paginas de espiritismo cristao - rodolfo calligaris
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RODOLFO CALLIGARIS
Páginas de Espiritismo Cristão
Índice 1 — Abandonar Pais, Irmãos, Esposa e Filhos 7
2 — A Ambição ............... ... 10
3 — A Avareza ........................ 13
4 — “Na Casa de meu Pai há muitas Moradas” 16
5 — A Cólera ...... .............. 20
6 — A Conversão de Zaqueu .......... 23
7 — Cristo Redentor ............ ..... 26
8 — O Culto da Saudade . . ......... 29
9 — Dar, sem esperar Retribuição 32
10 — "Deixa que os M o r t o s enterrem seus
Mortos" . . . . . .............. ........ ... 35
11 — Divagações em torno da Fé ..... 38
12 — O Egoísmo ........... ..... ... 41
13 — Escravo do Pecado ..... . ...... 44
14 — As Expiações Coletivas ......... 47
15 — A Família e a Lei de Consequência 51
16 — Fatores da Personalidade ....... 54
17 — “Filho, trabalha hoje na minha Vinha” ... 57
18 — A Fortaleza de nossa Alma ..... 60
19 — 0 Furto .......................... 63
20— O Grande Enjeitado .. .. .. „ .... 66
21 — Hoje e Amanhã .................. 70
22 — O Homem diante da Morte ..... 73
23 — Na Hora do Testemunho .. ..... 76
24 — O Inferno ....................... 79
25 — A Ingratidão ..... .. ..... .... 83
26 — Inspiremo-nos no Evangelho .... 86
27 — A Intemperança .............. .. 90
28 — A Inveja ...... .. ............... 93 29 — O Jugo do Cristo ................ 96
30 — A Luxúria ..................... ... 99
31 — Magnífica Lição de Tolerância .. 103
32 — A Magna Opção: Ganhar o Mundo ou Sal
var a Alma ............ ....... .. ...... . 105
33 — A Maledicência .................. 108
34 — Malefícios do Sectarismo ............. 111
35 — Males do Corpo, Medicina da Alma (I) ... 113
36 — Males do Corpo, Medicina da Alma (II) . . 116
37 — A melhor Oração ................ 119
38 — A Missão dos Cristãos ........ 122
39 — A Mulher Adúltera .................... 125
40 — A Mulher Cananeia .............. 128
41 — “Não castigarei eternamente” .. 131
42 — “Não vim trazer á Paz, mas sim a Espada” 134
43 — O óbolo da Viúva ................ 137
44 — O Orgulho ..................... 140
45 — Os Pecados contra o Espírito-Santo 144
46 — “Porque muito amaste, estás perdoada” . . 147
47 — O Parajítico de Cafamaum ...... 150
48 — Pedro e as Chaves do Reino .... 153
49 — A Preguiça .................... 157
50 — O Problema da Paz .............. 160
51 — As Quatro Operações ....... 163
52 — Responsabilidade Pessoal ........ 166
53 — Somos o que pensamos .......... 169
54 — O Sublime Idealista ........... 172
55 — A Tentação de Jesus (I) ......... 176
56 — A Tentação de Jesus (II) ........ 179
57 — A Tentação de Jesus (III) ... .. • 182
58 — A Tentação de Jesus (IV) .... 185
59 — A Vaidade .... .. .............. *88
60 — A Vingança ***1
1 Abandonar pais, irmãos, esposa e filhos.,.
“Aquele que ama a seu pai ou a sua mãe, mais do que a mim, de mim não é digno; aquele que ama a seu filho ou a sua filha, mais do que a mim, de num não é digno” (Mat., .10:37.)
“Aquele que houver deixado, pelo meu nome, sua casa, ou seus irmãos, ou suas irmãs, ou seu pai, ou sua mãe, ou sua mulher, ou seus filhos, ou suas terras, receberá o cêntuplo de tudo isso e terá por herança a vida eterna.” (Mat., 19:29.)
Essas palavras do Evangelho, interpretadas ao pé da letra, têm dado margem a
sérios equívocos entre aspirantes à vida espiritual.
Muitas criaturas, sentindo o desejo de devotar- -se aos ideais superiores, e
julgando-os incompatíveis com a vida ordinária, resolvem abandonar os pais e os
irmãos, ou a esposa e os filhos, para se recolherem a um claustro ou entregarem-se
ao ascetismo, na suposição de que, com isso, estejam atendendo ao chamamento do
Cristo.
Em verdade, porém, essa atitude não condiz com a doutrina cristã, que nos
ordena honrar pai e mãe, bem assim amar o próximo como a nós mesmos.
Abandonar aqueles que compõem nosso círculo familiar, ou simplesmente
deixar de prestar-lhes a devida assistência, para cuidarmos egoisticamente do
próprio desenvolvimento espiritual, é tão censurável como não nos interessarmos
por isso.
Talvez seja até pior, porquanto aqueles que zelam pelo bem-estar da família,
que não lhe faltam com o apoio material e moral, estão cultivando o sentimento
essencial do dever, e ninguém pode aspirar aos graus mais elevados da realização
espiritual enquanto não haja aprendido as lições mais simples da vivência comum.
Assim, quem abandone os pais, irmãos, esposa ou filhos, quando ainda lhes seja
indispensável, para consagrar-se unicamente a propósitos espirituais, será
forçado a voltar à pauta de seus deveres, porque ninguém pode avançar
espiritualmente, deixando para trás obrigações e compromissos assumidos com
aqueles que a providência Divina há colocado dentro do seu lar, na condição de
credores de sua melhor atenção e carinho.
Por outro lado, não se devem confundir esses • deveres com a preocupação
doentia dos que atravessam a existência acumulando dinheiro e propriedades, para
que a família herde um patrimônio, ainda que, para conseguir esse desiderato,
precisem empregar a astúcia, a desonestidade, a violência e outros recursos
menos dignos.
Essas obrigações familiares menos ainda devem fazer-nos esquecidos dos
deveres que temos para com “os outros”; também eles são filhos de Deus, e, pois,
nossos irmãos.
Não é razoável, portanto, que, por consideração à família, nos escravizemos às
exigências sociais, a ponto de nunca nos sobrar uma hora para um contacto direto
com os sofredores, aos quais devemos solidariedade, como nãó é justo
despendermos com a parentela, no vício ou no luxo, quantias que dariam para
atender a inúmeros desafortunados, carecidos de pão, agasalho, remédio, etc.
'
Devemos lembrar-nos de que nossos familiares são, como nós, espíritos em
evolução e que, antes de Jhes garantirmos uma boa situação material, melhor fora
que lhes déssemos uma boa formação moral; que, ao invés de lhes satisfazermos a
todos os caprichos e vaidades; cumpre-nos despertar-lhes, com o nosso exemplo, o
gosto pela prática do Bem, fazendo-os sentir quanto é sublime renunciar a
mesquinhas satisfações pessoais em favor das necessidades do próximo.
Acreditamos, mesmo, seja essa a melhor ajuda que possamos oferecer-lhes,
embora nem Sempre sejamos compreendidos por eles.
Resumindo : não é certo desampararmos nossos familiares, na vã tentativa de
salvar-nos sozinhos, hem tão-póueo nos submetermos aos seus interes- ses
puramente mundanos. O ideal seria conseguir e manter uma posição de equilíbrio,
“dando a César õ que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
2 A Ambição A ambição é um impulso natural que, até certo ponto, nada tem de censurável,
constituindo-se, mesmo, num elemento indispensável ao progresso individual e
social.
De fato, é pelo desejo de prosperar e sobressair que os homens são
estimulados ao estudo e ao trabalho, atividades essas que lhes desenvolvem cada
vez mais as faculdades intelectuais e voliti- vas, resultando daí reais benefícios
para a coletividade.
Fôssemos todos apáticos, indiferentes, e nossa civilização estaria ainda na
estaca zero.
A ambição deixa, todavia, de ser um bem, e assume a feição de vício detestável,
quando excede determinados limites, caindo no exagero. Em outras palavras,
quando, ao invés de ser governada por nós, passa a nos governar.
Desde o instante em que isso acontece, nossas ações tomam-se perigosas e
prejudiciais, não só para nós próprios como também para aqueles que cruzam pelo
nosso caminho, pois todos os recursos nos parecerão bons, contanto que sirvam
para con- duzir-nos aos objetivos que colimamos.
Quê de sofrimentos e quantas lágrimas são derramadas por este mundo afora,
por causa da ambição desenfreada!
Uns, colocando o interesse acima do coração, uniram indissoluvelmente seus
destinos a outrem, certos de que a riqueza lhes proporcionaria todas as venturas
imagináveis; convencendo-se, posteriormente, de que ninguém pode viver feliz sem
amor, colheram terrível desilusão que lhes amargurou o resto da existência.
Outros, ávidos de uma situação melhor, deixaram o meio em que, embora com
parcimônia, tinham, garantidos, o sustento e a estabilidade da família; não se
achavam, entretanto, suficientemente preparados para mudarem de serviço e, de
fracasso em fracasso, reduziram-se à indigência.
Alguns, sonhando com as vantagens deste ou daquele cargo eletivo, se
empenharam em campanhas eleitorais altamente dispendiosas, investindo 'nelas
tudo quanto conseguiram economizar em longos anos de trabalho e, nada
conseguindo, arruinaram-se .
Àqueles outros, cujos negócios corriam satis- fatòriamente, na ânsia de se
locupletarem a curto prazo, assumiram compromissos ousados demais, superiores
às condições de solvabilidade com que poderiam contar seguramente, e, seja
porque fatores imprevisíveis houvessem interferido para lhes frustrar as
previsões, seja por outro motivo qualquer, acabaram indo à bancarrota, arrastando
em sua queda amigos e parentes que neles confiaram.
Uma das manobras de que a ambição mais se tem valido para tentar ganho fácil,
sem esforço, é a jogatina. \^
Joga-se nos cassinos, nos clubes, nos hipódromos, nos botequins, nas ruas e até
em residências familiares.
Apostas, lances e sorteios são feitos sob as mais variadas formas: em brigas de
galos, lutas de box, páreos turfísticos, corridas de automóveis, competições
esportivas, carteados, dados, tômbolas, loterias, roletas e não sabemos mais o
que, além dos jogos disfarçados, como os carnês de certas émpresas comerciais,
as rifas. etc.
A melhor coisa que nos pode acontecer quando, por brincadeira ou simples
curiosidade, participamos de uma mesa de jogo, é perder na primeira vez, porque
assim nos desiludimos logo e não voltamos a arriscar dinheiro em tão nefasto
passatempo.
Se, porém, tivermos “sorte”, dificilmente resistiremos à tentação de renovar
as partidas e paradas, na esperança de aumentar o lucro, e, uma vez adquirido o
vício, todos sabem a que extremos poderemos chegar.
Ganhando hoje, perdendo muito mais amanhã, o infeliz jogador tudo sacrifica
na tentativa dé recuperar o prejuízo: a última jóia, o salário destinado à mantença
do lar, o numerário da firma para a qual trabalha, eventualmente sob sua guarda...
Depois, empenha a palavra, contrai empréstimos que é incapaz de resgatar e,
vendo-se perdido, não vê outra saída senão apelar covardemente para o suicídio,
enchendo a família de dor e de vergonha, sem falar no martírio a que esse gesto de
loucura o lança no mundo espiritual.
Estejamos alerta, portanto, contra os perigos da ambição.
Dominemo-la, para que ela não nos domine!
3 A Avareza A avareza, ou seja, o apego exagerado aos bens terrenos, é um resquício de
animalidade que o homem, malgrado séculos e séculos de civilização, ainda não conseguiu
vencer.
Na fase sub-humana de sua evolução, quando o instinto de conservação sobrelevava
a qualquer outro, determinando-lhe o modm vivendi, sempre que conseguia alimentos em
abundância, entupia- -se de tanto comer porque não sabia se no dia seguinte podería
fazê-lo.
Ainda hoje, não é outra a preocupação dos avarentos: guardam e protegem com
unhas e dentes seus haveres materiais, com receio de que, num futuro propinquo ou
longínquo, lhes venha a faltar o indispensável à subsistência.
Muitas vezes, o que conseguiram amealhar é mais que suficiente para garantir-lhes
largos anos de vida, a salvo de problemas financeiros, podendo, por conseguinte,
satisfazer-se com as boas coisas deste mundo.
Encarecendo, porém, em demasia, a necessidade de prevenir-sé contra as
incertezas do “amanhã”, não se permitem qualquer gozo que implique gasto de dinheiro,
impondo, desse modo, a si mesmos é aos que vivem sob sua dependência econômica, um
regime de miséria simplesmente execrável.
Assim, conquanto tenham a ilusão de possuir fortuna, na verdade são por ela
possuídos, e ao invés de disporem dela, como senhores, a ela se subordinam, quais
meros escravos.
A avareza torna o homem insensível, endurece-lhe o coração, sufoca-lhe os
sentimentos nobres, fazendo que repila sistemàticamente quantos apelos lhe
sejam feitos em nome da solidariedade humana. Redu-lo a indigente moral digno de
lástima, muito mais infeliz que os próprios mendigos aos quais recusa uma esmola.
Sim, porque os avarentos atravessam a existência insatisfeitos e intranquilos,
desejando, por um lado, aumentar cada vez mais seus cabedais, temendo, por
outro, que alguém lhos roube.
Ao transporem as fronteiras da Morte — di-lo o Espiritismo — longe de
cessarem, aí é que suas aflições se exacerbam.
Imanizados ao “seu” tesouro, assistem, desesperados, à partilha do mesmo
entre os familiares, que, em lugar de preces agradecidas, quase sempre só lhes
dirigem chacotas e impropérios, verberando-lhes a sovinice.
Não podendo impedir tal divisão, acompanham os passos dos herdeiros e,
vendo-os dissiparem, em pouco tempo, o que levaram anos e anos para acumular,
enfurecem-se, esbravejam, choram, sofrendo a cada cédula despendida uma
punhalada atravessar-lhes o peito.
Segundo o Evangelho, ser avarento é incluir- -se entre os adoradores de
Mamon, o que vale dizer, confiar mais no poder do dinheiro do que na Providência
Divina, prendendo-se às ilusões terrenas em detrimento da conquista do reino do
céu.
Alijemos, pois, de nós esse vício desprezível.
Deus é pai amantíssimo e, creiamo-lo, jamais deixou ou deixará sem socorro a
nenhum de Seus filhos.
Como disse Jesus no Sermão da Montanha, se Ele não descuida das flores e das
aves, vestindo- -as e alimentando-as com carinhoso desvelo, quanto mais o não fará
por nós?
Se repararmos bem, haveremos de perceber que, graças à Sua infinita
misericórdia, nossa sorte é mais ditosa do que o merecemos, não sendo melhor
ainda por culpa nossa, exclusivamente.
£ que, mantendo as mãos fechadas, segurando avaramente o que temos,
ficamos, com esse gesto, impossibilitados de receber as muitas dádivas que Deus
está a nos ofertar, constantemente, para que nada nos falte e vivamos, todos,
alegres e venturosos.
4 «Na Casa de meu Pai há muitas moradas»
O mundo que habitamos faz parte de um séquito de planetas e asteróides que
acompanham o Sol em sua viagem péla vastidão incomensurável do espaço.
Desses corpos celestes, o que se acha mais perto do Sol é Mercúrio (57 milhões
de quilômetros), seguindo-se-lhe: Vénus, Terra, Marte, os asteróides, aos
milhares, depois do que vem o grupo dos grandes planetas, Júpiter, Saturno,
Urano, Netuno e Plutão, este a tuna distância média de 5.950 milhões de
quilômetros.
Em virtude das diferentes distâncias que separam esses planetas do centro do
sistema, o tempo que gastam para completar uma revolução ao redor do Sol varia
entre 88 dias e 250 anos terrestres.
Em tamanho, nosso planeta sobrepuja Marte, Mercúrio, Plutão e Vénus, mas
fica muito atrás de Netuno, Urano, Saturno e Júpiter, cujas grandezas se avaliam
em 55, 63, 745 e 1330 vezes maior que a Terra, respectivamente.
Como se sabe, enquanto só temos uma lua, Júpiter tem onze e Saturno, o mais
singular dos planetas, além do seu imenso diadema em forma de anel tríplice, tem
dez satélites, cujos movimentos alternantes produzem jogos de sombra, de luz e
de cores simplesmente maravilhosos.
-Comparado com o nosso planeta, o volume do Sol é 1 milhão e 300 mil veies
maior; seu diâmetro sobreexcede a distância que separa a Terra da Lua, o que vale
dizer que não poderia passar entre elas.
A luz solar, sem a qual seria impossível a vida cá na Terra, percorrendo 315 mil
quilômetros por segundo, leva 8 minutos e 18 segundos para chegar até nós.
Para que se avalie melhor a distância enorme que nos separa do Sol, basta dizer
que um poderosíssimo avião a jato, voando dia e noite, ininterruptamente; a uma
velocidade de mil quilômetros por hora, levaria perto de 20 anos para atingir o
astro-rei.
Nosso sistema planetário, todavia, não ocupa senão um ponto ínfimo no
universo. Haja vista que ele pertence a um agrupamento estelar, ou galáxia,
chamada Via-Láctea, onde existem mais ou menos 40 bilhões de estrelas, algumas
das quais tão grandes, mas tão grandes, que uma só toma espaço igual ao ocupado
pelo Sol e quase todos os planetas que este arrasta consigo.
Considerando que a população terrestre é de aproximadamente dois e meio
bilhões de pessoas, segue-se que, só na Via-Láctea, há 16 vezes mais sóis do que
gente neste mundo!
E a Via-Láctea não é o único agrupamento de estrelas no espaço... Graças aos
modernos telescópios, os astrônomos puderam verificar que o universo se expande
cada vez mais, com a formação de novas galáxias, calculando-se, hoje, em mais de
100 milhões o. número das que já podem ser vistas, sem falar daquelas que nos
escapam à observação.
Uma dessas galáxias mais próximas, denominada Nebulosa de Andrômeda, dista
de nosso sistema solar cerca de 680 mil anos-luz. Se nos lembrarmos que um
Ano-Luz é o espaço percorrido pela luz durante um ano inteiro, à razão de 315 mil
quilômetros por segundo, isso significa uma distância tal que a imaginação humana
é absolutamente incapaz de conceber.
Ora, se o universo tem tais dimensões e se o número de planetas que nele
existe deve contar-se pela ordem dos trilhões ou mais, não constitui uma
ingenuidade, ou pior, uma falta de inteligência, supor que apenas a Terra seja
habitada por seres racionais ?
Teria Deus criado tudo isso, apenas para recrear a vista dos terrícolas ?
Claro que não, pois Deus nada faz sem um fim útil.
Os mundos que gravitam no espaço infinito, tal o . ensino do Espiritismo, são as
diferentes moradas da casa do Pai celestial (João, 14:2), onde outras
Humanidades, em vários graus de adiantamento, encontram habitação adequada ao
seu avanço.
Entre eles, há os que são inferiores à Terra, física e moralmente; outros que se
lhe assemelham e outros mais ou menos superiores, sob todos os aspectos.
Nos mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma humana, a
vida, toda material, se limita à luta pela subsistência, o senso moral é quase nulo e,
por isso mesmo, as paixões reinam soberanamente.
Nos mundos intermediários, seus habitantes caracterizam-se por uma mescla de
virtudes e de defeitos, e daí a alternância de momentos alegres e felizes, com
horas de amargura e de sofrimento.
Já nos mundos superiores, o bem sobrepuja o mal, e, nos mundos celestes ou
divinos, morada de Espíritos depurados, a felicidade é completa, de vez que
todos hão alcançado o cume da sabedoria e da bondade.
5 A Cólera A cólera é, sem dúvida, filha do orgulho.
Com efeito, basta que se faça uma alusão a certo defeito nosso; uma
comparação que nos rebaixe ou simplesmente nos seja desfavorável; uma critica,
ainda que sincera e construtiva, a qualquer realização de que tenhamos sido
responsáveis; ou que alguém desatenda a uma ordem, esqueça uma recomendação
ou contrarie uma opinião nossa, para que a irritação se instale em nosso espírito,
nos faça perder a razão e nos impila à violência verbal ou física.
Nesses momentos de fúria, é comum, então, dizermos coisas que não sentimos,
tomarmos atitudes que não condizem com as normas da civilidade, e até infligirmos
sevícias em quem quer que nos caia ao alcance das mãos (ou dos pés).
Quase sempre, muito nos arrependemos depois desses acessos de loucura,
lamentando amargamente termos magoado e ofendido aqueles que estimamos, mas
já o mal terá produzido seus efeitos: rancores em uns, traumas psíquicos em
outros, etc.
Muitas dessas criaturas que, diante das mínimas contrariedades, se
descontrolam e se deixam empolgar pela cólera, atribuem-na ao temperamento
com que a natureza os dotou, e, dando-se por justificadas, não- diligenciam, para
extirpá-la. Como poderei agir de outro modo — dizem — se Deus me fêz assim,
bilioso e explosivo?
A verdade, porém, é que a cólera, como de resto todos os vícios, é uma
imperfeição de nosso espírito, respondendo cada um por todos os desatinos que
venha a praticar nesse estado.
Eis algumas advertências do Evangelho a respeito, que nenhum cristão deve
desconhecer:
“Todo homem que se irar contra seu irmão será réu no juízo” (Mat., 5:22.) “Se vos irardes, seja sem pecar; não se ponha o sol sobre a vossa ira.” (Ef., 4:26.) “Seja todo homem pronto para ouvir, ponderado no falar e moroso em se irar; porque
na ira o homem não faz o que é justo aos olhos de Deus.” (Tg, 1:19-20.) Pois bem: o melhor meio de corrigir-nos de um defeito é cultivarmos a virtude
que lhe seja oposta.
Assim, para deixarmos de ser coléricos, o que temos a fazer é exercitar-nos na
mansidão, tomando por modelo o Mestre dos mestres, que, mesmo nas
circunstâncias mais constrangedoras, jamais perdeu a calma, nunca teve um gesto
de violência, nem se permitiu qualquer revide às ofensas e maus tratos de que foi
alvo, e, por isso, tinha plena autoridade para aconselhar:
“Não resistais ao que vos fizer mal, e se alguém vos ferir na face direita, oferecei-lhe também a esquerda.” (Mat., 5:39.)
“Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas.” (Mat., 11:29.) '
Estas máximas, que a alguns poderiam parecer a consagração da pusilanimidade
e da covardia, e, pois, inaceitáveis para um homem de brio, constituem, ao contrário,
regras de conduta que só os realmente fortes são capazes de exemplificar.
Sim, porque reagir à valentona, como os irracionais, denota fraqueza
espiritual, ao passo que a brandura é apanágio das almas que, havendo
conquistado a si mesmas, adquiriram tão grande fortaleza moral que ninguém as
pode atingir, nem perturbar-lhes a doce tranquilidade interior, muito menos a
golpes de ignorância e de brutalidade.
A Doutrina Espírita esclarece-nos que devemos refrear nosso mau gênio,
esforçando-nos por ser mansos e pacíficos, não apenas por meras razões
místicas, mas como medida de higiene mental, pois, sempre que nos
encolerizamos, lançamos em nosso organismo forte dose de adrenalina, e isso,
fazendo aumentar a pressão sanguínea, pode provocar uma apoplexia,
arruinar-nos a saúde, senão mesmo causar-nos a morte.
E o traspasse nessas condições ser-nos-ia sobremaneira penoso, tais as
perturbações que viríamos a sofrer no mundo espiritual.
6 A conversão de Zaquen Conforme nos relata Lucas (Cap. 19:1 a 10), vivia em Jericó um homem chamado
Zaqueu, um dos principais entre os publicanos e pessoa muito rica.
Certo dia, tendo Jesus entrado nessa cidade, Zaqueu mostrou-se desejoso de o
conhecer, o que não conseguia, devido à multidão que o rodeava e por ser de
pequena estatura.
Então correu à frente da turba e subiu a um sicômoro, para vê-lo, porquanto ele
havia de passar por ali.
Chegando a esse lugar, Jesus levantou o olhar e,. vendo-o, disse-lhe:
— Zaqueu, desce depressa, porque preciso que me hospedes hoje em tua casa.
Zaqueu desceu imediatamente e o recebeu, jubiloso.
Vendo isso, todos murmuravam, dizendo que ele tinha ido hospedar-se em casa
de um homem de má vida.
Entretanto, Zaqueu, prostrando-se diante do Mestre, disse-lhe:
— Senhor, dou a metade dos meus bens aos pobres e, se causei dano a alguém,
seja no que for, restituo-lhe quatro tantos.
Ao que Jesus sentenciou:
— Esta casa recebeu hoje a salvação, porque também este é filho de Abraão,
pois- o filho do homem veio para procurar e salvar o que estava perdido.
Quantas e que formosas considerações nos sugere esse episódio,
aparentemente tão banal!
Por ele compreendemos que há, como sempre houve e' haverá, certas almas que
se entregam ao mal apenas porque não foram despertadas' para o bem; almas que
preservam, contudo, alguns escaninhos indenes às misérias e torpezas mundanas,
constituindo-se terreno fértil onde a semente dos ideais nobres e generosos pode,
a qualquer momento, germinar, florescer e frutificar abundantemente.
Zaqueu era uma dessas almas. Arrecadador de impostos, enriquecera
ilicitamente e vivia defraudando o próximo com exações e lucros escandalosos,
mas, a despeito disso, a doutrina do Mestre encontrara ressonância em seu
coração e por isso ardia em desejos de conhecê-lo.
Pode parecer a alguns que, subindo a uma árvore para conseguir ver as feições
de Jesus, Zaqueu tenha cedido apenas à curiosidade. £ evidente, porém, que o
móvel de sua ação era bem miais elevado: talvez uma ânsia incontida de receber
alguma bênção, ou de ouvir-lhe uma palavra que demudasse o rumo de sua
existência. Por simples curiosidade, não iria ele expor-se ao ridículo e enfrentar os
apodos e gracejos da multidão, mor- mente tendo-se em vista a alta posição que
ocupava entre os publicanos.
Jesus, cujo olhar penetra o âmago das criaturas, percebeu o que ia pela alma de
Zaqueu, notou quanto era sincero aquele arroubo, e daí o ter-lhe solicitado
hospedagem, para escândalo do povo, que, como em outras ocasiões, entrou logo a
murmurar, censurando-o por albergar-se em casa de pecadores.
Notemos, no entanto, que cena maravilhosa ali ocorre.
Ao acolher tal hóspede, Zaqueu cai-lhe aos pés, e exclama:
— Senhor, distribuo aos pobres a metade dos meus haveres; e se lesei a alguém,
seja no que for, restituo-lhe quadruplicado.
Não diz: distribuirei, hei-de restituir, mas sim: distribuo, restituo, o que
caracteriza bem a realidade de sua transformação moral. E isso ele o faz bem
públicamente, penitenciando-se num gesto de humildade perfeita, como poucas vezes
se descreve nos Evangelhos.
Mandava a lei de Moisés que todo aquele que furtasse uma ovelha, restituísse quatro
por ela. Se o furto, porém, ainda se achasse intacto, e fôsse espontâneamente
restituído, bastava acrescentar- -se-lhe uma quinta parte do seu valor.
Zaqueu, portanto, ao condenar-se a si próprio, inflige ao seu delito o maior rigor
da pena, e, não só repõe quatro vezes o mal-adquirido, como ainda se despoja do que
lhe pertence legltimamente, em benefício dos pobres.
Isto, sim, é conversão!
Oxalá todos fôssemos capazes de seguir o exemplo de Zaqueu, pois, em verdade,
enquanto não prepararmos a morada de nossos corações, para nela recebermos a visita
do Cristo; enquanto nossa consciência não se iluminar com sua presença, e não nos
disponhamos a reparar todo o mal qué houvermos feito aos riossos irmãos, não teremos
a glória de ser chamados “filhos de Abraão”, palavras que significam “herdeiros do céu"!
7 Cristo Redentor O fato de o Espiritismo não aceitar como verdadeira a história da “queda do
homem”, pelo menos em sua interpretação tradicional, pode dar a ideia de que
negue, também, os méritos de Jesus-Cristo como nosso Salvador, o que não é
exato.
O conceito espírita de salvação é que diverge profundamente daquele esposado
pela Teologia.
Senão, vejamos:
Afirma a Teologia que os homens são filhos do pecado, maus desde a origem e,
portanto, incapazes de se salvarem a não ser pela graça.
Já o Espiritismo sustenta que eles são filhos de Deus, essencialmente bons e,
como tais, suscetíveis de alcançarem a perfeição pelo próprio esforço e
merecimento.
A Teologia dogmatiza ter sido indispensável o sacrifício de Jesus para que
Deus viesse a perdoar à Humanidade pelo pecado de Adão e Eva.
O Espiritismo elucida que, se era propósito de Deus conceder tal perdão, não
precisava subordiná-lo ao sofrimento de um inocente, ainda que este se
oferecesse espontâneamente para isso. Esse Deus que nos manda perdoar sem
condições nossos ofensores, tantas vezes quantas sejam as ofensas recebidas
(Mat., 18:22; Luc., 17:4), seria menos misericordioso que os homens?
A Teologia faz a salvação do gênero humano depender exclusivamente da morte do
Cristo, colocando em segunda plana seus ensinamentos e os feitos marcantes de sua
vida.
