o méxico de alejandro jodorowsky em la montaña sagrada.pdf

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    Cinmas dAmrique latine20 | 2012:

    Varia

    O Mxico de AlejandroJodorowsky em La montaasagrada

    ESTEVOGARCIA

    p. 4-23

    Traduction(s) :

    Le Mexique dAlejandro Jodorowsky dans La Montagne sacre

    Rsums

    PortugusFranaisO artigo se prope a analisar a representao do Mxico em La montaa sagradade AlejandroJodorowsky. Para tanto, o texto se inicia com uma introduo em que mencionada brevementea recepo da obra de Jodorowsky pela crtica e pela historiografia do cinema mexicano e o estadoemque se encontra os estudos sobre a obra do cineasta nos dias de hoje. Emseguida, procuramosdelinear a trajetria artstica de Jodorowsky desde a sua chegada no Mxico como encenadorteatral em 1960 at a sua estreia no cinema com a realizao de seu prime iro filme Fando y Lis.

    Logo, na terceira parte do ensaio, analisamos o filme La montaa sagrada por meio de duascenas: a cena do massacre aos estudantes e a cena da representao do Grande Circo daConquista do Mxico. Atravs dessas duas cenas estudamos o confronto entre o Mxico mtico e oMxico contemporneo presente no filme e o seu dilogo estabelecido com a viso do Mxico e dacultura ancestral mexicana de Antonin Artaud.

    Larticle se propose danalyser la reprsentation du Mexique dans La Montagne sacredAlejandro Jodorowsky. Aussi, le texte commence par une introduction qui mentionne

    brivement la rception de luvre de Jodorowsky par la critique et lhi storiographie du cinmamexicain, ainsi que ltat actuel des recherches sur luvre du cinaste. Ensuite, larticle retracela trajectoire artistique de Jodorowsky depuis son arrive au Mexique comme metteur en scnede thtre en 1960, jusqu ses dbuts au cinma avec la ralisation de son premier film Fando y

    Lis. Puis, dans la troisime partie de lessai, lauteur analyse ce film travers deux squences :celle du massacre des tudiants et celle de la reprsentation du Grand Cirque de la conqute duMexique. travers ces deux squences, lauteur tudie la confrontation entre le Mexiquemythique et le Mexique contemporain prsente dans le film ainsi que le dialogue tabli avec la

    vision du Mexique et de la culture ancestrale mexicaine dAntonin Artaud.

    Entres dindex

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    Mots-cls : Jodorowsky (Alejandro), cinma latino amricain moderne,Artaud (Antonin)Palavras chaves : Jodorowsky (Alejandro), cine Latinoamericano moderno,Artaud (Antonin)

    Notes de la rdaction

    Artculo publicado enBrasil - Mxico: aproximaes cinematogrficas(Tunico Amancio eMarina Cavalcanti Tedesco (org.), Universidade Federal Fluminense, 2011).

    Texte intgral

    La montaa sagrada(Mxico, EUA, 1973).

    Pretty Pictures - Paris - 2006 / Collections La Cinmathque de Toulouse

    Introduo

    Ao longo de muitos anos, a obra flmica de Alejandro Jodorowsky esteve distante dopblico e do campo da reflexo cinematogrfica. A discrdia com o produtor Allen Klein detentor dos direitos de El Topo (Mxico, 1970) e La montaa sagrada (Mxico,

    EUA, 1973) impediu o acesso aos seus principais filmes. Seu primeiro filme, Fando yLis (Mxico, 1967) tampouco era acessvel. Ao longo dos anos de 1980 e 1990,Jodorowsky era mais conhecido por suas outras atividades roteirista de histrias emquadrinhos, principalmente, especialista em tar, terapeuta, romancista, poeta quecomo cineasta. Sabia-se que o roteirista do famoso desenhista Moebius tinha realizado

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    No Mxico, antes de entrar no mundo docinema

    filmes. No entanto, era extremamente difcil chegar at eles. A curiosidade de conhecerseus filmes se originava, muitas vezes, a partir do interesse e da admirao de suashistrias em quadrinhos. Esse ostracismo somente terminou nos anos 2000, quandocomeou a ser possvel baixar os seus filmes pela internet. Assim, as j velhas e asnovas geraes puderam entrar em contato pela primeira vez com a sua filmografia. Em2004, Jodorowsky e Klein fizeram as pazes e anunciaram a remasterizao dos filmesemDVDe sua posterior distribuio pela Europa e pelos EUA, o que foi feito em 2007.Em 2006, as cpias em 35 mm deEl TopoeLa montaa sagrada foram restauradas e

    exibidas na sesso Classics do Festival de Cannes do mesmo ano. Podemos afirmar quedurante todo esse perodo em que o cinema de Jodorowsky permaneceu inacessvel, areavaliao e a reinterpretao de sua filmografia foram praticamente nulas. Nesseespao de tempo os antigos clichs sobre a sua obra se mantiveram, em sua maiorparte, intactos.

