[porto-renÓ, denis et al] narrativas transmídia - diversidade social, discursiva e comunicacional

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Recibido: 12/08/11 Aceptado: 26/08/11 l ISSN 0122-8285 l Volumen 14 Número 2 l Diciembre de 2011 201 - 215 1 Doctor en Comunicación Social. Profesor asociado, Universidad del Rosario, Bogotá, Colombia. [email protected] 2 Doctora en Educación y Tecnología. Docente, Universidad Tiradentes, Brasil. [email protected] 3 Doctora en Comunicación Social. Docente, Universidad Metodista de São Paulo, Brasil. [email protected] 4 Doctor en Comunicación Social. Profesor, Universidad Anhembi Morumbi, Brasil. [email protected] Resumo Os processos comunicacionais vivenciam hoje uma revolução no campo estrutural e no campo das linguagens. Tais mu- danças são resultantes de comportamentos e subsídios comunicacionais ofertados para a sociedade contemporânea, como as redes sociais e a mobilidade. Porém, a comunicação ainda não abarcou tais mudanças por completo, apesar dos estudos que contemplam a narrativa transmídia. Este artigo oferece, a partir de um estudo de caráter reflexivo e investigativo, dis- cussões sobre a narrativa transmídia como linguagem social na ficção e no jornalismo. Esperamos, a partir deste estudo, oferecer subsídios sobre novas pesquisas acerca do tema. Palavras-chave: comunicação, narrativa transmídia, novas tecnologias digitais, linguagem. Transmedia narratives: Social Diversity, Discourse and Communication Abstract The current communicational process experiences a revolution in both the structural fields and those of the languages. Such changes are the result of communication behaviors and contributions offered to contemporary society, such as so- cial networking and mobility. However, communication has not fully embraced these changes, despite of studies related to the transmedia storytelling. This paper is a reflective and investigative discussion about transmedia strorytelling as social language either in fiction and journalism. Hopefully, this study may also provide insights to new researches regar- ding this subject. Key words: Communication, transmedia storytelling, language, new digital technologies. Narrativas transmídia: diversidade social, discursiva e comunicacional Denis Porto-Renó 1 Andréa Cristina Versuti 2 Elizabeth Moraes-Gonçalves 3 Vicente Gosciola 4 Para citar este artículo To reference this article Para citar este artigo Porto-Renó D., Versuti, A. C., Moraes-Gonçalves, E., Gosciola, V. Diciembre de 2011. Narrativas trans- mídia: diversidade social, discursiva e comunica- cional. 14 (2), 201-215.

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  • Recibido: 12/08/11Aceptado: 26/08/11

    l ISSN 0122-8285 l Volumen 14 Nmero 2 l Diciembre de 2011

    201 - 215

    1 Doctor en Comunicacin Social. Profesor asociado, Universidad del Rosario, Bogot, Colombia. [email protected] 2 Doctora en Educacin y Tecnologa. Docente, Universidad Tiradentes, Brasil. [email protected] Doctora en Comunicacin Social. Docente, Universidad Metodista de So Paulo, Brasil. [email protected] Doctor en Comunicacin Social. Profesor, Universidad Anhembi Morumbi, Brasil. [email protected]

    Resumo

    Os processos comunicacionais vivenciam hoje uma revoluo no campo estrutural e no campo das linguagens. Tais mu-danas so resultantes de comportamentos e subsdios comunicacionais ofertados para a sociedade contempornea, como as redes sociais e a mobilidade. Porm, a comunicao ainda no abarcou tais mudanas por completo, apesar dos estudos que contemplam a narrativa transmdia. Este artigo oferece, a partir de um estudo de carter reflexivo e investigativo, dis-cusses sobre a narrativa transmdia como linguagem social na fico e no jornalismo. Esperamos, a partir deste estudo, oferecer subsdios sobre novas pesquisas acerca do tema.

    Palavras-chave: comunicao, narrativa transmdia, novas tecnologias digitais, linguagem.

    Transmedia narratives: Social Diversity, Discourse and Communication

    Abstract

    The current communicational process experiences a revolution in both the structural fields and those of the languages. Such changes are the result of communication behaviors and contributions offered to contemporary society, such as so-cial networking and mobility. However, communication has not fully embraced these changes, despite of studies related to the transmedia storytelling. This paper is a reflective and investigative discussion about transmedia strorytelling as social language either in fiction and journalism. Hopefully, this study may also provide insights to new researches regar-ding this subject.

    Key words: Communication, transmedia storytelling, language, new digital technologies.

    Narrativas transmdia: diversidade social, discursiva e comunicacional

    Denis Porto-Ren1Andra Cristina Versuti2Elizabeth Moraes-Gonalves3Vicente Gosciola4

    Para citar este artculoTo reference this articlePara citar este artigo

    Porto-Ren D., Versuti, A. C., Moraes-Gonalves, E., Gosciola, V. Diciembre de 2011. Narrativas trans-mdia: diversidade social, discursiva e comunica-cional. 14 (2), 201-215.

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    Narrativas transmedia: diversidad social, discursiva y comunicacional

    Resumen

    En la actualidad, los procesos de comunicacin experimentan una revolucin en el campo estructural y en el de las lenguas. Estos cambios son el producto de comportamientos y contribuciones comunicacionales ofrecidos a la sociedad contem-pornea; por ejemplo, redes sociales y movilidad. Sin embargo, la comunicacin no asimil tales cambios por completo, a pesar de los estudios que tienen en cuenta la narrativa transmedia. Basado en un estudio reflexivo e investigativo, este artculo ofrece anlisis acerca de la narrativa transmedia como lenguaje social en la ficcin y el periodismo. Esperamos contribuir con nuevas investigaciones sobre el tema.

    Palabras clave: comunicacin, narrativa transmedia, nuevas tecnologas digitales, lenguaje.

