racismo e espiritismo_eugenio lara

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    RACISMO E ESPIRITISMOEugenio Lara

    Nadie nace como quiere. Es una cuestin honda la del destino humano. Este mismo orgulloso,esquivo y puritano, bien pudiera haber nacido en Africa, y el desdeado hubiera nacido hecho unrubio nrdico. La situacin hubiera sido inversa ... Que piensen en ello aquellos que se sientenSuperiores por tener alba la piel. La superficie clara o oscura no indica ninguna superioridad oinferioridad.

    David Grossvater

    1. INTRODUO2. O RACISMO3. AS RAZES DO RACISMO BRASILEIRO4. DEMOCRACIA RACIAL E MISCIGENAO5. AX E NEGRITUDE

    6. CONDICIONAMENTO PSICO-SOCIAL7. O ESPIRITISMO E O RACISMO

    8. KARDEC ERA RACISTA?9. OS ESPRITAS E O RACISMO10. RACISMO ATVICO11. CONCLUSO12. NOTAS

    13. BIBLIOGRAFIA

    1. INTRODUO

    O presente trabalho uma modesta abordagem do racismo e suas vrias implicaes, sob atica da filosofia esprita. So reflexes sobre a presena desse sistema sectrio de pensamento nasociedade, e que tantos prejuzos tem trazido para a paz e a fraternidade entre os homens.

    O que o racismo? Como se d sua presena de modo to marcante na sociedade brasileira eno prprio movimento esprita? So algumas questes, dentre outras, que esse trabalho procuraabordar, com a inteno de atingir os seguintes objetivos:

    1. Abordar as razes histricas do racismo e seus efeitos no comportamento das pessoas,segundo condicionamentos psicossociais introjetados pela nossa cultura, amplamente influenciadapor pr-conceitos de origem.racista; a questo do racismo hoje e do movimento negro, procurandoidentificar algumas de suas influncias no movimento esprita.

    2. Tecer algumas crticas a determinadas conceituaes e colocaes de Espritos e espritas,ainda marcadas pelo religiosismo e a viso idealista do processo histrico, que escamoteia overdadeiro sentido do papel do negro na histria e na sociedade.

    3. Analisar a posio de Allan Kardec em relao ao negro, sob o ponto de vista tico, esttico eespiritual. At que ponto o fundador do Espiritismo foi preconceituoso em relao a essa etnia? Teriaele sido racista em suas reflexes sobre a raa negra?

    4. Expor a viso esprita:a. Do homem como um cidado do universo que , transcendente etnia, religio,

    nacionalidade, etc.

    b. Da reencarnao, cuja concepo esprita contribui para a destruio dos preconceitos decasta e de cor.

    2. O RACISMO

    O racismo, segundo a acepo do Novo Dicionrio Aurlio a doutrina que sustenta asuperioridade de certas raas. Enquanto sistema de pensamento, o racismo teve as suas primeirasteorizaes no sculo passado, na Frana.

    O Conde de Gobineau foi o principal terico das teorias racistas. Sua obra, Ensaio Sobre aDesigualdade das Raas Humanas (1855), lanou as bases da teoria arianista, que considera a raa

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    branca como a nica pura e superior s demais, tomada como fundamento filosfico pelos nazistas,adeptos do pan-germanismo.

    O racismo caracteriza-se como um sistema segregacionista por natureza, uma ideologia queprega a supremacia de um povo, de uma raa, ou mesmo de uma cultura sobre outras, expressando-se de diversas maneiras: em nvel cultural, religioso, biolgico. Na concepo de valores, e em nvelinstitucional, legalizado.

    um fenmeno de carter universal. Os judeus, na Antigidade, comportavam-se de modoracista ao se considerarem como o povo eleito pelo Deus-Jeov e ao discriminarem os outros povos,chamados por eles de gentios.

    Para o romano, todo aquele que no participasse de sua cultura era chamado pejorativamentede brbaro. Os espanhis, que trucidaram os povos pr-colombianos, consideravam-nos como seresinferiores, o mesmo ocorrendo no Brasil com os bandeirantes portugueses em relao aos indgenasbrasileiros.

    Apesar de ser um sistema que no se limita somente discriminao do negro, o racismo hoje quase sinnimo de perseguio raa negra, bastando se reportar ao extinto regime racista doapartheid, na frica do Sul e o racismo brasileiro, marcante na concepo de valores e escamoteadopelo mito da democracia racial.

    No Brasil, passados mais de 100 anos da promulgao da Lei urea, em 13 de maio de 1888,que libertou (legalmente) os negros da escravido, h muito ainda por ser conquistado a fim de queo negro tenha, de fato, sua dignidade garantida e respeitada.

    3. AS RAZES DO RACISMO BRASILEIRO

    As razes do racismo brasileiro, que se caracteriza principalmente pela discriminao do brancosobre o negro, encontram-se no Brasil Colonial e se acham vinculados historicamente escravatura.

    A escravido negra foi a soluo do capitalismo comercial para a explorao das colnias, portratar-se de mo-de-obra barata, tornando-se o Brasil e diversas outras colnias, numa das molasmestras de todo o sistema econmico colonial.

    Na medida em que o capitalismo europeu foi superando sua fase comercial e monopolista, parase constituir no capitalismo industrial, em meados do sculo passado, o antigo sistema colonial,mantido por Portugal e Espanha, duas superpotncias em franco perodo de decadncia, torna-se umgrande obstculo livre circulao de mercadorias, agora industrializadas. A manufatura tende aceder seu lugar indstria e o comerciante, ao industrial.

    A lgica do capital conduz expanso de mercados. A mo-de-obra escrava, por ser barata,reduzia enormemente os custos indiretos da produo brasileira, cujos produtos, no mercadointernacional, eram um dos mais baratos, concorrendo com os produtos de pases europeuscolonizadores. Era preciso acabar com a escravido para que se abrissem novas frentes de mercado,de modo que os produtos brasileiros deixassem de concorrer com os europeus.

    A Inglaterra, primeiro pas a se industrializar, passa a pressionar Portugal para que elimine aescravido no Brasil. Em conseqncia da invaso das tropas de Napoleo Bonaparte a Portugal, D.

    Joo VI e a famlia real portuguesa transferem-se para o Brasil em 1808. A Inglaterra d todo o apoioa Portugal em troca da abertura dos portos e da extino do trfico negreiro.

    Com a abertura dos portos, passam a surgir no Brasil diversas unidades produtivas. A Inglaterrae outros pases comeam a montar no Brasil as suas primeiras indstrias.

    Diversos fatores contriburam para a extino da escravido, notadamente os econmicos. Maspara extingui-los, foram necessrios longos anos de luta, j que teve ardorosos defensores em

    amplos setores da camada social. Alm de interesses econmicos, representados pelos senhores deengenho e posteriormente, pelos bares de caf, havia tambm interesses de carter psicolgico.Para a classe dominante, ter um escravo era sinnimo de status, de prosperidade. A Igreja,dominante na poca, pregava a idia absurda de que a escravido era algo natural porque Deusassim o permitia. Haja visto que a Igreja, ao lado dos traficantes, muito lucrou com a escravido. EmPortugal, por exemplo, a Ordem de Cristo tinha participao ativa na partilha dos lucros do comrciode escravos. O trfico negreiro era, sem dvida, uma interessante fonte de enriquecimento. Em 1850 aprovada a Lei Euzbio de Queirz, extinguindo o trfico negreiro, o primeiro golpe certeiro noescravismo. O trfico ainda persistiu durante muitos anos, revelia da legislao e de todas asrepreslias da Inglaterra, que fiscalizava, perseguia e at afundava os navios negreiros. Com aaprovao dessa lei, a abolio da escravido seria apenas uma questo de tempo.

