o teatro de vicente pereira

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    Isto é Besteirol:O Teatro de Vicente Pereira

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    Vicente Pereira

    Isto é Besteirol:O Teatro de Vicente Pereira

    Luís Francisco Wasilewski

    São Paulo, 2010

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      Coleção Aplauso

      Coordenador Geral Rubens Ewald Filho

      Governador Alberto Goldman

      Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

      Diretor-presidente Hubert Alquéres

    GOVERNO DO ESTADODE SÃO PAULO

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    No Passado Está a História do Futuro

    A Imprensa Oficial muito tem contribuído coma sociedade no papel que lhe cabe: a democra-tização de conhecimento por meio da leitura.

    A Coleção Aplauso, lançada em 2004, é um

    exemplo bem-sucedido desse intento. Os temasnela abordados, como biografias de atores, di-retores e dramaturgos, são garantia de que umfragmento da memória cultural do país será pre-servado. Por meio de conversas informais com

     jornalistas, a história dos artistas é transcrita emprimeira pessoa, o que confere grande fluidez

    ao texto, conquistando mais e mais leitores.Assim, muitas dessas figuras que tiveram impor-tância fundamental para as artes cênicas brasilei-ras têm sido resgatadas do esquecimento. Mesmoo nome daqueles que já partiram são frequente-mente evocados pela voz de seus companheiros

    de palco ou de seus biógrafos. Ou seja, nessashistórias que se cruzam, verdadeiros mitos sãoredescobertos e imortalizados.

    E não só o público tem reconhecido a impor-tância e a qualidade da Aplauso. Em 2008, aColeção foi laureada com o mais importanteprêmio da área editorial do Brasil: o Jabuti.

    Concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL),a edição especial sobre Raul Cortez ganhou nacategoria biografia.

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    Mas o que começou modestamente tomou vultoe novos temas passaram a integrar a Coleção

    ao longo desses anos. Hoje, a Aplauso incluiinúmeros outros temas correlatos como a his-tória das pioneiras TVs brasileiras, companhiasde dança, roteiros de filmes, peças de teatro euma parte dedicada à música, com biografias decompositores, cantores, maestros, etc.

    Para o final deste ano de 2010, está previsto olançamento de 80 títulos, que se juntarão aos220 já lançados até aqui. Destes, a maioria foidisponibilizada em acervo digital que podeser acessado pela internet gratuitamente. Semdúvida, essa ação constitui grande passo paradifusão da nossa cultura entre estudantes, pes-

    quisadores e leitores simplesmente interessadosnas histórias.

    Com tudo isso, a Coleção Aplauso passa a fazerparte ela própria de uma história na qual perso-nagens ficcionais se misturam à daqueles que oscriaram, e que por sua vez compõe algumas pá-

    ginas de outra muito maior: a história do Brasil.Boa leitura.

    Alberto GoldmanGovernador do Estado de São Paulo

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    Coleção Aplauso

    O que lembro, tenho.Guimarães Rosa

    A Coleção Aplauso, concebida pela ImprensaOficial, visa resgatar a memória da culturanacional, biografando atores, atrizes e diretoresque compõem a cena brasileira nas áreas de

    cinema, teatro e televisão. Foram selecionadosescritores com largo currículo em jornalismocultural para esse trabalho em que a história cênicae audiovisual brasileiras vem sendo reconstituídade maneira singular. Em entrevistas e encontrossucessivos estreita-se o contato entre biógrafos ebiografados. Arquivos de documentos e imagenssão pesquisados, e o universo que se recons-titui a partir do cotidiano e do fazer dessaspersonalidades permite reconstruir sua trajetória.

    A decisão sobre o depoimento de cada um na pri-meira pessoa mantém o aspecto de tradição oral

    dos relatos, tornando o texto coloquial, comose o biografado falasse diretamente ao leitor.

    Um aspecto importante da Coleção é que os resul -tados obtidos ultrapassam simples registros bio-gráficos, revelando ao leitor facetas que tambémcaracterizam o artista e seu ofício. Bió grafo e bio-

    grafado se colocaram em reflexões que se esten-deram sobre a formação intelectual e ideológicado artista, contextualizada na história brasileira.

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    São inúmeros os artistas a apontar o importantepapel que tiveram os livros e a leitura em sua

    vida, deixando transparecer a firmeza do pen-samento crítico ou denunciando preconceitosseculares que atrasaram e continuam atrasandonosso país. Muitos mostraram a importância paraa sua formação terem atuado tanto no teatroquanto no cinema e na televisão, adquirindo,

    linguagens diferenciadas – analisando-as comsuas particularidades.

    Muitos títulos exploram o universo íntimo epsicológico do artista, revelando as circunstânciasque o conduziram à arte, como se abrigasseem si mesmo desde sempre, a complexidade

    dos personagens.São livros que, além de atrair o grande público,interessarão igualmente aos estudiosos das artescênicas, pois na Coleção Aplauso  foi discutidoo processo de criação que concerne ao teatro,ao cinema e à televisão. Foram abordadas a

    construção dos personagens, a análise, a história,a importância e a atualidade de alguns deles.Também foram exami nados o relacionamento dosartistas com seus pares e diretores, os processos eas possibilidades de correção de erros no exercíciodo teatro e do cinema, a diferença entre essesveículos e a expressão de suas linguagens.

    Se algum fator específico conduziu ao sucessoda Coleção Aplauso – e merece ser destacado –,

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    é o interesse do leitor brasileiro em conhecer opercurso cultural de seu país.

    À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir umbom time de jornalistas, organizar com eficáciaa pesquisa documental e iconográfica e contarcom a disposição e o empenho dos artistas,diretores, dramaturgos e roteiristas. Com aColeção em curso, configurada e com identida-de consolidada, constatamos que os sortilégiosque envolvem palco, cenas, coxias, sets de filma-gem, textos, imagens e palavras conjugados, etodos esses seres especiais – que neste universotransitam, transmutam e vivem – também nostomaram e sensibilizaram.

    É esse material cultural e de reflexão que podeser agora compartilhado com os leitores detodo o Brasil.

    Hubert AlquéresDiretor-presidente

    Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

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     À memória de André Valli 

    Duse Nacaratti Felipe Pinheiro

    Mauro Rasi Miguel Magno

    Vicente Pereira, com quem aprendio valor do riso.

    Dedico aos meus pais, Henrique e Terezinha,

    meus irmãos, Luís Gustavo e Luís Henrique, Jaques Beck, Marcus Alvisi e Miguel Falabella,que ajudaram a tornar concreto este sonho.

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    Eu nunca soube, de nós duas, qual era a maisfeliz. Se aquela que crê no que vê ou se aquela

    que crê no que diz. Que engraçado. Eu acho

    que gosto tanto do teatro porque ali moramos que creem e os que dizem.

    Maria Carmem Barbosa e Miguel Falabella –Síndromes, loucos como nós

    Não é que eu só admita a comédia, mas juntarmuitas pessoas num teatro e não ouvir um úni-co riso? Isto me parece um desperdício de vida.

    Vicente Pereira. dito para Maria Padilha

    ... e ah como quero abraçar Vicente Pereira.

    Caio Fernando Abreu –Segunda carta para além dos muros.

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    Capítulo I

    O Teatro Besteirol: Como Ele Surgiu e oque Foi Escrito Sobre Ele

    A primeira vez que tive um contato com a obrade Vicente Pereira foi quando assisti à históricaencenação de Sereias da Zona Sul, com MiguelFalabella e Guilherme Karam. Foi em 1989.Eu tinha 10 anos. Nunca tinha ouvido falar naexpressão Besteirol . No entanto, quando vi Se-reias, fiquei fascinado por aquele humor ferino,aquela transgressão dos costumes, onde o traves-timento feminino era utilizado em abundância.Acredito que Falabella e Karam provocaramum encantamento em mim, tal qual Oscaritoe Grande Otelo fizeram nas crianças de outrostempos. Não é por acaso que a dupla das chan-chadas cinematográficas será lembrada nestelivro. A estética do besteirol herdou muito do

    humor deles, e também, como eles, foi vítimade preconceito.

    Há muitos anos eu quis contar, com minúcias,como foi este período do nosso teatro. Vamosà sua história.

    O autor do rótulo Besteirol  foi o crítico teatralMacksen Luiz que, na edição da revista Isto É  de

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    setembro de 1980, assim escreveu sobre a peça As 1001 Encarnações de Pompeu Loredo, deMauro Rasi e Vicente Pereira: A melhor definição para a peça pode ser resumida num neologismocarioca, gíria de praia, que significa exatamenteaquilo que a palavra resume: besteirol. Essa di-vertida bobagem deve conseguir grande sucessode público. Esta é considerada a primeira vez que

    a expressão é escrita na imprensa.

    Mas quando começou esta forma teatral?

    Alguns grupos e um espetáculo que teve o tex-to assinado por Mauro Rasi são consideradosprecursores do gênero. Vicente Pereira, queiniciou sua carreira no centro do país fazendo ovisagismo dos shows do grupo Secos & Molhados,protagoniza em 1974 um texto de Mauro Rasi in-titulado Ladies na Madrugada, que foi tambéma estreia no palco do ator e figurinista PatrícioBisso. Ladies já trazia algumas características do

    que viria a ser o besteirol, entre as quais, atoresvestidos de mulher – é importante lembrar quena época o travestimento estava presente emdiversas manifestações artísticas, tais como ospróprios Secos & Molhados e o grupo de teatro-dança Dzi Croquettes, isso sem falar no glam rock  

    de David Bowie. Luiz Carlos Góes, que atuavano espetáculo, lembrou o processo que resultouem Ladies. Luiz Carlos conta que o grupo que

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    havia se formado em torno do espetáculo viviaem constante aperto financeiro. Todo o dinheiroque era arrecadado servia para as drogas queeles usavam. No meio disso tudo, cada um iatendo uma ideia e Mauro ia colocando no papel.Mauro juntou tudo e criou o espetáculo. Ele lem-bra, também, do dia em que um menino chegoudurante um ensaio da peça no Teatro Treze de

    Maio. Góes relembra que por causa da paranoiaconstante em que eles viviam em função da di-tadura militar, chegaram a pensar que o invasordo ensaio era um agente do Dops disfarçado. Sóque no dia seguinte, o mesmo menino voltoutravestido. E entrou no teatro vestido de mulher,

    daquele jeito que ele ficou conhecido. Vestidocomo uma estrela hollywoodiana da década de1940. Esse menino era o Patrício Bisso. Na época,Bisso era menor de idade. Tinha vindo ao Brasil,exilado da Argentina. A carência afetiva dele eratão grande que ele passou a chamar o Góes de

    Pai  e o Rubens de Araújo (que, também, era doelenco de Ladies) de Mãe.