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    Introduo

    O cenrio da comunicao vivencia hoje uma mudana diferente das experienciadas pela sociedade. Trata-se de uma convergncia de lin-guagens para a construo de discursos compos-tos, enriquecidos pela diversidade de linguagens oferecidas. Num nico pacote comunicacional, podemos encontrar texto, vdeo, udio, foto e grafismo para a veiculao de narrativas ficcio-nais, narrativas documentais. Tambm podemos encontrar estes produtos em diversas platafor-mas, como site, blog, televiso, cinema, impresso, rdio ou mesmo em redes sociais, dispositivos mveis, preferencialmente aparelhos de telefo-nia celular, o que promove a mobilidade. Por fim, podemos apreciar esse conjunto de recursos e processos comunicacionais distribuindo diver-sas narrativas complementares entre si, como detalhado por Henry Jenkins (2009) ao elucidar o que narrativa transmdia.

    A linguagem audiovisual , dentre todas as lin-guagens disponveis para a web 2.0 e pela blo-gosfera, a de maior eficcia, pois apresenta uma maior proximidade com a realidade. Com o de-senvolvimento da web 2.0, agora possvel fa-zer uma repercusso de um acontecimento por si mesmo, o que amplia a participao da socie-dade neste processo, e no somente dos jorna-listas ou reprteres. Tambm tornou-se possvel ampliar os espaos de difuso pela rede.

    Um importante espao de encontro entre usurios est localizado nas diversas redes sociais desen-volvidas, especialmente o Facebook e a blogos-fera, inclusive o microblog Twitter, que possuem pertinente difuso e oferecem recursos diversos para sua utilizao. Estes espaos, denominados no-lugares por Aug (2007), utilizam a narrativa transmdia, que para Jenkins se explica como:

    Histrias que se desenrolam em mltiplas plata-formas de mdia, cada uma delas contribuindo

    de forma distinta para nossa compreenso do universo: uma abordagem mais integrada do des-envolvimento de uma franquia do que os mo-delos baseados em textos originais e produtos acessrios. (Jenkins, 2009, p. 384).

    As redes sociais possuem como caractersticas a customizao do ambiente, seja no visual ou na informao. A utilizao de espaos para postar fotografias tambm freqente, pois desta forma o ambiente fica com o aconchego da sala de visitas de uma casa, ou seja, com os principais registros fotogrficos em exposio. Porm, os recursos se-guem adiante, como a publicao de vdeos e o desenvolvimento de dilogos entre os amigos virtuais, ampliando ainda mais a sensao de um lugar real virtual (Aug, 2007).

    Dan Gillmor (2005) define a sociedade contem-pornea, quando possui endereo na blogos-fera, como os detentores da mdia. A partir da possibilidade de construir um endereo virtual na blogosfera, o usurio deixa de ser receptor e passa a ser emissor. O leitor, por sua vez, assu-me o papel de colaborador, ou de co-autor. Dessa forma, o leitor tambm detentor da mdia. Di-versos pesquisadores utilizam o termo co-autoria para designar ambientes atuais de comunicao, especialmente a partir da web 2.0, quando surge a capacidade tecnolgica e usual de produzir es-paos na blogosfera.

    Para Li, Bernoff e Holler (2009, p. 10), esse fe-nmeno em que a sociedade utiliza meios al-ternativos, ou no-convencionais, para obter informao denominado groundswell. Segun-do a autora, groundswell uma tendncia social na qual as pessoas usam a tecnologia para obter o que desejam umas das outras, e no com insti-tuies tradicionais como as corporaes.

    Este artigo apresenta discusses tericas, con-ceituais, reflexivas e resultados de investigao experimental para discutir as narrativas trans-

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    mdia como caracterstica fundamental para a difuso da informao contempornea. Para tanto, so abordados tanto a narrativa transm-dia com um olhar sociolgico e de linguagem como tambm a observao da mesma tanto na fico como na informao.

    Cultura da convergnciae a sociedade

    O contexto atual revela profundas alteraes nos sistemas de comunicao e informao, resulta-do principalmente de uma mudana significati-va no papel desempenhado pela audincia que no se contenta em ser apenas espectadora, mas que busca cada vez mais interagir e parti-cipar, construir e resignificar suas experincias e sua relao com os meios de comunicao e com os produtos culturais por estes oferecidos: estrias, filmes, programas de TV, seriados.

    Podemos dizer que um novo conjunto de valo-res est surgindo no bojo destas transformaes no processo de comunicao. Apesar das dife-rentes classes sociais, religies e perspectivas, al-guns padres de pensamento e ao emergentes ultrapassam as fronteiras nacionais, econmicas e sociais.

    O processo de comunicao, assim como a trans-misso de qualquer tipo de contedo, deve ser concebido como uma articulao de prticas de significao num campo de foras sociais per-tencentes a certo conjunto de sentidos dispon-veis na sociedade.

    A Internet, alm de apresentar um maior e mais efetivo acesso informao, pode interferir na forma de utiliz-las na aprendizagem de con-tedos significativos. Nestes novos meios, as mensagens veiculadas devido s suas caracte-rsticas de fluidez, numeralizao, plasticidade e instantaneidade so mais facilmente susce-tveis s interferncias dos receptores que po-

    dem contribuir diretamente na sua construo e tornarem-se tambm autores-produtores do conhecimento ou, dito de outra forma, sujeitos da comunicao e do processo cognitivo.

    As possibilidades trazidas pelos novos meios ins-tauram uma nova maneira de apreender a realida-de que nos cerca, bem como criam novos anseios e expectativas. A interatividade, elemento que caracteriza a relao com a Internet, por exem-plo, traz uma mudana fundamental em muitos aspectos da nossa vida e condio humana, bem como nos processos de aquisio qualitativa e no somente quantitativa do conhecimento.

    Nesse sentido, a instaurao coletiva do sentido se realiza cada vez mais em ambientes e dom-nios inteligentes que se reconstroem rapida-mente, onde todas as fronteiras so colocadas em questo.

    Para compreender as complexidades deste novo processo de aquisio do conhecimento preciso reiterar que uma de suas caractersticas a possibilidade de diminuir as diferenas his-toricamente estabelecidas entre diverso e edu-cao formal.