    Este ensaio se insere, portanto, no contexto da reinterpretao crtica que afilmografia de Jodorowsky vem sofrendo nos ltimos anos. Se podemos afirmar que ointeresse esttico pelos seus filmes se renovou no mbito internacional, tambmconstatamos que o estudo de sua filmografia aplicada ao contexto cinematogrficomexicano ainda bastante parco. Quais foram os efeitos provocados pelos seus filmesno interior da cinematografia mexicana? Como foi a recepo crtica aos seus filmes ecomo eles se inserem na historiografia do cinema mexicano? Essas perguntasapresentam suas possveis respostas embora elas ainda sejam muito pouco procuradasnos estudos recentes. Para os nossos propsitos, cabe-nos indicar que o olhar tanto dacrtica quanto da historiografia mexicana a Jodorowsky foi freqentemente negativo,como apontam (BLANCO, 1986, p. 392-400) e (RIERA, 1994a, p. 256-262), (RIERA,1994b, p. 283-286), (RIERA, 1994c, p. 30-34). Portanto, sugerimos nesse estudo umacontrapartida e, em vez de analisar o olhar mexicano figura do artista vanguardistachileno vindo da Frana chamado Alejandro Jodorowsky, propomos investigar o olharque Jodorowsky direcionou ao pas atravs de seu principal filme: La montaasagrada. No caminho de nosso objetivo, optamos por descrever a sua entrada noquadro cultural mexicano como diretor teatral no inicio dos anos de 1960, antes de suaestreia na realizao cinematogrfica em 1967. Aps essa descrio, veremos o perodoque abrange o incio de sua trajetria no cinema at a realizao de La montaasagrada, filme que demarca o alcance de sua maturidade estilstica e a estruturao desua declarao de princpios. Neste processo, h um ajuste em sua esttica cujo pice o filme analisado. O olhar estrangeiro de Jodorowsky ao Mxico se insere no histricoem que outros artistas vanguardistas vindos do exterior experimentaram a aventura de

    viajar ou viver naquele pas. Entre esses, faremos uma breve meno comparao dapostura de Jodorowsky e de Lus Buuel diante do pas e nos deteremos, maisespecificamente, na aproximao com o olhar de Antonin Artaud.

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    A biografia de Jodorowsky nos indica que ele saiu do Chile com a idade de 23 anoslanando-se aventura de morar na Frana especialmente para estudar pantomimacom o mmico Marcel Marceau. Aps um perodo de extrema dificuldade em Paris,Jodorowsky atinge o seu objetivo e ingressa na companhia do famoso mmico. Em1960, depois de viver durante sete anos na capital francesa, o grupo de Marceau iniciauma turn mundial, tendo como um dos destinos a Cidade do Mxico. Ao chegar aoMxico, e j dispondo de um relativo prestigio nos meios teatrais, Jodorowsky recebe

    um convite de Salvador Novo e de Rubn Broido para que ele se instalasse no pas eassumisse a direo das oficinas de pantomima e de marionetes. Jodorowsky aceita aoferta e em entrevistas concedidas posteriormente afirmar que sua deciso foimotivada sobretudo porque no Mxico ele podia se expressar em seu prprio idioma.Estas declaraes, alm de nos indicar o carter fortuito e circunstancial da suamudana, nos revela que, diferentemente de muitos surrealistas estrangeiros, no

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    La montaa sagrada(Mxico, EUA, 1973).

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    existiu uma relao de amor primeira vista entre ele e o pas. A sua permanncia emterritrio mexicano se explica porque simplesmente houve uma proposta de trabalho eporque ele se sentia mais confortvel em viver em um pas onde se falava seu idiomamaterno. Nada tinha sido planejado previamente e nunca houve em Jodorowsky uminteresse pessoal ou uma fascinao em conhecer o Mxico.

    A ausncia de um interesse especial pelo pas e a circunstncia provocada por umaoferta de trabalho aproximam a histria do traslado de Jodorowsky com a do trasladode Luis Buuel ao Mxico. Buuel se encontrava no Mxico apenas de passagem para aFrana, onde iria dirigir, sob a produo de Denise Tual, uma adaptao de La casa de

    Bernada Albade Garca Lorca. No Mxico soube que os direitos da obra tinham sidovendidos. Ento, Tual voltou Frana e Buuel, graas ao convite do produtor OscarDancigers para que dirigisse um filme e aos trmites do visto de permannciafacilitados pelo escritor Fernando Bentez ento secretrio do ministro deGobernacin resolveu ficar. Descrevemos esta coincidncia na trajetria deJodorowsky e Buuel no como simples curiosidade biogrfica e sim para indicar comoela reflete em determinada viso no romntica do Mxico, compartilhada por essesdois diretores. Podemos definir as posturas de Buuel e de Jodorowsky, diante doMxico, como no romnticas ao compar-las com as de determinados artistaspertencentes a um significativo nmero de surrealistas europeus que passaram ou

    viveram no Mxico ao longo do sculo XX.