    Patrício Bisso tornou-se uma personalidade sig-nificativa na cultura brasileira, especialmente nadécada de 1980. Foi figurinista de filmes como

    O Beijo da Mulher Aranha e Brasa Adormecida;como ator, atuou em Além da Paixão, de BrunoBarreto; e sua personagem, Olga del Volga, sexó-

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    loga russa foi tão marcante nos palcos brasileirosque se tornou personagem da novela Um Sonhoa Mais, de Daniel Más. Em diversas ocasiões,Bisso assumiu que fugiu da Argentina porque arepressão sexual lá era mais forte que no Brasil.

    Há os que consideram um dos precursores doBesteirol  o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombo-

    ne, de Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, LuizFernando Guimarães, entre outros. Realmente,existiam ligações entre os dois. Vicente Pereiramorou com integrantes da trupe carioca nofinal da década de 1970, e convivia muito como grupo. Já Mauro Rasi enxergava diferenças

    entre o Besteirol e o Asdrúbal: Achava ingênuoaquilo. Era muito para consumo. Eu era maismaldito e com um pé no universo gay. O Asdrú-bal não tinha nada disso, era mais rock e achoque éramos mais críticos e ferinos, comentou odramaturgo para o livro Quem tem um sonhonão dança:  Cultura jovem brasileira nos anos1980, de Guilherme Bryan.

    No entanto, é certo que havia uma proximidadeafetiva entre o Asdrúbal e o pessoal do Besteirol.A atriz Stela Freitas lembra que conheceu Vicen-te Pereira na casa da atriz Regina Casé. Stela ti-

    nha ido morar no Rio de Janeiro, quando passoua integrar o elenco do programa televisivo Sítiodo Picapau  Amarelo, dirigido por Geraldo Casé

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    (pai de Regina). Geraldo, então, propôs que Stelamorasse com Regina. E nesta casa aconteciam,frequentemente, os cafés da manhã que reuniao elenco do Asdrúbal e Vicente. Stela relembraque Vicente estava sempre cercado do grupo queformava o Asdrúbal . E a atriz acabou selandouma amizade e uma parceria com o dramaturgo.Ela participou do seriado Tamanho Família, na

    TV Manchete e das peças escritas por Vicente,Pedra, a Tragédia e Com Minha Mãe Estarei .

    Um outro ponto que aproxima o  Asdrúbal  dobesteirol é uma comunicação direta que elesmantinham com o público jovem. Outro tema

    que será abordado neste livro é o misticismo,algo frequente nos textos de Vicente. O es-petáculo que fez surgir o rótulo Besteirol,  As1001 Encarnações de Pompeu Loredo, mostra abusca de um funcionário público desiludido davida, planejando o suicídio. Pompeu é socorri-

    do pela doutora Neme Maluf, que mantém umconsultório onde pratica terapias alternativasnão bem explicitadas na peça. Neme, que teveseu registro de terapeuta cassado pela Ordemdos Psicanalistas, faz Pompeu participar de umasessão de regressão, em que ele descobre ter sido

    uma falsa deusa no Egito antigo, um vampirofaminto na Transilvânia e um cardeal corruptona Itália renascentista. Há momentos em que

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    a peça mostra o contexto da ditadura militar.Vejamos um diálogo de Neme e Pompeu:Pompeu (Preocupado) – A senhora está proibidade clinicar? Doutora Neme – Sim. Veja que petulância dasautoridades. Acho que o governo errou ao mecondenar.Pompeu (Preocupado) – Mas, proibida por quê?

    (Levanta-se, pronto para sair) O que foi que a senhora fez? Doutora Neme (Tranquilamente fazendo-osentar-se novamente) – E é preciso fazer algumacoisa para ser punida num regime autoritário? 

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    Capítulo II

    O Besteirol: Seus Detratores e Entusiastas

    É certo que a recepção da expressão pelos repre-sentantes do gênero nunca foi tão fácil assim.No livro Quem tem medo de besteirol? , FlávioMarinho lembra como este rótulo foi encarado:

     Aquele nome caiu como uma bomba no meio.Lembrava remédio, alguma coisa ligada ao Atenol e parecia depreciar a bobagem, o que para muita gente é como a Sessão da Tarde: aúnica verdade da vida. Miguel Falabella, um dos papas do movimento, numa entrevista dada ao

    Globo em 1987, ainda estava inconsolado como termo. – Jamais gostei desse nome. Acho um papel triste. Mas agora Inês é morta. É inegávelque conquistamos um espaço, um público, essacoisa toda.

    É importante lembrar que a expressão Besteirol ,nos dias de hoje, tem um sentido que extrapolao universo teatral. Qualquer coisa vista comoidiota, estúpida até, recebe o título de Besteirol.Até filmes norte-americanos quando traduzidospara o português, em cartaz no Brasil, recebem

    essa denominação. Um exemplo está no filmeNão é Mais um Besteirol Americano, cujo títulooriginal era Not Another Teen Movies.

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    Em tom debochado, Felipe Pinheiro, que, junta-mente com seu colega de cena Pedro Cardoso,foi inserido no Besteirol, disse que: No mínimo,besteirol era remédio homeopático que ia setomando devagarzinho para virar besta e, porfim, crítico teatral . A frase de Felipe está no livrode Guilherme Bryan.

    Para o livro Besteirol e carnavalização: O teatrode Mauro Rasi, Miguel Falabella e Vicente Perei-ra, escrito por Alanderson Machado e MarceloBruno, Macksen Luiz, ao fazer um balanço dogênero, polemiza mais o assunto: O Besteirol éum vômito (...) de uma geração que foi gerada

    numa época repressiva e então resolveu romper,de alguma forma, com esta repressão, sendo um pouco iconoclasta, demolidora (...) eles ganha-ram uma voz para serem um pouco críticos. Erauma crítica represada, digamos assim. Mas umacrítica sempre partindo do banal, do cotidiano,

    não querendo aprofundar nada, nenhuma se-riedade.

    Miguel Falabella relembra o começo do movi-mento e também os preconceitos críticos sofridospor ele: O Teatro Besteirol precisava ser feito

    naquele momento, para tirar o ranço da proi-bição dos anos de chumbo, a de que o riso erauma coisa proibida, – diz Miguel.

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    Segundo ele, a alegria é sempre discriminada. Eprincipalmente, no momento em que surgiramos autores do besteirol. Falabella rememoraque eles surgiram num momento de transiçãode um mundo violento, por causa do regimemilitar. Comenta que nos primeiros anos em queatuava num grupo teatral (no caso, O Pessoal deDespertar ao lado de nomes como Daniel Dantas

    e Maria Padilha), ele se sentia tal qual um alie-nígena. Ou mesmo até, um débil mental. Tudoisso porque gostava de rir, gostava de comédia.

    Miguel também compara o movimento dobesteirol (é importante frisar que ele, como a

    maioria dos artistas que faziam esse teatro na-quela época, têm ojeriza a esse nome) a outrosmovimentos artísticos importantes na década de1980, em outros países. Ele cita como exemplo ARidiculous Theatrical Company , nos Estados Uni-dos, que trouxe à cena a obra teatral de Charles

    Ludlam, autor de um dos espetáculos de maiorsucesso na história do teatro brasileiro, a saber, OMistério de Irma Vap, que foi interpretado peladupla Marco Nanini e Ney Latorraca, sob a dire-ção de Marília Pêra. Outro movimento citado porMiguel na entrevista foi La Movida Madrileña,

    na Espanha, que revelou nomes como o cineastaPedro Almodóvar. E Miguel Falabella enxerga,qual Mauro Rasi, um forte componente gay  nas

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    peças do Teatro Besteirol, presente tambémnaqueles movimentos. Para Falabella, o começodo besteirol estava nos espetáculos do grupo deteatro-dança Dzi Croquettes. Os Dzi Croquettesmarcaram a cena artística mundial na década de1970. A estreia deles aconteceu no RestaurantePujol, na Ipanema carioca do começo dos anos1970. O grupo era comandado pelo coreógrafo

    Lennie Dale e tinha como fonte de inspiração ogrupo norte-americano The Cockettes e o movi-mento gay  off-Broadway . A equipe original dogrupo, além de Lennie, contava com os bailarinosCiro Barcelos, Cláudio Gaya, Reginaldo de Poli,Rogério de Poli, Cláudio Tovar, Paulo Bacellar

    (que posteriormente adotaria o nome Paulette ese tornaria figura conhecida da televisão nos hu-morísticos de Chico Anysio), Carlinhos Machado,Benedictus Lacerda, Eloy Simões, Roberto Rodri-gues e Bayard Tonelli. Junto com Lennie, outrafigura importante na criação dos Dzi era o ator

    e autor Wagner Ribeiro. Wagner era o respon-sável pelos roteiros dos espetáculos do grupo.Além disso, ele foi o autor de uma das cançõesmais famosas das Frenéticas, Vingativa. A atrizDuse Nacaratti lembrava que os Dzi tinham 13integrantes. O sucesso do grupo na França foi

    tamanho que eles tiveram como madrinha acantora Liza Minnelli. Era a androginia em cena.Os Dzi tinham como princípio fazer em cena a

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    união da força do macho e a graça da fêmea.E foi no grupo que surgiu a expressão tiete. Al-guns dos integrantes do grupo conviveram, porintermédio de Duse, com uma mulher chamadaTiete. A partir desse convívio e por causa das ati-tudes de Tiete foi criada a expressão que, hoje,é designativa de fã. Agora, em 2009, surgiu umexcelente documentário dirigido por Tatiana

    Issa e Raphael Alvarez que registra a trajetóriado Dzi Croquettes.

    E a aproximação entre Falabella e Almodóvaronde está? Os depoimentos que virão, agora,mostram que há sim uma relação entre a obra

    do louro brasileiro com a do moreno espanhol.Em depoimento para o livro Besteirol e Carnava-lização, Falabella fala sobre o material que ele,Vicente Pereira e Mauro Rasi utilizavam paracriar as peças do gênero: Eu, Mauro e Vicente pegamos essas lembranças, de cinema antigo,

    de bailes de debutantes, essas coisas kitsch quechamam de lixo cultural e os aproveitamos notexto. O público, jovem ou menos jovem, tem se identificado com essas memórias afetivas. Agente põe várias citações de filmes, por exemplo,nos esquetes e todo mundo saca.

    Pedro Almodóvar no livro Conversas com Almo-dóvar  de Frederic Strauss, comenta algo seme-

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    Vicente e Cláudio Gaya

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    lhante sobre o processo criativo de um dos seusprimeiros filmes, Labirinto das paixões: Naqueletempo eu gostava muito de ler revistas femininas porque encontrava nelas coisas muito cômicas para o meu gosto, em particular nas cartas dasleitoras, que escrevem porque roem unhas ou porque têm gases, e perguntam o que fazer pararesolver o problema. No filme encontramos essas

    figuras femininas. Também me inspirei em filmeshistóricos muito kitsch , como Sissi, a imperatriz .

