo, diferente.

Essa forma de organização é denominada

de Eco-Parque Industrial – EPI ou Complexo Eco

Empresarial,devendo ser entendida como um produto

resultante de inovação tecnológica que tem como

propósito promover o desenvolvimento sustentado,

por meio de sinergias empresariais, que levem a um

melhor aproveitamento de subprodutos e tratamento

de resíduos, além de gerar benefícios econômicos

e sociais. Trata-se de uma solução estratégica que

apresenta uma nova forma de empreender capaz de

transformar os processos de produção e proporcionar

crescimento econômico ambientalmente sustentado.

Visa atender a crescente demanda do mercado

por produtos e processos social e ambientalmente

corretos, uma vez que busca otimizar os recursos

naturais e minimizar os custos de produção e os efeitos

dos resíduos finais.

Fundamentação Teórica

Eco-Parque Industrial insere-se no campo da

ecologia industrial, área de conhecimento que vem

aumentando em importância e amplitude, apesar

de ser relativamente nova. Deriva da integração

da teoria de sistemas com o sistema natural. Jay

Forrester2 pesquisador do Massachusetts Instituteof

Technology – MIT foi o primeiro a observar o mundo

como uma série de sistemas interligados. Utilizando

esta abordagem, DonelaMeadows, no famoso livro

The LimitstoGrowth(Meadows, etalli, 1972), simulou

¹ Adaptado de Drucker, 2005. ² Expressou suas observações nos artigos: Principlesof Systems, 1968, e World Dynamics, 1971; Cambridge, Wright-Allen Press.

Page 24: Revista de Conjuntura, n. 42

a tendência da degradação ambiental no mundo,

face o aumento populacional, destacando a

insustentabilidade do sistema industrial em curso3

(Garner, 1995).

Robert U. Ayres contribuiu com a formação da

ecologia industrial ao analisar o processo industrial

como um sistema metabólico, cunhando o termo

metabolismo industrial. Trata-se do estudo do fluxo

industrial, desde a entrada (insumos e energia),

passando pela transformação até a saída (produtos e

resíduos), por meio de balanços de massa e energia, que

podem identificar processos e produtos ineficientes

que resultem em resíduos poluentes, bem como

soluções para diminuição dos resíduos.

A visão de Robert Frosch e Nicholas Gallopoulos

(1989) transcende a unidade industrial ao afirmarem

que o modelo tradicional de processamento industrial

– consumo de matérias-primas e energia gerando

produtos para venda e resíduos – deve ser transformado

em um modelo mais integrado, denominado

ecossistema industrial, de funcionamento análogo

ao biológico. A integração se realiza na medida em

que empreendimentos (processos) aproveitam como

insumos ou matérias-primas os resíduos de outros

processos (empreendimentos). Gertler (1995) contribui

para o melhor entendimento da ecologia industrial

adotando a visão de longo prazo ao processo sistêmico

de análise das interações entre os sistemas produtivos.

No livro The Greeningof Industrial

Ecosystems,BradenAllenby e Deanna Richards, apresen-

tam um compêndio de iniciativas e esforços na reso-

lução de problemas ambientais usando a análise de

sistemas. Identificam também algumas ferramentas da

ecologia industrial como a contabilidade verde, a análise

de ciclo de vida e o projeto para o meio-ambiente (Gar-

ner, 1995). Estes cientistas, e outros, colaboraram para o

reconhecimento da ecologia industrial como uma nova

área de estudo, fato ocorrido em 1991 no evento Collo-

qiumon Industrial Ecology, realizado no mesmo ano, pela

NationalAcademyof Science. Atualmente é considerada

por muitos pesquisadores como a ciência da sustenta-

bilidade.Apesar de ainda não haver consenso sobre o

conceito de ecologia industrial, existem pontos conver-

gentes sobre suas características (Garner, 1995; Lowe,

1993 e 2001; e ibbs, 1992):

visão sistêmica das interações entre sistemas industriais e o meio;

orientação para o futuro;

abordagem multidisciplinar;

estudo do fluxo e transformação da matéria e energia;

reorientação do processo industrial;

utilização de processos cíclicos – reuso e reciclagem;

maximização da eficiência industrial;

minimização dos impactos ao meio-ambiente;

percepção da atividade industrial como um participante harmônico do ambiente ecológico;

considera os limites de capacidade de carga do planeta e da região; e

promoção de simbioses industriais e de eco-parques industriais.

A ecologia industrial pode ser abordada de três

formas diferentes, dependendo da abrangência de

atuação, como mostra o diagrama 1 a seguir.

Como se verifica no diagrama 1, um Complexo

Eco Empresarial ou Eco-Parque Industrial – EPI é uma

ferramenta da ecologia industrial na medida em que

integra harmonicamente a maior quantidade possível

das melhores práticas “verdes” em único ecossistema

empresarial, como, por exemplo,métodos construtivos

e prédios sustentáveis, redução de gases, energia

limpa e reuso de resíduos.

Os benefícios ecológicos e econômicos ecorrentes

da implantação de um EPI refletem na própria

comunidade empresarial e na sociedade local.

³ Para realizar as projeções os autores utilizaram o programa de computador World3, uma atualização do programa World2 desenvolvido por Jay Forrester, que possibilitou correlacionar população, crescimento industrial, produção de alimento e as limitações do ecossistema.

Page 25: Revista de Conjuntura, n. 42

Entre indústria

Análise de ciclo de vida

Ecosistema industrail

Simbiose industrial

Eco-Parque industrial

Iniciativas setoriais

(atuação responsável)

Conceito

O President’sCouncilonSustainableDevelo

pment – PCSD4, no documento SustainableAmerica:

A New Consensus for Prosperity, Opportunity, and a

HealthyEnvironment, de 1996, definiu EPI como um grupo

de negócios integrados à comunidade para compartilhar

eficientemente recursos (materiais, água, energia,

infraestrutura, habitat e informações), incrementar a

prosperidade econômica e desenvolver o meio ambiente.

A United States Environmental ProtectionAgency

– EPA conceitua EPI como sendo uma comunidade

de indústrias e negócios de serviços que objetivam

aumentar o desempenho ambiental e econômico, por

meio da gestão colaborativa do meio-ambiente e dos

recursos. A comunidade de negócios, trabalhando em

cooperação, procura produzir um benefício coletivo

maior do que a soma dos benefícios individuais de cada

empresa caso estas aperfeiçoem suas performances

isoladamente. Utilizando os princípios da ecologia

industrial, a comunidade empresarial trabalha em

conjunto para se tornar um ecossistema industrial.

4 Entidade criada em 1993 na administração Clinton para desenvolver estratégias de ação para o desenvolvimento sustentado.

Indústria (interno)

Prevenção da poluição

Produção mais limpa

Contabilidade verde

Ecologia Industrial

Desenvolvimento

sustentável

Regional ou Global

Análise de fluxos de materiais

e energia

Planejamento estratégico

Plano de desenvolvimento

Regional/Nacional

Diagrama 1: Abrangência da ecologia industrial

O instituto IndigoDevelopment apresenta

um conceito semelhante aos do PCSD e da EPA,

contudo mais completo.Define EPI como uma

comunidade de empresas (indústrias, comércio e

serviços) localizadas conjuntamente em uma mesma

propriedade, objetivando aumentar o desempenho

ambiental, econômico e social, por meio da

colaboração integrada na gestão dos recursos e do

meio-ambiente. A comunidade empresarial busca

um benefício coletivo maior do que a soma dos

benefícios individuais que cada empresa alcançaria

somente aperfeiçoando o desempenho individual

(Lowe, 2001).

Acrescenta que o objetivo é incrementar a

performance econômica das empresas participantes

enquanto os impactos ambientais são minimizados.

Utiliza elementos da ecologia industrial como: o

desenho “verde” da infra-estrutura e das plantas

empresariais, produção limpa, prevenção à poluição,

eficiência energética e parceria entre empresas. Visa

também garantir às comunidades vizinhas o menor

impacto ambiental.

Page 26: Revista de Conjuntura, n. 42

EPIs no Mundo

Conforme o instituto IndigoDevelopment (2009) tanto

os setores público como privado iniciaram mais de 100

(cem) projetos de EPIs pela Ásia, Europa, África, América

do Norte, América Latina e Austrália. As iniciativas estão

em estágios diferentes de desenvolvimento e de forma

geral não adotam todos os elementos que caracterizam

um eco-parque industrial.

O conceito e os tipos de EPIs são amplos, não

existe limitação da forma nem do conteúdo. Qualquer

comunidade, esfera de governo, organização social ou

empresa pode implantar um parque, bastando usar

um ou mais preceitos de sustentabilidade. Todavia, os

que apresentam melhores resultados socioambientais

são aqueles que agregam a maior quantidade de

elementos sustentáveis.

Na China existiam, em 2007, 24 (vinte e quarto) EPIs

em atividade, a vasta maioria se originou de aglome-

rados industriais e somente um foi desenhado e cons-

truído em uma área nova com o propósito específico

de criação de um EPI – greenfieldproject5.

Para promover o desenvolvimento de EPIs, o órgão

estatal chinês de proteção ambiental, denominado

State Environmental ProtectionAdministrationof China

-SEPA, se preocupou em construir um EPI modelo

como estratégia de efeito demonstração,bem como

normatizou as condições de construção e gestão de

EPIspor meio de um manual de padronização. Além disso,

é responsável pelo desenvolvimento e pela autorização

de funcionamento dos EPIs. Os referidos parques são

construídos e administrados conforme o planejamento

e regulamentação específica do governo chinês.

O desenvolvimento doseco-parquesnorte-

americanos foi inicialmente fomentado pelo PCSD

querecomendou às agências estatais a assistência a

comunidades que pretendiam criar eco-parques.

Para acelerar o ritmo de implantação de EPIs, o

PCSD (1996) concentrou esforços em três iniciativas:

Baltimore, Brownsville e Port Charles. Atualmente

existem vários EPIs em diferentes estágios de

desenvolvimento, poucos apresentam vários

elementos da ecologia industrial.

No Canadá as iniciativas começaram a menos de 20

(vinte) anos e tiveram origem no mundo acadêmico

(Peck, 2002). Os principais exemplos de EPI são os de

Burnside, Bruce, e Portland. Esses foram criados como

parques industriais a partir de simbioses de resíduos

entre as indústrias,contudo paulatinamente foram

agregando outros conceitos de EPI.

O exemplo clássico de EPI é o de Kalundborg,

uma comunidade com cerca de 20.000 habitantes,

próximo de Copenhagen na Dinamarca. De fato trata-

se de uma simbiose industrial que se iniciou de forma

espontânea com o objetivo de obter economias pelo

aproveitamento de sub-produtos. Funciona de forma

colaborativa e integrada objetivando maximizar o

benefício econômico e ambiental mútuo, por meiode

acordos comerciais entre seus participantes, com base

em programas de reutilização de água, de trocas de

energia e subprodutos e de reutilização de resíduos.

Greenfield Project: refere-se a um projeto que está sendo concebido e executado onde não existe uma organização empreendedora. Um greenfield site é um local onde infra-estrutura foi construída, porém existe um projeto para que seja feita uma obra no local.

...um Complexo Eco Empresarial ou Eco-Parque

Industrial – EPI é uma ferramenta da ecologia

industrial na medida em que integra harmonicamente a maior quantidade possível

das melhores práticas “verdes” em único ecossistema

empresarial...

Page 27: Revista de Conjuntura, n. 42

25

abril/junho/2010

No Reino Unido a forma de organização mais

utilizada é o da simbiose industrial. O National Industrial

SymbiosisProgramme – NISP, que se auto-intitula como a

primeira iniciativa de simbiose industrial no mundo em

escala nacional,é o órgão estatal de fomento da simbiose

industrial.Trata-se de uma entidade privada financiada

com recursos públicos e de organizações empresariais

que estimula e fomenta a simbiose industrial entre as

empresas e entre os vários setores econômicos.

Na Colômbia, registra-se a iniciativa da prefeitura

de Bogotá que por meio de plano de gestão

ambiental, promove a associação empresarial na

forma de EPIs, lá denominados de parques industriais

eco-eficientes. O principal objetivo do programa

é fomentar a integração empresarial de forma

competitiva e sustentável, adotando o conceito de

eco-eficiência, especialmente para o uso da água, da

energia e de insumos, eliminando o uso de materiais

tóxicos, fortalecendo a reciclagem, reduzindo a zero

a geração de resíduos sólidos e efluentes. É utilizado

como instrumento de incentivo a concessão de áreas

de terreno para implantação dos parques.

A primeira iniciativa brasileira partiu do Estado

do Rio de Janeiro. Em 2002, foicriado o Programa de

Fomento ao Desenvolvimento Industrial Sustentável

do Estado do Rio de Janeiro – Rio Ecopólo, que

objetivava: incentivar o desenvolvimento sustentável;

gerar emprego e renda; melhorar as condições

ambientais e a qualidade de vida;modernizar o parque

industrial do Estado; e fomentar a criação de parcerias

entre entidades públicas e privadas.

Como instrumento de política pública disponibili-

zou financiamento e incentivo fiscal às empresas que

implementassem projetos de reciclagem de resíduos,

reuso de água,produção mais limpa, transformação de

resíduos em insumos, uso racional de energia, como

também o desenvolvimento de simbioses entre em-

presas para aproveitamento de resíduos e subprodu-

tos.

Devido a descontinuidade administrativa, provoca-

da pela mudança de poder, o governo estadual deixou

de apoiar os três distritos industriais que tentaram se

transformar em eco-parques industriais. Atualmente

Page 28: Revista de Conjuntura, n. 42

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Paulo [email protected]

Mestre em economia pela UCB/DF, professor, consultor especia-

lizado na área econômico-financeira, em especial: na preparação de

planos e programas; e na elaboração, avaliação e análise de projetos

de investimentos.

os distritos industriais são empreendidos pelos pró-

prios participantes, todavia ainda apresentam baixa

integração entre si e pouco uso de preceitos sus-

tentáveis. As ações de ecologia industrial realizadas

visam mais atender a legislação ambiental do que

efetivamente transformá-losem EPIs.