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    Sem dvida bastante complexo supor a existncia de um olhar surrealista nico aoMxico j que cada um desses artistas apresentava uma viso bastante particular do

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    El Topo (Mxico, 1970).

    pas e a presena ou ausncia do Mxico em suas obras varia de acordo com cada casoespecfico. Para alcanar os nossos objetivos, o importante indicar que Jodorowsky aochegar ao pas, vai se encontrar com uma determinada tradio surrealista semeada,sobretudo por artistas europeus. Ele, que teve contato direto com o bero dosurrealismo oficial e com a sua herana absorvida e reinterpretada no meio

    vanguardista parisiense, agora se depara com uma vertente espalhada quase quesecretamente pelos crculos artsticos mexicanos. Jodorowsky vai estar situado

    justamente entre o surrealismo que conheceu na Frana e o surrealismo que encontrar

    no Mxico. De um lado, o movimento de Breton e seus derivados no contexto em quesurgiu. Do outro, o encontro entre um olhar estrangeiro muitas vezes deslumbrado euma cultura pretensamente inexplorada, mgica e selvagem. Este grande interesse pelacultura ancestral mexicana, to presente em muitos surrealistas, no vai aparecer noprimeiro Jodorowsky. No coincidncia que entre todos os surrealistas que nessemomento viviam no Mxico, Jodorowsky estabelecer uma forte amizade com LeonoraCarrigton. A artista plstica de origem inglesa tambm ser classificada como umasurrealista universalista j que no se preocupar em utilizar elementos tpicosmexicanos em seu universo pictrico.

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    Apesar de ser discpulo de Antonin Artaud e desejar aplicar a concepo do Teatro daCrueldade em sua mise-en-scne, seu discurso no se direcionar de forma explicita auma proclamao militante em prol da recuperao da magia presente nas antigascivilizaes pr-colombianas. O espao privilegiado por Jodorowsky, neste momento,parece ser mais o presente do que o passado. Tal afirmao nos indica que ao comearsua carreira de diretor teatral nos palcos mexicanos um de seus principais objetivos erao de trazer ao pas o que havia de mais contemporneo e atual no teatro internacional.

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    Todos esses fatores faziam com que Jodorowsky fosse enxergado por todos como umartista internacional. Um artista sem nacionalidade definida e sem vnculos anenhuma nao propriamente dita. Um artista que estava comprometido, sobretudo,com a vanguarda e com a idia de universalidade que esta contm. Um artista cuja

    maior necessidade era provocar rupturas e transformaes no mbito esttico e moral,nunca no social. Em outras palavras, Jodorowsky era lido e interpretado pela crtica epelo pblico como um artista vanguardista na definio corrente do termo. Taldefinio que concebe o artista de vanguarda como essencialmente universalista,formalista e sem preocupaes polticas e sociais o julgava no somente como

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    El Topo (Mxico, 1970).

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    anacrnico, mas tambm como reacionrio. A arte de vanguarda nos anos de 1960,para muitos, precisava necessariamente estar acompanhada de uma explcitaproposio de transformao social. Se conferirmos a lista das obras encenadas porJodorowsky ao longo dessa dcada constataremos, mais uma vez, que ele estavacompletamente distanciado do teatro engajado.

    Jodorowsky buscar fazer um teatro ritualstico no Mxico e alguns anos mais tardeintroduzir o happening no pas, que ser chamado por ele de Efmeros Pnicos.

    Estando ao mesmo tempo no Mxico e conectado com o que ocorria artisticamente naEuropa no de se estranhar que em uma viagem a Paris em 1962 Jodorowsky tenhafundado um movimento artstico: o grupo Pnico. Definido pelos Pnicos como umantimovimento, o Pnico seria mais uma parodia aos movimentos vanguardistasanteriores, principalmente do surrealismo. Contrastando com a pompa e a seriedade domovimento de Breton que naquele momento havia se transformado em um grupoacadmico cujos severos dogmas e regras eram ditados por um lder autoritrio , o

    Pnico se guiava pela liberdade anrquica do humor. A inteno era tirar sarro detudo e de todos. O antimovimento fundado por Alejandro Jodorowsky, Fernando

    Arrabal e Roland Topor elabora um antissistema filosfico cujos princpios bsicosestariam regidos por trs elementos: o humor, o terror e a simultaneidade.

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    A relao do grupo Pnicocom o movimento surrealista de Breton fundamentada,sobretudo, pela irreverncia crtica. O grupo recupera alguns elementos presentes naprimeira fase do movimento como, por exemplo, o ataque razo e o esprito anrquicolibertrio. Recupera a grande devoo na arte e na criao artstica como uma violentaexploso dos impulsos construtivos e destrutivos do ser humano. A fase dogmtica domovimento surrealista, iniciada quando ele estreitou suas relaes com o partidocomunista e trocou a defesa de uma Revoluo surrealista pelo lema O surrealismo aservio da revoluo(leia-se a revoluo socialista) rechaada pelo grupo. OPnicoum antimovimento que no se leva a srio e nem leva nada absolutamente a srio. Seunico dogma no possuir dogmas e sua criao , acima de tudo, uma provocao.Esta postura antidogmtica e antiautoritria a de no se declarar o detentor da

    verdade e de no querer impor a sua verdade aos demais se revela na substituioda defesa incondicional de crenas e de valores absolutos to comum nosmovimentos vanguardistas pelo deboche, o humor e o pastiche. Isso nos revela aindependncia de Jodorowsky em relao ao surrealismo oficial e em relao a qualquercorrente artstica, seja ela de outrora ou contempornea. Por tanto, constatamos que a

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    Alejandro Jodorowsky, vers 1970

    La montaa sagrada(Mxico, EUA, 1973).

    atividade artstica desenvolvida por ele no Mxico, antes de sua incurso ao cinema, eraguiada sobretudo, por uma vontade de contemporaneidade.