    A crítica teatral Barbara Heliodora sempre foiuma exceção entre os ensaístas brasileiros atratarem do tema besteirol. Quando Barbara

    começou a colaborar como crítica teatral paraa Revista Visão, escreveu o artigo Onde canta obesteirol ?, onde dizia: O Besteirol não passa deenésimo avatar de um tipo de humor, de críticaalegre, de caricatura redutiva e pouco ferina,que sempre identificamos como o estado deespírito que define o carioca. O esquete do fi-nado Teatro de Revista, a piada que nasce apóso evento significativo. (...) São variantes da mes-ma têmpera alegre e amiga que sempre levouos preconceituosos a deduzir, daí, uma falta de seriedade geral para o Rio de Janeiro.

    Quando o besteirol comemorou os 20 anos dosurgimento, em 2000, Barbara escreveu para o Jornal O Globo, na edição do dia 5 de abril da-

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    quele ano, o artigo Um belo filho da censura,onde ressaltava as virtudes do gênero teatral,bem como o uso que o teatro da época faziadele: Não é possível falar do advento do besteirol sem refletir sobre os anos da censura, que não só voltou-se de forma particularmente viciosacontra o teatro, como também durou muito (...)Quando a censura acabou, portanto, havia um

    vácuo que algumas peças proibidas pela censura não chegaram a preencher; e foi aí que um pu-nhado de jovens apareceu e criou o que veio ater o nome de besteirol. Nada poderia anunciartão claramente que era uma nova geração, umoutro tempo, que chegava ao teatro: no universo

    que o gênero criava choviam as referências aum novo modo de ver as coisas, pesava muito adinâmica do cinema (que os autores vivenciavammuito mais do que o teatro), e o conteúdo críticotinha muito a ver com a faixa etária... Mas nãocreio que teria sido possível a essa nova geração

    encontrar melhor escola de dramaturgia para oquadro brasileiro: para reconquistar um públicoquase desaparecido, era preciso por um lado ter pressa, e por outro ser atraente – e a importânciado besteirol para o que teve de ser um virtualrenascer do teatro depois da censura é inegável.

    Inevitavelmente, o besteirol foi a glória de ummomento; ilusoriamente fácil de imitar, o sub-besteirol é insuportável, mas o original nos dá,

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    hoje em dia, alguns dos principais nomes dadramaturgia brasileira – o que não é pouco.

    Barbara já fala na existência do sub-besteirol.Hoje, há uma confusão enorme que relaciona oTeatro Besteirol com o stand-up comedy , febreda cena teatral brasileira no presente momento.Nesse ponto é importante lembrar que a história

    do besteirol não foi feita por comediantes so-zinhos em cena, mas por uma dupla de atorescom longa folha de serviços prestados ao teatrobrasileiro. Vamos citar alguns: Marco Nanini eNey Latorraca; Miguel Falabella e Guilherme Ka-ram; Miguel Magno e Ricardo de Almeida; Felipe

    Pinheiro e Pedro Cardoso, são alguns que ficaramconsagrados como atores do Teatro Besteirol.

    Em 1985, mais precisamente no dia 22 de junho,o Caderno B do Jornal do Brasil  publicou artigosde Gerd Bornheim e Miguel Falabella sobre obesteirol. Gerd escreveu o artigo Cenas de Entre-

    atos, em que dizia: A originalidade não é muita.E decorre de pequenos truques e achados, de simples jogos de palavras, da invenção de umaboa piada, de um travestimento bem bolado, ra-ras vezes conseguindo alçar-se ao esboço de umnúcleo mais consistente, que revele, ao menos, a

    insinuação de um ponto de partida à altura deum compromisso maior (...) a boa acolhida por parte do público torna essa prática, aos poucos,

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    um hábito. E assim se fazem presentes, quase sempre em dupla, Pedro Cardoso e Felipe Pinhei-ro, Miguel Falabella e Guilherme Karam e, maisrecentemente, Eduardo Dusek e Thais Portinho.(...) Os espetáculos se apresentam de modo tãodespretensioso e inocente, tão desmemoriado eimediatista, que parecem nem merecer conside-ração especial (...) E, como era de esperar, tudo

    aqui gira em torno da figura do ator (...) Pois,amiúde, as interpretações se prendem demasia-do ao exibicionismo narcisista do próprio gesto,o que com o tempo, fatalmente levará a umaaborrecida monotonia. Mas, prudentemente, osespetáculos não se alongam muito.

    O nome do artigo de Bornheim, Cenas de Entre-atos,  já mostra uma característica do besteirolque o filósofo abordará, a saber, o fato de ogênero ser formado, em geral, por peças curtas,cuja duração é próxima do Entremez . Vamosver, rapidamente, o que era o Entremez . É umtipo de peça curta, que surgiu no século 16, naEspanha, e cujo expoente máximo foi Miguel deCervantes, autor de entremezes como A GuardaCuidadosa e O Velho Ciumento.

    Miguel Falabella prontamente respondeu com

    um artigo intitulado Uma festa de tolos. O títulodo artigo do dramaturgo/autor é uma menção aum dos rituais cômicos populares da Idade Média.

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    Falabella parte para a defesa de uma geração deautores/atores que optou pelo humor no teatro,bem como recupera a importância de artistaspopulares esquecidos de outras épocas, caso, porexemplo, de Violeta Ferraz, que foi uma famo-sa cômica do teatro popular brasileiro. Violetaatuou, também, em diversas chanchadas comoÉ fogo na roupa. Há fumaça no ar (...) adjetivos

    andam à espreita, atacando jovens membros dacena carioca. Guilherme Karam foi atropelado por um descartável , ficando de cama três dias, sofrendo de aguda crise de identidade. VicentePereira viu-se face a face com um temível bes-teirol  e só conseguiu escapar graças à pronta

    intervenção de populares que atacaram o mons-tro (...) do meio desta balbúrdia, uma verdade parece saltar aos olhos: os tempos mudaram eexigem uma nova dramaturgia. Os últimos 20anos não foram apenas a história da ditaduramilitar, de seus arbítrios, de suas torturas. Fo-

    ram também marcados pelo poder cada vezmais avassalador da televisão, pela sedutoradecupagem das histórias em quadrinhos (...)Não sabíamos da guerrilha do Araguaia, masconhecíamos o milagre econômico , os sonhosde ascensão social da classe média. (...) Nós so-

    mos Doris Day e Grande Otelo, sabemos de coras canções de Cole Porter e nos emocionamoscom o talento cômico de Violeta Ferraz (...)

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    alienados seríamos se não refletíssemos sobrea frenética sociedade de consumo em que nostransformamos. Alienados seríamos se ficásse-mos restritos aos clássicos, aos grandes autores,em montagens bem-comportadas, para ganhar obeneplácito dos senhores da cultura (...) Levamosa chanchada e a paródia à cena, sim. Com muito prazer. Porque estamos cada vez mais atentos à

    realidade à nossa volta.

    Quando Miguel diz: Alienados seríamos se ficás- semos restritos aos clássicos, aos grandes autores,em montagens bem-comportadas, para ganharo beneplácito dos senhores da cultura está, de

    uma certa forma, respondendo aos críticos eteóricos teatrais que esperavam dele uma ou-tra trajetória. Afinal, até o momento em queMiguel formou a dupla com Guilherme Karam,mantinha uma carreira digamos esteticamentecorreta do ponto de vista teatral. Havia traba-

    lhado como ator em O Despertar de Primavera,de Wedekind, Happy End , de Brecht e Weill, e A Tempestade, de Shakespeare. E no ano do seuMiguel Falabella e Guilherme Karam, finalmen-te juntos e finalmente ao vivo, Miguel obteveum grande reconhecimento como encenador

    ao dirigir Emily , de William Luce, monólogointerpretado por Beatriz Segall sobre a vida daautora inglesa Emily Dickinson – espetáculo que

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    deu a Miguel os troféus Molière e Mambembede Melhor Diretor. O próprio Bornheim em seuartigo fala de uma veia TBC que Miguel Falabellatinha. Diz Gerd citando o espetáculo Emily : É,ao menos, gratificante constatar, por exemplo,que um dos principais representantes deste te-atro de entreatos, Miguel Falabella, soube commuita competência, mostrar que não se precisa

    ter medo de Virginia Wolff. Falabella dirigiuBeatriz Segall, em Emily , e atingiu o nível damelhor tradição do TBC.

    Em sua biografia Beatriz Segall, Além das Apa-rências, escrita por Nilu Lebert, e editada pela

    Coleção Aplauso, a atriz Beatriz Segall relatasua experiência de trabalho com Falabella: O primeiro diretor jovem com quem eu trabalheifoi o Miguel Falabella, em Emily  (de WilliamLuce). (...) quando ele chegou à minha casa como texto, fez duas coisas que me conquistaram: a

     primeira foi quando ele disse: Olha, eu trouxepra você uma tradução da peça que eu mesmofiz, de modo que a tradução precisa ser refeitapor alguém que entenda do assunto, por umbom poeta capaz de traduzir as poesias da EmilyDickinson. Isso já me deu uma segurança muito

    grande, ele estava disposto a refazer algumacoisa já bem-feita, e a peça finalmente acabou sendo traduzida pela Maria Julieta Drummond

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    de Andrade, ajudada pelo pai, Carlos Drummondde Andrade. Logo em seguida, Miguel me des-creveu a peça como ele a via. Estava tudo prontona cabeça dele: a luz, as músicas, ele já tinhauma ideia definida de cenário, ele sabia tudo. Eufiquei tão confiante que o aceitei como diretore, na verdade, foi uma maravilha de trabalho,um sucesso muito grande, verdadeiro, merecido,

     porque ele fez uma direção que era uma joia.

    A discussão entre Gerd e Miguel expõe ideias te-atrais distintas. Um mérito do besteirol deve serlembrado: foi responsável por uma renovaçãoda plateia teatral na década de 1980. Ricardo

    de Almeida, em uma entrevista dada ao JornalO Globo, assim lembra o público de Quem TemMedo de Itália Fausta? , espetáculo paulista quepara muitos, representou o início do besteirol:Seja como for, nossos espetáculos levam muito público ao teatro, principalmente uma faixa – a

    garotada – que estava meio sem opção teatral,diante das montagens mais acadêmicas e dosvaudevilles. Ricardo concedeu esse depoimentoao jornal O Globo, em 1987, época da últimatemporada de Quem Tem Medo de Itália Faus-ta?  no Rio de Janeiro. Importante lembrar que

    os vaudevilles citados pelo ator/autor estavamganhando grande espaço na cena teatral doeixo Rio/São Paulo. Um exemplo estava nas

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    montagens dos textos da dupla Roy Coney eJohn Chapman, que a partir do final da décadade 1970 chegavam ao Brasil, interpretados porMarcos Caruso. O primeiro a obter um grandeêxito com ao público foi Camas Redondas,Casais Quadrados. Nos anos 1980, Roy Coneye John Chapman tiveram encenadas no Brasilpeças como Mulher, Melhor Investimento e O

    Vison Voador , a última adaptada por MarcosCaruso. E o próprio Caruso fez uso da fórmulado vaudeville em seu histórico Trair e Coçar é só Começar , que estreou em 1986, permane-cendo ininterruptamente até os dias de hojeem cartaz. Outro bom exemplo de vaudeville 

    escrito por Caruso, dessa vez em parceria comJandira Martini, foi Sua Excelência, o Candidato.Em crítica à recente montagem da peça, feitapara o Jornal o Globo, Barbara Heliodora disse:Caruso e Martini foram os melhores alunos deFeydeau no Brasil . Outro dramaturgo brasileiro

    que utilizou as técnicas do vaudeville foi Jucade Oliveira. Um bom exemplo está em sua peçaMotel Paradiso, escrita em 1980 e encenadaem 1982 por Maria Della Costa. Aqui cabe umapausa para que se explique o que é o vaudeville.Sua origem no século 15 era de um espetáculo

    de canções, acrobacias e monólogos. Tal carac-terística durou até o início do século 18. A partirdo século 19 o vaudeville passa a ser a definição

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    de um tipo de comédia sustentada na intriga,uma comédia ligeira sem pretensão intelectual.

