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O USO DO FORMATO PODCAST NO CAMPO DA HISTÓRIA: A
EXPERIÊNCIA DO PROJETO LYUBA DUPRAT – OBJETOS E AFETOS
Olivia Silva Nery
Doutora em História (PUCRS)
Felipe Nóbrega Ferreira
Doutorando em Educação Ambiental (FURG)
É cada vez mais comum perceber que, na rua, pessoas usam seus celulares
acompanhados de um fone de ouvido. Elas podem estar ouvindo músicas, trocando
áudios, ou, como se tornou crescente no Brasil, ouvindo um podcast1. Esse é um
formato específico de uso de plataformas de streaming, no qual os sujeitos podem ouvir
desde um programa de entrevista, debates ou um storytelling.
E o presente trabalho apresenta, então, um relato de experiência do uso do
formato podcast-storytelling junto ao projeto Lyuba Duprat – Objetos & Afetos,
desenvolvido entre dezembro de 2019 e Outubro de 2020 pela historiadora Olivia Silva
Nery em parceria como Grupo de Pesquisa Ribombo, da Universidade Federal do Rio
Grande (FURG). O intuito é apresentar, a partir do ponto de vista da História Pública, o
processo de pré-produção, desenvolvimento e pós-produção do conjunto de cinco
episódios2 que adaptaram a dissertação “A invisibilidade na materialidade: as pontes de
memória nos objetos de Lyuba Duprat”, defendida por Nery em 2015 no Programa de
Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultura da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel).
Ao longo dessas três etapas, problematizadas à luz de uma abordagem
qualitativa dos processos estabelecidos, o que surge é um circuito de referências que
ajudam a compor a esse tipo de projeto com o uso do podcast/storytelling, ao mesmo
tempo em que servem como eixos de novas interpretações críticas do próprio formato.
Frisando que esse é o primeiro projeto desenvolvido nesse sentido pelo referido grupo
de pesquisa, assim como pela pesquisadora em questão, as contribuições críticas em
1 Visto que a intenção desse texto não é traçar um histórico, mas sim o seu uso, não nos debruçaremos
sobre esses elementos do formato, mas sim sobre a sua aplicabilidade. 2 Foi gravado também um making of que configura um sexto episódio, mas por não integrar a narrativa
adaptada optou-se por não inserir no debate do presente artigo.
busca de consolidação desse tipo de material no âmbito de uma discussão da História
Pública se tornam fundamentais e necessárias para qualificar não só esse, mas também
os próximos trabalhos.
Pré-Produção: o encontro, o tema e o formato
No mês de agosto de 2019 a Olivia Nery participou do programa “Podcast
Ribombo”, uma iniciativa do referido grupo de pesquisa de divulgação científica.
Convidada para falar sobre o tema “História e Patrimônio”, ela trouxe como uma de
suas referências para o episódio a sua dissertação de mestrado que abordou discussões
como memória e patrimônio a partir dos objetos que acompanharam a trajetória de vida
da professora de francês Lyuba Duprat, da cidade do Rio Grande.
Foi esse o primeiro encontro do que, em seguida, viria a se tornar o projeto
“Lyuba Duprat – Objetos & afetos”. Naquele momento percebemos não só a riqueza do
material bibliográfico, mas, sobretudo, a riqueza dessa personagem histórica e o quanto
isso poderia, e na nossa concepção deveria, ganhar projeção em outros formatos que não
só o de uma dissertação de mestrado. E aqui é preciso retomar um elemento importante
para que essa ideia pudesse ter algum tipo de seguimento, o engajamento da própria
pesquisadora em prol de uma abertura do conhecimento acadêmico para suportes mais
populares, ou pelo menos acessíveis a um número maior de interlocutores na sociedade.
