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Cópias da sentença do 17.° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferidos no processo de registo de marca nacional n.° 300 850. I-Rotatório A) Identificação das partes Recorrente: British Bio-Technology Limited, inglesa, industrial, com sede em Watlington Road, Cowley, Oxford OX4 5LY, Inglaterra.

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Cópias da sentença do 17.° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferidos no processo de registo de marca nacional n.° 300 850.

I-Rotatório

A) Identificação das partes

Recorrente: British Bio-Technology Limited, inglesa, industrial, com sede em Watlington Road, Cowley, Oxford OX4 5LY, Inglaterra.

Recorrida: Orsem, sociedade de responsabilidade limi- tada, francesa, industrial, com sede em 22, rue Garnier, F-92 200 Neuilly-sur-Seine, França.

B) Objecto do recurso

1 - A recorrente vem interpor recurso contencioso do despacho do Ex.mo Director do Serviço de Marcas do Ins- tituto Nacional da Propriedade Industrial de 7 de Março de 1997 que recusou protecção à marca nacional n.° 300 850, Strommex, por violação do disposto nos arti- gos 189.°, n.° 1, alínea m), e 193.°, n.° 1, ambos do Códi- go da Propriedade Industrial, despacho que deve ser revo- gado, declarando-se expressamente que esta marca deve ser protegida para assinalar preparações e substâncias far- macêuticas anticâncer. Para o efeito apresenta 28 números de conclusões, que,

no entanto, podemos resumir em:

a) A marca da recorrente, Strommex, não se confun- de, de todo, com a marca obstativa, Stromos;

b) Não há semelhança fonética entre as marcas; Strommex e Stromos pronunciam-se de forma diferente;

c) «Mex» é a sílaba tónica da palavra «strommex»; d) «Stro» é a sílaba tónica da palavra «stromos»; e) A consoante «x», no fim da palavra, abre a vo-

gal «e»; f) A consoante «s», no fim da palavra, fecha a vo-

gal «o», o que faz que a última sílaba se pro- nuncie «mus»;

g) Não existe semelhança gráfica. As únicas letras coincidentes são as da primeira sílaba;

h) As restantes são diferentes, «os» da marca obstativa e «mex» da marca recorrente, incluindo esta mais um «m», sendo de maior mancha gráfica;

i) Conclui, por outro lado, que obteve no Infarmed certidão comprovativa de que se não encontra re- gistado qualquer medicamento com a marca Stromos, razão pela qual pediu e se encontra a decorrer processo de caducidade de tal tipo de produto;

j) Não existe relação de complementaridade ou subsidiariedade entre os produtos que a marca da recorrente visa assinalar e os restantes produtos protegidos pela marca da recorrida;

l) Não há afinidade entre eles, e muito menos ma- nifesta;

m) Termina dizendo ser fácil a distinção entre as marcas e não poderem as mesmas gerar confu- são ou indução em erro, mesmo na perspectiva do consumidor menos atento.

Além de mais, alega que requereu junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial o pedido de registo da seguinte marca nacional: Strommex, destinada a assinalar produtos da classe 5.ª, englobando os seguintes produtos: «Preparações e substâncias farmacêuticas para uso na imunologia e ou prevenção e ou tratamento do cancro, sépsis, pancreatite e ou outras situações inflamatórias e ou relativas ao coração, sistema circulatório e ou outras si- tuações envolvendo isquemia/reperfusão.» O Instituto Nacional da Propriedade Industrial indefe-

riu o seu pedido por causa da existência de registo ante- rior da marca recorrida, Stromos, destinada a assinalar os seguintes produtos, também da classe 5.": «Produits pharmaceutiques et vétérinaires; substances diététiques à

usage médical, aliments pour bébés; matières pour plomber les dents et pour empreintes dentaires; désinfectants; préparations pour la destruction des animaux nuisibles; fongicides, herbicides», com a qual se confunde a marca da recorrente. Mas que não pode concordar com tal decisão por não

existir confusão, pois, apesar de serem coincidentes algu- mas das letras que compõem as duas marcas, as diferen- ças são de molde a não permitir qualquer confusão ou erro. Acrescenta que a marca recorrente pretende, apenas,

assinalar produtos farmacêuticos para uso humano, com um fim específico, ao passo que a marca recorrida se destina a assinalar produtos de uma gama muito ampla e variada, que vai desde produtos farmacêuticos, veterinários, subs- tâncias dietéticas, alimentação para bebés, material para chumbar dentes, etc., até herbicidas e fungicidas. E que ela, recorrente, pretende restringir a protecção da

marca Strommex para assinalar preparações e substâncias farmacêuticas anticâncer. 2 - A Direcção do Serviço de Marcas limita-se a di-

zer que a questão se centra na consideração sobre se as duas marcas em causa se confundem ou não facilmente. 3 - A titular da marca recorrida nada disse. 4 - Foi junto o processo administrativo do Instituto

Nacional da Propriedade Industrial, onde a aqui recorrida apresentou reclamação e juntou a recorrente diversos do- cumentos.

C) Pressupostos processuais

O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Não há nulidades que invalidem todo o processo. As partes são dotadas de personalidade e de capacida-

de judiciárias e têm legitimidade. Não existem outras nulidades ou excepções de que cum-

pra conhecer e obstem à apreciação do mérito da causa.

