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O USO DO FORMATO PODCAST NO CAMPO DA HISTÓRIA: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO LYUBA DUPRAT OBJETOS E AFETOS Olivia Silva Nery Doutora em História (PUCRS) [email protected] Felipe Nóbrega Ferreira Doutorando em Educação Ambiental (FURG) [email protected] É cada vez mais comum perceber que, na rua, pessoas usam seus celulares acompanhados de um fone de ouvido. Elas podem estar ouvindo músicas, trocando áudios, ou, como se tornou crescente no Brasil, ouvindo um podcast 1 . Esse é um formato específico de uso de plataformas de streaming, no qual os sujeitos podem ouvir desde um programa de entrevista, debates ou um storytelling. E o presente trabalho apresenta, então, um relato de experiência do uso do formato podcast-storytelling junto ao projeto Lyuba Duprat Objetos & Afetos, desenvolvido entre dezembro de 2019 e Outubro de 2020 pela historiadora Olivia Silva Nery em parceria como Grupo de Pesquisa Ribombo, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). O intuito é apresentar, a partir do ponto de vista da História Pública, o processo de pré-produção, desenvolvimento e pós-produção do conjunto de cinco episódios 2 que adaptaram a dissertação “A invisibilidade na materialidade: as pontes de memória nos objetos de Lyuba Duprat”, defendida por Nery em 2015 no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ao longo dessas três etapas, problematizadas à luz de uma abordagem qualitativa dos processos estabelecidos, o que surge é um circuito de referências que ajudam a compor a esse tipo de projeto com o uso do podcast/storytelling, ao mesmo tempo em que servem como eixos de novas interpretações críticas do próprio formato. Frisando que esse é o primeiro projeto desenvolvido nesse sentido pelo referido grupo de pesquisa, assim como pela pesquisadora em questão, as contribuições críticas em 1 Visto que a intenção desse texto não é traçar um histórico, mas sim o seu uso, não nos debruçaremos sobre esses elementos do formato, mas sim sobre a sua aplicabilidade. 2 Foi gravado também um making of que configura um sexto episódio, mas por não integrar a narrativa adaptada optou-se por não inserir no debate do presente artigo.

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O USO DO FORMATO PODCAST NO CAMPO DA HISTÓRIA: A

EXPERIÊNCIA DO PROJETO LYUBA DUPRAT – OBJETOS E AFETOS

Olivia Silva Nery

Doutora em História (PUCRS)

[email protected]

Felipe Nóbrega Ferreira

Doutorando em Educação Ambiental (FURG)

[email protected]

É cada vez mais comum perceber que, na rua, pessoas usam seus celulares

acompanhados de um fone de ouvido. Elas podem estar ouvindo músicas, trocando

áudios, ou, como se tornou crescente no Brasil, ouvindo um podcast1. Esse é um

formato específico de uso de plataformas de streaming, no qual os sujeitos podem ouvir

desde um programa de entrevista, debates ou um storytelling.

E o presente trabalho apresenta, então, um relato de experiência do uso do

formato podcast-storytelling junto ao projeto Lyuba Duprat – Objetos & Afetos,

desenvolvido entre dezembro de 2019 e Outubro de 2020 pela historiadora Olivia Silva

Nery em parceria como Grupo de Pesquisa Ribombo, da Universidade Federal do Rio

Grande (FURG). O intuito é apresentar, a partir do ponto de vista da História Pública, o

processo de pré-produção, desenvolvimento e pós-produção do conjunto de cinco

episódios2 que adaptaram a dissertação “A invisibilidade na materialidade: as pontes de

memória nos objetos de Lyuba Duprat”, defendida por Nery em 2015 no Programa de

Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultura da Universidade Federal de

Pelotas (UFPel).

Ao longo dessas três etapas, problematizadas à luz de uma abordagem

qualitativa dos processos estabelecidos, o que surge é um circuito de referências que

ajudam a compor a esse tipo de projeto com o uso do podcast/storytelling, ao mesmo

tempo em que servem como eixos de novas interpretações críticas do próprio formato.