    Justamente diante deste cenrio, os indivduos e as organizaes encontram-se cotidianamen-te expostos s mais diferentes interfaces: livros, computador, celular, revistas, etc. Utilizando-as para os mais diferentes fins: divertir, educar, vender, de produtos a idias e tambm para contar estrias.

    Dentre os estudos, em seu livro Cultura da con-vergncia (2009), Jenkins tambm destaca a multiplicidade destas mudanas no mbito da co-municao. Segundo o autor, a convergncia no apenas um processo tecnolgico que une ml-tiplas funes dentro dos mesmos aparelhos, mas tambm um processo de transformao

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    cultural no qual possvel identificar novos n-veis de participao dos fs, novos laos com os contedos, novas orientaes para o marketing contemporneo, novas leis de direitos autorais, novos meios de aferir audincia. Ou seja, dada a multiplicidade de plataformas, os consumi-dores so estimulados a procurar informao, a fazer conexes a contedos de mdia disper-sos. Em suma, a plataforma no converge, mas o usurio.

    Essa migrao entre mdias em apenas um aparelho possvel graas s conexes de rede existentes na sociedade moderna. Alm disso, o contedo do mundo digital pode ser armazena-do de vrias formas possveis desde CD-ROMs, DVD-ROMs, pendrives, discos rgidos de compu-tadores. Esses dados esto salvos em servido-res que transmitem essa informao atravs de linha telefnica, via rdio, satlite ou cabos de fibra ptica.

    Este contexto conduz ao surgimento de novas prticas narrativas que visam entreter a audin-cia e que migram para os diferentes meios (TV, ci-nema, internet, celulares) visando assim ampliar a experincia e enriquecer a arte de contar uma histria. Uma boa histria pode ser retransmitida milhares de vezes, desde que se mantenha fiel mitologia dos personagens (Martins, 2009). Em outras palavras, qualquer contedo criado pre-cisa buscar relacionamentos interpessoais genu-nos para serem consumidos pela sua expresso emocional.

    A cultura da convergncia prope ao marketing contemporneo o desafio constante de um pla-nejamento transmdia5. Ou seja, preciso con-solidar a idia de como as marcas podem contar estrias em diferentes plataformas, criando as-sim novos produtos de entretenimento. Estes, por sua vez, sofrem alteraes resultantes de

    uma participao do receptor que lhes permi-te criar uma nova realidade na medida em que atua diretamente nela. Tais mdias, tais produ-tos e elementos implicam em novas maneiras de contar estrias, e alteram assim nossa maneira de divertir, trabalhar e educar.

    Como possvel caracterizar o mundo da con-vergncia? Segundo Jenkins (2009), na cultura da convergncia, as velhas e novas mdias coli-dem, a mdia corporativa e a mdia alternativa cruzam-se e interagem os poderes do produtor e do consumidor. A convergncia se d primei-ramente pela convergncia dos meios de co-municao, pelo fluxo de contedos atravs de diferentes plataformas de mdia e pela migra-o do pblico para as diferentes opes dispo-nveis dependendo da sua necessidade, do seu interesse e da sua disponibilidade e tempo para acesso.

    Alm disso, h na convergncia um acirramen-to do conceito de inteligncia coletiva (Levy, 2004), no qual o conhecimento de determinado assunto construdo a partir do envolvimento das muitas partes presentes no processo de co-municao. Esta interao garante a compreen-so ampliada de determinado produto cultural oferecido.

    Ou, ainda segundo Santaella (2001, p. 38), um s receptor vai adquirindo vrias facetas da infor-mao na medida em que passa de uma mdia para a outra: de ouvinte a espectador, de espec-tador a leitor, enquanto vai gradualmente for-mando sua opinio acerca da realidade a partir da multiplicidade de fontes.

    Um terceiro conceito define tambm a convergn-cia: a cultura participativa. O fluxo crescente de informao exige cada vez mais que os consumi-dores discutam sobre as mdias que consomem. O consumo se tornou um processo coletivo, uma vez que a convergncia das mdias permite mo-

    5 Ver The Alchemists, Warshaw. M. blog: www.oalquimista.com Di-retor pioneiro na produo de contedo interativo transmdia.

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    dos de audincia comunitrios, em vez de indi-vidualistas.

    Convergncia uma palavra que consegue de-finir transformaes tecnolgicas, mercadol-gicas, culturais e sociais, dependendo de quem est falando e do que esto falando. (...) A con-vergncia no ocorre por meio de aparelhos, mas dentro do crebro de consumidores indi-viduais e em suas interaes sociais com outros. (Jenkins, 2009, pp. 29-30).

    Em suma, a convergncia ajuda a contar melho-res histrias, a vender marcas e a seduzir o con-sumidor utilizando as mltiplas plataformas de mdia. Para lograr isso, no h como copiar mo-delos anteriores; por conseqncia, preciso criar e adaptar novas possibilidades a partir dos cami-nhos j traados.

    No bojo deste planejamento, surge um novo con-ceito: narrativa transmdia (transmedia storytelling) como a arte de criao de um universo que visa ampliar e enriquecer a experincia de entreteni-mento para todos os consumidores, possibilitan-do-lhes experimentar de forma plena o universo ficcional, repensando os limites da participao dos consumidores nas relaes com os produtos.

    Neste processo, cada mdia faz de maneira pr-pria e especfica sua contribuio para o desfe-cho, construindo uma experincia coordenada e unificada de entretenimento. (Martins, 2009).

    Trata-se de uma estria com mltiplas timelines, que considera que a singularidade de cada mdia permite o desenvolvimento de certas dimenses de uma mesma estria ou experincia. Segundo Lance Weiler6 (2009), a narrativa transmdia re-fere-se a uma abordagem ao desenvolvimento de histrias que agrega audincias fragmentadas

    adaptando a produo a novas formas de apre-sentao e integrao social.