    O Mxico parecia ser para Jodorowsky um pas que o recebeu e que lhe permitiudesenvolver sua arte. Apesar de seus problemas com a censura estatal, com a maiorparte da crtica e com determinados setores conservadores, ele teve espao para seexpressar. No entanto, a sua postura prioritariamente universalista e contemporneao direcionava em termos artsticos modernidade (que tambm era vivida no Mxico) e

    no tanto a uma recuperao do passado mtico do pas. Seu interesse no estava nofolclore ou em qualquer sistema que possa ser definido como algo que abarque o tpicoou os clichs que representam uma nao diante das demais.

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    Na trilha da montanha sagrada

    La montaa sagrada(Mxico, EUA, 1973).

    Afirmamos que o surrealismo de Jodorowsky no seria exatamente etnogrfico e sim,um surrealismo dirigido aos aspectos atemporais e utpicos do ser humano, ou seja: aum sem lugar. Um lugar no determinado pelo espao, pelo tempo e pela histria.

    Esta utopia universalista, se se voltar ao ser humano total e no ao homem social, olevar a um surrealismo tambm universalista. No entanto, a sua concepoparticular do surrealismo passar por alguns ajustes ao longo de sua trajetria e essesajustes se tornaro marcadamente visveis em El topo e, sobretudo, em La montaasagrada. Esses ajustes podem ser explicados atravs da incluso e do desenvolvimentodo misticismo em sua esttica surrealista. As referncias msticas de La montaasagrada so mltiplas: sufismo, taosmo, astrologia, cabala, alquimia, Alcoro,hindusmo, tar, budismo. Percebemos mais nitidamente a partir de El Topo que osurrealismo no seu cinema se articula como um veculo, como um meio para apropagao de seu misticismo, em outras palavras, de sua ideologia. Essa utilizaoestratgica do surrealismo esttica que sempre lhe foi ntima no a posiciona

    necessariamente em um grau inferior. O surrealismo no apenas uma forma que apropriada para emitir uma mensagem e sim tambm uma forma sagrada queprecisamente por ser sagrada se amalgama revoluo espiritual que Jodorowskydeseja provocar.

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    Apesar de sua atitude a-histricae de no propor uma interpretao etnogrfica doMxico, Jodorowsky em La montaa sagrada dialoga com certos cones e smbolospresentes no imaginrio do pas e no imaginrio sobre o pas. Segundo o jornalistaMauricio Pea, os mais de dez anos vividos no Mxico o influenciaram decisivamente:resulta ver que la personalidad cinematogrfica de Alexandro (sic)est influida por lamexicanidad : el paisaje, las ruinas del pasado maya y azteca, la violencia cotidiana delpopular. Jodorowsky filma La montaa sagrada nos mais diversos lugares do

    Mxico, incluindo quase todas suas runas arqueolgicas e, segundo uma notapublicada na imprensa mexicana, afirma que Los personajes de la cinta van en buscade la sabidura maya y por ello film all. Nesse manuseio dos smbolos do pas, almde esboar uma viso do Mxico o Mxico contemporneo e o Mxico mtico Jodorowsky constri uma interpretao crtica do mundo atual. Aqui, o Mxico (ou a

    Amrica Latina) sendo parte integrante do mundo, o representa. O mundo e todas associedades que nele habitam esto doentes e podres. Em La montaa sagrada,mundo no significa s planeta Terra, mas sim tambm todo o sistema solar e se urgecur-lo, essa salvao dever partir de um determinado lugar. A chave para a cura domundo est escondida em um determinado ponto do sistema solar. Esse ponto a

    Amrica Latina e, particularmente, o Mxico.

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    Pretty Pictures - Paris - 2006 / Collections La Cinmathque de Toulouse

    Podemos afirmar que a diegese de Fando y Lise El Topose articulam em universossimblicos, mticos e fabulares. Fando y Lis est ambientada em um lugar que norepresenta lugar nenhum. O ambiente rochoso e rido que se serve de palco para o

    priplo do casal protagonista seria mais uma projeo geogrfica de seus traumas e deseus estados mentais. O espao interior, mental e imaginrio. No vemos nenhumtrao que nos remeta a uma nao ou a uma cultura especfica, fato que serve paraamplificar no filme seu aspecto fabular, fantasioso e universal. Fando y Lis trabalha

    basicamente com dois espaos e ambos so espaos interiores. O primeiro, pertencenteao espao diegtico, a superfcie dura e hostil por onde caminham os personagens. Osegundo, extradiegtico, a lendria cidade de Tar, o paraso perdido, a utopiainalcanvel perseguida pelos protagonistas ao longo da narrativa. El Topo, por sua

    vez,se estrutura em um espao cinematogrfico mtico: o western. Jodorowsky manejaa visualidade e os espaos caractersticos desse gnero como elementos iconogrficos eatmosfricos. A diegese se localiza no conhecido universo do velho oeste, que um

    territrio ficcional concreto, porm o transcende transformando-o em territrio onrico.O cineasta parte de uma iconografia reconhecvel para reconfigur-la em representaodo mundo do inconsciente. O western de Jodorowsky um western metafsico. Umwestern simblico e irreal se o comparamos a outros representantes do gnero. Lamontaa sagrada, portanto, inaugura a representao de espaos concretos e reais

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    El Topo (Mxico, 1970).