    Retomando o texto de Bornheim, há que sedestacar um ponto positivo em seu artigo, queé o valor do virtuosismo de um ator em umespetáculo do besteirol. Se pensarmos o teatrocomo basicamente a arte do ator, o besteirol  foi

    responsável pela formação de atores que hoje,30 anos depois, encontram-se entre os melhoresdo Brasil, como Diogo Vilela, Louise Cardoso,Marco Nanini, Pedro Cardoso e Regina Casé.Isso sem falar em atores já consagrados, que en-traram para o besteirol. Como exemplo, temos:

    Analu Prestes, Antônio Pedro, Duse Nacaratti,Jacqueline Laurence e Thelma Reston.36

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    Capítulo III

    A Encenação de Ladies na Madrugada

    Para se compreender como se deu a criação doespetáculo Ladies na Madrugada na São Paulode 1974, é necessário, antes de tudo, examinara relação próxima que Ney Matogrosso (o pro-

    dutor de Ladies) mantinha com Vicente Pereira,um dos atores da peça e que também contribuiucom a criação do texto da peça. Ney e Vicente seconheceram em Brasília. No início um antipatiza-va com o outro. Chegavam a evitar um possívelencontro. Até que numa noite ambos andando

    pela W3, viram que era inevitável. Quando cami-nhavam houve um acidente violento entre doiscarros. A partir desse momento o destino selouuma amizade profunda entre Ney e Vicente.Quando Ney foi para São Paulo e aconteceu oestouro do grupo musical Secos & Molhados,decidiu chamar dois amigos de Brasília paravirem até a capital paulista. Eram eles Vicente eMárcio Oberlander. Ney acabou produzindo oque ficou sendo um dos espetáculos precursoresdo besteirol, a saber, Ladies na Madrugada.

    Ladies na Madrugada estreou em São Paulo no

    Teatro Treze de Maio. A versão final do texto erade Mauro Rasi. O enredo da peça se passava em

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    um navio chamado S.S. Mussolini, que transpor-tava uma cantora brasileira de muito sucesso nosEstados Unidos, papel que era desempenhadopor Duse Nacaratti. Iam juntos no navio Dana deTeffé (a milionária tcheca assassinada misterio-samente no ano de 1959, cujo corpo nunca foiencontrado), personagem de Rubens de Araújo,a cantora argentina Libertad Lamarque e sua

    criada (papel de Patricio Bisso). Patricio Bisso,durante a temporada de Ladies, acabou sendopromovido e recebeu o papel de Eva Perón, afamosa política da Argentina. O elenco tinha,ainda, Vicente Pereira (interpretando um sheik ),Luiz Carlos Góes e Davi Pinheiro, que repre-

    sentava o capitão do navio. Em cena, tambémestava Mauro tocando piano. Por sinal, Mauro,assumidamente, tentou uma carreira como pia-nista. Mauro passou a adolescência estudandoo instrumento. E foi morar no exterior com opretexto de aperfeiçoar os seus conhecimentos

    musicais. Em uma de suas peças notoriamenteautobiográficas, Pérola, há o diálogo do seu al-ter ego, Emílio, com a mãe, a personagem títuloda peça em que é comentado esse episódio desua vida:Emílio – Quero que saiba quem eu sou.

    Pérola – Ué, você não é o Emílio? Emílio – Meus amigos me conhecem melhor doque você.

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    angariar fundos para a Ladies era estruturadocom base em fragmentos do texto de Síndica,Qual é a Tua? , de Luiz Carlos Góes.

    Aqui, cabe um parêntese e uma rápida voltano tempo: Rubens e Luiz Carlos mantiveram nocomeço da década de 1970 um apartamentona Rua Farme de Amoedo, no Rio de Janeiro.

    A efervescência artística que acontecia nesseespaço foi registrada nas páginas de um doslivros de memórias do dramaturgo Antônio Bi-var, Longe Daqui, Aqui Mesmo. O próprio Bivarmorou um período lá junto com o dramaturgoJosé Vicente. Voltando a tratar da encenação de

    Ladies na Madrugada.

    Ladies na Madrugada, é notório que o texto fa-zia uma grande homenagem às chanchadas daAtlântida. E, aliás, todos os artistas do besteirol,assumidamente, adoravam esse gênero cinema-

    tográfico. A ideia de um navio que transportavauma cantora já havia sido apresentada no filmeDe Vento em Popa, rodado no ano de 1957,com direção de Carlos Manga. Outra chancha-da, cuja ação se passava num transatlântico, foi Aviso aos Navegantes, de Watson Macedo. Essa

    predileção das chanchadas pelo cenário de umtransatlântico advinha de uma influência dascomédias norte-americanas.

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    Continuando com a montagem de Ladies, estacomeçou sendo um grande fracasso de público.Foi então que o grupo chamou Amir Haddad,que estava em São Paulo, para montar a já citadapeça Síndica, Qual é a Tua?, que seria encenadapor Ruth Escobar, para rever alguns aspectosdo espetáculo. Em entrevista dada para a revis-ta Interview , em outubro de 1994. Mauro Rasi

    lembra dessa mudança de direção ocorrida emLadies e da admiração que sentia pelo trabalhode Haddad: Quando montei Ladies na Madruga-da , que foi um grande fracasso, a gente pediu ao Amir para dirigir o texto, antes dirigido por mim.Eu bebia suas palavras e até hoje, como diretor

    de teatro, aplico tudo aquilo que aprendi comele. Amir foi meu grande professor .

    Amir Haddad relembra de suas afinidades eleti-vas com a turma do besteirol. Para Amir o bes-teirol representou uma salvação na dramaturgiabrasileira dos anos 1980. O encenador tambémacredita que a dramaturgia de Vicente Pereira eLuiz Carlos Góes ainda não recebeu uma leituraatenta e encenações que ressaltassem o valordesse teatro. Ele considera que Vicente Pereirae Luiz Carlos Góes são autores com um olharcrítico e ferino sobre a sociedade.

    Amir faz uma aproximação das peças do bes-teirol com o teatro de Brecht. Ele diz que só foi

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    ver na prática, no teatro brasileiro, as ideias deBrecht nas peças do besteirol. E Amir tornou-sesupervisor de todos os espetáculos teatrais dadupla Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro.

    Em uma entrevista ao programa Jô Soares Onzee Meia, no dia 12 de junho de 1990, Pedro Car-doso e Felipe Pinheiro, que estavam divulgando

    o que acabou sendo o último trabalho da dupla, A Macaca, falaram da dificuldade que tinhamem relação à imprensa e a ligação de Brechtcom o teatro que eles faziam. Reproduzo aquium trecho da entrevista:Pedro – A gente tem um relacionamento com a

    imprensa muito ruim. Porque falam a toda horaque a gente é aquele negócio do besteirol.Felipe – Toda a hora é isso. Um humor que nãoleva a nada, inconsequente, capenga, mas eles são o máximo. A gente fica horas em entrevistacom o jornalista: Pois é, o nosso teatro voltado para o popular, tentando quebrar a quarta pa-rede, entrando em contato com a platéia, que-rendo buscar os cabarés do começo do século eo tal do Karl Valentin. E o Brecht.

    Convém lembrar que a formação da dupla FelipePinheiro e Pedro Cardoso aconteceu quando eles

    atuavam no espetáculo Cabaré Valentin, umadireção de Buza Ferraz que também gerou umnovo grupo, O Pessoal do Cabaré. Karl Valentin

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    era um autor de comédias alemãs, que era ido-latrado por Bertolt Brecht. Karl é consideradouma das grandes influências do Teatro Besteirol.

    E Amir Haddad pautou a sua trajetória comoencenador sempre procurando romper coma quarta parede em suas montagens, ou seja,provocando a interação do ator com o público.

    Algumas encenações recentes assinadas porAmir, como A Alma Imoral , baseada no livro dorabino Nilton Bonder, e Os Ignorantes, monó-logo escrito e interpretado por Pedro Cardoso,trabalham com esse recurso do rompimento daquarta parede na cena.

    Duse Nacaratti relembrou que, após a entradade Amir em Ladies, o grupo começou a ensaiaro espetáculo de forma disciplinada. Os ensaiosdiários começavam às 19 horas, sempre se esten-dendo até a manhã seguinte.

    Luiz Carlos Góes relata que ele e Vicente criavamdiálogos e situações que, então, eram transfor-mados em texto por Mauro. Há uma passagemdo texto que denota bem a participação de Vi-cente na escrita da peça. Trata-se de uma dançaentre as personagens Dana de Teffé e Mohamed,em que eles dizem:

    Mohamed – Vamos parar. Esse bolero está fican-do muito perigoso.Dana – Segure o turbante e sinta o ritmo.

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    Segura o turbante, meu bem, e sinta o ritmo era uma frase de Vicente Pereira muito citadapor seu ilustre amigo, o escritor gaúcho CaioFernando Abreu. Na peça de Caio O Homem e aMancha, há uma passagem em que ela é citada.Vejamos:Quixote – Dulcinéia, minha estrela da manhã. (Recita Manuel Bandeira) Pura ou degradada até

    a última baixeza eu quero a estrela da manhã!Ator (Citando Vicente Pereira) – Sempre quandotiveres mais de três pessoas reunidas e for faladoo nome de Deus, eu estarei entre eles. Mas sem- pre com um decote bem profundo (Noutro tom)Segura o turbante, meu bem, e sente o ritmo.