O Espiritismo, ao contrário, dá mais ênfase a estes, considerando aquele apenas
o coroamento de sua missão. Com efeito, Jesus-Cristo se fêz carne entre nós a fim
de libertar-nos da ignorância e levar-nos à edificação do “reino dos céus” em nossos
próprios corações. Para tanto, deu-nos a conhecer a lídima interpretação do Código
Divino, todo ele calcado no Amor, e, no cumprimento de seu mes- siado, exemplificou-o
até às últimas consequências, suportando estòicamente a perseguição e o flagício na
cruz, para oferecer-nos, em seguida, com suas manifestações tangíveis, a prova
histórica e indestrutível da Imortalidade. Mostrou-nos, através do Evangelho e de sua
vivência, “o caminho da Verdade e da Vida Eterna”, para que, seguindo-lhe as pegadas,
chegássemos igualmente à meta final de nossos destinos, tornando-nos unos com ele,
como ele já o é com o Pai Celestial. Foi, portanto, a sua vida admirável que nos
beneficiou, e não a sua morte, se é que se pode usar este termo com relação a alguém
cujo corpo nem sequer conheceu a corrupção.
Ainda segundo a Teologia, após sua breve existência terrena, Jesus-Cristo, sem
mais nada a fazer, teria subido às mansões celestiais, ocupando um assento à direita
de Deus, onde aguarda o final dos tempos para vir julgar os vivos e os mortos, quando,
então, premiará uns poucos eleitos com a bem-aventurança e condenará 03 outros (a
maioria) às penas eternas. Resultado melancólico, que não se coaduna com sua
bondade, não condiz com sua sabedoria, e, se yerdadeiro fôsse, implica* ria
tremendo fracasso.
O Espiritismo, inversamente, ensina-nos que, conquanto não seja Deus, e sim um
Espírito sublimado, Jesus-Cristo é o governador de nosso planeta, a cujos destinos
preside desde a sua formação. “Tudo (na Terra) foi feito por ele, e, náda do que.
tem sido feito, foi feito sem ele”, diz-nos João, 3:1. Pastor dedicado e extremoso,
prometera que, “das ovelhas sob sua guarda, nenhuma se perdería” e, fiel a essa
promessa, tem estado e continuará sempre atento aos sucessos deste mundo,
assistindo carinhosamente os terricolas. em nossa marcha evolutiva, em cujo
mister não descansará até que nos veja, TODOS, a salvo e felizes, no aprisco do
Senhor.
Destarte, longe de subestimar a figura excelsa do Cristo, a Doutrina Espírita
é a única que lhe faz plena justiça, ressaltando-lhe a infinita abnegação e o
caráter de autêntico Redentor da Humanidade.
8 O culto da saudade As homenagens que se prestam, aos “mortos” em todo o mundo, para os que
meditam e percebem a subjetividade das coisas, têm uma significação bem mais
profunda do que geralmente se imagina.
Elas não refletem apenas a afetividade daqueles que ficaram; são
manifestações inequívocas de uma crença inata na existência da alma e em sua
sobrevivência; é a afirmação solene da certeza de que a sepultura não é o término
fatal da vida, mas a porta de entrada para um novo modo de existência.
Até mesmo os que fazem alarde de suas convicções materialistas, quando a
morte lhes arrebata um ente muito amado, não podem sopitar a amargura que
experimentam ante esse transe angustioso, e, contrariando os princípios da
doutrina que perfilham, recusam-se a admitir que os ideais, os sentimentos e as
virtudes, que caracterizavam esse ente querido, possam diluir-se irre-
mediàvelmente na corrupção da matéria.* ‘ Daí, pois, a universalidade das demonstrações de respeito, veneração e carinho à
memória dos que já empreenderam a grande viagem.
lnfelizmente, grande parte da Humanidade não aprendeu, até agora, a aliar o
sentimento à razão, e, por isso, as homenagens póstumas assumem ainda aspectos
fúteis e, porque não dizê-lo, piegas até.
"Ê comum, por exemplo, os intimos de alguém que partiu vestirem-se de luto
pesado, como se a cor da roupa fôsse capaz de exprimir as mágoas do coração.
São frequentes, também, os funerais pomposos, que ultrapassam a
possibilidade das famílias enlutadas, as quais, depois, são compelidas a sacrifícios
inauditos por causa dessas despesas.
Gastam-se somas enormes em suntuosas coroas, somente para realçar um ato
doloroso e . . . dias depois são elas atiradas ao lixo como coisa inútil.
Constroem-se mausoléus do mais fino carra- ra, que custam verdadeiras
fortunas, visando, com isso, a oferecer o testemunho de um afeto imperecível,
quando o dinheiro equivalente poderia ser empregado em benefício dos menos
favorecidos da sorte, o que valeria por uma homenagem de alta significação moral,
aliás a única maneira de agradar a quem já se desfez das fatuidades da vida
material.
Com o que se esbanja nessas exterioridades, quantas lágrimas poderiam ser
estancadas, quantos estômagos vazios poderiam ser nutridos, quanto sofrimento
poderia ser atenuado, quantos miseráveis poderiam ser socorridos e amparados!
A simples visita aos cemitérios é outro costume, respeitável porque sincero,
mas que deveria ser esquecido pelos espiritualistas de todos os credos religiosos.
Efetivamente, se o corpo físico nada mais representa senão a indumentária de
que a alma se utiliza para cumprir o seu desideratum neste mundo, corpo esse que,
conforme nos ensina a Ciência, em cessando a vida orgânica, dissocia-se
paulatinamente, perdendo uma por uma as moléculas que o compunham, até ser
reduzido a nada, indo essas moléculas entrar na composição de novos corpos
vegetais ou animais, porque esse apego, esse culto aos despojos cadavéricos?
Porque irmos às necrópoles, chorar ante o túmulo dos qué nos eram caros, se
eles, amiúde, estão espiritualmente ao nosso lado, velando por nós, participando de
nossa existência, sorrindo quando sorrimos, sofrendo quando sofremos?
Em vez de visitarmos o local onde baixaram suas carcaças putrescíveis, local
onde eles aòmente se fazem presentes quando atraídos pela mensagem de nossos
pensamentos, pela nossa prece quente e comovida, visitemos, em sua memória, os
cárceres, os asilos, os orfanatos, as enfermarias dos hospitais e instituições
outras em que haja irmãos nossos carecidos de amor, compreensão e carinho.
Levemos a esses infelizes o nosso óbolo, a nossa solidariedade cristã, a nossa
palavra de conforto e de esperança, formando, com as flores imarcescíveis da
caridade, o ramilhete com que renderemos aos nossos mortos queridos o preito
sincero de nossa imensa e imorredoura saudade!
9 Dar, sem esperar retribuição "Disse ainda àquele que o convidara: Quando deres um jantar ou uma ceia, não
convides nem os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os teus vizinhos que forem ricos, para que em seguida não te convidem a seu turno e assim retribuam o que de ti receberam. Quando deres um festim, convida para ele os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos. E serás ditoso, porque esses não têm com que te retribuir e isso te será retribuido na ressurreição dos justos , (Luc., 14:12-14.) *
Aos que se atêm à letra das Escrituras, esquecidos de que as palavras do
Mestre são espírito e vida, pode parecer que, neste lanço, esteja ele a
menosprezar as relações de família e de amizade.
O verdadeiro sentido de sua lição, entretanto, é bem outro: é a exaltação do
altruísmo, do desprendimento e da fraternidade universal.
Lamentàvelmente, quase todos nos encontramos ainda numa fase de evolução
em que o egoísmo e a vaidade se constituem o móvel da*rr*aioria de nossas ações.
"
Quase tudo o que empreendemos, ou obedece a um calculado interesse ou visa à
exaltação de nossa personalidade.
Assim, quando promovemos uma festividade, colocamos entre os primeiros
convidados aqueles que, por sua posição na paisagem social, nos possam favorecer
em algum propósito ou então nos honrem a casa com seu comparecimento, servindo
para que os outros vejam como somos bem relacionados, seguindo-se a parentela e
os amigos de cuja reciprocidade estamos seguros, aos quais tratamos com toda a
deferência, com o melhor sorriso nos lábios, enquanto evitamos receber ou mal
suportamos os de condição humilde que, de modo nenhum, poderão valer-nos ou
recompensar-nos.
Nesses regozijos, fazemos questão de oferecer aos nossos convivas os
melhores comes-e-bebes, despendendo, não raro, pequenas fortunas que dariam
para atender às necessidades de inúmeros desgraçados: os pobres, estropiados,
coxos e cegos, lembrados pelo Evangelho.
Para esses, porém, nosso coração e nossa bolsa se mantêm fechados, e quando,
vez por outra, lhes atiramos uma esmola, acreditamos ter feito muito.
Por saber-nos assim tão insensíveis ao sofrimento alheio é que Jesus nos
exorta; procurando despertar-nos o sentimento de solidariedade humana.
Em sua linguagem figurada, insistimos, não pretende ele que substituamos à
nossa mesa os amigos e parentes por aleijados e mendigos, mas que estendamos a
estes a participação na prosperidade- que desfrutamos, que lhes amenizemos um
pouquinho a dura e penosa existência.
Aos quq lhe ouvirem o apelo sublime, assegura o Cristo que «serão retribuídos na
ressurreição dos justos”.
Quer isso dizer que o bem que façamos aqui na Terra, sem esperar retribuição, pelo
só prazer de o praticar, terá sua recompensa no outro lado da vida, onde as virtudes
cristãs que tenhamos desenvolvido nos situarão entre aqueles que, em paz com a própria
consciência, gozam a ventura de... serem bons!
10 «Deixa que os mortos enterrem seus mortos»
“Quando iam a caminho, um homem lhe disse: Senhor, eu te acompanharei para onde quer que fores. E Jesus lhe respondeu: As raposas têm suas tocas, os pássaros do céu têm seus ninhos; mas o filho do homem não tem onde repousar a cabeça. E disse a outro: Acompanha-me. Ao que ele respondeu: Senhor, permite que vá primeiramente sepultar meu pai. Jesus lhe disse: Deixa que os mortos enterrem seus mortos; tu, porém, vai e anuncia o reino de Deus.” (Luc., 9:57-60.)
Uma leitura apressada do texto acima pode ensejar a falsa impressão de que
Jesus esteja a menosprezar deveres estabelecidos pela sociedade ou ditados pela
amizade, entre os quais o de dar se- pultamento condigno aos despojos carnais de
nossos entes queridos.
Não é esse, todavia, o ensinamento que ai devemos colher.
O Mestre, que sempre respeitara os costumes e tradições de seu povo, não iria
opor-se a essa piedosa prática, vigente também entre nós.
Queria ele, com tais palavras, fortes e impressivas, despertar-nos a atenção
para a verdade, sempre esquecida, de que a alma é mais importante que o corpo e,
pois, aquela e não este é que deve merecer os nossos maiores cuidados.
O corpo é pó e, recolhido ao seio da terra, em breve se decompõe, à ação dos
vermes que dele se assenhoreiam; a alma, porém, é indestrutível, subsiste ao
fenômeno da morte, e ela, sim, repetimos, precisaria ser melhor considerada,
levada mais a sério.
Lamentàvelmente, mercê de uma concepção errônea de si mesmo, o homem
imagina-se um corpo que possui uma alma, quando o inverso é que constitui a
realidade.
Nem mesmo os profitentes das igrejas cristãs se conhecem melhor a esse
respeito. Haja vista que concebem a alma qual uma centelha apenas, crendo seja
absolutamente necessária a ressurreição do corpo físico, “no dia do Juízo Final”,
pois sem ele (supõem) não lhes seria possível gozar as delícias do paraíso.
Sabia o Mestre que para o grosso da Humanidade daquele tempo o corpo era
tudo, não tendo a existência terrena outra finalidade senão ganhar fortuna, e com
ela levar uma vida de prazeres e de bem-estar, sem qualquer preocupação de
ordem espiritual.
Por isso, ao primeiro que se lhe apresentou, dizendo: “Senhor, eu te
acompanharei para onde quer que fores”, respondeu: “As raposas têm suas tocas e
os pássaros, seus ninhos; eu, todavia, não tenho sequer onde repousar a cabeça”,
com o que, desde logo, o advertia de que, para viver pelos ideais superiores, lhe
cumpria, antes de mais nada, aprender a renunciar às coisas terrenas.
E quando ouviu do outro candidato ao disci- pulado cristão: “Senhor, permite
que vá primeiramente sepultar meu pai”, sentenciou: “Deixa que os mortos (os que
vivem exclusivamente para a matéria) enterrem seus mortos; tu, porém, vai e
anuncia o reino de Deus”, isto é: põe-te a pregar a vida eterna; aplica-te a ensinar
os homens a se amarem uns aos outros, tolerando-se em suas fraquezas e
socorrendo-se em suas necessidades; leva por toda a parte a mensagem do
Evangelho, que é luz para os que tateiam nas trevas da ignorância, bálsamo para os
corações sofridos e esperança para os tristes, os aflitos e os desgraçados de
todos os matizes!
Vinte séculos após esse apelo, continua escasso o número de obreiros qualificados para o
trabalho de edificação do reinado de Deus à face da Terra, justificando-se, portanto, que
repitamos com o apóstolo dos gentios: “Desperta, tu que dormes , e levanta-te dentre os mortos, que o Cristo te alumiará." (Ef., 5:14.)
11 Divagações em torno da Fé Comò se sabe, o vocábulo "fé” possui várias acepções.
No sentido comum, corresponde à confiança em si mesmo, o que já é uma boa
coisa, porquanto quem a tenha será capaz de realizações que parecerão
impossíveis aos que duvidem de si próprios.
Foi graças a esse tipo de fé que muitos homens alcançaram êxito nos setores
de atividades a que se dedicaram, inscrevendo seus nomes no rol dos vultos
exponenciais das Artes, das Ciências, das Indústrias, etc.
Aqueles que confiam mais na “sorte” que em si mesmos, assim os que descrêem
dos próprios méritos ou não perseveram ante as dificuldades, por lhes faltar essa
preciosa qualidade, são criaturas dignas de lástima, porque caminham,
irremediàvel- mente, para o fracasso e a frustração.
Dá-se, igualmente, o nome de fé à crença nos dogmas desta ou daquela religião,
caso em que recebe adjetivação específica: fé judaica, fé budista, fé católica, etc.
Também nesse sentido, não há como negar valor à fé, pois todas as religiões
têm por objetivo encaminhar os homens a Deus e, quando bem compreendidas, só
podem contribuir para a perfectibi- lidade dos caracteres.
Infelizmente, a fé religiosa tem descambado, às vezes, para o fanatismo e a
intolerância, deixando, então, de ser um fator de adiantamento moral para
tornar-se em agência de obscurantismo e de opressão.
Existe, por fim, uma fé pura, não sectária, que se traduz por uma segurança
absoluta no Amor, na Justiça e na Misericórdia de Deus.
Dentre todas as espécies de fé, esta é a mais sublime, mas também a mais
difícil de ser encontrada, por ser apanágio de poucas almas de escol, cujo
aprimoramento vem de um longo passado.
Com efeito, por se encontrar ainda nos primeiros degraus do progresso
espiritual, a grande maioria da Humanidade terrena não a conhece, por mais que a
apregoe, e a prova disso está em que, ao ser acicatada pela doença, visitada pela
tristeza ou provada pela perda, seja de bens materiais, seja de entes queridos,
logo se revolta, descontrola- -se e põe-se a blasfemar contra a Divindade.
A fé em Deus, ao contrário do que se ensina por ai, não se impõe nem é um dom
que nos seja efundido de fora para dentro, mas sim uma virtude que, como as
demais, precisará ser buscada, cultivada, desenvolvida, e que só se robustece e se
afirma à custa de múltiplas experiências, vidas pós vidas.
Divergindo de outras correntes religiosas, na opinião das quais a fé, para ser
meritória, deve ser cega, isto é, aceitar sem exame aquilo que se acha contido nos
Livros Sagrados ou que autoridades eclesiásticas dizem ser verdade (mesmo que a
evidência demonstre ser um absurdo), o Espiritismo defende princípio
diametralmente oposto: o de que a fé “necessita de uma base, base que é a inteligência perfeita daquilo em que se. deve crer”. E como para crer não basta ver, mas, sobretudo, compreender, proclama: “Fé inabalável só é a que pode encarar de
frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.” (Kardec.) Essa fé raciocinada, apoiada pela lógica e corroborada pela observação dos
fatos é que oferece aos profitentes do Espiritismo a certeza da imortalidade e
imperturbável serenidade ante os percalços da existência.
Defrontados pela dor, pelas aflições, enfim, pelas amarguras que soem levar ao
desespero e até ao suicídio, os veros espíritas a tudo suportam com mais paciência,
sem se deixarem abater, porque sabem que Deus é justo e bom, e, se nos deixa
sofrer, é com uma finalidade superior ou por uma causa justa (causa esta que, se
não fôr desta existência, sê-lo-â de outra anterior, pois não há efeito sem causa
determinante.) E porque compreendem que nada é inútil na economia da Evolução,
vêem* no sofrimento, não um “castigo”, mas o preço de um bem maior a ser fruído
futuramente, aqui mesmo ou no Além.
Destarte, ao invés de inspirar o temor de Deus, a Doutrina Espírita faz que os
homens O amem, dando-lhes as razões por que devem amá-Lo.
Isto explica sua rápida disseminação pelo mundo todo e porque, dia a dia,
conquista maior número de corações.
12 O Egoísmo O egoísmo, ninguém o desconhece, consiste ho "excessivo amor ao próprio bem,
sem atender ao dos outros”.
É, por isso, considerado a pior chaga da Humanidade e o maior obstáculo ao
reinado do Bem na face da Terra.
Inútil, porém, apenas malsinâ-lo. Mais vale que o estudemos e saibamos como
transformá-lo, conduzindo-o à sublimação.
Contrariando a Teologia tradicional, a Doutrina Espírita nos ensina (no que,
aliás, é apoiada pela Ciência) que o homem surgiu neste mundo, não como uma
criatura perfeita, que veio a decair depois por obra de Satanás, mas como um ser
rude e ignorante, guardando traços fortes de sua passagem pela animalidade.
Criado, entretanto, à imagem e semelhança de Deus, possui, latentes, todos os
atributos da perfeição, inclusive o Amor, carecendo tão sòmente que os
desenvolva.
A principio, como é fácil de compreender, por força do atavismo e das
condições hostis do ambiente, o homem tinha que cuidar apenas de si mesmo e,
para sobreviver, precisava até lutar contra os outros. Com o decorrer dos tempos, civilizando-se um pouco, continuou em busca do
próprio bem, tudo fazendo pelo conseguir, mas ainda sem pensar nos outros. Mais tarde, aprendendo a proteger e a querer bem à companheira e aos filhos,
começou a partilhar com outros as boas coisas que lograra adquirir, dando, assim, o
primeiro passo no sentido da renúncia em favor de outrem.
Posteriormente, impulsionado pela tendência para o Bem que lhe é inerente, foi
estendendo sua estima e solidariedade aos componentes de seu clã e, daí, por
evolução, aos diversos grupos sociais de que faz parte: sua cidade, sua igreja, etc.
Dia virá em que, compreendendo melhor os postulados do vero Cristianismo,
passará a interessar-se e a trabalhar para o bem-estar universal, por saber que,
não obstante as diferenças, de cor, credo, raça ou nacionalidade, todos somos
irmãos, porque filhos do mesmo Pai Celestial.
Estabelecendo: “ama o teu próximo como a ti mesmo”, Deus reconhece como
natural e legítimo o amor de cada criatura a si mesma, por ser esse amor a base de
todo o progresso humano e o alimento indispensável ao fortalecimento de nossa
individualidade.
Não deve, todavia, estacionar aí, nas manifestações do egoísmo. À medida que.
formos tomando consciência de quanto é bom o Amor, devemos exercitá-lo no
trato com nossos semelhantes, de sorte que, expandido-se e purificando-se, venha
a converter-se em altruísmo (amor ao próximo).
De inicio, não pode o homem imaginar qual a "vantagem” de amar o próximo,
parecendo-lhe que todo e qualquer sacrifício pelo bem alheio importa em diminuição do próprio bem.
Aos poucos, porém, vai percebendo que o Amor é a Suprema Lei Divina e que,
pelos desígnios da Providência, todo o Bem que fizermos aos outros volve para nós
mesmos, duplicadamente, em bênçãos e alegrias.
Destarte, a Caridade, tão insistentemente pregada nos Evangelhos, longe de
ser um "meio” de ganhar o paraíso, post-mortem, é a mais sábia filosofia de vida.
Praticando-a, o homem espiritualiza-se, atinge os cumes da perfeição moral,
fruindo no "dar” e no “dar-se” um gozo tão profundo, um prazer* tão sublime, que
escapa, por completo, à compreensão de quantos, embrutecidos, só experimentam
satisfação no ato de receber.
A exemplo do Cristo Jesus, que, por muito amor a nós, desceu dos pâramos de
luz a este orbe tenebroso, a fim de ensinar-nos o caminho da Redenção,
esforcemo-nos por “amar-nos uns aos outros”, tornando cada vez mais amistosas e
fraternas as relações dos homens entre si.
Amar a Deus amando o próximo, esse o cabedal que nos cumpre conquistar e a
razão de ser de nossas existências.
Vivamos, pois, por esse ideal, para que a paz e a felicidade façam morada em
nossos corações!
13 Escravo do pecado “jDizia Jesus aos judeus que nele creram: se permanecerdes na minha palavra, sereis
verdadeiramente meus discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Responderam eles: Somos descendentes de Abraão e em nenhum tempo fomos
escravos de alguém; como dizes tu que viremos a ser livres f Retorquiu Jesus: Em verdade, em verdade vos digo, que todo aquele que comete
pecado é escravo do pecado.” (João, 8:31-34.) Há quem imagine, baseado na letra de um ou outro texto escriturístico, que,
para salvar-se, nenhuma outra coisa se faz necessária ao homem senão que ele
creia em Jesus-Cristo.
“Crer em Jesus", na opinião de tais criaturas, é aceitar como regra de fé que “a
efusão do sangue generoso do Justo tem o poder de lavar todos os pecados dp
crente".
Argumentam, consequentemente, que as boas obras são de somenos
importância e em nada influirão na sorte futura do homem; que rejeitar a salvação
gratuita, mediante a fé, para buscá-la pelo esforço próprio, através do
conhecimento e de uma vivência de altruísmo constitui forte orgulho, de inspiração
maligna; que quantos divirjam desse dogma (o da salvação pela fé na morte sa>
crificatória de Jesus) não são filhos de Deus, mas sim filhos do Diabo,
precondenados à perdição eterna, etc.
Parece-nos, entretanto, que a lídima Doutrina Cristã é bem diferente.
Haja vista que no lanço em epígrafe, Jesus se dirige a alguns dos que creram
nele e, longe de acenar-lhes com privilégios especiais, diz-lhes claramente que só
há um modo de se darem a conhecer como discípulos seus: “permanecerem na sua
palavra”, isto é, seguirem-no fielmente, imitan- do-lhe a vida de serviço em favor
dos semelhantes.
Seus ensinos, calcados no amor a Deus e ao próximo, são a mais pura expressão
da Verdade. Conhecê-los e exercitá-los significa, pois, libertar- -nos da
ignorância, da superstição e do egoísmo, que geram o sofrimento, ganhando aquele
estado de alegria e de paz interior que caracteriza “o reino dos céus”.
À condição sine qua non para nos incluirmos entre aqueles definidos na segunda
oração do versículo 31: “sereis verdadeiramente meus discípulos”, deu-a o Mestre
na primeira: “SE permanecerdes na minha palavra”. Não há, portanto, como
sofismar: só ê cristão, efetivamente, aquele que permanece fiel à palavra do
Nazareno, amando e servindo ao próximo, como quereria ser amado e servido.
A confirmação desta exegese, temo-la em profusão por todo o Evangelho,
notadamente neste outro tópico de João (13:34-35), onde o Cristo nos diz: “Um
novo mandamento vps dou: que voa ameis uns aos outros tanto como eu vos amei. NISTO (Em vos amardes uns aos outros) conhecerão todos que sois meus
discípulos.”
Os recém-conversos não entenderam, porém, de pronto, a que tipo de
libertação o Mestre se referia, e daí o lhe terem respondido daquele jeito: “nunca
fomos escravos de ninguém; como pois nos dizes que seremos livres?”
Ensinando-lhes, então, que “todo aquele que comete pecado é escravo do
pecado”, Jesus reafirma a Lei de Causa e Efeito, que caberia ao Espiritismo
elucidar minuciosamente, segundo a qual cada um se faz responsável pelos maus
atos que pratique, devendo expiá-los na medida exata dos agravos ou danos
causados a outrem.
Somos livres na semeadura do Bem ou do Mal; todavia, uma vez feita a escolha,
as boas ou más consequências serão a “colheita obrigatória” daquilo que houvermos
feito.
Se a opção foi pelo Bem, ficamos com um crédito da mesma espécie, que se
manifestará infalivelmente em nossa vida, em moedas de bênçãos e felicidades;
se, entretanto, a opção foi pelo Mal, ficamos necessàriamente em débito com a
Justiça Divina (escravos do pecado cometido), sendo que, neste caso, o preço do
resgate se expressará em dores e aflições proporcionais ao que fizemos sofrer.
Se isso não se der na mesma existência, dar- -se-á em outra ou outras, mas de
forma nenhuma ficaremos impunes, eis que “aquilo que o homem semear, isso
mesmo há-de colher.”
Assim, pois, o fato de alguém pertencer a esta ou àquela religião, não o isenta,
absolutamente, do cumprimento das Leis de Deus; pelo contrário, quanto melhor
as conheça e compreenda tanto maior sua obrigação de observá-las, porque, “a
quem mais foi dado, mais lhe será pedido”.
14 As expiações coletivas A Lei do Carma ou de Causa e Efeito exerce sua influência inelutável não só
sobre os homens, individualmente, como também sobre os grupos sociais.
Assim, por exemplo, quando uma família, nação ou raça busca algo que lhe traga
maiores satisfações, esforça-se por melhorar suas condições de vida ou adota
medidas que visem a acelerar seu desenvolvimento, sem prejudicar nem fazer mal
a outrem, está contribuindo, de alguma forma, para a evolução da Humanidade, e
isso é bom. Receberá, então, novas e mais amplas oportunidades de trabalho e
progresso, conduzindo os elementos que a constituem a níveis cada vez mais
elevados.
Se, porém, há construído seu poder ou grandeza, valendo-se da opressão ou de
recursos desonestos e indignos, evidentemente agiu mal, porque isso é contra o
interesse do Todo. Por isso, mais cedo ou mais tarde sofrerá a perda de tudo
aquilo que adquiriu injustamente, em circunstâncias mais ou menos trágicas e
aflitivas, segundo o grau de malícia e crueldade que lhe tenha caracterizado as
ações.
Muitas vezes, os que contraíram, solidària- mente, pesados débitos com a Lei
do Carma, embora reencarnados em vários e distantes rincões, são reunidos por
uma atração misteriosa a dado pontô, para serem feridos em comum. Haja vista
esses naufrágios, sinistros e catástrofes que tanto emocionam as almas piedosas
do mundo inteiro.
O estudo atento da história dos povos oferece-nos testemunhos
surpreendentes de como há uma força irresistível, assegurando o equilíbrio
universal da Justiça.
Ao longo dos séculos, todo o sangue vertido, toda a escravização, afronta e
rapinagem perpetradas, repercutem, fatalmente, sobre seus autores, produzindo
as mesmas consequências funestas: luto, lágrimas, humilhações e miséria!
Lá bem no passado, egípcios, babilónicos e persas elevam-se a uma situação de
fastígio a custa do esmagamento de outros povos; tempos depois, entretanto, vêm
a conhecer, a seu turno, o peso e o infortúnio da opressão estrangeira.
Roma e Bizâncio, através de uma série de campanhas militares., estendem seus
domínios por toda a parte; todavia, roídos pelos germens da corrupção, gerados no
próprio seio, baqueiam ao embate da invasão dos bárbaros e seus fabulosos
impérios deixam de existir.
Espanha e Inglaterra, durante séculos, dominam pelas armas suas
numerosíssimas colônias; contudo, não escapam, por sua vez, ao flagelo da guerra,
que lhes dizima as populações.
A Rússia dos tzares, sob o comando da imperatriz Catarina n, apossa-se, a
ferro e a fogo, de vastos territórios circunvizinhos; mas é forçada, logo após, a
pagar o seu tributo de dor em vários conflitos em que se vê envolvida, para cair, em
1917, sob o regime comunista.
Napoleão, Mussolini e Hitler revivem os feitos de conquistadores do pretérito,
ocupando à força nagões inermes; não tardam, porém, a conhecer o travo das
transgressões às leis superiores, e seus países com eles.
Segundo os relatos do Velho Testamento, os judeus, intitulando-se “o povo
eleito”, também destruíram cidades e mais cidades de prósperos reinados,
“passando ao fio da espada todos os que nelas encontravam: homens, mulhéres,
crianças, velhos, e até animais, como pacíficas ovelhas, bois e jumentos.” David, um
de seus reis, cuja insensibilidade foi de estarrecer, em cada cidade que tomava
dos amonitas, mandava arrebanhar todos os seus moradores, ordenando friamente
“que passassem por cima deles carroças ferradas, que fôssem serrados,
esquartejados a cutelo, ou torrados em fornos de cozer tijolos”. O resultado
dessa selvajaria, os judeus o colheram em longo período de prova-' ções, cujo
remate foram os fuzilamentos, os flagícios em campos de concentração e o horror
dos fornos crematórios, sob o guante de Eichmann, a besta-fera nazista.