Frisando que esse é o primeiro projeto desenvolvido nesse sentido pelo referido grupo

de pesquisa, assim como pela pesquisadora em questão, as contribuições críticas em

1 Visto que a intenção desse texto não é traçar um histórico, mas sim o seu uso, não nos debruçaremos

sobre esses elementos do formato, mas sim sobre a sua aplicabilidade. 2 Foi gravado também um making of que configura um sexto episódio, mas por não integrar a narrativa

adaptada optou-se por não inserir no debate do presente artigo.

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busca de consolidação desse tipo de material no âmbito de uma discussão da História

Pública se tornam fundamentais e necessárias para qualificar não só esse, mas também

os próximos trabalhos.

Pré-Produção: o encontro, o tema e o formato

No mês de agosto de 2019 a Olivia Nery participou do programa “Podcast

Ribombo”, uma iniciativa do referido grupo de pesquisa de divulgação científica.

Convidada para falar sobre o tema “História e Patrimônio”, ela trouxe como uma de

suas referências para o episódio a sua dissertação de mestrado que abordou discussões

como memória e patrimônio a partir dos objetos que acompanharam a trajetória de vida

da professora de francês Lyuba Duprat, da cidade do Rio Grande.

Foi esse o primeiro encontro do que, em seguida, viria a se tornar o projeto

“Lyuba Duprat – Objetos & afetos”. Naquele momento percebemos não só a riqueza do

material bibliográfico, mas, sobretudo, a riqueza dessa personagem histórica e o quanto

isso poderia, e na nossa concepção deveria, ganhar projeção em outros formatos que não

só o de uma dissertação de mestrado. E aqui é preciso retomar um elemento importante

para que essa ideia pudesse ter algum tipo de seguimento, o engajamento da própria

pesquisadora em prol de uma abertura do conhecimento acadêmico para suportes mais

populares, ou pelo menos acessíveis a um número maior de interlocutores na sociedade.

Essa é uma postura fundamental para a existência de um projeto como esse, já

que ela retoma uma premissa básica do clássico A apologia da História, de March

Bloch (2001). Quando a criança pergunta ao pai “Para que serve a História?”, a resposta

de Bloch se transforma tanto na motivação da existência do próprio livro, como aponta

parte do nosso ofício como historiadoras e historiadores: “Sobre o livro que se vai ler,

gostaria de poder dizer que é a minha resposta. Pois não imagino, para um escritor,

elogio mais belo do que saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos escolares”

(BLOCH, 2001, p. 41).

Mesmo com referências distintas, Eric Hobsbawn converge para a mesma

questão em Sobre História (1998). É nessa obra que ele deixa evidente o papel social

que o trabalho histórico possui, e o papel político que cabe aos pesquisadores no

sentido, justamente, do engajamento e das formas de diálogo que devem estabelecer

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(HOBSBAWN, 1998, p. 20). Será o mesmo historiador britânico que, em seguida, irá

nos dizer: “Não podemos pedir ao passado respostas diretas para quaisquer perguntas

que já não lhe tenham sido feitas, embora possamos usar nossa inventividade como

historiadores para ler respostas indiretas naquilo que ele deixou para trás”

(HOBSBAWN, 1998, p. 50).

Ao colocar tal questão, o que está em jogo é não só compreender a historicidade

das próprias questões que levantamos, mas como as fazemos, quais estratégias lançamos

mão para obter outras respostas. Ao trabalhar com uma dissertação estamos diante de

um conjunto específico de operações históricas que remetem diretamente ao problema

estabelecido por uma autora, como é o caso do trabalho da historiadora Olivia Nery em

relação à Lyuba Duprat. Quando essas problematizações ganham outro formato de

diálogo, estamos diante de um universo de respostas distintas em relação a essa mesma

Lyuba Duprat, visto que entrará em cena a sensibilidade sonora, assim como a busca de

uma nova forma de registro que exigirá especificidades ao trabalho histórico

empreendido dentro de uma pesquisa, como é o caso dessa dissertação que passa ao

formato podcast/storytelling.

E como contar a história de Lyuba Duprat? Como transportar do texto ao áudio a

história dessa mulher que viveu entre 1990 e 1994 na cidade do Rio Grande, Rio

Grande do Sul. Lyuba Duprat foi professora particular de francês durante mais de

setenta anos, e era uma personagem conhecida na cidade onde nasceu e morreu. Sua

presença era um evento, marcada sobretudo pelo contraste dos tempos, das roupas, das

vivências. Enquanto personagem histórica conhecida na cidade, muitas histórias – e

lendas – citam e envolvem seu nome. Ora reconhecida como uma francesa legítima, que

habitava a cidade, ora reconhecida como riograndina de família francesa.