    Gilberto Gawronski, amigo íntimo de Caio eresponsável por diversas montagens de textosdo autor, me relatou que a personagem Nostra-damus Pereira da peça  Zona Contaminada, deCaio foi uma homenagem do escritor a Vicente

    Pereira. Gilberto assinou a primeira encenaçãode Zona no Rio de Janeiro. Estavam no elencodessa montagem o cantor Fausto Fawcett e aatriz e jornalista Scarlet Moon de Chevalier.Nostradamus e suas profecias eram algo muitoimportante na vida mística de Vicente Perei-

    ra, como revela a atriz e escritora Maria LúciaDahl em uma crônica que se encontra em seulivro O Quebra-cabeças, editado pela Coleção

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    Aplauso: Vicente Pereira já tinha falado dela:a grande onda que acabaria com a Terra entre 2000, segundo Nostradamus, e 2012, segundoo calendário maia. Ele até escreveu uma peça sobre ela, A Onda , que chegou em plena noitedo Oscar quando uma família fútil da Barracurtia a cerimônia transmitida pela televisão. Afamília continuava torcendo, grudada no vídeo,

    esperando ansiosa a abertura dos envelopes en-quanto o apresentador lia E o Oscar de melhorator vai para... enquanto o mundo acabava láfora. Era uma ideia primorosa. Eu fazia a amigada dona de casa que entrava dizendo: Só vimpara dizer que não venho... , mas aí o mundo

    acaba e ela , a personagem, tinha de ficar .Ladies na Madrugada, o espetáculo, após a entra-da de Amir, transformou-se em um sucesso. Noentanto, como Ney Matogrosso já havia gastadomuito dinheiro na produção do espetáculo nãofoi possível a prorrogação da temporada. E issoacabou terminando o ciclo da dupla Mauro Rasie Vicente Pereira na capital paulista. Ainda nosanos 1970, a dupla se muda para o Rio de Janeiro.

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    Capítulo IV

    Mauro e Vicente no Rio de Janeiro:O Tempo do Cosme Velho

    Mauro e Vicente passam a morar juntos em umapartamento no bairro Cosme Velho. Por sinal,um pouco antes de sua morte, Rasi confessoupara Marcus Alvisi: Vivi com o Vicente os diasmais felizes da minha vida. Vivi ao seu lado,durante oito anos, um arrebatamento sem fim.Logo após a morte de Vicente, Mauro falou na

     já citada entrevista para a revista Interview : Deuma certa maneira, o Vicente me trouxe parao Rio. Ele era um espírito mais livre do que eu.Era melhor do que eu. Eu pensava muito e nãorealizava nada, então ficava muito à mercê dele porque eu o admirava! (...) O Vicente foi uma pessoa muito importante na minha vida durantemuitos anos (...) Por um momento, duas almas

     profundamente diferentes se cruzaram e encon-traram o mesmo caminho.

    O tempo do Cosme Velho foi também um perí-odo em que a dupla passava, constantemente,por dificuldades financeiras. Mauro e Vicente re-

    cebiam mesadas dos pais e também trabalhavamnos mais diversos biscates culturais. Mauro, porexemplo, foi um dos roteiristas de Gente Fina é

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    Outra Coisa, filme dirigido por Antonio Calmon,em 1978. Nessa época, Vicente trabalhava comooperador de luz nos shows de Ney Matogrosso.

    A partir do livro Besteirol e Carnavalização, deAlanderson Machado e Marcelo Bruno, e do de-poimento da jornalista Marina Pereira, sobrinhade Vicente é possível se fazer uma rápida bio-

    grafia de Vicente Pereira e ver o momento emque as vidas de Vicente e Mauro se encontram.

    Vicente nasceu em Uberlândia, em 1950. Aos doisanos de idade, mudou-se para Goiânia, onde vi-veu até os 11 anos. Mudou-se para Brasília, onde

    passou por uma adolescência conflituosa. Nessaépoca a família de Pereira morava em uma casade madeira no alto de uma pedreira na Estradade Sobradinho.

    Foi um menino bastante solitário. Não conseguiase adaptar nos colégios em que estudava, o que

    fez com que ele não conseguisse concluir o equi-valente hoje ao ensino fundamental. É na escolaque Vicente começa a experimentar as drogas,entre elas o LSD e a maconha. Por causa de pro-blemas pessoais tentou algumas vezes o suicídio.Aos 18 anos começou a fazer teatro como ator

    na peça Cristo Versus Bomba, de Silvia Orthoff.No início da década de 1970, Vicente morou naEuropa em países como Alemanha e Holanda.

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    Cristo versus Bomba , em Brasília, 1968 

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    Lá trabalhou nos mais diferentes biscates, entreeles, o de lavador de pratos.

    1972 foi o ano em que ele conheceu Mauro Rasi.Vicente comentava a respeito de sua parceriacom Mauro: Ele tinha acesso à informação queeu não tinha e uniu sua inteligência particularà minha inteligência selvagem.

    Thaís Portinho, atriz que encenou diversas pe-ças de Vicente e amiga pessoal dele, conta queo pai de Vicente trabalhou na construção deBrasília. No romance inacabado de Pereira, inti-tulado Memórias de um Sodomita Esotérico, osegundo capítulo da obra, chamado de ArizonaNunca Mais, traz como epígrafe uma frase deJuscelino Kubitschek no discurso inaugural deBrasília: Deste planalto central, desta solidão,lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do país e antevejo. Esse capítulo da obra é onde, justamente, o autor faz reminiscências sobre o

    período em que viveu na nova capital federal.Há uma passagem em que ele fala sobre a suarelação com Brasília: Se existe circunstância ela se chama Brasília. Se há algum lugar que é maiorque os destinos particulares, é Brasília. Uma es- pécie de decifra-me ou te devoro em concreto

    armado. No Arizona, Centro-Oeste. Não era umacidade. Era uma sucessão de porquês. Por queexisto? Por que sou assim? Por que me desqui-

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    tei? Por que me candidatei? Por que vim pararnessa merda de lugar? Por que essa arquiteturaé tão desconfortável? Por que é tão linda? Porque de longe parece um colar de marcassitaimitando o céu? Contato de terceiro grau? Porque essa paisagem é tão maior, tão maior? Porque é invisível pra tanta gente? Quase ninguémte percebe? Ninguém te quer? Pois aqui está seu

    único amante. Tao. Tao te ama. Eu te amo.

    Thaís conheceu Vicente na praia. Na praia, mes-mo. Era o Posto 9 em Ipanema, praia que todos li-gados ao universo artístico frequentavam no Riode Janeiro da década de 1970. Quem apresentou

    Pereira a Thaís foi o ator brasiliense Luiz CarlosBuruca. Logo, Thaís e Vicente se aproximaram. Aatriz tinha cursado a Faculdade Brasileira de Te-atro, onde foi aluna de Dulcina de Morais. Apósa faculdade, atuou como atriz em peças comoO Cunhado do Presidente, de Aurimar Rocha, ea remontagem de O Avarento, de Molière, comProcópio Ferreira e Isolda Cresta. O encontro deThaís e Vicente selou uma profunda amizadeentre os dois e o desejo de trabalharem juntos.

    Data dessa época a tentativa de encenação de A Estrela Dalva. O texto recebeu em seu título o

    nome de uma canção, traço característico que,veremos depois, é fundamental na dramaturgiado escritor mineiro. A peça também se carac-

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    Vicente em 1983

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    teriza por conter severas críticas à instituiçãofamiliar. Ela mostra o confronto entre uma mãerepressora e uma filha de rosto deformado quedeseja ser atriz. A mãe, para impedir a carreirada filha, queima o rosto dela com ácido. A peçachegou a ser ensaiada, seria dirigida por AryCoslov e teria no elenco Thelma Reston no papelda mãe e Thaís Portinho fazendo a filha, Dalva.

    O ator Heleno Prestes representaria Zoltán, oempresário de Dalva. Thaís lembra que Vicenteescolheu o nome Zoba por causa de um eventopitoresco: a atriz Jayne Mansfield teve um filhoque foi atacado por um bicho no zoológico e ofilho da atriz se chanava Zoltán. A peça foi es-

    crita em 1975, mas como houve uma dificuldadeem se conseguir uma sala de espetáculos para aencenação, não ocorreu.

    Foi também no Posto 9 que a atriz e escritoraMaria Lúcia Dahl conheceu Vicente. A praia do

    Posto 9 tinha uma frequência muito grande doscineastas e dos diretores da TV Globo, isso eraum dos motivos que faziam as atrizes irem tantopara lá. Em plena praia, elas conseguiam traba-lhos nos filmes, novelas e espetáculos teatraisque estavam sendo produzidos. Dahl relembra o

    lugar como uma mistura cultural legal . E algumasfrequentadoras do local aderiram à prática dotopless. O topless no Posto 9 chegou a ser tema-

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    tizado na novela Água Viva, de Gilberto Braga,em 1980. Um grupo de mulheres interpretadaspelas atrizes Tônia Carrero, Maria Padilha eMaria Zilda Bethlem decide fazer topless na praiade Ipanema.

    Mais tarde, Dahl passaria a encontrar Vicente emcasa de Ronaldo Resedá. O Ronaldo que morava

    na Rua Resedá, como disse-me a atriz. O céle-bre bailarino e cantor, que eternizou a músicaMarrom Glacê e que trabalhou em encenaçõescomo Pippin, ao lado de Marco Nanini e MaríliaPêra, chegou a escrever um show  infantil comPereira chamado Terra dos Gigantes.

    O ator e escritor Luis Sérgio Lima e Silva que,posteriormente, interpretou o papel de PompeuLoredo, lembra que conheceu a dupla Mauro/ Vicente no tempo do Cosme Velho. Quem apre-sentou Luís Sérgio aos dois foi a atriz e escritoraDenise Bandeira, que morou em Brasília desde

    a sua fundação. Luís Sérgio colaborou com asprimeiras tentativas de montagem das peçasescritas pela dupla. Levou-as até Jorge Ayer,produtor de teatro que estava restaurando ovelho Teatro Mesbla e que incluía no repertórioda casa de espetáculos, produções de bom nível,

    geralmente comédias, escritas por autores bra-sileiros. Foi realizada a leitura de uma das peçasda dupla. No entanto, o humor cáustico aliado

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    ao conteúdo de desbunde assustou, um pouco,o produtor.

    Em 1976, Vicente escreveu Stella by Starlight . Apeça mostra o conflito entre uma mãe castradorae uma filha rebelde. Ali é esboçado um conflitode gerações: a mãe condena o comportamentoda filha pelo fato de que ela namora todos os

    rapazes da vizinhança. A mãe, que sobrevivevendendo salgadinhos, acaba sendo assassinadapela filha no final da peça. Esta passa então aocupar o posto da mãe, o de fazer quitutes parafora, e encerra a peça com uma fala grotesca aodizer que o corpo da mãe servirá como recheio

    para os próximos pastéis que fará.Em 1977, Mauro, Vicente e Luiz Carlos Góes(os três que estavam em Ladies na Madrugada)conceberam uma reunião de esquetes que otrio batizou de Cabe Tudo. O espetáculo teriamúsicas de Eduardo Dussek, que na entrevista

    que me concedeu, relembrou da criação da peçae de suas afinidades com o teatro de Vicente,Mauro e Góes. Dussek diz que o trio de autoresfazia no teatro o mesmo que ele (Dussek) faziana música. Para o cantor e compositor, após ofinal da Tropicália a cultura brasileira andava

    muito sisuda só tratando de temas referentes àditadura militar. Então, ele topou participar deCabe Tudo, cuja ideia partiu do encenador Ary

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    Coslov. Dussek lembra que atrizes como MarietaSevero, Renata Sorrah, Thelma Reston e ReginaRodrigues já estavam acertadas no elenco. Porfalta de produção, acabou não acontecendo.