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    Com a extino do trfico de escravos, a classe dos traficantes passa a investir seu capitalacumulado em outros setores da economia, aplicando-os na abertura de empresas comerciais efinanceiras. A partir da dcada de 50, inmeras indstrias surgem e a Inglaterra passa a investircapital no Brasil.

    A mo-de-obra escrava tendia, portanto, a se tornar escassa, criando um problema crnico paraos senhores de engenho e para os bares de caf, a nova aristocracia que surge a partir da dcadade 70, com a expanso da lavoura cafeeira. Aps a decadncia da cana-de-acar, do algodo e dotabaco, este ltimo utilizado como moeda no comrcio negreiro, o caf vem se caracterizar como ogrande produto de exportao e a ltima das grandes monoculturas.

    medida que o senso de valores da sociedade colonial evolui, a escravido passa a serconsiderada uma agresso dignidade humana, perdendo assim sua sustentao moral. Alm detodas as presses internacionais, no Brasil o movimento abolicionista ser o grande mediador dessansia de transformao, de indignao generalizada dos setores mais politizados da sociedade.

    Desde 1822, com a proclamao da Independncia, o movimento abolicionista vinhaconquistando um espao de influenciao cada vez maior junto opinio pblica. De incio, essemovimento se caracteriza pela reunio de intelectuais e profissionais liberais comprometidos comideais humanitrios. Mas, com o passar do tempo, ir assumir caractersticas polticas e atrevolucionrias. Se de incio agia na legalidade, a partir da dcada de 80 passa a praticar o que hojechamaramos de desobedincia civil, agindo na ilegalidade, em espaos alternativos de atuao,praticando uma espcie de luta underground, incentivando fugas de escravos, financiando revoltase apoiando a formao de quilombos.

    H de se considerar, contudo, em todo esse processo de emancipao, que o negro no foi umsimples objeto. Ele tem de ser considerado como sujeito de sua prpria histria.

    Com as recentes pesquisas historiogrficas acerca do papel do negro nas rebelies e naformao de quilombos, torna-se hoje insustentvel a tese de que ele tivesse tipo um papel passivo esubalterno no processo de abolio da escravatura.

    O quilombo, agrupamento alternativo que reunia escravos fugidos, ndios, mestios e atcriminosos, foi o smbolo mximo da resistncia e da revolta negra no Brasil colonial. O maisimportante deles, o Quilombo de Palmares, foi uma grande confederao de quilombos, e chegou areunir cerca de 20.000 quilombolas. Resistiu ao poder durante mais de 60 anos (de 1630 a 1695),sendo finalmente massacrado cruelmente por Domingos Jorge Velho e suas tropas, bandeiranteresponsvel pelo assassinato de milhares de indgenas, e ainda considerado pela historia oficial comoum dos grandes vultos da nossa histria.

    Como afirmamos no incio, uma srie de fatores contriburam para a abolio da escravatura.

    Todavia, o golpe de misericrdia foi a imigrao europia: soluo encontrada pelos bares de cafpara suprir a escassez de mo-de-obra.

    Com o avano das foras produtivas e das relaes de produo, a velha ordem colonial noatendia mais aos interesses do capital, que passa a exigir uma mo-de-obra mais qualificada. Mesmoa importao de escravos do norte do pas no conseguir abastecer de mo-de-obra as lavourascafeeiras e as novas unidades produtivas. A mo-de-obra escrava, alm de ser cara e insuficiente,no atendia s necessidades das novas relaes de produo, redundando o seu uso em um atrasoeconmico nas manufaturas existentes.

    O imigrante europeu constituiu-se na grande soluo desse problema de mo-de-obra. E ascondies climticas do sul do pas favoreciam essa nova corrente migratria. O escravo torna-seobsoleto e a forma de trabalho assalariado passa a ser mais vantajosa para o patro.

    A partir de 1870, o Brasil ser o nico pas do Ocidente a manter o regime de escravido,significando com isso, um atraso econmico que ainda no foi superado. As presses internacionais e

    nacionais se intensificam. O movimento abolicionista ganha mais fora. Em 1871 aprovada a Lei doVentre-Livre. Hbil manobra do poder e que resultou num certo arrefecimento do abolicionismo, queressurge com todo seu vigor a partir da dcada de 80 em todo o pas. Em 1883, o movimento unificado pela Confederao Abolicionista.

    A enorme capacidade de persuaso dos abolicionistas, seu ativismo e idealismo, formam ogrande catalisador da derrubada da ordem escravista. Jos do Patrocnio, o Tigre da Abolio,

    Joaquim Nabuco, Lus Gama, dentre outros, foram abolicionistas brilhantes, grandes lideranasurbanas, cuja atuao contribuiu significativamente para a abolio da escravido. No plano daliteratura, a obra potica de Castro Alves se constituir numa grande contribuio causa, quase domesmo modo que a obra literria do escritor norte-americano Harriet Breecher Stow, A Cabana doPai Toms (1852).

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    Os movimentos de evaso, de fuga dos escravos se intensificam. Em 1884, no Cear, osescravos so libertados. Falta apenas formalizar o fim da escravido. No h mais sustentaoalguma para a sua existncia.

    Em 13 de maio de 1888, a Regente Princesa Isabel, que substitua seu pai, Dom Pedro II,afastado do trono por motivos de sade, sanciona a lei n 3.353, a Lei urea, composta de apenasdois artigos:

    Artigo 1 declarada extinta a escravido no Brasil. Artigo 2 Revogam-se as disposies emcontrrio.

    E com isso liberta quase um milho de escravos em todo o Pas.Indubitavelmente, a abolio dos escravos foi o resultado lento e gradual de mudanas

    estruturais na economia internacional e nacional, oriundas da transio do capitalismo monopolistapara o industrial.

    Durante muito tempo a escravido foi analisada sob um ponto de vista ingnuo. Sua abolio,fruto do idealismo dos abolicionistas e da misericrdia da Princesa Isabel, a Redentora. Essa versoideolgica da histrica ainda ensinada nas escolas, segundo uma interpretao idealista doprocesso histrico, que considera os fatos histricos como entidades independentes, autnomas e osgrandes vultos como sujeitos determinantes de toda a realidade histrica, sem considerar toda adinmica de seu processo de transformao.

    Se de um lado a Lei urea libertou legalmente os negros-escravos, de outro, eles foram jogadospela poltica imigrantista e racista num mercado de trabalho hostil e incapaz de absorv-los comomo-de-obra, em funo de sua desqualificao e despreparo para concorrer com o imigrante

    europeu. Como mo-de-obra desqualificada, ao negro restava os trabalhos mais insalubres. Da ascausas de um certo parasitismo em comparao com a mulher negra, que conseguia maisfacilmente emprego como lavadeira, empregada, faxineira e outros servios domsticos.

    Alm das barreiras econmicas, havia para o negro recm-sado da escravido, enormesbarreiras ideolgicas criadas pela ideologia racista, quase que intransponveis. Parafraseando JoelRufino dos Santos, os negros de hoje so despossudos histricos, descendem de pessoas quenunca tiveram nada, nem sequer a posse do seu prprio corpo.