Poderosa organização religiosa, apoiada pelo braço secular, torturou e
assassinou bàrbaramente, enquanto pôde, todos quantos ousavam descrer de seus
dogmas, revelavam possuir ideias mais avançadas, ou lhe verberavam a simonia; jâ
começou, porém, a ser destruída aqui, ali e acolá, sofrendo, na própria carne, as
violências de que fêz uso e abuso. a *
Impossível prever até quando a Humanidade terrena permanecerá assim,
oprimindo-se e dilacerando-se redprocamente, no regime do “olho por olho e dente
por dente”.
Acreditamos, entretanto, que, trabalhada pela Dor, cansada de sofrer, há-de
aprender um dia — ainda que remoto — a lei sublime da “não resistência”,
pregada e exemplificada pelo Cristo, conquistando então uma paz duradoura, e
com ela a Felicidade, que é o destino final da Criação!
15 A Familia e a Lei de Consequência
Nada mais comum, neste mundo, que o encontrarem-se, no seio de cada família,
pessoas de gostos e tendências completamente diferentes, antagônicas até.
A primeira vista isso pode parecer estranho e inexplicável, porquanto a
consanguinidade, o mesmo tipo de educação e os interesses comuns deveriam
determinar exatamente o oposto.
Acontece, porém, que cada indivíduo é, espiritualmente, filho de si mesmo, ou
melhor, traz, ao nascer, uma bagagem de boas ou más aquisições feitas em outras
existências, que lhe constituem o caráter, o modo de ser todo pessoal, e não basta
a convivência de alguns anos sob o mesmo teto para que tais diferenciações sejam
anuladas.
Não raro, manifestam-se também, entre irmãos ou entre pais e filhos,
antipatias tão profundas, que só mesmo a preexistência das almas é capaz de
explicar.
Talvez nos digam: não seria mais razoável, então, que os renascimentos
obedecessem ao princípio da afinidade, para que houvesse mais compreensão, mais
paz e mais alegria nos lares?
Sem dúvida. E é assim que se formam e se sustentam os grupos familiares nos
mundos mais adiantados que o nosso. A Humanidade terrena, entretanto, tem que
se despojar primeiro de suas inúmeras fraquezas e imperfeições para fazer jus a
essa felicidade.
No estado atual de nossa evolução, somos colocados em contacto com aqueles
que possam contribuir para o desenvolvimento das virtudes que nos faltam, quais a
benevolência, a resignação, a humildade, a perseverança, a mansidão, a obediência,
a tolerância, o perdão, a renúncia, a caridade, etc, e é precisamente no instituto da
família que se nos apresentam as melhores condições para isso.
Outrossim, em nossas vidas anteriores, todos havemos cometido deslizes,
praticado injustiças, perpetrado traições, usurpado direitos, ilaqueado a boa fé
alheia, agravando, ferindo ou prejudicando seriamente nossos semelhantes,
ligando-nos a eles pelos laços do ódio.
Ora, a Providência Divina exige a harmonização daqueles que se hajam tornado
inimigos e, pela Lei de Consequência, são eles reaproximados tantas vezes quantas
sejam necessárias, a fim de que, em novas relações, possam transformar a aversão
em amizade, pois o propósito de Deus é que todos nos amemos mútuamente,
formando uma só e grande família: a fraternidade universal.
Destarte, se dentro de nossa própria casa há alguém que se erige qual nosso
desafeto, o que nos cumpre fazer é conquistá-lo com o nosso carinho, ou, quando
tal esteja acima de nossas forças, suportá-lo pacientemente. O acaso não existe. E
se o Destino nos colocou lado a lado é quase certo tratar-se de um credor do
pretérito, com o qual temos contas a ajustar.
Procedendo desta maneira, estaremos fazendo nossa parte, adquirindo méritos
para uniões mais ditosas no porvir. Caso, porém, mantenhamos aceso o fogo da
discórdia, revidando-lhe os ultrajes e as demonstrações de malquerença, estaremos
simplesmente acumulando dividas, cujo resgate, depois, serâ ainda mais penoso que o
sacrifício que nos seria preciso realizar agora.
16 Fatores da personalidade Todos podemos perceber, sem que para isso se faça necessária grande
capacidade de observação, que em qualquer raça, em qualquer família, em qualquer
grupo comunitário, enfim, os indivíduos divergem profundamente entre si, tanto
nas aptidões intelectuais como no senso moral.
Uns demonstram acentuado interesse por este ou aquele ramo da Indústria ou
da Ciência, outros evidenciam irresistível pendor para as Artes plásticas ou para a
Literatura, havendo outros ainda, místicos por natureza, que muito cedo já
manifestam forte propensão para as questões metafísicas, senão mesmo sincera
vocação para a vida religiosa.
A concepção do Bem e do Mal, assim como a noção do Dever, acham-se,
também, mais desenvolvidas em certas pessoas do que em outras. Enquanto
algumas se inclinam espontâneamente para a prática das virtudes e não se
permitem nenhuma ação menos digna, que pudesse causar dano ou sofrimento ao
próximo (nem mesmo aos animais), não faltam as que, ao contrário, são capazes das
maiores crueldades e torpezas, que praticam a sangue frio, sem a menor hesitação
de consciência.
A ciência oficial tenta explicar essas desigualdades apenas pelas leis da
hereditariedade e as influências do meio — que são, realmente, fatores
ponderáveis na formação da personalidade — m a s esbarra com objeções
seríssimas, às quais não sabe como responder.
Com efeito, os genes podem modelar-nos os caracteres morfológicos, fazendo
que sejamos mais ou menos parecidos, fisicamente, com nossos ancestrais; podem
até comunicar-nos algumas de suas idiossincrasias, mas nunca determinar-nos os
predicados anímicos, com os quais nada têm que ver.
O meio em que vivemos, ou a educação que nos seja dada, pode, a seu turno,
influir em nossa conduta, mas apenas relativamente, e às vezes nem isso.
Examinemos alguns casos:
Tomás Edison, “o gênio de Menlo Parque” (1847-1931), não teve antecessores
que se notabilizassem nas ciências físicas e mecânicas; na linhagem ascendente de
Miguel Ângelo (1475-1564), um dos mais perfeitos e completos artistas da
Humanidade, não houve, tão-pouco, ninguém que pudesse haver-lhe transmitido a
excepcional capacidade criadora que o celebrizou; nem Aristóteles (384- -322
a.C.) pudera herdar de qualquer de seus avoengos a sabedoria enciclopédica que o
imortalizaria como uma das maiores inteligências de todos os tempos.
De outro lado, porque a. imensa maioria das celebridades não tiveram
descendentes que lhes aperfeiçoassem as obras ou os dons com que granjearam a
admiração universal?
Porque, até hoje, não surgiu um outro Bach, que superasse a João Sebastião
(1685-1750) na composição musical? Um outro Alighieri, que ultrapassasse a
Dante (1265-1321) na poesia? Ou um outro Arquimedes (287-212 a.C.) que
sobrepujasse o legendário geômetra grego?
No que tange às qualidades morais, sobejam, igualmente, os exemplos de
homens excelentes que tiveram verdadeiros monstros por filhos e, inversamente,
criaturas boníssimas, que nasceram e se criaram em ambientes onde primavam os
instintos grosseiros, os vícios mais infamantes e a criminalidade .
A amostra que vimos de oferecer serve para provar que a hereditariedade e o
meio, por si sós, não bastam para produzir a genialidade nem a santidade, como não
podem ser responsáveis, também, pela vilania de quem quer que seja.
Há que admitir-se aí, portanto, um terceiro elemento, muitíssimo mais
importante: o cabedal próprio que cada espírito traz ao renascer.
Sòmente em função desse passado individual, dessas experiências adquiridas
em encarnações pre- gressas, é que podem ser explicadas as faculdades
superiores, as precocidades, as ideias inatas, a extrema facilidade com que
assimilamos determinados conhecimentos, enquanto outros, mais fáceis, nos
exigem esforço maior, bem assim a nobreza de sentimentos e a finura que algumas
pessoas demonstram “desde o berço”.
A pluralidade das existências impõe-se, assim, como verdade inconcussa, pois
se constitui o fator preponderante de nossa personalidade.
17 «Filho, trabalha hoje na minha vinha»
Quase todos somos useiros e vezeiros em transferir, para “depois”, aquilo que o
Dever nos aponta como obrigação a ser cumprida imediatamente, custando a
corrigir-nos dessa atitude errônea que tantos prejuízos nos causa.
Muitas vezes, providências que, se atendidas de pronto, nos custariam apenas
uns poucos cruzeiros, acabam exigindo o dispêndio de quantias vultosas, sem falar
nos aborrecimentos oriundos de tais procrastinações que bem poderiam ser
evitados.
Outras, vamos negligenciando os estudos indispensáveis no setor que elegemos
para nossas atividades profissionais, esquecidos de que a cultura ou a qualificação
tecnológica não se improvisam e, vindo a perder a “nossa” melhor oportunidade de
progredir na vida, por falta de preparo suficiente ao exercício de uma função mais
importante e consequentemente melhor remunerada, só aí nos apercebemos de
que, ao dilapidarmos tantas e tantas horas no “dolce far niente”, estávamos a
roubar de nós mesmos.
Que dizer, então, dos danos espirituais motivados pela incúria ou pela falta de
aproveitamento desse tesouro inapreciável que é o tempo?
Adiamos para “amanhã” a visita ao amigo enfermo, de cujos préstimos nos
socorremos amiúde, e no dia seguinte, à noticia de seu falecimento, o remorso se
instala em nossa consciência, que não nos perdoa essa ingratidão.
Deixamos para "qualquer outra ocasião” as desculpas devidas a alguém que, num
instante de mau humor, tratámos com grosseria, e, porque nunca chegasse essa
oportunidade, ganhamos um desafeto, cujos ataques e vibrações odientas ora
tanto nos incomodam.
Sabíamos que aquele parente estava precisando de umas palavras nossas,
porque sua conduta vinha deixando algo a desejar; não o ajudámos, porém,
enquanto nossas advertências e conselhos poderiam ser-lhe proveitosos, e, ao
tentarmos salvá-lo do escândalo em que se envolveu, para vergonha da família
toda, verificamos, desolados, que a nossa interferência chegava atrasada demais.
Bastaria tivéssemos dado àquele infeliz um mo- mentinho de nossa atenção
para percebermos que o pequenino obséquio que pretendia solicitar-nos era
importantíssimo para ele, naquela contingência. Quando, posteriormente, com nova
disposição, nos decidimos a verificar em que lhe poderíamos ser úteis, já a sua
situação se complicara, irremedià- velmente, e .nada mais havia a fazer em seu
favor, perdendo-se, assim, para nós, o precioso ensejo de servir a um irmão,
quando nos fora fácil tê-lo feito.
Milionários de saúde, atravessamos os melhores anos de nossa existência
sorvendo, a largos haustos, a ânfora do prazer, delongando para "mais tarde”
nossa participação pessoal nas tarefas do Bem. A enfermidade, contudo, nos
apanhou de surpresa, tolhendo-nos a faculdade de locomoção, e agora é com a alma
em pânico que aguardamos a morte, ou melhor, o momento terrível da prestação de
contas, pois estamos de mãos vazias das moedas do Reino e não há como
justificar-nos dessa bancarrota moral.
Portanto, seja o que for o que tenhamos de fazer, principalmente em prol de nossos
semelhantes, fáçámo-lo hoje, agora, porque não sabemos se daqui a minutos ainda haverá
possibilidade para isso, ou se, por outro lado, a Providência já não terá mudado o curso de
nosso destino.
18 A fortaleza de nossa alma "Quando um homem forte guarda armado a entrada de sua casa, tudo o que ele possua
estará em segurança. Porém, se um outro mais forte vem e o vence, levará consigo todas as armas em que ele confiava e se apossará de sem haveres' Aquele que não está comigo está contra mim e aquele que comigo não entesoura, dissipa. (Luc., 11:21-23.)
“Jesus falava assim porque diziam: Ele está possesso de um Espírito imundo.” (Mar.,
3:30.) Afirmou o Mestre mais de uma vez: “As palavras que vos digo são espirito e
vida".
Para bem lhe compreendermos os ensinos, mister se faz, portanto, que as
transportemos para o campo da espiritualidade.
No téxto supra, o que ele nos aconselha não é que montemos guarda aos nossos
haveres materiais, usando, para isso, as melhores armas que possamos encontrar,
nem tão-pouco que, na defesa dos mesmos, rechacemos violentamente os possíveis
assaltantes.
Ele, que sempre pregara o desprendimento dos bens terrenos, por saber diuão
forte é o fascínio que exercem sobre as criaturas, escravizando-as, fazendo-as
esquecer as nobres finalidades da existência, não iria recomendar tais medidas,
mesmo porque, no momento em que assim se expressou, o assunto em tela era
outro: rebatia os fariseus que o diziam possesso de Satanás.
A “casa” a que Jesus se refere é a nossa alma, que, realmente, precisa estar
sempre bem guarnecida para que não seja invadida pelos vícios, pelos maus desejos
e as mil e uma tentações que nos assediam a todo instante.
Se nos descuidarmos, as seduções mundanas poderão vencer-nos, sujeitar-nos
ao seu domínio, roubando-nos, destarte, a preciosa oportunidade de bem
aproveitarmos os nossos dias, no sentido da realização espiritual.
Não se creia, porém, que a melhor maneira de alcançarmos esse desiderato
seja assumirmos uma atitude passiva, trancarmo-nos a sete chaves, evitando
entrar em contacto com a sociedade.
Ao contrário, isso nos levaria à morbidez, ao afrouxamento de nossas energias.
O que nos cumpre fazer é dar combate ao inimigo, de frente, combate esse que
consiste no desenvolvimento das qualidades opostas às fraquezas que sabemos
existirem em nós.
A atividade constante nas tarefas do Bem e no aprimoramento moral é a
fortaleza inexpugnável de nossa alma, pois, assim agindo, o teor de nossas
vibrações não permitirá, sequer, a aproximação dos Espíritos malignos que nos
pretendessem assaltar.
Prosseguindo na mesma ordem de ideias, lembremo-nos de que qualquer pedaço
de chão, quando convenientemente cultivado, pode produzir excelentes frutos,
mas, abandonado, será fàcilmente invadido pelas ervas daninhas, que, em pouco, se
estenderão por todo o terreno.
Semelhantemente, se nos- mantivermos ociosos, se não nos esforçarmos para
dignificar nossas vidas, as virtudes cristãs que jazem latentes em nós não se
desenvolverão, cedendo lugar à inferioridade, às paixões aviltantes, cuja
erradicação posterior será difícil, árdua e dolorosa.
Deixando de observar as leis de Deus, das quais o Cristo foi o mais perfeito
exemplificador, evidentemente estaremos laborando em oposição a ele,
desperdiçando o tesouro que nos legou: a Religião do Amor, consubstanciada no
Evangelho.
Daí a justeza de sua observação: “Aquele que não está comigo está contra mim,
e aquele que comigo não entesoura, dissipa.”
19 O furto Furto é toda apropriação de bens pertencentes a outrem, sem o consentimento
dele, assim como qualquer procedimento contrário à justiça, que manda se dê a
cada um o .que é seu ou aquilo a que tem direito.
Vê-se, pelo conceito supra, ser o furto um vício universal que pouquíssimos
terão vencido inteiramente .
Às vezes toma. outros nomes, mas é pura questão de eufemismo.
A História nos informa, por exemplo, que quase todos os grandes e pequenos
Impérios da Terra foram construídos por meio de guerras de conquista e
anexações de países indefesos, cuja soberania e integridade foram
desrespeitadas.
Ora, que são as guerras de conquista e as anexações senão latrocínio em grande
escala?
E os chamados povos “atrasados”, porque não conseguem sair da miséria em que
vivem? Quase sempre, porque grupos financeiros poderosíssimos, através de
concessões, monopólios e privilégios obtidos pela austúcia, pelo suborno ou pela
violência, lhes exaurem todos os recursos econômicos indispensáveis a um
processo desenvolvimentista.
A ação nefasta desses grupos não é, efetivamente, uma espoliação desumana e
cruel?
Na esfera da administração pública de toda parte empregam-se, não raro,
expedientes para ganhar dinheiro (por influência ou com o abuso em certos cargos
ou funções), que outra qualificação não podem receber senão a de gatunagem
mesmo. São as “bolas”, comissões ou propinas exigidas para o acobertamento de
irregularidades, a tramitação rápida de determinados papeis, a preferência em
negócios lucrativos, o empenho para que sejam feitas tais ou quais nomeações, etc,
etc.
Constituem furtos, igualmente, as falsificações e as manobras ardilosas em
geral, como adicionar água ao leite, ao vinho ou a outras bebidas; misturar cereais
e outros gêneros alimentícios de segunda ou terceira escolha com ós de primeira,
impin- gindo-os aos preços destes; orçar obras ou peças com materiais de boa
qualidade, executando-os depois com artigos inferiores; fabricar produtos
farmacêuticos com a utilização de drogas essenciais em dose menor que a
anunciada na bula; negociar imitações como se fôssem objetos genuínos, e assim
por diante.
E’ rapinagem, também, a falta de exatidão no peso ou nas medidas de
mercadorias, bem assim os artifícios que se empreguem para aumentá-los
fraudulentamente .
Capitulam-se ainda como roubo a falta de pagamento daquilo que se deve e a
impontualidade na cobertura dos compromissos assumidos, práticas essas que
implicam retenção indevida de capital alheio. Excetuam-se, é claro, os casos de
força maior.
Além dos mencionados acima, o furto pòde revestir-se de inúmeros outros
aspectos que, embora não caracterizados nos códigos penais terrenos, nem por
isso deixam de ser condenáveis aos olhos de Deus.
Furta o funcionário que, valendo-se de meios indignos, “cava” para si uma
promoção ou vantagem que, por direito, caberia a outro.
Furta o empregador que, auferindo grandes lucros, paga salários de fome,
muito aquém da retribuição equitativa, aos que o servem com dedicação,
fazendo-se os principais fautores da prosperidade de suas empresas.
Por outro lado, furta o empregado que não dá, a quem lhe contrata os serviços,
toda a produção de que é capaz, ou, usando de artimanhas, se prevalece de
preceitos legais para ganhar sem trabalhar .
O estudante que, por preguiça, não cuida de seus deveres, furta os pais, que
tanto se sacrificam para mantê-lo na escola e, se recorre à “cola” nos dias de
prova, furta também aos colegas honestos a classificação melhor a que eíes fazem
jus.
Esforcemo-nos, todos, por corrigir-nos desse grave defeito, lembrando-nos sempre de que é
transgressão ao 8.° mandamento, que diz “Não furtarás”.
20 O Grande Enjeitado Em seu amor pelos pobres e infelizes habitantes deste mundo, resolveu o Criador
enviar-lhes, em tempo oportuno, seu filho bem-amado — Jesus, a fim de que se
constituísse a manifestação viva da luz divina cã na Terra e os guiasse à salvação.
Com os ensinos e exemplos que lhes haveria de oferecer, teriam os terrícolas base
sólida em que edificassem sua fé e diretrizes seguras pelas quais se elevassem até aos
páramos celestiais, tornando- -se partícipes da glória reservada aos justos.
Para que a vinda do Cristo não encontrasse os homens desapercebidos, durante
cerca de quatro mil anos anuncia-lhes Deus tão auspicioso evento, instruindo-os
reiteradamente pela voz dos patriarcas e profetas da antiguidade, sobre os sinais dele.
A primeira revelação a respeito, encontramo- -la, já, no primeiro livro da Bíblia,
onde se relata que, experimentando a obediência de Àbraão, pede- -lhe Deus que
ofereça em holocausto seu filho único. A vítima é amarrada, pronta para o sacrifício,
mas Deus o suspende, exclamando: “Por mim mesmo juro: Já que fizeste esta ação e
não perdoaste a teu filho único por amor de mim, hei-de abençoar-te, hei-de
multiplicar a tua geração como estrelas no céu ou como areia nas praias do mar; e todas
as gentes da Terra serão benditas naquele que de ti há-de sair um dia.
Essa promessa é renovada, nos mesmos termos, a Isaac, filho de Abraão, e a
Jacob, filho de Isaac.
Jacob, por sua vez, ao morrer, predizendo o destino de seus filhos, alude àquele que deve ser enviado — à expectação das gentesS*
Sucedem-se os profetas, ao longo dos séculos, e indícios cada vez mais
positivos vão anunciando “aquele que está para vir”.
Miqueas saúda a humilde Belém, onde o Messias há-de nascer.
David fala com ele como se já o tivesse presente, e não cessa de referir-se a
ele.
Isaías profetiza-lhe as circunstâncias do nascimento, dizendo: Uma virgem
conceberá e dará à luz um filho, que há-de chamar-se Emanuel (que significa Deus
conosco); acrescenta que ele há-de sair da estirpe de Jessé; discorre sobre o
assunto de sua missão; pinta-lhe a doçura e a bondade; enumera-lhe as curas
prodigiosas, etc.
Vários profetas até a “paixão” lhe descrevem, exatamente como a narrariam
depois os evangelistas. Lendo-se o que disseram, depara-se o conselho dos
sacerdotes judeus, a traição de Judas, a agonia no horto das oliveiras, a fuga dos
discípulos, os trinta dinheiros pagos a Iscariotes, o caminho do Calvário, a
crucificação, a túnica jogada aos dados, o fel e vinagre, os insultos padecidos na
própria cruz, a oração em favor dos algozes e o suspiro final.
Estando já próxima sua vinda, adverte ainda uma vez o Alto, através de
Malaquias: “Eu vos enviarei o profeta Elias antes que venha o grande e terrível dia
do Senhor.”
Ai emudecem os profetas, até a chegada de Elias, reencarnado em João
Batista, o Precursor, que anuncia ao cabo de tão demorada expectativa: EI-LO!
Abrem-se então os céus e uma voz se faz ouvir: “ESTE Ê O MEU FILHO
AMADO, no qual tenho posto toda a minha complacência.”
Não obstante, porém, todos esses sinais, ditados por Deus para que o povo de
Israel o identificasse, e por ele todas as nações, tal não se verificou.
Achavam-se os judeus, na época, sob a dominação dos romanos, aos quais
odiavam, não só por causa de sua arrogância e crueldade, como principalmente
porque, em sua insolência, violavam contínuamente os usos religiosos da Judeia.
Haviam, por isso, se afeiçoado à ideia de que o Enviado divino havia de vir armado,
invencível e triunfante, como um vingador, para livrá-los daquela opressão,
estabelecer um reinado na Terra, mais poderoso que o de todos os reis, e fazer
deles, “o povo eleito”, os novos senhores do mundo.
Não o reconheceram, pois, na figura'humílima, pacífica e desambiciosa do filho
do carpinteiro. Cegou-os o orgulho racial, a vanglória nacional e a cobiça desmedida
de honras e bens materiais.
Em sua cegueira, além de não receberem “aquele que veio para o que era seu”,
perseguiram- -no, maltrataram-no e lhe infligiram morte infa- mante, entre
ladrões, qual perigoso malfeitor.
E foi assim que, no momento preciso em que raiavam os resplendores de um
novo dia, naquelas almas inclinadas para a terra condensaram-se trevas mais
densas que a noite, toldando-lhes a visão do Redentor da Humanidade, de braços
abertos, no simbolismo da cruz, indicando a todos o caminho da Verdade e da Vida
Eterna.
... ainda hoje, continua o Cristo sendo o grande enjeitado, pois embora muitos
o tragam à flor dos lábios, poucos, muito poucos são aqueles que o acolheram
em seus corações.
21 Hoje e Amanhã “Bem-aventurados os que agora tendes fome, porque sereis fartos; bem-aventurados
os que agora chorais, porque vos rireis; mas ai de vós, os que estais fartos, porque vireis a ter fome; ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis.” (Luc., 6:21,25.)
A Doutrina Espírita nos esclarece que, criados simples e ignorantes, mas
fadados a adquirir a plenitude da Sabedoria e da Santidade, todos temos
necessidade de viver uma série de situações, com alternâncias pela pobreza e pela
opulência, pela saúde e pela enfermidade, pela submissão e pela autoridade, etc,
por ser essa a única maneira de ganharmos experiência acerca de tudo e
desenvolvermos uma consciência realmente sã, capaz de discernir, com segurança,
a justiça da iniquidade e o bem do mal.
Para isso, ôbviamente, encarnamos e reencar- namos vezes sem conta, nesta ou
naquela raça, num e noutro sexo, em palácios e choupanas, pois não é nada fácil
aprendermos a pautar nossos atos pela linha do Dever, sem destruir a felicidade
nem ferir os direitos alheios, como não é fácil, também, admitirmos sinceramente
a igualdade de todas as criaturas perante Deus e, como corolário, devotár- -nos
reciprocamente uma amizade fraternal.
No passo escriturístico que encima estes comentários, Jesus, a um só tempo,
dirige palavras de conforto e esperança aos famintos e sofredores (as classes
exploradas e os enfermos), assim como, uma séria advertência aos de mesa farta e
aos alegres (os ricos e os sadios), acenando-lhes com a inversão da sorte, no
porvir, como coisa absolutamente indispensável ao aperfeiçoamento moral de uns e
de outros.
Evidentemente, não se referia a uma transformação a operar-se na vida
espiritual, onde ninguém precisaria fartar-se de alimentos materiais, mas sim ao
que lhes sucederia, aqui na própria Terra, em novas reencamações, eis que, via de
regra, tais mudanças não se dão no transcurso da mesma existência.
O ensino a tirar-se daí é que devemos fazer bom emprego dos bens que a
Providência nos haja confiado, entre eles a riqueza, a inteligência e a saúde; que
deixemos de ser egoístas, pensando também nos “outros”, pois afinal somos todos
irmãos, e, se abastados, que dividamos um pouco do que nos sobra com aqueles que
passam fome; se mais cultos, que façamos chegar a luz da instrução aos que
tateiam nas trevas da ignorância; se saudáveis, que nos solidarizemos com os que
choram, movimentando recursos e providências no sentido de aliviar-lhes as dores.
Se agirmos assim, usando de misericórdia com os desgraçados em nossos dias
de regozijo, ao sermos defrontados pela adversidade, em ulteriores existências,
encontraremos, igualmente, quem se apiade de nós, auxiliando-nos a suportar as
agruras da jornada.
Os qué ainda não podem aceitar como verdadeira a teoria reencarnacionista,
talvez suponham que essa lição não lhes aproveita. Enganam-se, pois a parábola do
rico e Lázaro confirma que, neste mundo ou no outro, as recompensas ou penas
futuras dependem, exclusivamente, de havermos cumprido ou deixado de cumprir
a Lei do Amor no trato com nossos semelhantes.
22 O homem diante da morte Segundo a Doutrina Espirita, as sensações que precedem e se sucedem à
morte, bem como a duração do processo de rompimento dos laços fluídicos que
unem a alma ao corpo físico, variam de caso para caso, dependendo das
circunstâncias do trespasse e da maior ou menor elevação moral do trespassado.
Via de regra, nas mortes repentinas e violentas, o desprendimento da alma é
tanto mais prolongado e penoso quanto mais fortes sejam aqueles liames, ou, em
outras palavras, quanto maia vitalidade exista no organismo, sendo que os suicidas
se mantêm presos ao corpo por muito tempo, às vezes até à sua decomposição
completa, sentindo, horrorizados, “os vermes lhes corroerem as carnes”.
Depois de longa enfermidade, ou quando a velhice tenha debilitado as forças
orgânicas, o desprendimento, em geral, se efetua fácil e suavemente,
semelhando-se a um sono muito agradável. Para os que só cuidaram de si mesmos, os que se deixaram empolgar pelos gozos deste
mundo, os que se empenharam apenas em amontoar bens materiais, os malfeitores e
os criminosos, a hora da separação é angustiosa e cruel; agarram-se, desesperados,
à vida que se lhes esvai, porque a própria consciência lhes grita que nada de bom podem
esperar no futuro.
Também para os incrédulos, mormente quando hajam zombado da fé alheia, o fim
da vida terrena se constitui um momento crucial, pois uma dúvida atroz se lhes insinua
no espírito acerca do “não ser” de sua crença niilista.
Quem, todavia, se tenha preparado cónvenien- temente para a morte,
desapegando-se das coisas terrenas, assim os que hajam imprimido um sentido nobre
a sua existência, cumprindo corretamente seus deveres para com Deus, com o próximo
e consigo mesmo, esses têm uma partida calma, serena, alegre mesmo, porquanto, não
raro, dias ou horas antes da libertação já lhes é dado entreverem os esplendores da
vida espiritual reservada aos justos.
“Post-mortem”, segue-se um período de torpor ou de perturbação que, igualmente,
pode ser brevíssimo para as almas de escol, ou durar anos e anos para as culpadas, após
o que se verifica o despertamento, ou seja, o inteirar-se cada qual no tocante à sua
nova situação.
Os Espíritos de ordem inferior vêem-se com um segundo corpo, astral (perispírito,
na terminologia kardecista), muito semelhante ao que abandonaram na Terra,
impregnados de fluidos grosseiros, experimentando, quase sempre, as mesmas
sensações físicas peculiares à existência humana. Consoante suas afinidades, são
atraídos para os meios que lhes são próprios, onde, no dizer do Evangelho, há “choro
e ranger de dentes”, isto é, onde são atormentados pela visão terrível e constante de
suas torpezas e vilanias, pelos clamores de suas vítimas, quando não caem, por sua vez,
sob o domínio de verdugos, que os castigam sem dó nem piedade.