    Pretty Pictures - Paris - 2006

    Mundos que se chocam

    na cinematografia do cineasta. No vemos aqui nem uma geografia interior e nem umageografia ficcional estabelecida pelo cinema e sim espaos que podem ser identificadoscomo referentes vida real.

    Assim, quando em La montaa sagrada o Cristo ladro e seu companheiro anocaminham por um espao urbano, logo vemos que se trata de uma cidade latino-americana. A cidade filmada e podemos no reconhecer a que pas ela pertence, o

    filme tampouco parece se preocupar em nos informar sobre esse dado. No entanto, pelasua arquitetura e por seus habitantes deduzimos que esse lugar pode ser o centrohistrico de qualquer cidade da Amrica Latina, e no da Europa, frica, sia, Oceaniaou da Amrica Anglo-Saxnica. A Amrica Latina reconhecida, primeiro por seusaspectos iconogrficos, e logo por sua situao poltica: vemos soldados armados pelasruas. Constatamos uma situao de represso militar. Amrica Latina est infestadapelo fascismo.

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    Analisaremos agora dois segmentos presentes na primeira parte do filme que serelacionam diretamente entre si. Esses dois segmentos, que esto estruturalmenteimbricados, no se relacionam apenas porque um antecede o outro o que seria vlidoem um filme clssico narrativo baseado em relaes de causa e efeito , e sim, porqueindicam duas diferentes concepes de mundo. Esses dois segmentos, que so aseqncia do massacre aos estudantes e a cena do Grande Circo da Conquista do

    Mxico, elaboram um dilogo sumamente importante. A seqncia do massacre nosrevela uma realidade existente e a cena do Grande Circo da Conquista do Mxico,atravs da representao do circo, nos revela uma realidade e uma cosmoviso queexistiu e que poder voltar a existir. A seqncia do massacre aos estudantes seria adescrio do presente e a cena do Grande Circo da Conquista do Mxico seria a

    encenao do passado e a promessa de um futuro. Constatamos nesses dois segmentosa exposio de duas posturas e de duas violncias que se confrontam.

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    Como havamos dito, na primeira parte do filme vemos uma Amrica Latina emestado de convulso. Uma metrpole latino-americana est dominada por umaatmosfera de caos. O Cristo e o ano caminham rindo e no percebem que prximo

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    El Topo (Mxico, 1970).

    Pretty Pictures - Paris - 2006

    El Topo (Mxico, 1970).

    deles passa um caminho militar cheio de cadveres ensangentados. No fundo doquadro aparecem senhoras indgenas passando roupa. Concentradas em sua atividade,as mulheres se limitam a trabalhar. Atrs delas aparecem soldados com mscaras degs vigiando a ordem. A violncia desse mundo autoritrio parece ser algo natural ecotidiano, algo que no choca e que no chama a ateno dos transeuntes. Aagressividade e o exerccio desptico do poder encarnado na imagem dos soldadosarmados so elementos banais, substancias diludas no entorno social retratado.

    Os soldados disparam nos estudantes. Depois da imagem dos estudantes sendoassassinados, vemos o plano em que os soldados fazem um desfile carregando coelhosdespelados em uma cruz, como Jesus Cristo. Um grupo de homens e mulheres da

    burguesia, elegantemente vestidos, est caminhando de joelhos e de braos abertos. Hum sentido religioso nesses planos. A msica que escutamos ao longo de todo essesegmento constri um tom cerimonioso e solene. A marcha dos soldados alm de serum desfile militar tambm uma procisso. Aqui os soldados no carregam armas esim, cruzes com animais mortos. Sua religio propaga a morte, a dor e a tortura.

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    Atravs da montagem, voltamos para o desfile, porm agora a cmera enquadrasomente os animais ensangentados e realiza um movimento lateral da esquerda paraa direita. Fazendo o movimento lateral inverso, da direita para a esquerda, a cmera

    descreve um nibus no qual turistas tiram fotos pelas janelas. A cmera se abaixa e sedireciona a seis jovens amordaados deitados no cho. Os soldados disparam em umplano muito breve e, no contra plano os jovens so brutalmente assassinados. Omassacre atrai os turistas que correm para fotografar os cadveres. Pssaros saem docorao de um dos mortos. Os turistas continuam tirando fotos. Um soldado pega umaturista, tira sua roupa e a violenta. Ela reage sorrindo e percebe seu estupro como maisuma excentricidade daquele povo primitivo e subdesenvolvido. O marido age deforma natural e descontrada diante do estupro da esposa e at filma a violao paraguard-la como recordao. A violncia descrita no s emana um sentido dedominao, autoritarismo, despotismo e abuso de poder como tambm de banalidade eespetculo. A violncia dos soldados se converte em um show, em um ato fascinante

    para os estrangeiros que percebem a realidade ditatorial do Terceiro Mundo como umfetiche ou um carto postal.