    A narrativa transmdia atravessa diferentes m-dias e com ela possvel criar um universo ficcio-nal ao redor da obra. Esta migrao no apenas de contedo, mas tambm algo que requer um planejamento transmiditico atento a cinco ele-mentos fundamentais (histria, audincia, pla-taformas, modelo de negcio, execuo), que tambm prima por utilizar-se das potenciali-dades e recursos especficos de cada meio para ampliar a experincia do usurio com o conte-do ficcional exposto.

    Assim surgem as franquias7, conceito que reme-te a uma extenso e sinergia do contedo ficcio-nal associado a determinada marca que passa a estar exposto para alm do seu meio original, influenciando assim muitos outros terrenos da produo cultural. Juntamente com as fran-quias, a economia afetiva ganha contornos diferenciados. Os contedos de entretenimento e as mensagens publicitrias pretendem cativar o consumidor, convidando-o a entrar na comu-nidade da marca (Lovemarks) para que, como parte de uma comunidade social, encontre-se cada vez mais comprometido emocionalmente. Assim se ressalta a natureza social do consumo contemporneo.

    Outra questo importante parece suscitar diante deste cenrio. interessante refletir sobre como esta cultura participativa est revitalizando o processo tradicional de construo do conheci-mento, como os educadores esto reavaliando o valor da educao informal e como os consumi-dores esto aplicando as suas habilidades como fs e gamers em diferentes instncias sociais: trabalho, famlia, escola e poltica. Como fica a

    7 Jenkins (2009) destaca a franquia The Matrix como exemplo de narra-tiva transmdia, como exemplo de uma nova esttica que surgiu em resposta convergncia das mdias e as novas exigncias dos consu-midores, integrados a comunidades de conhecimento (p. 49).

    6 Roteirista, diretor de cinema e fundador da Seize the Media, uma produtora especializada em narrativa transmdia. O autor refere-se a si mesmo como um designer de experincias. (Revista Isto , junho de 2009).

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    questo da excluso digital e qual a posio da realidade brasileira diante deste cenrio conver-gente j que as atividades dependem do maior acesso s tecnologias, da familiaridade com os novos tipos de interao social que eles permi-tem e de um domnio pleno das habilidades conceituais que os consumidores desenvolve-ram em resposta s convergncias das mdias?

    O pensamento convergente est remodelando a cultura popular, impactando a relao entre pblicos, produtores e contedos de mdia. A transformao dos meios de comunicao no pode ser reduzida a uma transformao tecno-lgica em que substituem-se algumas tecnolo-gias de distribuio, mas sim deve ser pensada em sua complexidade, contanto que se trata de uma transformao dos nveis culturais/proto-colos (prticas sociais e culturais).

    Narrativa transmdia: linguagem contempornea

    A interatividade tem sido conceito chave para caracterizar as mdias atuais em oposio s tradicionais, que tinham o pblico como mero receptor de contedos. Essa busca de diferen-tes formas de interao, de participao, cada vez mais facilitada pelas tecnologias de comu-nicao. Porm, algo que parece to moderno no cenrio comunicacional pode estar em outra dimenso, por exemplo, quando se toma a no-o bakhtiniana de linguagem, quando se tem o dialogismo como seu princpio constitutivo, ou seja, s a interao entre os sujeitos e o texto em um processo enunciativo estabelece as condi-es de sentido da mensagem em um ambiente nico e irreproduzvel:

    Assim, por trs de todo texto, encontra-se o sis-tema da lngua; no texto, corresponde-lhe tudo quanto repetitivo e reproduzvel, tudo quan-to pode existir fora do texto. Porm, ao mesmo tempo, cada texto (em sua qualidade de enun-ciado) individual, nico e irreproduzvel, sen-

    do nisso que reside seu sentido (seu desgnio, aquele para o qual foi criado). com isso que ele remete verdade, ao verdico, ao bem, beleza, histria. Em relao a esta funo, tudo o que repetitivo e reproduzvel da ordem do meio, do material. (Bakhtin, 1997, p. 331).

    Portanto, para Bakhtin, o autor nunca est so-zinho, o texto nunca o primeiro, original, pois traz consigo referncias a textos anteriores ou ser-vir de referncia a textos posteriores, ou ainda, o simples fato de enunciar alguma coisa pressupe a existncia do outro: O fato de ser ouvido, por si s, estabelece uma relao dialgica. A pala-vra quer ser ouvida, compreendida, respondida e quer, por sua vez, responder resposta, e assim ad infinitum (Bakhtin, 1997, p. 357).

    Abordar a linguagem nessa perspectiva pressu-pe que no limitemos a noo de texto escri-tura, diferenciando-o das manifestaes orais, pois, esta oposio est focada no suporte ou no meio de veiculao e no na complexidade e unidade que caracteriza o texto como produ-o multissemitica. Dessa forma, uma receita de cozinha, um outdoor ou um artigo de jornal, um discurso poltico, um curso universitrio ou uma conversao no comporta apenas signos verbais, eles so igualmente feitos de gestos, de entonaes e de imagens (Charaudeau & Maingueneau, 2004, p. 466).

    Assim entendido, o texto no processo comuni-cacional pode ter sua veiculao atrelada a v-rias mdias de diferentes formas, interferindo umas nas outras, completando, alterando, pas-sando de uma a outra, impregnando a mensa-gem com suas peculiaridades. A esse trnsito de uma mdia a outra que se costuma dar o nome de transmdia.

    A evoluo dos meios de comunicao h muito introduziu em nosso vocabulrio o termo mul-timdia, entendido como a somatria de muitos meios, no representando, necessariamente, a

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    interseco de diferentes linguagens na constru-o de uma narrativa complexa. Os processos co-municacionais multimiditicos tm resultado em redundncia de informao; a mensagem passa pelos diferentes meios, porm no se explora o que h de melhor em cada um deles, para que a mensagem se torne mais apurada ou mais com-plexa. Da mesma forma, os processos hipermi-diticos, nos quais os links inseridos nos textos remetem a outra informao, por outros meios, levam soma de informao, mas no a uma con-taminao ou alterao da informao primeira. Esse conceito de multi vem sendo substitudo pelo conceito trans, que implica na contami-nao, na transferncia, na influncia e na par-ticipao direta no contedo. Jenkins (2009, p. 138), ao apresentar Matrix como uma narrativa transmdia, explica que uma histria transm-dia desenrola-se atravs de mltiplas platafor-mas de mdia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo.