    4. DEMOCRACIA RACIAL E MISCIGENAO

    Preto s come carne quando morde a lngua, o preto, quando no apronta na entrada,apronta na sada, o preto bem dotado, a negra boa pr transar mas no serve para casar,

    um negro de alma branca, servio mal feito servio de preto, o preto indolente, preguioso,no gosta de trabalhar, neguinho, pretinho, tio, nego, crioulo, etc. e etc. Frases, piadas,expresses e pechas como essas, so por demais conhecidas. Expressam bem o quanto o brasileiro preconceituoso.

    O racismo brasileiro, ainda escamoteado e acobertado pelo mito da democracia racial, umestigma, uma ndoa presente na mente do povo brasileiro e que faz parte do cotidiano de todos ns.

    Como vimos, as razes do racismo contra o negro, no Brasil, tambm tm sua origem noperodo da escravido. Mas podemos encontrar o racismo em teorias, em formulaes filosficas que,pelo menos em nosso Pas, fundamentaram durante muito tempo o preconceito racial e a supostasuperioridade do branco.

    o caso da teoria arianista da miscigenao, que considerava a inferioridade econmica ecultural do Brasil como conseqncia da miscigenao, da mistura entre as raas.

    Raimundo Nina Rodrigues, ensasta, etngrafo e socilogo, um dos primeiros a estudar o

    comportamento dos negros brasileiros, e Slvio Romero, ensasta e historiador, foram, no comeo dosculo, os principais elaboradores da teoria arianista, que considera a raa branca como sendosuperior s demais.

    A partir da dcada de 30, com o lanamento da clebre obra Casa Grande e Senzala (1933), osocilogo Gilberto Freyre passa a questionar a tese arianista e prope a tese da democracia racialbrasileira. A miscigenao, ao invs de ter sido um mal, foi um bem, segundo o socilogo,proporcionando o convvio democrtico entre as raas, sem conflitos, sem discriminao. Tese aindapredominante nos meios culturais e freqentemente disseminada nos meios de comunicao.

    Ser a partir de estudos elaborados por Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso,dentre outros, que o mito da democracia racial vai ser revisto, colocando a situao do negro noBrasil sob uma tica mais crtica, sem romantismos, tentando esmiuar as contradies do contextode discriminao racial em que o negro se acha inserido, desde a escravido.

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    5. AX E NEGRITUDE

    Aps a dcada de 70, principalmente em seu final, o movimento negro no Brasil se dinamiza. Aexemplo do black power norte-americano no final da dcada de 60, o movimento negro brasileiropassa a valorizar as razes de sua prpria cultura. a idia de negritude, uma espcie de posturaquase que esttica em seu bojo, com relao cultura negra. o negro se assumindo como ser,assumindo sua aparncia, etnia, suas verdadeiras razes, sua cultura. Escolas de capoeira, afoxs,penteados e roupas caractersticas da cultura negra, constituem-se num movimento que culminoucom a comemorao dos 100 anos de libertao dos escravos.

    Reivindica-se o valor do negro na histria, a comemorao da libertao dos escravos no dia damorte de Ganga Zumbi, o grande lder negro de Palmares, em 20 de novembro, que consideradopelos movimentos negros de cunho mais progressista, como o Dia da Conscincia Negra.

    Grandes avanos foram conquistados pelos movimento negro, desde a poca de GetlioVargas, quando surgiu de modo mais destacado, significando um maior nvel de conscincia daexplorao do negro, de seus direitos. H, sem dvida, em funo desse maior nvel de politizao econscientizao, uma evidente diviso no movimento negro. Os movimentos atrelados ao poderainda se mantm fiis s tradies comemorativas do 13 de maio, enquanto outros setores dessemesmo movimento, com maior nvel de conscincia, questionam a forma como tem sidocomemorada a libertao dos negros. No dia 13 de maio de 1988, na capital, em So Paulo a

    comemorao da libertao dos escravos se dividiu em dois grupos distintos. De um lado, os negrosdo 13 de maio, e de outro, os negros do 20 de novembro, evidenciando o grau de divisoexistente, sem significar, contudo, um retrocesso.

    Em todo o mundo, no d mais para suportar regimes racistas como foi o do apartheid, quehoje apenas uma referncia vergonhosa na histria da humanidade. Para eliminar esse cncer,diversos movimentos se engajaram em defesa dos direitos humanos. Campanhas de solidariedade,concertos de rock contra o apartheid foram realizados, em apoio luta do ex-preso poltico NelsonMandela, o grande ativista negro sul-africano, guindado condio de lder de sua nao, com avitria nas eleies multirraciais.

    Comemorar o 13 de maio ou o 20 de novembro denunciar o grau de explorao do negroem nossa sociedade, resgatar o seu valor na cultura. Ax! cantam os negros em todos os meios decomunicao..

    6. CONDICIONAMENTO PSICO-SOCIAL

    O racismo brasileiro tambm camuflado, escamoteado pela ideologia dominante de que todosso iguais, com iguais oportunidades e direitos, e portanto, se h negros que no chegam l,no ascendem na escala social, porque so preguiosos e no gostam de trabalhar. O prprionegro, se fracassa, considerado culpado apenas pelo fato de ser de pele escura, e por isso,inferior ao branco.

    Para demonstrar essa falcia da sociedade racista, tomam-se como exemplo de comprovaode sua ideologia, indivduos que conseguiram subir na vida. O caso de Pel o mais evidente. Elerepresenta hoje um dos smbolos mximos da inexistncia de preconceito e discriminao raciais,um negro de alma branca.

    Mesmo aqueles que negam o rtulo de racista, em funo de uma espcie de condicionamento

    psico-social, cultural, assumem comportamentos racistas. o branco que se julga superior. o negroque, introjetando a discriminao racial, se acha inferior e incapaz.Os fatores scio-culturais influenciam o comportamento e produzem, indubitavelmente,

    condicionamentos psicolgicos, complexos em seu dimensionamento. Devido a essescondicionamentos, o negro se nega a si mesmo.

    Para muitos, o caso do cantor negro, ou ex-negro, Michael Jackson, que alisou o cabelo, fezplstica para mudar seus traos fisionmicos e embranqueceu, segundo ele, em funo de umadoena da pele. Quem compara esse cantor norte-americano dos tempos do conjunto Jackson Fivecom o de hoje, v uma diferena brutal. Antes era negro, atualmente quase branco.

    Nos Estados Unidos, como no Brasil, negro s mesmo famoso atravs da msica ou doesporte. Como cantor de rock ou de samba, jogador de futebol, basquete ou lutador de boxe. Vide oexemplo do lutador brasileiro Maguila, que se tornou famoso da noite para o dia.

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    O racismo brasileiro ainda escamoteado por diversos smbolos criados pelo mito dademocracia racial. A mulata, o samba, o carnaval, a feijoada, o futebol, orgulhos de nossa cultura,apresentados como uma espcie de cone, so componentes simblicos de uma cultura hipcrita queno se assume como racista. No entanto, o modelo brasileiro de beleza no a mulata. Basta ver aquantidade de mulatas que ganhou o concurso de miss Brasil. quase zero. O modelo que nos passado o da animadora Xuxa, a apresentadora e escritora Bruna Lombardi, a atriz e ex-missBrasil, Vera Ficher, todas brancas. Na msica, mesmo com a moda do pagode, do rap, do funk e doreggae, o que mais se ouve a msica enlatada norte-americana, da pior qualidade, e feita em suagrande maioria por brancos.