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    Todas essas situaes de violncia do poder militar se contrapem na representaodo Grande Circo da Conquista do Mxico interpretado por sapos e camalees. Aqui,Jodorowsky explicitamente cita Antonin Artaud e o que seria o primeiro espetculo doTeatro da Crueldade: La Conqute du Mexique / A conquista do Mxico. Nessaseqncia, os camalees astecas so atacados pelos conquistadores sapos espanhis.

    Vemos um enfrentamento entre dominadores e dominados, colonizadores ecolonizados. Os soldados fascistas mascarados so os sucessores dos colonizadoresespanhis. Nessa seqncia se estabelece uma primeira oposio entre o Mxico

    moderno (um Estado ditatorial) e o Mxico ancestral (uma sociedade harmnica eespiritual). Nesse contraste entre o Mxico de hoje e o Mxico de outrora dois tipos de

    violncia se chocam: a violncia ocidental, marcadamente opressiva que foi deixadacomo herana pelos conquistadores espanhis e a violncia pr-ocidental dos astecas,essencialmente sagrada, purificadora e ritualstica. Jodorowsky, como Artaud, est afavor dessa segunda violncia.

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    Segundo Artaud, los indgenas anteriores a Coln eran, contra todo lo que se puedacreer, un pueblo civilizado de forma extraa que conoci una forma de civilizacin

    basada en el principio exclusivo de la crueldad. Portanto, essa crueldade presente noantigo Mxico que tanto Artaud quanto Jodorowsky desejam recuperar e usar comomodelo uma vez que ela consiste en extirpar por la sangre y hasta la sangre a dios, al

    azar bestial de la inconsciente animalidad humana en cualquier parte donde se lepueda encontrar. O homem quando no reprimido es un animal ertico, llevaadentro un temblor inspirado, una especie de pulsacin productora de bichosinnumerables que constituyen la forma que los antiguos pueblos terrestres atribuan demodo universal a dios (Artaud, 2004, p. 31-32). Em oposio represso ocidental eao pecado cristo se procura o homem em seu estado ertico original, um estadolibertrio que o conecte a todas as foras csmicas.

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    Encontramos na cena da Conquista do Mxico, como no projeto no realizado dodramaturgo francs, a violncia do choque entre duas culturas e a crueldade dacivilizao asteca como um renascimento. Artaud percebe que a morte na perspectivada civilizao indgena possui um significado completamente oposto ao da cultura

    europia. O sacrifcio, o sangue, possui para os astecas um valor sagrado de purificaoe no de dominao. Segundo Artaud, seu espetculo opone la tirnica anarqua de loscolonizadores a la profunda armona moral de los futuros colonizados e frente aldesorden de la monarqua europea de la poca, basada en los principios materiales msinjustos y ms groseros, esclarece la jerarqua orgnica de la monarqua azteca,

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    establecida sobre indiscutibles principios espirituales (Artaud, 2005, p. 42). A obra,escrita por Artaud antes da sua viagem ao Mxico, plantea el problema de lacolonizacin. Revive, de manera brutal, implacable, sangrienta, la fatuidad siempre

    vivaz de Europa. Permite desinflar la idea que sta tiene de su superioridad (Artaud,2005, p. 41).

    Para Artaud o surrealismo ha sido una mstica escondida. Un ocultismo de nuevognero y como toda mstica escondida se ha expresado alegricamente mediante larvasque han adoptado el aire de la poesa (Artaud, 1984, p. 102). Seguindo esse conceito,

    Jodorowsky concebe essa cena partindo das larvas, do grotesco e do bizarro. A cena doGrande Circo da Conquista do Mxico uma releitura pessoal do texto de Artaud.Aqui, alm da cena ser interpretada por animais, eles so verdadeiramente sacrificadosna exploso final. Jodorowsky, em certo sentido, retoma a viso romntica de Artaudda mstica pr-colombiana e interpreta a sociedade asteca como essencialmenteharmnica, contemplativa e espiritual. No entanto, a cena do Grande Circo daConquista do Mxicono a conquista e sim sua representao. Vemos a encenao daConquista do Mxico feita por sapos e camalees dentro do filme. Temos a sensao deque o violento mundo real exposto no segmento anterior to espetacular como arepresentao do circo. Tudo espetculo: a truculenta ditadura do Mxicocontemporneo e a encenao do Mxico mtico. Essa unio e esse vnculo entre o quepertence ao universo diegtico do filme e o que nele representao (a fico dentro dafico) produzida pelo sentido do espetacular e do uso de imagens-choque. Porm, a

    violncia da representao do circo diferente da violncia do mundo real. O espaoda representao sagrado e positivo, um novo mundo dentro de um mundo podre edecadente. A violncia purificadora dos astecas representada no circo pode transformara violncia ocidental do mundo real. Jodorowsky, aqui, ressalta o poderrevolucionrio da representao, o poder revolucionrio da arte e de sua possibilidadede transformao.