    Tentativas rudimentares de experincias trans-miditicas tm sido praticadas pela televiso, remetendo o telespectador Internet, com con-versas com especialistas, convidados, dando continuidade programao. As revistas impres-sas e jornais remetem aos portais, sites e blogs es-pecializados para complemento da informao. Porm, tais experincias no resultam em nar-rativas transmiditicas, pois, a informao ape-nas se soma, mas no atravessa seus contedos, como se espera nesse tipo de narrativa complexa.

    Na indstria do entretenimento e na publicidade, as experincias transmiditicas tm sido planeja-das, e exercidas com eficincia, como estratgia de conquistar o pblico e garantir o retorno espe-rado. A experimentao e a interao tm sido os desafios comunicacionais propostos pela con-vergncia miditica. O pblico, que nunca foi passivo, hoje vivencia a possibilidade de partici-par da produo dos contedos.

    As possibilidades digitais tm sido exploradas comercialmente de muitas maneiras. Os sites de busca e as redes sociais tm facilitado o conhe-cimento do produto antes da sua aquisio; a compra virtual cada dia ganha maior credibi-lidade do consumidor. O paciente conhece de-talhes de sua doena antes mesmo de ouvir o especialista. O turista visita os roteiros de sua viagem antes de embarcar. A divulgao cient-fica no mais assunto restrito para impressos especializados, est em sites na web, nos pro-gramas de rdio e televiso, em vdeos educa-tivos, em museus de cincias so experincias que se somam aos contedos tradicionais. A busca pela inovao no processo comunica-cional caracteriza-se como um desafio. Talvez a prtica transmiditica seja essa inovao, capaz de horizontalizar a comunicao, com a partici-pao efetiva dos atores envolvidos nesse pro-cesso, substituindo, assim, a verticalidade da informao noticiosa, factual, que temos hoje na grande imprensa brasileira.

    A fico transmdia

    Na cultura contempornea, mediada e midia-tizada pelas novas mdias, as possibilidades de comunicao surgem e se disseminam continu-amente, independentemente do seu propsito quando lanado e at possibilitando que seus usurios se transformem em produtores e dis-tribuidores de contedos (Castells, 2007, p. 13). Essa nova categoria do que foi chamado de es-pectador, na sua concepo mais simplista, agre-ga o status de produtor ao de consumidor e vem recebendo diversos nomes com praticamente o mesmo significado, desde 1969 com o produs-sumidor de Dcio Pignatari (2004, pp. 31-32) at 2008 com o produser de Bruns Axel (2008, pp. 2-5) passando obviamente por 1980 com o prosumer de Alvin Toffler (1980, pp. 11).

    Acompanhando tal evoluo de seu interlocu-tor, as empresas de entretenimento ficcional es-

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    to se desenvolvendo continuamente buscando novos modos de contar histrias que utilizem as novidades comunicacionais. Alm disso, sempre correu em paralelo uma produo in-dependente de contedo ficcional que igual-mente busca desenvolver fico contando com a participao de sua audincia. Tudo isso est envolvido em um jogo de foras aparentemente equilibrado: sempre que h uma obsolescncia em termos de tecnologia de meio de comunicao as narrativas comeam a apresentar novidades, e vice-versa. Bem ao gosto de Pignatari, vivemos um encontro de grandes fontes criativas: por um lado so viabilizadas as expresses mais indivi-duais e inditas e por outro lado so intercomu-nicadas todas essas expresses que resultam em questionamentos sobre o nosso papel e sentido em relao aos outros como, respectivamente, os hackers e os bardos na imaginao de Janet Murray (2003, pp. 23-24).

    As experincias ficcionais em narrativas transm-dias, desde as imaginadas pela literatura, sempre buscaram novas formas de contar histrias me-diadas por tecnologias. Em seu livro Admirvel mundo novo, de 1930, Aldous Huxley j imagina-va uma sala de cinema com estmulos tteis. Ray Bradbury concebeu no livro Fahrenheit 451, de 1953, a TV Mural ou a pea do circuito parede-a-pa-rede (Bradbury, 1988, pp. 18-29) como uma TV interativa que misturava os dados do cotidia-no de seus espectadores a um jogo de desafios global. Em 1991, Wim Wenders lanou o longa--metragem At o fim do mundo, sobre um dispo-sitivo gravador de sonhos que passa a tomar todo o tempo das pessoas por no conseguirem deixar de ver suas prprias gravaes. Lanada em 1966, a srie de TV Star Trek, uma nave de explorao de galxias da dcada de 2360 que, para aliviar o estresse e o isolamento ou para simulao cientfica, ttica e treinamento, ofere-ce tripulao o holodeck. Seria um sistema de integrao entre o mundo real e o virtual com-posto de um salo com projees hologrficas

    e sonoras de alta definio e um complexo sis-tema de estmulo olfativo, ttil e vestibular ca-paz de gerar objetos, personagens, paisagens e cenrios em qualquer que seja o parmetro, real ou fictcio.