A importância estatal no desenvolvimento de EPIs

O EPI é um instrumento de política pública capaz

de atrair investimentos ambientalmente corretos que

incrementem o desenvolvimento sustentável,gerando

emprego e renda à comunidade local.

Com efeito, o poder público pode desempenhar

um papel importante no fomento à criação de

eco-parques industriais. Nos exemplos citados,

não obstante outros existentes na literatura,

os governos nacionais e locais de países em

desenvolvimento tomam para si a responsabilidade

de disseminar, desenvolver e incentivar a cultura

empresarial de organização eco-empresarial.

Alguns aproveitam a oportunidade para adotar uma

atitude empreendedora, atuando no planejamento,

na concessão de benefícios e até mesmo na

implantação de EPIs isoladamente ou em conjunto

com a iniciativa privada.

A contrapartida governamental também se jus-

tifica pelos benefícios resultantes dos investimentos

privados em um EPI, como exemplo, a redução dos

impactos ambientais, que transcendem o complexo

eco-empresarial e afetam positivamente a comunida-

de local melhorando a qualidade vida.

A presença estatal auxilia até mesmo na

consolidação do pleno conceito de EPI, pois quanto

maior for a utilização de elementos da ecologia

industrial em um EPI, maior será o benefício social

gerado.

‘‘

O EPI é um instrumento

de política pública capaz

de atrair investimentos

ambientalmente corretos

que incrementem o

desenvolvimento sustentável,

gerando emprego e renda à

comunidade local.

‘‘26

Page 29: Revista de Conjuntura, n. 42

Há razões para duvidar que a dívida pública no Brasil é

Sustentável?Sérgio Gobetti e Bernardo Schettini

Há oito anos, o ex-diretor do Banco Central Ilan

Goldfajn escreveu um artigo muito popularizado

na área fiscal e que possuía o mesmo título deste.

Na oportunidade, o Brasil possuía um índice de

endividamento, no conceito líquido, superior a 50% do

PIB e Goldfajn argumentava que, “em todos os prováveis

cenários, a relação dívida/PIB deve no mínimo estabilizar-

se, com boas chances de declínio nos próximos anos.”

Ao final de 2002, após o prognóstico do ex-diretor do

BC, a dívida líquida sofreu um forte choque, atingindo a

casa dos 60% do PIB, mas, nos anos seguintes, a reversão

das condições econômicas e a geração de sucessivos e

expressivos superávits primários possibilitaram que o

mesmo indicador caísse abaixo de todas as previsões,

encontrando-se em 2010 em torno de 41% do PIB. Mais

do que isso: a dívida líquida do setor público brasileiro

é uma das poucas que caiu entre o início (2007) e o final

(2009) da recente crise econômica global, segundo

o Monitor Fiscal do FMI lançado em maio deste ano.

Apesar dos inegáveis sinais positivos, mais uma

vez a sustentabilidade da política fiscal passou a ser

questionada por analistas do mercado, que apontam

dois problemas: a redução do superávit primário e

o aumento da dívida bruta do governo geral, um

indicador de endividamento que, até o passado

recente, despertava pouco interesse dos especialistas

em finanças públicas, apesar de ser mais utilizado

nas economias avançadas que o da dívida líquida.

Enquanto a dívida líquida tem caído sistematica-

mente desde 2002, a dívida bruta apresenta uma ten-

dência de estabilidade ou de leve aumento (no compo-

nente interno) nos últimos anos, como podemos ver na

tabela abaixo. Isso ocorre porque a dívida líquida tem

sido reduzida pela acumulação de ativos ou pela redu-

ção/controle de passivos que não integram o cálculo

da dívida bruta do governo geral, mas fazem parte do

cálculo da dívida líquida do setor público.1 Destaca-se

que a acumulação desses ativos é, em geral, seguida da

colocação de novos títulos da dívida interna – notada-

mente, através de operações compromissadas – com o

objetivo de se controlar a expansão da base monetária.2

A trajetória dispare entre dívida líquida e bruta

não é, portanto, um fato novo e já vinha sendo abor-

dada em diversos trabalhos empíricos voltados a

problematizar o custo implícito de rolagem dos tí-

tulos públicos brasileiros, principalmente quando

comparado à rentabilidade dos ativos financeiros

do governo ou ao custo “zero” da base monetária.

A preocupação, portanto, com a trajetória da dí-

vida bruta em comparação à líquida é absolutamen-

te legítima, mas por que só agora o assunto passou

a despertar a atenção do mercado? O motivo da

mudança de foco desses interlocutores é bastante

evidente, estando relacionado a conflitos de inte-

resse na condução das políticas monetária e fiscal.

O silêncio de antes se explicava porque, como ve-

remos em exemplos, parte da expansão (ou não-redu-

ção) da dívida bruta até 2008 estava relacionada ao

* ¹ São duas diferenças de conceito, portanto: bruta versus líquida e governo geral versus setor público. O setor público equivale ao governo geral mais banco central e estatais.* ²Importante notar que a base monetária entra no cálculo da dívida consolidada do setor público porque constitui formalmente um pas-sivo do Banco Central, assim como os depósitos compulsórios.

Page 30: Revista de Conjuntura, n. 42

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a

manda dos bancos por títulos públicos, mesmo quan-

do não há qualquer razão para isso ocorrer. No auge

da crise de liquidez de 2008, por exemplo, quando o

governo decidiu reduzir o compulsório dos bancos

para tentar restabelecer os canais de crédito, o BC am-

pliou a oferta de títulos públicos (via compromissa-

das), neutralizando a pretendida expansão de liquidez.

controle de liquidez da economia operado pelo Banco

Central em sintonia com os interesses do sistema finan-

ceiro.Se o Tesouro ou o BC resgatam os títulos públicos

de posse do mercado, a base monetária se expande

além do permitido pela meta Selic fixada pelo Copom.

O recente questionamento sobre a dívida bruta,por

sua vez, foi motivado pela emissão de R$ 180 bilhões

de títulos do Tesouro para capitalizar o BNDES, cuja

crescente presença na economia incomoda os bancos

privados. Por tratar-se de uma operação casada, que

ampliou simultaneamente os passivos e ativos do go-

verno, a dívida líquida não foi alterada, mas existe uma

ressalva pertinente: o crédito do BNDES é subsidiado,o

que significa dizer que o Tesouro receberá de volta um

juro menor do que o que paga por seus títulos, tendo

por isso efeitos de longo prazo sobre o custo da dívida.

Nesse contexto, parece justo o clamor por uma

maior transparência dessas operações, bem como

necessário reconhecer que as mesmas se impuseram

numa conjuntura de crise econômica no qual o crédi-

to bancário privado estava empoçado, mas a pergunta

que se impõe é outra:por que questionar apenas o efei-

to do crédito do BNDES sobre a dívida bruta e não fazer

o mesmo em relação às operações compromissadas

do Banco Central,que cresceram significativamente de

2005 a 2009,passando de 2% do PIB para 14,5% do PIB?

A expansão dessas operações com títulos públi-

cos, efetuadas pelo BC, se explica principalmente pela

necessidade de enxugar a base monetária frente ao

grande aumento das reservas cambiais, mas muitas

vezes também ocorre como resposta passiva à de-

‘‘

A preocupação, portanto,

com a trajetória da dívida

bruta em comparação à

líquida é absolutamente

legítima, mas por que só agora

o assunto passou a despertar

a atenção do mercado?

O motivo da mudança de

foco desses interlocutores é

bastante evidente, estando

relacionado a conflitos de

interesse na condução das

políticas monetária e fiscal.

‘‘

Conceito 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010*

Dívida Bruta** 62,5 67,3 61,7 56,7 56,7 56,4 58,0 57,9 62,8 60,1

Interna 48,6 48,0 47,5 45,4 47,8 50,1 53,6 53,1 53,2 56,7

Externa 13,9 19,2 14,2 11,4 8,9 6,4 4,4 4,8 3,5 3,4

Dívida Líquida 52,8 60,6 54,9 50,6 48,2 47,0 45,1 38,4 42,8 41,4

Tabela 1: Dívida bruta e líquida do setor público no Brasil (% PIB)

Fonte: BC/ Ministério da Fazenda

(*) Posição de junho)

(**) Dívida bruta pela nova metodologia do BC, quer inclui apenas operações compromissadas do BC

28

Page 31: Revista de Conjuntura, n. 42

29

abril/junho/2010

Da mesma forma que a capitalização do BNDES, a

manutenção de reservas para fins de controle da taxa

de câmbio e gestão de risco da dívida, assim como o

enxugamento da base monetária para fins de polí-

tica monetária, proporcionam benefícios para a so-

ciedade e também custos, dados pelos diferenciais

de juros – aliás, mais elevados do aquele verificado

entre a TJLP e a Selic, no caso da operação BNDES-

Tesouro. Mas não ouvimos em geral os analistas de

mercado questionando esse custo, porque muitas

vezes ele implica ganhos para o setor financeiro.

Na prática, podemos concluir que muito pouco do

comportamento da dívida bruta está relacionado com

a política fiscal, embora implique crescentes custos

para a política fiscal. Isso fica muito claro ao observar-

mos a seguinte tabela, que apresenta em valores no-

minais a evolução da dívida bruta e dos componentes

da necessidade de financiamento do governo geral.

De 2002 a 2009, a dívida bruta cresceu R$ 979 bi-

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Σ 2003-2009

Dívida bruta 994.378 1,048,134 1,101.382 1.217.929 1.336.645 1.542.852 1.740.888 1.973.424

r Dívida t-1, (A) 53.756 53.249 116.547 118.716 206.207 198.036 232.536 979.046

Déficit nominal (B) 89.155 61.016 78.700 91.081 72.311 60.100 105.282 557.645

Juros nominais 141.720 130.882 155.765 162.148 161.684 161.983 168.727 1.082.909

(-) Superávit primário (52.565) (69.867) (77.065) (71.067) (89.373) (101.883) (63.445) (525.264)

r Dívida não-explicado

p/déficit(35.399) (7.767) (37.846) 27.635 133.896 137.936 127.254 421.401

Tabela 2: Determinantes da Dívida bruta do governo geral (R$ milhões)

lhões em valores nominais, dos quais apenas 57%

podem ser explicados pelo déficit nominal. A expan-

são da dívida bruta chega quase a igualar o valor

dos juros apropriados, como se a maior parte do su-

perávit primário acumulado no período (R$ 557 bi-

lhões) não tivesse sido utilizada para quitar a dívida.

De fato,foi mais ou menos isso que ocorreu mesmo,

já que o superávit primário foi indiretamente utilizado

para adquirir ativos e/ou enxugar a base monetária,

passivo este que entra na conta da dívida líquida ape-

nas. Por resíduo, podemos concluir que pelo menos

43% da expansão da dívida bruta se explica por fa-

tores extra-fiscais, decorrentes da política monetária,

cambial e creditícia do governo. Sublinha-se o “pelo

menos” porque parte dos juros nominais computados

na conta fiscal está relacionado ao diferencial de juros

entre o que o governo paga pelos títulos públicos e

aquilo que recebe de rentabilidade em dólar das reser-

vas cambiais, estimado por estes autores em torno de

R$ 90 bilhões para o período 2003-2009 a partir de pro-

jeções do próprio BC para o custo de manutenção das

reservas (R$ 168 bilhões, incluindo variação cambial).

Estes custos extra-fiscais impactam, evidentemen-

te, a chamada taxa implícita da dívida líquida do se-

tor público, que tem sido mais elevada do que a Selic,

oscilando atualmente em torno de 14% ao ano, o que

representa uma taxa real de 9%. Mesmo com essa ele-

vada taxa, entretanto, o superávit primário requerido

para manter a dívida líquida estabilizada é bem infe-

rior à atual meta fiscal de 3,3% do PIB, situando-se em

1,7% do PIB (supondo crescimento econômico de 5%

ao ano). Qualquer superávit primário entre 1,7% do PIB

e 3,3% do PIB, portanto, é plenamente compatível com

a manutenção da trajetória de queda da dívida líquida.

Não há razões, mais uma vez, para duvidar-se da

sustentabilidade da dívida pública nem porque, em

nome disso, promover um novo ciclo de arrocho

fiscal que prejudique a expansão dos investimen-

tos públicos ou dos gastos sociais no país. É preci-

so monitorar com atenção a evolução das despesas

do governo e da dívida bruta, mas nada justifica um

Page 32: Revista de Conjuntura, n. 42

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ntur

a

aperto como o que vivemos em 2003/2004 e que in-

terrompa o atual ciclo de crescimento econômico.

É claro que a taxa implícita da dívida pode e deve

ser reduzida para patamares inferiores aos atuais, o que

depende principalmente da redução da própria Selic.

Como a tendência do futuro próximo é de termos ju-

ros menores com inflação sob controle, a demanda por

créditos subsidiados (via BNDES, por exemplo) deve ser

menor, o custo de manutenção das reservas também,

e a base monetária poderá ser ampliada com o corres-

pondente resgate de títulos públicos. A combinação

desses fatores propiciará uma taxa implícita menor,

maior queda da dívida líquida e maior espaço fiscal

para os investimentos públicos, o que, por sua vez, con-

tribui para a sustentação de elevadas taxas de cresci-

mento do PIB e para a melhoria dos indicadores fiscais.

Sérgio [email protected]

Economista pela UFRGS e com mestrado e doutorado pela UNB,

especializado em Finanças Públicas, exerce o cargo de técnico de

planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos Macroeconômicos

do IPEA.

Bernardo [email protected]

Economista pela PUC-Minas. Atualmente é

mestrando em economia pela UFMG e Técnico de

Planejamento e Pesquisa do IPEA, onde desenvolve

pesquisas em macroeconomia aplicada.

‘‘

Mas não ouvimos em geral

os analistas de mercado

questionando esse custo,

porque muitas vezes ele

implica ganhos para o

setor financeiro. Na prática,

podemos concluir que muito

pouco do comportamento da

dívida bruta está relacionado

com a política fiscal, embora

implique crescentes custos

para a política fiscal.

‘‘30

Page 33: Revista de Conjuntura, n. 42

e constitui o referencial para a implementação de

uma Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento

(ANC). A sustentabilidade é entendida como desen-

volvimento econômico, social, político e cultural, ace-

lerando o bem-estar generalizado da coletividade.