Não poucos, guardam a ilusão de que ainda pertencem ao número dos “vivos” e,
torturados pelas necessidades que se criaram com suas viciações, ou
impulsionados pelos maus sentimentos a que se renderam, como o ciúme, o ódio,
o desejo de vingança, etc, volvem aos ambientes que lhes eram familiares,
buscando satisfazer-se de qualquer maneira, e, se encontram desgraçados que
lhes atendam às sugestões, «encostam-se» a eles, em autêntica simbiose,
transformando-os em instrumentos de suas perversões ou perversidades.
Já os Espíritos depurados, ao contrário, graças à leveza e sutilidade de seu
envoltório, elevam- -se aos páramos etéreos, de deslumbrante colorido e
sublimada beleza, fruindo, ali, a deleitável companhia dos que se lhes assemelhaça.
A par da revivescência de todas as cenas em que tiveram a ditosa oportunidade
de ajudar ou consolar alguém, chegam até eles a gratidão e as preces dos que se
beneficiaram com sua bondade, sob a forma de vibrações amenas e deliciosas,
confirmando-se, destarte, que a verdadeira felicidade, aqui na Terra como no Céu,
é uma decorrência da felicidade que tenhamos proporcionado aos outros.
O Espiritismo, oferecendo-nos o conhecimento das leis que presidem à
desencarnação e determinam nosso futuro espiritual, presta, sem dúvida, um
grande serviço ao homem, pois leva-o a cuidar bem da vida, habilitando-o,
consequentemente, a enfrentar sem receio o fenômeno da morte.
23 Na hora do testemunho “Então lhes disse Jesus: A todos vós serei esta noite motivo de escândalo, pois está
escrito: “Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho dispersarão.” Mas, depois que eu ressurgir, irei adiante de vós para a Galueia.
Respondeu Pedro: Ainda que todos se escandalizem a teu respeito, eu nunca me escandalizarei.
Jesus lhe replicou: Em verdade te digo que, nesta mesma noite, antes que o galo cante, negar-me-ás três vezes.
Tomou Pedro: Senhor, mesmo que seja necessário morrer contigo, não te negarei. O mesmo disseram todos os demais discípulos.” (Mat., 26:31-35.)
*
Essa manifestação de fidelidade a Jesus e à Causa que ele representava,
testada horas depois e vergonhosamente desmentida pelo colégio apostólico,
prova quanto é fraca a vontade humana e quanto nos custa adquirir a inteireza dos
caracteres bem formados.
De fato, é com relativa facilidade que quase todos esposamos nobres ideais e
nos dispomos a pregâ-los, no afã de convencer terceiros e fazer proselitismo.
Não raro, chegamos a querer impô-los, forçar sua aceitação, tão convictos nos
sentimos da excelência deles.
Surjam, porém, alguns obstáculos sérios à sua concretização, e logo
esmorecemos, deixando cair o lábaro que vínhamos empunhando com tanto
entusiasmo. Poucos os que, em tais circunstâncias, se mantêm firmes e
perseverantes no campo da luta.
Se, ao invés de dificuldades, encontramos pela frente adversários acérrimos,
dispostos não apenas a combater-nos no terreno das ideias, mas destruir- -nos
pessoalmente, a debandada, então, se torna geral, pois nosso instinto de
conservação é, ainda, mais forte do que os bons sentimentos que, por vezes,
medram em nossas almas, sem entretanto alcançar profundidade.
Foi o que sucedeu a Pedro. Apontado, simplesmente, como um dos seguidores de
Jesus, receou, todavia, ter a mesma sorte dele, e, esquecendo os arrebatados
protestos de lealdade que lhe fizera pouco antes, negou-o nada menos de três
vezes.
Os demais, tomados do mesmo pânico, também fugiram, de modo que, nem um,
sequer, teve. coragem de depor em defesa do Mestre durante o julgamento iníquo
a que o submeteram, como ninguém ousou protestar contra os flagícios que os
soldados romanos lhe aplicavam, entre ultrajes e zombarias.
Se os apóstolos, que eram, sem dúvida, os melhores homens da época,
demonstraram tal fraqueza, que se há-de esperar de nós outros, muitíssimo mais
atrasados?
A lição a tirar daí é que devemos ter o cuidado de não superestimar nossas
convicções nem confiar demasiado em nossas próprias forças. Assim, em nos soando a hora do testemunho, recorramos à prece, como Jesus o fazia
amiúde, suplicando a Deus que nos ampare, fortaleça e ilumine. Assim procedendo, será
menor o risco de falirmos nos instantes decisivos de nossa jornada.
Até mesmo os prisioneiros de guerra são tratados, hoje, com espírito de
humanidade, provando, tudo isso, que o mundo progride, lenta mas
ininterruptamente, e que dias cada vez melhores hão-de vir para todos os povos.
Todavia, que blasfêmia! — enquanto os homens corrigem, melhoram,
aperfeiçoam suas instituições penais, diz-se que Deus permanece insensível e
indiferente ao sofrimento das almas condenadas ao inferno, não Lhe fazendo
mossa que continuem a arder nos tachos de breu fervente, “per omitia saecula saeculorum”!
O mal que os propagadores dessa doutrina monstruosa causam às massas
humanas é incalculável, pois, não raro, os que repelem, com justa revolta, os
suplícios infernais, englobam no mesmo repúdio Aquele a quem os atribuem, caindo
na ir- religiosidade e no ateísmo.
Mas, poder-se-ia perguntar: então o inferno - não existe?
Existe, sim. Se há tanta gente a exclamar — “Minha vida é um inferno 1” —- é
porque ele existe, de fato. Não, porém, como um “lugar”, mas (tal qual o céu) como
um “estado” de consciência.
Em qualquer ponto do Universo, aqui, ali ou alhures, quem sinta o inferno dentro
de si, pode dizer que está no inferno.
Muitos, baseados na teologia pseudo-cristã que lhes foi inculcada, crêem ser
Deus quem deseje ou mesmo propicie todas as dores físicas e morais que nos
“infernizam” a existência, como se Ele fôsse um monstro que se comprazesse com
o sofrimento de Suas criaturas.
Em verdade, porém, quem faz o nosso inferno (ou o nosso céu) somos nós próprios,
segundo procedamos em contraposição aos mandamentos divinos, ou em harmonia
com eles.
Não é assim, poderão objetar-nos, pois assistimos, diàriamente, ao nascimento
de muitas crianças marcadas por taras, deformidades e lesões que as farão sofrer
por toda a existência, sem que lhes possa ser imputada qualquer culpa por essa
situação.
Redarguimos: A quem, pois, atribuí-la? Aos ancestrais, por serem ou terem sido
alcoólatras, sifilíticos, etc? Mas, nesse caso, baseado em que razões escolheria
Deus determinadas almas para animar esses corpos, condenando-as previ amente a
uma vida miserável, enquanto reservaria a outras melhor sorte? Esse arbítrio na
distribuição de graças e desgraças não se coaduna com Sua equanimidade.
Quem entra neste mundo privado de seus meios de percepção e de expressão,
ou com outras deficiências psico-somáticas, é porque, via de regra, em
existência(s) anterior (es), abusou dos recursos e faculdades de que dispôs,
comprometendo-se seriamente perante a Lei.
Sim, porque ninguém sofre sem merecer, eis que não há falhas nem enganos na
Justiça Divina.
Sendo o inferno, portanto, criação nossa e não de Deus, sua abolição também
depende exclusivamente de nós, de nosso desejo sincero e espontâneo de deixar o
caminho do mal para trilhar o do bem. Revela frisar, entretanto, que essa transição não se opera pura e simplesmente pelo
arrependimento. Este é indispensável, é o primeiro passo, mas não basta. Todo dano
ou padecimento que houvermos infligido ao próximo, e até os males que nos houvermos
causado, pelos excessos e intemperanças, têm que ser resgatados, através de
expiações adequadas, porque, como diz o Evangelho: “aquilo que o homem semear, isso
mesmo há-de colher”.
Não se confie, igualmente, no privilégio de pertencer a esta ou àquela denominação
religiosa, nem na eficácia de certos expedientes oferecidos pelo poder eclesiástico,
como meio seguro de fugir ao inferno.
O único jeito é seguir as pegadas daquele que, havendo alcançado a perfeição, pôde
dizer: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vai ao Pai senão por mim.”
25 A Ingratidão O homem necessita do próximo desde que vê a luz do mundo até o derradeiro
instante de sua existência.
Aos nascer, se fôsse abandonado, sucumbiria.
Para fazer-se adulto, física, mental e espiritualmente, precisa também do
concurso de outrem, pois, sòzinho, jamais poderia desenvolver suas qualidades.
Até para sentir-se feliz é-lhe indispensável a companhia de alguém, porquanto
ninguém se basta a si mesmo.
Apesar disso, raros os que já aprenderam a ser gratos àqueles que, de uma
forma ou de outra, os ajudam a realizar-se.
Quase todos, não nos apercebemos do quanto devemos aos outros, capitulando
como simples obrigação aquilo que fazem por nós.
Via de regra, se uma pessoa se recusa a prestar-nos um favor, guardamos dela
fundo ressentimento por lóngo tempo;, com que facilidade, entretanto,
esquecemos os benefícios recebidos!
Quem é, por exemplo, que se lembra de uma gentileza a seus antigos mestres,
essas criaturas abnegadas que se desgastam e envelhecem prematuramente no
árduo mister de instruir-nos, educar-nos e preparar-nos para a vida? Muitos há
que nem sequer os cumprimentam quando com eles cruzam pela rua, nem se dignam
fazer-lhes uma visita, sabendo-os enfermos.
Quem é que, embora se havendo aproveitado ao máximo da sociedade,
participando dos frutos da obra comum, reconhece ser um dever de gratidão
cooperar com ela? Cada qual, ao invés disso, só cuida de aumentar a fortuna e o
prestigio pessoais, alheando-se, por completo, dos problemas da comunidade em
que se criou ou à qual tudo deve.
Toda e qualquer ingratidão é execrável, mas a que mais repugna é a dos filhos
para com os genitores.
Quê de sacrifícios não se impõem os pais„ principalmente as mães, por aqueles
que Deus há confiado à ternura de seus corações!
Quantas noites passam em claro, junto ao berço de cada um, toda vez que a
doença ameace arrebatá-los ao aconchego de seus braços!
Mesmo depois que se tornam jovens e fortes, quantas horas de apreensão e de
angústia continuam sofrendo, por causa de suas noitadas alegres fora de casa!
Quantas canseiras suportam a fim de que nada lhes falte, e quantas diligências
empreendem para suavizar-lhes a aspereza dos caminhos por onde hão-de passar!
E como correspondem os filhos a esses cuidados, a essa solicitude, a esses
transbordamentos de amor?
Uns, cujos estudos só foram possíveis graças ao suor e ao meio jejum dos pais,
escolhem para paraninfar-lhes a formatura o namorado ou a namorada, porque
sentem vergonha da simplicidade deles.
Outros, bafejados pela prosperidade, progridem, enriquecem, e, não obstante,
deixam de estender aos autores de seus dias o conforto de que desfrutam, o que,
em última análise, representaria apenas os juros de uma dívida sagrada.
Alguns, mal se julgam “gente grande", abandonam o lar, vão para terras
distantes e nunca mais aparecem, nem mesmo para saberem se “os velhos" ainda
existem.
Não poucos, acolhem-nos em sua companhia, mas à conta de serviçais,
colocando sobre seus ombros alquebrados todo o peso dos afazeres domésticos.
Há ainda os que crêem estar sendo muito generosos só porque lhes fornece um
prato de comida ou lhes concede um cômodo nos fundos de sua vivenda, assim como
quem atira uma esmola, sem uma palavra de consolo, sem um gesto de carinho.
E, o que é mais hediondo, há até quem os interne em asilos ou hospitais, por não
lhes tolerarem a caduquice e os achaques da decrepitude.
Ai desses ingratos!
As vezes, já aqui mesmo receberão dos filhos aquilo que exemplificaram, sem
prejuízo do abandono que os aguarda, no Além.
26 Inspiremo-nos no Evangelho
“Da multidão dos que criam, o coração era um e a alma uma; e nenhum dizia ser sua coisa alguma daquelas que possuía, mas tudo entre eles era comum.
E não havia nenhum necessitado entre eles, porque todos quantos eram possuidores de campos, ou de casas, vendendo isso, traziam o preço do que vendiam e o punham aos pés dos apóstolosRepartia-se, pois, por eles em particular, segundo a necessidade que cada um tinha” (Atos, 4:32-34,35.) *
Há muita gente sincera e de boa índole que acredita seja o Comunismo o
melhor sistema de governo porque, suprimindo a propriedade particular,
proletarizando todos os indivíduos e fazendo do Estado o único dono de uma só
empresa (a sociedade), para a qual todos trabalhariam de acordo com suas
aptidões, dela recebendo parte equitativa dos bens produzidos pelo esforço
geral, extinguiria os desníveis e consequentes lutas entre as classes,
contribuindo, assim, para a paz e o bem-estar comuns.
Quer-nos parecer, entretanto, que a Humanidade terrena é por demais
heterogênea para que tal sistema funcione satisfatoriamente. Em outros
mundos, com outras criaturas, ou num futuro remoto, talvez...
Com efeito, se num regime de liberdade, gozando de plena autonomia, com
possibilidades ilimitadas de enriquecer e satisfazer, sem peias, todas as suas
ambições, muitos homens se mostram apáticos, indolentes, não demonstrando o
mínimo interesse em progredir, em elevar o seu “status”; hum regime
comunitário, sem o estímulo a que acima nos referimos, sua produtividade
fatalmente tenderia a baixar, retardando ainda mais o progresso social.
Talvez se diga que uma rigorosa fiscalização acabaria com a moleza e a
vadiagem. Fôra mister, então, que houvesse um verdadeiro exército de fiscais,
porque, a não ser assim... Mas, com tão grande número de pessoas fora da
produção, e a consumir, não cremos que a partilha correspondesse à
expectativa.
Outrossim, a igualdade absoluta, sonhada por alguns, também se nos afigura
injusta e inexequível .
Injusta, porque a cada um deve caber os frutos do próprio labor, e como uns
trabalham mais e melhor do que outros, a “média”, no caso, só beneficiaria os
maus obreiros, prejudicando os bons.
Inexequível, porque ainda que se conseguisse somar todas as riquezas da
Terra e depois dividi-las em partes rigorosamente iguais, de modo que coubesse
a cada um idêntica parcela, já no dia seguinte essa igualdade seria desfeita em
razão da diversidade das aptidões e dos caracteres, eis que uns — os mais
capazes e operosos — teriam feito render o que lhes tocara, enquanto outros, pela
inépcia no trato das coisas, já teriam malbaratado o seu quinhão.
Não queremos com isso dizer que, em nosso País, as coisas devam continuar como
estão; que nenhuma reforma precise ser empreendida no sentido de abolir certos
privilégios odiosos, e que não se devam aperfeiçoar nossas instituições, de modo a
alcançarmos uma perfeita justiça social.
Pelo contrário. Urge colaboremos pára isso, a começar pelos detentores do poder
econômico e político, aos quais cumpre dar atendimento aos angustiosos reclamos do
povo, tão sofrido, não criando embaraços às medidas que tenham por fim promover o
desenvolvimento e a prosperidade nacionais.
Principalmente os que bradam, aflitos, ser necessário defender nossa “democracia
cristã”, meditem se é democrático o processo de escravidão a que muitos de nossos
irmãos ainda estão submetidos, e se é cristão deixá-los na situação de miséria física,
intelectual e moral em que jazem, em proveito de uma pequena minoria de gozadores
sem consciência.
Se nos mantivermos insensíveis ao pauperis- mo que atinge a milhões de brasileiros,
fechando-nos na “torre de marfim” de nosso egoísmo; se não renunciarmos,
espontâneamente, a um pouco do que nos sobeja em favor daqueles a quem tudo falta;
a multidão dos párias, que nada tem a perder porque nada possui, açulada pelo
desespero, mais dia menos dia tentará obter de qualquer maneira, até mesmo pela
força, aquilo que estamos tardando a lhe conceder pelo caminho pacífico da Lei.
Inspirados no texto evangélico que encima estas linhas e seguindo o exemplo dos
pioneiros do vero Cristianismo, procuremos, todos, viver uns pelos outros, em
estreita solidariedade, identificados por um só sentimento — o Amor, e
impulsionados por um só ideal — o Bem coletivo.
27 A Intemperança Se fosse possível obter-se uma estatística das causas das doenças que assolam
a Humanidade, dos desajustamentos familiares que infelicitam tantas criaturas,
dos desastres e dos crimes que se verificam diàriamente em todo o mundo,
haveríamos de surpreender-nos com a alta incidência desses males por obra da
intemperança, ou seja, dos hábitos nocivos e dos excessos de toda ordem.
Com efeito, é considerável o número daqueles a quem a intoxicação crônica pelo
fumo há conduzido a moléstias gravíssimas do coração, dos vasos e outras, quais a
angina do peito, a bronquite, o câncer, etc.
Numerosíssimos, também, os que, necessitando de um regime dietético, não
conseguem equilibrar a saúde devido à gula, assim os que, por se empanturrarem
continuamente, acabam sofrendo vários distúrbios do aparelho digestivo ou sendo
acometidos de indigestão. Há mesmo quem afirme que, em todas as épocas, sempre
foi maior a cifra de óbitos motivados pela glutonaria do que pela falta de
alimentação.
Que dizer-se, então, da bebedice?
E’, sem dúvida, um vício arrasador, cujas vítimas podem ser contadas aos
milhões, tanto nas classes humildes como nas altas rodas.
Além de ir destroçando, pouco a pouco, o organismo dos que se rendem ao seu
domínio, reduzindo-os a molambos, avilta-lhes o caráter, fazendo-os perder o
amor ao trabalho, o respeito à família e a própria dignidade pessoal.
Sob a influência alcoólica, muitos homens transformam o lar em autêntico
inferno, pelos atritos que provocam e os maus tratos que infligem à esposa e aos
filhos.
Outros há que perdem completamente o senso de responsabilidade e,
alheando-se às obrigações que lhes cabem, deixam a família em situação de
miséria, quando não se convertem, desavergonhadamente, em parasitas,
explorando aqueles a- quem deveriam sustentar.
Outros ainda, no contubérnio de antros sórdidos, inclinam-se à valentia,
provocam brigas e desordens, matando ou sendo mortos estupidamente.
Os casos de acidentes e atropelamentos fetais, ocasionados por indivíduos em
estado de embriaguez, são, igualmente, incontáveis.
As prisões, os hospitais, os manicômios e os asilos mantêm-se
permanentemente repletos de alcoólatras, que se constituem, deste modo,
pesadíssimo ônus para a sociedade.
Outra forma de intemperança extremamente ruinosa, que se vai alastrando por
toda a parte, concorrendo, em grande escala, para o aumento da degradação e da
loucura, é o uso vicioso de entorpecentes e narcóticos, quais a cocaína, a heroína, a
maconha, a morfina e o ópio.
Como não poderia deixar de ser, todos esses apetites descontrolados são
severamente condenados pelo Evangelho. Entre muitos outros conselhos e
advertências a respeito, ali encontramos estas palavras textuais:
“Os que se dão a bebedices, a glutonarias e outras coisas semelhantes, não
possuirão o reino de Deus." (I Cor., 6:10; Gál., 5:21;Pd., 4:3 .)
A Doutrina Espirita nos esclarece que todos os vícios prejudiciais às forças
psicossomáticas, que arruinam a saúde e apressam a morte (e aí se incluem o
alcoolismo, a glutonaria, o tabagismo, a toxicomania, etc), representam formas de
suicídio indireto, levando o Espírito, “post-mortem”, a um sentimento de culpa
tanto mais penoso quanto maiores tenham sido os abusos cometidos.
Diz-nos, mais, que as lesões provocadas pela intemperança afetam, também,
nossa estrutura pe- rispiritual, dando margem a que, nas próximas re-
encaraações, venhamos a padecer desequilíbrios orgânicos mais ou menos
dolorosos, conforme a natureza e a intensidade dos maus costumes a que nos
entregamos.
Tratemos, portanto, de trilhar o caminho reto da virtude, cultivando a sobriedade, pois tal é
o preço de nossa felicidade, atual e futura.
28 A Inveja A inveja é definida nos léxicos como “desgosto, mortificação, pesar causado
pela vista da alegria, propriedade ou êxito de outrem, acompanhado do desejo
violento de possuir os mesmos bens.”
Dela se originam as rivalidades, as maledicências, os juízos temerários e
quejandos, de tão más consequências.
Eis alguns exemplos da malignidade da inveja:
Duas moças, colegas de estudo, dão-se às mil maravilhas. Uma delas começa a
ser cortejada por um rapaz, corresponde-lhe e se tornam noivos. E’ quanto basta
para que a outra, por não ter tido a mesma ventura da “amiga”, passe a detestá-la,
mal suportando sua presença.
Determinado cidadão vai levando Bua vida em paz, satisfeito, preocupação
nenhuma. Um .belo dia, entretanto, assiste à entrega de soberba geladeira na casa
do vizinho. A partir desse momento, perde o sossego, considerando-se um
desgraçado, só porque suas posses não lhe permitem adquirir também um
refrigerador, sem o qual sempre passou muito bem.
Fulano e Beltrano trabalham na mesma empresa, onde desempenham idênticas
funções. Fulano é pontual, tem iniciativa, absorve-se no serviço, põe nele toda a
alma, esforçando-se constantemente para aperfeiçoar sua qualificação
profissional; além disso é educado, cooperador e alegre, qualidades essas que o
credenciam a sucessivas promoções. Beltrano é o reverso da medalha e por isso
fica para trás, mas, ao invés de reconhecer a superioridade de Fulano e imitá-lo,
procura criar-lhe embaraços, incompatibilizá-lo com os demais companheiros, etc,
fazendo-se, enfim, desafeto gratuito dele.
Por essas coisas é que se diz, com muita graça, que o invejoso emagrece com
a engorda dos outros.
Espíritos assaz imperfeitos que somos, acontece-nos, às vezes, vertermos
algumas lágrimas sentidas, compartilhando da dor ou da tristeza de outrem; mui
raramente, porém, seremos capazes de regozijar-nos, sinceramente, com a
prosperidade alheia. O mais comum é sermos tomados de inveja e, subestimando
ou deturpando o merecimento do próximo, atribuirmos, em comentários
venenosos, a melhoria deste a uma proteção vergonhosa, o enriquecimento
daquele ao uso de processos escusos, a glória daquele outro a razões menos
dignas.
Nem mesmo aqueles que tiveram íntima ligação com Jesus, privando de seu
salutar convívio, estavam imunes dessa peçonha.
Haja vista o procedimento de João com certo homem que vinha obtendo êxito
na expulsão de demônios: proibiu-o de continuar a fazê-lo, simplesmente porque
não fazia parte do grupo que seguia o Mestre (Luc., 9:49).
Lendo-se os apontamentos de Marcos, percebe-se que cada um dos apóstolos
pretendia ser “o maior”, dando assim ensejo a que a inveja, vez por outra,
tornasse tensas as relações entre eles. Tiago e João, um dia, chegaram a
postular a Jesus que, quando estabelecesse seu reino de glória, reservasse ao
primeiro assento à sua direita, e ao segundo, à sua esquerda, petição essa que
provocou a indignação dos outros dez (9:33; 10:36-38).
O Espiritismo (e todas as religiões) aponta a inveja como sentimento
antagônico do amor, esclarecendo-nos ser preciso bani-la de nossos corações,
sem o que não conseguiremos ser felizes.
E o Evangelho, na Parábola do Filho Pródigo, nos oferece magnífica ilustração
dessa verdade.
Nela se conta que um homem teve dois filhos, o mais novo dos quais, pedindo
ao pai a parte da fortuna que lhe caberia por herança, partiu para terras
distantes, onde dissipou tudo, dissolutamente, vindo a ficar na miséria. Começou
então a padecer fome e resolveu voltar a penates, certo de que 3eria perdoado.
O pai, realmente, o acolheu de braços abertos, com efusão de júbilo, ordenando
até que se preparasse uma festa para comemorar sua volta. Já o irmão, ao saber
que o estróina fora acolhido carinhosamente e reintegrado na família com todos
os direitos, devorado pela inveja, revoltou-se contra o próprio pai e, apesar de
instado por ele para que entrasse em casa e participasse do banquete e das
danças, recusou-se a fazê-lo.
Como é fácil de entender-se, a casa paterna, aí, simboliza o Reino do Céu,
cujas portas estão sempre abertas para quantos queiram adentrá-lo.
Muitas e muitas vezes, porém, a exemplo do primogênito da parábola, nos
mantemos fora, privando-nos de suas alegrias, porque em nós a inveja é ainda
mais forte que o amor.
29 O jugo do Cristo “Vinde a mim todos os que andais em trabalho e vos achais carregados, e eu vos
aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; então achareis descanso para vossas almas, porque o meu jugo é suave e o meu peso, leve." (Mat., 11:28-30.)
As doces e amoráveis palavras de Jesus, que encimam estas linhas,
evidentemente são dirigidas a todos nós, que aqui nos encontramos neste planeta
sombrio, a sofrer as consequências de nossa ignorância e a ensaiar os primeiros
passos no sentido de nossa realização espiritual.
A luta sem tréguas em que nos empenhamos para conquistar fortuna, fama
ou poder, na ingênua suposição de que essas coisas nos darão felicidade; as
desconfianças, preocupações e receios que se renovam ou se intensificam a cada
dia de nossa existência; tudo nos oprime, nos rouba a tranquilidade e não nos
dá um instante sequer de repouso.
Concomitantemente, as doenças, os desgostos, as traições, as adversidades
de toda sorte que nos assaltam ao longo da jornada terrestre, levam-nos, não
raro, ao pessimismo e à negação, tornando-nos a vida um fardo terrivelmente
pesado e insuportável, a que muitos tentam fugir pela porta do suicídio.
Outros, pretendendo amortecer a própria consciência, a fim de não sentirem a
realidade de sua insegurança, de suas frustrações e de sua inquietação interior,
entregam-se aos vícios, aos prazeres loucos e às mais desordenadas
extravagâncias; ao cabo de certo tempo, porém, saturados dessas grosseiras
ilusões, passam a sentir-se menos satisfeitos consigo mesmos, mais vazios, mais
pobres de alma e muito mais desgraçados.
Para nos libertarmos dessa situação aflitiva e desesperadora, mister se faz
que aceitemos o jugo do Cristo e aprendamos com ele a ser mansos e humildes de
coração.
Em termos mais claros, isto significa que devemos cumprir a Lei do Amor,
cultivando a abnegação, o desinteresse, a benevolência, a fraternidade, a
tolerância, o perdão das ofensas e as demais virtudes cristãs, despojando-nos da
ambição, da avareza, da inveja, da ira, do rancor, do desejo de vingança, enfim de
todos os sentimentos mesquinhos e maldosos inspirados pelo Egoísmo e pelo
Orgulho, que constituem o jugo do mundo.
Significa, ainda, adquirir uma Consciência Superior, romper com todas as
amarras que nos prendem ao plano físico, renunciando, de bom ânimo, às vaidades e
ostentações que tanto seduzem o grosso da Humanidade.
Uma vez alcançado esse entendimento, aceitaremos pacientemente e sem
revolta todos os sofrimentos e vicissitudes que o destino nos reserve, por sabê-los
determinados pela Justiça Divina, em resgate de erros e prevaricações do
passado; começaremos a alimentar ideais mais nobres, dando do que temos e
oferecendo-nos nós próprios em benefício de nossos semelhantes; conhecendo,
finalmente, que o verdadeiro gozo não reside na posse transitória dos tesouros da
Terra, mas sim na conquista das riquezas imperecíveis do espírito.
Então, aliviados da ganga impura das paixões e desejos mundanos, ainda que o
céu esteja turvo por cima de nossas cabeças, que o meio social onde nos
encontremos seja mau, a luz da Moral e a alegria do Bem permanecerão em
nossas almas, impregnando-as daquela paz íntima que nada nem ninguém serà
capaz de perturbar.
30 A Luxúria Entre os chamados “pecados capitais” do gênero humano, nenhum outro hâ sido
tão condenado quanto a luxúria, considerando-se tal todos os abusos e
extravagâncias sexuais.
Trata-se, com efeito, de um vício de consequências terrivelmente danosas:
gera enfermidades, avilta caracteres, produz loucuras, inspira crimes, arruina
lares, destrói civilizações.
Em toda a face da Terra, milhões de indivíduos, diàriamente, são por ele
levados ao desmantelamento físico, mental e espiritual, constituindo-se, portanto,
um flagelo da Humanidade.
Lamentavelmente, porém, até aqui, muito se tem falado e escrito sobre sexo,
mas apenas para exprobrá-lo e apontar-lhe os aspectos escabrosos, negativos,
quando fora de maior proveito explicá-lo, à luz da Ciência, realçar-lhe as
nobilíssimas funções, educando as criaturas para que o não pervertam, antes o
utilizem qual precioso instrumento de equilíbrio psicossomático, como de fato o é.
O Espiritismo, trazendo novas luzes sobre o assunto, esclarece-nos que sexo é faculdade criadora da alma, a serviço do Amor, sendo os órgãos genitais masculinos e
femininos apenas o seu apa- relhamento de exteriorização, assim como os olhos o
são para a vista, o cérebro para o pensamento, etc. (1)
Tal faculdade, a princípio, manifesta-se, sim, como mero desejo,
satisfazendo-se com a posse. Isso, todavia, é apenas o primeiro estágio de um
processo evolutivo que deve alcançar a sublimação, transformando-se,
gradativamente, em simpatia, carinho, devotamento, renúncia e sacrifício.
