o ensino de geografia-recortes espaciais para analise

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  • 5/12/2018 o Ensino de Geografia-recortes Espaciais Para Analise

    o ENSINO DE GEOGRAFIA :RECORTES ESPACIA IS PARA ANALISE

    ... Helena Copetti Callai

    A s questoes te6ricas e a nossa pratica cotid iana, com o professores de geografia,fazem parte das discussoes que historicamente nos propom os e realizamos,tendo sempre a perspectiva do ensino que fazem os e 0 ensino que querem os. Com oparte disto, dentre outras caracteristicas da ciencias e da geografia, esta a questaoregional ou, m elhor dizendo, os recortes que a geografia faz no espaco, especialm entepara ensinar (m as nao apenas) essa discip lina, tida por m uitos com o de sim ples des-cricoes e de rnernorizacao, que serve para "ilustracao" do que qualquer outra coisa.Em consequencia, alern da discussao m etodol6gica, coloca-se constantem ente a vali-dade desta disci p i ina no Ensino Fundamental e no Medic,

    P O R Q U E E S T U D A R G E O G R A F IA ?

    P odem os colocar tres razoes para responder a essa pergunta. P rim eiro: para conhecero mundo e obter inforrnacoes, que ha muito tempo e 0 motivo principal para estudargeografia. S egundo: podem os acrescer que a geografia e a ciencia que estuda, analisae te nta e xp lica r (co nh ece r) 0 espaco produzido pelo hom em . Ao estudar certos tiposde organizacao do espaco, procura-se com preender as causas que deram origem asform as resultantes das relacoes entre sociedade e natureza. P ara entende-las, faz-senecessario com preender com o os hom ens se relacionam entre si. Terceira razao. naoe no conteudo em si, mas num objetivo maior que da conta de tudo 0 mais, qual seja,a fo rm ac ao d o c id ada o, Ins tru me ntaliz ar 0 aluno, fornecer-Ihe as condicoes para queseja realm ente constru ida a sua cidadania e objetivo da escola, m as a geografia cabeum papel significativo nesse processo, pelos tem as, pelos assuntos de que trata.

  • 5/12/2018 o Ensino de Geografia-recortes Espaciais Para Analise

    Q U E G E O G R A F I A E S T U D A R ?

    A geografia e uma ciencia socia l. Ao ser estudada, tem de considerar 0 aluno e asociedade em que vive. Nao pode ser uma coisa alheia, distante, desligada da reali-dade. Nao pode ser um amontoado de assuntos, ou lugares (partes do espaco), ondeos tem as sao soltos, sem pre defasados ou de dificil (e m uitas vezes inacessivel) com -preensao pelos alunos. N ao pode ser feita apenas de descricoes de lugares distantesou de fragm entos do espaco,

    A geografia que 0 aluno estuda deve permitir que ele se perceba com o participantedo espaco que estuda, on d e os fen6menos que ali ocorrem sao resultados da vida e dotrabalho dos hom ens e estao inseridos num processo de desenvolvim ento. N ao e aque-la geografia que mostra um panorama da terra e do homem, fazendo uma cataloga-t;aO enciclopedica e artificial, em que 0 espaco considerado e ensinado e fracionadoe parcia l, e onde 0 aluno e um ser neutro, sem vida, sem cultura e sem hist6ria. 0aluno deve estar dentro daquilo que esta estudando e nao fora, deslocado e ausentedaquele espaco, como e a geografia que ainda e muito ensinada na escola. umage og rafia qu e tra ta 0 homem como um fato a mais na paisagem, e nao como um sers oc ia I e h i st6 ric o.

    E ste e 0 desafio que tem os: fazer da geografia um a discip lina interessante, que tenhaa ver com a vida e nao apenas com dados e inforrnacoes que parecarn distantes darealidade e na qual se possa compreender 0 espaco constru ido pela sociedade,com o resultado da interligacao entre 0 espaco natural, com todas as suas regras ele is , c om 0 espaco transform ado constantem ente pelo hom em .

    Para ir a lern da aula descritiva e distante, exige-se um estorco do professor para tra-zer para a realidade do aluno aquilo que esta sendo estudado, para ir adiante dasdescricoes (sejam elas expositivas do professor, escritas no livro didatico ou apresen-tadas nos mapas) quando procura estudar 0 porque do espaco se apresentar de umou de outro modo. Conforme Andrade (1989, p.32):

    Assim, ha no estudo geografico uma parte descritiva daquilo que esta amostra, inclusive nas transtorrnacoes que se apresentam, como tarnbernaquela parte que foge a percepcao visual e e representada pelas razoesque deram origem a forma, que ditaram as suas transforrnacoes e as pers-pectivas de transtorrnacao futuras.