II - Fundamentação

A) Dos factos

Dos autos podemos assentar os seguintes factos, com relevo:

1 - A ora recorrente requereu junto do Instituto Na- cional da Propriedade Industrial o pedido de registo da se- guinte marca nacional: Strommex, destinada a assinalar produtos da classe 5.ª, englobando os seguintes produtos: «Preparações e substâncias farmacêuticas para uso na imunologia e ou prevenção e ou tratamento do cancro, sépsis, pancreatite e ou outras situações inflamatórias e ou relativas ao coração, sistema circulatório e ou outras si- tuações envolvendo isquemia/reperfusão.» 3 - O pedido foi inferido pelo despacho do Sr. Direc-

tor do Serviço de Marcas no Instituto Nacional da Proprie- dade Industrial de 7 de Março de 1997, publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 30 de Junho de 1997, com a observação de que a recusa é feita ao abrigo do disposto no artigo 189.°, n.° 1, alínea m), do Código da Propriedade Industrial, porque se confunde com a marca internacional n.° 548 556. 4 - Tal marca internacional n.° 548 556 já se encontra-

va registada à data do pedido e consiste na expressão «Stromos», destinada também a proteger os seguintes pro- dutos da classe 5.ª: «Produits pharmaceutiques et vété- rinaires; substances diététiques à usage médical, aliments pour bébés; matières pour plomber les dents et pour

empreintes dentaires; désinfectants; préparations pour la destruction des animaux nuisibles; fongicides, herbicides.» 5 - Fundamentou-se ainda a decisão recorrida em que

ambas as marcas se destinam a assinalar produtos idênti- cos ou manifestamente afins. 6 - E têm tal semelhança gráfica e fonética que indu-

zem facilmente em erro ou confusão de forma que o con- sumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto. 7 - Em 5 de Agosto de 1997 não se encontrava regis-

tado no Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento nenhum medicamento com a marca Stromos. 8 - Em 9 de Dezembro de 1997, do Sr. Chefe de Di-

visão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por delegação do presidente, foi proferido despacho a decla- rar a caducidade parcial do registo mencionado no n.° 4, da parte «produits pharmaceutiques et vétérinaires; substances diététiques à usage médical, aliments pour bébés» - ou seja, foi declarada a caducidade parcial do registo para os seguintes produtos assinalados na classe 5.ª: «Produtos farmacêuticos e veterinários; substâncias dieté- ticas para uso medicinal, alimentos para bebés.»

B) Dos factos e do direito

1 - Em face da posição, nomeadamente, da recorren- te, cumpre apreciar se há risco de confusão entre uma e as outras das marcas em apreço. Antes disso, duas questões urge analisar:

Qual o relevo da afirmação da recorrente de que pre- tende restringir a protecção da marca Strommex para assinalar «preparações e substâncias farmacêu- ticas anticâncer»;

O relevo do facto da caducidade de parte do objecto da marca obstativa Stromos, situação que aconte- ceu posteriormente à interposição do recurso, mas para a qual a recorrente já alertava, por ter inter- posto o respectivo pedido.

2 - Quanto à alegada restrição do objecto de protec- ção da marca da recorrida, temos de ver se pode este tri- bunal conhecer de tal facto. Tal implica saber qual a natureza do presente recurso. Dispõe o artigo 38.° do Código da Propriedade Indus-

trial que são partes legítimas para recorrer das decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial o reque- rente e os reclamantes e ainda qualquer pessoa que seja directamente prejudicada pela decisão. Por seu turno, dispõe o artigo 2.° do Decreto-Lei

n.° 16/95, de 24 de Janeiro, que aprovou o Código da Pro- priedade Industrial, que se mantém a competência do Tri- bunal da Comarca de Lisboa nos precisos termos que lhe é atribuída pelo artigo 203.° do Código da Propriedade In- dustrial, aprovado pelo Decreto n.° 30 679, de 24 de Agos- to de 1994. Ou seja, este tribunal comum de 1.ª instância é chama-

do a pronunciar-se sobre a decisão de um organismo do Estado, ou seja, de uma decisão proferida pelo Estado através de um seu organismo. Chama-lhe a lei «recurso judicial» (cf. secção i do capítulo v do Código da Pro- priedade Industrial). Nada refere o Código da Propriedade Industrial quanto

à natureza deste recurso. Mas tratando-se de impugnação de acto proferido por órgão não enquadrado na pirâmide estrutural dos tribunais judiciais, não parece poder aplicar- -se, tour court. o regime dos recursos em processo civil.

Face à não regulamentação específica de tal recurso (cf., v. g., o citado capítulo v do Código da Propriedade Industrial), parece-nos que, atento o que se disse, estamos perante um recurso contencioso de um acto administrati- vo, a que se deverá, tanto quanto possível, aplicar o regi- me previsto na LPTA - Lei de Processo nos Tribunais Administrativos -, artigos 24.° e seguintes. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal

de Justiça de 10 de Dezembro de 1997, in Boretim do Ministério da Justiça, n.° 472, p. 507. Nele se refere que, apesar da atribuição de competência para este recurso aos tribunais comuns, eles intervêm, neste particular, não no exercício de uma função jurisdicional mas sim, ocasional- mente, no desempenho da função administrativa. Acrescentando que o acto do Instituto Nacional da Pro-

priedade Industrial, ao conceder ou recusar o registo de marca, é acto administrativo, constituindo manifestação da função administrativa do Estado, facultando a lei aos in- teressados o poderem «recorrer» para o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a fim de este rever o acto da admi- nistração e pronunciar uma decisão que é, materialmente falando, um acto administrativo de «declaração consti- tutiva», precisamente equivalente ao que a própria Admi- nistração teria de praticar se a lei tivesse atribuído tal competência aos tribunais administrativos. Configura-se, pois, esta função algo sui generis deste tri-

bunal como uma actividade de conhecimento administrativo, a que se aplicam as regras do contencioso administrativo. Neste contencioso, e como também resulta do citado

artigo 38.° do Código da Propriedade Industrial, o que se impugna é a invalidade do acto administrativo da decisão proferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Assim sendo, é com base em tal decisão do Instituto