De todo modo, esse projeto também tem por objetivo fazer pública parte da

história dessa personagem, que embora seja conhecida, principalmente pelas roupas que

usava e pela maneira de andar e falar, tem sua história pouco retratada. Nesse caso,

parte da motivação em transformar a história dessa personagem em storytelling está

envolvida pelas preocupações da História Pública, sobretudo no que tange a divulgação

do conhecimento histórico científico e da utilização de outras linguagens e tecnologias

para tal.

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A História Pública a partir de 2010, “deixou de ser uma prática marginal, se não

virtualmente desconhecida, para se transformar em uma das expressões mais atraentes e

inovadoras da historiografia contemporânea” (SANTHIAGO, 2018, p. 324). Esse

movimento, tal como pode ser entendida a História Pública (ANDRADE; ALMEIDA,

2018), convida o historiador – mas não só – a refletir sobre toda atuação e processo

científico. Para Rovai (2018):

A História Pública é um posicionamento intelectual e político de observação

da realidade. Mais do que isso, uma opção pela organização, pela mediação e

pela divulgação de conhecimentos que, muitas vezes, estão fora do território

da academia e que também ultrapassam o currículo escolar [...] a História

Pública é compromisso com a construção, o acesso e os efeitos políticos de

múltiplo saberes, que devem circular da forma mais democrática possível

(ROVAI, 2018, p. 187).

No caso específico deste projeto, é possível dizer que a preocupação esteve

pautada na divulgação ampla e democrática do conhecimento histórico. Somado a isso,

a divulgação por meio digital, também permite ao historiador mais autonomia, como

aponta Rodrigues (2019), além de desafios que podem, ou não, se tornarem novas

demandas que passamos a equacionar ao longo do processo.

Como já apontado anteriormente, a escolha do formato storytelling compreende

uma perspectiva lançada por Santos & Peixinho (2019) ao pensarem sobre o que

chamam de “viragem narrativa”:

Falamos de um interesse que, por um lado, pode ser visto como antagónico

em relação ao consumo rápido e superficial deste tempo, mas que, por outro,

poderá alinhar-se com a essência do sucesso das redes sociais. É um

ressurgimento que não teve lugar na rádio, mas sim nos podcasts e que pode

ser entendido como parte de um amplo movimento de redescoberta da

narrativa, que ocorre sobretudo desde o início do milénio (SANTOS &

PEIXINHO, 2019, p. 148).

Ao contrapor a aceleração do tempo histórico nas últimas décadas a partir de um

consumo massivo de informação que afetou, principalmente, estruturas radiofônicas,

com o formato de storytelling que os podcasts passaram a conceber, os autores

acreditam em um ressurgimento da narrativa, de uma história a ser contada. Em outro

momento dizem:

As narrativas conseguem captar a atenção do ouvinte: porque partilham

socialmente os sentidos; porque desencadeiam um processo cognitivo que

convida o receptor a imergir no universo diegético; porque envolvem

processos emocionais. Por outras palavras, numa perspectiva cognitivista, a

narrativa é um modelo de comunicação mais eficaz porque mais persuasivo,

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o que decorre do seu estatuto privilegiado na cognição humana (SANTOS &

PEIXINHO, 2019, p. 150).

Essa defesa da narrativa se aproxima bastante da perspectiva defendida por

Walter Benjamin (1986) sobre o tema, a qual os autores se filiam. Na definição que

apresentam:

Umbilicalmente ligada ao conhecimento, desde logo por um vínculo

etimológico, a narrativa é o modo discursivo e o tipo textual através do qual

se organiza o mundo, se criam imagens do real, se articula e se lê a sua

complexidade, produzindo crenças sociais, ditando normas de conduta,

disseminando estereótipos e fornecendo imagens dos outros (SANTOS &

PEIXINHO, 2019, p. 150).