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    Jodorowsky, como Artaud, considera a arte como vida concreta que se tornatranscendente. A arte, em vez de refletir o mundo passivamente, sentida como umaforma superior de realidade, em que a vida material nada mais do que uma cpiaimperfeita do que a arte expressa simbolicamente. A arte, alm de ser uma realidade aparte da realidade ordinria, uma realidade incrivelmente mais forte, uma realidadesagrada. Essa idia, ao ser aplicada por Jodorowsky ao cinema arte definida por

    muitos como uma arte da realidade o levou a procurar os seus prprios eindependentes cdigos de verossimilhana. Se o cinema como as demais artes umarealidade outrae como as demais artes acima de tudo uma linguagem formada porsmbolos, seu mundo tambm dever ser autnomo e livre das regras da realidadeconcreta. Por isso, no cinema de Jodorowsky, o sangue humano pode ser azul, a doenapode ser representada por um enorme polvo que extrado do pescoo de um doente,um velho pode tirar o seu olho e oferec-lo a uma menina. Tudo isso absolutamentereal dentro do universo criado pelo seu cinema e no tem nada a ver com o quedefinimos como real na realidade ordinria. Jodorowsky uma vez declarou que tentartranspor a realidade para o cinema se autoenganar j que o cinema realista no existe.Um filme somente um conjunto de imagens projetadas, tudo que pode ser lido na tela

    falso, artificial. Se quisermos tocar a realidade com um filme preciso ser artificial.

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    Na segunda parte de La montaa sagrada, vemos um mundo dominado peloconsumo e pelo comercialismo. Os sete planetas que o mestre alquimista apresenta aoCristo depois de inici-lo so poderosos e inescrupulosos industriais. So ladres comoo Cristo, mas em um nvel superior. Jodorowsky se declara, emLa montaa sagrada

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    , o inimigo nmero um da sociedade. Como um ser que busca se identificar com umavida plena, o cineasta rechaa o estado inaceitvel que o mundo lhe oferece e denuncia abrutalidade e a injustia de uma sociedade desumanizada. Se na primeira parte deLamontaa sagradaconstatamos a denuncia de um mundo agressivo e totalitrio, nasegunda vemos a denuncia da superficialidade e do sentido mercadolgico dasociedade de consumo. Portanto, a vida plena buscada pelo realizador seria a totalnegao do mundo exposto nessas duas primeiras partes. Mas, onde o cineasta vai

    buscar essa vida plena? Em que espao ela poder ser encontrada? Certamente no no

    espao urbano, ambiente geogrfico por excelncia de tudo que o cineasta denuncia nasduas primeiras partes do filme. Se Jodorowsky deseja rechaar a sociedade e descobrirum mundo oposto, ele s vai encontr-lo em um lugar longe das cidades. Artaud tinhaafirmado que si quedan en Mxico extraos focos del espritu sagrado, no es en lasciudades donde hay que ir a buscarlo, porque este viejo espritu es indio y el Mxicomestizo de hoy hace lo imposible porque desaparezca (Arataud, dem, p. 209). Naterceira parte deLa montaa sagradao mestre alquimista, interpretado pelo prprio

    Alejandro Jodorowsky, e seus nove discpulos saem da infernal sociedade urbana eentram no mundo essencial da floresta e dos bruxos pr-colombianos. A floresta sedesenha ento como o lugar onde se pode efetuar o regresso ao corpo, me, terra, aoinconsciente, ou seja, a um estado de harmonia csmica na qual o ser est integrado emsi mesmo e com o meio que o rodeia. Portanto, nas florestas do Mxico onde possvelque se una novamente o corpo e a alma, o esprito e a matria, o significado e osignificante, o eu e o outro.

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    evidente que Jodorowsky privilegia esse mundo em detrimento do outro, queprefere a filosofia desse mundo a filosofia do outro. A cena em que os discpulosseminus correm e brincam por um campo nos ressalta esse sentido de integrao plenacom a natureza. Porm, esse outro mundo que pode ser encontrado nos resqucios queainda existem da cultura sagrada pr-colombiana o grupo se encontra com um xame, posteriormente, toma um entegeno outorgado por uma indgena Machi no estescondido apenas nas selvas e nas runas sagradas do Mxico e sim, na filosofia orientale nas cincias msticas. Se Artaud buscava no misticismo da cultura ancestralmexicana os elementos que lhe serviriam de oposio a um sistema racional europeu,Jodorowsky no lhe dar essa mesma supremacia que o poeta francs lhe conferiu emseus textos mexicanos. O cineasta ver nessa e nas demais msticas as ferramentas paracriticar o cristianismo institucionalizado e o pensamento racionalista ocidental e, pormeio delas, ir propor uma reconfigurao. Como em Artaud, para Jodorowsky a vidas tem sentido se transcende o que chamamos de envoltura corporal e alma individual,e, mais alm delas, mas sem neg-las, incorpora-se ao todo, ao ser coletivo. Trata-se doindividual-universal, do microcosmo sntese do macrocosmo que postula a filosofiahermtica. Tanto Artaud como Jodorowsky compartilham um desejo pelo absoluto queos vincula admirao comum ao misticismo oriental, principalmente idiahindusta do Brahma, ou a concepo do Al - fana dos sufistas pela emerso do euindividual no ser universal.