    A contribuio do negro para a cultura, de um modo geral, ainda considerada secundria,restringindo-se msica, culinria, nada mais.

    Em 1951, com a aprovao da Lei Afonso Arinos, a discriminao racial foi colocada nailegalidade, sem direito a fiana. Todavia, apesar dessa lei, a violncia contra os negros prossegue. Adistncia entre a casa grande e a senzala ainda no foi superada. Basta ver no mercado detrabalho, a discriminao que existe, onde os no negros conseguem os melhores postos. Emdiversas reas profissionais, o trabalhador negro possui, amide, um salrio inferior ao do branco. Equem no tiver boa aparncia, no consegue a vaga. Ou seja, as exigncias curriculares mostram demodo velado a discriminao racial. muito alta a quantidade de negros que so presos econdenados. J os crimes do colarinho branco, so quase impossveis de serem reprimidos.

    Foi somente a partir da dcada de 40 que o negro passou a ser incorporado de modo maisefetivo a um novo mercado de trabalho, isso aps o intenso processo de industrializao iniciado

    durante a ditadura Vargas. As oportunidades apenas aumentam, j que anteriormente, em funo deuma poltica racista, de apoio e proteo aos imigrantes europeus, havia um fosso entre os brancostrabalhadores e os negros ex-escravos. Todavia, o negro ainda o que se encontra mais sujeito aodesemprego. no em funo de sua suposta incapacidade ou inferioridade, mas por condicionantesscio-econmicos, oriundos do passado escravocrata. Ainda hoje, no mercado de trabalho da GrandeSo Paulo, muito comum a associao dos negros e mulatos aos nordestinos, chamadospejorativamente de cabecinhas ou baianos De todos os lados o negro vtima do preconceito eda discriminao raciais, constituindo-se no caso citado, em uma dupla discriminao, ao negro e aonordestino. E nem seria necessrio de se fazer uma pesquisa mais criteriosa, a fim de se constatarque na burguesia, quase inexistem negros. No mximo, eles conseguem se situar na camada mdiada sociedade, da para baixo. Obviamente as excees existem, como no caso de Pel, Maguila, dosmsicos Gilberto Gil e Jorge Ben Jor, etc. mas cuja ascenso social, como vimos, est associada,quase sempre, diretamente ao esporte ou msica.

    7. O ESPIRITISMO E O RACISMO

    A destruio dos preconceitos de casta e de cor um dos objetivos do Espiritismo. Isso bemclaro na kardequiana.

    O progresso da civilizao passa, necessariamente, pela abolio de toda e qualquer forma depreconceito. O Espiritismo, destruindo os preconceitos de seita, de casta e de cor, ensina aoshomens a grande solidariedade que os deve unir como irmos.

    Nesse aspecto, do progresso da Humanidade, o Espiritismo pode ter uma influncia muitoimportante, devido ampla viso que oferece, do homem, da sociedade e do cosmos. Antes de seachar sujeito a determinada cultura, nacionalidade, etnia ou religio, o homem um ser csmico, umcidado do universo. Esse princpio, se bem compreendido, faz ver a realidade sob uma outra tica,

    sem os preconceitos generalizados que se encontram ainda arraigados na alma humana. Para osEspritos elevados, a ptria o Universo; na Terra, aquela em que possuem maior nmero depessoas simpticas.

    Pelo entendimento dos mecanismos que regem a lei da reencarnao, a superioridade quecertos grupos tnicos atribuem a si torna-se insustentvel e at ridcula. Esse tipo de posturadiscriminatria, existente nas relaes entre os diferentes grupos tnicos, ao lado de diversos fatoresde ordem poltica e econmica, tem gerado as desigualdades sociais no nosso planeta, constituindo-se num enorme obstculo para a construo de uma sociedade mais fraterna e igualitria. Afirmaramos Espritos a Allan Kardec que essas desigualdades um dia desaparecero, juntamente com apredominncia do orgulho e do egosmo, restando to somente a desigualdade de mrito. Chegarum dia em que os membros da grande famlia dos filhos de Deus no mais se olharo como de

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    sangue mais ou menos puro, pois somente o Esprito mais puro ou menos puro, e isso no dependeda posio social.

    Segundo Kardec, todos os homens so submetidos s mesmas leis naturais, todos nascemcom a mesma fragilidade, esto sujeitos s mesmas dores e o corpo do rico se destri como o dopobre. Deus no concedeu, portanto, superioridade natural a nenhum homem, nem pelo nascimento,nem pela morte, todos so iguais diante dEle.

    A mentalidade racista produziu, na histria da humanidade, situaes extremadas dediscriminao racial, como a escravido dos negros africanos, considerada pelo Espiritismo comosendo contrria Natureza, pois assemelha o homem ao bruto e o degrada moral e fisicamente.

    Os homens tm considerado, h muito, certas raas humanas como animais domesticveis,munidos de braos e de mos, e se julgam no direito de vender os seus membros como bestas decarga. Consideram-se de sangue mais puro. Insensatos, que no enxergam alm da matria! No osangue que deve ser mais ou menos puro, mas o Esprito.

    A idia de que o homem possa encarnar como branco, negro, mulato ou ndio, estabelece umaruptura com o preconceito e a discriminao raciais. Tanto que at hoje, na Inglaterra, muitosadeptos do Neo-espiritualismo rejeitam a tese da reencarnao, por no admitirem a possibilidade deterem tido encarnaes em posies inferiores quanto raa e condio social. Afinal, como sesentiria um indivduo de mentalidade racista encarnado em uma raa que considere inferior? Nessesentido, as questes que reproduzimos abaixo so bem elucidativas.

    205. Segundo certas pessoas, a doutrina da reencarnao parece destruir os laos de famlia,fazendo-os remontar s existncias anteriores.

    Ela os amplia, em vez de destru-los. Baseando-se o parentesco em afeies anteriores, oslaos que unem os membros de uma mesma famlia so menos precrios. A reencarnao amplia osdeveres de fraternidade, pois no vosso vizinho ou no vosso criado pode encontrar-se um Esprito quefoi de vosso sangue.

    205-a. Ela diminui, entretanto, a importncia que alguns atribuem filiao, porque se pode tertido como pai um Esprito que pertencia a uma outra raa, ou que tivesse vivido em condio bemdiversa?

    verdade, mas essa importncia se baseia no orgulho. O que a maioria honra nosantepassados so os ttulos, a classe, a fortuna. Este coraria de haver tido como av um sapateirohonesto, e se vangloria de descender de um gentil-homem debochado. Mas digam ou faam o quequiserem, no impediro que as coisas sejam como so, porque Deus no regulou as leis daNatureza pela vossa vaidade.

    A diversidade das raas, condio natural do aparecimento do homem na Terra, resultado do

    clima, da vida e dos hbitos , no significa, de modo algum, que os homens estabeleam juzos devalor discriminatrio, quanto origem tnica de determinados grupos sociais. Para o Espiritismo,todos os homens so irmos em Deus, porque so animados pelo mesmo esprito e tendem para omesmo alvo.

    O preconceito e a discriminao raciais constituem tambm o grande conjunto decircunstncias existenciais a que os Espritos reencarnantes esto sujeitos. Um Esprito, reencarnadonum corpo de origem negra, estar sujeito discriminao e isso lhe ser uma condio, umacontigncia evolutiva a ser superada. Para uns pode ser uma expiao, para outros uma misso ,uma nova oportunidade de aprendizado, j que as experincias que ele experimentar como negro,sero bem diferentes das de outro que reencarne como branco, em funo das desigualdadessociais.