Como se pode perceber, a utilização do storytelling em um podcast passa a ser

vetor desta “viragem narrativa”, superando a urgência da informação, a rapidez em

apresentar temas que são tanto potencializados como se tornam efêmeros dentro da rede

social. E é nesse sentido que o projeto Lyuba Duprat – Objetos & Afetos ganha

existência, quando nos preocupamos em contar uma história, desenvolver uma trama,

forjar sensibilidades que atravessam o tempo e, por consequência, contribuir para a

promoção e consolidação de uma História que possa se popularizar, ou pelo menos

tensionar as estruturas acadêmicas e suas formas de divulgação científica.

Produção: o roteiro, as gravações e a edição

A escrita do roteiro começou em janeiro de 2020, e a base para a existência dos

cinco episódios é a dissertação “A invisibilidade na materialidade: as pontes de

memória nos objetos de Lyuba Duprat”, que possui 202 páginas, as quais estão

organizadas em três capítulos e um último item chamado “Aspectos conclusivos”.

Adaptar esse tipo de material exige escolhas, as quais passam por uma compreensão da

história a ser contada, do problema histórico que estará em curso durante o storytelling.

E esse tipo de saber ainda não está disponível em termos acadêmicos, mas sim

na experiência concreta de podcasts que usam o storytelling. E isso nos leva a uma série

de referências que foram utilizadas para construção do roteiro, sendo as principais:

Projeto Humanos3, Sertões – História de Canudos4 e You must remember this5.

3 https://open.spotify.com/show/3ImOWdGnN8mHFNaKwMSFJx 4 https://open.spotify.com/show/2xnTZ58a7A7YQZ3AlAGvCg

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O primeiro é um projeto do jornalista Ivan Mizanzuk em que, a cada temporada,

desenvolve um tema, sendo o “O caso Evandro”, o mais conhecido dos seus projetos,

quando problematiza o desaparecimento do menino do título no Paraná, nos anos 90.

Foram produzidos 25 episódios os quais remontam uma trama histórica que envolve

tensões políticas locais, religiosidade, abuso de poder da polícia entre outros elementos

que o fazem fundamental nesse processo de compreensão e elaboração de um roteiro

para podcast-storytelling.

Já o projeto Sertões – História de Canudos, de 2019, foi elaborado pelo Instituto

Moreira Salles, e investiga a relação entre literatura, paisagem, contexto histórico e

biografia do autor Euclides da Cunha. São cinco episódios que se estruturam a partir da

organização do próprio livro, criando uma série de inflexões que observam uma obra

clássica da literatura brasileira a partir da sua permanência no imaginário brasileiro.

Por fim, You must Remember this é um storytelling episódico desenvolvido pela

jornalista Karina Longworth que teve início em 2014, e se dedica a recuperar

historicamente narrativas envolvendo casos policiais, tramas de crimes na indústria

cinematográfica imbricados ao contexto social dos Estados Unidos na primeira metade

do século XX. E uma série de episódios se dedica, efetivamente, a questão de gênero

nesse universo associado a padrões femininos que foram forjados nesse período.

Cada um deles, como se pode perceber, colabora para que se crie um repertório

de referências a partir da própria prática. No Projeto Humanos estamos diante da ideia

de historia-problema quando, a partir de uma pergunta, se desenvolve a trama com

testemunhas e diversas fontes que colaboram para a resolução da história. A intersecção

entre Literatura do Sertões – História de Canudos, quando um texto/fonte serve de

referência para a elaboração do roteiro, ajuda a traçar um paralelo de adaptação, visto

que trabalhamos com um texto original dissertativo. You must remember this elenca

situações investigativas que colaboram para construir cenários, assim como formas de

associar discussões sociais à trajetórias individuais.

Todos os casos possuem um formato no qual o uso de locução é acompanhado

por inserções de trilhas e depoimentos, os quais servem como elementos que

consolidam a trama a ser contada, e colaboram para a busca das respostas que cada um

5 https://open.spotify.com/show/2sYCMjQed0gHYtXzPvcj5K

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se propõe. Disso deriva a importância das camadas sensíveis que compõe um

storytelling, e produzem, justamente, o “modo discursivo” apontado por Santos &

Peixinho (2019).

Assim, elaborar um roteiro para esse tipo de formato atende, igualmente,

transformar a trilha e a inserção dos depoentes em personagens que colaboram para

contar a história. Esses são elementos auxiliares para o conjunto de intenções e

problemas que se busca apresentar ao ouvinte.