    E ssa dinam icidade do processo de construcao do espaco tem de ser com preendida peloaluno. 0 que vai sendo estudado nao pode ser apresentado como pronto e acabado,

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    como se no processo das relacoes da sociedade com a natureza 0 hom em fosseproduzindo 0 espaco, substitu indo, dom inando ou devastando a natureza e 0 espaco,de uma form a linear, sem encontrar obstaculos pela frente, e criando um espaco orga-nizado no lugar do espaco natural, evidentem ente. E m ais, esta producao do espaconunca esta pronta, encerrada: ha um a dinam icidade constante. Como fazer isto comalunos de Ensino Fundamental (e mesmo do Ensino Medic), se as transforrnacoessao tantas: os lugares estudados m uitas vezes tao distantes e estranhos?

    A E S C A L A D E A N A L I S E

    Ai e que entra a questao da escala de analise. Qual 0 espaco a ser estudado? Quereco rtes faze r? Q uais os criterios qu e estab elecem e sses re corte s? C omo con side ra-lo s?Ao estudar a geografia do Brasil, por exem plo, tem os um a realidade que e "naciona!",mas temos tambern uma diversidade muito grande, com areas mais desenvolvidas eoutras em processo de ocupacao, Para que a analise seja capaz de dar conta dasexplicacoes do conjunto e do fen6meno estudado, como um todo, alern das explica-coes de carater nacional, ha que se incorporar os outros niveis de analise: 0 local, 0reg ion al e 0 global. A lern de buscar as explicacoes em diversos niveis de analise, poisas explicacoes do que acontece nao estao em um lugar apenas, deve-se considerarcom o im portante on de iniciar 0 estudo. Andrade (1989, p.62), ao falar dos livros dida-ticos usados em geografia, d iz que:

    alern de m elhorados em seus nfveis pedag6gicos e cientfficos, devem teruma orientacao m ais regional, a fim de que os estudantes comecem aaprendizagem a partir da paisagem com que convivem , que visualizamd ire ta me nte e d af p ossa m p artir p ara a a na lise d e p aisa ge ns n acio na is e in -te rn ac io na is . A g eo gra fia n ao p od e s er e ns in ad a a p artir d e g ra nd es c on ce p-co es e g en era liza co es, E la d eve d ar m aio r a te nca o a p ro du ca o d o e sp ac o,nos va ri es es tados .

    Os fen6menos acontecem no mundo, mas sao localizados temporal e territorial-mente em um determ inado "local". Isto quer dizer que fen6menos que acontecemem certos lugares e em determ inados periodos tern influencias noutros lugares enoutros periodos, inclusive. As explicacoes, sejam sociais, econ6m icas ou naturais(no sentido de espacos flsicos), podem ser buscadas no lugar em si, mas nao seesgotam nele apenas. O utros niveis de analise devem ser considerados ou esgotados.C aso contrarlo, ha 0 risco de explicacoes sim plistas, que nao abarcam toda a analisenecessaria e que justificariam , de form a natural, problem as que sao essencialm entesociais ou que decorrem de situacoes sociais.

  • 5/12/2018 o Ensino de Geografia-recortes Espaciais Para Analise

    o C R IT E R IO D E R E L A C A O /E L E IC A O D O Q U E E S T U D A RNo m undo atual, cada vez de m odo m ais intenso, as inforrnacoes e os meios de comu-nicacao nos permitem ter acesso aos lugares m ais distantes. 0 conhecimento e cadavez mais avolumado e cada vez mais abrangente. De acordo com 0 que cabe a geo-grafia ensinar, precisam os ter claro como se vai eleger os conteudos, ja que ensinartudo nao e possivel, seja pelas condicoes de curacao e quantidade de horas-aula,seja porque e realm ente excessivo.

    Considerando a concepcao de geografia que temos e a opcao metodologia que ado-tamos, 0 criterio para selecao/eleicao do que estudar nao pode ser um criterio fis icode delim itacao de area. Nao pode ser geol6gico-geom orfol6gico (os continentes).N ao pode ser lim ite de fronteira (os palses). P elo contrario, 0 c rite rio d ev e e sta r re fe rid oao tipo de fen6meno. Eo que deve defin ir 0 que vai ser estudado e um "problem a",uma "problernatica", referente a um assunto, e nao a um espaco delim itado. Essaproblernatica sera situada em um determ inado espaco que Ihe define a area a serconsiderada e a sua localizacao no espaco: que e produzido pelos homens. E dai aregionalizacao dos fen6menos tem a ver com 0 movimento da sociedade, das rela-coes entre os homens e destes com a natureza.

    o regional eo local sao recortes da realidade global que devem ser considerados noestudo da geografia. Por exem plo, no estudo da problernatica da producao do espacoregional do R io Grande do Sui, quais as questoes fundam entais para compreender,a na lis ar e e xp lic ar 0 Rio Grande do Sui? 0 R io Grande do Sui e espaco regional, masas explicacoes do que acontece neste Estado, do tipo de espaco produzido nele, naose encontram apenas nos lim ites do R io Grande do Sui, mas nos demais niveis deanal ise tarnbe rn (0 local, 0 nacional e 0 internacional). A lern do E stado, ha 0 Mercosul,que exige um outro nivel de analise, que e regional, m as e tarnbern internacional.