Essa é uma postura fundamental para a existência de um projeto como esse, já
que ela retoma uma premissa básica do clássico A apologia da História, de March
Bloch (2001). Quando a criança pergunta ao pai “Para que serve a História?”, a resposta
de Bloch se transforma tanto na motivação da existência do próprio livro, como aponta
parte do nosso ofício como historiadoras e historiadores: “Sobre o livro que se vai ler,
gostaria de poder dizer que é a minha resposta. Pois não imagino, para um escritor,
elogio mais belo do que saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos escolares”
(BLOCH, 2001, p. 41).
Mesmo com referências distintas, Eric Hobsbawn converge para a mesma
questão em Sobre História (1998). É nessa obra que ele deixa evidente o papel social
que o trabalho histórico possui, e o papel político que cabe aos pesquisadores no
sentido, justamente, do engajamento e das formas de diálogo que devem estabelecer
(HOBSBAWN, 1998, p. 20). Será o mesmo historiador britânico que, em seguida, irá
nos dizer: “Não podemos pedir ao passado respostas diretas para quaisquer perguntas
que já não lhe tenham sido feitas, embora possamos usar nossa inventividade como
historiadores para ler respostas indiretas naquilo que ele deixou para trás”
(HOBSBAWN, 1998, p. 50).
Ao colocar tal questão, o que está em jogo é não só compreender a historicidade
das próprias questões que levantamos, mas como as fazemos, quais estratégias lançamos
mão para obter outras respostas. Ao trabalhar com uma dissertação estamos diante de
um conjunto específico de operações históricas que remetem diretamente ao problema
estabelecido por uma autora, como é o caso do trabalho da historiadora Olivia Nery em
relação à Lyuba Duprat. Quando essas problematizações ganham outro formato de
diálogo, estamos diante de um universo de respostas distintas em relação a essa mesma
Lyuba Duprat, visto que entrará em cena a sensibilidade sonora, assim como a busca de
uma nova forma de registro que exigirá especificidades ao trabalho histórico
empreendido dentro de uma pesquisa, como é o caso dessa dissertação que passa ao
formato podcast/storytelling.
E como contar a história de Lyuba Duprat? Como transportar do texto ao áudio a
história dessa mulher que viveu entre 1990 e 1994 na cidade do Rio Grande, Rio
Grande do Sul. Lyuba Duprat foi professora particular de francês durante mais de
setenta anos, e era uma personagem conhecida na cidade onde nasceu e morreu. Sua
presença era um evento, marcada sobretudo pelo contraste dos tempos, das roupas, das
vivências. Enquanto personagem histórica conhecida na cidade, muitas histórias – e
lendas – citam e envolvem seu nome. Ora reconhecida como uma francesa legítima, que
habitava a cidade, ora reconhecida como riograndina de família francesa.
De todo modo, esse projeto também tem por objetivo fazer pública parte da
história dessa personagem, que embora seja conhecida, principalmente pelas roupas que
usava e pela maneira de andar e falar, tem sua história pouco retratada. Nesse caso,
parte da motivação em transformar a história dessa personagem em storytelling está
envolvida pelas preocupações da História Pública, sobretudo no que tange a divulgação
do conhecimento histórico científico e da utilização de outras linguagens e tecnologias
para tal.
A História Pública a partir de 2010, “deixou de ser uma prática marginal, se não
virtualmente desconhecida, para se transformar em uma das expressões mais atraentes e
inovadoras da historiografia contemporânea” (SANTHIAGO, 2018, p. 324). Esse
movimento, tal como pode ser entendida a História Pública (ANDRADE; ALMEIDA,
2018), convida o historiador – mas não só – a refletir sobre toda atuação e processo
científico. Para Rovai (2018):
A História Pública é um posicionamento intelectual e político de observação
da realidade. Mais do que isso, uma opção pela organização, pela mediação e
pela divulgação de conhecimentos que, muitas vezes, estão fora do território
da academia e que também ultrapassam o currículo escolar [...] a História
Pública é compromisso com a construção, o acesso e os efeitos políticos de
múltiplo saberes, que devem circular da forma mais democrática possível
(ROVAI, 2018, p. 187).