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    Portanto, constatamos que, apesar das muitas semelhanas existentes entre opensamento de Artaud e o de Jodorowsky, a viso do Mxico presente no primeiro no exatamente a mesma que o cineasta materializou em La montaa sagrada. Emprimeiro lugar, diferentemente de Artaud, o cineasta em nenhum momento anunciaexplicitamente o nome do pas e tampouco o eleva como detentor absoluto de umtesouro apto em promover a salvao do ocidente decadente. O pas, ou melhor, oterritrio em que hoje se situa o pas chamado Mxico, especial, mas no carregaconsigo a responsabilidade de curar e transformar o mundo. Mais do que um pasguardio de uma pureza escondida nas entranhas do solo indgena, o que vemos em Lamontaa sagrada o embate de diferentes percepes de mundo. Existe a posturadefendida pela sociedade de consumo em que prevalece o sentido de posse e de valordos objetos materiais e a postura mstica. Existe a cultura opressiva do ocidenteimportada s Amricas pelos conquistadores espanhis e a cultura harmnica eespiritual pr-ocidental dos astecas. E finalmente, existe o choque entre o cristianismoe as religies orientais. Nesse ltimo caso, o embate distinto porque no pressupe asubstituio de uma postura pela outra. O cristianismo no deve ser substitudo pelasreligies orientais e pelas cincias msticas e sim, ampliado e redimensionado por elas.Percebemos que a cosmoviso pr-colombiana, sendo uma cosmoviso no ocidental, mais um componente que abarca o sistema defendido. Por trs da luta entre o Mxicoantigo e o Mxico moderno vemos a luta entre o pr-ocidental e o ocidental. O principioda crueldade existente nos povos indgenas anteriores a Cristovo Colombo o modeloa ser seguido, mas no o nico. Esse princpio, como originalmente em Artaud, no sefecha em si mesmo e, se misturando aos outros paradigmas defendidos pelo filme, sefunde em um s. Todas as msticas, na verdade, tornam-se apenas uma.

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    El Topo (Mxico, 1970).

    Ao falarmos nesse constante embate entre duas foras, to presente emLa montaasagrada, podemos pressupor a arquitetura de uma dicotomia simples, composta peloataque a uma ordem que deve ser derrocada (a ordem em vigor) e pela defesa a umanova ordem que deve ser instituda em seu lugar, to comum no cinema latino-americano declaradamente poltico dos anos 1960. Porm, aqui essa relao sedesenha de maneira distinta. Como vimos nas duas cenas analisadas, Jodorowskydeixa exposto logo nos primeiros estantes deLa montaa sagradao que aprova e o quedesaprova, o que preciso construir e o que preciso demolir. Tal polaridade to bemdefinida pode sugerir uma elaborao didtica ou um discurso categrico que nooferece lacunas a serem preenchidas pelo espectador. No entanto, ainda que possamosseparar o universo representado pelo filme em dois plos e ainda que possamosdistinguir claramente o que defendido e o que combatido,La montaa sagradaest

    bem distante do enunciado didtico ou pedaggico propriamente dito. O cineastapretende estabelecer outro tipo de contato com o espectador, um contato que ultrapassea persuaso e o convencimento de sua causa. Este contato, notadamente sensorial,orgnico, fisiolgico e tambm performtico-participativo, mais que educar oespectador, deseja transform-lo. Portanto, a viso do Mxico que nos apresentada,nada mais do que a sua viso do mundo. Um mundo que dever ter a sua conscinciaalterada, assim como a do espectador.

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    Pretty Pictures - Paris - 2006

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    Table des illustrations

    Titre La montaa sagrada(Mxico, EUA, 1973).

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    Titre La montaa sagrada(Mxico, EUA, 1973).

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    Titre Alejandro Jodorowsky, vers 1970

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    Titre La montaa sagrada(Mxico, EUA, 1973).

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    Titre El Topo(Mxico, 1970).

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    Titre El Topo(Mxico, 1970).

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    Titre El Topo(Mxico, 1970).

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    Pour citer cet article

    Rfrence papier

    Estevo Garcia, O Mxico de Alejandro Jodorowsky em La montaa sagrada, CinmasdAmrique latine, 20 | 2012, 4-23.

    Rfrence lectroniqueEstevo Garcia, O Mxico de Alejandro Jodorowsky em La montaa sagrada, CinmasdAmrique latine[En ligne], 20 | 2012, mis en ligne le 15 avril 2014, consult le 02 juillet 2016.URL : http://cinelatino.revues.org/404

    Auteur

    Estevo Garcia

    Estevo Garcia realizador, crtico, pesquisador e professor de cinema. Graduado em cinema

    pela Universidade Federal Fluminense, Niteri, Rio de Janeiro e mestre em EstudosCinematogrficos pela Universidad de Guadalajara, Mxico, roteirizou e dirigiu os curta-metragens em 35mm O latido do cachorro altera o percurso das nuvens(2005) e Que cavao essa?(2008).

    Droits dauteur

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