Dentro de uma perspectiva técnica o roteiro foi elaborado levando em

consideração o artigo de Clothilde Goujard publicado pela Rede de Jornalistas

Internacionais, com o título de “Técnicas de narração para podcasting”6. Algumas

referências básicas (CHION, 1989; COMPARATO, 2009; FIELD, 1995) também

colaboraram para alcançar o seguinte formato:

EPISÓDIO:

TEMA:

ARGUMENTO:

Abertura/Trilha:

Texto:

Trilha de passagem:

Primeiro Bloco

Trilha de fundo:

Trilha de passagem:

Segundo Bloco

Trilha de passagem:

Encerramento:

Créditos:

Quadro 1: Organização para um roteiro – adaptado pelos autores

6 Vide https://ijnet.org/pt-br/story/t%C3%A9cnicas-de-narra%C3%A7%C3%A3o-para-podcasting

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Esse é um formato básico, com a intenção de ser didático em sua distribuição de

conteúdos, assim como acessível a outras pessoas que desejam iniciar um projeto de

podcast/storytelling. O nome do episódio é acompanhado do tema, que se refere ao

assunto problema a ser tratado nessa gravação, sendo que o argumento é a construção de

algumas reflexões e respostas que devem embasar essa problematização. A abertura diz

respeito ao texto padrão que introduz o ouvinte a série de episódios – a sugestão é que

somente o título do episódio seja alterado nesse texto inicial. Nesse exemplo expomos

apenas dois blocos, cabendo inserir um último bloco com característica resolutiva da

questão proposta pelo episódio. Aos créditos cabem a citação de todos os nomes

envolvidos no áudio que acabou de ser roteirizado.

A trilha sonora é um elemento discursivo, e acompanha o andamento da história

propondo sensibilidades ao texto narrado, funcionando como textura que tanto

complementa, como por vezes pode ser propositiva ao objeto narrado. É opcional a

utilização de trilha sonora permanente de fundo, no projeto aqui apresentado, em alguns

momentos esse recurso era utilizado, em outros se optava apenas pela locução da

narradora.

As gravações dos episódios foram realizadas majoritariamente por Olivia Nery,

com pequenas gravações e participações de Nubia Hanciau que interpretou Lyuba

Duprat em alguns episódios. Esta parte talvez tenha sido a mais longa e demorada, em

todas as etapas, principalmente pela falta de experiência com este tipo de gravação e

pelo uso de aparelhos domésticos não profissionais.

As primeiras gravações iniciaram em maio de 2020 e foram finalizadas em

setembro do mesmo ano. Ao longo dos quatro meses a relação com o projeto, seu

amadurecimento e avaliação foram permeados por gravações e regravações, buscando

chegar num produto de maior qualidade e que atendesse aos objetivos iniciais da

proposta.

Em termos técnicos todos os episódios foram gravados utilizando apenas o

gravador do aparelho celular e fone de ouvido, transferidos para o Google Drive para

serem editados. Para conseguirmos maior qualidade nos áudios os episódios foram

gravados em parágrafos, essa foi uma estratégia encontrada para manter tanto a voz

quanto a respiração mais pausadas e equilibradas, bem como evitar os erros de uma

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leitura corrida. Outra estratégia utilizada foi a escuta da trilha sonora de cada episódio

antes de iniciar a gravação, para compreender o clima e tom do roteiro.

As gravações respeitaram a ordem cronológica dos episódios, iniciando pelo

primeiro e terminando no quinto. Nesse caso, compartilharemos brevemente as

experiências de cada episódio:

Episódio 1 – A partida

O primeiro episódio foi, sem dúvidas, o mais difícil e desafiador para gravar.

Encontrar o tom da voz desejado e a forma como iríamos apresentar e receber os

ouvintes para esse podcast exigiu inúmeras gravações e avaliações. Além disso, as

gravações obedeceram a ordem dos episódios e, portanto, o primeiro foi também a

primeira experiência e o que teve maior número de regravações.

Falar da partida de Lyuba para França é falar do encontro com esse país e cultura

que nortearam toda sua vida docente e pessoal. Nesse caso, durante as gravações era

preciso também realizar uma imersão ao mundo francófono, buscando compreender tais

inspirações.