Aqui na Terra, é enorme o número daqueles que se demoram em expressar amor
exclusivamente através do ato sexual.
Outros, conquanto se tenham adiantado um pouco, conhecendo a simpatia e o
carinho, são, no entanto, mui ciumentos, demonstrando que o egoísmo ainda impera
em seus corações.
Uns poucos ascenderam, já, à fase do amor- -devotamento, em que o amante
vive mais para os seres amados do que para si mesmo, havendo igualmente, posto
que raros, os que, por amor, são capazes dos mais belos gestos de renúncia.
Quanto ao amor-sacrifício, só o encontramos nos santos. Sua exemplificação
máxima é a que nos foi dada por Jesus.
Assim, entre o amor inconsciente e animalizado do bruto e o amor divinizado do
Cristo, há uma longa e gloriosa trajetória, ou seja, todo um aprendizado de
autodomínio, disciplina, responsabilidade, abnegação e ternura, a demandar de
cada alma experiências cruciantes e purificadoras, que só em milênios, vida pós
vidas, se logrará cumprir.
Auxiliemos, então, a todos os que, situados nos primeiros degraus da
Sabedoria, padecem as angústias do sexo, ensinando-lhes que a felicidade
verdadeira não se obtém tão somente com o comprazimento do instinto.
Embora a muitos custe crer, o sexo é, como dissemos acima, uma faculdade da
alma e não do corpo físico, oferecendo-nos vastos horizontes e mundos sempre
novos, em que expandirmos nossos anseios de amar e ser amados. Pode, pois, cada
qual, dar vazão aos seus impulsos e decarregar suas tensões em várias atividades
nobres, canalizando suas energias para as funções da mente e do coração.
Oportuno, nesta altura, desfazer o equívoco de que a contenção do ato sexual,
praticada em nome de um ideal de pureza, venha a constituir-se causa de recalques
e frustrações capazes de gerar perturbações neuróticas.
A psicologia moderna afirma, ao contrário, que a disciplina moral é
absolutamente necessária para a saúde física e mental do homem, o que vale dizer,
para a sua integração e paz interior.
Urge, pois, afastar nosso pensamento da lubricidade, desvencilhar-nos das
1 (*) Lede o cap. XI de «No Mundo Maior», obra ditada por André Luiz.
malhas do instinto e, inspirados no amor cristão, buscarmos, em cada dia da vida,
burilar nossos sentimentos, aperfeiçoando-lhes as manifestações.
Estudar ou escrever páginas edificantes, esculpir ou pintar uma obra de arte,
cantar ou executar uma peça musical, assim como dedicar- -nos a uma instituição
de amparo à infância abandonada ou à velhice desvalida, socorrer os enfermos,
prover às necessidades da pobreza, eis alguns dos excelentes meios de que
podemos valer-nos, no sentido do aprimoramento de nossas forças criadoras.
Utilizando-os, estaremos realizando nossa libertação espiritual,
aproximando-nos, cada vez mais, da unidade e da harmonização com Deus.
31 Magnífica lição de tolerância
“Como se aproximasse o tempo em que havia de ser arrebatado do mundo, ele, de semblante resoluto, pôs-se a caminho para ir a Jerusalém. Enviou adiante alguns mensageiros que de passagem entraram numa aldeia de samaritanos a fim de lhe prepararem pousada. Estes, porém, não o quiseram receber, por dar ele mostras de que ia para Jerusalém. Vendo isso, seus discípulos Tiago e João disseram: Senhor-, queres tu que digamos desça fogo do céu e os consuma? Jesus, voltando-se para eles, repreendeu-os, dizendo: Não sabeis de. que espírito sois? O filho do homem não veio para perder e sim para salvar os homens. E foram para outra povoação.” (Luc., 9:51-56.)
Sabem os versados em assuntos bíblicos que Samaria era uma das quatro
divisões da Palestina e que, após o cisma das dez tribos de Israel, os samaritanos
formaram um reino dissidente.
Para não precisarem ir a Jerusalém por ocasião das festas religiosas com que,
anualmente, os judeus comemoravam a saída do Egito, os samaritanos construíram
um templo em sua província, onde celebravam, em particular, as mesmas
cerimônias .
Malgrado a origem comum, os dois povos passaram a hostilizar-se
reciprocamente, sendo que os judeus, tidos como os ortodoxos do Moisaísmo,
tachavam os samaritanos de heréticos, devotando-lhes o maior desprezo.
Essa a razão, até certo ponto compreensível, de os samaritanos se haverem
recusado a oferecer hospedagem a Jesus, tão logo o identificaram como um judeu
em trânsito para a Capital.
A reação dos discípulos que o acompanhavam não se fêz esperar. Queriam nada
menos que fulminá-los, atraindo sobre eles fogo do céu!
Jesus, entretanto, longe de autorizar tal violência, repreendeu-os
severamente, dizendo-lhes que viera ao mundo para salvar os homens e não para
exterminá-los, e que, como membros de seu colégio apostólico, também eles
deveriam usar de caridade para com todos, retribuindo o ódio com o amor e as
ofensas com o perdão, consoante o espírito da doutrina que pregavam.
Dirigindo-se em seguida a outra aldeia, em busca de pousada, deixando em paz
os que se recusaram a recebê-lo, deu Jesus mais um de seus magníficos exemplos
de mansuetude e tolerância, comprovando, assim, a perfeição de seu caráter. *
Vezes sem conta tem Jesus batido à nossa porta, sem entretanto encontrar
guarida, porque, à semelhança dos samaritanos, nossos corações igualmente estão
cheios de animosidade.
Ele então se vai, porque não é de seu feitio violentar o livre-arbítrio de quem
quer que seja.
Quando, afinal, acolheremos o celeste amigo, para que ele, com sua inefável
presença, nos inunde a casa de alegria e felicidade?
32 A magna opção: ganhar o mundo ou salvar a alma
“E Jesus dizia a todos: se alguém quer vir após de mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.
Porque, o que quiser salvar a sua vida, virá a perdê-la, mas aquele que perder a vida por minha causa e do Evangelho, a salvará. De que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma* Que dará o homem em troca de sua almaf
Aquele que se envergonhar de mim e de minhas palavras, desse o filho do homem também se envergonhará, quando vier na glória de seu Pai, cem seus anjos; e então dará a cada um a paga de acordo com suas obras/* (Mat., 16:24-27; Mar., 8:34-38; Lue.,
9:23-26.) Como Jesus aqui nos ensina, a conquista da consciência espiritual, universal, o
que vale dizer: a conquista do reino dos céus (que está dentro de nós) é uma
questão de vivência segundo a Lei do Amor, e implica, necessàriamente, o sacrifício
de nossa consciência personalista, terrena ou satânica, que se caracteriza pelo
egoísmo.
O primeiro passo dessa jornada ascensional consiste em negarmo-nos a nós
mesmos, isto é, em renunciarmos a tudo aquilo que constitui o deleite do homem
mundano: fama, poder, bens materiais, prestigio social, etc, cuja consecução,
quase sempre, é o resultado da ambição, da avareza, do orgulho, da vaidade e
outras manifestações do nosso Ego.
O segundo passo, bem mais difícil, ê tomarmos a nossa cruz e seguirmos as
pegadas do Cristo, o que, em outras palavras, significa recebermos, tranquila e
pacientemente, as vicissitudes de nosso destino (pois somos nós próprios que o
delineamos), suportando-lhe as agruras como lições indispensáveis ao
aprimoramento de nossas almas, e . . . esquecendo nossas dores, olvidando os
problemas pessoais, entregando-nos a uma vida de serviço, mantendo-nos em
permanente atitude de amor, de amor incondicional para com todas as criaturas de
Deus.
Dizem muitos: “a vida é curta; tratemos de aproveitá-la”. E se engolfam nos
gozos sensuais, nos prazeres efêmeros, nas aventuras, ilusões e fantasias do
mundo, sem que jamais lhes passe pela mente a gravidade dos assuntos espirituais.
“Gozar a vida” o mais intensamente possível, e a qualquer preço, tal o único
programa que, a Beu ver, justifica a presença do homem na face da Terra. ..
Um dia, porém, a aproximação da Morte fará que “caiam em si”. Então, mui
tardiamente, serão forçados a reconhecer terem “perdido a existência”, pois,
havendo vivido apenas para o comprazimento de suas concupiscências, não
avançaram um passo sequer no sentido da evolução.
Já aqueles que, decididos a seguirem o exemplo do Cristo, indiferentes às
fatuidades mundanas, vêem em cada instante que passa uma oportunidade ae
servir ao próximo, empregando todas as suas forças físicas, intelectuais e morais
na produção do Bem, tornando-se, destarte, cooperadores de Deus no amparo,
esclarecimento e consolo da Humanidade, são os que, verdadeiramente, “salvarão
sua vida”, porque se estão enriquecendo de virtudes, cobrindo-se de méritos,
fazendo jus, portanto, ao acesso às regiões mais felizes da espiritualidade.
Na hora do acerto de contas com a Justiça Divina, muitos dos que conseguiram
capitalizar vultosos bens de fortuna e por isso se blasonam, ufanos, de terem
“vencido na vida”, colocando o mundo a seus pés, sentir-se-ão arder de remorsos
pelas iniquidades praticadas, e, não podendo comprar a paz interior, nada podendo
oferecer em resgate de suas almas, não terão outra saída senão o retorno à Terra,
por via da reencarnação, a fim de, em nova(s) existência(s) de lutas acerbas,
aprenderem a fazer melhor uso dos recursos que a Providência lhes haja confiado.
Quanto aos que, com receio de parecerem tolos ou ridículos aos olhos da
sociedade, deixam de ocupar-se das coisas santas, envergonham-se da menor
alusão ao nome de Deus, chegando a sorrir, com desprezo, dos que, segundo o juízo
profano, “perdem tempo com tais frioleiras e pieguices”, diz o Cristo, mui
claramente, que “também se envergonhará deles” e, na devida ocasião, “dará a
cada um a paga de acordo com suas obras”.
Decida, portanto, cada qual por si próprio, o que mais lhe convém: se ganhar o
mundo ou salvar a sua alma!
33 A Maledicência “Antes de falardes — aconselha um sábio mestre espiritual —, tende o cuidado
de examinar se aquilo que ides dizer satisfaz a estes três requisitos: ser
verdadeiro, agradável e animador; do contrário, deixai-vos ficar calados.”
Infelizmente, não aprendemos ainda a virtude do silêncio e, o que é pior,
experimentamos um prazer imenso em falar desnecessàriamente e em demasia,
descambando, muitas e muitas vezes, para a maledicência, sem sequer nos
apercebermos disso.
Basta que duas ou mais pessoas nos reunamos em conversação livre, para que,
instantes depois, já estejamos a dizer mal dos outros.
Administração, política, negócios, religião, festas sociais, parentela, etc, tudo
serve para conduzir-nos aos falatórios inconsiderados em torno de nossos
semelhantes, que, uma vez iniciados, podem prolongar-se por horas a fio, eis que
nunca faltam “Judas” para serem malhados.
Curioso: nenhum de nós se dá pressa em divulgar notícias sérias, sobre
assuntos de relevante interesse para a Humanidade; mas com que sofreguidão
disputamos a primazia de passar adiante fatos e boatos desagradáveis,
deprimentos ou que possam provocar escândalo!
Não raro, aquilo que nos chega aos ouvidos são meras conjeturas e suposições
maldosas, às quais não deveríamos dar o menor crédito. Levia- namente, porém,
não só as transmitimos a outrem, emprestando-lhes foros de veracidade, como até
as exageramos, acrescentando-lhes detalhes fantasiosos, para melhor convencer
os que nos escutam.
Quanto desamor ao próximo ressalta dessas atitudes!
Ainda que nós mesmos tenhamos tido oportunidade de presenciar certas cenas
ou episódios que nos pareçam comprometedores, manda a prudência nos
abstenhamos de comentá-los, porque cada um de nós é levado a julgar as coisas que
vê segundo as inclinações de seu próprio coração, e isso altera fundamentalmente
o verdadeiro juízo delas.
A maledicência provém do mau vezo que temos de intrometer-nos na vida
alheia.
Sem dúvida, ocasiões haverá em que, percebendo que uma pessoa esteja a
proceder erroneamente, nos caiba o dever de, muito em particular e com
delicadeza, procurar fazê-la convencer-se de tal; nunca, entretanto, alardear com
terceiros fraquezas e deslizes que também estamos sujeitos a cometer.
O Evangelho, que é um magnífico tratado da ciência de bem viver, reprova a
maledicência, o mexerico, as murmurações e semelhantes, instruindo- -nos, por
outro lado, como empregar nobremente o dom da palavra.
Eis, entre outros, alguns textos específicos:
“Toda a palavra ociosa que falarem os homens» darão conta dela no dia do juízo.” (Mat.,
12:36.) “Os maldizentes não entra/rão no reino de Deus.” (I Cor., 6:10.) “Nenhuma palavra má saia de vossa boca, senão só a que seja boa para edificação da
fé, de maneira que dê graça aos que a ouvem." (Ef4 :29 . ) “Evita o falatório vão e profano, porque produzirão maior impiedade ” (II Tim., 2:16.)
Atentos a essas advertências e exortações, tratemos então de exercer severo
controle da língua, utilizando os sagrados recursos de expressão que a bondade
de Deus nos há concedido, com a mesma dignidade e pureza com que Jesus,
conversando, nos legou essa maravilha, que é a Doutrina Cristã.
34 Malefícios do sectarismo "Disse-lhe João: Mestre, vimos um homem que expulsava demônios em teu nome, )nas
não nos segue, e nós lho proibimos. Respondeu Jesus: Não lho proibais, porquanto não há ninguém que, tendo feito em meu
nome um milagre, possa depois dizer mal de mim. Quem não é contra vós é por vós; e quem quer que, em meu nome, vos der de beber um copo dágua, por serdes do Cristo, digo-vos em verdade que não perderá sua recompensa. ” (Mar., 9:37:40.)
Um dos grandes males que sempre infelicitou a Humanidade e continua a
produzir funestas consequências é o sectarismo, seja ele da espécie que for. Isto
porque ao mesmo tempo que congrega fortemente os componentes de determinado
grupo, em torno de um ideal comum, faz que se separem dos outros, ou, o que é
pior, que se voltem contra os outros, criando dificuldades tremendas a um clima de
entendimento e de cooperação recíproca, que seria vantajoso para todos.
Haja vista as barbaridades que se praticam no mundo por causa do preconceito
racial, os dolorosos conflitos inspirados pelo nacionalismo exacerbado e os danos
sem conta que resulta da política partidária extremada.
Nem mesmo o sentimento religioso tem escapado aos calamitosos efeitos do
sectarismo intolerante .
Fanatizados por esta ou aquela organização eclesiástica, indivíduos existem
que temem e evitam o contacto com os profitentes de outros credos (aos quais
tacham de heréticos ou de endemoninhados), que só dão óbolos às instituições ou
aos membros de sua comunidade, havendo alguns, de mentalidade mais estreita
ainda, que julgam seria um serviço agradável a Deus eliminar da face da Terra
todos quantos não O compreendem ou não O adorem à maneira deles.
No episódio em tela, Jesus, mais uma vez, se insurge contra esse espírito
sectarista, por contrário à Lei do Amor e da Fraternidade Universal que ele veio
pregar e exemplificar.
A ninguém proibais de fazer o bem, diz ele, pois quem assim procede, em meu
nome, não pode ser contra mim, embora não pertença ao número dos que me
acompanham. E acrescenta: Quem quer que vos ofereça um copo de água fresca,
por serdes meus discípulos, será abençoado pelo Pai celestial, porquanto a
caridade não tem fronteiras, nem é privilégio de ninguém, sendo sempre
recompensada, venha de onde vier!
Tais palavras do Mestre evidenciam o erro dos que pretendem impor seus
dogmas a todas as consciências, ameaçando com as penas eternas do inferno
quantos não se submetam a essa tirania mística, fazendo-nos compreender que,
quaisquer que sejam nossas convicções filosóficas ou religiosas, desde que amemos
o próximo e pratiquemos o bem, estaremos com Deus, assim como Deus estará
conosco.
35 Males do corpo, medicina da alma I
Relata João, o evangelista, cap. 5, v. 2-9,14:
“Em Jerusalém está o tanque das ovelhas, que em hebreu se chama Betesda, o
qual tem cinco alpendres. Nestes jazia uma grande multidão de enfermos, de
cegos, de coxos, dos que tinham os membros ressicados, todos os quais esperavam
que se movesse a água, porque um anjo do Senhor descia em certo tempo ao
tanque, e movia-se a água. E o primeiro que entrava no tanque, depois de se miover
a água, ficava curado de qualquer doença que tivesse.
Estava também ali um homem que havia trinta e oito anos se achava enfermo.
Jesus, que o viu deitado, e soube estar ele doente há tanto tempo, disse-lhe:
Queres ficar são?
O enfermo lhe respondeu: Senhor, não tenho homem que me ponha no tanque
quando a água for movida, porque, enquanto eu vou, outro entra primeiro do que eu.
Disse-lhe. Jesus: Levanta-te, toma a tua cama e anda.
E no mesmo instante ficou são aquele homem; tomou a sua cama e começou a
andar.
Depois, achou-o Jesus no templo e disse-lhe: Olha que já estás são; não peques mais, para que te não suceda alguma coisa pior.”
Como se depreende claramente dessa afirmativa do Mestre, as moléstias e os
desarranjos físicos que infelicitam a Humanidade — exceto aqueles derivados do
meio ambiente e os estados mórbidos resultantes da idade — são efeitos de
enfermidades da alma. Até mesmo as doenças atribuídas aos excessos de toda
espécie ou aos maus hábitos, como o de fumar, o de ingerir bebidas alcoólicas, etc.
Sim, porque os abusos, da mesma forma que as tendências para os vícios, são
consequências de desejos. Ora, quem deseja é a alma e não o corpo; este é apenas o
veículo através do qual aquela se manifesta.
Escusar-se alguém de seus erros, sob a alegação de que “a carne é fraca”, não
passa de sofisma.
A carne, destituída de pensamento e vontade, não pode prevalecer jamais
sobre o espírito, que é o ser moral a quem cabe a responsabilidade de todos os
atos.
A alma, quando sã, governa o corpo, disci- plina-o e só lhe concede o que
convenha à sua saúde. Já aquela que transige com os apetites carnais, permitindo
sejam criados usos e costumes nocivos ao seu indumento físico, é uma alma em
estado de enfermidade.
Nos mundos elevados, onde não há almas enfermas, também não há corpos
enfermiços; aqui na Terra, porém, onde elas constituem imensa maioria, os
aleijões, os cânceres, as chagas, os tumores, enfim toda a sorte de flagelos
conhecidos e catalogados pela ciência médica, subsistirão por longo tempo ainda,
até que os homens se convençam dessa verdade e busquem o único remédio capaz
de curá- -los: a higiene da alma!
Nada do que existe é inútil; portanto, se as enfermidades existem em nosso
mundo é porque Deus assim há determinado, para que, pelas dores, aflições e
angústias da destruição orgânica, a Humanidade se cure de suas fraquezas e
acelere a sua evolução.
Se os que se deixam dominar pelas más tendências anímicas não conhecessem,
como consequência de seus desregramentos, as moléstias e a infelicidade, não se
empenhariam em corrigir-se, continuariam sempre na mesma situação de
ignorância ou de maldade, retardando indefinidamente seu progresso espiritual.
Sofrendo, existência pós existência, os acúleos das enfermidades, para as quais
não encontram remédio (e quando conseguem a cura de uma, logo surgp outra
desconhecida), os homens são levados a investigar a causa de sua desventura,
e, desco- brindo-a finalmente, cuidam de extirpá-la e não mais reincidir nos
antigos erros.
36 Males do corpo, medicina da alma II
As enfermidades, além de corrigirem os desacertos e os vícios de que os
terrícolas, em geral, ainda se ressentem, constituem, também, a única terapêutica
eficaz para sanar-lhes defeitos e imperfeições outras, mais graves, de que
resultam danos e sofrimentos a outrem.
O intelectual, por exemplo, que coloca sua inteligência a serviço da corrupção,
da mentira e de outras formas do mal, será presa da demência ou da idiotia para
que, de futuro, aprenda a fazer bom uso de tão nobre faculdade.
O orgulhoso e o déspota, não há como abatê-los e domá-los, senão por meio de
enfermidades asquerosas que os segreguem do convívio social. Conhecendo-as,
suas altanarias cederão lugar à humildade, virtude esta indipensável ao
aprendizado da ciência do bem.
O egoísta, o insensível, aqueles que nunca estão dispostos a auxiliar o próximo,
para que evoluam até o pólo oposto — o altruísmo, terão que ser provados pela
desgraça ou pela falta de saúde em uma série de existências, nas quais, privados
de recursos, verão quanto é penoso depender de que outros os atendam e sirvam
em suas necessidades.
O avarento e o usurário, que, para amealhar mais uma moeda, impõem, aos que
deles dependem, sacrificios e privações inomináveis, que chegam, às vezes, às
raias do depauperamento, como aprenderão a movimentar os bens em proveito da
coletividade sem que sofram, a seu turno, os horrores de semelhante trato?
O voluntarioso, o pouco resignado, como hão- -de adquirir paciência,
conformidade e submissão à vontade divina sem que sejam trabalhados pelas
doenças, principalmente aquelas que lhes tolhem a capacidade de locomoção?
Não se creia que estejamos a forjar tal filosofia. E’ o Evangelho que assim no-lo
ensina. Além daquela afirmação do Cristo, a que já nos referimos, vejamos o que
Paulo, apóstolo, nos diz a respeito.
Em sua II epístola aos Coríntios, 12:9, declara ele textualmente: "a virtude se
aperfeiçoa pela enfermidade”, e em Hebreus, 12:5-11, assim se expressa:
“Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por
ele és repreendido (provado no sofrimento), porque o Senhor castiga ao que ama e
açoita a todo o que recebe por filho. Perseverai firmes na correção. Deus se vos
oferece como a filhos; porque, qual é o filho a quem não corrige seu pai? Além
disso, se, na verdade, tivemos a nossos pais carnais, que nos corrigiam e os
olhávamos com respeito, como não obedeceremos muito mais ao Pai dos Espíritos, e
viveremos? E aqueles, na verdade, em tempo de poucos dias nos corrigiam segundo
a sua vontade, mas este castiga-nos, atendendo ao que nos é proveitoso para receber a sua santificação. Ora, toda a correção ao presente, na verdade, não parece ser de gozo
senão de tristeza, mas ao depois dará um fruto mui saboroso de justiça aos que
por ela têm sido exercitados.”
Não maldigamos, pois, as enfermidades; elas desempenham missão purificadora
e redentora para as nossas almas. Tratemos, antes, de suportá-las cristãmente,
sem protestos e sem revoltas contra Deus, porque, a não ser assim, longe
estaremos de alcançar a saúde completa a que todos aspiramos.
Finalizando este estudo, cumpre ressalvar que nem sempre uma existência
prenhe de amarguras e padecimentos significa expiação de faltas anteriores. Âs
vezes, são provas buscadas pelo Espírito, a fim de concluir sua depuração e
ativar o seu progresso. Pode ocorrer também que algum ser, de grande elevação,
se haja determinado vir à Terra em missão, e não em cumprimento de penas,
suportando com exemplar resignação os maiores reveses da vida, qual Job, para
ensinar a nós outros, míseros calcetas, de que maneira se deve sofrer, para
tirar do sofrimento o abençoado fruto da evolução espiritual.
37 A melhor oração Orar é testificar a harmonia e o equilíbrio que pairam em todo o Universo e
louvar a onisciência de seu Autor.
Orar é perceber a magnanimidade indefectível e onipresente do Criador e
sensibilizar-se ante as benesses que Ele distribui, fartamente, a todos os seres da
criação.
Orar é reconheçer nossa fraqueza e pequenez e procurar arrimo e fortaleza
em Quem é todo-po- deroso.
Orar é confessar nossa indigência de virtudes e exaltar Aquele que é o
detentor de todas as perfeições .-
Orar é implorar ao Supremo Juiz perdão pelos males e sofrimentos que,
consciente ou inconscientemente, causamos a nossos semelhantes.
Orar é imprecar a proteção divina, a fim de que sejamos bem sucedidos em
nossos empreendimentos .
Orar é volver ao Pai Santíssimo nosso pensamento, agradecido, sempre que nos
advenha uma alegria ou felicidade.
Orar é suplicar, ao Alto, paciência e resignação para bem suportarmos as dores
e vicissitudes da existência terrena.
Orar é render graças ao Senhor da Vida quando nos aconteça escapar de um
perigo de morte.
Orar é, ainda, invocar o socorro e as bênçãos do céu em favor de irmãos nossos
que se acham necessitados ou em aflição.
Mas . . . a melh.or oração, a mais eloquente, a mais legitima, a mais agradável a
Deus, é antes e acima de tudo aquela que se traduz em atividade, em cooperação,
em sacrifício.
E é dessa forma que devemos orar: trabalhando!
E’ realmente de se louvar a harmonia e o equilíbrio universais; é necessário,
todavia, trabalharmos para que essa harmonia e esse equilíbrio existam, também,
em nosso coração, em nosso lar, em nossa pátria e no concerto das nações.
E’ belo notar as manifestações da Providência; é preciso, contudo, que nos
integremos nos planos dessa mesma Providência, tomando-nos colaboradores
ativos de sua execução.
E’ boa prática humilharmo-nos e reconhecermos a nossa relatividade e
dependência ao Poder Soberano; é indispensável, além disso, que procuremos
crescer em sabedoria e santidade, a fim de que um dia também possamos dizer
como o apóstolo Paulo: “Tudo posso n*Aquele que me assiste”.
E’ razoável que proclamemos a nossa inferioridade moral; urge, no entanto, que
nos desfaçamos dela, envidando sérios esforços por realizar, progressivamente, o
programa que Jesus nos traçou quando disse: “Sede perfeitos, como perfeito é o
vosso Pai Celestial”.
E’ bom pedirmos o perdão de nossas faltas; melhor, muito melhor, porém, é
aprendermos a per- doaf aos nossos ofensores.
Não há mal em solicitar a ajuda de nossos irmãos maiores em apoio de nossos
empreendimentos; mas é preciso que nossas orações não encerrem exigências
descabidas e que saibamos aceitar, sem revolta, os desígnios de Deus, toda vez
que Sua vontade misericordiosa e justa não se coadune com os nossos propósitos,
egoísticos quase sempre.
E’ sublime demonstrar gratidão pelas venturas com que sejamos aquinhoados
pelo Destino; maior sublimidade, no entanto, está em fazer os outros venturosos.
E’ utilíssimo rogar forças nas horas difíceis da expiação; melhor fora, todavia,
que procurássemos agir sempre em conformidade com as Leis Divinas,
forrando-nos de novas quedas e tergiversações.
E’ louvável o agradecimento pela conservação da vida material; mais louvável,
entretanto, é a busca sincera de um padrão elevado para a nossa vida espiritual.
E’ meritório rogarmos pelos que se acham sucumbidos na estrada, ao peso da
cruz; maior, porém, será o nosso galardão se sairmos ao encontro deles e os
ampararmos, auxiliando-os a galgarem o calvário de suas provações; se, ao invés
de curvarmos os joelhos e orarmos: “Graças vos dou, meu Pai, que não sou um
desgraçado, mas vivo feliz e na abastança”, soubéssemos viver os ensinamentos
cristãos, curvando o dorso em auxílio daqueles que se acham a braços com a
miséria ou foram prostrados pela metralha inexorável da Dor.
38 A missão dos cristãos Relata Marcos que, aparecendo a seus discípulos depois da ressurreição, Jesus
exortou-os, dizendo-lhes :
“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a todas as criaturas. O que crer e for batizado, será salvo; o que porém não crer, será condenado.*’ (10:15-16.)
Mateus registra o mesmo episódio, pondo na boca do Mestre as seguintes
palavras:
"Ide pois e ensinai a todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, do Filho e
do Espírito-Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos tenho
mandado.” (28:19-20.)
Esses textos escriturísticos nos lembram que os cristãos têm uma importante
missão na Terra: ensinar a seus irmãos, de todas as raças e de todos os
continentes, as lições maravilhosas do Evangelho, instruindo-os na Verdade e
preparando-os para uma vida baseada na Paz, na Justiça e na Ámizade universais.
Cumprindo-a, os discípulos do Cristo tornam-se preciosos executores de seu
Plano para este mundo, que não é outro senão implantar o "reino de Deus” em cada
coração.
Batismo, na acepção legitima do termo, é purificação, transformação moral. E as
palavras do Cristo, supramencionadas, recomendando que todos os homens sejam
batizados, significam que eles devem ser esclarecidos e doutrinados,
despertando-se-lhes a consciência espiritual, a fim de que tenham noção exata de
seus deveres para com Deus e os semelhantes.
Tanto assim que João, o precursor, só admitia ao batismo aqueles que tivessem
feito penitência, isto é, houvessem reconhecido suas faltas e manifestado o firme
propósito de não mais reincidir no erro. Isso deixava claro aos batizandos que &
semelhança da água, que limpa as sujeiras do corpo, o arrependimento sincero e as
boas resoluções também eliminam as impurezas da alma.
Destarte, a cerimônia do batismo em si mesma é apenas um sinal, um símbolo, e
nada vale se não for acompanhada de feitos renovadores no caráter.
Haja vista que as maiores abominações e os mais horrorosos crimes contra a
Humanidade foram e continuam a ser perpetrados por criaturas que se julgam
cristãs, apenas porque receberam a áblução ou a imersão batismal.