    Essas desigualdades so um mal que precisa ser eliminado. Todavia, devido Lei de Progresso,tambm so um bem. Ou seja, so utilizadas sabiamente pela Natureza, no aprimoramento intelecto-

    moral dos Espritos.Portanto, dentro da concepo esprita, no se sustentam vises fatalistas, crmicas, quevisualizem Espritos reencarnados em corpos de origem negra como culpados, algozes do passado. Aculpa, se houver, ser apenas uma condio psicolgica, imposta pela prpria conscincia do Espritoreencarnante, sem relao alguma com arbitrariedades supostamente delegadas pelo planoespiritual superior.

    So essas concepes fatalistas, baseadas na culpa e no pecado, que levam muitos espritas eEspritos a considerarem os escravos negros como inquisidores, cruzados e senhores feudaisreencarnados, ou judeus massacrados pelos nazistas como hebreus reencarnados. Essas concepestm mais a ver com a formao religiosa de certos espritas e Espritos do que com a visoevolucionista do Espiritismo. Trata-se de uma concepo distorcida da reencarnao que, ao invs de

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    servir como um poderoso instrumento de compreenso do processo evolutivo dos seres e das coisas,funciona como fator de alienao, de ocultamento da realidade.

    Com que finalidade um senhor de engenho, por exemplo, tem de reencarnar como negro esofrer as mesmas dores que fez os escravos sob o seu poder sofrerem? Seria assim o mecanismo dareencarnao?

    Os seres humanos no so coisas, objetos que, sujeitos a uma lei de causa e efeitoindependente de sua realidade intelecto-moral, tenham que se submeter a reaes esquemticas,cartesianas. H uma lgica no processo palingensico, mas ela est longe de ser uma lgicamecanicista. Ao contrrio, a concepo esprita da palingenesia nos leva a pensar o processoevolutivo como um continuum catico, dialtico, contraditrio. Isso no significa que inexista umaordem, necessria e inexorvel, ainda desconhecida em sua estrutura bsica e no seu detalhamento.Aquele senhor de engenho, pela sua formao, pela sua inteligncia, pode contribuir muito mais parasi e para outros, se concretizar o seu arrependimento na reformulao do prprio processo evolutivo.Ele poder reencarnar, por exemplo, como um negro, que sentir a nsia, a paixo de lutar pelalibertao de sua raa, de modo que muitos benefcios poder trazer para a eliminao do racismo.Se tiver vocao pela poltica, poder lutar de modo perseverante a favor da abolio de qualquerresqucio, nas leis e na cultura, de preconceitos contra a raa negra, beneficiando assim,indiretamente, aqueles que ele prprio prejudicou em outras existncias. E assim por diante.

    As variveis so muitas, principalmente por que estamos lidando com seres, cuja liberdadevolitiva os afasta de qualquer esquema crmico, a no ser que eles mesmos prefiram seguir, poralgum processo de culpa ainda muito pouco esclarecido, um caminho onde possam vir a expiar a

    mesma dor que em outros eles provocaram, a fim de sentir o mal na mesma pele. tambm umcaminho possvel, mas que no se constitui em lei, em regra, em um princpio que sirva a todos osseres. Foi o caminho escolhido por determinado Esprito, apenas isso.

    Uma mesma causa pode gerar uma infinidade de efeitos. Isso em relao a objetos. J emrelao s pessoas, a a situao se torna ainda mais complexa. A dificuldade de se equacionar, nocaso em questo, o fenmeno palingensico, se amplia. Ainda mais por que ele um fenmeno pral de fractal. So muitos os componentes, os fatores de influenciao extremamente variveis. Trata-se de uma equao com n incgnitas.

    Por a d para se perceber que a viso mesquinha e rasteira do negro como uma criaturasupostamente inferior, apenas por que nele se encontra reencarnado um esprito culpado, no secoaduna com a filosofia esprita, libertria por natureza. como se reproduzssemos o racismo numanova verso, numa espcie de racismo crmico, que iria justificar a segregao racial, como foi eainda feito em alguns pases. Basta ver os conflitos tnicos que h muitos sculos existem na ndia,

    desde o tempo dos brmanes, passando pela poca de Gandhi at hoje. a reencarnao a serviodo racismo.

    Uma doutrina de liberdade, como a esprita, no compactua com nenhuma ideologia que vise adiscriminao racial entre os grupos sociais. O sectarismo racial, segundo o Espiritismo, tende a setornar coisa do passado. As pessoas e as naes evoluem. Segundo os Espritos, os mundostambm se acham submetidos lei do progresso. Todos comearam como o vosso, por um estadoinferior, e a Terra mesma sofrer uma transformao semelhante, tornando-se um paraso terrestre,quando os homens se fizerem bons.

    medida que a humanidade melhora em inteligncia e moralidade, todas as formas depreconceito e segregao tendero a desaparecer definitivamente. Nesse aspecto, o comentrio deKardec questo citada bem oportuno: Assim, as raas que atualmente povoam a Terradesaparecero um dia e sero substitudas por seres mais e mais perfeitos. Essas raastransformadas sucedero atual, como esta sucedeu a outras que eram mais grosseiras.

    Portando, dever dos espritas, imbudos pelo ideal renovador do Espiritismo, lutar por umasociedade mais justa e igualitria, onde o negro e todos os grupos tnicos oprimidos tenham os seusdireitos garantidos e respeitados.

    Como afirmou o socilogo Florestan Fernandes, o negro a pedra de toque da revoluodemocrtica na sociedade brasileira.

    A luta pela verdadeira democracia racial, uma luta que interessa no somente ao negro, masa todos os setores progressistas, inclusive aos espritas, que estejam efetivamente comprometidoscom o processo de transformao intelecto-moral da sociedade.

    8. KARDEC ERA RACISTA?

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    Mesmo partindo de um sentido esttico duvidoso, para desembocar numa concluso tica datipologia do negro, enquanto biotipo supostamente inferior ao branco, isso no significa, de modoalgum, que Kardec fosse racista. Isso seria contrrio aos seus princpios ticos e humanistas bemmanifestos na sua produo intelectual.

    O negro do sculo 19 no igual ao negro de hoje, pois com o advento da civilizao e daurbanizao das cidades, os negros africanos e de outros pases convivem em grupos sociais aptospara a encarnao de Espritos de maior porte intelectual, em funo das leis de afinidade que regemo processo palingensico.

    H de se considerar ainda que, no sculo passado, o conhecimento dos europeus sobre acultura africana era escasso. Sociedades africanas de caractersticas totmicas coexistiam nessapoca, com culturas alhures bem organizadas, com uma forma notvel de organizao estatal, comrei, ministros, militares e funcionrios. O negro no era to primitivo assim como pensava AllanKardec.

    A viso kardequia do negro tem de ser considerada segundo o contexto histrico em que foiformulada. Seria incorreto, insistimos, sob o ponto de vista esprita, rotular Allan Kardec de racista,pura e simplesmente. Essa palavra possui uma carga semntica muito forte, inadequada para definirsuas posies. Seria o mesmo que tax-lo de machista, devido a suas posies em relao mulherou de direitista e ultra-reacionrio, pelas posies contrrias ao socialismo e ao movimento proletriofrancs.