Nessa perspectiva, os membros do CDES elegeram

como fundamentais duas estratégias para o desenvol-

vimento brasileiro. A primeira delas é a consolidação

do processo de expansão equânime do emprego e

da renda, com fortalecimento do mercado interno an-

corado em um modo de produção, de consumo e de

distribuição sustentáveis e que contemple a amplia-

ção dos investimentos inovativos. A segunda aponta

para uma inserção ativa na economia internacional.

Para implementar essas estratégias o Brasil deve

enfrentar vários desafios. Dentre eles, ao conselheiros

elencaram como principais: 1) Os novos horizontes da

educação; 2) Desafios do Estado democrático e indutor

do desenvolvimento; 3) A transição para a economia

do conhecimento; 4) Trabalho Decente e inclusão pro-

dutiva; 5) Padrão de produção para o novo ciclo de de-

senvolvimento; 6) O potencial da agricultura; 7) O papel

das infraestruturas: transportes, energia, comunicação,

água e saneamento; 8) A sustentabilidade ambiental

e; 9) Consolidação e ampliação das Políticas Sociais.

II. Uma nova conjuntura

O País finalmente se liberta de quase três décadas de

semiestagnação, decorrentes da adoção de estratégia

econômica baseada na visão neoliberal. Práticas como

Estratégias para o novo ciclo de desenvolvimento: Uma visão do Conselho de Desenvolvimento

Econômico Esther Bemerguy e Maria Luiza Falcão

Este artigo resume de forma sucinta a Agenda para

o Novo Ciclo de Desenvolvimento, apresentada pelo

Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

(CDES) ao Presidente da República, em 17 de junho

de 2010. A Agenda reflete o conjunto de discussões

que há cinco anos vêm se desenvolvendo no âmbito

do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

(CDES), refletindo o amplo espectro de participantes,

mas também os numerosos documentos, propostas e

resoluções que têm sido discutidas com os mais varia-

dos setores da sociedade, além de consultas com espe-

cialistas das principais áreas de atividade e apresenta-

dos como recomendações ao Presidente da República.

Há uma forte convergência no conjunto das visões,

ainda que muita diversidade nas propostas. No que se

fere à conjuntura é consenso que o Brasil está partindo,

nesta segunda década do milênio, de um novo pata-

mar. Em grande parte o futuro dependerá de como o

País solucionará a equação da produção, do emprego,

da renda e do meio-ambiente e de como se inserirá

de forma ativa na economia internacional. São imen-

sas as oportunidades mas os desafios são grandes.

I. Introdução

O Brasil está partindo, nesta segunda década do

milênio, de um novo patamar. Para o Conselho de De-

senvolvimento Econômico e Social este novo pata-

mar de desenvolvimento abre a possibilidade do País

empreender as transformações requeridas para uma

trajetória de crescimento de longo prazo sustentável

Page 34: Revista de Conjuntura, n. 42

Rev

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a

a desregulamentação dos mercados,abertura comercial

e financeira indiscriminada, redução do tamanho e

papel do Estado foram implantadas em diferentes

paises e utilizadas como condição para concessão de

créditos por instituições multilaterais tais como o Fundo

Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD)

e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A crise financeira e econômica internacional que

eclodiu em 2008 produziu inflexões importantes.

Abriu-se o caminho para construção de um modelo que

representa nas economias emergentes uma ruptura

com o modelo hegemônico.As simplificações relativas à

dicotomia entre Estado e mercado deram lugar a atitudes

de bom senso,de pragmatismo,de busca de equilíbrios.

De certa forma, inovar em política voltou a ser legítimo.

No plano internacional, a crise ainda não desa-

pareceu. Um Produto Interno Bruto (PIB) mundial de

US$ 60 trilhões e US$ 860 trilhões em papéis emi-

tidos continua gerando instabilidade. A opção pela

riqueza monetária e financeira coloca em risco o fun-

cionamento dos mercados, da oferta de trabalho,

da demanda por bens e serviços. Os déficits do setor

especulativo privado foram transformados em défi-

cits públicos. Observa-se, em inúmeros países, desa-

celeração da atividade econômica com aumento da

concentração de renda, quedas de salários, redução

de empregos e perda de direitos já conquistados.

Há forte convergência entre os conselheiros do

CDES quanto à necessidade de, nessa conjuntura ex-

terna instável, evitar movimentos especulativos no

mercado financeiro e de commodities, atuando no

sentido do estabelecimento de um marco regula-

tório adequado; aperfeiçoar a política cambial e de

juros para evitar a valorização excessiva do Real e

minimizar os prejuízos dos exportadores; difundir

os mecanismos e instrumentos de apoio à inovação,

de forma a criar um ambiente favorável ao processo

de agregação de valor aos produtos comercializá-

veis e incentivar empresas brasileiras exportadoras;

investir em infraestrutura e logística para reduzir

os custos de produção e facilitar o comércio exte-

rior; acompanhar e supervisionar movimentos de

capital externo especulativo e incentivar ingressos

de investimentos voltados para o setor produtivo.

Em contexto internacional reconhecidamente com-

plexo, o Brasil precisa fortalecer o padrão de desenvol-

vimento em curso, buscando um maior dinamismo de

sua economia associado com uma melhor distribuição

de renda e riqueza, redução da pobreza, ampliação dos

mercados interno e externo, busca da competitividade

no âmbito global, sustentabilidade ambiental e influ-

ência para contribuir com a promoção dos princípios

da democracia, da paz e da legalidade internacional.

III. O ciclo de desenvolvimento em curso

O ciclo de desenvolvimento em curso no Brasil está

sendo impulsionado pela consolidação da democracia

e ampliação dos espaços de diálogo e participação;

por políticas distributivas ancoradas numa visão de

justiça social e de racionalidade econômica, pelo in-

vestimento nas pessoas por meio das políticas sociais

universais e inclusivas; pelos investimentos em infra-

estruturas; por um sistema de financiamento público

capaz de alavancar políticas de desenvolvimento; pela

estabilidade macroeconômica e na gradual incorpora-

ção das dimensões da sustentabilidade ambiental, eco-

nômica e social ao conjunto dos processos decisórios.

‘‘

‘‘

A crise financeira e econômica

internacional que eclodiu em 2008

produziu inflexões importantes. Abriu-se

o caminho para construção de um

modelo que representa nas economias

emergentes uma ruptura com o modelo

hegemônico.

32

Page 35: Revista de Conjuntura, n. 42

que o Brasil fez em apenas cinco anos. Em 2003 havia

50 milhões de miseráveis no Brasil. Hoje são cerca de

20 milhões de pessoas que saíram da miséria - uma

queda de 40%. Incorporamos 32 milhões de pessoas

à classe média, o que equivale a meia França, em

cinco anos. Se for mantido o mesmo ritmo de hoje

o Brasil vai poder reduzir a pobreza em mais de 14

milhões de pessoas e incorporar mais 36 milhões aos

estratos de renda A, B e C até 2016, quando o índice

de Gini3 do Brasil poderá atingir 0,488, próximos ao

dos paises desenvolvidos, contra os atuais 0,515.4

Destaca-se também o papel do crescimento do

crédito ao consumidor, em especial do financiamento

ao consumo de bens duráveis e à construção civil.

As políticas de crédito dos bancos públicos5 foram

responsáveis por cerca de metade do crédito

outorgado em 2009. O sistema financeiro privado é

sólido e opera sob regulação eficiente. O Brasil é um

dos poucos países do mundo que dispõe de condições

para crescer por essa estratégia, devido ao tamanho

de seu mercado consumidor potencial. Além disso, o

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC I e PAC

II), a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), a

expansão dos investimentos da Petrobras, o Plano

O fortalecimento da democracia brasileira é o

objetivo da ampla rede de participação que vem

sendo constituída e fortalecida, articulada em

vários níveis da federação. Nos últimos cinco anos

foram realizadas 50 Conferências Nacionais com a

participação de aproximadamente 3,5 milhões de

delegados, nas instâncias municipais, estaduais e

nacionais. Somente nas etapas nacionais cerca de 5 mil

deliberações públicas foram produzidas, grande parte

delas incorporadas no desenho de políticas públicas

setoriais. Experiências como o CDES e outros conselhos

contribuem para gerar entre os diversos setores uma

cultura da negociação, da pactuação, do respeito

aos interesses nucleares dos diferentes segmentos.

A estratégia de crescimento via ampliação do

consumo de massa sustentou-se em ganhos de

produtividade associados ao tamanho do mercado

interno, que se traduziram em maiores rendimentos das

famílias e na possibilidade do País galgar patamares de

desenvolvimento cada vez mais elevados e sustentados.

Foram decisivas as políticas sociais de transferência de

renda, valorização do salário mínimo, educação, saúde,

assistência social, segurança alimentar e nutricional,

estímulo à criação de novos postos de trabalho formal,

formação profissional e habitação. Esta dinâmica foi o

motor do crescimento e alavanca das decisões privadas

de investimento em 2009. Este cenário deve se repetir

em 2010 e 2011, com a retomada do investimento sendo

estimulada pelo novo patamar de consumo interno.

Estima-se que nos últimos anos a nova classe

média, a chamada “classe C”1 passou a representar mais

da metade da população brasileira, cerca de 53,2%,

dinamizando o mercado de consumo de massa.2 A

redução das desigualdades no Brasil teve uma queda

nunca antes observada. A meta do milênio é cair à

metade da desigualdade no mundo em 15 anos, o

* ¹ Grupo que recebe renda familiar total mensal entre R$ 1.115 (US$ 619) e R$ 4.807 (US$ 2.670) – conversão com taxa de câmbio de junho de 2010: R$/US$ = 1.8* ² De acordo com dados veiculados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em trabalho organizado pelo economista chefe do Centro de Políti-cas Sociais da FGV, Marcelo Côrtes Neri, a classe C abarca 53,2% da população. Contudo, do ponto de vista de distribuição de renda as classes AB com rendas familiares superiores a R$ 4.807, que representam 14,97% da população, se apropriam de quase 55% da renda do País.* ³ Coeficiente utilizado para calcular o padrão de concentração de renda dos países. Varia entre 0, que é a igualdade perfeita e 1, perfeita desigualdade.* 4 IPEA, Pobreza, Desigualdade e Políticas Públicas, 2010.* 5 Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco da Amazônia (BASA)

Page 36: Revista de Conjuntura, n. 42

Foram decisivas as

políticas sociais de

transferência de renda,

valorização do salário

mínimo, educação,

saúde, assistência social,

segurança alimentar e

nutricional, estímulo à

criação de novos postos de

trabalho formal, formação

profissional e habitação.

Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE),

entre outros estão, ao mesmo tempo, dinamizando

os investimentos e mantendo a conjuntura favorável.

Para isto, contribui um setor privado pouco endividado

e com recursos para investir. São condições que

facilitam o resgate dos mecanismos de planejamento

de longo prazo, desafiam a capacidade gestora do

Estado e impulsionam a modernização administrativa.

A política ambiental ganhou nestes anos uma

outra estatura e se incorpora à nova política

econômica que se desenhou no País, gerando

credibilidade e respeito nos planos interno e

internacional, o que, por sua vez, abre mercados.

A taxa de desmatamento é hoje 74,4% inferior a

de 2004, o menor índice já registrado desde 1998,

quando foi iniciada a apuração deste indicador.6 Ao

tratar de maneira sustentável os recursos naturais,

capitaliza-se o País para as gerações futuras.

A melhora do quadro fiscal, na última década,

também contribuiu para esse novo patamar. Um dos

pontos mais fortes da ampliação das perspectivas

de desenvolvimento está na estabilização de um

modelo de gestão macroeconômica. O Brasil é um

dos poucos países do mundo que tem sido capaz

de apresentar superávits primários sucessivos

em suas contas públicas e reduzir a participação

da dívida interna líquida como participação do

PIB no período recente. O equilíbrio das contas

públicas, ao longo do tempo e em todos os países,

tem se mostrado um ponto crucial do equilíbrio

econômico; precondição necessária, embora não

suficiente, para o crescimento de longo prazo.

No plano comercial, uma população mundial

que aumenta em 70 milhões de habitantes por

ano, com ampliação do consumo, deve manter

a tendência para uma demanda forte por

commodities. O Brasil, com a maior disponibilidade

mundial de solo agricultável e 12% da reserva

mundial de água doce, tem trunfos importantes.

Mas deve ficar atento para a dependência dos

preços das commodities aos movimentos dos

capitais especulativo. É preciso evitar a formação

de bolhas recorrentes fruto de especulações com

ativos.7 O Brasil tem papel relevante a desempenhar

no debate da regulação dos mercados.

Os progressos tecnológicos e, em particular, as

inovações na área das tecnologias de informação e

comunicação, abrem novas perspectivas. No século XXI,

além dos embates políticos em torno da propriedade

dos meios de produção, na era da nova economia

o acesso ao conhecimento e a definição dos seus

marcos legais tornam-se centrais. No caso brasileiro,

o salto para a economia do conhecimento passa pela

universalização da banda larga e outras formas de acesso

e disseminação, que abrem importantes perspectivas

de inclusão produtiva e melhoria de qualidade de vida. É

urgente cobrir o hiato entre estes desafios tecnológicos

e o atraso educacional, no plano interno, para ocupar

o espaço correspondente no plano internacional.

* 6 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)* 7 Tais como ações, títulos de renda fixa, câmbio, commodities, títulos imobiliários etc.

Page 37: Revista de Conjuntura, n. 42

O Brasil enfrentou a

crise com fundamentos

macroeconômicos sólidos,

com mercado interno

amplo, com capacidade de

regulação e de manejo de

instrumentos adequados

de política econômica, na

rapidez e no ritmo que o

momento exigia.

Em termos geoeconômicos, a tendência é para

um deslocamento da bacia do Atlântico para a bacia

do Pacífico, com os avanços da China e da Índia, que

representam 40% da população mundial, e de outros

países muito dinâmicos, como a Coréia do Sul e o Viet-

nã, ou fortes como o Japão. O deslocamento favorece-

rá tanto uma orientação mais integradora de infraes-

truturas na América Latina, como o melhor equilíbrio

de ocupação e uso do território no Brasil, fundamen-

talmente atlântico na demografia e na economia.