Nacional da Propriedade Industrial e dentro dos seus li- mites que nos devemos manter. O presente recurso tem por objecto a decisão concretamente proferida pelo Insti- tuto Nacional da Propriedade Industrial, e devemos ter presente o contexto em que ela foi proferida, o que equi- vale a dizer se, com base na situação fáctica que lhe foi presente, havia motivos para a recusa do pedido da recor- rente nos termos em que o foi. Pensar e decidir de forma diferente seria trazer à colação

questões novas, que não foram colocadas perante os ser- viços competentes da entidade administrativa competente, para apreciar, em primeira linha, de tal pedido e fundar a nossa decisão nesses factos novos, e assim esta redunda- ria em proferir decisão nova e não em apreciar do mérito ou demérito da decisão revidenda. Tal a lei não permite. Aliás, no contencioso adminis-

trativo nem sequer o tribunal tem, por regra, a possibili- dade de impor à Administração a tomada de decisão, li- mitando-se a anular ou confirmar o acto, ou a declarar a sua nulidade ou a inexistência do acto, não sendo possí- vel, a não ser que a lei expressamente o consagre, formu- lar pedido de modificação ou substituição do acto recorri- do ou pedir que se condene a Administração Pública a praticar o acto devido (cf. Prof. Freitas do Amaral, Direi- to Administrativo, Lições, vol. IV, 1988, p. 116). Do exposto resulta que nenhum relevo pode ter na apre-

ciação do presente recurso a afirmação, aliás, mera mani- festação de vontade, de pretender restringir a protecção da sua marca Strommex de modo a assinalar apenas prepara- ções e substâncias farmacêuticas. O que releva no caso, e foi nessa base que foi proferi-

da a decisão administrativa de recusa, é o pedido efecti-

vamente formulado pela requerente/recorrente, e que consta do n.° 1 da matéria de facto apurada, e é perante ele que iremos analisar a situação dos autos. 3 - A outra questão prévia ao conhecimento de fundo

prende-se com o facto da caducidade de parte do objecto da marca obstativa Stromos. Por igualdade de razões com as expendidas a propósito

da questão acabada de analisar, também, em bom rigor, este facto superveniente deveria ser considerado irrelevante para o efeito do conhecimento da bondade da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial revidenda, na medida em que esta assentou em determinados pressupos- tos de facto, e se agora as tomarmos em consideração vamos de alguma forma inovar face aquela decisão. Nesta ordem de razões seríamos levados a pensar que

o conhecimento do presente recurso teria de passar ao lado de tal alteração e basear-se apenas nos pressupostos exis- tentes à data da decisão de recusa do Serviço de Marcas. Parece-nos, todavia, ser uma posição demasiado radi-

cal, nomeadamente se pensarmos em termos de economia processual, uma vez que dispomos nos autos de elemen- tos seguros da verificação de tal alteração superveniente - a caducidade parcial do objecto protegido pela marca. Depois, apesar de, como se disse, o regime ser o do

recurso contencioso, como regulado na lei de processo ad- ministrativo, não podemos deixar de pensar que não deixa, apesar de tudo, de ser um recurso com especialidades rela- tivamente àquele, nomeadamente no que decorre de estar afastada a competência dos tribunais administrativos. E como também ocorre no caso que o tribunal pode não

só revogar o despacho da autoridade recorrida como impor- -lhe uma actividade, nomeadamente que admita a marca a registo, diferentemente do que acontece por regra, como se disse acima, no contencioso administrativo de anulação. Daqui pensamos poder concluir que a decisão não po-

derá sujeitar-se em toda a linha à tramitação do conten- cioso administrativo, o qual, aliás, como se disse, com- porta excepções derivadas da regulação especial da lei nesse sentido, e que será o que acontece nesta espécie híbrida de acção/recurso/impugnação contenciosa. Vamos, por isso, analisar a situação tomando por base

uma e outras destas situações, ou seja, apreciar o que aconteceria se o objecto da marca obstativa fosse aquele que existia antes da declaração de caducidade parcial, e, bem assim, o que acontece se tomarmos em linha de con- ta tal caducidade. 4.1 - Marca. - Trata-se de um sinal destinado a indi-

vidualizar produtos ou mercadorias e a permitir a sua di- ferenciação de outros da mesma espécie (Prof. Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial, vol. 1, p. 312). A marca desempenha, no jogo da concorrência, uma

função muito importante. Por seu intermédio pode o empresário acreditar perante

clientela os seus melhores produtos; se as mercadorias assinaladas (marcadas) se impuserem e recomendarem pela sua qualidade, será natural que aumente a procura deles. Ora, a marca vai precisamente permitir a identificação

das mercadorias já apreciadas pelo comprador e facilitar a sua procura no mercado (cf. o autor e a obra citados, pp. 314 e 315). A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto

de sinais nominativos (marca nominativa), figurativos ou emblemáticos (marca figurativa ou emblemática) ou por uma e outra conjuntamente (marca mista) - mesmos au- tor e obra, pp. 321 e 322, e ainda o artigo 165.° do Códi- go da Propriedade Industrial.

Por outro lado, são requisitos de imitação de uma marca:

a) Que as marcas imitada e imitante digam respeito ao mesmo produto ou a produtos semelhantes; ou

b) Que se destinem a objectos ou produtos inscritos no reportório sob o mesmo número ou sob nú- meros diferentes, mas de afinidade manifesta; e

c) Que pela sua semelhança gráfica, figurativa ou fonética possam induzir facilmente em erro ou confusão consumidor menos atento.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Março de 1979, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 285, p. 352 - cf. o artigo 193.° do Código da Propriedade Industrial. A imitação da marca deve ser apreciada menos pelas

dissemelhanças que ofereçam os diversos elementos iso- ladamente do que pela semelhança que resulta do conjun- to dos elementos que constituem a marca - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 1981, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 311, p. 401. O juízo sobre a distinção de marcas decompõe-se em

duas questões: uma, de facto, que consiste na existência de semelhanças ou dissemelhanças entre as duas expres- sões que constituem a marca; outra, de direito, que con- siste em apurar se em face dessas semelhanças ou dissemelhanças uma delas deve ou não considerar-se ser susceptível de confusão ou erro com a outra. Para saber se existe essa susceptibilidade, releva mais

a semelhança que pode resultar dos elementos de uma marca do que da dissemelhança de certos pormenores, sendo por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à necessária comparação - cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 1995, in Colectânea de Jurisprudência, S3, t. 2, p. 129. 4.2 - Partindo da constatação de que a marca Stromos

é prioritária no registo, apreciemos então se no caso em apreço se verificam ou não os requisitos da imitação de marca:

1) A afinidade de produtos ou serviços; 2) A semelhança gráfica, figurativa ou fonética com

outra registada; 3) A indução em erro ou confusão do consumidor.