    Dussek também comenta que os autores do bes-teirol levavam ao palco temas que estavam umpouco esquecidos pela dramaturgia brasileira.

    Ele cita como exemplo os textos de Góes Marilda,a Oprimida e Síndica, Qual é a Tua?

    Importante lembrar que um dos dramaturgosque trouxe o tema da liberação feminina aoteatro brasileiro no final da década de 1960,

    Antônio Bivar, autor de Alzira Power , tambémse considerava muito próximo ao teatro feitopelos autores do besteirol.

    Em Cabe Tudo, algumas características do que otrio escreverá para as peças do besteirol já sãoenxergadas. Uma é a estrutura em esquetes e

    a outra é a referência ao consumo de drogas.As drogas eram um tema em voga no chamadodesbunde dos anos 1970. No primeiro esquete deCabe Tudo, intitulado A Sobrevivente, escrito porVicente, a personagem Oriana Gabriela entrevistauma sobrevivente do Triângulo das Bermudas.

    Oriana – Srta. Tostes, a senhora não disse o queaconteceu depois da tempestade.

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    Sobrevivente  – Bom, depois, estranhamente,tudo voltou a ser como era: o céu, o mar, meusamigos, eu, que com exceção das joias que meforam arrancadas, estava ilesa. Ficamos eufóri-cos por termos escapado. Levantamos mais querapidamente, um brinde em homenagem aoTriângulo, fizemos uma grande festa a caráterno convés, todos vestidos de bermudas, e tudo

    teve seu ápice quando avistamos as luzes deMiami. Estouramos mais champagne, batemosumas fileiras. E cá estou Oriana, com vocês.

    Na já citada entrevista de Rasi para a Interview,o dramaturgo fala de sua relação com as drogas

    na década de 1970: Tomava tudo! Ácidos, chá decogumelo, rabo-de-galo, uísque, cocaína... aque-las coisas da época, só perda de tempo mesmo. A década de 1970 foi muito ruim. Viu como foitriste o Revival de Woodstock? Dá para montarHair  de novo? Com peruca? Sem a guerra doVietnã? Não tem mais sentido nada disso.

    Outras características do besteirol  já podem servistas em Cabe Tudo: uma delas é tratar de te-mas da atualidade. Na época em que a peça foiescrita, o Triângulo das Bermudas era um temaque provocava discussões na mídia. O Triângulo

    das Bermudas é uma área de aproximadamente1,1 milhão de km2, situada no Oceano Atlânticoentre as ilhas Bermudas, Porto Rico e Fort Lau-

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    derdale (Flórida). Sua fama aconteceu porque láocorreram diversos desaparecimentos de aviões,barcos de passeio e navios. Tais sumiços nuncaforam bem explicados, todas as explicaçõespara os acontecimentos utilizavam-se do sobre-natural. E o sobrenatural e o misticismo eramalgo importante pra Vicente. Além disso, tantoVicente quanto Mauro, Góes e Miguel Falabella

    gostavam de abordar em suas obras o universoda dita alta sociedade. Esse ponto é um dos moti-vos que fez o besteirol ser considerado algo fútile descartável por uma parcela da crítica teatral.

    Um dos esquetes de Cabe Tudo, por exemplo,

    mostra os bastidores de um desfile de moda. Issomuito antes da febre do São Paulo Fashion Weeke seus similares, que tanto assolam a mídia nosdias de hoje. Trata-se do Desfile da boutiqueBôdaco, de Luiz Carlos Góes. No esquete, umhomem e uma mulher começam a apresentar odesfile utilizando os mais variados clichês sobremoda. O desfile começa, as manequins tropeçame tudo se encaminha a um final desastroso.

    Em 1978, Mauro escreveu para Thaís Portinho omonólogo Se Minha Empregada Falasse. FlávioMarinho em seu livro Quem tem Medo de Bes-

    teirol?  resume a obra: A peça conta a história deEma (Thaís Portinho), uma personagem médiaclasse média (sic), solteirona e solitária. Mora

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    num mínimo conjugado de um enorme espigãode grande cidade e se dá ao luxo de ter uma em- pregada, Delizeth (Sônia Cláudia), três vezes por semana. Esta personagem só aparece uma únicavez (de esparadrapo na boca e estendendo a suacarteira de trabalho para a patroa assinar), mas é– e este foi o artifício encontrado pelo autor paraEma não ficar falando para as paredes – como

     se estivesse sempre em cena: Ema passa quasetodo o monólogo dirigindo-se a ela, reclamandodela, dando-lhe ordens.

    Em Se Minha Empregada Falasse, Vicente tra-balhou diversas vezes como operador de som. A

    peça teve uma carreira razoavelmente exitosa.Além do Rio de Janeiro, esteve em cartaz noTeatro de Arena em São Paulo e fez uma turnêpelo Centro-Oeste e Nordeste do país.

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    Capítulo V

    Vicente Pereira: Religião e Teatro

    Em 1980, a dupla Rasi e Pereira escreveu duascomédias para os palcos cariocas. Uma é As 1001Encarnações de Pompeu Loredo, a peça queprovocou a criação do nome besteirol . A outraera À Direita do Presidente, uma sátira políticaque se passava em Brasília no dia de uma possepresidencial. O texto trazia muito da memóriade Vicente, da cidade. Apesar de ter nascido emMinas Gerais, foi na nova capital federal que elepassou sua infância e adolescência. Foi lá tam-bém que ele conheceu Ney Matogrosso, o quemodificou completamente a sua vida, visto quefoi o cantor que o levou para São Paulo, ondeVicente começou a trabalhar como figurinistae cenógrafo do grupo Secos & Molhados. É na

    Brasília de 1968, época em que trabalhava comoator, sob a direção de Sílvia Orthof, que Vicenteconhece, na casa do ator Sérgio Mauro, aquelaque será sua musa e melhor amiga: a atriz DuseNacaratti. Duse lembra do amigo como alguémgeneroso, crítico, sem ser pedante. Diz também

    que: Vicente era uma luz em nossa vida. Há umapassagem de  À Direita do  Presidente em queLeda e Fúlvio recordam Brasília no seu começo.

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    Leda  – De repente, tive uma noção exata decomo as coisas mudam e a gente não sente.Vai ficando tudo pra trás. (Pausa) Me lembreiquando eu vim pra cá. Faz tanto tempo... Tô aquidesde a inauguração. Nem tinha a Esplanada dosMinistérios. E hoje ele está engarrafado (sic) ,compreende? É tempinho bom... Morava lá nacidade livre. Aquelas casinhas todas de madeira.

    Só tinha homem... Parecia filme de Bang – bang.Era raro ver uma mulher. (Estremece novamen-te) Que coisa estranha... estou lembrando comtanta precisão...Fúlvio – Eu também morei lá. Velhacap. Vila Pla-nalto... vou te contar uma verdade. Foi o melhor

     período da minha vida. Eu me sentia como naCalifórnia durante a corrida do ouro.

    Em uma outra passagem, as personagens recor-dam o discurso de Juscelino na posse presidencial,o mesmo fragmento que Vicente escolheu comoepígrafe de um dos capítulos do seu romance:Fúlvio – Pelo menos aqui se vê o horizonte emqualquer lugar.

    Leda (Levantando-se como se estivesse possuída,diz de memória um trecho do célebre discursode JK) – Deste Planalto Central... desta solidão,

     se transformará em breve no centro de decisõesdeste país. Antevejo o futuro desta nação..., etc.(Senta e começa a chorar)

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    Outro lugar do Distrito Federal que é citado em À Direita do Presidente é o Vale do Amanhecer.Tal referência encontra-se no final da peça.Quando o presidente toma posse, realiza-seno vale um ritual de energização para o novomandatário da nação. Vicente tinha uma liga-ção muito profunda com o Vale do Amanhecer,templo esotérico fundado em Brasília pela Tia

    Neiva, uma migrante nordestina. Entre outrascoisas, Neiva foi a primeira mulher a ter umaautorização de caminhoneira no Brasil e, quandoBrasília estava em construção, começou a funda-ção desse espaço místico que hoje é conhecidomundialmente. Amir Haddad contou-me que

    uma das passagens mais importantes de suavida foi quando Vicente o levou até o Vale e oapresentou a Tia Neiva, em 1983. Vejamos em À Direita do Presidente, o desfecho da peçaonde aparece um ritual do Vale do Amanhecernarrado por um locutor de televisão:

    Locutor – Desde as sete horas da manhã se ou-vem os atabaques, os cânticos e as saudações para o povo da nação aqui no Vale do Ama-nhecer. Vai, aí, ó Jader, a imagem dessa imensafalange, como diz Tia Neiva, vestidos de branco,acendendo vela, e emitindo vibrações para essa

    nova era que desponta. (...)Meira – Jader, daqui do Vale do Amanhecer oinício dos rituais, Tia Neiva se encaminha para

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    o centro da cerimônia. Os atabaques estão emfila começando a cerimônia.Voz de mulher  – Nós, da falange do Vale do Amanhecer, aqui reunidos nesta ponte de for-ça, mandamos as nossas energias para saudaro novo chefe da nação. (Som de atabaques eaplausos) Salve a linha da Umbanda. (Atabaques)(Aplausos e vozes) Salve a linha de Umbanda.

    (Atabaques, aplausos, cânticos): Caboclo, pegueo seu bodoque, pegue a sua flecha, o galo jácantou, pois o dia já raiou lá na Aruanda, Oxaláme chama para a sua banda.