    A narrativa transmdia considerada o resultado da articulao das distintas partes de uma grande narrativa, todas elas complementares e ligadas a esta. Cada uma est veiculada pela plataforma que melhor potencialize suas caractersticas ex-pressivas. Por fazer parte da contemporaneidade na era das redes colaborativas, as comunicaes entre os meios, entre os meios e os espectadores e entre os espectadores fortalecem as articulaes da narrativa transmdia, como um movimento intensamente criativo e socializador. Nessa con-vergncia de contedos em mltiplas platafor-mas, ou mdias, a cooperao entre as diversas indstrias de mdias se orienta, de certa maneira, pelo comportamento migratrio do seu pblico que decide qual ser a sua sequncia narrativa. Sendo assim, a fico na narrativa transmdia um dos setores mais beneficiados na atualida-de, porque os altos investimentos em comuni-cao recaem sobre a fico, o que trs grandes chances para o aprimoramento da narrativa transmdia. Dos grandes movimentos artsti-cos de vanguarda do incio do sculo XX que reuniam para os seus projetos as mais diversas formas expressivas sem ainda serem chamados de transmdias, passando pelos compositores da dcada de 1950, como John Cage, que produ-ziam peas musicais trans-medias que lanavam mo de instrumentos (mquina de escrever, gravador de fita magntica, latas, etc.) que no eram exclusivas da sonoridade tradicional das orquestras, at chegarmos anlise dos super--sistemas de comunicao batizados em 1991 por Marsha Kinder (1991, pp. 1-38) de intertex-tualidade transmdia, muito se fez para e pelo cinema e a TV e suas relaes implcitas com ou-tros meios quando se lanaram a projetos trans-mdia. Tal investimento nasceu da motivao de

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    acompanhar o pblico espectador que migrava destes meios para a web. As sries de TV como Heroes e Lost, assim como as cine-sries The Ma-trix e Batman, souberam aplicar o sistema trans-mdia, levando partes diferentes de sua histria para mdias diferente, ampliando seus pblicos a nmeros at ento inimaginveis. Fica aqui uma viso no to apologtica, expressando que estas experincias no souberam fazer o melhor uso da narrativa transmdia, mesmo que tenham catapultado as bilheterias e nmeros recordes de pblico, mas tinham grandes e excelentes hist-rias para contar.

    Onde a narrativa transmdia se realiza plena-mente como fico no alternate reality game (ARG) ou jogos de realidades alternadas. As no-vas propostas narrativas encontradas nos ARGs alternam histrias ficcionais e reais vivenciadas entre o mundo concreto e o virtual. Tais narra-tivas possuem caractersticas especficas evi-denciadas pela permeabilidade entre elas. De acordo com Henry Jenkins (2009, p. 170), ARG um exemplo concreto (e simultaneamente virtual) de uma conjuno espacial mediada por dispositivos mveis, que dotam a inter-net da portabilidade e ubiqidade, permitem com que as pessoas estejam no mundo real e no virtual e que ambos estejam no mundo das pessoas, onde elas queiram. Os jogadores ou atores-redes em conformidade com a cita-o de Castells acima e dentro do conceito actor--network estudado por Bruno Latour (2005, p. 133) participam de um longo e seriado drama interativo na web e em espaos fsicos.

    O ARG envolve as novas mdias em narrativa cross--media ou transmdia. Em cross-media, a estrutu-ra miditica leva as mesmas histrias a diversas mdias. J na narrativa transmdia histrias di-versas so veiculadas por diversas mdias. Um alternate reality game um jogo transmdia que deliberadamente dilui a linha entre as experin-

    cias de dentro do e de fora do game, define John W. Gosney (2005, pp. 2-3). A mobilizao social to intensa que o ARG aplicado a campanhas publicitrias chamado de marketing viral, ta-manho o seu efeito devastador em arrebanhar centenas de jogadores de um dia para o outro e de mant-los atentos e participantes por meses a fio. O ARG, alternate reality game ou jogo de realidades alternadas basicamente um jogo, mas o resultado de uma srie de evolues tecnolgicas e narrativas que configuram as novas mdias em sua convergncia de conte-dos (Jenkins, 2009, p. 27) e os novos movimen-tos sociais em sua cultura colaborativa popular (Jenkins, 2009, pp. 27-28). E o ARG se faz com a participao popular.

    Quem marcou o incio do formato ARG foi The Beast, em 2001, produzido pela Microsoft para divulgar e criar uma forte expectativa ao fil-me A.I. Artificial Intelligence de Steven Spiel-berg. Outro ARG importante o I love bees, de 2004; para divulgao do game Hale 2, fez uso intenso de telefone com 1700 nmeros de tele-fonemas com horrios marcados, tudo em um nico puzzle. Outro ARG marcante foi The art of the heist, ou Stolen A3, ou Art of the H3ist, de 2005, que para o lanamento do carro Audi A3, fez uso de chamada na TV do diretor em rede nacional. E, de modo bem intenso, foi lanado o Lost Experience em 2006, entre a segunda e a terceira temporada da srie de TV Lost. Houve tambm um trabalho para a srie de TV Heroes, apresentada mais como uma transmdia que, segundo Jenkins, distribui a histria por mais de uma plataforma de mdia (Jenkins, 2009, p. 47). Como em todo bom filme, em ARG fun-damental uma boa histria e uma slida rede de pessoas. A histria criada j deve ser pensada no grupo que ir vivenciar o ARG.

    Um dos ARGs mais populares foi Perplex City, um ARG auto-sustentvel que durou 2 anos, desenvolvido por Adrian Hon, Michael Smith,

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    Eric Harshbarger e Jey Biddulph, na Mind Can-dy, a primeira produtora de ARG da Europa. Por um perodo to longo, seus realizadores en-frentaram grandes dilemas; par exemplo como manter o Perplex sem abrir seus espaos para anunciantes? Sua roteirizao desenvolveu um total de 13 arcos narrativos subseqentes, de 1 a 4 meses cada, demarcados por personagens diferentes ou por novos desafios, ou por desa-fios ao vivo que aumentavam os custos. Na in-ternet os custos eram menores, mesmo para as 1220 pginas desenvolvidas no Wiki. Mas tinha a sua compensao: as pginas Wiki do Perplex tiveram mais de 9 milhes de page views. Seu pblico ficou assim distribudo: 50% no Reino Unido; 41% nos EUA; 3% no Canad; 2% na Austrlia; 1% na Alemanha; e os demais 3% dis-tribudos pela Frana, Japo, entre outros pa-ses. Eles eram 50 mil usurios registrados, e as pginas na web (entre Wiki, mapas no Google e sites diversos) recebiam mais de um milho de page views por ms.