4.3 - Fazendo a análise dos produtos antes da decla- ração de caducidade parcial da Stromos, parece-nos, tal como defende o Serviço de Marcas, que a afinidade de produtos é manifesta, pois quer uma quer outra das mar- cas se destinam a proteger produtos da mesma natureza e pertencentes à mesma classe: «preparações e substâncias farmacêuticas», uma, «produtos farmacêuticos e veteriná- rios», a outra, pertencendo à mesma classificação 05, de produtos e serviços. 4.4 - E quanto à semelhança gráfica? No que respeita às marcas Stromos e Strommex, pare-

ce-nos existir igualmente semelhança. Semelhança que não implica igualdade. Na verdade, sendo a terminação dos vocábulos diferente, tratando-se em ambos os casos de palavras que, na linguagem corrente portuguesa, nada di- zem de per si, entendemos que a sua memorização gráfi- ca é susceptível de levar a confundir-se os dois nomes, e podendo ainda entender-se a Strommex como um diminu- tivo ou derivativo da primeira, Stromos. Afigura-se, no conjunto, irrelevante o facto de a mar-

ca da recorrente ter mais uma letra; no conjunto, não so- bressai tal mancha maior, pois não obstante ser a letra

«m» letra das mais largas do alfabeto, ela aparece repe- tida, o que, não sendo usual no nossa escrita, e não se lendo, não parece que seja a que mais fica visualmente memorizável. 4.5 -Já quanto à fonética se afigura existir alguma

dissemelhança na pronúncia. Porém, tratando-se, como se disse, de nomes não constante do vocabulário da língua portuguesa, a pronúncia torna-se muitas vezes irrelevante, pois pode variar consoante a origem do vocábulo. E a dissemelhança não é tão grande, pois ambas têm

duas sílabas, sendo a primeira, a tónica, igual em ambas. É certo que a final é fechada na sílaba «mos» e mais aberta na sílaba «mex», mas que no conjunto a diferença apare- ce diluída. Pelo que acabamos de dizer e quanto a estas marcas,

existem, a nosso ver, maiores semelhanças gráfica e foné- tica do que dissemelhanças. E, tratando-se de palavras que não são de uso corrente,

numa imagem mental do seu grafismo, e mesmo na sua pronúncia, entendemos que, para um consumidor normal, tais expressões são facilmente confundíveis. A isto acresce a similitude de produtos que identificam,

pelo que não temos dúvidas em afirmar que tais marcas em confronto são de molde a induzir em erro ou confu- são o consumidor. 4.6 - Assim se afigura que as marcas em confronto -

Stromos e Strommex - induzem facilmente em erro ou confusão o consumidor menos atento, e mesmo para aquele que preste alguma atenção, sendo que na apreciação de semelhança ou dissemelhança entre as marcas teremos de as apreciar também colocando-nos na posição de um con- sumidor menos atento, um cidadão normal. 5 - E será que poderemos ter a mesma certeza de

confundibilidade ou indução em erro do consumidor a partir do momento em que a marca obstativa ficou ampu- tada da protecção que tinha sobre produtos farmacêuticos e veterinários, substâncias dietéticas para uso medicinal e alimentos para bebés? Quanto às semelhanças/dissemelhanças gráfica, figura-

tiva e fonética entre elas, valem os mesmos argumentos já aduzidos.

Quanto à afinidade de produtos, comparando entre:

«Produits pharmaceutiques et vétérinaires; substances diététiques à usage médical, aliments pour bébés; matières pour plomber les dents et pour empreintes dentaires; désinfectants; préparations pour la destruction des animaux nuisibles; fongicides, herbicides», da recorrida; e

«Preparações e substâncias farmacêuticas para uso na imunologia e ou prevenção e ou tratamento do cancro, sépsis, pancreatite e ou outras situações inflamatórias e ou relativas ao coração, sistema circulatório e ou outras situações envolvendo isquemia/reperfusão», da recorrente;

diremos, numa primeira análise, que saíram daquela os elementos de maior afinidade; aliás, foram eliminados, em parte, elementos idênticos (as preparações ou os produtos farmacêuticos). Mas, vendo melhor, entendemos que ainda existem

suficientes afinidades entre os produtos assinalados por uma e outra marca. A recorrida continua a ter protecção em material para

chumbar dentes, modelos, ou pivots dentários, desinfectan- tes, produtos para a destruição de animais nocivos, fungicidas e herbicidas.

Serão tais produtos de afinidade manifesta com aque- les que a recorrente pretende protecção com a marca re- cusada? Pensamos que sim; há afinidade, nomeadamente no que

respeita a desinfectantes e produtos ou substâncias para situações inflamatórias, e mesmo para imunologia e ou prevenção. A previsão legal não exige a total coincidência dos

produtos; satisfaz-se com a afinidade, e, como se disse, no caso em confronto encontram-se vários pontos de afi- nidade quanto aos produtos a proteger. Desta forma, também mesmo depois da mencionada

caducidade parcial dos produtos da recorrida, continuamos a afirmar existirem semelhanças tais entre as duas marcas que implicam a susceptibilidade de poderem, facilmente, induzir em erro ou confusão o consumidor normal: 6 - Daqui que se não vislumbre que a decisão recorri-

da haja violado as normas pertinentes do Código da Pro- priedade Industrial, em especial os incisos dos artigos 189.°, n.° 1, alínea m), e 193.°, n.° 1.

IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso. mantendo-se o despacho recorrido de 7 de Março de 1997 do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacio- nal da Propriedade Industrial. Custas pela recorrente. Fixa-se o valor processual em 2 000 001 $ e o valor tri-

butário da acção em 500000$ [artigo 6.°, n.° 1, alínea q), do CCJ]. Registe e notifique. Processei. Transitada, devolva o processo apenso e envie cópia

certificada ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (cf. fl. 40).

Lisboa, 21 de Dezembro de 1998 (após as 18 horas). - (Assinatura ilegível.)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

British Bio-Technology Limited interpôs na comarca de Lisboa recurso do despacho de 7 de Março de 1997 do director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que indeferiu o pedido de protecção da marca nacional n.° 300 850, Strommex, pe- dindo a sua revogação e declarando-se expressamente que esta marca deve ficar protegida para assinalar preparações e substâncias farmacêuticas anticâncer. Cumprido o disposto nos artigos 40.°, n.° 1, e 41.° do

Código da Propriedade Industrial (CPI), a Direcção do Serviço de Marcas pronunciou-se nos termos constantes de fl. 39. O M.mo Juiz negou provimento ao recurso e manteve o

despacho recorrido. Inconformada com a decisão, a requerente apelou, pe-

dindo a sua revogação e que fosse concedida protecção à marca nacional n.° 300 850, Strommex, para «preparações e substâncias farmacêuticas para uso na imunologia e ou prevenção e ou tratamento do cancro», e nas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:

1.ª A apelante interpôs recurso em 1.ª instância do despacho de indeferimento da sua marca nacio- nal n.° 300 850, Strommex, proferido pelo direc-

tor do Serviço de Marcas do INPI, com funda- mento na confundibilidade com a marca interna- cional n.° 548 556, Stromos, tendo o M.mo Juiz a quo decidido por sentença manter o despacho recorrido;

2.ª Foi, supervenientemente, declarada a caducidade parcial da marca obstativa para certos produtos;

3." Não pode, por isso, a apelante conformar-se com a decisão quanto ao mérito da causa, por- quanto entendeu o M.mo Juiz que «mesmo de- pois da mencionada caducidade parcial dos produtos da recorrida, continuamos a afirmar existirem semelhanças tais entre as duas mar- cas que implicam a susceptibilidade de pode- rem, facilmente, induzir em erro ou confusão o consumidor normal»;

4.ª Por outro lado, a restrição do objecto de protec- ção da marca Strommex, que a apelante formu- lou no seu pedido, em 1.ª instância, não foi ad- mitida pelo M.mo Juiz a quo, apesar de os produtos para os quais se pediu protecção já cons- tarem dos autos. Não são factos novos;

5.ª Não se conforma a apelante com os fundamen- tos que na sentença são expendidos acerca da natureza do recurso de marca e que levaram o M.mo Juiz a não dar qualquer relevo a tal pedido;

6.ª Os tribunais judiciais são de jurisdição plena, ao contrário do que acontece em sede de contencioso administrativo, onde impera o contencioso de anulação;

7.ª Estamos em sede de administração judicial, e por isso o tribunal judicial emite decisão sobre o caso concreto, destinando-se essa decisão a ser cum- prida pelo órgão administrativo que proferiu o acto. Não se limita a declarar a anulação, ou não, do acto administrativo. Se não fosse aquela a intenção do legislador, difícil seria entender a razão pela qual atribuiu competência a um tribu- nal de jurisdição plena relativamente aos recur- sos dos despachos do INPI que concedam ou recusem registos;

8.ª O recurso de marca corresponde a uma forma de processo especial, que, nos termos do artigo 463.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, se regula pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições comuns, e, em tudo quanto não esti- ver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo ordiná- rio;

9.ª O seu regime afasta-se do regime do recurso contencioso administrativo;

10.a Nos termos do artigo 192.° do CPI, «Quando existam motivos para recusa do registo de uma marca apenas no que respeita a alguns dos pro- dutos ou serviços para que este foi pedido, a re- cusa do registo abrangerá apenas esses produtos ou serviços»;

11.ª O mesmo é dizer que a concessão da marca, neste caso, é parcial;

12.ª Foi este o pedido que a apelante formulou. Os produtos para os quais se requer a protecção da marca, e que se resumiram no pedido como «substâncias farmacêuticas anticâncer», encon- tram-se já discriminados no pedido de registo, não são produtos novos e, por isso, não levantam questões novas, na medida em que já foram ob-

jecto de análise pelo INPI no momento em que este decidiu a recusa da marca. O que se pede ao tribunal é que determine a protecção só em relação a determinados produtos, mantendo-se a recusa relativamente aos restantes;

13.ª Deveria, por isso, a sentença ter admitido a pre- tensão da apelante;

14.ª Relativamente aos produtos que ambas as mar- cas visam proteger, verifica-se que os mesmos não são de afinidade manifesta, pois foram total- mente eliminados do âmbito de protecção da marca Stromos os produtos farmacêuticos e vete- rinários, onde, consequentemente, não se podem englobar os restantes produtos que a marca obstativa continua a proteger;

15:ª Nos termos do artigo 193.°, n.° I, alínea b), um dos requisitos do conceito de imitação de mar- ca é o de que ambas as marcas sejam destina- das a assinalar produtos idênticos ou de afini- dade manifesta, o que não se verifica no caso concreto;

16.ª Tem determinado a jurisprudência e a doutrina dominantes que, na falta de uma definição legal de produtos afins, deverá atender-se ao critério económico, complementaridade e subsidiariedade entre os produtos;