    Vicente era muito conhecido pelo sincretismo

    religioso. Vale do Amanhecer, Santo Daime(prática para a qual conduziu amigos, entre osquais, Ney Matogrosso, Eduardo Dussek, DuseNacaratti, Caio Fernando Abreu, Carlos AugustoStrazzer e Rubens de Araújo), Teosofia, Seitado Abraço, Terapia Fischer Hoffmann, Rajneesh

    (ou Osho) foram algumas das práticas místicas eesotéricas que ele experimentou e frequentou.Mauro Rasi, em uma crônica para o jornal O Glo-bo chamada O que dizem as pessoas, lembrouda procura mística de seu amigo e de toda umaturma que tinha Vicente como guru: Esse assunto

    me lembra o querido e saudoso Vicente Pereiraque já antevia o fim dos tempos na década de1970. Praticava todas as religiões. Ora era o

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    abraço, ora o Daime, ora a Madame Blavatsk  (sic)....de tudo um pouco. Era uma corrida atrásdos gurus da época. As religiões eram lançadascomo coleções de grandes costureiros. Haviao Passini, fundador da seita do abraço. Era oGaultier-esotérico da época(...) Sem falar no Rá,claro. Quem não comia com talheres entortados pelo Thomas Green Morton era um pária. Tinha

    os adeptos do Trigueirinho, que afirmava que osextraterrestres vinham do Triângulo das Bermu-das, um dos acessos ao centro da Terra – o outro,naturalmente estava em Brasília. Já na Chapadados Guimarães havia uma saída de emergência,atrás da cachoeira do véu da noiva. Sem falar na

    Fraternidade Branca, nos Sete Raios, etc. Cadadia era uma novidade. Diziam que o mundo iaacabar em 1987, que o Ney, a Simone e o Gil játinham comprado um terreno perto do Vale do Amanhecer, porque Brasília seria o único lugarno mundo que sobreviveria ao Apocalipse. E logo

    Brasília, hein, com aquela carga toda! Aí tinhagente que vendia tudo e ia pra lá, esperar o fimdo mundo... Isso até surgir outra moda.

    O ator Mário Borges lembra de um chá no apar-tamento de Vicente, onde estavam Vicente,

    Mário e Analu Prestes. Vicente resolveu jogaro seu famoso tarô e naquela tarde, ao jogar,dizia quais foram as vidas passadas de Mário e

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    Analu. Mário disse-me que Vicente falou paraele que em outra encarnação, ele havia sido ummédico russo.

    Chamar Vicente de guru de uma geração, se-gundo disseram, Eduardo Dussek e Maria LúciaDahl, não é um exagero. Os dois atravessaram

     juntos com o escritor pela busca mística. Dahl,

    por exemplo, estudou o Rajneesh influenciadapor Vicente.

    E a atriz também foi uma a participar da Seitado Abraço do guru Carlos Passini (ou Pacini, háregistros com as duas grafias) citada na crônicade Mauro Rasi. O ator Rubens de Araújo relem-bra o começo da terapia do abraço. Ele conta quePassini era goiano e chegou ao Rio de Janeiro sedizendo a encarnação de Buda, Maomé e JesusCristo. Os primeiros encontros para o abraçoterapêutico aconteceram nas residências da es-critora Regina Braga (homônima da atriz), uma

    das autoras do remake da novela Selva de Pedra.Outra sessão do Abraço aconteceu em casa daatriz Lucélia Santos. Maria Lúcia Dahl tambémrelembra ter cedido a sua casa para um ritualdo abraço. Depois, Passini criou um local ondese desenvolvia o princípio da seita. Havia os que

    adquiriram o direito de dar o abraço ao públicoque comparecia. Entre os que transmitiam esseabraço estavam Carlos Augusto Strazzer, Ney

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    Vicente com Passini e o abraço

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    Matogrosso, Vicente Pereira e Rubens de Araújo.Passini sumiu, a última notícia que tiveram dele,pelo que me falou Rubens de Araújo, foi a deque ele estaria nos Estados Unidos compondomúsicas de estilo new  age.

    Em relação ao Daime, Vicente funcionou comouma espécie de sacerdote. O escritor Caio Fer-

    nando Abreu brincava com o amigo dizendoque Vicente era A sacerdotisa do Daime. Dusseklembra que o Santo Daime havia sido levado atéo Rio de Janeiro por nomes como Alex Polari,poeta que esteve envolvido com a resistênciaao regime militar no Brasil. Polari, é importante

    lembrar, esteve na mesma prisão que o filho daestilista Zuzu Angel, Stuart, que foi assassinadopelos militares.

    Foi no ano de 1996 que Mauro Rasi escreveu ADama do Cerrado, na verdade uma reproduçãode uma grande parte de À Direita do Presidente.

    Mauro apenas trocou uma personagem secun-dária, mas a ideia e a trama eram iguais. Comoele não deu o devido crédito a Vicente Pereira(àquela altura já falecido), a situação provocouuma revolta entre os amigos de Pereira, espe-cialmente Ney Matogrosso. Em sua biografia

    intitulada Nunca Fui Anjo, a atriz Aracy Balaba-nian, protagonista de À Direita do Presidente,comenta o episódio: A primeira peça que eu fiz

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    aqui no Rio de Janeiro foi À Direita do Presiden-te , do Mauro Rasi e do Vicente Pereira, com oGracindo Jr. (...) Anos depois, o Mauro Rasi tirouo nome do Vicente e estreou a peça com outronome, A Dama do Cerrado , com a Suzana Vieira.O Ney Matogrosso me ligou para falar que estavachateado, porque os pais do Vicente estavamvelhinhos e não iam receber nada pela peça. Eu

     pedi para algumas pessoas verem, por que seriaestranho se aparecesse. A Louise Cardoso, quehavia gostado muito de mim no espetáculo, megarantiu que era igualzinho. Quando a Louise saiu do teatro, Mauro avisou: Se você achar al-guma semelhança, é mera coincidência.

    Foi também entre o final dos anos 1970 e o iní-cio dos 1980 que a dupla escreveu Espelho deCarne, drama psicológico sobre um casal cujomarido adquire em leilão o espelho que per-tencia a um prostíbulo. A partir do momento

    em que colocam o espelho na casa, ocorre umamudança comportamental nos dois, assim comoem mais três personagens que circulam peloambiente: um casal mais velho e uma vizinha.O espelho faz com que todos vivenciem relaçõessexuais diversas (incluindo o homossexualismo),

    além de experimentarem drogas, especialmente poppers, a grande novidade da época, advindados Estados Unidos, e que por muito tempo foi

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    a moda nas boates. O texto nunca foi encenado,porém durante um tempo, Amir Haddad deteveos direitos da obra. Era sua intenção encená-lacom o seu grupo Tá Na Rua, no entanto, eledemorou muito tempo para conseguir levar otexto ao palco. Disse-me Amir que quando esta-va concretizando a montagem, Vicente já haviacedido os direitos do texto ao cineasta AntônioCarlos da Fontoura, que ao ler a peça viu ali umgrande filme. Fontoura transformou Espelhode Carne em um filme que foi rodado em 1984,tendo no elenco Daniel Filho, Dênis Carvalho,Hileana Menezes, Maria Zilda Bethlem e Joana

    Fomm. Desde a sua estreia no Festival de Gra-mado de 1985, a película causa um rebuliço queenvolve a crítica e os seus participantes. MarcusAlvisi lembra que Vicente ficou descontente como resultado de sua peça na tela. Achou que osexo tornou-se o eixo da obra. Para Vicente, o

    sexo na história não era o elemento principal.Alguns críticos destruíram o filme na época deseu lançamento. E comenta-se que Daniel Filhose arrependeu de ter trabalhado nele, já que napelícula há uma cena de relação homossexualentre o seu personagem e o de Dênis Carvalho.

    No entanto, o filme mantém uma legião de fãsaté hoje, o que faz com que, frequentemente,seja exibido no Canal Brasil.

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    Em 1981, Rasi, Pereira e Alcione Araújo escreve-ram Doce Deleite. Marco Nanini, que protagoni-zou a peça durante quatro anos, em entrevistaa Simon Khoury, na série Bastidores, lembroucomo foi o processo de criação da peça: Naverdade, tinha pensado em fazer Doce Deleite enquanto fazia Os Filhos de Kennedy. Queriafazer um espetáculo que reunisse dois atores,

    um homem e uma mulher, e os mostrasse nocamarim, se preparando para entrar em cena, edepois no palco. Essa era a ideia. Cheguei a falarcom Irene Ravache sobre isso, chegamos a nosreunir uma duas ou três vezes, mas o projeto nãofoi adiante. Quando estávamos fazendo O Brasil

    da Censura à Abertura , comentei com Maríliaaquela minha ideia, e ela achou interessante.Então começamos a nos encontrar na casa delacom diversos autores, e daí nasceu Doce Deleite.Pedimos a muita gente que bolasse esquetes para nós. O John Neschling nos deu uma ópera, e

    o Alcione Araújo – que dirigiu o espetáculo – es-creveu, a nosso pedido, um quadro sobre velhos.Fomos juntando fragmentos, textos, piadas, e acoisa aconteceu.

    Alguns críticos teatrais da época compararam a

    escrita de Mauro e Vicente em Doce Deleite àscenas cômicas da televisão. Será em 1984 queVicente começará sua trajetória como redator

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    de programas humorísticos da televisão brasilei-ra. Vicente escreve para os programas de ChicoAnysio. Criou para o humorista uma personagemmarcante, O Profeta, que encerrava os progra-mas de Chico.

    Além de Vicente, Mauro Rasi teve também umaprofícua carreira como roteirista de TV. Mauro e

    Vicente fizeram parte da equipe de redatores doseriado Tamanho Família para a TV Manchete.Na Rede Globo integraram a equipe de redato-res da Armação Ilimitada e foram criadores daTV Pirata.

    Mauro e Vicente escreviam juntos da seguinteforma: Vicente só escrevia a mão, não sabiaescrever a máquina. Portanto, era Mauro oencarregado de datilografar as peças. Assim,nesse processo colaborativo Mauro e Vicenteviveram e criaram juntos durante oito anos emum apartamento no Bairro do Cosme Velho, noRio de Janeiro.

    Em 1982, a dupla Rasi e Pereira se desfaz; passama escrever individualmente.

    Em 1985, a dupla, junto com Leopoldo Serran

    e Geraldo Carneiro e, um pouco depois, MiguelFalabella integraram a equipe de roteiristas doseriado Tamanho Família, da Rede Manchete.

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    Tamanho Família foi uma criação do dramatur-go e novelista Bráulio Pedroso, autor de umadas mais importantes telenovelas brasileiras,O Rebu. Integravam o elenco do seriado SuelyFranco, Ivan Cândido, Diogo Vilela, Zezé Polessa,Stela Freitas, Nildo Parente, Elizabeth Henreid e,estreando na televisão, Caio Junqueira.

    Em Tamanho Família, os autores fizeram largouso da paródia cinematográfica.

    É só examinar os títulos de alguns episódios: Nos-ferata, A Vampira da Caatinga, A Rosa Púrpurado Crato e Cinderela do Crato.

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    Capítulo VI

    Vicente Pereira: O Ciclo Pepe e o FascínioPelo Cinema

    Quando se separa de Mauro Rasi, Vicente inau-gura o que ele mesmo chamava de O Ciclo da

    Pepe. Trata-se da época em que passa a morarcom Carlos Augusto Strazzer, na Travessa Pepe,em Botafogo, tendo como vizinhos a amiga/ musa Duse Nacaratti, Miguel Falabella e, duran-te um período, Eduardo Dussek, Diogo Vilela,Marcus Alvisi e Cláudio Gaya. É lá na Pepe queVicente conhecerá o seu novo parceiro na dra-maturgia, Miguel Falabella.