E’ preciso considerar, portanto, que, para alguém se tornar cristão de fato, hâ
mister de seguir as pegadas do Cristo, praticando as virtudes ensinadas por ele,
vivendo-lhe a Doutrina.
O verdadeiro batismo, pois, aquele que salva porque edifica, não é algo que se
faça (quase sempre inconscientemente) uma única vez em toda a existência; é um
processo diuturno de aperfeiçoamento em que:
o avaro deixa de ser somítico; o bêbedo cura-se do vício da embriaguez; o colérico
toma-se brando e pacífico; o depravado afeiçoa-se ao que é honesto é puro; o
egoísta esforça-se por ser altruísta; o fútil entra a ocupar-se de coisas mais
nobres; o glutão evita os empanturramentos; o hipócrita busca ser leal e sincero ;
o intolerante não mais reprocha as fraquezas do próximo;
o ladrão passa a respeitar a propriedade alheia; o mexeriqueiro refreia sua
língua; o orgulhoso aprende a ser humilde; o preguiçoso adquire o hábito do
trabalho; o rico ampara e ajuda o pobre; o sadio assiste o enfermo e o inválido; o
vingativo perdoa a seus ofensores... Quando os homens venham a perceber a
inutilidade dos formalismos exteriores e abandonem o batismo da água para se
entregarem a uma reforma íntima, como o Mestre deseja e espera, todos os
problemas que nos afligem serão solucionados radicalmente, sem lutas, com amor.
Então, mas só então, o Cristianismo será uma esplêndida realidade neste mundo,
tão infeliz porque tão afastado de Deus!
39 A mulher adúltera Péla manhã, tomou Jesus ao templo, e, como muitos viessem ter com ele, se pôs a
ensiná-los. Foi quando chegaram alguns escribas e fariseus, trazendo-lhe uma mulher apanhada em adultério.
Pondo-a em pé no meio do povo, disseram-lhe: — Mestre, esta mulher acaba de ser surpreendida em flagrante adultério. Ora,
Moisés nos ordena na lei que as adúlteras sejam apedrejadas. Qual, sobre isto, a tua opinião f
Isto diziam eles, tentando-o, para terem de que o acusar. Jesus silenciou e, inclinando-se, começou a escrever no chão com o dedo. Como,
entretanto, insistissem na pergunta, ergueu-se e disse-lhes: — Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire a primeira pedra. E, tomando a inclinar-se, continuou a escrever na terra. Ouvindo-o falar desse modo, os que o interrogavam foram saindo um a um, a começar
pelos mais velhos, até que ficaram sós Jesus e a mulher. Então, levantando-se Jesus e não vendo a mais ninguém senão a adúltera,
perguntou-lhe: — Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? Respondeu ela: — Ninguém, Senhor. — Nem eu tão-poueo te condenarei, rematou Jesus. Vai, e não peques mais. (João,
8:2-11.) Que sábia e maravilhosa lição!
Nela se mesclam a justiça e o amor, demons- trando-nos que, conquanto
aparentemente antagônicas, .essas boas qualidades do coração, como de resto
todas as outras, sempre se completam e se harmonizam, sem que uma precise ser
sacrificada à outra.
Notemos inicialmente o seguinte: O Mestre, embora forçado a isso, não se
colocou, absolutamente, contra a ordenação de Moisés (que representava a justiça
da época), como o esperavam aqueles astuciosos escribas e fariseus, para
reunirem argumentos e provas de ser ele um desrespeitador da lei. Apenas os fêz
sentir que uma condição precisariam possuir para, legitimamente, poderem
exercer o direito da punição: o de se acharem isentos de culpa.
Que aconteceu então?
Todos largaram as pedras com que se preparavam para a lapidação da infeliz,
porque todos eram prevaricadores, faltando-lhes, por conseguinte, autoridade
moral para se arvorarem em defensores da decência e dos bons costumes.
E, sem mais palavras, foram-se retirando, um após outro, “a. começar pelos mais
velhos”, observação esta muito interessante, por evidenciar o acerto da máxima
que diz: “geralmente, as pessoas só começam a dar bons conselhos quando jã não
podem dar maus exemplos.” *
Ao final, diz o Evangelho, permaneceram ali, frente a frente, apenas a mulher
apanhada em pecado e Jesus, o único homem sem mácula a quem cabería o direito
de apedrejá-la.
Este, porém, ao invés disso, preferiu usar de misericórdia, despedindo-a em
paz.
Com esse gesto, estaria Jesus apadrinhando o mal? Não!
Se a lapidasse, ai sim, pois, humilhando-a públicamente, concorrería para que
ela se afundasse mais ainda na degradação.
Tratando-a com bondade e exortando-a com brandura, a não mais reincidir
naquele erro, o Mestre, ao contrário, despertava-lhe o arrependimento e o brio,
levantava-a, propiciando-lhe assim a reabilitação.
Nunca se soube que a violência fôsse capaz de arrancar alguém do chavascal a
que seus pendores o tivessem conduzido. O amor, sim. Inúmeras as
transformações, e até mesmo as santificações de criaturas antes escravizadas
aos vícios mais infa- mantes, por obra dessa virtude excelsa.
Se quisermos, nós outros, imprimir aos nossos pensamentos, palavras e ações
uma justiça perfeita, vejamos, antes de reprocharmos uma falta alheia, se
também não somos passíveis de igual censura, e, ao pretendermos corrigir um erro
praticado por outrem, analisemo-nos com severidade, porquanto é quase certo que
o estejamos praticando também, quiçá com agravantes de culpabilidade.
Atentos ao exemplo do Mestre incomparável, aprendamos a ser amorosos e
indulgentes com o próximo, para que Deus o. seja conosco, porque, qual seja o rigor
com que julgarmos os outros, assim seremos julgados.
40 A mulher cananeia "Tendo saído daquele lugar, retirou-se Jesus para os lados de Tiro e de Sidônia. E eis
que uma mulher cananeia, vinda daqueles confins, lhe bradou: Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim, pois minha filha está sendo cruelmente atormentada por um Espírito imundo.
Ele, porém, não lhe respondeu palavra, e chegando-se seus discípulos, lhe rogaram: Despede-a, porque vem gritando atrás de nós.
Jesus lhes falou: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Mas a mulher se aproximou dele e o adorou, dizendo: Senhor, valei-me! Ele lhe respondeu: Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães. Ela replicou: Assim é, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que
caem da mesa de seus donos. Disse então Jesus: Mulher, grande é a tua fé; faça-se contigo como queres. E desde aquela hora ficou sã a sua filha.” (Mat., 15:21-28; Mar., 7:24-30.) No conceito dos israelitas, que se presumiam “o povo de Deus”, todos quantos
não pertenciam à sua raça eram considerados “gentios”, isto é, pagãos, idólatras e
indignos, portanto, de qualquer favor do Pai celestial.
Era tal o desapreço deles para com os estrangeiros, que lhes chamavam,
desdenhosamente, “cachorros de estrada”.
Sabedor disso, e querendo dar mais uma de suas maravilhosas lições de
fraternidade universal, Jesus, à solicitação dos discípulos para que despedisse a
mulher cananeia que os seguia, aos gritos, suplicando a cura da filha
endemoninhada, diz-lhes, usando expressões conformes ã convicção deles: “Pui
enviado ao mundo para salvar apenas os da casa de Israel”.
Os seus próprios sentimentos para com aquela criatura, porém,- não eram
esses. Ele, que viera implantar o reinado do amor à face da Terra, que sempre fora
atencioso com quem quer que o buscasse, não poderia deixar de ouvir aquela mãe
sofredora, que tão confiante se mostrava em sua força benfazeja, pelo simples
fato de não ser judia.
O que visava era criar uma situação assaz impressiva entre os judeus, para que
compreendessem o erro em que laboravam ao se arrogarem o privilégio ãe formar,
somente eles, a família divina.
Quando, pois, a infeliz se prostrou a seus pés, renovando-ihe õ apelo
angustioso: “Senhor, valei- -me”, não que a quisesse repelir, mas para ensejar uma
das mais belas demonstrações de fé que o Evangelho há registado, diz-lhe: “Não
convém tirar o pão dos filhos (os judeus) para dá-los aos cães (os gentios).”
A essas palavras duríssimas do Cristo, longe de agastar-se, responde ela,
serenamente: “Assim é, Senhor, mas também os . cachorrinhos comem das
migalhas que caem da mesa de seus donos.”
E’ como se dissesse: Não te peço que me trates como aos do teu povo, em favor
do qual tens operado tantas e tantas obras de misericórdia; concede-me uma só
palavra, dá-me apenas a bênção, e isso bastará para que minha filha seja
beneficiada pela tua bondade infinita...
Ante essa admirável prova de submissão, lágrimas devem ter assomado aos
olhos dos circunstantes.
Aproveitando-se desse impacto emocional para alcançar o maior efeito
possível, diz então o Mestre à cananeia: “Mulher, grande é a tua fé; faça-se
contigo como queres!”
E no mesmo instante, a uma impulsão de sua vontade poderosa, curou-lhe a
filha.
Tal episódio deixa claro que para obtermos as graças divinas faz-se mister
tenhamos uma fé viva, aliada à humildade e à perseverança.
Demonstra, também, que Deus não faz acepção de pessoas e,
independentemente de nacionalidade ou credo religioso, todos Lhe somos filhos
e, pois, merecedores de Seu igual amor e solicitude.
41 «Não castigarei eternamente»
“O Senhor é o que tira e dá a vida; o que conduz aos infernos e de lá tira.” (I Reis,
2:6.)
“Senhor, tiraste do inferno a minha alma, puseste-me a salvo dos que descem ao
lago.” (Salmo 29:4.)
“Louvai o Senhor, porque ele é bom; porque sua misericórdia é eterna.” (Salmos
105/6:1.)
“Como poderiam subsistir as coisas se tu não quisesses? De que modo se
conservaria o que por ti não fôsse chamado? Porém, 'perdoas a todas as criaturas porque são tuas, Senhor, e tu as amas.” (Sabedoria, 11:26-27.)
"Não castigarei eternamente, e fim terá o meu rigor.” (Isaías, 57:16.) "Eu não quero a morte do ímpio, diz o Senhor Deus; convertei-vos e vivei." (Ezeq.,
18:32.) Ao tentar explicar e justificar o dogma do inferno, diz a Teologia que se trata
de uma sanção imposta aos que vivem em desacordo com as leis de Deus ou se
revoltam contra Ele.
E acrescenta: o maior pecador, entretanto, desde que se arrependa, antes de
morrer, pode ser perdoado e ganhar a salvação. Já não acontece o mesmo com os
que venham a morrer sem haverem demonstrado arrependimento. Para estes, a
punição é irrevogável e eterna, porque não terão, na outra vida, qualquer
possibilidade de voltar atrás, ou seja, de arrepender-se.
Analisemos isso.
Qualquer dicionário nos elucidará que, arrepender-se significa sentir dor ou
pesar (por faltas ou delitos cometidos); mudar de parecer ou de propósito;
emendar-se; corrigir-se.
Como se vê, todas essas conceituações correspondem a fenômenos de ordem
moral, a algo que ocorre no intimo de cada criatura.
Sendo, então, o arrependimento um movimento da alma e não do corpo, e
considerando que a alma é imortal, porque não poderia modificar-se na outra vida?
Que é que a impede de buscar a Deus, depois da morte?
Se pode fazê-lo enquanto mergulhada no vaso físico, cuja duração é tão breve,
porque não o poderia fazer na eternidade, que não tem fim?
Não admitir essa reforma post-mortem equivale a negar o progresso da alma.
Ora, esse progresso é uma lei divina, imprescritível, corroborada pela experiência
humana.
Não tem conta o número de criaturas que, durante boa parte de sua vida, se
entregaram aos vícios e paixões mais infamantes, ou praticaram toda sorte de
crueldades, mas depois se regeneraram, transformaram-se completamente,
chegando algumas a serem santificadas pela Igreja.
Tais conversões, que, aliás, se reproduzem todos os dias, são exemplos
incontestáveis da perfectibi- lidade das almas. Assim, trancar-lhes essa
possibilidade, pelo simples fato de se haverem despojado do envoltório carnal,
fora uma injustiça clamorosa, incompatível com a bondade e a misericórdia de
Deus.
O Espiritismo, baseado não em conjeturas, mas no testemunho das próprias
almas trespassadas, põe por terra essa afirmativa graciosa da cristalização no
erro e consequente perdição eterna, afirmando que lá, no outro lado da vida, como
aqui, todas as almas, sem exceção, continuam a estudar, a trabalhar e a progredir,
fadadas que estão a um único destino: a perfeição. (Mat., 5:48.)
Nessa jornada gloriosa que se desenvolve al- ternatívamente nos dois planos,
ninguém se perde. Inicialmente, por ignorância, poderão, sim, fazer mau uso do
livre arbítrio, malbaratar as oportunidades de auto-realização. Mas,
advertidas pela Dor, ganham experiência, aprendem a discernir o Bem do Mal,
caminham “pára a Frente, para o Alto, Sempre”, escalando mundos
gradativamente mais adiantados, fruindo, neles, paz e alegria cada vez mais
completas e duradouras, até à integração final na Fonte de todas as
bem-aventuranças: DEUS!
42 «Não vim trazer a paz, mas sim a espada»
“Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra, não vim trazer a paz, mas a espada, porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; e o homem terá por inimigos os de sua própria casa.*’ (Mat., 10:34-36.)
"Vim para lançar fogo à Terra, e o que é que desejo senão que ele se acenda? Tenho que receber um batismo e quão ansioso me sinto para que ele se cumpra! Julgais que eu tenha vindo trazer paz à Terra f Não, eu vos afirmo; ao contrário, vim trazer a divisão, pois, doravante, se se acharem numa casa cinco pessoas, estarão divididas umas contra as outras: três contra duas e duas contra três. O pai estará em divisão com o filho e o filho com o pai, a mãe com a filha e a filha com a mãe, a sogra com a nora e a nora com a sogra.” (Luc., 12:49-53.)
Estranhas palavras para aquele cujo nascimento foi saudado pela milícia
celestial com este suave cântico: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na
Terra aos homens, a quem ele quer bem!” (Luc., 2:14.)
Não contradizem frontalmente estas outras, por ele mesmo proferidas no
terno colóquio que teve com seus discípulos, pouco antes de ser crucificado: “A paz
vos deixo, a minha paz vos dou, eu não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o
vosso coração, nem fique sobressaltado”? (João,. 14:27.)
Tomadas em sentido literal, não há dúvida de que seriam um desmentido ao seu
caráter afável e bondoso, assim como ao pacifismo de sua missão.
Penetrando-se, porém, seu verdadeiro significado, elas dão o testemunho da
altíssima sabedoria de Jesus, pois encerram a previsão do que ocorreria no mundo,
ao longo dos séculos, até o triunfo dos postulados cristãos.
Sua referência à divisão e à inimizade que se estabeleceriam entre os membros
de uma mesma família (a cristandade), é uma alusão às numerosas igrejas que
vieram a formar-se sob a égide do Evangelho, cada qual pretendendo possuir o
monopólio da verdade e das graças celestiais, mas que, olvidando completamente o
preceito básico do mesmo: “o amor ao próximo”, entraram a lançar maldições umas
contra as outras e, substituindo a cruz pela espada, praticaram, em nome de Deus
(!), os mais impiedosos e crueis assassínios que imaginar se possa.
Culpa da doutrina de Jesus? Não, pois toda ela é calcada na caridade, na brandura
e na tolerância.
Responsabilidade total, absoluta, isto sim, daqueles que a interpretaram
falsamente, transformando-a em instrumento apropriado à satisfação de seus
desejos espúrios de domínio e exploração dos povos!
Quanto às expressões: “Vim para lançar fogo à Terra, e o que é que desejo senão
que ele se acenda? Tenho que receber um batismo, e quão ansioso me sinto para
que ele se cumpra", significam que os novos princípios por ele expostos haveriam de,
certamente, encontrar forte resistência, porquanto não é próprio da natureza humana
o modificar-se rapidamente, aceitando de pronto inovações em seus hábitos e
instituições, menos ainda quando impliquem sacrifício pessoal ou infirmem posições que
se tenha interesse em manter.
Esse batismo de fogo, pelo qual Jesus se mostrava ansioso, não era outra coisa
senão a luta que os belos e nobres ideais do Cristianismo precisou enfrentar, e continua
enfrentando, para que os privilégios, a tirania e o fanatismo venham a desaparecer da
face da Terra, cedendo lugar a uma ordem social fundada na justiça, na liberdade e
na concórdia.
Trabalhemos todos, na medida de nossas forças, para que seja apressada essa nova
era, porque só então poderá a felicidade fazer morada em nossos corações.
43 O óbolo da viúva "Tendo-se sentado defronte do gazofilácio, observava Jesus como o povo oferecia
suas dádivas. Muitos dos que eram ricos deitavam ali grandes quantias. Veio, porém, uma viúva pobre que deitou apenas duas pequeninas moedas. Chamando então seus discípulos, Jesus Thes falou: Em verdade vos digo que esta pobre viúva mais deitou no gazofilácio do que todos os outros, porquanto todos os outros deram do que lhes sobrava, ao passo que ela, da sua própria indigência, deu tudo o que possuia, tudo o que tinha para o seu sustento.” (Mar., 12:41-44.)
Como bem frisou o* apóstolo dos gentios, “a sabedoria deste mundo é uma
estultícia diante de Deus”, querendo significar com essas palavras que, via de
regra, o que provoca louvores entre os homens, é de somenos importância aos olhos
de Deus, enquanto muita coisa que; nos passa desapercebida, ou a que damos pouco
apreço, tem, para Ele, o mais subido valor.
Na balança da Justiça Divina, cujo sistema de aferição de valores é bem
diferente daquele em uso entre nós, não são os fatos em si mesmos o que mais
pesa, mas sim o seu conteúdo humano, ou seja, o sentimento que o tenha inspirado.
Cá entre nós, nas campanhas filantrópicas que promovemos em prol desta ou
daquela instituição beneficente, sempre que logramos obter um donativo de certo
vulto, enchemo-nos de entusiasmo e corremos à imprensa, para o competente
registro.
Por outro lado, é com desdém, ou manifesta contrariedade, que recebemos
contribuições modestas, achando que «só servem para estragar a lista» ou o “livro
de ouro”.
Nossa mentalidade de analfabetos espirituais leva-nos a julgar a caridade dos
homens pelas quantias que ofereçam em tais movimentos, critério esse
absolutamente falso, à luz do Evangelho.
Sem dúvida, toda doação é meritória, quando feita sem orgulho nem
ostentação, sem outro propósito senão o de ajudar uma causa nobre. Todavia,
entre a dádiva do abastado que, mesmo dando bastante, de nada se priva, e a de
outro que, com sacrifício do que lhe é indispensável, cede o pciuco que tem em
favor do próximo, esta a que se reveste de mérito maior.
O ensino do Mestre no episódio em tela é válido também para outras
circunstâncias em que não é o dinheiro que intervém, mas as qualidades morais, as
virtudes • do coração.
Muitos dos que, aqui na Terra, foram aclamados por seus feitos como “heróis”
ou “grandes vultos da Humanidade”, talvez se encontrem agora, nos planos da
espiritualidade, atormentados e abrasados de remorsos, enquanto criaturas
simples, cujas existências transcorreram no anonimato, mas que foram virtuosas,
gozam as bênçãos da paz e da alegria na comunhão das almas bem-aventuradas.
Inúmeras pessoas, só porque ocupam ppsição humilde na sociedade, julgam que
Deus não se importa com elas, nem lhes irá pedir contas de como estão vivendo.
Outras, igualmente, entendem que se Deus lhes confiasse uma grande missão
haveriam de envidar esforços para levá-la a bom termo, mas, como não são
chamadas para nada de muito importante, descuidam de seus pequenos deveres
cotidianos, por achá-Iós indignos de qualquer atenção, perdendo, ássim,
magníficas oportunidades de progresso espiritual .
Esquecem-se, umas e outras, de que cada dia, senão mesmo cada hora e cada
minuto de nossa existência é «ma ocasião oportuna e preciosa de trabalho e de
aprendizagem que a Providência nos enseja, de conformidade com o grau evolutivo
em que nos encontramos, e que somente dando fiel cumprimento a essas tarefas
mais simples é que nos iremos capacitando para responsabilidades maiores.
Saibamos, portanto, dar boa conta das obrigações — ainda que obscuras e
corriqueiras — com que o Senhor nos honre o caminho, na certeza de que o mais
importante para nossas almas não é propriamente o quantimi de “talentos” que nos são confiados, mas o que fazemos com eles.
44 O Orgulho Entre todas as imperfeições humanas, a mais comum e também a mais
perniciosa é, sem dúvida» o orgulho.
Ao mesmo tempo que nos engoda sobre ò próprio valor, levando-nos a
superestimá-lo, oblitera nossos defeitos, ou os disfarça, fazendo que os não
vejamos e os neguemos.
À semelhança da terrível hidra de Lerna, cujas . sete cabeças renasciam à
medida que iam sendo cortadas, o orgulho, para ser erradicado de nosso espírito,
exige, também, um esforço pertinaz e incansável, pois tudo serve para alimentá-lo
e refazê-lo dos golpes recebidos.
Orgulham-se os homens dos portentos que sua cultura, mais desenvolvida, há
realizado no campo das Artes e das Ciências; as mulheres, das excelsas virtudes
femininas, especialmente as oriundas da maternidade, olvidando que os
característicos de um sexo não são nem superiores nem inferiores aos do outro,
mas o seu complemento.
Orgulhamo-nos, todos, da posição que ocupamos na paisagem social, tratando
com desdém os que se demoram em planos menos elevados. Não levamos em conta
que a vida é cheia de surpresas e que, amanhã ou depois, poderemos sofrer uma
queda que ponha por terra toda a nossa altanaria.
Por outro lado, a condição de subalternidade ou de pobreza, longe de
forrar-nos desse mau sentimento, às vezes até o exacerba, conduzindo-nos à
insubordinação, à rebeldia, senão mesmo ao desequilíbrio .
Orgulhamo-nos de nossa querida família, envaidecendo-nos as glórias e a
notoriedade daqueles que usam sobrenome igual ao nosso, ainda que sejam uns
grandes patifes. Não raro, porém, pejamo-nos de apresentar à sociedade aqueles a
quem devemos a existência, conquanto honestos e virtuosos, apenas por serem
humildes e canhestros,
Orgulhamo-nos de nossa inteligência, procurando, a todo transe, impor nossas
opiniões e pontos de vista. Recusamo-nos, entretanto, a aceitar como verdade
tudo quanto transcenda nossos conhecimentos, esquecidos de que, como o dissera
notável filósofo, “o que o gênero humano sabe é pouco; o que deseja saber, muito;
ò que há-de sempre ignorar, infinito.
Orgulhamo-nos da raça a que pertencemos, alimentando preconceitos iníquos e
indefensáveis contra irmãos em humanidade, deslembrados de que os méritos de
cada um se patenteiam pelas qualidades pessoais e não pela cor da epiderme.
Orgulhamo-nos do torrão em que nascemos, considerando-o melhor dotado que
os outros rincões. Ora, um instante de reflexão far-nps-ia compreender que em
qualquer latitude ou longitude do planeta, cada recanto possui algo capaz de
inspirar idêntica paixão em seus filhos.
Orgulhamo-nos da religião que professamos, reputando-a a única verdadeira e
salvadora, tendo as demais como falsas, heréticas ou heterodoxas. Importa
admitamos, todavia, que todas elas são úteis e necessárias (embora não igualmente
boas), por satisfazerem aos diversos graus de entendimento das criaturas.
Orgulhamo-nos do corpo que a natureza nos emprestou, julgando-nos, cada
qual, um Apoio ou uma Vénus. E dado que o conjunto não seja de molde a
lisonjear-nos, apegamo-nos pelo menos a um detalhe, crendo-nos donos dos mais
lindos cabelos ou dos mais belos olhos, do nariz mais estético ou dos dentes mais
perfeitos, do busto mais sedutor ou da musculatura mais vigorosa. Não nos ocorre
que uma enfermidade ou mais alguns janeiros bastam para destruir todos esses
primores, reduzindo-nos à esqualidez.
As aptidões constituem, também, outra fonte em que nosso orgulho sói
abeberar-se: este se orgulha de sua voz, aquele de sua habilidade profissional,
aquele outro de sua destreza no esporte» e assim por diante.
Em suma, o orgulho vale-se de todo e qualquer motivo para a exaltação da
personalidade, dando a quem se deixa dominar por ele a convicção de ser iqtocável.
O orgulhoso, por isso, torna-se extremamente suscetível, não reconhece os
erros em que incide e reincide, não tolera o menor desapreço ou a mais leve crítica
que lhe façam, guardando rancor das mínimas “ofensas” recebidas e, ao se
perceber diminuído por alguém que o sobrepuje neste ou naquele terreno,
exterioriza azedume e despeito, sofrendo e fazendo sofrer a quantos com ele
convivam.
A Doutrina Espírita, dando-nos a conhecer que não vivemos uma só vez, mas um
sem número de vezes, no seio de todas as raças, num e noutro sexo, nas diversas
camadas sociais, conhecendo as mais diferentes vicissitudes, a fim de adquirirmos
as experiências que cada uma dessas condições pode ensejar-nos; lembrando-nos,
outrossim, que nada deste mundo nos pertence, pois tudo terá que ser deixado
aqui, exceto o que se constitui patrimônio iLalienável do espírito: a sabedoria e as
boas qualidades morais, mostra-nos a sem-razão do orgulho, sob qualquer aspecto
em que o analisemos, constituindo-se, destarte, o mais eficaz remédio para
combatê-lo, o que vale dizer, para tornar a Humanidade menos soberba e,
consequentemente, mais feliz!
45 Os pecados contra o Espírito-Santo
"Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, porém a blasfêmia contra o Espírito-Santo não lhes será perdoada. E todo o que disser alguma palavra contra o Filho do Homem, perdoar-se-lhe-á; porém, o que disser contra o Espírito-Santo, não se lhe perdoará, nem neste mundo, nem no outro.” (Mat., 12:31-32.)
Pecado ou blasfêmia é qualquer pensamento, palavra ou ação em desacordo com
a lei de Deus.
Bm que consiste essa Lei?
TCm “não fazermos aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem”,
ou, melhor ainda, em "tudo fazer pelo bem de todos”. '
Destarte, sempre que o homem transgride essa regra moral, estará cometendo
um pecado, uma blasfêmia.
Os homens não têm, todavia, a mesma capacidade de discernimento; uns são
mais adiantados que outros, intelectual e moralmente; é, pois, a consciência de cada
um que lhes determina a responsabilidade. Os erros que praticamos por ignorância ou inexperiência, ainda que tenham
efeitos desastrosos, são tolerados por Deus porque não há neles qualquer
intenção maldosa.
Já o que fazemos com conhecimento de causa, isto, sim, é o que nos torna
responsáveis.
Aos olhos de Deus, é mais culpado um homem instruído que comete a mais leve
injustiça ou um pequeno deslize, do que o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se
alimenta de carne humana.
Pecar contra o Espírito-Santo significa, portanto, empregarmos
conscientemente qualquer forma de manifestação em discordância com as normas
éticas que já tenhamos conseguido assimilar.
Quando, por exemplo, julgamos os outros, segundo o conceito que fazemos do
bem e do mal, determinamos, inexoràvelmente, a medida do nosso próprio
julgamento, pois, como rezam os Evangelhos, "com o juízo com que julgardes,
sereis julgados” .
Do mesmo modo, quando empregamos o poder verbal para semear a dúvida, a
discórdia, a inimizade, etc, aumentando, por maldade, a desarmonia e a inquietação
no mundo, estamos lavrando, também, a nossa própria condenação, pois é ainda o
Evangelho quem nos adverte: "Pelas tuas palavras serás justificado e pelas tuas
palavras serás condenado” .
Igualmente, todas as vezes que, mal inspirados pela cobiça, pela inveja, pelo
ciúme, pelo ódio, pelo orgulho, ou qualquer outro sentimento menos digno,
ocasionamos qualquer dano ou sofrimento ao nosso próximo, não há como fugir às
consequências dessas ações, eis que, segundo outro preceito evangélico, “aquilo
que o homem semear, isso mesmo há-de colher”.
Não se creia, entretanto, que, ao afirmar: "os - pecados contra o
Espírito-Santo não serão perdoa
dos', nem neste mundo, nem no outro”, o Mestre tenha querido dizer que a
condenação será eterna. Não; não há condenações eternas, pois elas seriam a
negação da ínisericórdia de Deus.
Tais palavras significam que as faltas cometidas conscientemente, com
conhecimento de causa, não têm desculpas que as atenuem, e, pois, terão que
ser reparadas integralmente, neste mundo ou no outro, porquanto o equilíbrio
da Justiça Divina assim o exige.
46 «Porque muito amaste, estás perdoada»
“Convidado por um fariseu a comer com ele, Jesus foi a sua casa e tomou lugar à mesa. Uma pecadora da cidade, quando soube que Jesus estava na mesa desse fariseu, aí foi ter, trazendo um vaso de alabastro cheio de bálsamo. Colocando-se atrás de Jesus, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas e a enxugá-los com os cabelos, depois do que os beijava e ungia com bálsamo.
Vendo isso, o fariseu que o convidara dizia de si para consigo: Se este homem fôsse profeta haveria de saber quem é essa mulher que o toca: uma pecadora.