No caso específico deste projeto, é possível dizer que a preocupação esteve
pautada na divulgação ampla e democrática do conhecimento histórico. Somado a isso,
a divulgação por meio digital, também permite ao historiador mais autonomia, como
aponta Rodrigues (2019), além de desafios que podem, ou não, se tornarem novas
demandas que passamos a equacionar ao longo do processo.
Como já apontado anteriormente, a escolha do formato storytelling compreende
uma perspectiva lançada por Santos & Peixinho (2019) ao pensarem sobre o que
chamam de “viragem narrativa”:
Falamos de um interesse que, por um lado, pode ser visto como antagónico
em relação ao consumo rápido e superficial deste tempo, mas que, por outro,
poderá alinhar-se com a essência do sucesso das redes sociais. É um
ressurgimento que não teve lugar na rádio, mas sim nos podcasts e que pode
ser entendido como parte de um amplo movimento de redescoberta da
narrativa, que ocorre sobretudo desde o início do milénio (SANTOS &
PEIXINHO, 2019, p. 148).
Ao contrapor a aceleração do tempo histórico nas últimas décadas a partir de um
consumo massivo de informação que afetou, principalmente, estruturas radiofônicas,
com o formato de storytelling que os podcasts passaram a conceber, os autores
acreditam em um ressurgimento da narrativa, de uma história a ser contada. Em outro
momento dizem:
As narrativas conseguem captar a atenção do ouvinte: porque partilham
socialmente os sentidos; porque desencadeiam um processo cognitivo que
convida o receptor a imergir no universo diegético; porque envolvem
processos emocionais. Por outras palavras, numa perspectiva cognitivista, a
narrativa é um modelo de comunicação mais eficaz porque mais persuasivo,
o que decorre do seu estatuto privilegiado na cognição humana (SANTOS &
PEIXINHO, 2019, p. 150).
Essa defesa da narrativa se aproxima bastante da perspectiva defendida por
Walter Benjamin (1986) sobre o tema, a qual os autores se filiam. Na definição que
apresentam:
Umbilicalmente ligada ao conhecimento, desde logo por um vínculo
etimológico, a narrativa é o modo discursivo e o tipo textual através do qual
se organiza o mundo, se criam imagens do real, se articula e se lê a sua
complexidade, produzindo crenças sociais, ditando normas de conduta,
disseminando estereótipos e fornecendo imagens dos outros (SANTOS &
PEIXINHO, 2019, p. 150).
Como se pode perceber, a utilização do storytelling em um podcast passa a ser
vetor desta “viragem narrativa”, superando a urgência da informação, a rapidez em
apresentar temas que são tanto potencializados como se tornam efêmeros dentro da rede
social. E é nesse sentido que o projeto Lyuba Duprat – Objetos & Afetos ganha
existência, quando nos preocupamos em contar uma história, desenvolver uma trama,
forjar sensibilidades que atravessam o tempo e, por consequência, contribuir para a
promoção e consolidação de uma História que possa se popularizar, ou pelo menos
tensionar as estruturas acadêmicas e suas formas de divulgação científica.
Produção: o roteiro, as gravações e a edição
A escrita do roteiro começou em janeiro de 2020, e a base para a existência dos
cinco episódios é a dissertação “A invisibilidade na materialidade: as pontes de
memória nos objetos de Lyuba Duprat”, que possui 202 páginas, as quais estão
organizadas em três capítulos e um último item chamado “Aspectos conclusivos”.
Adaptar esse tipo de material exige escolhas, as quais passam por uma compreensão da
história a ser contada, do problema histórico que estará em curso durante o storytelling.
E esse tipo de saber ainda não está disponível em termos acadêmicos, mas sim
na experiência concreta de podcasts que usam o storytelling. E isso nos leva a uma série
de referências que foram utilizadas para construção do roteiro, sendo as principais:
Projeto Humanos3, Sertões – História de Canudos4 e You must remember this5.