Episódio 2 – O retorno

No segundo episódio era preciso trazer Lyuba de volta para o Brasil, para Rio

Grande, mas também para o Rio de Janeiro, cidade onde viveu por alguns anos e

lecionou francês para os que queriam a carreira diplomata. Nesse momento de sua vida

foi reconhecida profissionalmente em âmbito nacional e internacional, como as Palmas

Acadêmicas.

Gravar esse episódio exigiu que encontrássemos o ponto entre a euforia do início

da docência e dos prêmios recebidos e a tristeza de deixar a França. Entre uma fala

nostálgica e uma fala firme da professora que precisava corrigir seus alunos, esse

episódio também teve diversas regravações.

Episódio 3 – A cadeira

Nesse episódio era preciso mostrar ao ouvinte a importância de “dois” objetos

para a vida e história da professora Lyuba: cadeira e livros. Um dos maiores desafios

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deste episódio foi conseguir convidar o leitor para imaginar Lyuba sendo guiada pelos

seus pensamentos até a França. Comparado aos dois anteriores, este episódio teve

menos regravações e talvez tenha sido um dos mais fáceis de encontrar uma narrativa

mais equilibrada.

Episódio 4 – O espelho

O quarto episódio precisava demonstrar o contraste de Lyuba com o meio em

que vivia, seu caráter anacrônico tão marcante nas narrativas. A gravação exigiu

também estes contrastes, inicialmente um que acompanhasse as notícias e a parte mais

rude de uma cidade em mais um término do seu ciclo industrial, e outra que

acompanhasse Lyuba ao se preparar para sair, em um tom mais leve. As experiências

dos episódios anteriores permitiram que esse fosse um pouco mais fácil de gravar.

Episódio 5 – A presença

O último episódio desse podcast tinha por objetivo demonstrar a forte presença

de Lyuba na vida de seus ex-alunos, e na cidade, principalmente através dos seus

objetos. Por ser o episódio com maior presença de conceitos e teoria, é também o que

mais se diferencia dos demais. Além disso, gravá-lo por último também fez com que as

experiências, os diálogos e a relação com esse produto estivesse mais amadurecida.

Após a gravação, o momento da edição é o que exige maior dedicação do ponto

de vista organizacional, com pastas de referência para cada episódio, e suas divisões

subdividas em “Narração”, “Depoimentos”, “Trilha sonora”, “Créditos” – formas

específicas aqui podem colaborar para a otimização do projeto em questão.

Após as gravações feitas, é preciso uniformizar os formatos de áudio. Um

programa de conversão sugerido é o Format Factory, que passa o formato WAV. Em

seguida foi utilizado o programa gratuito Audacity, que elimina os ruídos da gravação,

no nosso caso, diferentes captações foram feitas, e esse tratamento serve para remover

esse fundo que microfones conseguem captar e podem prejudicar a qualidade do áudio.

Depois desses passos, o programa utilizado foi o Vegas, programa pago para

Windows. Com o Vegas é possível a montagem de toda a edição do podcast: aplicação

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de efeitos sonoros, efeitos na voz, trilha sonora, fade-in e fade-outs, sobreposição de

trilhas e regulagem de volume. O programa funciona como através de camadas de áudio

onde é possível sobrepor dois ou mais áudios, fazendo com que eles trabalhem juntos. A

regulagem do volume é importante. Utilizando esse programa é possível ajustar um

aumento e diminuição de volume gradual, fazendo com que as trilhas sonoras entrem e

saiam da cena de forma agradável.

Após a montagem da edição, a exportação é feita pelo próprio Vegas através da

ferramenta “render”. Selecionamos o formato .mp3, o formato mais popular, na melhor

qualidade possível. Finalizando isso, temos um podcast totalmente editado e pronto para

ser compartilhado nas plataformas digitais ou até mesmo pelas redes sociais.