17.ª Aplicando estes critérios ao caso sub judice, cer- to é que não existe qualquer relação de comple- mentaridade ou subsidiariedade entre os produtos visados, tanto mais que os produtos farmacêuti- cos circulam no mercado sob regras estritas de comercialização;

18.ª Vigora no nosso ordenamento jurídico, no que às marcas diz respeito, o princípio da especialidade, ou seja, a imitação de marca tem como requisito que a marca se destine a identificar produtos se- melhantes ou de afinidade manifesta. Portanto, uma afinidade qualificada;

19.ª As marcas em confronto são marcas nominativas, que não fazem parte do léxico português;

20.ª Sendo marcas de fantasia, são sinais considera- dos fortes, na medida em que não dão ideia do produto a que se aplicam;

21.ª Por isso, o consumidor com mais facilidade apreende intuitivamente as diferenças entre as marcas;

22.ª No caso concreto, as diferenças de facto sobre- põem-se largamente às semelhanças, na perspec- tiva do consumidor médio;

23.ª Nos termos da lei, a semelhança não é tal que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, requisitos estes determinados pelo arti- go 193.°, n.° 1, do CPI;

24.ª A marca Strommex respeita o princípio da novi- dade da marca, uma vez que não é susceptível de ser tomada pela marca Stromos;

25.ª Na subsunção dos factos ao normativo aplicado, não estão verificados cumulativamente todos os requisitos dos artigos 189.°, alínea m), e 193.°, n.° 1, do CPI: as marcas não são tão semelhantes entre si de molde a induzir facilmente o consu- midor em erro ou confusão e os produtos não são similares ou semelhantes nem são de afinidade manifesta;

26.ª Foram violados os artigos 165.°, n.° 1, 189.°, n.° 1, alínea m), 192.° e 193.°, n.° 1, do CPI.

Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Consideram-se provados os seguintes factos:

1) Em 31 de Maio de 1994, a British Bio- -Technology Limited requereu ao INPI o registo da marca nacional n.° 300 850, Strommex, desti- nada a assinalar produtos da classe 5.ª, engloban- do os seguintes produtos: «Preparações e subs- tâncias farmacêuticas para uso na imunologia e ou prevenção e ou tratamento do cancro, sépsis, pancreatite e ou outras situações inflamatórias e ou relativas ao coração, sistema circulatório e ou outras situações envolvendo isquemia/reperfusão»;

2) A Orsem, sociedade com sede em França, re- clamou opondo a sua marca internacional n.° 548 556, Stromos;

3) A Orsem é titular, desde 13 de Março de 1991, do registo da marca internacional n.° 548 556, Stromos, destinada a assinalar os seguintes pro- dutos da classe 5.ª: «Produits pharmaceutiques et vétérinaires; substances diététiques à usage médical; aliments pour bébés; matières pour plomber les dents et pour empreintes dentaires; desinfectantes; préparations pour la destruction des animaux nuisibles; fongicides, herbicides» (documento de fl. 22 a fl. 24 e a fl. 44);

4) O pedido referido no n.° 1) foi indeferido por despacho de 7 de Março de 1997 do director do Serviço de Marcas do INPI, com base no pare- cer de que se encontra cópia junta a fl. 19;

5) Nesse parecer entendeu-se que a oposição da Orsem era procedente por se apurar que entre as marcas, registanda e registada, se verificavam cumulativamente os requisitos do conceito jurí- dico de imitação previstos nos artigo 193.° do CPI, ou seja:

A marca registada tinha prioridade; Ambas se destinavam a assinalar produtos idên- ticos ou manifestamente afins; e

Tinham tal semelhança gráfica e fonética que induziam facilmente em erro ou confusão de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto;

6) E a recusa foi publicada no Boletim da Proprie- dade Industrial de 30 de Junho de 1997 com a observação de que era feita ao abrigo do dispos- to no artigo 189.°, n.° 1, alínea m), do CPI por- que se confunde com a marca internacional n.° 548 556;

7) Em 5 de Agosto de 1997 não se encontra regis- tado no Infarmed - Instituto Nacional da Farmá- cia e do Medicamento nenhum medicamento com a marca Stromos (documento a fl. 25);

8) Em 12 de Agosto de 1997, a British Bio- -Technology Limited requereu no INPI a decla- ração de caducidade parcial do registo interna- cional n.° 548 556, Stromos ;

9) Em 9 de Dezembro de 1997, o chefe de divisão do INPI, por delegação do presidente, proferiu despacho a declarar a caducidade parcial do re- gisto internacional n.° 548 556, Stromos, para os seguintes produtos assinalados na classe 5.ª:

«Produtos farmacêuticos e veterinários; substân- cias dietéticas para uso medicinal, alimentos para bebés.»

«O título de registo de uma marca obtém-se após um procedimento administrativo envolvendo a participação de particulares e da Administração Pública, num encadeamen- to de actos funcionalmente ligados que culminam na de- cisão da entidade competente do INPI em conceder ou denegar o registo. Esta decisão é o acto principal do pro- cedimento. Sendo um acto autoritário de um agente de um institu-

to público, manifestado no exercício de poderes de direito administrativo que produz efeitos jurídicos externos numa relação individual e concreta, trata-se de um acto admi- nistrativo» - v. Luís M. Couto Gonçalves, in Direito de Marcas, Almedina, p. 51. Desse acto administrativo pode-se recorrer. O artigo 2.°

do Decreto-Lei n.° 16/95, de 24 de Janeiro, que aprovou o actual CPI, manteve a competência que era conferida pelo artigo 203.° do CPI anterior ao Tribunal Cível da Comarca de Lisboa para julgamento do recurso dos des- pachos que concederem ou recusarem registos de marcas, com recurso para o Tribunal da Relação. Considerou a decisão recorrida, que, apesar de o regi-