    A m esm a situacao ocorre com referencia a analise do "local". Por exem plo, quais asquestoes fundam entais para compreender a realidade do local on d e vivemos? Ao es-tudar 0 local (0 municipio), 0 regional (0 Rio Grande do Sui ou 0 Mercosul), 0 nacional(0 Brasil) ou qualquer outro nivel, nao vam os fazer um elenco do que e apresentado noquadro natural, na populacao, na econom ia. Mas sim a partir de questoes que saoim po rtan te s pa ra 0 desenvolvim ento regional ou local, para a vida da populacao, darin icio ao estudo do espaco produzido no R io Grande do Sui ou no m unicip io.

    E al entra outra questao metodol6gica que e 0 significado desta escala de analise: 0que e "local", "regional", "naciona!", 'internacional", a lern de recortes m uito presentesn as a ulas d e g eo grafia ?

  • 5/12/2018 o Ensino de Geografia-recortes Espaciais Para Analise

    O s problem as sao das pessoas, dos hom ens na sua luta pela sobrevivencia de acordocom sua cultura, sua historia, seu desenvolvim ento econ6m ico e 0 quadro natural dolugar em que vivem . E as pessoas com seus problem as estao localizadas num deter-minado "lugar", Mas as explicacoes, as causas, os motivos nao sao encontradosapenas no local, nem no momenta atual apenas. Devem ser buscadas tarnbern nou-tros niveis m aiores, m ais distantes, m ais am plos e com plexos. T anto 0 geogr afo quant ao professor de geografia deve

    Dispor de um quadro te6rico em que possa analisar tanto as condicoes domeio natural, submetidas tarnbern a um processo dinarnico, como con he-cer bem a estrutura da sociedade em que vive, dividida em classes sociais(Andrade, 1989, p.33).

    A analise globalizada deve considerar ainda 0 momenta historico em que se vive,assim com o a historia do lugar. As explicacoes para entender a realidade estudadaexigem um vaivern constante entre os diversos niveis de analise, em que se cruzamas interpretacoes que decorrem do local ou do regional, considerados em sua totali-dade, e os niveis nacionais e internacionais.

    o P R O C E S S O D E C O N S T R U C A O D O C O N H E C IM E N T OHa ainda um a outra questao a considerar e que se refere a com o fazer isto. As duvidasserao resolvidas ou encam inhadas tendo-se com o referencia fundam ental as teorias deaprendizagem, que consideramos coerentes com a visao de m undo que temos, com aconcepcao de geografia e com 0 que pretendemos com 0 se u e ns in o. P re cis amoscompreender como se da 0 processo de construcao do conhecim ento. O u 0 "saber etransm itido" pelo professor ou se procura encontrar um cam inho alternativo em que 0e stu dante c on st ro i 0 seu proprio conhecim ento, um cam inho em que ele possa elabo-rar e reelaborar as suas ideias, confrontando 0 que ja sabe com intorrnacoes novas ecom 0 conhecim ento cientificam ente produzido. Precisam os encontrar a form a defazer isso nas aulas de geografia, considerando a experiencia que tem os e 0 que diza literatura referente ao ensino de geografia e a cornpreensao do m odo com o ocorrea construcao do conhecim ento pela crianca e pelo adolescente. S e a nossa preocupa-y ao e fo rm ar 0 cidadao, e ponto basico de partida que Ihe oportunizem os as condicoese os instrumentos para que conheca e compreenda a realidade em que vive.

    Essa realidade nao e apenas a propria de si em termos de espaco e tempo absolutos,mas sim em termos relativos. Dependendo das condicoes de vida e de educacao quetem 0 aluno em seu convivio fam iliar, esta realidade pode estar m uito proxim a dele,

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    enquanto para outro pode significar uma distancia muito grande. Entendemos que,partindo do lugar em que se vive, e mais facil compreender os fen6menos. E maisfacil organizar as inforrnacoes, podendo-se teorizar, abstra ir do concreto, na busca deexplicacoes, de cornparacoes, de extrapolacoes, Uma form a interessante e adequadae r ea liz ar 0 trabalho da construcao dos conceitos, 0 q ue s up era 0 senso comum . Asopinioes e 0 conhecim ento que 0 aluno tem a respeito daquilo que ele conhece e emque ele convive superam , tam bern, 0 conceito pronto trazido no livro-texto ou que editado pelo professor, em aula.