Jesus então lhe falou: Simão, tenho uma coisa a dizer-te. E ele: dize-a, Mestre. Tomou Jesus: um credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários e o
outro, cinquenta. Como não tivessem com que pagar, o credor perdoou a dívida de ambos. Qual dos dois, em consequência, mais o estimará f
Respondeu Simão: Creio que aquele a quem o credor perdoou maior quantia. Julgaste bem, retrucou Jesus. E voltando-se para a pecadora, acrescentou a Simão:
Vês esta mulher ? Entrei em tua casa e não me deste água para lavar os pés, ela,
porém, mos lavou com suas lágrimas e os enxugou com seus cabelos. Não me
beijaste, ela, porém, desde que entrou, não cessa de me beijar os pés. Não me
ungiste com bálsamo a cabeça, no entanto, ela o emprega para ungir-me os pés.
Por isso te afirmo: muitos pecados lhe são perdoados porque m/uito amou.
Aquele a quem menos se perdoa, menos ama.
E dirigindo-se a ela: Teus pecados te são perdoados. Os que com ele estavam à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este que até
perdoa pecados? Jesus disse ainda à mulher: Tua fé te salvou, vai em paz.” (Luc., 7:36-50.) Como se depreende fàcilmente da narrativa supra, Simão, em convidando a
Jesus para que viesse partilhar de uma refeição consigo, não tinha outro propósito
senão surpreendê-lo em alguma falta ou atitude comprometedora. Tanto assim que
permitiu a uma pecadora muito conhecida, Maria, a encantadora meretriz de
Magdala, adentrar-lhe a casa e acercar-se do Mestre sem que esboçasse um
movimento sequer para afastá-la dali.
Jesus, porém, que penetrava o íntimo das criaturas, descobriu a intenção do
astuto fariseu e, longe de cair na cilada por ele preparada, serviu-se do episódio
para dar-lhe edificante lição.
Esse representante do farisaísmo faz lembrar certo tipo de religiosos
existentes ainda hoje, cuja única preocupação é evitar o pecado. A cada
pensamento que lhes reponta na mente, a cada palavra que proferem, a cada gesto
que executam, logo lhes assalta terrível dúvida: seria pecado? mortal ou venial?
Até as preces que fazem, são inspiradas pelo receio de haverem pecado. Assim,
impondo-se severa disciplina, conseguem resguardar-se dãs corrupções do mundo,
mas, esquecidos do essencial, não fazem o bem que poderiam fazer, semelhando-se
a flores e frutos artificiais, de aparência muito bonita, mas desprovidos de aroma
e sabor.
Ao confrontar a frieza de Simão com a afetividade da pecadora, Jesus deixa
claro que está mais adiantado, espiritualmente, aquele que, embora se ressinta de
certas fraquezas de caráter, possua, já desenvolvidas, algumas virtudes positivas,
do que um outro, muito austero, muito místico, mas a quem falte calor humano,
sensibilidade para condoer-se do sofrimento alheio, disposição espontânea de
auxiliar os semelhantes. . -
Haja vista que Maria Madalena, mulher dissoluta, mas piedosa, da qual se diz
que jamais um desgraçado lhe batera à porta em vão, após conhecer o Mestre e
ouvir-lhe a palavra compassiva e confortadora, sinceramente arrependida e cheia
de fé, não hesitou em deixar aquela vida dita de prazeres, para acompanhá-lo em
suas peregrinações por aldeias e cidades, sem se importar com as agruras de
longas caminhadas, vindo a ser uma das poucas pessoas que, nos momentos cruciais
de Jesus, não o abandonou, mantendo-se, fiel, a seu lado!
Por sabê-la um criatura generosa e terna, foi que Jesus lhe dissera, com a
autoridade de quem personificava a perfeita justiça divina: "porque muito amaste,
estás perdoada”.
E’ que "o amor ao próximo cobre uma multidão de pecados”.
47 O paralítico de Cafarnawn “Alguns dias depois voltou Jesus a Cafarnawn. Assim que ouviram dizer que ele estava
em casa, reunm-se la tanta gente, que a casa ficou apinhada até fora da porta. E ele pregava a palavra de Deus.
Trouxeram-lhe então um paralítico carregado por quatro homens. Corno, por causa da multidão, não o pudessem levar até junto do Mestre, fizeram no teto uma abertura e por aí desceram o leito em que jazia o paralítico.
Observando-lhes a fé, disse Jesus a este último: Filho, teus pecados te são perdoados.
Ora, estavam por ali sentados alguns escribas em cujos corações se aninhavam estes pensamentos: “Que diz este homem? Ele blasfema! Quem pode perdoar os pecados senão Deus unicamente?”
Jesus conheceu logo o que eles pensavam de si para si e lhes disse: «j» Porque aninhais em vossos corações esses pensamentos? Que será mais fácil de
dizer a este paralítico: Teus pecados te são perdoados, ou: Levanta-te, toma o teu leito e caminha? Para que saibais que o filho do homem tem, na Terra, o poder de perdoar os pecados, digo-te (dirigindo-se ao paralítico): Levanta-te, toma o teu leito e volta para tua
casa. No mesmo instante o paralítico se levantou, tomou o leito e partiu, diante de toda a
gente. Todos se encheram de espanto e, glorificando a Deus, diziam: Nunca vimos coisa
semelhante.f (Mar., 2:1-12.) Temos aqui o relato de mais uma cura operada por Jesus, que a todos deixou
maravilhados pela instantaneidade com que seus efeitos se fizeram sentir.
O agente curativo foi o magnetismo pessoal do Mestre. Como em outros casos,
a um impulso de sua vontade poderosíssima, a que se mesclava grande piedade pelo
sofrimento daquele homem, as disfunções orgânicas que lhe causavam a paralisia
desapareceram por completo, podendo ele levantar-se de pronto e sair
caminhando com desenvoltura, sem que subsistissem quaisquer resquícios da
doença que até então o retinha preso ao leito.
Essa cura, realmente portentosa, mas naturalíssima para quem, qual Jesus, a
ação magnética não constituía segredo, não é, entretanto, o que mais importa
destacar no episódio em tela, mas sim o ensinamento subministrado por ele no ato,
ao dizer: “Filho, teus pecados te são perdoados.”
Essas palavras nos fazem compreender claramente que a causa das
enfermidades que tanto nos martirizam são os nossos pecados, isto é, os
desregramentos, os excessos ou o mau uso das forças e faculdades que a Vida nos
concede.
Se esses pecados não foram cometidos na mesma encarnação, certamente o
foram em outra ou .outras anteriores, mas de qualquer maneira são erros
pessoais, praticados por nós mesmos, e não consequências do “pecado original” de “nossos primeiros pais”, como se ensina por ai.
E' sofrendo os maus resultados de tais abusos que vamos aprendendo a
conduzir-nos com acerto,: não mais permitindo que este ou aquele órgão venha a
constituir-se para nós em novas causas de escândalo (Mat., 5:29-30); ou seja, de
quedas e desvios morais.
Jesus, que penetrava o íntimo das criaturas (como provou ao revelar o que os
escribas ali presentes pensavam a seu respeito), percebeu que o paralítico havia
sofrido o suficiente para aproveitar a lição, e posto que a Justiça Divina o que visa
é corrigir os que erram, e não apenas castigá-los, não hesitou em beneficiá-lo com
a cura.
Não faltava a Jesus autoridade para agir da forma como agiu, em favor daquele
homem, porque, conhecendo qual a vontade do Pai em relação a cada um de nós,
e sendo o governador espiritual da Humanidade terrena, podia, como pode,
libertar-nos de toda e qualquer provação, desde que note termos adquirido
méritos para isso.
48 Pedro e as chaves do Reino Como se depreende claramente da leitura do Novo Testamento, após a partida
de Jesus, os seus apóstolos se dividiram em dois grupos de tendências bem
distintas e antagônicas até.
Um deles, chefiado por Tiago, achava que a Boa Nova deveria ser anunciada
exclusivamente aos judeus e, a par dos novos ensinos do Mestre, pretendia impor a
observância das leis e prescrições do Moisaismo, como a circuncisão, a abstenção
alimentar da carne de certos animais, etc.
Jâ o outro, liderado por Paulo, advogava o universalismo da doutrina cristã, isto
é, entendia que ela devia ser pregada a todos, indistintamente, assim como
ensinava que as leis de amor a Deus e ao próximo, reveladas pelo Cristo, eram tudo
e revogavam todas as leis dogmáticas e disciplinares que a tradição rabínica
apontava como obrigações religiosas.
Pedro pertencia ao primeiro grupo e, mais de uma vez, esteve junto aos
enviados de Tiago, que perseguiam e injuriavam a Paulo, tachando-o de herético e
mentiroso.
Qual desses grupos defendia a melhor causa? Qual deles estaria mais de
acordo com os desígnios eternos da Providência?
A resposta não é difícil, eis que as próprias Escrituras Sagradas nos
esclarecem a respeito.
Senão, vejamos.
Lê-se em Atos dos Apóstolos, caps. 10 e 11, que havia em Cesareia um
centurião romano (abominado pelos judeus), de nome Cornélio, “cheio de religião,
temente a Deus, que fazia muitas esmolas ao povo e orava incessantemente”. Teve
ele uma visão em que lhe apareceu um Espírito, um mensageiro do Senhor, com a
aparência de ancião, trajado de branco, o qual, após exaltar-lhe a piedade e os
sentimentos fraternistas, recomendou-lhe mandasse chamar o apóstolo Pedro a
fim de que ouvisse dele a verdade evangélica.
Pedro se achava em Jope e, por sua vez, ao entrar em oração, caiu em transe,
durante o qual o mesmo Espírito, que aparecera a Cornélio, fê-lo compreender que
para Deus não hâ discriminação de raças e, pois, ele deveria anunciar o Evangelho
do Reino também aos gentios, a começar por Cornélio.
E’ importante assinalar que, não obstante já haver recebido o batismo do
Pentecostes, Pedro, nesta altura, ainda alimentava a ideia errônea de que sòmente
os judeus é que entrariam no “reino do Céu”; os demais homens, segundo o seu
modo de ver, eram todos imundos e indignos de salvação í
Ele mesmo o confessa quando, recebido em casa de Cornélio, lhe diz e aos que lá
se encontravam: “Vós sabeis como é coisa abominável para um homem judeu o
ajuntar-se ou unir-se a um estrangeiro...” (10:28.)
Mas, não titubeara em obedecer à ordem recebida, porque o Espírito
manifestante lhe dera esta sublime lição: diante de Deus não há judeus nem
estrangeiros, não há eleitos nem rejeitados, mas apenas filhos do mesmo Pai
Celestial, merecedores TODOS da mesma graça!
Aos olhos de Pedro, até então, aquele cidadão romano não passava de uma
criatura detestável, a quem não deveria dar a mínima atenção... Outro, porém, era
o juízo que dele, do centurião, se fazia no céu. Eis o que disse o Espírito: “Cornélio,
a tua oração foi atendida e as tuas esmolas foram lembradas na presença de
Deus.” (10:4 e 31.)
Foi, portanto, devido àquela advertência do plano espiritual que o apóstolo
Pedro reconheceu o erro em que ainda incorria e foi ter com Cornélio, visitando-o
em sua própria casa.
Ao saberem disso, os outros apóstolos, que igualmente “estavam certos” de que
os gentios ou estrangeiros deviam ser tratados sempre como inimigos, entenderam
dever chamá-lo à ordem e, cheios de azedume, dirigiram-lhe palavras de reproche
pela atitude que tomara.
O veího pescador, porém, adquirira noção mais ampla e-mais elevada das
realidades espirituais; compreendera, finalmente, que “DEUS NÃO FAZ
ACEPÇÃO DE PESSOAS; mas que em TODA NAÇÃO, aquele que O teme E OBRA
O QUE E’ JUSTO, ESSE LHE E’ ACEITO” (10:34,35).
Assim, pois, após historiar-lhes o êxtase que tivera e as instruções que
recebera, disse-lhes sem rebuço: “Pois se Deus deu àqueles (gentios) A MESMA
GRAÇA que também a nós, que cremos no Senhor Jesus-Cristo, QUEM ERA EU
PARA QUE ME OPUSESSE A DEUS?” (11:17.)
Quão diferentes eBtes versículos do apóstolo Pedro, do ensino das ortodoxias!
Enquanto eles repetem o ensino claro e simples de Jesus, de que as “boas
obras”, como reflexo do amor e da caridade, é que se constituem em chaves que
abrem o Reino Celestial; estas, as ortodoxias, através de sofismas imaginados por
uns senhores chamados teólogos, tentam impingir-nos uma salvação baseada em
“credos”, como se Deus fôsse algum toleirão, capaz de julgar a excelência da
planta pela rama e não pelos frutos!
49 A Preguiça A preguiça é um grave defeito' da vontade, caracterizando-se pela falta de
impulso para o trabalho.
Muitos preguiçosos são francamente do “dolce far niente”. Sua filosofia é:
“plantando, dá; não plantando, dão; então, não planto, não”.
Outros, conquanto tenham aptidão e saúde para uma atividade’ lucrativa que
lhes permitiria dar à família um nível de vida relativamente confortável, não saem
da miséria porque, indolentes, limitam suas horas de trabalho ao estritamente
necessário para o atendimento das exigências estomacais .
Não poucos desejam prosperar e enriquecer, para o que' chegam a fazer
grandes projetos, que iniciam com entusiasmo. Ao menor contratempo, entretanto,
desanimam, param e nunca mais se dispõem a levá-los a cabo.
Há ainda aqueles que são capazes de esforços hercúleos, mas de curta duração.
Se o que objetivam dependesse de alguns dias ou semanas de árduos sacrifícios,
venceriam. Desde, porém, que lhes seja exigido um trabalho regular e constante,
cujos resultados demorem muito tempo a aparecer, não conseguem persistir nele.
Infelizes! Ignoram que, longe de ser um fardo pesado e incômodo do qual
convenha esquivar-nos, ou simplesmente um meio de obter independência
econômica, para então entregar-nos ao hedonismo, é o trabalho uma ordenação
divina, o gerador do progresso, constituindo-se, por isso mesmo, em fonte perene
de alegrias e de bênçãos, como outra não há.
Jesus condena, com veemência, a ociosidade e a preguiça, ao mesmo tempo que
exalta o espírito de trabalho, estimulando-o com reiteradas promessas de
recompensa.
Haja vista a parábola dos trabalhadores e das diversas horas do trabalho, a
dos dois filhos, a das dez virgens, a dos talentos, a do servo vigilante, etc.
Não bastasse o testemunho de sua própria vida, que foi um belíssimo exemplo
de trabalho, quer como humilde carpinteiro na oficina de José, quer como
carinhoso médico dos enfermos e sofredores de todos os matizes, quer ainda
como incansável arauto da Boa Nova, assim se expressou ele certa vez:
“Meu pai até agora não cessa de trabalhar e eu obro também incessantemente.”
(João, 5:7.)
Acordes com o Mestre quanto à necessidade do trabalho na obra de Deus, eis o
que disseram, também, vários apóstolos:
“Importa que todos compareçamos diante do tribunal do Cristo, para que cada um receba o galardão, segundo o que tem feito, ou bom ou mau, estando no próprio
corpo,” (Paulo, n Cor., 5:10.)
“Que aproveitará, irmãos meus, a um que diz que tem fé, se não tem obras? A fé, se não tiver obras, é morta em si mesma.** (Tiago., 2:14,17.)
“Ponde cada vez maior cuidado em fazerdes certa vossa vocação e eleição por meio das boas obras, para que assim tenhais entrada no reino eterno de Nosso
Senhor e Salvador Jesus-Cristo. ” (H Pedro, 1:10,11.)
Não se compreende, pois, como possam alguns alimentar a ilusão de que lhes
seja possível “ganhar” o reino dos céus apenas pela fé, sem o concurso daquele
espírito de serviço a que acima nos referimos, ou seja, sem a prática do Bem. A Doutrina Espírita, estendendo e aprofundando os ensinamentos evangélicos,
adverte-nos que “cada um terà que dar contas da inutilidade voluntária de sua
existência, inutilidade sempre fatal à felicidade futura”, e que, para garantir uma
boa situação no mundo espiritual, “não basta que o homem não pratique o mal,
cumprindo-lhe fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo
o mal que haja resultado de não haver praticado o bem.” Saibamos, portanto, aproveitar todos os instantes de nossa vida, empregando-os
em algo útil, para que, ao se findarem nossos dias à face da Terra, possamos ser
incluídos entre aqueles que as vozes do céu proclamam bem-aventurados, “porque
suas obras o acompanham” (Apoc., 14:13.)
50 O problema da paz Consultando-se a história de nosso planeta, verifica-se que, desde as mais
priscas eras, até os dias atuais, a Humanidade tem vivido em permanente
efervescência, engolfada em conflitos, dissídios e entrechoques bélicos, quer de
indivíduos contra indivíduos, de classes contra classes, como de nações contra
nações.
Entretanto — fato curioso! — não há uma só criatura que não aspire à paz, que
não anseie por ela, por sabê-la indispensável à felicidade própria e da coletividade
a que pertence.
Como explicar esse paradoxo, ou, se o quiserem, esse contra-senso?
E’ que, embora querendo a paz, a maioria insiste em conquistá-la pela violência,
através das guerras, sob a falsa convicção de que só as lutas armadas podem
acabar com as injustiças sociais, os imperialismos de todos os matizes e as tiranias
que infelicitam os povos, assegurando-lhes um estado de direito que garanta maior
equidade nas relações humanas ou internacionais.
Em verdade, porém, as guerras intestinas não têm impedido que a exploração
do homem pelo homem continue, aqui, ali e acolá, apenas disfarçada ou atenuada em
seus aspectos mais repelentes, e, no âmbito geral, não fazem, como não têm feito
outra coisa senão agravar os males que afligem a Humanidade, gerando ódios e
desejos de vindita que se perpetuam gerações pós gerações.
De fato, ao imporem aos vencidos uma série de humilhações e agravos à sua
dignidade, bem assim toda a sorte de exigências e restrições, que lhes dificultam
sobremaneira a existência, os vencedores de uma guerra preparam, com tal
procedimento, outra guerra ainda mais cruenta, à qual se sucederá outra pior, e
assim indefinidamente, até que, fartos de lhes sofrerem as terríveis e dolorosas
consequências, todos procurem evitar esse flagelo da espécie humana.
O problema da paz, cuja solução se tem buscado, improficuamente, na
promulgação de códigos e decretos humanos, sempre falhos e imperfeitos, e pôr
isso mesmo inoperantes, assim como em tratados e pactos entre nações ou blocos
de nações, tratados e pactos que hão sido sistemàticamente desrespeitados logo
que deixaram de satisfazer aos interesses dos contratantes; o problema da paz,
dizíamos, é bem mais difícil, porque de ordem espiritual, e só poderá ser resolvido,
em definitivo, quando todos os homens tiverem conhecimento das leis de Deus e
forem capazes de lhes dar o mais exato cumprimento, transformando-se em
colaboradores conscientes da Providência.
Sim, porque a paz, a paz completa e perfeita, não é uma coisa que caia do céu,
para que cada um, sem qualquer esforço e sem mérito nenhum, possa dela se
apropriar. Se tão preciosa dádiva nos chegasse assim, sem que nada precisássemos fazer para
adquiri-la, não seria uma realização nossa, não seria um patrimônio inalienável de nossa
alma, e, pois, não seria perpétua, nem indestrutível.
À suprema paz, disse-o alguém, é “um estado de pureza de consciência” e, para
chegar a esse estado, o caminho é aquele que a Humanidade terrena, devido ao seu
atraso espiritual, ainda não se decidiu a trilhar: o caminho do Amor e da Justiça!
Quando, inspirados no Evangelho do Cristo, os homens puserem em prática essas
virtudes, reinará, finalmente, paz no mundo, porque então cada qual poderá
trazê-la consigo, para gozá-la em toda parte e em qualquer momento.
51 As quatro operações O conhecimento das quatro operações fundamentais da Aritmética: adição,
subtração, multiplicação e divisão, é-nos absolutamente indispensável, pois, sem
essa base, impossível alcançarmos qualquer adiantamento no campo das ciências
exatas.
Semelhantemente, a evolução de nossas almas depende, também, de que
saibamos somar, subtrair, multiplicar e dividir, com a diferença de que, neste caso,
não se trata de operar com simples algarismos, mas4com valores outros, bem mais
importantes.
Devemos, primeiramente, habilitar-nos a somar.
Somar experiências, isto é, conhecer o porquê de tudo quanto acontece em
nosso derredor e em nós mesmos; senhorear-nos das causas e efeitos de todos os
fenômenos, sejam físicos, espirituais ou sociais, para que nos tomemos aptos a
discernir entre o útil e necessário e o que, ao revés, seja nocivo e inconveniente a
nós e a nossos semelhantes.
A conquista desse tirocínio, é óbvio, demanda longo tempo e muito esforço;
implica a vivência de uma variedade imensa de situações em que as quedas e as
dilacerações dolorosas se verificarão com frequência, mas valerão a pena, porque
todo esse sofrimento se transformará, depois, em auréola de glória.
Em seguida, exercitar-nòs em diminuir.
Diminuir as necessidades grosseiras, herança de nossa passagem pela
animalidade, e os apetites desordenados, próprios de nossa infância espiritual,
esforçando-nos por alijar de nós a glutonaria, a sensualidade e os demais vícios a
que nos tenhamos escravizado.
Diminuir, também, o apego às posses materiais, o personalismo egoísta e a
vaidade, pois tais coisas são grilhões que nos prendem a este mundo, impedindo
alcemos voo a planos mais altanados.
Diminuir, ainda, as agrestias de nosso caráter, despojando-nos da crueldade,
da intolerância, do orgulho, etc, reduzindo, consequentemente, as áreas de atrito
e de desarmonia com nossos irmãos.
Cumpre-nos, depois, aprender a multiplicar.
Multiplicar o bem-estar coletivo, tornando-nos elementos prestantes no meio
social a que pertencemos.
Multiplicar as obras de amparo aos desgraçados de todos os matizes, não com o
objetivo de ganhar o céu, mas como quem obedece ao imperativo do Dever.
Multiplicar a liberdade no mundo, lutando pela igualdade dos direitos humanos,
sem acepção de sexo, cor, raça ou ideologia.
Multiplicar a alegria e a paz nos corações, pugnando pela extinção de todo e
qualquer conflito, seja de indivíduo contra indivíduo; de classe contra classe ou de
nação contra nação.
Por último, a parte mais difícil do aprendizado: a arte de dividir.
Dividir o nosso Amor para com todos, sem excluir ninguém, nem mesmo aqueles
que, porventura, se considerem nossos adversários, espargindo por onde passemos
boas palavras e gestos de bondade, sem esperar compreensão nem recompensa,
servindo, sempre, pelo só prazer de servir.
Como disse o Mestre dos mestres, sòmente quando formos capazes dessa diyisão
de afeto com a família universal é que seremos dignos da companhia do Pai, cuja
benignidade faz que os benefícios da chuva e dos raios solares, indispensáveis
à vida na Terra, cheguem tanto aos bons como aos maus, aos justos como aos
injustos. Isto porque todos nós nos ressentimos de algumas fraquezas que ainda
não logramos vencer, e as diversidades de nível evolutivo, que nos distinguem em
dado instante, diluir-se-ão no futuro, mercê da Lei do progresso que a todos
impele para a frente e para o alto, rumo à perfeição.
52 Responsabilidade pessoal Os povos cristãos vêm sendo instruídos, séculos pós séculos, que “nossos
primeiros pais” haviam sido criados justos, inocentes e imortais, mas que, por
haverem cedido à tentação demoníaca, desobedecendo a Deus, perderam o estado
de graça, foram expulsos do éden, tornaram-se ignorantes, propensos ao mal,
expostos a toda a sorte de misérias e condenados a morrer.
Essa culpa, conquanto pessoal, não prejudicou apenas Adão e Eva.
Transmitindo-se a todos os seus descendentes, por geração natural, danificou
todo o gênero humano, que nascendo já estigmatizado pelo erro, jamais poderia
salvar-se por si mesmo.
Deus, porém, apiedou-se dos homens e alguns milênios depois houve por bem
enviar à Terra seu filho unigénito, Jesus-Cristo, para que pudesse oferecer-se
como vítima expiatória e, assim, os libertasse da escravidão do demônio e do
pecado, reconquistando-lhes o direito que tinham ao céu.
Em síntese, o que acima foi dito poderia ser resumido nestas duas proposições:
a) Adão e Eva pecam e a Humanidade é condenada.
b) Vem o Cristo, sofre o martírio da cruz e a Humanidade é salva.
Uma pergunta, então, se impõe:
Nesse jogo, qual o papel da Humanidade mesma, uma vez que tudo se realiza por
substituição?
Temos, para nós, que a razão pela qual o Cristianismo não há produzido, até
agora, tudo aquilo que de bom e de belo dele se deveria esperar, só pode Ser
atribuída a essa falsa ideia de que somos redimidos do pecado, graciosamente,
“pelo sangue do Cordeiro de Deus”.
Fôsse isso verdadeiro, alcançassem os homens, realmente, a purificação por
efeito da morte de Jesus, e o mal já devera ter desaparecido da face da Terra.
Não é tal, entretanto, o que se observa. A ambição, o orgulho, a vaidade, o
roubo, a injustiça, o farisaísmo, a crueldade, os vícios e as paixões continuam a
dominar grande parte das criaturas, impedindo seja estabelecido entre nós um
clima de paz, de alegria e de fraternidade.
Enquanto supusermos que o “Cristo morreu por nós” e que “a efusão de seu
sangue nos limpa de toda culpa”, sem empreendermos qualquer esforço sério no
sentido de vencermos nossas fraquezas e imperfeições; enquanto não
compreendermos, também, que o que Deus quer de nós não é “adoração”, mas
trabalho de cada qual em beneficio de todos, visando a eliminar A DOR pela AÇÃO,
as coisas não se modificarão e o sofrimento continuará infelicitando indivíduos,
famílias, comunidades e nações.
O Espiritismo, recusando fé à lenda da “queda do homem”, porquanto queda
jamais houve, e sim evolução do homem das cavernas para o homem nômade e deste
para o homem civilizado de nosBos dias, o que torna insubsistentes as doutrinas da
“expiação”, da “propiciação”, do “pecado original”, etc, diz-nos, baseado nos
ensinamentos do Evangelho, que “a cada um será dado segundo as suas obras” e que
nossa felicidade, neste mundo ou no outro, depende da conquista da Virtude e da
prática do Bem, ou seja, de nossos próprios méritos, erigindo, destarte, a
responsabilidade pessoal em princípio fundamental de sua filosofia de vida.
Quando toda a Humanidade venha a pensar e a agir deste modo, então,
certamente, a Terra se transformará no paraíso com que sonhamos.
53 Somos o que pensamos “Somos o que pensamos, com a condição de pensarmos com força, vontade e
persistência”, disse alguém.
E, de fato, é pelo pensamento que construimos, dia a dia, o edifício de nossa
vida, dando-lhe formas grandiosas ou miseráveis.
Tirante alguns poucos atos instintivos, que realizamos automática e
inconscientemente, tudo quanto obramos tem como causa inicial a boa ou má
natureza de nossos pensamentos.
Os progressos da Ciência, as maravilhas da Arte, os princípios do Direito, os
nobres e belos Ideais que hão constituído a glória da Humanidade, têm sua fonte
nos pensamentos elevados e altruís- ticos, da mesma sorte que todas as suas
baixezas e vergonhas são fruto de pensamentos impuros e egoísticos.
Nada acontece, nada se concretiza no plano físico sem que antes tenha sido
plasmado na mente. Até mesmo as decisões ou reações mais imediatas, tomadas
oom a rapidez do relâmpago, são elaboradas pelo pensamento, denunciando as
tendências predominantes de cada um de nós.
Quando alguém, por exemplo, avista um objeto valioso que se lhe apresenta ao
alcance das mãos, ainda que as circunstâncias lhe sejam propícias para furtá-lo,
não o fará, ee a ideia de furto jamais lhe tiver ocupado o pensamento; em caso
contrário, porém, é bem provável que ceda à tentação, porque aquilo em que
pensamos tende a realizar-se.
Da mesma forma, ninguém será levado à quebra da castidade ou a trair seus
votos de fidelidade conjugal, por mais intensa que seja a sedução, se,
mentalmente, já não tiver alimentado o desejo de aventuras desse gênero.
Para vencer paixões, maus pendores, e sublimar a existência, o que primeiro se
tem a fazer, portanto, é fiscalizar os próprios pensamentos e discipliná-los,
substituindo toda e qualquer cogitação menos digna por outra que lhe seja oposta.
E’ de boa praxe, também, aproveitar todos os momentos de tranquilidade que o
mourejo diário nos enseje, para meditar em algo que se relacione com o Amor, a
Beleza, a Justiça e a Verdade.
Quem se habitue a esse exercício mental sentirá que, pouco a pouco, todo o seu
ser se impregna das qualidades dessas meditações, que seu caráter se modifica, se
enobrece, despertando-lhe novos pensamentos e novos impulsos, em direção à
virtude e aos ideais superiores.
Sim, porque pensar é vibrar, é entrar em relação com o universo espiritual que
nos envolve, e, conforme a espécie das emissões mentais de cada ser, elementos
similares se lhe imanizarão, acentuando- -lhe as disposições e cooperando com ele
em seus esforços ascensionais ou em suas quedas e deslizes.
Mister se faz, igualmente, escolhermos com cuidado nossas leituras e nossos
entretenimentos, a fim de que nossa mente se mantenha livre dos míqsmaa de
certas obras e determinados ambientes.