3 https://open.spotify.com/show/3ImOWdGnN8mHFNaKwMSFJx 4 https://open.spotify.com/show/2xnTZ58a7A7YQZ3AlAGvCg
O primeiro é um projeto do jornalista Ivan Mizanzuk em que, a cada temporada,
desenvolve um tema, sendo o “O caso Evandro”, o mais conhecido dos seus projetos,
quando problematiza o desaparecimento do menino do título no Paraná, nos anos 90.
Foram produzidos 25 episódios os quais remontam uma trama histórica que envolve
tensões políticas locais, religiosidade, abuso de poder da polícia entre outros elementos
que o fazem fundamental nesse processo de compreensão e elaboração de um roteiro
para podcast-storytelling.
Já o projeto Sertões – História de Canudos, de 2019, foi elaborado pelo Instituto
Moreira Salles, e investiga a relação entre literatura, paisagem, contexto histórico e
biografia do autor Euclides da Cunha. São cinco episódios que se estruturam a partir da
organização do próprio livro, criando uma série de inflexões que observam uma obra
clássica da literatura brasileira a partir da sua permanência no imaginário brasileiro.
Por fim, You must Remember this é um storytelling episódico desenvolvido pela
jornalista Karina Longworth que teve início em 2014, e se dedica a recuperar
historicamente narrativas envolvendo casos policiais, tramas de crimes na indústria
cinematográfica imbricados ao contexto social dos Estados Unidos na primeira metade
do século XX. E uma série de episódios se dedica, efetivamente, a questão de gênero
nesse universo associado a padrões femininos que foram forjados nesse período.
Cada um deles, como se pode perceber, colabora para que se crie um repertório
de referências a partir da própria prática. No Projeto Humanos estamos diante da ideia
de historia-problema quando, a partir de uma pergunta, se desenvolve a trama com
testemunhas e diversas fontes que colaboram para a resolução da história. A intersecção
entre Literatura do Sertões – História de Canudos, quando um texto/fonte serve de
referência para a elaboração do roteiro, ajuda a traçar um paralelo de adaptação, visto
que trabalhamos com um texto original dissertativo. You must remember this elenca
situações investigativas que colaboram para construir cenários, assim como formas de
associar discussões sociais à trajetórias individuais.
Todos os casos possuem um formato no qual o uso de locução é acompanhado
por inserções de trilhas e depoimentos, os quais servem como elementos que
consolidam a trama a ser contada, e colaboram para a busca das respostas que cada um
5 https://open.spotify.com/show/2sYCMjQed0gHYtXzPvcj5K
se propõe. Disso deriva a importância das camadas sensíveis que compõe um
storytelling, e produzem, justamente, o “modo discursivo” apontado por Santos &
Peixinho (2019).
Assim, elaborar um roteiro para esse tipo de formato atende, igualmente,
transformar a trilha e a inserção dos depoentes em personagens que colaboram para
contar a história. Esses são elementos auxiliares para o conjunto de intenções e
problemas que se busca apresentar ao ouvinte.
Dentro de uma perspectiva técnica o roteiro foi elaborado levando em
consideração o artigo de Clothilde Goujard publicado pela Rede de Jornalistas
Internacionais, com o título de “Técnicas de narração para podcasting”6. Algumas
referências básicas (CHION, 1989; COMPARATO, 2009; FIELD, 1995) também
colaboraram para alcançar o seguinte formato:
EPISÓDIO:
TEMA:
ARGUMENTO:
Abertura/Trilha:
Texto:
Trilha de passagem:
Primeiro Bloco
Trilha de fundo:
Trilha de passagem:
Segundo Bloco
Trilha de passagem:
Encerramento:
Créditos:
Quadro 1: Organização para um roteiro – adaptado pelos autores
6 Vide https://ijnet.org/pt-br/story/t%C3%A9cnicas-de-narra%C3%A7%C3%A3o-para-podcasting
Esse é um formato básico, com a intenção de ser didático em sua distribuição de
conteúdos, assim como acessível a outras pessoas que desejam iniciar um projeto de
podcast/storytelling. O nome do episódio é acompanhado do tema, que se refere ao
assunto problema a ser tratado nessa gravação, sendo que o argumento é a construção de
algumas reflexões e respostas que devem embasar essa problematização. A abertura diz
respeito ao texto padrão que introduz o ouvinte a série de episódios – a sugestão é que
somente o título do episódio seja alterado nesse texto inicial. Nesse exemplo expomos
apenas dois blocos, cabendo inserir um último bloco com característica resolutiva da
questão proposta pelo episódio. Aos créditos cabem a citação de todos os nomes
envolvidos no áudio que acabou de ser roteirizado.