    A o constru ir os conceitos, 0 aluno realmente aprende, por exemplo, a entender ummap a, a comp re en de r 0 relevo, 0 que e regiao, nacao, m unic ip io. Ao conhecer, ana-lisar e buscar as explicacoes para com preender a realidade que esta sendo vivenciadano seu cotid iano, ao extra polar para outras inforrnacoes e ao exercitar a crftica sobreessa realidade, ele podera abstra ir esta realidade concreta, teorizar sobre ela e cons-truir 0 seu conhecim ento. Ao constru ir os conceitos, 0 aluno aprende e nao ficaa pe na s n a rn ern oriz ac ao .

    Um aluno que sabe compreender a realidade em que vive, que consegue perceberqu e 0 espaco e construfdo, e que nesse processo de producao do espaco local e doespaco regional consegue perceber que a sociedade e responsavel por este espaco,conseguira estudar questoes e espacos m ais distantes e com preender, indo alern doaprender por que 0 p ro fe sso r q ue r. A o co nstru ir 0 seu conhecim ento estara aprovei-tando os conteudos de geografia para a sua formacao, para ser um cidadao no sen-tido pleno da palavra.

    o conhecimento nao brota da realidade, mas todo aluno tem um conhecimento quevem de casa, e a funcao da escola e da geografia e fazer que ele supere 0 sensocomum, ao fazer a controntacao da sua realidade concreta com 0 conhecimentocientificam ente produzido. Segundo G ram sci, apud M ochcovitch (1990), as repre-sentacoes do mundo que 0 senso com um perm ite sao sem pre ocasionais e desagre-gadas, sao form as de um conform ism o im posto pelo am biente exterior (ideologia do-m inante) e por outros grupos socia is.

    Par outro lado uma concepcao de mundo unitaria, coerente e hornogenea efarmada de uma maneira crftica e consciente, num processo te6rico- pratico,E para passar da consciencia ocasional e desagregada para a conscienciacoerente e hornogenea e preciso criticar a concepcao de mundo que setem, partindo da consciencia daquilo que somos - "conhecer-te a ti mesmo"e chegando "ao ponto atingido pelo pensamento mundial mais desenvol-vido". (Gramsci citado por Mochcovitch, 1990, p. 12)

  • 5/12/2018 o Ensino de Geografia-recortes Espaciais Para Analise

    A selecao dos conteudos a serem estudados deve considerar a realidade dos alunosda escola, para que se alcance aqueles que sao 0 motivo primeiro do processo deeducacao: os estudantes. Como ja foi d ito, a quantidade e a extensao do conteudosao tamanhas que nao se pode trabalhar tudo. E p re ciso uma sele cao : 0 que for tra-balhado devera servir como um instrumental capaz de permitir que 0 aluno se situeno mundo, compreenda-o, e saiba como buscar as demais inforrnacoes de que pre-c isa. A questao e, acima de tudo, metodol6gica, oportunizando ao aluno um instru-m ental capaz de poder fazer a analise geografica.

    C onsiderando essa realidade, e 0 c on te ud o e sp ec ific o d a d is cip lin a, 0 p ro fe ss or o fe re -cera a discussao pela turma um conteudo que nao esteja desligado da vida dos alunose da realidade em que vivem . Alern do mais, 0 ensino da geografia deve estar adequa-do ao contexto hist6rico em que vivem os homens. Ela e uma discip lina que permiteser um instrumento uti] para ler e entender 0 mundo, para exercitar a cidadania epar a fo rma r 0 cidadao. Mas, para isso, tem de ser mais que um amontoado de conhe-cimento solto, e deve estar claro ao professor qual a visao de mundo que esta sendoexpressa nas aulas. Tem de ir alern de um conhecimento estatico, de uma paisagempronta. Deve passar a ideia de movimento, no qual as pessoas, ao construirem asociedade, produzam um espaco com suas marcas, carregado de historicidade.

    R E F E R E N C IA S B IB L IO G R A F IC A S

    ANDRADE, Manuel Correa de. Caminhos e descaminhos da geografia. Campinas:P ap iru s, 1 98 9.

    M OC HCOVITC H, Luna G alano. Gramsci e a esco/a. S ao P aulo: Atica, 1990.

    T ex to p ub lic ad o o rig in al m en te n o B ole tim G au ch od eG e og ra fi a, n .1 9, 1 99 4, c om 0 titu lo "0 e ns in o e a q ue sta o re gio na l".