Abstenhamo-nos de ler jornais e revistas sensacionalistas, em que sejam dadas
descrições minuciosas dos crimes, desastres, sordicias e misérias morais que
lavram por aí. Evitemos as reuniões nas quais o objetivo único seja a gratificação
dos sentidos. Fujamos às discussões ruidosas e às conversas frívolas. Cerremos
ouvidos à maledicência e às anedotas fesceninas. Isso tudo deprime, conturba,
avilta, faz baixar consideràvelmente nosso teor vibratório, colocando-nos em
sintonia com entidades menos evoluídas, cujas influências malsãs se farão sentir
em nossos atos, com maior ascendência do que geralmente se crê.
Apliquemo-nos, isto sim, a estudos sérios, a leituras edificantes, àquilo que nos
aprimore a inteligência e nos ilumine o espírito. Quando nos entregamos a esse
trabalho, atraímos para junto de nós potestades amigas, cujas inspirações
fecundam e desenvolvem a nossa individualidade, tornan- do-nos cada vez mais
capazes de realizar o bem e mais fortes para resistir ao mal.
Lamentàvelmente, em grande parte os homens só pensam “naquilo de que
necessitam para comer e vestir”, ou seja, em seu bem-estar material, esquecidos,
como diz o Evangelho, de que “a alma é mais que a comida e o corpo mais que o
vestido".
E é ao influxo de tais pensamentos imediatis- tas, rasteiros, vazios de qualquer
aspiração superior, que eles se arrastam pelo ramerrão da Terra, sem se
aperceberem do fulgor das estrelas, que, lâ do alto, nos falam de outros
mundos, onde a vida se desenrola de forma incomparàvelmente mais pura, mais
bela e mais feliz!
54 O Sublime Idealista Os grandes movimentos idealísticos sempre tiveram, como ainda têm, adeptos
e seguidores que, após um período inicial de arrebatamento e entusiasmo, em que o
proselitismo os empolga de forma absorvente, ao defrontarem a incompreensão e
a indiferença alheias, senão o sarcasmo e a perseguição, logo esfriam,
desiludem-se e, passado algum tempo, eis que o desalento lhes imobiliza de todo os
braços e lhes enregela completamente o coração.
Nosso mundo conheceu alguém, entretanto, que, não obstante toda a sorte de
obstáculos e dificuldades que se lhe antolharam, jamais se rendeu ao desânimo, e,
mesmo nas mais trágicas circunstâncias, manteve aceso o facho do ideal superno
que era toda a razão de sua existência.
Esse alguém, foi Jesus; esse ideal — a redenção dos terrícolas.
Descendo de Esfera Superior, em tal missão, Jesus surgiu à face da Terra, não
entre sedas e alabastros, mas em humílima e tosca estrebaria.
Mal descerrara os olhos na penumbra deste mundo, foi constrangido a fugir,
pará resguardar-se da fúria sanguinolenta de Herodes. Apresentando-se como o Messias anunciado pelos profetas da antiguidade, malgrado
os sinais evidentes que lhe assinalaram o nascimento, foi recebido com desconfiança,
até por João Batista, o precursor, que, da prisão onde fora metido, enviou dois
emissários saberem se era ele, realmente, o. esperado Filho de Deus.
Iniciando a pregação do Reino do Céu, não conseguiu o entendimento imediato
nem mesmo de seus discípulos, os quais, cheios de zelo, disputavam entre si
primazias e vantagens puramente materiais.
Em Nazaré, onde se havia criado, jamais pôde realizar qualquer “milagre”, pois
não lhe davam crédito e, certa feita, por haver reafirmado, na sinagoga da cidade,
ser Aquele de quem falavam as Escrituras, provocou o escândalo de seus
conterrâneos, que, cheios de ira, expulsaram-no dali e o conduziram até o cimo do
monte, de onde o queriam precipitar.
Também em Cafarnaum, lugar em que realizara prodígios de beneficência, não
faltou quem cogitasse um meio de fazê-lo morrer.
E se foi assim que exerceu o seu ministério — entre incompreensão e desprezo,
amargura e solidão —, maiores e mais doridas foram as angústias e flagelações que
pontilharam as últimas horas de sua vida sacrifical.
Dirigindo-se a Getsemani com os discípulos, convidou três deles a que orassem
e vigiassem em sua companhia; porém, incapazes de lhe darem essa demonstração
de solidariedade, deixaram-se vencer pelo sono, e nem sequer se aperceberam das
lágrimas que lhe calcinavam o espírito agoniado.
Judas, fascinado pela ambição, traiu-o miserà- velmente, entregando-o às mãos
de seus ferozes inimigos.
Levado, qual malfeitor, pela multidão armada de espadas e varapaus, viu
fugirem, amedrontados, todos os que com ele se achavam.
Ninguém se apresentou para tomar-lhe a defesa, ninguém compareceu ante o
Sinédrio para destruir a calúnia aliciada para difamá-lo.
Pedro, o companheiro que recentemente havia afirmado que jamais o
abandonaria, ainda que todos o fizessem, seguiu-o a medo, é certo, até o pátio da
casa de Caifás, mas, ao ser identificado como um dos seguidores do Mestre,
fraquejou e o negou três vezes.
Submetido a um julgamento infame, em que o insultaram, o esbofetearam e lhe
cuspiram no rosto; entregue, posteriormente, aos açoites brutais da soldadesca
de Pilatos, nenhum coração agradecido houve que ousasse pronunciar-se, em
protesto contra tanta vilania.
Forçado a conduzir, pelas ruas de Jerusalém, o instrumento de suplício,
alquebradíssimo pelos maus tratos recebidos, nem um só de quantos o conheciam
teve fidelidade suficiente para se apresentar, em tal contingência, a fim de
auxiliá-lo a prosseguir na via dolorosa, rumo ao Calvário.
Ninguém!
Nem os que, poucos dias antes, o aclamaram freneticamente à sua entrada na
cidade, aos gritos de: hosana ao Filho de David; bendito o que vem em nome do
Senhor; hosana nas maiores alturas! Nem os paralíticos que lhe deveram a
recuperação dos movimentos; nem os leprosos aos quais purificara; nem os cegos a
quem restituíra a vista.
Um desconhecido, peregrino de Cirene, é que, compelido pelos soldados
romanos, pôs ao ombro o pesado madeiro, aliviando-lhe, por instante, o sofrimento
sobre-humano.
Afinal, pregado à cruz, expirou entre motejos e zombarias, sem que seu
coração, traspassado pelos acúleos da iniquidade humana, recebesse qualquer
testemunho de amor e de lealdade daqueles que houvera convocado para o sublime
apostolado.
Entretanto... depois da ressurreição, ei-lo que retorna aos discípulos e
seguidores, compreensivo e bondoso, transformando-lhes a fragilidade em
fortaleza, convertendo-lhes o pessimismo em radiosa esperança, e exortando-os,
confiante:
— “Ide e ensinai a todas as gentes... Estarei convosco até à consumação dos
séculos..."
Vemos, pois, que é integral a boa vontade do Cristo Jesus para conosco.
Não é tempo de, por nossa vez, termos boa vontade para com ele, procurando
pautar nossa conduta pelas diretrizes do seu Evangelho?
55 A tentação de Jesus I “Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo* Depois de
jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome. Aproximou-se então dele o tentador e lhe disse: Se és filho de Deus, ordena a estas pedras que se tornem pães. Jesus lhe respondeu: Escrito está: Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.- O diabo o transportou à cidade santa e, colocando-o no pináculo do templo, disse- -Ihe: Se és filho de Deus, lança-te daqui para baixo, pois está escrito que Ele ordenou a seus anjos que tenham cuidado contigo e te sustentem com suas mãos, para que não firas os pés nalguma pedra. Jesus respondeu: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus. O diabo o transportou ainda para um monte muito alto, donde lhe mostrou todos os reinos do mundo e a glória que os acompanha, e lhe disse: Dar-te-ei todas estas coisas se, prostemando-te diante de mim, me adorares. Disse-lhe em resposta Jesus: Retira-te, satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. Deixou-o então o diabo, cercaram-no os anjos e o serviam.** (Mat., 4:1 a
11.) Para o bom entendimento do texto acima, mister se .faz, antes de mais nada,
considerar qúe as palavras de Jesus são “espírito e vida”, cumprindo- -nos,
portánto, extrair, da “letra que mata, o espírito que vivifica”.
Essas três grandes tentações foram mesmo vividas pelo Mestre. Não,
certamente, nas circunstâncias aí mencionadas, que só podem ser uma alegoria, de
vez que nunca existiu tal elevação, de cujo topo se pudesse descortinar toda a
superfície da Terra, dificuldade essa que se torna maior aó lembrar-nos de que
nosso mundo tem forma esférica, ò que impossibilita a visão das regiões antípodas.
Viveu-as ele, ao longo de séculos e milênios. São os mesmos trâmites pelos quais
todos estamos sujeitos a passar, em nossa jornada evolutiva, neste ou em outros
planetas.
De origem comum à nossa, mas gerado num passado remotíssimo, Jesus, nosso
irmão mais velho, de há muito que se acrisolara, adquirindo os atributos da
perfeição. Foi, pois, com a autoridade de quem já “venceu o mundo”, isto é, de quem
superou as contingências da natureza humana, que recebeu a sagrada incumbência
de formar a Terra e presidir ao destino dos terricolas (encaminhá-los para Deus),
tornando-se, assim, o Senhor e Salvador nosso.
Como é óbvio, Bòmente quem haja percorrido determinado trajeto estará em
condições de guiar a outrem por ele, com plena segurança, sem risco de
extraviar-se; daí o poder Jesus afirmar, peremptoriamente : “Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida; ninguém vai ao Pai senão por mim”.
O diabo, demônio, satanás, ou que outro nome se queira dar ao tentador, não é
uma entidade real, votada à perdição dos homens, em eterna oposição aos
desígnios de Deus* — 6 a personificação do egoísmo e de todos os sentimentos
malsãos que * dele se derivam ou com ele se relacionam, capazes de desviar-nos
temporàriamente da senda do altruísmo, única via conducente ao progresso
espiritual.
Os “quarenta dias e quarenta noites” de permanência “no deserto” simbolizam o
longo período de nosso estágio nos reinos infra-humanos, nos quais os germes de
nossos futuros desenvolvimentos anímicos jaziam, latentes, na aridez da
semiconsciência.
A “fome” que, então; se manifestou, representa a eclosão de nossa
individualidade racional, com os anseios de crescimento e de perfectibilidade que
a caracterizam.
Quanto às respostas dadas por Jesus , ao “diabo”, é bem de ver-se, constituem
sínteses da Doutrina que, ao depois, iria ele explanar nos três anos de seu
ministério público, ensinando-nos como vencer nossas fraquezas e
inferioridades, a fim de' tornar-nos “unos com ele como ele o é com o Pai
celestial”.
56 A tentação de Jesus II A primeira tentação: "ordena a estas pedras que se transformem em pães”, lembra
aquela fase da evolução de cada homem, na qual, expressando- -se quase que
exclusivamente pelo apetite, cuida apenas de manter-se vivo (e procriar), fazendo
da conquista dos alimentos que lhe sustentem o corpo a razão de ser de todos os
seus esforços, indiferente a qualquer problema de ordem mais elevada.
Respondendo: “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca
de Deus”, o Mestre nos chama a atenção para o fato de, seres complexos que
somos, formados de corpo e alma, não necessitarmos apenas de pão material, para
o sustento de nosso organismo, mas também e principalmente de outros alimentos
mais transcendentes, que favoreçam a formação de nossa consciência espiritual,
ou seja, a realização do reino dos céus dentro de nós mesmos.
Esse mesmo conceito, ele o reiterou várias vezes, porquanto, como
extraordinário pedagogo que era, sabia que qualquer ensino, por mais simples que
seja, só é bem compreendido à força de inúmeras repetições.
Destarte, no Sermão da Montanha, após aconselhar seus ouvintes a que não se
preocupassem em demasia “com o que haveriam de comer, beber ou vestir”,
sentenciou: “Buscai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas
coisas vos serão acrescentadas.” (Mat., 6:33.)
De outra feita, ante a insistência de seus discípulos para que comesse algo,
respondeu-lhes: “Eu para comer tenho um manjar que não conheceis.” E,
percebendo que não haviam entendido o sentido dessas palavras, emendou,
explícito: “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e completar a
sua obra.” (Jo., 4:32-34.)
Em nova oportunidade, dirigindo-se a alguns daqueles que haviam estado
presentes quando da multiplicação dos pães e dos peixes, e no dia séguin- te o
foram procurar em Cafarnaum, assim os exortou: «Em verdade, em verdade vos
digo que vós me buscais, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos
pães e ficastes fartos. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que dura
até à vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará, porque ele é aquele em quem
Deus Pai imprimiu o seu caráter. Eu sou o pão vivo que desci do céu; quem o comer
viverá eternamente.” (Jo., cap. 6.)
Estas expressões de Jesus significam que “o pão que desceu do céu e dá vida ao
mundo” são os ensinamentos, é o corpo de sua doutrina, recebida do Pai celestial.
Esse, pois, o alimento que devemos buscar com empenho maior, porque, uma vez
assimilado “em espírito e verdade”, sustentará nossa alma para sempre,
infundindo-lhe as energias necessárias para enfrentar os percalços da existência
e impulsioná- -la para a frente e para o alto.
Louvados, então, em Cristo-Jesus, demos o justo apreço às coisas, pondo em
primeira plana as de valor eterno, que são as espirituais. As outras, Deus sabe
que são indispensáveis à nossa subsistência e nos proverá delas, desde que
confiemos em Sua providência, como não deixou sem amparo o povo judeu no
deserto, enviando-lhe suficiente provisão de maná.
Cuidemos, também, de controlar nossos apetites e paixões, para não cairmos na
intemperança e nos aviltarmos, a ponto de esquecer nossa origem divina.
Vivendo constantemente sob a inspiração da Palavra de Deus, estejamos certos,
“satanás” não conseguirá exercer domínio sobre nós.
57 A tentação de Jesus III A segunda tentação: lança-te daqui para baixo”, sói ocorrer quando o homem
começa a desenvolver suas faculdades intelectuais e senhorear a Ciência.
Nesse passo de sua evolução, torna-se audacioso, exfbicionista, petulante,
gostando muito de chamar a atenção, conquistar aplausos, satisfazer, enfim, a sua
vaidade.
Orgulhoso de sua inteligência e perspicácia, chega a supor seja possível burlar
impunemente as Leis de Deus, em proveito pessoal, mesmo causando dano ou
agravo a outrem.
Em verdade, porém, o que consegue com tais atitudes “diabólicas” é
comprometer-se perante a Justiça Cósmica, acarretando amargas e dolorosas
consequências para o seu destino, porquanto, a exemplo das leis que regulam o
universo físico «K desde o átomo invisível a olho nu aos enormes corpos celestes
que rodopiam no espaço —, cujo funcionamento é exato e inderrogável, assim
também as leis que regem o universo moral são sábias e inexoráveis, não deixando
sem corrigenda o menor gesto que implique desvio dos preceitos instituídos pelo
Pai celestial para o bem de todos.
Na resposta do Mestre: “Não tentarás o Senhor teu Deus”, colhemos o ensino de
que o melhor,- para nós, -é harmonizarmos nossos ideais com Suas normas, na
certeza de que, quanto mais perfeita seja a sujeição, ou a identificação de nossa
vontade individual à justa e soberana vontade de Deus, tanto maior serâ nossa paz
interior e mais estável nossa alegria.
Supor que os códigos divinos constituam restrição ou obstáculo à nossa
independência, e consequentemente à nossa felicidade, como pode parecer aos
inscientes, fora o mesmo que interpretar as regras da execução musical como
entraves à harmonia de uma orquestra sinfônica, quando sabemos que,
precisamente ao contrário, se cada músico entendesse de tocar o seu instrumento
ao sabor de seu capricho, sem obedecer às determinações da respectiva partitura,
o resultado seria a mais completa desafinação de. sons.
As ordenações divinas têm o propósito de estabelecer a ordem moral,
indispensável ao bem-estar coletivo, ordem essá que deve ser respeitada, não
compulsòriamente, mas pela aceitação livre do homem. Daí a possibilidade da
desobediência e até mesmo de rebeldia contra ela.
Cada vez, entretanto, que, no exercício de seu livre arbítrio, o homem viola os
princípios da harmonia universal, deixa Deus que ele sofra os efeitos corretivos
correspondentes, não para “castigá- -lo”, mas para que “sinta” a repercussão de
seus atos. Isso fará que, de futuro, não só evite o mal, por sabê-lo fonte de
desgostos, como passe, de moto próprio, a praticar o bem, porque então, terá
aprendido que cada qual “colhe os frutos de sua própria semeadura”.
Tal lição, renovou-a também Jesus mais de uma vez.
Quando, ao formular a oração dominical, ensinou a dirigir-nos ao Pai celestial,
dizendo-lhe: “Venha a nós o teu reino; seja feita a tua vontade”, a segunda parte
do período explica a primeira, valendo dizer que “o reino dos céus” se irá
realizando no íntimo de cada um de nós à medida que formos “fazendo a vontade de
Deus”.
Logo em seguida, ao proclamar textualmente: “Nem todo o que me diz: Senhor!
Senhor! entrará no reino dos céus, mas sim o que faz a vontade de meu Pai” (Mat.,
7:21), desfaz qualquer duvida que porventura ainda subsistisse a respeito.
Talvez, porém, não fôsse bastante ensinar, sem a devida exemplificação. Por
isso, nos instantes agônicos que precederam o seu martírio na cruz, embora com o
coração traumatizado, ainda encontra forças para orar, dizendo: “Pai meu, se é
possível, passa de mim este cálice: todavia, não se faça nisto a minha vontade, mas
sim a tua.” (Mat., 26:39.)
Era o supremo testemunho de conformidade da criatura ao Criador, que só
mesmo o Excelso Mestre seria capaz de nos oferecer.
Aprendamos, pois, com ele, a submeter nosso personalismo egoísta aos
altíssimos desígnios divinos. “Deus é Amor” e, mesmo quando nos permite sofrer, é
com a finalidade de preparar-nos para um gozo maior.
58 A tentação de Jesus IV A terceira investida satânica: Dar-te-ei a pos- se de todos os reinos do mundo, se,
prostrado a meus pés, me adoraresf*, é uma alusão clara à acumulação de riquezas e
ao prestigio social com que sonham os homens e para cuja consecução costumam
valer-se dos recursos mais sórdidos e infames, o que equivale a dizer: rendendo
culto ao “diabo’*, que, como dissemos de início, não é outra coisa senão o símbolo
dos sentimentos egoísticos da espécie humana.
De todas as tentações que nos cumpre vencer, essa, sem dúvida, a mais difícil.
Isto porque, a pretexto de prover as necessidades próprias e dos familiares (o que
é, realmente, um dever nosso), e de ser previdentes quanto às incertezas do
amanhã (o que, também, até certo ponto, é defensável), quase todos contraímos o
vicio da avareza ou a megalomania, convertendo-nos em máquinas de ganhar
dinheiro.
Enceguecidos pela ganância, embora possuindo, já, o bastante para levarmos
vida cômoda e tranquila por muitos e muitos anos, mais do que pode durar a mais
longa existência, nem por isso nos damos por satisfeitos.
No afã de aumentar, aumentar sempre a nossa fortuna, não hesitamos em
empregar a astúcia, a violência e quejandos, pouco nos importando com as lágrimas,
o desespero e o sofrimento daqueles a quem escorchamos, iludimos ou
prejudicamos.
E quando, vez por outra, a consciência consegue fazer-se ouvir com um “Bastai”
•— as más inspirações clamam mais forte: “Outros possuem em maior quantidade
do que tu, há muita coisa que te falta adquirir, não pares ainda, continua a
enriquecer mais um pouco, depois sim...”
A medida que cresce nossa conta corrente bancária, vamo-nos sentindo mais
“importantes”... Exacerba-se nossa vaidade, reponta-nos o desejo de dirigir os
outros, de dominar as massas...
Chegados a esse ponto, absorvidos pelos assuntos mundanos, descuramos por
completo as questões de natureza espiritual, caindo no mais grosseiro
materialismo, para gáudio do “diabo” e de sua corte, que a isso, precisamente, nos
procuram induzir.
Rechaçando o tentador com estas palavras das Escrituras: “Adorarás o Senhor
teu Deus e só a Ele servirás”, Cristo nos lembra uma verdade profunda reafirmada
em seu Evangelho, de que “ninguém pode servir à dois senhores (a Deus e as
riquezas) ; porque ou há-de aborrecer um e amar o outro, ou há-de acomodar-se a
este e desprezar aquele.” (Mat., 6:24.)
De fato, os interesses mundanos e os ideais superiores não se coadunam, eis
que constituem forças antagônicas, divergentes, atuando em sentido oposto.
Quem quiser elevar-se ao convívio dos bem- -aventurados, deve, pois,
desprender-se de todas as honrarias e bens terrenos, aprendendo a
movimentá-los simplesmente como administradores e não como proprietários
deles, porque o apego a estas coisas só serve para agrilhoar-nos ao plano físico,
retardando nosso progresso espiritual.
“De que aproveita ao homem — disse ainda o Mestre Pi ganhar todo o mundo, se
vier a perder a sua alma?” (Mat., 16:26. ) Portanto, “o que entre vós quiser ser o
primeiro (no reino dos céus), esse seja o vosso servo; assim como o Filho do homem
não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida pela redenção de
muitos” (Mat, 20:27-28).
Quando, a exemplo do Mestre Jesus, formos capazes de responder,
firmemente, aos chamamentos dos gozos turvos e egoísticos: “Para trás,
tentação!”, nós nos teremos desvencilhado de “satanás”.
Vencida, então, a derradeira prova, dai por diante anjos nos cercarão,
auxiliando-nos e protegendo-nos, transformando-se nossa vida num estado
permanente de alegria, de bênçãos e de paz, que compensará plenamente os
esforços e sacrifícios realizados para alcançá-lo.
59 A Vaidade A palavra vaidade possui duas significações: a) “qualidade do que é vão, instável,
de pouca duração” ; b) “desejo exagerado de atrair a admiração ou as homenagens
dos outros”.
Sob o primeiro aspecto, tudo, neste mundo, é vaidade, porquanto nada existe
que não se desgaste ou não se destrua à ação implacável do tempo.
Com efeito, que resta hoje dos esplendores das antigas civilizações da
Suméria, do Egito, da Babilônia, da Assíria, da Judeia, da Pérsia, da índia, da
Grécia, de Roma, etc?
Apenas cinzas e ruínas!
Em seu lugar, novas obras se ergueram, para derruírem amanhã e serem
substituídas por outras, de estilo diverso, e assim sucessivamente.
Se o que se contrói à base de elementos rijos e fortes, como a madeira de lei, a
pedra e o metal, não resiste ao curso dos anos (e o que são alguns milênios diante
da Eternidade?), que dizer-se daquilo que se assenta na fragilidade da carne?
À semelhança da rosa, que cedo perde a cor e o perfume com que se engalana, e
que, a um sopro mais intenso do vento, fica reduzida a uma haste árida e triste,
assim também os dotes corpóreos e as louçanias da idade primaveril breve se
esvaem, convertendo-se em esqueleto informe, que apavora e repugna, para
decompor-se, depois, iné-; xoràvelmente, no seio da terra.
Haja vista o exemplo de Helena, a famosa esposa de Menelau, rei de Esparta.
Devido à sua beleza, foi roubada por Páris, rei de Tróia, fato que deu origem a uma
guerra de que resultou a destruição desta cidade. Durou essa guerra um decênio,
e, à medida que recrudesciam os combates entre gregos e troianos, ia diminuindo a
razão dela. Ao cabo dos dez anos, reconduzida, afinal, para casa, Helena era já
outra, tão murcha e sem atrativos, que, mirando-se ao espelho, a si mesma
perguntava, entre lágrimas, onde ficara aquela formosura, por cuja causa duas
vezes fora raptada. #
Na segunda acepção, vaidade é mais uma das fraquezas humanas que nos
cumpre combater, a bem de nossa própria felicidade.
Via de regra, são as mulheres mais vaidosas que os homens, especialmente no
que tange à apresentação pessoal.
Desde a meninice demonstram excessivos cuidados com isso, mantendo-os por
toda a existência.
A muitas, a preocupação de serem “atraentes" sobreleva quaisquer outras,
inclusive as que deveriam ser-lhes sagradas, quais as pertinentes à saúde e à
educação dos filhos.
A submissão aos ditames da “Moda", então, é quase geral, ainda que os
caprichos dela lhes tragam desconforto ou se constituam verdadeiros ultrajes à
decência. ,
Os artifícios embelezadores, da cabeça aos pés, são, também, bastante
generalizados entre elas, o mesmo podendo dizer-se do uso de mil e uma formas de
adereços, engendrados para servirem à futilidade e à ostentação.
Não se creia, entretanto, que os homens não tenham, igualmente, suas
vaidades.
Têm-nas, sim. Apenas se manifestam diferentemente.
Que é que os impele a essas demonstrações de audácia nos torneios
atlético-desportivos, muitas vezes com risco da própria vida, se não a vanglória, ou
seja, o gosto pelos aplausos do público?
Que é que os incita à conquista de posições de relevo ou de mando entre seus
pares, se não a volúpia da consagração social?
Porque buscam a notoriedade, a qualquer preço, se não para chamarem a
atenção sobre si?
E porque é, enfim, que tanto se esfalfam para conseguir fortuna, se não por ser
ela o “abre-te, sésamo” das honrarias mundanas ?
No afã de satisfazer à vaidade, isto é, despertar a admiração e ganhar os
louvores temporais, quase todos negligenciamos algo muitíssimo mais importante:
as boas qualidades do espírito e do coração, esquecidos de que é o
desenvolvimento dessas qualidades, precisamente, o que mais agrada a Deus,
atraindo a graça inefável de Suas bênçãos.
Cultivemos, pois, como remédio para a vaidade, essa preciosa virtude que se
chama modéstia, começando, hoje mesmo, a imprimir em tudo quanto fizermos o
sabor delicioso da simplicidade.
60 A Vingança A vingança, qualquer que seja a forma de que se revista, revela baixeza e
vilania, constituindo, sempre, prova da inferioridade moral de quem a exerce.
Há muitos que “não levam desaforo para casa” e, a um desacato, revidam na
hora com outro ultraje ou com um desforço físico.
Existem também os que, por serem mais fracos ou se encontrarem em situação
de subalternidade relativamente aos ofensores, acovardam-se e recalcam seus
ímpetos vingativos; tão logo, porém, se invertam as condições, não deixam de tirar
a forra, muitas vezes com requintes de crueldade, como que a cobrar juros de
mora de uma dívida antiga.
Bem piores são os que cultivam um ódio surdo aos desafetos, disfarçando
hipocritamente esse mau sentimento, a fim de atingi-los sem correr qualquer
perigo. Seguem-lhes os passos, às escondidas, ou então lhes preparam ciladas,
sorrateiramente, e, em se oferecendo a ocasião oportuna, desferem-lhes o golpe
mortal, friamente premeditado.
Outros não chegam a tanto, mas, cheios de rancor, envolvem as pessoas de
quem se fizeram inimigos nas teias da calúnia ou da intriga, de sorte que, depois de
algum tempo, sem que elas atinem com o porquê de tais mudanças, onde antes eram
acolhidas com agrado, agora são evitadas; parentes e amigos que se honravam com
sua amizade, agora se lhes mostram indiferentes, quando não francamente hostis.
Há, por último, verdadeiros monstros, que, em face de uma desavença, não
podendo desforrar-se diretamente dos adversários, descarregam suas armas
contra os familiares deles, embora os saibam inocentes e sem a menor parcela de
culpa nos acontecimentos que lhes excitaram o desejo de vindita.
Talvez nos digam: as vítimas de agravos ou violências têm o direito de
vingar-se, pois não seria justo ficarem impunes os que agem contra o próximo.
Pela lei de Moisés, que prescrevia: “Olho por olho, dente por dente”, era essa,
exatamente, a ética em vigor. Trinta séculos de civilização, entretanto,
separam-nos daqueles caliginosos tempos de barbaria e de ignorância espiritual.
Hoje, quem quer que pretenda ser cristão, não pode invocar esse “direito”,
porquanto, pela Doutrina de Jesus, um único sentimento deve presidir às
relações.dos homens entre si: o Amor, inclusive aos que nos ferem ou prejudicam.
Ora, quem ama “não se agasta nem se azeda com coisa alguma”; antes “tudo
suporta e tudo sofre”, porque “é paciente, brando e benfazejo” (I Cor., 13:4-7).
O que nos cumpre fazer, qualquer que seja a ofensa recebida, é perdoar,
perdoar sempre, reconhecendo, em nossos ofensores, não inimigos aos quais
devamos fulminar com nosso ódio, mas infelizes criaturas necessitadas de que as
amparemos com nossas orações.
Quanto aos que erram, a Providência Divina, muito melhor do que nós, saberá
quando e como corrigi-los, de modo a que, de futuro, não mais tornem a fazer aos
outros o que não desejariam que lhes fizessem.
E porque assim é, realmente, Paulo, o extraordinário apóstolo dos gentios, em
sua Epistola aos Romanos, recomenda:
“Não vos vingueis a vós mesmos, ó caríssimos, pois está escrito: a mim pertence
a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor. Antes, pelo contrário, se o teu inimigo
tiver fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber, porque, se isto fizeres,
amontoarás brasas sobre a cabeça dele. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence
o mal com o bem.” (12:19-21.)