    Todavia, no d para dourar a plula e ser condescendente com o fundador do Espiritismo. Elemanifestou, explicitamente, um preconceito em relao ao negro. Longe de ser racista, podemos

    afirmar que ele foi preconceituoso para com essa etnia. Mas, por outro lado, no h nenhum indciode que ele tenha discriminado algum indivduo ou grupo de origem negra, seja no movimentoesprita ou fora dele.

    H, claro, uma certa dificuldade terica em separar racismo de preconceito racial ediscriminao racial. A princpio, o preconceito e a discriminao raciais seriam uma decorrncia doracismo enquanto ideologia e sistema de pensamento. No entanto, h de se considerar ainda a brutaldiferena entre o comportamento de um membro da seita racista norte-americana Ku-Klux-Klan e ode um homem comum debochado que gosta de contar piadas de negro. Um punk skinhead capazde espancar e matar um homem apenas por ser negro ou judeu, enquanto o outro, em funo dacultura de tonalidade racista do qual subproduto, no passaria da piadinha jocosa e cheia depreconceito.

    Apesar da atitude preconceituosa de Kardec em relao ao negro, fruto do contexto em queviveu, sua obra sai ilesa de todas as crticas no sentido tico, de discriminao e preconceito a

    determinada etnia. A kardequiana muito maior do que qualquer triagem filosfica que possa serfeita, imperfeita como toda obra humana, mas coerente em seus fundamentos e to atual a ponto deoferecer sociedade elementos indispensveis na luta contra o racismo.

    9. OS ESPRITAS E O RACISMO

    A escravido tem sido encarada por uma grande parte dos espritas como uma expiaocrmica, um acerto de contas com a Divindade, sem considerar aspectos scio-econmicos epolticos, e sem perceber a presena da ideologia racista por detrs das injustias cometidas contra araa negra.

    Isso pode ser observado na obra do Esprito Humberto de Campos, Brasil Corao do MundoPtria do Evangelho, psicografada pelo mdium Francisco Cndido Xavier e lanada em 1938. Esta

    obra foi tomada como fundamento ideolgico e bssola do movimento esprita oficial brasileiro,especialmente pela Federao Esprita Brasileira (FEB), em.suas atividades missioneiras. Nessa obra mais do que evidente a predominncia de uma viso distorcida e metafsica da histria, como seesta estivesse subordinada diretamente aos desgnios do plano espiritual superior.

    Narra o Esprito Humberto de Campos que um tal de anjo Ismael, considerado por ele como osuposto guia espiritual do Brasil, em uma de suas audincias oficiais com o Cordeiro de Deus(Jesus), deixa transparecer sua angelical amargura, ao expor ao Cordeiro, sua preocupao paracom a escravido negra. O Cordeiro, com toda sua magnnima serenidade, acalma Ismael,dizendo-lhe que se no podemos tolher-lhes a liberdade, tambm no podemos esquecer que existeo instituto imortal da justia divina, onde cada qual receber de conformidade com os seus atos.

    Havia eu determinado que a Terra do Cruzeiro se povoasse de raas humildes do planeta,buscando-se a colaborao dos povos sofredores das regies africanas; todavia, para que essa

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    cooperao fosse efetivada sem o atrito das armas, aproximei Portugal daquelas raas sofredoras,sem violncias de qualquer natureza. A colaborao africana deveria, pois, verificar-se sem abalosperniciosos, no captulo das minhas amorosas determinaes.

    Afirma o Cordeiro que devido educao condenvel e deficiente do homem branco, seusdesgnios no estavam sendo cumpridos, e conclui: os que praticarem o nefando comrcio sofrero,igualmente, o mesmo martrio, nos dias do futuro, quando forem tambm vendidos e flagelados emidentidade de circunstncias (...) Colocarei a minha luz sobre essas sombras, amenizando todolorosas crueldades. Prossegue com as tuas renncias em favor do Evangelho e confia na vitria daProvidncia Divina.

    Ismael, insatisfeito, ainda insiste e pergunta ao divino Cordeiro, se no haveria possibilidadede orientar a poltica dominante, no sentido de se purificar o ambiente moral da Terra de SantaCruz.

    O Cordeiro responde que a ningum cabe cercear os atos de outrem e repete: cada um serjustiado na pauta de suas prprias obras.

    Faz ainda referncia aos portugueses colonizadores como o povo remanescente dos antigosfencios da antigidade, hoje afetados pelo orgulho oriundo da riqueza acumulada com as conquistas,e finaliza sua pregao dizendo a Ismael: se no nos possvel cercear o arbtrio livre das almas,poderemos mudar o curso dos acontecimentos, a fim de que o povo lusitano aprenda, na dor e namisria, as lies sagradas da experincia e da vida.

    Encerrada a audincia, Ismael retorna luta, cheio de fervorosa coragem, e osacontecimentos foram modificados pelo poder magnnimo e misericordioso do Cristo, o Cordeiro

    de Deus.Conforme a narrao do Esprito Humberto de Campos, foi dos ombros flagelados dos negros

    que nasceram lies comovedoras, imunizando todos os espritos contra os excessos doimperialismo e do orgulho injustificveis das outras naes do planeta, dotando-se a alma brasileirados mais belos sentimentos de fraternidade, de ternura e de perdo.

    E por que teriam os negros sofrido tanto com a escravido? Muito simples. Os escravos seriam,segundo Humberto, os antigos batalhadores das cruzadas, senhores feudais da Idade Mdia, padrese inquisidores, espritos rebeldes e revoltados, perdidos nos caminhos cheios da treva das suasconscincias polutas.

    Seguindo a lgica desse raciocnio crmico, os negros sul-africanos, vtimas durante muitasdcadas do apartheid, do racismo legalizado, seriam quase sem sombra de dvida, os traficantes deescravos, os senhores de engenho, os capites do mato, todos agora reencarnados nesse pas, parasofrerem as conseqncias de seus prprios atos. Posio insustentvel, como vimos, luz da

    filosofia cientfica do Espiritismo.Interessante que Humberto de Campos no faz meno aos ndios, vtimas de hediondo

    genocdio causado pelos bandeirantes portugueses. E os milhes de povos indgenas trucidadospelos espanhis? E a cultura inca, maia e asteca, todas trucidadas tambm pelos imperialistas deCastela? Teriam sido algozes do passado? Essa interpretao contbil do processo evolutivo dosseres e dos povos, perde-se numa cadeia sem fim, num emaranhado de projees mecanicistas dascircunstncias histricas. Quem teria atirado a primeira pedra? Aonde a origem de todo esse conflitoexistencial?

    No movimento esprita, as anlises que tm sido feitas da questo do racismo e da escravidonegra, deixam transparecer as influncias da teoria arianista, da viso positivista e idealista dahistria, que desconsidera os fatos em sua dinmica, em suas contradies. s observar a grandemaioria dos peridicos espritas, que em 1988, ano do centenrio da abolio, publicaram chamadas,ilustraes e artigos de consistncia duvidosa. Muitas destas publicaes deram em sua primeira

    pgina, a foto da Redentora, da Princesa Isabel, considerada a libertadora dos escravos, mas quena verdade, no processo de desagregao da ordem escravista, teve um papel subalterno esecundrio. J Humberto sustenta que a Redentora foi verdadeiramente missionria, quereencarnou com a tarefa definida no trabalho abenoado da abolio.