No plano político, frente a uma economia que se glo-

balizou, surgem novos espaços de concentração inter-

nacional. O G-208 é um exemplo de espaço regular de ne-

gociação entre os países desenvolvidos e em desenvol-

vimento. O Brasil, em particular, assume liderança neste

sentido. A crise econômica e financeira evidenciou a

inadequação da estrutura de governança mundial. Está

em curso uma mudança na distribuição do poder global

que dependerá muito da capacidade estratégica dos

governos envolvidos nesse processo de transformação.

O Brasil enfrentou a crise com fundamentos macro-

econômicos sólidos9, com mercado interno amplo, com

capacidade de regulação e de manejo de instrumentos

adequados de política econômica, na rapidez e no ritmo

que o momento exigia. Expandiu-se o acesso ao crédi-

to, os empregos e a renda da população foram protegi-

dos, inúmeros setores foram desonerados de impostos.

Criou-se uma sinergia entre os domínios econômico e

social que nos permitiu minorar os efeitos do contágio

da crise internacional sobre o desempenho da econo-

mia brasileira e retomar a trajetória de crescimento.

IV. Riscos e oportunidades do contexto internacional

Na inserção internacional, o País parte também

de outro patamar. A crise revelou a existência de

uma nova dinâmica econômica mundial, caracteri-

zada pela inclusão das economias emergentes no

contexto político-estratégico das economias predo-

minantes como os Estados Unidos e a União Euro-

péia. Ficou clara a necessidade de um Estado mais

ativo no processo de suavizar os ciclos econômi-

cos e no campo de regulação dos movimentos in-

ternacionais de mercadorias e ativos financeiros.

O que desponta é uma composição na qual no-

vos países emergentes, em transição para se torna-

rem global players e, portanto, protagonistas no ce-

nário mundial, serão aqueles que combinarem um

mercado interno potencial forte, com abundância

de recursos naturais como energia, gás e petróleo

e com possibilidade de produzirem grande quan-

tidade de alimentos. A existência de um parque in-

dustrial moderno é aspecto de grande relevância.

O Brasil enquadra-se em todas essas características.

O impulso advindo da expansão da economia in-

ternacional entre 2001 e meados de 2008, notada-

mente dos países emergentes da Ásia, garantiu preços

elevados de commodities e aumento das exportações

brasileiras (da ordem de 22% ao ano em média) con-

* 8 Grupo formado pelo G-8 – principais potencias ocidentais mais a Rússia – e um bloco de paises emergentes, onde o Brasil se inclui, mais e União Europeia.* 9 Moção do CDES sobre os Efeitos da Crise Econômica Internacional, aprovada na 28a Reunião do Pleno, 06/11/2008; Parecer do CDES sobre Perspectivas de Crescimento da Economia Brasileira e a Crise Internacional, aprovada na 25a Reunião do Pleno, 01/04/2008.

Page 38: Revista de Conjuntura, n. 42

tribuindo para o aumento do PIB e para diminuição

da vulnerabilidade externa na medida em que pos-

sibilitou maior acúmulo de reservas internacionais.

Com US$ 35 bilhões de reservas internacionais em

2002, o Brasil estava vulnerável a ataques especulativos.

Atualmente, com cerca de US$ 250 bilhões, credor e não

mais devedor do Fundo Monetário Internacional (FMI),

com maior diversificação comercial e de parceiros e

melhor equilíbrio entre os mercados interno e externo,

o País tornou-se uma referência internacional. A acu-

mulação de reservas internacionais atenuou os efeitos

de ciclos econômicos mais pronunciados decorrentes

de crises financeiras sistêmicas e possibilitou ao Brasil

inserir-se de forma soberana na economia mundial.

A integração latino-americana está adquirindo re-

levância crescente, com avanços em ações articuladas

no plano das instituições, dos mecanismos de finan-

ciamento, das infraestruturas, das migrações, da acade-

mia, em busca de uma identidade comum. O Brasil tem

peso específico na região pelas inovações econômicas,

sociais, políticas e ambientais que tem desenvolvido.

O Brasil e seus parceiros latino-americanos, afri-

canos e asiáticos desfrutam, neste momento, de

posição privilegiada na economia global. Os paí-

ses que integram o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e Chi-

na), nos últimos anos, tiraram da pobreza mais

de meio bilhão de pessoas, incorporando esse

enorme contingente à classe média e provocan-

do, em consequência, o aumento da capacidade

de consumo no interior de cada um desses países

e no potencial de consumo de produtos gerados

no âmbito de outros países da economia global.

Em 2020, com 3,14 bilhões de habitantes, cer-

ca de 40% da população mundial10 e crescen-

do a taxas muito superiores à dos países ricos,

os BRICs chegarão, de fato, muito próximo das

economias do G-7. Esses países elevarão a sofis-

ticação e complexidade da sua relação com os

mercados tradicionais, como os dos Estados Uni-

dos e Europa, e representarão importante motor

que impulsionará o consumo em escala mundial.

No conjunto, o Brasil destaca-se no cenário in-

ternacional como parceiro solidário, portador não

só de força econômica e riqueza cultural, mas

também de propostas práticas para o enfrenta-

mento dos principais desafios sociais, ambien-

tais e políticos. A confiabilidade e o respeito an-

gariados se refletem na aprovação do País para

sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

V. Considerações Finais

O CDES aponta como estratégias para o desenvolvi-

mento do Brasil, neste momento, consolidar o processo

de expansão equânime do emprego e da renda, for-

talecendo o mercado interno ancorado em um modo

de produção, de consumo de massa e de distribuição

sustentáveis; ampliar os investimentos inovativos e

se inserir de forma ativa na economia internacional.

O Conselho considera estratégico, também, fortale-

cer o protagonismo do País na governança global, in-

* 10 Projeções da Organização das Nações Unidas - ONU

No conjunto, o Brasil

destaca-se no cenário

internacional como

parceiro solidário,

portador não só de força

econômica e riqueza

cultural, mas também

de propostas práticas

para o enfrentamento

dos principais desafios

sociais, ambientais e

políticos.

Page 39: Revista de Conjuntura, n. 42

37

abril/junho/2010

fluenciando nas negociações econômicas, na reforma

financeira internacional, na reforma monetária e nas

negociações políticas relevantes para a paz no mundo.

Tais estratégias se articulam a um conjunto de

desafios que o Brasil deverá enfrentar. Os avanços

deste novo ciclo de desenvolvimento dependem da

educação, da transição para a economia do conhe-

cimento e da sustentabilidade, da força da indús-

tria, do comércio e do vasto potencial da agricul-

tura, impulsionados pela infraestrutura adequada,

pela inclusão produtiva e pelas políticas sociais.

Requerem ainda um Estado voltado para atender

a demanda da sociedade pelo desenvolvimento

econômico, social, político, ambiental e cultural.

A Agenda sugere desafios, complementares e

interrelacionados, e os principais eixos propositi-

vos de ação que devem gerar efeitos multiplicado-

res sobre o conjunto das atividades econômicas,

sociais, políticas e ambientais do País. O objetivo é

impulsionar o processo de desenvolvimento sus-

tentável, tal como o CDES defende e em relação

ao qual busca contribuir, a partir do diálogo en-

tre diferentes atores sociais e do trabalho coletivo.

Para o CDES, o combate às desigualdades é objetivo

central da estratégia de desenvolvimento e o Conselho

reafirma, então, a recomendação para que a equidade

seja o princípio a reger todas as políticas públicas e as

ações dos atores sociais.

A diversidade é o ativo mais valioso para o pleno

desenvolvimento brasileiro. Com dimensões conti-

nentais e população plural, trata-se de uma realidade

na qual não cabe solução única.É preciso flexibilidade,

abertura e diálogo para que o Brasil se encontre consi-

go mesmo, na sua diversidade cultural, étnica e regio-

nal e no enorme potencial que deriva desta riqueza.

A educação é, segundo os conselheiros, o eixo

prioritário e estruturante, na medida em que é ar-

ticulador de políticas públicas pró-equidade, o

grande vetor para libertar os potenciais de cria-

tividade e inovação e de produção nacionais

e elemento viabilizador da construção cultu-

ral para um novo padrão de convivência na so-

ciedade e de interação com o meio ambiente.

Esther Bemerguy de Albuquerque [email protected]

Economista pela UFPR (1985). Especialização em teoria e

conômica pela Universidade da Amazônia (1987). Na Prefeitura de

Belém foi titular da Secretaria Municipal de Saúde (2003), secreta-

ria Municipal de Finanças (1997 a 2002) e, Secretaria Municipal de

Coordenação Geral do Planejamento e Gestão (1997).

Atualmente é Secretária da Secretaria do Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social da Secretaria de Relações

Institucionais da Presidência da República (SEDES/SRI/PR).

Maria Luiza Falcão Silva [email protected]

Economista pela UFBA (1971), mestrado pela University of

Wisconsin – Madison/EUA (1979) e doutorado pela Heriot-Watt

University/Escócia (1997). Atualmente é diretora da Diretoria

Internacional da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento

Econômico e Social da Secretaria de Relações Institucionais da

Presidência da República (SEDES/SRI/PR).

Page 40: Revista de Conjuntura, n. 42

O milagre da multiplicação dos pães

José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho

O Brasil passa por um período de forte crescimento

econômico. O Produto Interno Bruto (PIB), a soma

de todas as riquezas produzidas pelo país em um

determinado ano, obteve o seu melhor resultado

trimestral dos últimos quinze anos, crescendo a uma

taxa de 9%. A expectativa de crescimento para 2010

está em torno de 6,5%, com uma taxa de formação bruta

de capital fixo da ordem de 18%. Diante de resultados

tão favoráveis, em que medida o atual processo de

crescimento se diferencia das experiências passadas?

No milagre econômico, período de crescimento

vigoroso de 1968 até 1973, o PIB cresceu a uma taxa

de 11% ao ano, liderado pelo bom desempenho do

setor de consumo de bens duráveis e, em menor

escala, pelo de bens de capital. A taxa de investimento

subiu de 19%, em 1968, para pouco mais de 20%,

em 1973. O crescimento da economia brasileira foi

considerado surpreendente, pois seu ritmo elevado

foi acompanhado de queda da inflação (ainda que

moderada) com melhora sensível do saldo do balanço

de pagamentos, registrando superávits crescentes.

O termo “milagre” se justificou por contradizer duas

relações macroeconômicas: i) a relação inversa entre

inflação e desemprego, e ii) o custo de oportunidade

entre crescimento econômico e equilíbrio externo. O

ministro da Fazenda da época, Antônio Delfim Netto,

buscou a estabilização monetária (sem uma fixação de

metas explícitas), a consolidação da infra-estrutura e

a ampliação do mercado interno (o qual sustentaria a

demanda de bens duráveis, especialmente). A política

econômica se baseava na concepção de que para

gerar mais investimento era necessário efetuar mais

poupança. Para realizar os investimentos era preciso

fazer a economia crescer, o que elevaria o nível de

poupança. De fato, houve um crescimento econômico

substancial; porém, tal comportamento foi seguido de

um aumento significativo da desigualdade de renda.

Esta situação era aceitável pelo argumento de que se

deveria crescer, primeiramente, para depois distribuir a

riqueza.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva compreende

dois mandatos políticos, iniciando em 2002 até o

presente momento. Em termos de políticas e de

desempenho econômico, há uma nítida inflexão dos

principais indicadores econômicos, justamente após a

crise política instaurada no final do primeiro mandato

(o escândalo do mensalão). Por incrível que pareça,

esta crise culminou na substituição de vários ministros

de Estado, inclusive o ministro da Fazenda, Antônio

Palocci Filho. Além disso, a entrada de Guido Mantega

na pasta da Fazenda promoveu paulatinamente uma

substituição da austeridade econômica por uma

condução mais desenvolvimentista. Não se pode negar

que o segundo mandato do governo Lula foi marcado

por forte alta dos preços das commodities e por um

ambiente externo favorável, com crescimento das

principais economias emergentes.

A crise financeira americana, em finais de 2008,

reduziu o ritmo de crescimento da economia brasileira.

Porém, o Brasil foi, juntamente com a China, um dos

primeiros países a retomar o crescimento. De um lado,

a gestão econômica foi caracterizada pela estabilidade

d l i li ã d

Page 41: Revista de Conjuntura, n. 42

39

abril/junho/2010

econômica, de acordo com metas inflacionárias

definidas pelo Banco Central, utilizando-se de taxas de

juros elevadas; de outro, com o aumento expressivo

das políticas sociais, o governo promoveu a criação de

empregos (12,1 milhões),a inclusão social (25,9 milhões

subiram para a classe c) e o aumento do salário mínimo

real (74% em sete anos).

Em síntese, a economia tem apresentado

crescimento com manutenção da taxa de inflação.

Contrariamente ao passado, a economia cresce e o

bolo é distribuído. Esta situação é denominada pelo

presidente Lula do milagre da multiplicação dos pães,

uma ironia ao milagre econômico,o qual não promoveu

a distribuição de renda. Entretanto, o excesso de

otimismo pode esconder as mudanças em curso.

É preciso atentar que, para níveis sustentáveis

de crescimento de longo prazo, o país deverá

melhorar a infra-estrutura, bem como elevar o nível

de investimento de 18% para cerca de 25% do PIB.

Ninguém questiona o sucesso das políticas sociais, que

distribuíram renda e aumentaram, indiretamente, os

salários como um todo. O que diferencia os milagres?

A atual fase de desenvolvimento é amparada por

uma política monetária austera e uma política fiscal

promotora de distribuição de renda. Não será uma

contradição da teoria econômica? O crescimento com

baixa inflação, equilíbrio externo e distribuição de

renda será alcançado apenas se a política monetária

não priorizar a contenção de demanda via taxa de juros,

mas se a mesma promover o adequado aumento do

investimento, elevando a oferta acima do crescimento

da demanda.