A trilha sonora é um elemento discursivo, e acompanha o andamento da história
propondo sensibilidades ao texto narrado, funcionando como textura que tanto
complementa, como por vezes pode ser propositiva ao objeto narrado. É opcional a
utilização de trilha sonora permanente de fundo, no projeto aqui apresentado, em alguns
momentos esse recurso era utilizado, em outros se optava apenas pela locução da
narradora.
As gravações dos episódios foram realizadas majoritariamente por Olivia Nery,
com pequenas gravações e participações de Nubia Hanciau que interpretou Lyuba
Duprat em alguns episódios. Esta parte talvez tenha sido a mais longa e demorada, em
todas as etapas, principalmente pela falta de experiência com este tipo de gravação e
pelo uso de aparelhos domésticos não profissionais.
As primeiras gravações iniciaram em maio de 2020 e foram finalizadas em
setembro do mesmo ano. Ao longo dos quatro meses a relação com o projeto, seu
amadurecimento e avaliação foram permeados por gravações e regravações, buscando
chegar num produto de maior qualidade e que atendesse aos objetivos iniciais da
proposta.
Em termos técnicos todos os episódios foram gravados utilizando apenas o
gravador do aparelho celular e fone de ouvido, transferidos para o Google Drive para
serem editados. Para conseguirmos maior qualidade nos áudios os episódios foram
gravados em parágrafos, essa foi uma estratégia encontrada para manter tanto a voz
quanto a respiração mais pausadas e equilibradas, bem como evitar os erros de uma
leitura corrida. Outra estratégia utilizada foi a escuta da trilha sonora de cada episódio
antes de iniciar a gravação, para compreender o clima e tom do roteiro.
As gravações respeitaram a ordem cronológica dos episódios, iniciando pelo
primeiro e terminando no quinto. Nesse caso, compartilharemos brevemente as
experiências de cada episódio:
Episódio 1 – A partida
O primeiro episódio foi, sem dúvidas, o mais difícil e desafiador para gravar.
Encontrar o tom da voz desejado e a forma como iríamos apresentar e receber os
ouvintes para esse podcast exigiu inúmeras gravações e avaliações. Além disso, as
gravações obedeceram a ordem dos episódios e, portanto, o primeiro foi também a
primeira experiência e o que teve maior número de regravações.
Falar da partida de Lyuba para França é falar do encontro com esse país e cultura
que nortearam toda sua vida docente e pessoal. Nesse caso, durante as gravações era
preciso também realizar uma imersão ao mundo francófono, buscando compreender tais
inspirações.
Episódio 2 – O retorno
No segundo episódio era preciso trazer Lyuba de volta para o Brasil, para Rio
Grande, mas também para o Rio de Janeiro, cidade onde viveu por alguns anos e
lecionou francês para os que queriam a carreira diplomata. Nesse momento de sua vida
foi reconhecida profissionalmente em âmbito nacional e internacional, como as Palmas
Acadêmicas.
Gravar esse episódio exigiu que encontrássemos o ponto entre a euforia do início
da docência e dos prêmios recebidos e a tristeza de deixar a França. Entre uma fala
nostálgica e uma fala firme da professora que precisava corrigir seus alunos, esse
episódio também teve diversas regravações.