    Talvez, devido a essa tarefa supostamente assumida por Isabel no mundo dos Espritos, queD. Pedro II se afasta do trono por motivos de sade, deixando-o vago (!?). Na narrao deHumberto, nota-se que os Espritos teriam armado um esquema de bastidores, a fim de afastar oimperador e permitir a entrada, novamente em cena, da princesa pela terceira vez, para assinar ALei urea. at possvel que os Espritos tenham provocado o afastamento de D. Pedro II do trono.No entanto, pura ingenuidade considerar a Princesa Isabel como a grande protagonista dessecenrio histrico. Se ela no tivesse reencarnado no faria muita diferena. Pela prpria fora das

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    coisas, segundo a expresso dos Espritos, a escravido negra, em 1888, j estava dando os seusltimos suspiros.

    Costuma-se negar que haja qualquer tipo de influncia racista no movimento esprita. Noentanto, temos de considerar que esse um movimento onde a classe mdia predomina, trazendoconsigo para o seu interior, todos os preconceitos tpicos dessa camada social. Sem esquecer que naclasse mdia, a quantidade de brancos bem pequena.

    A classe dirigente do movimento espirita brasileiro , em sua grande maioria, de origembranca. Os negros so sempre minoria.

    Quantos dirigentes de centros espritas e sesses medinicas no tm negado a palavra adeterminados Espritos por se apresentarem como ndios e pretos velhos, julgando-os inferiores,devido ascendncia tnica de sua encarnao pregressa? O preto velho o que mais sofre. Muitasreceitas, ervas e chs que essa entidade receita, quando se manifesta em terreiros de umbanda, sadquiriram o seu devido valor quando obtiveram a chancela da medicina oficial. Comunicao nocentro esprita, nem pensar, mesmo que seja sem os aparatos tpicos a que ele est acostumado(charuto, marafo, roupa branca, vela, etc.).

    A respeito da manifestao de ndios e pretos velhos nas sesses medinicas, o filsofo espritaHerculano Pires tece interessante abordagem e analisa o espanto de algumas pessoas impregnadas,segundo ele, de antigos preconceitos. Herculano considera tambm a possibilidade de que taisfenmenos ocorrem no meio esprita como uma ao programada no sentido de mostrar ainiqidade das discriminaes raciais.

    O movimento esprita, como qualquer outro movimento, seja ele qual for, sofre as influncias

    do meio cultural. Na nossa cultura, o sentimento racista se expressa, como vimos, das mais variadasformas. Ela est toda impregnada por este sentimento, que condiciona os valores e ocomportamento dos grupos sociais. No h no movimento esprita o racismo manifesto. Ele no ummovimento como o dos skinheads, por exemplo, que se engajam em uma cruzada segregacionistacontra os negros, judeus e nordestinos. Todavia, as pessoas que o compem se acham mergulhadasnuma atmosfera tal que as conduz a comportamentos que poderamos classificar como racistas.Apesar de serem ideologicamente contra qualquer manifestao racista, podem assumir, semperceberem, comportamentos nitidamente discriminatrios em relao ao negro, at de modoinconsciente.

    Pode-se citar o exemplo do conhecido orador carioca Raul Teixeira, de origem negra, chamadode Divaldo Preto, dadas as semelhanas de sua oratria e gesticulao com a do conferencistabaiano Divaldo Pereira Franco. claro, que na maioria das vezes, esse apelido usado de modoaparentemente carinhoso, porm, j presenciamos situaes em que era evidente o preconceito

    racial, pelo modo jocoso como ele foi usado.Com o advento dos movimentos de conscincia negra, religies afro-brasileiras como a

    Umbanda, o Candombl, o Carimb, etc. passaram a ser mais valorizadas e encaradas comoautnticas manifestaes da religiosidade nacional, em que pese as influncias do cristianismo e doEspiritismo sobre elas.

    Afirma o jornalista Ubiratan Machado que ao lado do kardecismo, desenvolveu-se um vigorosoespiritismo popular.

    Em alguns momentos, a vitalidade deste chegou a parecer uma ameaa, porm, era apenasaparente. O caminho dos vrios espiritismos, apesar dos atalhos de ligao e das influnciasrecprocas, sempre foram distintos.

    Essa distino, colocada por Ubiratan Machado quanto s relaes entre o Espiritismo e asreligies sincrticas, entre os vrios espiritismos, atualmente ganha outras nuances com omovimento negro, a ponto de se estabelecerem ntidas peculiaridades entre Umbanda e Espiritismo,

    por exemplo, em nvel terminolgico e semntico. Isso porque, para muitos lderes negros,Espiritismo coisa de branco, elitista, e foi fundado por um branco europeu. E a Umbanda, umareligio de negros, uma religio de massas. Atravs dela o povo tem livre acesso manifestaomedinica, enquanto que o Espiritismo, pela sua prpria natureza filosfico-cientfica, confere a essasmanifestaes um tipo de tratamento diferenciado, metodolgico e bem mais reservado.

    De certo modo, o avano do movimento negro tem uma contrapartida favorvel divulgaodo Espiritismo. Na Bahia, por exemplo, onde os movimentos so bem organizados (vide Olodum,Afox Filhos de Gandhi, Timbalada, etc.), no existe a confuso que se faz, no sul do Brasil, entreEspiritismo e Umbanda, principalmente porque a religio afro-brasileira l bem desenvolvida edisseminada. Enquanto que no sul, alm do preconceito, h muita desinformao acerca desse tema.

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    10. RACISMO ATVICO

    A raa admica, constituda por Espritos emigrados de outros planetas, tese primeiramentedesenvolvida por Allan Kardec em A Gnese (cap. XI), ganhou desdobramentos atravs da obra doEsprito Emmanuel e do fundador da Aliana Esprita Evanglica, Edgard Armond.

    Para Emmanuel, foi com esses Espritos exilados de Capela, uma estrela da constelao deCocheiro, que nasceram no orbe os ascendentes das raas brancas.

    As raas negra e amarela, autctones, j existiam antes da branca, teoria reafirmada porEdgard Armond em sua obra, Os Exilados de Capela, conforme informaes colhidas do esoterismomas, segundo ele, atravs da inspirao. Para Armond, que se fundamenta claramente na tradioesotrica, a quinta raa, a branca, seria a ltima, no tempo, e a mais perfeita que apareceu na

    Terra, como fruto natural de um longo processo evolutivoEstes seriam os aryas, os homens da gloriosa quinta raa.O fundador do Espiritismo no faz referncia explcita ao surgimento da raa branca, a no ser

    na vinculao da raa admica figura de Ado, da esse nome. Mais adiantada do que as que atinham precedido neste planeta, a raa admica , com efeito, a mais inteligente, a que impele aoprogresso todas as outras. A Gnese no-la mostra, desde os seus primrdios, industriosa, apta sartes e s cincias, sem haver passado aqui pela infncia espiritual, o que no se d com as raasprimitivas.

    Kardec considera as raas negras, monglicas e caucsicas, como de origem prpria, nascidas,segundo ele, simultaneamente ou de modo sucessivo, em diversos pontos do planeta. Tese esta que

    corrobora as assertivas de O Livro dos Espritos, como se v no item IV, Diversidade das RaasHumanas (Livro Primeiro, cap. III - Criao) , que reproduzimos a seguir:

    52. De onde vem as diferenas fsicas e morais que distinguem as variedades de raashumanas na Terra?

    - Do clima, da vida e dos hbitos. D-se o mesmo que se daria com duas crianas da mesmame, que, educadas uma longe da outra e de maneira diferente, no se assemelhassem em nadaquanto ao moral.