‘‘

‘‘

De fato, houve um

crescimento econômico

substancial; porém,

tal comportamento

foi seguido de um

aumento significativo

da desigualdade de

renda. Esta situação era

aceitável pelo argumento

de que se deveria crescer,

primeiramente, para depois

distribuir a riqueza.

José Eustáquio Ribeiro Vieira [email protected]

Economista pela UFMG com mestrado pela Universidade Federal

de Viçosa (UFV) e doutorado pela UNICAMP. Pesquisador do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Professor da

Universidade de Brasília (UnB). Realizou estágio de doutora-

mento na Universidade Montesquieu Bordeaux IV, no Groupe de

Recherche en Économie Théorique et Appliquée (GREThA) - França.

Especialização em Administração Pública pela Universidade

Federal de Ouro Preto (UFOP). Na área governamental, atuou com

o planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas. Exerceu

cargos no Governo do Estado de Minas Gerais nas áreas de Minas e

Energia e de Relações Internacionais.

Page 42: Revista de Conjuntura, n. 42

A influência econômica nas eleições presidenciais

Felipe Ohana

governo. Tecnicamente, a dúvida se refere ao prazo que

o estado do consumo influencia a decisão do eleitor.

Construção da Variável

O efeito satisfação decorre de duas circunstâncias

distintas: nível de consumo e a variação do nível.

A partir desta definição, é necessário estabelecer

o prazo de influência do nível de consumo. Em outros

termos, quanto leva para que a população se acostume

com um determinado nível de consumo? Se o nível de

consumo se eleva, por exemplo, por 6 meses, isto será

suficiente para que a população adote esse novo nível

como padrão e se julgue frustrada em caso de redução?

Essas questões foram trabalhadas empiricamente,

em planilhas Excel, a partir dos dados de consumo das

contas nacionais.

Os procedimentos buscaram minimizar os erros de

aderência aos resultados eleitorais conhecidos entre

1989 e 2006. Dessa maneira, os seguintes critérios para

a construção da variável antecedente da eleição foram

firmados:

a) Variável Nível de Consumo: medida como a diferença

entre o consumo do ano e a média móvel de 3 anos

desse mesmo consumo. A idéia é que a satisfação do

eleitor seja alterada sempre que o consumo observado

se distancie da média de 3 anos. Este prazo foi o que

produziu os resultados mais aderentes aos fatos

conhecidos. Essa variável tem a denominação de (C – C

barra);

O propósito é criar um indicador antecedente, de

fundamento econômico, para os resultados eleitorais.

Para isto, procura-se combinar variáveis econômicas

que, teoricamente, sejam relevantes para a escolha do

eleitor.

Naturalmente, fatores não econômicos também

influenciam. Contudo, dificilmente podem ser

antecipados e raramente estão sob controle.

Conceito

A teoria econômica parte de vários supostos sobre

o consumidor e o produtor, para construir modelos

de comportamento. O fato é que a teoria econômica

erra pouco sobre o mérito das questões. Portanto, os

supostos são eficazes para a consistência dos modelos

econômicos. Em um deles, o eleitor (consumidor)

maximiza seu bem-estar sem considerar condições

externas, vale dizer, sem altruísmos ou qualquer

consideração (ideologia ou inveja, por exemplo) que

não seja o seu interesse imediato. Contestável ou não, a

proposta metodológica dessa nota é esta: o eleitor vota

de acordo com seu bem-estar. Se há boas condições

econômicas, o governo é eficiente. Por conseqüência, o

eleitor vota com ele. A variável econômica tenta medir

esse bem-estar.1

A variável mais característica é o consumo familiar.

A lógica é direta: maior o consumo, mais elevada é a

satisfação do eleitor. Nesse cenário, maior o apoio ao

governo. Assim, sob a perspectiva teórica, o consumo

é positivamente associado à propensão a votar com o

* ¹ Certamente, há votos politizados. Mas se fossem determinantes, a economia não influenciaria o resultado da eleição.

Page 43: Revista de Conjuntura, n. 42

cambial brasileiro formaram uma atmosfera de

preocupação sobre o futuro da economia brasileira,

que prejudicou o candidato do PT, visto, então, como

inconseqüente.2

Em termos do Indicador Antecedente, se, em vez de

pesos uniformes, a população tivesse dado importância

maior para a taxa de crescimento (por exemplo, 0,8

para a taxa e 0,2 para o nível), o candidato oficial teria

perdido a eleição. O gráfico sugere, também, que se

a eleição tivesse ocorrido em 1999, não teria havido

reeleição. 3

Em suma, sobre 1998, se a construção do indicador

estiver certa, a decisão do eleitor foi baseada em

elementos prospectivos a respeito da economia. O

estado de satisfação com o consumo não foi o fator

decisivo para o eleitor. Nesse sentido, pode-se dizer que

a decisão foi “extra-campo” (em relação ao indicador).

Nada obstante, cabe comentar que tais considerações

só prevaleceram porque havia margem de bem-estar a

permitir essa condescendência ao candidato oficial do

governo. Em outros termos, o nível de consumo estava,

embora levemente, acima da média.

* ² Observe-se que, em janeiro de 1999, eclodiu a crise cambial e a maxidesvalorização do real. * ³ Dados do DATAFOLHA indicam que em maio e junho de 1998, o candidato oficial tinha 33% das intenções de voto e seu adversário mais próximo, 30%. A mudança se deu a partir de agosto de 1998, associada à preocupação em relação à crise.

b)A taxa de variação do consumo: variação percentual

do consumo a preços constantes, entre um período e o

prévio. Esta é a variável (Var % CF).

c)Indicador Antecedente do Resultado Eleitoral -

IAE: é a combinação dessas duas variáveis, mediante

pesos aplicados a cada uma, na agregação. No teste

de aderência aos dados, a soma aritmética dos índices

construídos a partir das variáveis (a) e (b), empregando-

se pesos iguais, foi a fórmula que apresentou melhor

resultado.

O Desenvolvimento do Indicador

O indicador, na forma desagregada, é composto por

nível de consumo, média trienal do consumo e taxa

de variação percentual. O quadro abaixo mostra como

essas variáveis se relacionam:

Cada ano de eleição está marcado por uma linha

vertical.

Em 1998, a conjuntura era de fronteira. O consumo,

com nível levemente superior à média de 3 anos,

apresentava taxa de crescimento negativa (-0,4%).

Naquele ano, a crise russa e o esgotamento do regime

Consumo Familiar: Nível, Média e Taxa de Crescimento

(2,77)

8,53

6,91

1.200.000,00

1.300.000,00

1.400.000,00

1.500.000,00

1.600.000,00

1.700.000,00

1.800.000,00

1.900.000,00

2.000.000,00

2.100.000,00

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

R$

mil

es d

e 20

09

(8,00)

(6,00)

(4,00)

(2,00)

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

% a

o a

no

Nível

Média

Taxa de Cresc %

(0,4)

Page 44: Revista de Conjuntura, n. 42

Em 2002, o gráfico dos indicadores sugere que

o candidato oficial não teria a menor chance. O nível

de consumo estava abaixo da média e a taxa de

crescimento era fortemente negativa (-2,8%). De se

observar que a tendência para o nível de consumo foi

decrescente desde 1999 e se acentuou em 2001, com

o “apagão”. Ou seja, em 2002, culminou um processo

cumulativo de degeneração do bem-estar, que só foi

revertido em 2004.

A partir de 2004 – 2005, a conjuntura internacional

favoreceu a economia nacional. Houve melhora nos

termos de troca, aumentou a liquidez internacional, os

efeitos do enriquecimento decorrente dos “subprimes”,

ao lado do comportamento chinês, melhoraram as

condições brasileiras de comércio. Desta circunstância,

a economia brasileira pôde expandir a absorção

doméstica, sem pressionar o gargalo externo. A taxa de

crescimento do PIB mudou de patamar, nada obstante

o fato de a postura keynesiana da política econômica

ter superaquecido a economia, ao final de 2007. No

princípio de 2008, a taxa de juros SELIC voltou a subir,

para frear a absorção.

Nesta conjuntura, na eleição ocorrida em 2006, o

candidato da oposição não tinha a menor chance de

sucesso. O nível de consumo estava 7,5% acima da

média móvel de 3 anos e a taxa de crescimento era

de 8,5%. Prosperava a percepção de bem-estar e de

boas perspectivas (em decorrência da taxa elevada de

crescimento).

Essa percepção explica o estranho resultado

daquela eleição. O candidato da oposição recebeu

41,6% dos votos válidos, no primeiro turno – contrário

ao que lhe atribuía o Datafolha, com máximo de 38%.

No segundo turno, quando a possibilidade de alteração

na Presidência da República tornou-se mais concreta,

os eleitores recuaram (ou prestaram mais atenção ao

que se passava) e entregaram para a oposição somente

39,2% dos votos válidos. Portanto, pode-se arriscar

a dizer que o eleitorado, no primeiro turno, votou

segundo outros valores, que não o consumo. Na hora

decisiva, a questão do bem-estar prevaleceu. Ganhou o

candidato da situação4.

A Eleição de 1989: para avaliar o indicador

Esta eleição foi realizada sob uma circunstância em

que o governo perdia, aceleradamente, credibilidade

econômica e política. A inflação alcançou 1390%.

Houve desabastecimento, como o de combustíveis,

denotando um princípio de hiperinflação.

Fonte: IBGE/Contas Nacionais

* 4 Se esta construção do índice e, portanto, a teoria implícita de que o eleitor vota conforme seu bem-estar estiverem certas, toda a discussão que tanto afligiu e constrangeu o candidato da oposição, envolvendo privatização, não valia de nada. E, tampouco, seria de se supor que valesse, considerando-se o sucesso da privatização nas telecomunicações, implantada pelo Governo do PSDB. O eleitor é pragmático e, sendo assim, não presta atenção em temas fabricados para fins do debate ideológico. Se a taxa de variação do consumo familiar fosse negativa e o nível estivesse abaixo da média, não haveria defesa da estatização que pudesse sustentar o candidato do governo. O índice de antecedência implica este entendimento.

Consumo Familiar: Observado, Média Móvel de 3 Anos e Taxa de Crescimento CR$ de 1984

12,6

-11,4

-7,0

-9,5

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

350000

1986 1987 1988 1989

CR$

de 1

984

-15

-10

-5

0

5

10

15

Tx d

e Cr

esc

a.a.

Cons Observ

Média

Taxa de Cresc

Page 45: Revista de Conjuntura, n. 42

43

abril/junho/2010

Neste cenário, todos os fatores “extra-campo”

estavam contra o candidato oficial. Não bastasse, o

quadro de bem-estar, da mesma forma, condenava o

governo, como se observa no gráfico.

Em 1989, a taxa de crescimento do consumo era

fortemente negativa (-9,5%) e o consumo observado

estava 9% abaixo da média do triênio. Não foi por

acaso que o segundo turno foi disputado entre os dois

candidatos que, politicamente, eram os mais distantes

daquele governo.Com isso,o indicador também explica

o resultado de 1989.

A Formatação do Indicador Antecedente

A análise da chance política do candidato da

situação (incumbent) pode ser conduzida pelo

entrelaçar das 3 variáveis apresentadas. Mas, para

se constituir um indicador, é necessário proceder

à agregação, da qual resultará um valor cujo sinal

algébrico indique a chance de eleição (se positivo) ou

de derrota (se negativo).

A agregação foi conduzida a partir dos seguintes

procedimentos:

- A variável (C – C barra), cuja magnitude é em unidades

de reais, é transformada em índice de base 100, no ano

de livre escolha;

- A Variável (Var % CF), com magnitude de pontos de

percentagem, da mesma forma, é transformada num

índice de base 100, no mesmo ano.

- As duas séries de índices são agregadas mediante a

escolha arbitrária de pesos. Após algumas simulações

com os pesos, aquela ponderação que atribui 0,5 para

cada um (ponderação uniforme) é a mais aderente a

todos os resultados.

- Dessa forma o IAE é definido:

[Índice de (C-C barra) + Índice de (Var % CF)] / 2

Indicador Antecedente de Eleição

-150,0

-100,0

-50,0

0,0

50,0

100,0

150,0

200,0

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

O Indicador resume a análise feita acima. O ano

de 1988 era de fronteira. O valor do IEA está muito

próximo de ZERO e o candidato oficial foi auxiliado

por fatores extra-campo. Em 2002, o IEA é negativo.

O candidato da situação não teria chance. O governo

foi derrotado. Em 2006, o contrário. O IEA alcança seu

ponto de máximo nos 13 anos analisados. O candida-

to oficial ganhou.

O IEA é uma caracterização de uma função de bem-

estar econômico que, teoricamente, orienta o eleitor,

no momento de avaliar o governo. Em 2009, o indica-

dor sugere a repetição do quadro de 2006. Ao longo de

2010, as expectativas são de crescimento do PIB entre

4% e 5% e, portanto, de consumo.

Evidentemente, a incerteza do indicador corre por

conta dos fatores extra-campo, tão comuns em política.

O indicador está a sugerir que, tudo mais mantido cons-

tante, vale dizer, os elementos extra-campo, o candidato

oficial do governo tem o bem-estar a seu favor.

Equivale dizer que o candidato da oposição neces-

sita, fortemente, de efeitos extra-campo. Aí, residem o

carisma e a arte política.

Este indicador, para os anos recentes, tem o seguinte comportamento:

Page 46: Revista de Conjuntura, n. 42

Rev

ista

de C

onju

ntur

a

Dados Utilizados: 1995 a 2009

Felipe Ohana [email protected]

Economista pela UnB (1974) com mestrado em economia também

pela UnB (1976). Grau de Master of Philosophy pela George

Washington University, EUA. 1981 (PhD A.B.D.). Coordenador de

Macroeconomia do IPEA. Assessor do Ministro do Planejamento.

Secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Consultor do Banco Mundial para Angola. Staff da CEPAL (nível

P5). Chefe da Assessoria Econômica do Presidente da Câmara dos

Deputados. Atualmente é sócio da OF Consultoria Econômica.

Anexos:Dados de 1980 a 1989 – trabalhados a preços constantes de 1984, pelo IPCA.