    Miguel Falabella lembra de uma adaptação queo amigo fez do poema intitulado Ilusões de Vida,de Francisco Otaviano:

    Quem passou pela vida em branca nuvemE em plácido repouso adormeceu;Quem não sentiu o frio da desgraça,Quem passou pela vida e não sofreu,Foi espectro de homem – não foi homem,Só passou pela vida – não viveu.

    Vicente recriou o texto de Otaviano concebendoa seguinte versão:

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    Quem passou pela Pepe em branca nuvemE em plácido repouso adormeceu;Quem não sentiu o frio da desgraça,Quem passou pela Pepe e não sofreu,Foi espectro de homem – não foi homem,Só passou pela Pepe – não viveu.

    No ano de 1982, Vicente parte para uma carreira

    solo como dramaturgo. Data dessa época a escritae a encenação de A Noite do Oscar , definida peloautor como uma comédia hedionda. Com A Noitedo Oscar , Vicente pôde tratar de um dos univer-sos que mais o fascinava, a saber, o cinema. Naepígrafe da peça, Vicente diz: A vida é um filme,

    citação que o dramaturgo atribui a um autor porele criado chamado Alfredinho Planhanhã.

     A Noite do Oscar mostra o encontro de umadona de casa e o seu marido, uma ex-miss Brasil,uma anciã e um diplomata, que se reúnem paraassistir à cerimônia de entrega dos prêmios da

    Academia de Artes e Ciências Cinematográficasdos Estados Unidos. Vicente Pereira escreveu noprograma da peça sobre a sua estética teatral e aescrita do texto: A Noite do Oscar surgiu de umdisco antigo (pasmem!) com músicas de filmesdo pianista cafona Liberace. Junte isto à minha

    formação esotérica, minha adolescência em Bra- sília – antes de saber o que era realidade social,eu já sabia o que era passe magnético – e minha

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    convicção de que uma grande transformaçãogenética espiritual, mística e social se aproxima. Antevejo um lindo futuro para a humanidade,depois do caos. Se não concordam, não se abor-reçam, não me levem tão a sério. Sou tão descar-tável quanto um aparelho de barbear. Abro mãocom a maior facilidade de tudo o que é sério e profundo. Só não me privem, por favor, de rir e

    fazer os outros rirem. Quero, descaradamente, ser a Rita Lee da dramaturgia. Vinde a mim ascriancinhas. Paz a todos os seres.

    Interessante notar a posição que Vicente assumeno programa da peça. Ele mesmo já se classifica

    como um autor descartável . Também, assumecomo  profissão de fé o fazer rir no teatro. Ecria uma frase de efeito para tanto: Quero ser aRita Lee da dramaturgia. Além de uma citaçãobíblica: Vinde a mim as criancinhas. Vicente ado-rava criar frases de efeito a partir da bíblia. Umoutro exemplo que já apareceu neste livro é aadaptação da frase: Onde dois ou mais estiveremreunidos em meu nome, ali eu estarei . Vicentedizia: Sempre quando tiveres mais de três pes- soas reunidas e for falado o nome de Deus, euestarei entre eles. Mas sempre com um decotebem profundo.

    A encenação do texto A Noite do Oscar  coubea Luiz Carlos Ripper, na época um dos maiores

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    cenógrafos do teatro brasileiro. Ripper foi res-ponsável pela ambientação visual da mítica mon-tagem de Hoje é Dia de Rock, de José Vicente,encenada por Rubens Corrêa no Teatro Ipanema.O nome de Ripper também esteve vinculado aocinema, um exemplo é Xica da Silva, de Cacá Die-gues. O cenógrafo imprimiu ao texto de Vicenteum caráter espetacular. O cenário (também uma

    criação de Ripper) tinha uma tela de neon. Noalto do palco estava escrito em neon A vida é umfilme. A obra faz constantes citações ao mundocinematográfico. Um exemplo está na terceiracena do drama em que a personagem Lílian, adona de casa, recebe Vera, a ex-miss Brasil, em

    seu apartamento. A rubrica diz:

    Prefixo de cinema ou introdução de algumamúsica de musical famoso. Lílian se entusiasma,entrega-se ao clima de glamour.Lílian  – My name is Lolita... but you can callme… Lili.Ergue os braços mexendo nos cabelos numaclássica pose de alguma estrela qualquer. A cam- painha toca. Lílian, a contragosto, vai atender.Entra uma mulher de capa de chuva, bastantemolhada.Vera – Que susto! Pensei que fosse a Jean Harlow.

    A estrutura dramática da peça é arquitetada comdiálogos que sempre remetem o espectador ao

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    universo cinematográfico. Vicente considerava apeça A Noite do Oscar  o seu melhor texto. O dra-maturgo na peça, além de prestar um tributo aocinema, intenta fazer uma crítica aos costumesde uma classe média decadente, uma temáticaque sempre motivou a considerada SantíssimaTrindade dos autores do besteirol: Mauro Rasi,Vicente Pereira e Miguel Falabella. Na peça de

    Vicente, aparece em vários momentos um con-fronto entre o ser e o parecer. Um exemplo estána discussão do casal anfitrião.Lílian – Não desconverse, Nelson. Quero a sua situação. Você pagou as contas de luz? Nelson  – Não. Você usou todo o dinheiro e

    mais o da prestação do freezer para compraros camarões...Lílian  – Peça à tia Clarissa. Estamos com duascontas atrasadas.Nelson – Ela já me deu, mas vou usá-lo para asmensalidades do clube. Da última vez quase

    fui barrado.

    O casal Lílian e Nelson, para fugir da bancarrotafinanceira, é ajudado pela tia de Lílian, Clarissa.Há uma passagem em que a personagem Lílian,para manter a aparência, em relação aos dois

    visitantes, comenta o porquê da presença da tiana recepção:Vera – Coitada, tão lúcida!

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    Lílian – A velhice é muito triste. A gente esquecetudo o que se passa. Coitada, ninguém quis ficarcom ela. Sabe como é, cuidar de velho ninguémquer; é complicado. Fiquei com pena e resolve-mos cuidar dela.Vera – É muito importante fazer caridade.Jofre – Garantir o nosso lugar no céu. (Ergue ocopo) À nossa!

    As duas –  À nossa!

    Thaís Portinho, Nildo Parente e Mário Borges,que integravam o elenco de A Noite do Oscar ,desde a encenação de 1982 passaram a cultivaruma tradição. Todos os anos, os três mais odiretor Ary Coslov se encontram para assistir a

    entrega dos prêmios da Academia.

    E é justamente o universo cinematográfico otema que provocou a primeira união comodramaturgos de Mauro Rasi, Vicente Pereira eMiguel Falabella. Trata-se do espetáculo MiguelFalabella e Guilherme Karam, finalmente juntose finalmente ao vivo – foi também a peça quelançou a dupla Falabella e Karam. A estreiafoi no Teatro Candido Mendes em dezembrode 1984. Foi também um momento em que obesteirol escolheu a sua estação de ano diletapara estreia das peças: o verão. É importante

    lembrar que as chanchadas da Atlântida, um dosprecursores do gênero, também programavama estreia dos seus filmes para o verão.

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    No livro Besteirol e Carnavalização, é feitauma síntese de Miguel Falabella e GuilhermeKaram, finalmente juntos e finalmente ao vivo:Dois atores que trabalharam juntos, e que seodeiam mortalmente, pela primeira vez serãovistos em público, entregando um Oscar à me-lhor atriz. A partir daí, desenvolve-se todo oespetáculo, composto de cinco quadros (que

    mostram as atuações dos dois), intercalados deentrevistas que a repórter, Scarlet Sun, faz pelaTV, enquanto espera imagens diretas de Los Angeles. A reportagem e filmes indicados paraa premiação são apresentados em vídeo. Os qua-dros, onde Falabella e Karam dão um show de

    versatilidade e interpretação, são os seguintes:Avenida Pôr do Sol (sátira ao filme Sunset Bou-levard , Crepúsculo dos Deuses de Billy Wilder);O rouxinol de Hollywood (sátira ao filme O QueTerá Acontecido a Baby Jane? de Robert Aldri-ch – traz a dupla em cadeiras de rodas tratando

    da rivalidade de grandes estrelas envelhecidas);O retrato de Doris Day  (sátira ao filme GungaDin de Howard Hawks, que na verdade é umaespécie de Indiana Jones às voltas com um hinduque discute o pagamento do Karma); Eu vivereiamanhã. Destacam-se dois vídeos: Karam como

    Scarlet Sun e na apresentação dos filmes, Fa-labella como Esther Williams, em Tubarão. Osdois contracenam ainda em Julia, Momento de

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    Decisão e Mamãezinha Querida. Toda a parteem que é feita a paródia da noite dos prêmiosOscar, com os monitores apresentando as outras paródias, gravadas com a dupla, citadas acima,é falada em inglês. Este espetáculo onde sãoreverenciados os artistas/ídolos do cinema dostrês autores, é considerado um dos pontos altosdo gênero besteirol.

    Para este espetáculo, Vicente escreveu o esqueteEu viverei amanhã, título que parodia o filmeEu chorarei amanhã, de Daniel Mann. O autordefiniu seu texto como um drama existencial.

    O esquete de Vicente faz uma reverência à Nou-velle Vague. Na rubrica inicial, Vicente indica quea trilha sonora do esquete seja Juliette Greco,

     justamente uma das cantoras que foi musa domovimento existencialista francês. O texto écomposto por diversas citações que são ditaspela dupla Falabella e Karam. O dramaturgo

    cita Lao-Tsé, Proust, Antonioni, Bergman. Oconstante uso do recurso da citação no TeatroBesteirol vem ao encontro do que Miguel Fala-bella disse-me sobre o gênero: O besteirol eramuito sofisticado. Se você não soubesse quemera Oscar Wilde e Dorian Gray você perdia a

     piada. Se você não soubesse o que era nouvellevague, o estilo de interpretação de DelphineSeyrig em O Ano Passado em Marienbad , você

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    não fruía a piada. Há também no esquete Euviverei amanhã  a citação de um diálogo queVicente havia tido com a sua mãe:Miguel – Vou mandar reformar os móveis, pintaras paredes... Vou mudar tudo. Vou fazer um loft. Aquela parede eu vou empurrar para lá... Aquelavou puxar pra cá... Aquela...Karam – Você pensa que parede tem roda? 

    Segundo, a atriz Thaís Portinho, originalmente odiálogo aconteceu quando a mãe de Vicente foivisitá-lo no apartamento que ele tinha compradona Avenida Niemeyer, no Rio de Janeiro. O apar-tamento dele era ao lado do Hotel Sheraton, e

    a sua mãe teria dito: Filho desloca esta parede para cá. Assim, você tem outra visão da praia edo hotel. Vicente, então, respondeu: Mãe, você pensa que parede tem roda? . Ressalte-se queMauro Rasi aproveitou o mesmo diálogo em suafamosa Pérola:Norma – Sua mãe não para de aumentar essafrente...Pérola – Acabar com essa casa em formato defunil, só sobra esse quintal pra gente pode