    Os primeiros ARGs brasileiros seguiram nesta ordem: Vivo em ao 1 (maio-junho, 2004), Vivo em ao 2 (maio-junho, 2005), Cosmo Larapio (ja-neiro, 2006), Equus Graechus (fevereiro, 2006), O Projeto (fevereiro-junho, 2006), Vivo em ao 3 (novembro-dezembro 2006), Una Passione (ou-tubro-novembro 2006), 2084 (Instituto Purifica) (outubro 2006-janeiro 2007), Zona Incerta (janei-ro-maio 2007), Obsesso Compulsiva (novembro 2007-janeiro 2008). O ARG Zona Incerta, criado por Rafael Kenski e Andre Sirangelo da Editora Abril para a Guaran Antarctica, contou com 9 sites 30 pginas de revista. Anunciou-se como revelador de uma grande conspirao com uma histria longa que durou 15 semanas. Estrutu-rada em um esquema modular, os jogadores s sabiam parte da resposta de cada enigma ou puzzle ao final de cada ms. Para a histria foi criado o antagonista da Arkhos Biotechnology, em um dos sites criado para Zona Incerta. Nes-se site, a empresa se identificava como uma das

    maiores indstrias do ramo de insumos vege-tais para cosmticos e defendia a internaciona-lizao da Amaznia. Com vdeos gravados em estdio e externas, com atores desconhecidos, o site pareceu to real que um senador props uma audincia pblica no senado para a empresa se explicar (o discurso do senador ainda est dispo-nvel em www.folha.com.br/070883). No roteiro estavam previstas aes ou eventos ao vivo para cada clmax (virada ou plot point). No incio no era revelado que era um jogo, uma fico, mas logo os jogadores o descobriram. Isso no evitou o jogo do me engana que eu gosto: jogadores sabiam da fico, mas a vivenciaram assim mes-mo, talvez com mais interesse ainda. Os joga-dores se sentiam verdadeiros atores, deixando depoimentos com esse: Realizei meu sonho de participar de um filme de ao. Sirangelo e Kenski criaram o site Efeito Paralaxe, coletivo ati-vista com o propsito de destruir a Arkhos, com espao no Second Life. Experincias como o do ARG Zona Incerta revelam a maior caractersti-ca e diferencial a eventos transmdia ou cross--media. um dos grandes segredos do ARG, e ao mesmo tempo uma armadilha: o ARG deve saber lidar e permanecer sobre uma linha t-nue entre o parecer real e o parecer fico. Ou-tro ARG brasileiro de repercusso foi Obsesso Compulsiva para o filme Meu nome no Johnny. A produtora Raccord, liderada por Luiz Adolfo Andrade, desenvolveu o ARG. Seu site, que fi-cou dois meses ativo no ARG, chegou a receber 30 mil page views.

    Sendo assim, o desenvolvimento de redes cola-borativas de dilogo e produo sempre propor-cionou um alto potencial cultural. Esse tipo de mobilizao social tambm obteve repercusso quando lanou mo dos recursos tecnolgicos da comunicao, especialmente as redes digitais. Desse modo, temos um indicativo de que a rede colaborativa somada a recursos tecnolgicos de comunicao resulta em um eficiente catalisador de produo cultural. Em situaes em que os

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    recursos possibilitam a ambientao onipresen-te de uma obra, como o ARG, por exemplo, fica mais poderoso ainda o efeito sobre a sociedade porque o ARG nunca termina sendo um nico produto porque os seus jogadores produzem sites e novas redes colaborativas. As fices em narrativas transmdia prosseguem pulsantes em sua hiperrealidade, muito provavelmen-te porque os jogadores so co-autores durante todo o processo.

    O jornalismo por discursos transmiditicos

    A narrativa transmdia tem sido tema de discus-so em ambientes publicitrios, a partir de nar-rativas ficcionais, ou mesmo na busca de estudos de linguagem. Contudo, no campo jornalstico, tal temtica tem sido, se no ignorada, pouco discutida. Este trabalho apresenta resultados preliminares de um experimento que consiste em produzir e avaliar contedos elaborados a partir dos conceitos de narrativa transmdia, propostos por Jenkins (2009). Para tanto, foi criado um blog de contedo aberto para a posta-gem e divulgao das notcias. Ainda no quesi-to estrutura, adotamos como dispositivo mvel para a produo de contedo, ou seja, textos, fotos, vdeos (inclusive a edio dos mesmos) e a postagem, um aparelho modelo iPhone 3GS, com aplicativos Reel Director (para edio de vdeos), Photoshop (para tratamento de fotos) e BlogPress (para postagem das notcias). Tam-bm adotamos, para a divulgao das notcias em redes sociais, o Twitter e o Facebook.

    O experimento foi iniciado em maro de 2010 com a criao do blog e a tentativa de se pro-duzir contedos a partir das possibilidades comuns de postagem. O blog www.jornalis-modebolso.blogspot.com foi criado como pla-taforma de estudo. A escolha pela plataforma blogger se baseou no link automtico com o fa-cebook, o YouTube e o Picasa, este ltimo para

    a postagem de fotos. Tambm optamos por ser uma plataforma de maior difuso, o que foi fun-damental para o experimento.

    Figura 1. Blog Jornalismo de Bolso.

    Neste primeiro momento da investigao, no-tamos as dificuldades na produo de notcias a partir de um dispositivo mvel. Assim mesmo, conhecemos as vantagens em se utilizar este equi-pamento multimdia para a produo de noticias pela agilidade, rapidez, portabilidade e qualidade do produto final. Por fim, percebemos as vanta-gens em se adotar as redes sociais para a produ-o e distribuio de notcias.