me do recurso ser o do recurso contencioso, regulado na lei de processo administrativo, não deixava apesar de tudo de ser um recurso com especialidades relativamente àque- le, já que o tribunal podia não só revogar o despacho da autoridade recorrida como impor-lhe uma actividade, no- meadamente que admita a marca a registo, diferentemente do que acontece por regra no contencioso administrativo de anulação. Na verdade, o recurso para a 1.ª instância, sendo um

recurso que reveste natureza contenciosa-administrativa, não é, contudo, um recurso de mera anulação, daí que a sentença recorrida tenha concluído, e bem, que a decisão não poderia sujeitar-se em toda a linha à tramitação do contencioso administrativo. Conforme refere Luís M. Couto Gonçalves, na obra

citada, a p. 53: «A via do recurso contencioso de mera anulação não satisfaria, inteiramente, o interesse do parti- cular quando estivesse em causa o reconhecimento de um direito à concessão do registo. O tribunal limitar-se-ia a anular o acto da Administração de recusa do registo, mas não a impor-lhe a prática do acto legal de concessão. A tutela do interesse privado ficaria desse modo parcialmente insatisfeita ou, pelo menos, sujeita à discricionariedade da Administração. Na prática forense vem-se assistindo a uma apreciação

do recurso em moldes que o aproximam de um recurso de plena jurisdição'. Na verdade, o tribunal dirime o conflito de interesses e dá-lhe uma efectiva e definitiva solução. Sendo esta prática correcta, nota-se, todavia, nas decisões dos tribunais ainda uma certa hesitação perante a natureza do acto recorrido e perante a natureza contencioso-administrativa do recurso.» O artigo 189.°, n.° 1, alínea m), do CPI determina: «Será

recusado o registo das marcas que contenham: reprodu- ção ou imitação, no todo ou em parte, de marca anterior- mente registada por outrem para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor.» E, segundo o artigo 192.° do CPI: «Quando existam

motivos para recusa do registo de uma marca apenas no

que respeita a alguns dos produtos ou serviços para que este foi pedido, a recusa do registo abrangerá apenas es- ses produtos ou serviços.» Por sua vez, o n.° 1 do artigo 193.° do CPI dispõe: «A

marca registada considera-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra quando, cumulativamente:

a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou

serviços idênticos ou de afinidade manifesta; c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fo-

nética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente regis- tada, de forma que o consumidor não possa dis- tinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto.»

Como bem refere a l.ª instância, estamos perante um recurso, e este tinha por objecto a decisão concretamente proferida pelo INPI e visava, essencialmente, a reapre- ciação dessa decisão com os mesmos elementos que ser- viram de base à mesma; ou seja, a l.ª instância, que fun- ciona como instância de recurso, teria de apreciar o pedido em face da matéria de facto e de direito preexistente ao recurso e que foram invocadas para recusar o registo da marca. As marcas em causa são nominativas e ambas se des-

tinam a assinalar produtos da classe 5.ª, sendo inegável que a marca internacional n.° 548 556, Stromos, tendo sido objecto de registo em 13 de Março de 1991, é prioritária face à marca nacional n.° 300 850, Strommex, que se pre- tende registar. Na linguagem corrente, as palavras «stromos» e

«strommex» nada dizem por si, sendo termos que não constam da língua portuguesa, havendo semelhança gráfi- ca entre elas, sendo irrelevante que uma tenha mais uma letra que a outra. Tendo como elemento comum o prefixo «stro» e um

sufixo, que num caso é «mos» e no outro «mmex», em- bora a sílaba tónica de «stromos» seja o prefixo «stro», enquanto a sílaba tónica de Strommex é no sufixo «mmex», pronunciando-se as duas palavras de forma diferente, a diferença aparece diluída, existindo entre elas mais seme- lhanças fonéticas do que dissemelhanças. E o que particu- larmente conta é a impressão do conjunto, a semelhança do todo, na medida em que é ele que sensibiliza o públi- co consumidor. Com efeito, a susceptibilidade de confu- são a que se referem os artigos 189.°, n.° 1, alínea m), e 193.°, n.° 1, alínea c), do CPI reporta-se aos sinais distin- tivos, e não aos produtos ou serviços a que se destinam. Há, portanto, que concluir que as marcas Stromos e

Strommex, no conjunto dos seus elementos gráfico e fo- nético, se apresentam de tal forma semelhantes que são susceptíveis de induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor médio, que só por exame atento ou confronto as poderá distinguir. A afinidade entre produtos afirmar-se-á sempre que, pela

sua significação económica e modo de utilização, espe- cialmente do ponto de vista dos seus lugares de produção e de venda, esses produtos apresentem «pontos de contac- to» tão estreitos que nos círculos de interessados se pode criar a opinião de que provêm da mesma empresa. Têm-se como afins quer os produtos ou serviços com

natureza ou características próximas e finalidades idênti- cas ou similares quer os de natureza marcadamente diver- sa, mas com finalidades idênticas ou semelhantes -

Coutinho de Abreu, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1977, p. 142. Luís M. Couto Gonçalves, ob. cit., pp. 134 e 135, refe-

re na definição do conceito de «afinidade manifesta dos produtos ou serviços marcados»: «[...] para além do cri- tério da finalidade e utilidade dos produtos e serviços a doutrina refere ainda o critério da natureza (estrutura) dos produtos e serviços e o critério dos circuitos e hábitos de distribuição dos produtos e serviços [...] É óbvio que quando todos os critérios puderem con-

correr num caso concreto, o conceito de afinidade sai cla- ramente reforçado. O facto de os produtos ou serviços confrontados se destinarem à mesma finalidade e à satis- fação da mesma utilidade, terem a mesma natureza e se- rem distribuídos, vendidos ou prestados através dos mes- mos circuitos de comercialização, de modo simultâneo, indicia, com maior margem de segurança, a existência de afinidade manifesta.» Na definição do conceito de «afinidade manifesta dos