Episódio 3 – A cadeira
Nesse episódio era preciso mostrar ao ouvinte a importância de “dois” objetos
para a vida e história da professora Lyuba: cadeira e livros. Um dos maiores desafios
deste episódio foi conseguir convidar o leitor para imaginar Lyuba sendo guiada pelos
seus pensamentos até a França. Comparado aos dois anteriores, este episódio teve
menos regravações e talvez tenha sido um dos mais fáceis de encontrar uma narrativa
mais equilibrada.
Episódio 4 – O espelho
O quarto episódio precisava demonstrar o contraste de Lyuba com o meio em
que vivia, seu caráter anacrônico tão marcante nas narrativas. A gravação exigiu
também estes contrastes, inicialmente um que acompanhasse as notícias e a parte mais
rude de uma cidade em mais um término do seu ciclo industrial, e outra que
acompanhasse Lyuba ao se preparar para sair, em um tom mais leve. As experiências
dos episódios anteriores permitiram que esse fosse um pouco mais fácil de gravar.
Episódio 5 – A presença
O último episódio desse podcast tinha por objetivo demonstrar a forte presença
de Lyuba na vida de seus ex-alunos, e na cidade, principalmente através dos seus
objetos. Por ser o episódio com maior presença de conceitos e teoria, é também o que
mais se diferencia dos demais. Além disso, gravá-lo por último também fez com que as
experiências, os diálogos e a relação com esse produto estivesse mais amadurecida.
Após a gravação, o momento da edição é o que exige maior dedicação do ponto
de vista organizacional, com pastas de referência para cada episódio, e suas divisões
subdividas em “Narração”, “Depoimentos”, “Trilha sonora”, “Créditos” – formas
específicas aqui podem colaborar para a otimização do projeto em questão.
Após as gravações feitas, é preciso uniformizar os formatos de áudio. Um
programa de conversão sugerido é o Format Factory, que passa o formato WAV. Em
seguida foi utilizado o programa gratuito Audacity, que elimina os ruídos da gravação,
no nosso caso, diferentes captações foram feitas, e esse tratamento serve para remover
esse fundo que microfones conseguem captar e podem prejudicar a qualidade do áudio.
Depois desses passos, o programa utilizado foi o Vegas, programa pago para
Windows. Com o Vegas é possível a montagem de toda a edição do podcast: aplicação
de efeitos sonoros, efeitos na voz, trilha sonora, fade-in e fade-outs, sobreposição de
trilhas e regulagem de volume. O programa funciona como através de camadas de áudio
onde é possível sobrepor dois ou mais áudios, fazendo com que eles trabalhem juntos. A
regulagem do volume é importante. Utilizando esse programa é possível ajustar um
aumento e diminuição de volume gradual, fazendo com que as trilhas sonoras entrem e
saiam da cena de forma agradável.
Após a montagem da edição, a exportação é feita pelo próprio Vegas através da
ferramenta “render”. Selecionamos o formato .mp3, o formato mais popular, na melhor
qualidade possível. Finalizando isso, temos um podcast totalmente editado e pronto para
ser compartilhado nas plataformas digitais ou até mesmo pelas redes sociais.
O resultado desse processo de roteirização, gravação e edição culminou com o
seguinte grupo de episódios do projeto Lyuba Duprat: Objetos & Afetos:
EPISÓDIO TEMA DURAÇÃO
A partida Grafia da casa e vida estudantil na França 20min59seg
O retorno Volta ao Brasil e início da vida docente 15min48seg
A cadeira Objetos de memória que compõem o universo sensível
da casa que servia enquanto espaço de docência
particular de francês em Rio Grande
16min09seg
O espelho Aprofundamento ao universo íntimo de Lyuba Duprat
quando precisa deixar o espaço da casa e circular pela
cidade
19min44seg
A permanência Processos de musealização e patrimonialização do
acervo de Lyuba Duprat, e políticas e permanências de
memória na sociedade
23min45seg
Quadro 2: Episódios do projeto Lyuba Duprat – Objetos e Afetos
Pós-produção: as avaliações, o lançamento e o que surge...