Média Cumulativa

C Fam R$ 2009 de 3 anos CRESC % C Fam

1995 1.500.332,42 1.634.286,171996 1.672.324,33 1.708.188,131997 1.730.201,77 1.714.997,30 3,461998 1.722.038,30 1.684.258,28 (0,47)1999 1.692.751,83 1.714.997,30 (1,70)2000 1.637.984,71 1.684.258,28 (3,24)2001 1.616.257,27 1.648.997,94 (1,33)2002 1.571.430,99 1.608.557,66 (2,77)2003 1.477.110,97 1.554.933,08 (6,00)2004 1.488.490,80 1.512.344,25 0,772005 1.566.411,92 1.510.671,23 5,232006 1.700.082,29 1.584.995,01 8,532007 1.804.944,36 1.690.479,53 6,172008 1.844.932,36 1.783.319,70 2,222009 1.972.431,00 1.874.102,61 6,91

44

Page 47: Revista de Conjuntura, n. 42

A crise na Europa e os dilemas da Espanha

José Luis Oreiro

aos demais países da área do Euro (Ver Figura 1), viabili-

zando a manutenção da competitividade da economia

alemã e a importância da indústria e das exportações

como motor do crescimento de longo-prazo da maior

economia da Europa.

Figura 1

A moeda comum européia, o Euro, foi implantada

em 1999 como mais uma etapa no que se entendia

como um processo que deveria conduzir o Velho Conti-

nente a tão sonhada unificação política, a qual, por sua

vez, era vista por muitos europeus como condição ne-

cessária para a Europa reassumir sua liderança histórica

no mundo, suplantando os Estados Unidos. Passados

mais de 10 anos da introdução do Euro surgem dúvidas

cada vez maiores sobre a sustentabilidade da moeda

comum a médio-prazo.

Os países que compõe a área do Euro são bastante

heterogêneos no que se refere tanto a sua competitivi-

dade externa como a sua situação fiscal. Essas diferen-

ças impõe limites bastante estreitos para a condução

de políticas anti-cíclicas “autônomas” por parte dos pa-

íses a área do Euro.

Nesse contexto, podemos identificar dois grupos de

países. No primeiro grupo, composto basicamente pela

Alemanha, o crescimento do PIB é liderado pelas expor-

tações, a taxa real de câmbio permanece em patamares

razoavelmente competitivos e a situação fiscal (medida

pela relação dívida/PIB e déficit público/PIB) permite o

uso moderado da política fiscal por vários anos como

instrumento de política anti-cíclica. Num contexto de

forte apreciação do Euro frente ao dólar e outras moe-

das, a competitividade externa da economia Alemã foi

mantida nos últimos 10 anos graças a uma política de

“moderação salarial” adotada pelos sindicatos alemães,

os quais, em troca da manutenção dos empregos indus-

triais na Alemanha, aceitaram que um crescimento do

salário real muito abaixo da produtividade do trabalho.

Essa política salarial permitiu uma queda acentuada do

custo unitário do trabalho na Alemanha relativamente

O segundo grupo de países é constituído pelos PII-

GS: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Em que

pesem a existência de algumas diferenças entre os

mesmos, podemos destacar a presença de alguns tra-

ços comuns a esse grupo de países. Com efeito, esses

países sofrem de um problema crônico de competitivi-

dade externa, o qual se reflete em grandes déficits em

conta-corrente (no caso da Espanha quase 10% do PIB

em 2008) somado com desequilíbrios fiscais que va-

riam de moderado (no caso da Espanha) à gravíssimo

(o caso da Grécia). O regime de crescimento desses pa-

íses nos últimos anos foi, em larga medida, finance-led,

ou seja, liderado pelo aumento do consumo (e do in-

vestimento imobiliário) financiado com endividamento

privado e aumento dos preços dos ativos. A combina-

Page 48: Revista de Conjuntura, n. 42

Rev

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ntur

a

ção entre desequilíbrios nos balanços do setor privado

e desequilíbrios nas contas públicas não só torna muito

estreito o espaço para a utilização da política fiscal de

forma anti-cíclica, como ainda inviabiliza as chances de

uma recuperação do nível de atividade por intermé-

dio de um aumento da demanda doméstica privada.

Dessa forma, a única saída que esses países têm para

a atual crise consiste num aumento forte e sustentável

das exportações, o qual, no entanto, fica no aguardo da

recuperação da economia mundial, uma vez que: (i) a

adesão ao Euro eliminou a possibilidade de se usar a

desvalorização do câmbio como instrumento de políti-

ca econômica; e (ii) os sindicatos desses países não tem

a mesma “visão estratégica” dos sindicatos alemães e

aparentemente não estão dispostos a trocar redução

de salário real por garantia de manutenção de empre-

go no presente e no futuro. Sendo assim, os países des-

se grupo não têm como promover um ajuste rápido de

sua competitividade externa, o que deverá mantê-los

por um período longo de tempo numa situação de es-

tagnação econômica.

A crise recente da Grécia expôs as fragilidades da

área do Euro. Em função das desconfianças crescentes

dos mercados financeiros a respeito da solvência do se-

tor público na Grécia, as taxas de juros dos títulos da dí-

vida pública desse país aumentaram consideravelmen-

te nos últimos meses o que terminou por agravar a si-

tuação fiscal desse país, criando um ciclo vicioso: piora

das expectativas do mercado financeiro levando a um

aumento das taxas de juros que, por sua vez, gera um

agravamento da situação fiscal, conduzindo a um nova

piora das expectativas do mercado financeiro. Como

no contexto do arranjo monetário prevalecente hoje

na Área do Euro, o governo da Grécia não pode contar

com o apoio financeiro do Banco Central Europeu para

monetizar, ao menos uma parte, do seu enorme défi-

cit fiscal; segue-se que a eliminação desse ciclo vicioso

exige um ajuste fiscal draconiano por parte do governo

grego, justamente no momento em que a política ade-

quada, por conta do quadro recessivo que vive o país, e

da ausência de outros instrumentos de política econô-

mica, é a manutenção dos déficits fiscais.

A Grécia encontra-se, portanto, entre a Cruz e a

Espada: se não fizer um ajuste fiscal forte e crível, os

mercados financeiros internacionais irão exigir taxas

de juros cada vez mais altas para o financiamento do

seu déficit fiscal, o que irá conduzir o país inexoravel-

mente ao default; se fizer o ajuste fiscal requerido pe-

los mercados, poderá obter um alívio nas condições de

financiamento do seu déficit público às custas de um

aumento significativo do desemprego e queda do nível

de atividade econômica. Nessas condições, a sociedade

e os políticos da Grécia podem, em algum momento,

perceber que os custos de manutenção do país na área

do Euro superam os seus benefícios, o que levará o país

a abandonar a moeda comum. Se isso acontecer, a

pressão sobre os demais PIIGS, principalmente a Espa-

nha, pode se tornar insuportável, levando a um efeito

cascata de saída de países da área do Euro.

Com efeito, a Espanha, a quarta maior economia da

área do Euro – com um PIB de US$ 1,6 Trilhão – foi pro-

fundamente afetada pela crise econômica mundial. A

taxa de desemprego passou de 8,2% da força de traba-

lho em 2007 para 11,3% em 2008, fechando 2009 em

torno de 20%. O PIB espanhol apresentou uma con-

tração de 3,6% em 2009 e as expectativas do FMI para

2010 são de uma nova contração de 0,7%.

‘‘

‘‘

A crise recente da Grécia expôs as fragilidades da área do Euro. Em função

das desconfianças crescen-tes dos mercados financei-ros a respeito da solvência do setor público na Grécia,as taxas de juros dos títu-

los da dívida pública desse país aumentaram consi-

deravelmente nos últimos meses o que terminou por

agravar a situação fiscal desse país...

46

Page 49: Revista de Conjuntura, n. 42

47

abril/junho/2010

A performance da economia espanhola nos últi-

mos anos teve também um profundo impacto sobre

a sua situação fiscal. Até 2007, a Espanha vinha redu-

zindo a dívida pública como proporção do PIB. Com

efeito, entre 2004 e 2007 a dívida pública apresentou

uma expressiva redução, caindo de 48% para 38% do

PIB. Ou seja, a Espanha, ao contrário dos demais PIIGS,

não estava fazendo uma “farra fiscal”, pelo contrário, a

gestão fiscal da Espanha era sólida e responsável, con-

dizente com os “princípios básicos da ortodoxia”. Após

2007, contudo, a dívida pública passa a apresentar uma

elevação expressiva, alcançando o patamar de 70% do

PIB no início de 2010. Essa deterioração resultou das

diversas medidas de estímulo fiscal que o governo do

primeiro-ministro José Luiz Zapatero vem adotando

desde 2008 para estimular a combalida economia es-

panhola e para evitar que a recessão se transformasse

numa depressão. Em conseqüência dessas medidas e

da própria recessão,o déficit orçamentário espanhol foi

de 11,9% do PIB em 2009.

A deterioração do quadro fiscal da Espanha tem le-

vado os mercados financeiros a temer um calote por

parte do governo espanhol. Os mercados pressionam o

governo da Espanha para adotar rapidamente medidas

no sentido de reduzir o déficit fiscal. Em função dessas

pressões, o governo da Espanha já sinalizou sua inten-

ção de cortar gastos e aumentar impostos, de forma a

reduzir o déficit orçamentário para 3% do PIB até 2013.

Mas será essa política a mais adequada para a Espanha

sair da crise na qual se encontra?

Fazer um ajuste fiscal dessa magnitude, num prazo

relativamente curto de tempo, num contexto de uma

economia que apresenta elevada taxa de desempre-

go e grande ociosidade da capacidade produtiva não

parece ser uma política muito sensata. Isso porque o

ajuste fiscal implica numa contração da demanda do

setor público (ou, analogamente, num aumento da

poupança do setor público) e a economia espanhola

precisa de mais demanda, e não menos, para se recu-

perar. Além disso, nos próximos anos o setor privado

espanhol, atolado em dívidas que superam, em muito,

a dívida do setor público, terá que reduzir o seu nível

de dispêndio para tentar ajustar os seus balanços. Com

efeito, o endividamento do setor privado (empresas e

famílias) era de cerca de 4,1 trilhão de dólares no fi-

nal de 2008 segundo dados da McKinsey Global Insti-

tute, quase três vezes o valor do PIB da Espanha. Esse

enorme endividamento do setor privado irá exigir

uma redução muito forte do dispêndio das famílias e

das empresas da Espanha. Dessa forma, os gastos de

consumo e de investimento do setor privado deverão

permanecer estagnados por vários anos. Em outras

palavras, a poupança privada (soma das poupanças

das famílias e das empresas) terá que aumentar muito

nos próximos anos para reduzir o enorme endivida-

mento do setor privado.

Em face do aumento necessário da poupança pri-

vada, a recuperação da economia espanhola exige ou

uma redução da poupança pública – política que vem

sendo adotada até o presente momento pelo governo

espanhol – e/ou uma redução da poupança externa, ou

seja, um aumento do saldo em conta-corrente. O espa-

ço para a utilização da política fiscal para estimular a

economia está rapidamente chegando ao fim. Embora

países como a Itália tenham uma dívida pública como

proporção do PIB muito maior que a Espanha, o ritmo

de deterioração fiscal da Espanha é assustador. Se essa

velocidade for mantida, em poucos anos a dívida pú-

blica da Espanha irá superar 100% do PIB … e os mer-

cados já sinalizaram que não estão dispostos a tolerar

uma deterioração muito mais forte da situação fiscal da

Espanha.

Isso deixa a Espanha com uma única solução possí-

vel: reduzir a poupança externa, ou seja, cortar o seu gi-

gantesco déficit em conta-corrente. Entre 2003 e 2008

‘‘ ‘‘Esse enorme endivida-

mento do setor privado irá

exigir uma redução muito

forte do dispêndio das fa-

mílias e das empresas da

Espanha.

Page 50: Revista de Conjuntura, n. 42

Rev

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a

a Espanha vivenciou uma explosão do seu déficit em

conta corrente, o qual saltou de 30,8 bilhões de dóla-

res em 2003 para 154,1 bilhão de dólares em 2008, o

que equivale a quase 10% PIB.O aumento do déficit em

conta-corrente resultou, em larga medida, do aumento

do déficit comercial espanhol o qual passou de 45,1 bi-

lhões de dólares em 2003 para 129,6 bilhões de dólares

em 2008.

Se a Espanha não estivesse na área do Euro, a so-

lução seria simples: bastaria uma forte desvalorização

da taxa de câmbio, para impulsionar as exportações,

contrair as importações e aumentar as receitas com o

turismo … o problema é que a adesão a moeda única

européia tirou a possibilidade de usar a taxa de câmbio

como instrumento de política econômica.

Então como a Espanha pode sair desse imbróglio?

Existem duas alternativas possíveis. A primeira é pro-

duzir um ajuste na competitividade da economia es-

panhola por intermédio, não de uma desvalorização

do câmbio, mas de uma queda dos salários. A redução

dos salários teria o efeito de produzir um aumento da

relação câmbio/salário, reduzindo assim os custos das

empresas espanholas em euros, o que teria o mesmo

efeito de uma desvalorização do câmbio, caso a peseta

ainda fosse a moeda corrente da Espanha. O problema

com essa saída é que a sua implementação irá contar

com a fúria dos sindicatos espanhóis, o que certamente

torna muito custosa essa alternativa.

A segunda alternativa é o abandono puro e simples

do Euro. Nesse cenário, a Espanha volta a ter uma mo-

eda corrente própria e poderá desvalorizar o câmbio

para incentivar as suas exportações. Os custos dessa

alternativa também serão elevados. Certamente have-

rá corridas aos bancos, fuga de capitais e moratória de

todos os contratos em euros no país. A adoção dessas

medidas exigirá que a Espanha adote fortes controles

a saída de capitais, os depósitos a vista terão que ser

parcialmente congelados e o governo deverá intervir

nos contratos de dívida em euros para arbitrar ganhos

e perdas entre as partes.

Nenhum dos dois cenários nos permite vislumbrar

uma rápida saída para a crise na Espanha. Nesse con-

texto, o maior risco é a inação: o governo não faz nada,

a economia espanhola continua atolada na recessão e,

daqui a alguns anos, terá que enfrentar exatamente os

mesmos dilemas com os quais se depara hoje.