    53. O homem apareceu em muitos pontos do globo?Sim, e em diversas pocas, e essa uma das causas da diversidade das raas; depois, o

    homem se dispersou pelos diferentes climas, e aliando-se os de uma raa aos de outras, formaram-se novos tipos.

    - 53-a. Essas diferenas representam espcies distintas?._ Certamente no, pois todospertencem mesma famlia. As variedades do mesmo fruto acaso no pertencem mesma espcie?

    54. Se a espcie humana no procede de um s tronco, no devem os homens deixar deconsiderar-se irmos?

    - Todos os homens so irmos em Deus, porque so animados pelo esprito e tendem para omesmo alvo. Quereis sempre tomar as palavras ao p da letra.

    Admitindo-se essa teoria, bem possvel que, por causa das caractersticas intelecto-moraisdos capelinos, bem superiores dos Espritos j reencarnados na Terra, tenha surgido uma espciede racismo atvico, seria um racismo primordial, que viria talvez justificar a ideologia desuperioridade racial para esses Espritos, facilmente perceptvel nas castas da ndia e na vaidosaaristocracia espiritual dos hebreus, conforme a expresso emmanuelina.

    Todavia, sob um outro enfoque, poderamos considerar essa teoria como corolrio de uma certadose de preconceito racial contra a raa negra e a amarela, cuja origem tnica seria supostamenteinferior branca, um biotipo mais evoludo(?) e adequado encarnao de Espritos maisdesenvolvidos.

    Edgard Armond e Emmanuel no explicam como surgiu, em termos genticos e biofsicos, araa branca. E em que sentido ela seria mais evoluda tipologicamente s demais raas. Por ora,faltam maiores informaes para que esta teoria tenha a fundamentao desejada por muitos deseus adeptos mais extremistas, cuja formulao se aproxima inegavelmente da teoria arianista deGobineau e do Eurocentrismo.

    Isto posto, h outro aspecto que interessante observar. Trata-se da mentalidade racista quecertos povos e Espritos carregam e trazem consigo ao reencarnarem, seja por orgulho ou auto-preservao.

    As informaes dos Espritos contribuem para ilustrar a caracterstica de certos povos, como oshebreus, os hindus-arianos, os egpcios, etc. pois, atravs de estudos sociolgicos e antropolgicos,pde-se notar, no seu sistema de valores, a presena de uma ideologia racista. Em nossos diastemos exemplos marcantes de naes racistas, em funo das circunstncias sociais e econmicas, e

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    do nvel moral dos Espritos reencarnados. Mesmo com a queda do regime do apartheid, a frica doSul um exemplo a ser lembrado. E isso ocorre tambm nos grupos sociais, como o caso dossionistas, de alguns esquadres de extermnio, dos anti-semitas e tantos outros que se engajamnuma luta sectria contra determinadas etnias ou grupos sociais. Os skinheads, exemplo j citado, um dos grupos que mais explicitam a incorporao da ideologia racista. Tanto que esses punks anti-semitas incorporaram, em seu comportamento, toda a simbologia nazista e lem assiduamente aobra My Kempf, escrita por Adolph Hitler, o clebre lder dos nazistas. No estariam a nazistasreencarnados?

    11. CONCLUSO

    O racismo um desse sistemas que tendem a desaparecer, na medida em que a humanidadeevolui e adquire novos conhecimentos, valores e virtudes que no fiquem somente no papel, ou nomero discurso de religiosos hipcritas e humanistas de segunda classe.

    No Brasil, a discriminao racial j caso de polcia. Sob o ponto de vista tico, o preconceito ea discriminao raciais se tornaram intolerveis. A legislao prev penalidades queles quedesrespeitarem o direito de um cidado, apenas por pertencer a determinada etnia, consideradainferior. Mesmo com o crescimento de grupos anti-semitas como os neonazistas, no nosso pas eno mundo, no h como retroceder a antigos valores esprios, que tanto mal trouxeram humanidade.

    H muito ainda que se avanar nesse campo. Somente o prprio negro poder conquistar seuespao na cultura, em todas as reas do conhecimento. Ningum far por ele aquilo que deve ser

    feito para o seu prprio bem estar. Do mesmo modo, as etnias da Europa Oriental, da antiga cortinade ferro, tero de se organizar se quiserem que sua voz seja ouvida e seus direitos garantidos, bemcomo as comunidades negras de toda a frica, e de todos os grupos tnicos discriminados emqualquer parte do planeta.

    O racismo, talvez por ter sido considerado como uma questo menor pelo movimento esprita, um tema pouco abordado. A bibliografia escassa. Na dcada de 40, o filsofo esprita DavidGrossvater, da Venezuela, de ascendncia judaica, em alguns momentos de sua obra, aindadesconhecida no Brasil, chegou a abordar o tema. Os pensadores espritas brasileiros Herculano Pirese Deolindo Amorim, de en passant, tambm se referiram ao racismo, mas sem se debruar commaior profundidade.

    A questo das minorias, a questo da mulher, dos homossexuais, das etnias discriminadas,dentre outras, no podem ser desprezadas. Isso significa inserir o Espiritismo na modernidade eassim, enfrentar toda a problemtica existencial de nosso tempo, sem o receio de reavaliar segundo

    uma re-leitura crtica, contextualizada e qualitativa determinadas posies de Allan Kardec e dosEspritos que participaram da estruturao da filosofia esprita.

    Se as novas geraes de espritas no realizarem essa tarefa, o movimento esprita corre orisco de ficar como aquele sujeito da msica A Banda, de Chico Buarque, que estava -toa navida e foi janela pra ver a banda passar.

    12. NOTAS

    1. SANTOS, Joel Rufino dos. O que Racismo, p. 65.2. VRIOS AUTORES, So Paulo 1975: Crescimento e Pobreza, p. 104.3. KARDEC, Allan, O Livro dos Espritos, q. 799.4. Ibid. q. 317..5. Ibid. q. 806.6. Ibid. q. 803, o grifo meu.7. Ibid. q. 829.

    8. Ibid. q. 831.9. Ibid.10. Ibid. q. 52.11. Ibid. q. 54.12. Ibid. q. 132.13. Ibid. q. 185.14. Ibid.15. FERNANDES, Florestan, Revista Humanidades.16. KARDEC, Allan, Obras Pstumas, p. 130.17. Ibid., p. 130.18. CAMPOS, Esprito Humberto de, Brasil Corao do Mundo Ptria do Evangelho, p. 51.19. Ibid.20. Ibid.

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    21. Ibid., p. 52.22. Ibid.23. Ibid., p. 68.24. Ibid.25. Ibid.26. Ibid., p. 55.27. Ibid., p. 202.28. PIRES, Herculano, Cincia Esprita e suas Implicaes Teraputicas, p. 100.29. MACHADO, Ubiratan, Os Intelectuais e o Espiritismo, p. 230.30. EMMANUEL, Esprito,A Caminho da Luz, p. 37.31. ARMOND, Edgard, Os Exilados de Capela, p. 81.32. Ibid., p. 82.33. KARDEC, Allan,A Gnese, p. 226/27.

    13. BIBLIOGRAFIA

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    Abertura, membro fundador do Centro de Pesquisa e Documentao Esprita (CPDoc) e do Instituto CulturalKardecista de Santos.

    Trabalho concludo em 1994, apresentado no Centro de Pesquisa e Documentao Esprita (CPDoc) e no IISimpsio Brasileiro do Pensamento Esprita, de 1991.

    Racismo e Espiritismo Eugenio Lara15