O terceiro momento que descrevemos aqui diz respeito ao processo de avaliação
empreendido após o termino do primeiro tratamento de edição integral do material. Para
tanto, foi elaborado o seguinte cartão avaliativo:
LYUBA DUPRAT – OBJETOS & AFETOS Classifique de 0 a 5 sendo: 0 “ruim” e 3 “satisfatório” e 5 “Bom”
Episódio 1: ( ) Duração: __________________________________________________________
( ) Roteiro: ___________________________________________________________
( ) Áudio: ____________________________________________________________
( ) Trilha: ____________________________________________________________
( ) Edição de som: _____________________________________________________
( ) Compreensão da história/roteiro:________________________________________
( ) Linguagem do áudio: ________________________________________________
( ) Inserção de convidados/depoentes: ______________________________________
( ) Conteúdo acadêmico: _________________________________________________
( ) Conteúdo popular: ___________________________________________________
Se você precisasse retirar algum trecho, qual seria?
Se você precisasse destacar um momento sensível importante/significativo, qual seria?
Quadro 3: Ficha de avaliação dos episódios – Elaboração dos autores
Tais fichas foram distribuídas para seis pessoas essa ficha, três mulheres e três
homens, com faixa etária de 25 a 50 anos – o público-alvo básico de podcasts. De
diferentes setores da sociedade, o retorno desse material apresentou um indicativo das
mudanças a serem feitas, considerando que, ao longo do processo de produção, a
proximidade com o material acaba por evidenciar falhas as quais não conseguimos mais
perceber, e somente ouvintes alheios, e que não estiveram imersos no projeto, podem
apontar. Igualmente, a crítica externa contribui para o amadurecimento do projeto como
um todo, pois acaba por trazer outros pontos de vista, reflexões e proposições para
qualificação do projeto.
Previsto para outubro, de forma presencial, em um lançamento conjunto a uma
série de palestras e oficinas na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que
abordariam o tema da Memória, Patrimônio e História Pública, foi preciso modificar a
proposta para o uso multiplataforma online, que nesse momento encontra-se em
construção, demarcando mais uma das transformações que atravessam o nosso tempo
em meio à pandemia. E fazemos questão de apontar esse momento, ainda em suspenso
quanto ao lançamento, pois é preciso deixar historicizado as consequências da pandeia
de Covid-19 também no desenvolvimento de projetos científicos, os quais precisaram
modificações, adaptações e também medidas de segurança.
Independente do processo de adaptação quanto ao lançamento, o registro sonoro
que acompanha a trajetória de Lyuba Duprat passa a existir, somando-se à dissertação já
existente, e às memórias e afetos que ainda fazem com que a professora de francês
continue existindo na cidade do Rio Grande. Por sua vez, o uso de uma narrativa no
formato podcast-storytelling proporciona não só um suporte de memória, mas também
mais uma forma de consumir Ciência através de um produto com compromissos ético e
alicerçado em pressupostos teórico-metodológicos verificáveis.
Considerações Finais
A popularização da Ciência se dá por meio da criação de materiais que possam
transportar uma linguagem científica própria, para outra de maior alcance. Isso exige a
busca constante de meios que possam dialogar com a sociedade de forma direta,
horizontal, acessível.
No caso do formato podcast existe a gratuidade do acesso à plataformas, o que
facilita a circulação dessa história e a torna pública no sentido que aqui podemos dizer
adotamos, o que diz respeito ao retorno social do que é produzido na academia, assim
como o retorno do nosso próprio saber-fazer em sociedade em todas suas
potencialidades para o uso público. Esse compromisso, acima de tudo, respeita qualquer
fato, biografia, acontecimento que possa ser retratado pela ciência histórica.
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