Uma alternativa a esse quadro sombrio seria a reali-

zação de uma política fiscal coordenada entre os países

da Área do Euro em conjunto com uma harmonização

das regras de fixação dos salários nominais em todos

os países da Área do Euro. Com efeito, uma parte signi-

ficativa dos problemas enfrentados atualmente pelos

PIIGS advém do fato de que a Alemanha conseguiu via-

bilizar uma “desvalorização cambial” por intermédio de

uma redução dos salários na Alemanha relativamente

aos prevalecentes no resto da Europa do Euro.

Sendo assim, uma harmonização das regras de fixa-

ção de salário pode ajudar a reverter parte da mudan-

ça da estrutura de salários relativos no interior da Área

do Euro,o que atuaria favoravelmente no sentido de au-

mentar a competitividade dos PIIGS. Essa reordenação

da estrutura de salários relativos pode e deve ser adota-

da em simultâneo com uma coordenação entre as polí-

ticas fiscais dos países membros, coordenação essa que

imponha uma forte expansão fiscal na Alemanha e na

França, as duas maiores economias do Euro, e uma con-

tração fiscal nos PIIGS. Dessa forma, evita-se uma queda

generalizada da demanda agregada na área do Euro,

o que seria extremamente prejudicial para a recupe-

ração das economias européias, ao mesmo tempo em

que permite a substituição de demanda doméstica (do

setor público) por demanda externa (da Alemanha e da

França) nas economias dos PIIGS, reduzindo assim o im-

pacto recessivo do ajuste fiscal nesses países.

José Luis [email protected]

Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ (2000).

Professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade

de Brasília (UNB). Pesquisador Nível I do CNPQ e Diretor de Relações

Institucionais da Associação Keynesiana Brasileira.

48

Page 51: Revista de Conjuntura, n. 42

Análise do Projeto de Lei Complementar - PLP 549/09

(limite dos gastos com pessoal do setor público)

Max Leno de Almeida e Clóvis Scherer

* ¹ O índice de inflação adotado é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, ou o que vier a substituí-lo, verificado no período entre abril de um ano e março do ano imediatamente anterior.

Em 2007, quando do lançamento do Programa

de Aceleração do Crescimento, o Governo Federal

apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP

01/2007) com o intuito de estabelecer limite adicional

para o aumento das despesas com pessoal da União.

O Governo apontou como objetivo da proposta a

redução, em percentual do PIB, da parcela de despesa

corrente primária da União representada pelos gastos

com pessoal e encargos sociais, abrindo caminho para

mais investimentos e maior crescimento econômico.

Pretendia-se com a medida, também, construir um

cenário de maior garantia e previsibilidade fiscal dos

investimentos federais.

O PLP 01/2007 não foi aprovado até o momento,

continuando em tramitação na Câmara dos Deputados.

Contudo, em dezembro de 2009, o Senado aprovou

Projeto semelhante, o PLP 611/07, encaminhando-o

para debate na Câmara dos Deputados como PLP

549/09. Esta nota analisa os potenciais impactos deste

último projeto sobre a despesa com pessoal da União.

1. Síntese do Projeto

O Projeto de Lei 549/09 altera o artigo 71 da Lei de

Responsabilidade Fiscal (LRF; ou LC 101, de 4 de maio

de 2000), fixando, para um período de 10 anos (2010 a

2019) nova limitação das despesas de pessoal para cada

esfera de poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) e

órgão da União, além dos limites já estabelecidos na

LRF. Tal limitação permite incrementar a despesa de

pessoal, sobre o executado no ano imediatamente

anterior, até o limite da variação acumulada da inflação

mais 2,5% ou a variação do PIB, valendo o que for

menor1. Note-se que tal limitação refere-se ao total da

despesa de pessoal, não se aplicando diretamente à

remuneração dos servidores.

Nesse limite não serão considerados os valores

transferidos ao Distrito Federal para pagamento de

pessoal e encargos sociais, bem como as sentenças

judiciais associadas à folha de pessoal da União.

Serão admitidos excessos em relação ao limite

quando decorrentes de:

- despesas resultantes das alterações de legislação

efetivadas até 31 de dezembro de 2009 para fins

de criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação

governamental desde que acompanhadas de

estimativa do impacto orçamentário-financeiro no

exercício em que deva entrar em vigor e nos dois

d j d i

Page 52: Revista de Conjuntura, n. 42

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a

subsequentes e quando se colocar como de caráter

continuado sendo demonstrada a origem dos recursos

para seu custeio; e

- despesas resultantes da substituição por servidor

público concursado da mão de obra terceirizada

existente em 31 de dezembro de 2009, desde que o

montante acrescido na despesa total corresponda à

redução em valor equivalente da respectiva despesa

com contratação de mão de obra terceirizada.

O PLP 549 também propõe que, a partir do exercício

financeiro de 2008, as despesas com obras, instalações

e projetos de construção de novas sedes, ampliações

ou reformas da Administração Pública não poderão

exceder, em valores absolutos, a 1/4 (um quarto) dos

percentuais estabelecidos para despesas com pessoal

dos três poderes, do Tribunal de Contas da União e do

Ministério Público da União.

2. Abrangência das medidas e algumas

comparações com o PLP 01/2007

O novo artigo que está sendo proposto incluir na

Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 71-A) aplicar-se-á

somente à União, ainda que a LRF seja norma geral

e destinada a todos os entes da Federação, Estados,

Distrito Federal e Municípios (§ 2º do art. 1º).

Diferentemente da atual limitação para as despesas

de pessoal, que se refere à uma relação com a Receita

Corrente Líquida, o novo limitador aplica-se à variação

do montante do gasto em termos nominais. Os novos

limites transitórios propostos não revogam nem

suspendem, em princípio, os limites permanentes

e prudenciais previstos na LRF, que permaneceriam

válidos.

Isto significa que a Despesa Líquida de Pessoal

da União não pode ultrapassar a 50% da Receita

Corrente Líquida (RCL),havendo também uma margem

prudencial a ser respeitada.O período de ajuste é longo

(10 anos), muito maior do que o período de três anos

que constou como regra transitória da LRF.

As diferenças entre o PLP 01/2007 e o PLP 549/2009

são poucas. Atualizou-se o período de vigência das re-

gras de controle adicional dos gastos - passando de

2007-2016 para 2010-2019 - mas manteve-se a sua du-

ração em 10 anos.

A concepção de controle proposto foi mantida, em-

bora com uma mudança importante. No PLP 01/2007, o

incremento da folha de pessoal não poderia exceder à

variação do IPCA mais 1,5% ao ano. Já no texto do PLP

549, este limite foi alterado para equivaler à variação do

IPCA acrescida de 2,5% ou da taxa de crescimento do

PIB, o que for menor.

Além disso, o PLP 549 estabelece regra limitando o

montante de despesas com obras, instalações, constru-

ção de sedes, reformas e ampliações, vinculando-as à

própria despesa de pessoal.

Cabe observar que o texto não é preciso quanto à

fórmula de cálculo do percentual máximo de aumento

da despesa de pessoal, deixando de dizer se o acrésci-

mo se dará por acumulação ou simples soma aritmé-

tica. Além disso, o PLP 549 não esclarece qual taxa de

crescimento do PIB será considerada, se a de cresci-

mento nominal ou real.

Por omissão do texto do PLP, deduz-se que uma

eventual insuficiência da variação do PIB em um deter-

minado ano (abaixo de 2,5%) não será compensada em

ano fiscal subsequente. Ou seja, dependendo das taxas

anuais de crescimento do PIB real, o limite para aumen-

to da despesa de pessoal (DP) poderá ficar abaixo do

máximo de 2,5% ao ano, mesmo que haja crescimento

médio superior a esta taxa no período decenal previsto

no projeto.

As exceções à aplicação do limite - constituídas por

eventuais impactos de legislação efetivada até o final

de 2009, de despesas com pessoal e encargos do DF e

de sentenças judiciais - foram mantidas. Não está claro,

em relação aos efeitos financeiros decorrentes da legis-

lação já efetivada, o entendimento da expressão “efeti-

vada”, se significa ter sido aprovada, publicada ou posta

50

Page 53: Revista de Conjuntura, n. 42

51

abril/junho/2010

em prática até 31 de dezembro de 2009 (por exemplo,

quando cargos não tenham sido concretamente pro-

vidos).

No PLP 549 permanece um lapso de tempo entre o

período de apuração da despesa liquidada e o período

utilizado para a apuração do IPCA (12 meses a partir

de abril do ano anterior ao da despesa liquidada), o

que pode gerar distorções. A defasagem foi justificada

como uma forma de se reduzir incertezas na elaboração

da Lei de Diretrizes Orçamentárias LDO.

3. Limites em vigor

A Lei de Responsabilidade Fiscal já estabelece um

limite para a despesa com pessoal no setor público, em

relação à Receita Corrente Líquida, conforme o quadro

abaixo.

QUADRO 1

Limites para as despesas com pessoal

Em % da Receita Corrente Líquida

A LRF estabelece, adicionalmente, um limite

prudencial correspondente a 95% do limite, a partir do

qual ocorrem sanções ao poder ou órgão.

A despesa com pessoal da União como proporção

da RCL está bem abaixo dos limites máximo e

prudencial estabelecidos pela LRF (Gráfico 1). Em 2005,

tal relação atingiu seu menor valor, inferior a 30%, e

permaneceu neste patamar entre 2004 e 2008 (último

ano da série disponível). Este dado permite questionar

a necessidade de limitação adicional na legislação para

que se efetive o controle sobre a evolução da despesa.

4. O PLP e a remuneração dos servidores

Primeiramente, é necessário ressaltar que o PLP

não assegura aos servidores qualquer reajuste em seus

vencimentos,pois apenas autoriza a União a elevar suas

despesas de pessoal dentro de determinado limite. Ou

seja, não fica assegurada, sequer, a manutenção do

valor real dos vencimentos, quanto mais sua elevação

periódica em termos reais.

Em segundo lugar, as regras propostas não limitam

diretamente a concessão de reajustes na remuneração

de servidores ou de suas categorias.

Tampouco as regras implicam uniformização

dos reajustes dos vencimentos entre as diferentes

carreiras do serviço público. Fixando um limite global,

fica facultado à Administração Pública aumentar os

vencimentos de forma diferenciada entre as diversas

carreiras do serviço público. Assim, teoricamente,

a remuneração de algumas categorias poderia ser

elevada acima da variação máxima estipulada, neste

caso em detrimento de outras categorias de servidores

que teriam seus vencimentos reajustados abaixo do

mesmo limite.

A regra transitória que constou do art. 71 da LRF

excluía dos limites então fixados os eventuais ganhos

obtidos por conta da revisão geral anual prevista

no inciso X do art. 37 da Constituição. O PLP 549 não

GRÁFICO 1

Poder/Ente União Estados Municipios

Executivo 40,9 49 54

Legislativo 2,5 3 6

Judiciário 6 6 -

Ministério

Público

0,6 2 -

Total 50 60 60

Fonte: Lei de Responsabilidade Fiscal

Fonte: MPOG - SRH - Boletim Estatístico de Pessoal

Page 54: Revista de Conjuntura, n. 42

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a

manteve essa ressalva, de modo que aumento da

despesa de pessoal em função de uma eventual revisão

geral deverá se conter ao limite proposto.

O PLP 549 não exclui do computo do incremento

da DP o chamado “crescimento vegetativo da folha”.

Segundo algumas fontes, tal crescimento é de cerca

de 5% ao ano, em termos nominais, enquanto outros

o estimam em 1,5% ao ano. Embora não haja uma

estimativa consensual e certa, é fato que as carreiras

prevêem incrementos periódicos a todos os servidores,

segundo regras de promoção definidos em lei.

Além disso, a proposta irá limitar significativamente

o papel das Mesas de Negociações entre servidores e

o Governo, comprometendo os esforços de tratar das

questões do funcionalismo por meio do diálogo social

entre as partes.

5. Crescimento econômico e gastos de pessoal

Originalmente, a proposição do PLP 549 não

contém, em sua justificativa, projeções quanto à

evolução da Despesa de Pessoal e encargos sociais da

União. Quando da edição do PLP 01/2007, o Governo

Federal expôs seus objetivos com a medida, indicando

que:

- a meta estabelecida em relação à Despesa de

Pessoal da União era a de alcançar, em 2010, um valor

equivalente a 4,7% do PIB. Tal sinalização representava

o mais baixo patamar registrado ao longo do período

de 1999 a 2010; e

- a média projetada do período entre 2007 a 2010

era de uma despesa de pessoal da ordem de 5% do PIB,

próxima da média verificada entre 2003 a 2006 (4,9%),

e abaixo da média verificada no intervalo de 1999 a

2002 (5,23%) que representou um momento em que

os servidores tiveram muitas dificuldades quanto à

concessão de reajustes pelo governo federal.

Como se pode ver pelo Gráfico 2, desde 2003 as DPs

tem permanecido em patamar relativamente menor

do que entre 1995-2002. Houve elevação na relação

DP/PIB de 2004 a 2006, mas que não chegou a se situar

em patamares superiores aos verificado no período

anterior. A relação DP/PIB foi de, em média, 4,72% de

2003 a 2008, contra 4,92% entre 1995 e 2002. Mesmo

que se desconsidere o ano de 1995, o primeiro período

tem uma média acima do segundo.

Ou seja, a DP da União se manteve controlada como

percentual do PIB, sem necessidade da imposição legal

de limites adicionais aos atualmente em vigor.

A proposta do PLP 549 terá como resultado a

redução dos gastos com pessoal da União como

proporção do PIB. Se aprovado o PLP 549, a DP ficará

limitada não mais pela evolução da RCL, mas sim por

uma fração da variação do PIB - despesa liquidada do

ano anterior, mais inflação e um crescimento da folha

de pagamentos de no máximo 2,5%.