O resultado desse processo de roteirização, gravação e edição culminou com o

seguinte grupo de episódios do projeto Lyuba Duprat: Objetos & Afetos:

EPISÓDIO TEMA DURAÇÃO

A partida Grafia da casa e vida estudantil na França 20min59seg

O retorno Volta ao Brasil e início da vida docente 15min48seg

A cadeira Objetos de memória que compõem o universo sensível

da casa que servia enquanto espaço de docência

particular de francês em Rio Grande

16min09seg

O espelho Aprofundamento ao universo íntimo de Lyuba Duprat

quando precisa deixar o espaço da casa e circular pela

cidade

19min44seg

A permanência Processos de musealização e patrimonialização do

acervo de Lyuba Duprat, e políticas e permanências de

memória na sociedade

23min45seg

Quadro 2: Episódios do projeto Lyuba Duprat – Objetos e Afetos

Pós-produção: as avaliações, o lançamento e o que surge...

O terceiro momento que descrevemos aqui diz respeito ao processo de avaliação

empreendido após o termino do primeiro tratamento de edição integral do material. Para

tanto, foi elaborado o seguinte cartão avaliativo:

LYUBA DUPRAT – OBJETOS & AFETOS Classifique de 0 a 5 sendo: 0 “ruim” e 3 “satisfatório” e 5 “Bom”

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Episódio 1: ( ) Duração: __________________________________________________________

( ) Roteiro: ___________________________________________________________

( ) Áudio: ____________________________________________________________

( ) Trilha: ____________________________________________________________

( ) Edição de som: _____________________________________________________

( ) Compreensão da história/roteiro:________________________________________

( ) Linguagem do áudio: ________________________________________________

( ) Inserção de convidados/depoentes: ______________________________________

( ) Conteúdo acadêmico: _________________________________________________

( ) Conteúdo popular: ___________________________________________________

Se você precisasse retirar algum trecho, qual seria?

Se você precisasse destacar um momento sensível importante/significativo, qual seria?

Quadro 3: Ficha de avaliação dos episódios – Elaboração dos autores

Tais fichas foram distribuídas para seis pessoas essa ficha, três mulheres e três

homens, com faixa etária de 25 a 50 anos – o público-alvo básico de podcasts. De

diferentes setores da sociedade, o retorno desse material apresentou um indicativo das

mudanças a serem feitas, considerando que, ao longo do processo de produção, a

proximidade com o material acaba por evidenciar falhas as quais não conseguimos mais

perceber, e somente ouvintes alheios, e que não estiveram imersos no projeto, podem

apontar. Igualmente, a crítica externa contribui para o amadurecimento do projeto como

um todo, pois acaba por trazer outros pontos de vista, reflexões e proposições para

qualificação do projeto.

Previsto para outubro, de forma presencial, em um lançamento conjunto a uma

série de palestras e oficinas na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), que

abordariam o tema da Memória, Patrimônio e História Pública, foi preciso modificar a

proposta para o uso multiplataforma online, que nesse momento encontra-se em

construção, demarcando mais uma das transformações que atravessam o nosso tempo

em meio à pandemia. E fazemos questão de apontar esse momento, ainda em suspenso

quanto ao lançamento, pois é preciso deixar historicizado as consequências da pandeia

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de Covid-19 também no desenvolvimento de projetos científicos, os quais precisaram

modificações, adaptações e também medidas de segurança.

Independente do processo de adaptação quanto ao lançamento, o registro sonoro

que acompanha a trajetória de Lyuba Duprat passa a existir, somando-se à dissertação já

existente, e às memórias e afetos que ainda fazem com que a professora de francês

continue existindo na cidade do Rio Grande. Por sua vez, o uso de uma narrativa no

formato podcast-storytelling proporciona não só um suporte de memória, mas também

mais uma forma de consumir Ciência através de um produto com compromissos ético e

alicerçado em pressupostos teórico-metodológicos verificáveis.

Considerações Finais

A popularização da Ciência se dá por meio da criação de materiais que possam

transportar uma linguagem científica própria, para outra de maior alcance. Isso exige a

busca constante de meios que possam dialogar com a sociedade de forma direta,

horizontal, acessível.

No caso do formato podcast existe a gratuidade do acesso à plataformas, o que

facilita a circulação dessa história e a torna pública no sentido que aqui podemos dizer

adotamos, o que diz respeito ao retorno social do que é produzido na academia, assim

como o retorno do nosso próprio saber-fazer em sociedade em todas suas

potencialidades para o uso público. Esse compromisso, acima de tudo, respeita qualquer

fato, biografia, acontecimento que possa ser retratado pela ciência histórica.

Bibliografia

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História Pública: a construção de um acervo com narrativas de professores. In:

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