    Nesta etapa do estudo, compreendemos que a mobilidade um diferencial importante na produo de contedo. A agilidade em se de-senvolver contedo jornalstico a partir de um telefone mvel, por exemplo, de grande valor na publicao da informao. No experimento, uma situao de destaque foi durante um vo entre Madri e Santiago de Compostela em no-vembro de 2010. Na ocasio, a Espanha sofria fortes ventos, o que provocou a paralisao das atividades nos aeroportos de Barajas, em Ma-dri, e o aeroporto de Santiago de Compostela, na Galcia. Foram registrados vdeos de dentro do avio momentos de forte turbulncia, assim como fotos do cu espanhol totalmente encober-to. Tanto a produo de texto como a edio do vdeo e o tratamento da foto foram realizados durante o voo, e a postagem concluda ao chegar

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    cidade de Santiago de Compostela. O mes-mo ocorreu durante outro voo, desta vez entre Ribeiro Preto e Belo Horizonte, cidades bra-sileiras. O mau tempo no impediu o funcio-namento dos aeroportos, fechados meses antes por causa das fortes chuvas (tambm registra-dos pelo experimento, mas desta vez em terra).

    Tambm foi beneficiada pela mobilidade uma postagem realizada na quinta-feira vspera de carnaval. A matria postada registrou o inten-so movimento de viajantes com destino a Ouro Preto e a regio. Para tanto, imagens em vdeo foram captadas e editadas no prprio iPhone, assim como fotos registradas e o texto escrito e postado do prprio terminal rodovirio de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais.

    A distribuio das matrias tambm mereceu destaque. O curioso que o experimento con-tou com apenas dois comentrios diretamente no blog. Em compensao, como os links das postagens eram publicados simultaneamente no Twitter e no Facebook, as duas redes registraram volumes expressivos de comentrios. As 43 pu-blicaes alcanaram 61 comentrios no Twitter e 94 comentrios no Facebook. Respeito difu-so da notcia, a postagem Ouro Preto: cidade das igrejas foi reenviada pela @dminasturismo para os seus 1.277 seguidores.

    Figura 2. Difuso de notcia via Twitter.

    O destacado na pesquisa foi a facilidade de ope-racionalizar o aparelho. Pensamos que funda-mental a possibilidade de uma operao simples, direta, intuitiva. Dessa forma, as ferramentas ficam disposio para que qualquer jornalista bem intencionado possa produzir contedos al-ternativos sobre os fatos locais.

    A conexo disponvel, atualmente, no Brasil, compatvel com as necessidades deste tipo de operao, mesmo em cidades onde a cobertura 3G no oferecida. A rapidez de digitalizao tambm razovel, e melhora com o tempo, a partir do costume do jornalista, mesmo em um teclado to pequeno.

    O tratamento de imagens pelo Adobe Photoshop Express simples e limitado, mas compatvel com as necessidades das plataformas digitais. Sua simplicidade na operao faz com que qual-quer jornalista possa operar o aplicativo. J o edi-tor de vdeo Reel Director no de fcil operao, mas atende s necessidades do experimento. O nico inconveniente do aplicativo o custo para a instalao.

    O aplicativo BlogPress de fcil operao e aten-de s necessidades do experimento. A nica li-mitao est na no possibilidade de se inserir link para outros textos. Ele cria link automati-camente entre o texto do blog e as redes sociais autorizadas para isso, como Facebook e o Twit-ter. Nestes espaos, os contedos so produzidos pela sociedade que se organiza de acordo com seus interesses em comum, o que Castells (1999, p. 566) define como Sociedade em rede.

    Redes so estruturas abertas capazes de expan-dir de forma ilimitada, integrando novos ns desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mes-mos cdigos de comunicao (por exemplo, va-lores ou objetivos de desempenho).

    As redes so criadas de acordo com os desejos de seus usurios, que desenvolvem seus contedos

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    digitais proporcionados pelas novas tecnologias, que agora lhes possibilitam a participao direta nos processos de produo.

    Com os resultados do perodo de experimen-tao, proporcionados pelas 43 matrias de teor jornalstico, a maioria de ns fortemente apoiada no conceito factual pudemos observar a viabilidade de se produzir notcias com os di-versos suportes miditicos (texto, foto e vdeo) de um aparelho de telefonia mvel. Descobri-mos que vivel e de simples operacionalizao esta produo, o que torna a possibilidade in-teressante, pois a mobilidade algo necessrio para os jornalistas da atualidade, especialmente os que atuam nas mdias digitais. Por fim, sen-timos que as redes sociais so capazes de difun-dir com destreza a informao publicada pelos jornalistas, criando assim uma audincia midi-tica de maior alcance e expressividade.

    Consideraes

    Com os resultados deste estudo, a comunicao caminha para uma realidade ainda mais mista, composta por diversas linguagens para produ-zir mensagens complementares a fim de obter um discurso final.

    A partir das caractersticas da sociedade contem-pornea, criou-se, naturalmente, o que Jenkins denominou de narrativa transmdia. Com isso, desenvolveram-se linguagens transmdia, aten-dendo aos parmetros comunicacionais e, ne-cessariamente, s demandas apresentadas para tais linguagens.

    Dentre as linguagens expressivas, encontram--se as destinadas aos produtos de fico, prin-cipalmente por questes mercadolgicas. Jogos virtuais, cinema, televiso e mesmo o ARG, que ultrapassam as fronteiras demarcadas pela cate-goria jogos, passaram a ser atendidos pelos es-tudos e pelas propostas de narrativa transmdia.

    Isso se potencializou com o desenvolvimento das redes sociais, onde os usurios passaram a ser co--autores de diversos contedos na Internet.

    Contudo, ainda faltam estudos mais aprofunda-dos que contemplem outra fatia importante da comunicao: o jornalismo. Os estudos realiza-dos mostram que h um espao e uma necessi-dade do jornalismo construo das narrativas transmdia jornalstica. Porm, existem poucas iniciativas a respeito.

    Os resultados tambm mostram que a narrativa transmdia deve ser desenvolvida para o jorna-lismo, e provavelmente com a mesma estrutura de linguagem adotada pela fico. Para mensu-rar tais resultados a partir da produo de conte-do para o jornalismo, devemos desenvolver, em futuras pesquisas, um estudo de recepo para analisar o contedo produzido na ocasio.

    Portanto necessrio ampliar a discusso sobre as narrativas transmdia para outros contedos, e no somente os de fico, propostos por Jenkins.

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