GRÁFICO 2

Despesa de pessoal da União como proporção do PIB

1995-2008 – em %

4,20%

4,40%

4,60%

4,80%

5,00%

5,20%

5,40%

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

5,37%

4,85%4,74%

4,90%4,84%

4,94%5,03%

5,08%

4,65%4,61%4,67%

4,85%

4,72%4,81%

%do

PIB

Anos

Fonte: STN – Acompanhamento da Despesa de Pessoal. IBGE. Cálculo e

elaboração: DIEESE

Há que se atentar para o fato de que a medida

exclui os ganhos decorrentes do crescimento real do

PIB superiores a 2,5%. Mas, por outro lado, quando

o crescimento do PIB é mais vagaroso, tal ritmo será

também aplicado à despesa com pessoal e encargos

sociais. Ou seja, na melhor das hipóteses poderá haver

52

Page 55: Revista de Conjuntura, n. 42

53

abril/junho/2010

um aumento real de 2,5%, ou na mesma variação do

PIB quando este tiver menor dinamismo.

Fazendo uma análise retrospectiva, nos últimos

10 anos, o PIB teve variação real acumulada de 38,5%.

Nota-se que em três anos o crescimento real do PIB

ficou abaixo de 2,5% e nos oito restantes, acima deste

percentual. Se o PLP 549 tivesse vigorado no período,

o limite máximo para incremento da DP teria sido de

13,71% a menos do que o crescimento do PIB (Tabela 1).

Considerando as expectativas de que o país esteja

atravessando um ciclo de crescimento sustentado de

longo prazo,bem diferente da dinâmica de crescimento

lento do início da década,o PLP 549 irá determinar uma

forte redução da relação DP/PIB.

TABELA 1

Taxa de crescimento do PIB e

limite do PLP 549 se aplicado ao período 2000-2009

formalização da economia, pode-se esperar que a

RCL tenha um desempenho favorável. Isto permitiria

haver também expansão das despesas de pessoal sem

comprometer os limites previstos na LRF bem como

mantendo inalterada sua relação com o PIB.

6. Limitação dos gastos e quadro de pessoal

Em função das políticas de privatização e desmonte

do serviço público levadas a cabo na década de 90 e

começo dos anos 2000, o quantitativo de pessoal da

União veio sendo reduzido ao longo dos anos, tanto

em termos absolutos quanto sobretudo em relação ao

crescimento populacional. Apenas nos últimos anos

houve um esforço em reverter tal trajetória, no sentido

de reestruturar o Estado e readequar a prestação de

serviços públicos às necessidades da sociedade.

Como mostra o Gráfico 3, entre 1995 e 2002 o

número de servidores ativos da União foi reduzido.

Somente a partir de 2003, e mais significativamente de

2006, é que se voltou a ter um quadro de funcionários

ativos nos mesmos níveis de 1995. A tendência de

aumento do pessoal aposentado se sucedeu a uma

certa estabilidade, enquanto se nota um contínuo

aumento do número de pensionistas até 2007,

passando a estabilizar-se a partir daí.

GRÁFICO 3

Quantitativo de pessoal da União segundo a situação do vínculo 1995-2008

0

200.000

400.000

600.000

800.000

1.000.000

1.200.000

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Ativos Aposentados Inst. Pensão

Neste aspecto, a utilização da RCL como

referência para limitação dos gastos com pessoal na

administração pública, tal como hoje ocorre, permite

que tais gastos acompanhem, entre outros fatores,

a evolução do crescimento real do PIB. É sabido que

as receitas tributárias têm uma relação íntima com o

nível de atividade econômica, e com a eficiência na

arrecadação e estrutura tributária. Assim, num cenário

futuro de crescimento econômico como o atual, e de

ANO Taxa de cresci-

mento do PIB

(%)

Limite do PLP

549 - Acima do

IPCA

2000 4,3 205

2001 1,3 1,3

2002 2,7 2,5

2003 1,1 1,1

2004 5,7 2,5

2005 3,2 2,5

2006 4,0 2,5

2007 6,1 2,5

2008 5,1 2,5

2009 -0,2 0,0

TOTAL 38,5 21,8

Fonte: IBGE

Fonte: MPOG - Secretaria de Recursos Humanos – Boletim estatístico.

Elaboração: DIEESE

Page 56: Revista de Conjuntura, n. 42

Rev

ista

de C

onju

ntur

a

Quando se considera o crescimento populacional,

fica evidente que o quadro de pessoal está em relativo

declínio. A razão entre o número de servidores e o

de habitantes teve uma pequena elevação em 2006,

mas não foi recuperado o patamar existente em 1995

(Gráfico 4). Desde então, a população aumentou em

20,5%, contra 10,1% de crescimento no quadro de

pessoal total e de apenas 2,7% no total de servidores

ativos.

GRÁFICO 4

Quantitativo de pessoal da união por habitante

segundo a situação do vínculo - 1995-2008

5,0

6,0

7,0

8,0

9,0

10,0

11,0

12,0

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Servidoresporhab

.

ATIVOS / hab em mil TOTAL / hab. emmil

Portanto, há espaço e necessidade de ampliação

do número de servidores para fazer face à demanda

represada por serviços públicos e para melhorar a

qualidade dos serviços atualmente prestados. Além

disso, deve-se considerar a necessidade de substituição

dos servidores que se aposentarem por pessoal ativo. E,

por fim, é preciso responder às demandas geradas pelo

crescimento populacional, estimado em 0,73% ao ano,

em média, nos próximos 10 anos, segundo o IBGE.

Neste sentido, ao limitar o incremento da DP

total da União, o PLP 549 poderá ter impactos sobre

a dimensão do quadro de pessoal, tornando difícil

que os de objetivos de universalização e melhoria da

qualidade dos serviços públicos sejam atingidos.

7. Avaliação da repercussão do PLP 549 em

retrospectiva

É bastante difícil fazer uma projeção segura do

comportamento das variáveis componentes do PLP

549 para os próximos 10 anos. Assim, uma maneira

de avaliar a potencial repercussão do PLP 549 sobre a

evolução da DP da União é considerar seus efeitos caso

estas determinações estivessem em vigor no passado.

Tomando as taxas de inflação e do PIB dos últimos

oito anos, e projetando hipoteticamente a evolução

das despesas de pessoal, conclui-se que as regras do

PLP 549 teriam limitado o aumento da DP colocando-a

muito abaixo dos níveis correntes.

Na Tabela 3 são calculados os limites para aumento

da despesa com pessoal caso as regras propostas no

PLP 549 estivessem em vigor desde 2001. Respeitando

estes limites, foi construída uma série hipotética de

despesas partindo dos valores realizados em 2001.

A tabela apresenta, ainda, os valores efetivamente

realizados no período, a variação anual e a relação dos

valores hipotéticos com os efetivos.

A tabela mostra que a despesa de pessoal da União

no período analisado teve variação anual superior ao

limite do PLP 549 em todos os anos, com exceção de

2003-2004. Com isto, se fossem aplicadas as regras

propostas, as despesas teriam sido limitadas a R$ 122

milhões em 2009,o que é 78,0% do que foi efetivamente

aplicado em pessoal naquele ano.

No período considerado, houve a seguinte variação

média anual dos critérios utilizados pelo PLP:

- IPCA-IBGE = 7,07% ao ano

- PIB ano (t – 1) = 3,71% ao ano

Por outro lado, o limite aplicável ao aumento da DP

foi de 9,43% ao ano. Descontando-se a variação média

do IPCA, restariam 2,21% ao ano para aumentos reais

da DP, o que é menos do que a taxa de crescimento real

do PIB.

Fontes: MPOG - Secretaria de Recursos Humanos - Boletim estatístico/IBGE/Cálculo e elaboração: DIEESE

54

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abril/junho/2010

TABELA 3

DESPESA DE PESSOAL DA UNIÃO REALIZADA E PROJETADA COM APLICAÇÃO DAS REGRAS DO PLP

Sob outra perspectiva, em igual período, se for

descontado do limite de aumento da DP, a variação

do IPCA de 7,07% a.a. e o aumento da população de

1,28% a.a., restariam um percentual de 0,92% a.a para

as necessidades de recursos para pessoal da União.

Ou seja, a aplicação do PLP 549 teria limitado o

aumento da DP da União neste período a, no máximo:

1- Manter o valor real da remuneração dos servidores frente ao aumento dos preços;

2 - permitir um aumento do quadro de pessoal compatível com o crescimento populacional (quando na verdade houve redução do quadro de pessoal no período); e

3 - dedicar 0,92%, para todas outras finalidades possíveis, inclusive atender ao crescimento vegetativo da folha.

Sendo assim, considerando que o crescimento

vegetativo da folha de pessoal é de 1,5% ao ano,

o PLP 549/09 teria inviabilizado a manutenção do

quadro de pessoal ou a manutenção do valor real

da remuneração dos servidores ou a aplicação dos

planos de carreiras do serviço público.

Fontes: IBGE. Ministério da Fazenda. Demonstrativo de Acompanhamento da Despesa com Pessoal. Obs: : o percentual máximo de

aumento da DP foi calculado por acumulação geométrica, apesar de que o PLP 549 não define o método de cálculo./ Elaboração e

cálculos: DIEESE – ER-DF.

8. Conclusões

Em síntese, pode-se dizer que:

- o PLP 549 reproduz, com algumas alterações, o PLP 01/2007, que visava estabelecer limites adicionais às DP da União;

- a principal alteração é substituir o limite real (acima do IPCA-IBGE) de 1,5% por 2,5% ou a taxa de crescimento do PIB, prevalecendo o menor percentual;

- sendo impossível prever o comportamento do PIB em um período tão extenso, não se pode afirmar que o do PLP 549 será maior ou menor do que o do PLP 01;

- há pontos indefinidos no PLP 549, tais como a taxa de crescimento do PIB que será considerada, a forma de cálculo do limite máximo de aumento da DP, com exceção da legislação já aprovada até 31/12/2009;

- na vigência dos atuais limites estabelecidos na LRF,observou-se o limite atualmente em vigor na redução da DP/RCL e na preservação da relação DP/PIB;

- o PLP 549 irá certamente provocar a redução significativa da relação DP/PIB;

- os servidores não terão garantida a preservação do valor real dos seus vencimentos, bem como sua

Mês/Ano IPCA Variação

anual até

março

(ano t-1)

Taxa de

crescimento

real do PIB

(ano t-1)

Limite de aumento

da DP

DP da União hipotética

(A)

DP efetiva

R$ mil (B) (%) variação

Despesa

hipotética em

relação à des-

pesa efetiva

(C=A/B)

2001 6,92% 4,30% 9,60% 59.881 60.564 10,8% 98,9%

2002 6,44% 1,30% 7,82% 64.566 68.826 13,6% 93,8%

2003 7,75% 2,70% 10,44% 71.308 72.448 5,3% 98,4%

2004 16,57% 1,10% 17,86% 84.041 81.806 12,9% 102,7%

2005 5,89% 5,70% 8,53% 91.213 91.793 12,2% 99,4%

2006 7,54% 3,20% 10,22% 100.539 104.707 14,1% 96,0%

2007 5,32% 4,00% 7,96% 108.537 115.441 10,3% 94,0%

2008 2,96% 6,10% 5,53% 114.540 133.015 15,2% 86,1%

2009 4,73% 5,10% 7,35% 122.955 157.710 18,6% 78,0%

TOTAIS2001-2009

84,9% 38,8% 125,04% 188,65%

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ista

de C

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ntur

a

elevação de acordo com o desempenho econômico geral e, notadamente, do setor público;

- a norma pode levar a disputas entre setores do funcionalismo pela parcela de incremento da DP autorizada;

- as demandas dos servidores públicos podem não ser atendidas em função dos limites adicionais impostos,ainda que compatíveis com as disposições da LRF; e

- a via do diálogo social e da negociação coletiva em curso não está sendo valorizada pelo PLP 549.

Pelo exposto, as normas do PLP 549 implicarão em

que o Governo Federal tenha dificuldades em manter

o valor real dos vencimentos dos servidores federais

ao mesmo tempo em que atenda as necessidades de

crescimento vegetativo da folha de pessoal e mantenha

e recomponha o quadro de pessoal da União ao menos

para acompanhar o crescimento populacional.

Fontes consultadas

DIEESE. Subseção DIEESE/CUT e Subseção DIEESE/

CONDSEF. Projeto de Lei Complementar à Lei de

Responsabilidade Fiscal – LRF (limite dos gastos

com pessoal do setor público). s/dt. Mimeo.

IBGE. Revisão 2008 – Projeção da população do Brasil.

http://www.ibge.gov.br/series_estatisticas/

subtema.php?idsubtema=125

MINISTÉRIO DA FAZENDA. Tesouro Nacional.

Relatório de Gestão Fiscal Consolidado. vv.nn.

http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/lei_

responsabilidade_fiscal.asp

MINISTÉRIO DA FAZENDA. TESOURO NACIONAL.

Relatório de Acompanhamento da Despesa com

Pessoal. Dezembro/2009. http://www.tesouro.

fazenda.gov.br/estatistica/index.asp

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORçAMENTO E

GESTãO. Secretaria de Recursos Humanos.

Boletim Estatístico de Pessoal. Vários números.

http://www.ser vidor.gov.br/publicacao/

boletim_estatistico/bol_estatistico.htm

PESSOA, Eneuton et alli. Emprego Público no Brasil:

comparação internacional e evolução recente.

IPEA, Brasília. 19º Comunicado da Presidência do

IPEA. www.ipea.gov.br

SENADO FEDERAL. Comissão Diretora. Parecer nº 2.702,

de 2009. Redação final do Projeto de Lei do

Senado nº 611, de 2007 - Complementar.

SENADO FEDERAL. Parecer nº, De 2007. Da Comissão de

assuntos Econômicos, sobre o Projeto de Lei do

Senado nº 611, de 2007 – Complementar, que

acrescenta dispositivos à Lei Complementar nº

101, de 4 de maio de 2000.

Clóvis Scherer [email protected]

Economista pela Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC), com especialização em Engenharia

de Produção pela mesma Universidade.

Atualmente é Supervisor do Escritório regional do

DIEESE no Distrito Federal.

Max Leno de Almeida [email protected]

Mestre em Economia pela Universidade Católica de

Brasília (UCB). Conselheiro do COFECON. Atualmente

é economista do Departamento Intersindical de

Estatística e de Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e

professor universitário.

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Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202

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