produtos ou serviços marcados», a jurisprudência tem sido praticamente unânime em realçar o facto de os produtos ou serviços serem concorrentes no mercado tendo a mes- ma utilidade e fim - cf., por todos, os Acórdãos do Su- premo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 1984, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.° 340, p. 416, e de 9 de Abril de 1992, publicado no Boletim da Propriedade Industrial, n.° 1/93, p. 9. Nas alegações de recurso a apelante formulou o pedido

de restrição do objecto de protecção da marca Stroliimeic, declarando expressamente que esta marca devia ficar pro- tegida para assinalar «preparações e substâncias farmacêu- ticas anticâncer». Ainda que este pedido não seja um pedido novo, uma

vez que se contém no pedido de registo inicialmente for- mulado, entendeu a 1.ª instância, e bem, que nenhum re- levo podia ter na apreciação do recurso a afirmação de pretender restringir a protecção da marca Strommex de modo a assinalar apenas preparações e substâncias farma- cêuticas anticâncer, pois que o que relevava era o pedido efectivamente formulado pela requerente perante o INPI. Ora, a 1.ª instância, tomando em consideração o objec-

to das duas marcas à data em que foi proferida a decisão do INPI, considerou que a afinidade dos produtos era manifesta, pois ambas as marcas se destinavam a proteger produtos da mesma natureza e pertencentes à mesma clas- se: «preparações e substâncias farmacêuticas», uma, «pro- dutos farmacêuticos e veterinários», a outra. Assim, en- tendeu que a decisão do INPI «de que entre as marcas, registanda e registada, se verificavam cumulativamente os requisitos do conceito jurídico de imitação previsto no artigo 193.° do CPI» era uma decisão correcta em face dos elementos apurados, decisão com que esta Relação con- corda inteiramente. Porém, após ter sido proferida a decisão do INPI (7 de

Março de 1997) e de a mesma ter sido publicada no Bo- letim da Propriedade Industrial (30 de Junho de 1997), e na pendência do recurso, foi declarada a caducidade da marca internacional n.° 548 556, Stromos, para os seguin- tes produtos da classe 5.ª: «Produtos farmacêuticos e ve- terinários, substâncias dietéticas para uso medicinal, ali- mentos para bebés» (9 de Dezembro de 1997); tendo a apelante juntado aos autos documento comprovativo de que havia requerido ao INPI, em 12 de Agosto de 1997, a caducidade daquela marca relativamente àqueles produtos, com o fundamento decorrente da alínea a) do n.° 1 do

artigo 216.° do CPI, preceito que se deve conjugar com o disposto no artigo 195.° do CPI. Tal facto trata-se de um facto superveniente, uma vez

que ocorreu depois de ter sido proferido o despacho do director do Serviço de Marcas do INPI (7 de Março de 1997) e, por isso, não foi nem podia ter sido tomado em consideração pela Administração quando foi proferido aquele despacho. Não obstante, a 1.ª instância, tomando em considera-

ção o objecto das duas marcas, mesmo depois da declara- ção de caducidade parcial da marca Stromos para os pro- dutos já referidos, considerou que, embora da marca registada tivessem saído os elementos de maior afinidade, ainda existiam suficientes afinidades entre os produtos assinalados por uma e outra das marcas e concluiu que continuavam a existir semelhanças entre as duas marcas que implicavam a susceptibilidade de poderem, facilmen- te, induzir em erro ou confusão o consumidor normal, daí que tenha negado provimento ao recurso, mantendo o despacho de 7 de Março de 1997 do director do Serviço de Marcas do INPI. Ora, ainda que se tome em consideração a restrição do

objecto de protecção da marca Strommex feita pela ape- lante nas alegações de recurso e o objecto da marca Stromos depois da declarção de caducidade parcial desta marca, verifica-se que, no caso da marca que se pretende registar, estamos perante «preparações e substâncias far- macêuticas para uso na imunologia e ou prevenção e ou tratamento do cancro», e, no caso da marca já registada, perante «produtos para chumbar os dentes e moldes dentários, desinfectantes, preparações para destruir animais nocivos, fungicidas e herbicidas». Porém, tendo sido eleminados no âmbito de protecção

da marca registada, os «produtos farmacêuticos e veteri- nários», nestes, em consequência, não se podem englobar os restantes produtos que a marca registada continua a proteger; por isso, afigura-se-nos não existirem semelhan- ças ou afinidade manifesta entre «preparações e substân- cias farmacêuticas para uso na imunologia e ou preven- ção e ou tratamento do cancro» e entre «produtos para chumbar os dentes e moldes dentários, desinfectantes, pre- parações para destruir animais nocivos, fungicidas e her- bicidas». Contudo, como já se referiu, estamos perante um re-

curso que visa a reapreciação da decisão proferida pelo INPI, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava a Administração no momento em que proferiu o despacho recorrido. Ora, funcionando a 1.ª instância como instância de recurso e ainda que a lei permita, em vários recursos, a apresentação de documentos super- venientes-artigos 706.°, 712.°, n.° 1, alínea c), 749.° e 771.°, alínea c), do Código de Processo Civil, esses do- cumentos não poderão respeitar a factos novos super- venientes. Ora, a declaração de caducidade parcial do registo da

marca internacional n.° 548 556, Stromos, para os produ- tos atrás referidos respeita a um facto novo superveniente, ocorrido posteriormente ao encerramento da discussão no procedimento administrativo [artigos 506.°, n.° 3, alínea c), e 663.°, n.° 1, do Código de Processo Civil], e a alteração que a mesma consubstancia só produz efeitos e só podia ser considerada a partir da data em que essa caducidade foi declarada, daí que não releve na apreciação do despa- cho do INPI proferido em 7 de Março de 1997.

Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em negar pro- vimento ao recurso e, ainda que com diferente fundamen- to, confirma-se a decisão recorrida. Custas pela apelante.

Lisboa, 17 de Outubro de 2000. - (Assinaturas ilegí- veis.)