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Sexta-feira 25 Março 2011 www.ipsilon.pt Maria Gabriela Llansol Aquaparque Jérôme Bel Manuel Baptista Souad Massi MIGUEL MANSO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7657 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE numa sala do Cais do Sodré Mónica Calle Viagem ao fundo do teatro

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Sexta-feira 25 Março 2011www.ipsilon.pt

Maria Gabriela Llansol Aquaparque Jérôme Bel Manuel Baptista Souad Massi

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numa sala do Cais do Sodré

Mónica Calle

Viagem ao fundo do teatro

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Apoios à divulgação:

facebook.com/cnbportugal

DIRECÇÃO ARTÍSTICALUÍSA TAVEIRA

TEATRO CAMÕES DIAS DE ESPECTÁCULO // 21 892 34 77

TEATRO NACIONAL DE SÃO CARLOS SEGUNDA A SEXTA DAS 13H ÀS 19H // 21 325 30 45 / 6

TICKETLINE WWW.TICKETLINE.PT // 707 234 234

LOJAS ABREU, FNAC, WORTEN, EL CORTE INGLÉS, C.C.DOLCE VITA

BILHETES €5 A €25

LISBOA,TEATRO CAMÕES

MARÇO 2011dias 17, 18, 19, 25 e 26 às 21h

TARDES FAMÍLIA dias 20 e 27 às 16h

ABRIL 2011dias 01 e 02 às 21h

TARDE FAMÍLIA dia 03 às 16h

ESCOLAS dias 24 e 31 de Março às 15h

ROMEUE JULIETA

COREOGRAFIA JOHN CRANKO

MÚSICA SERGEI PROKOFIEV

ARGUMENTO JOHN CRANKO

SEGUNDO WILLIAM SHAKESPEARECENOGRAFIA JOÃO MENDES RIBEIRO

FIGURINOS ANTÓNIO LAGARTO

IMAGENS DANIEL BLAUFUKS

DESENHO DE LUZ CRISTINA PIEDADE

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 3

“A Solidão dos Números Primos”, adaptação do “best-seller” de Paolo Giordano por Saverio Costanzo, é o primeiro filme anunciado para o cartaz da quarta 8 ½ – Festa do Cinema Italiano. A edição 2011 do certame, a decorrer de 14 de Abril a 8 de Maio, traz uma série de novidades em relação a anos anteriores: alarga o seu raio de acção à Madeira, entra em parceria com a Cinemateca Portuguesa e com o Curtas Vila do Conde, aposta na exibição de telediscos e documentários.

Apresentada em estreia a concurso em Veneza 2010, “A Solidão dos Números Primos” conta com Alba Rohrwacher (“Eu Sou o Amor”, “Que Mais Quero Eu”) e Luca Marinelli nos papéis principais dos dois jovens traumatizados por episódios da sua infância

“A Solidão dos Números Primos”na maior festa de sempre do cinema italiano

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Directora Bárbara ReisEditor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho, Carla Noronha, Mariana SoaresEditor de fotografi a Miguel MadeiraE-mail: [email protected]

Ficha Técnica

Sumário

cujos percursos se cruzam ao longo das décadas. Trata-se da terceira longa de Saverio Costanzo, um dos mais idiossincráticos jovens realizadores transalpinos, cuja obra não mereceu ainda estreia comercial entre nós.

É a mais ambiciosa das Festas até agora realizadas: a quarta 8 ½ dividirá a sua programação lisboeta entre o cinema Monumental e o espaço Nimas, com uma retrospectiva da comédia à italiana a decorrer na Cinemateca sob o genérico Amarcord (inspirado pelo filme de memórias de Federico Fellini), estando já prometida a exibição de dois clássicos de Dino Risi, “Os Monstros” e “A Ultrapassagem”. Para além da secção competitiva – que contará este ano no júri com dois músicos de jazz ligados ao cinema, Filipe Melo (igualmente criador da curta

“I’ll See You in My Dreams” e da série televisiva “Um Mundo Catita”) e Bernardo Sassetti (responsável por uma longa série de bandas-sonoras) – e do Panorama das próximas estreias, a edição 2011 propõe igualmente duas sessões especiais; uma por ocasião dos 150 anos da unificação italiana, outra em homenagem à Fabrica Benetton. O programa completa-se, para já, com a secção documental Italia.doc, um programa de curtas-metragens comissariado em parceria com Vila do Conde (antecipado pela exibição, na noite Shortcutz do próximo dia 29 de Março, de “Io Sono Qui”, de Mario Piredda, no bar Bicaense), e a nova secção de telediscos e música Ascolta.

Em Lisboa, a Festa terá lugar de 14 a 21 de Abril, seguindo, entre 27 e 29, para Coimbra, entre 29 de Abril e 1 de Maio para o Porto, e entre 5 e 8 de Maio, pela primeira vez, para o Funchal. As datas do Porto estão ainda sujeitas a confirmação e o programa irá sendo revelado emwww.festadocinemaita-liano.com . Jorge Mourinha

“A Solidão dos Números

Primos” é a terceira longa

de Saverio Costanzo,

um dos mais idiossin-cráticos

realizadores italianos, cuja

obra ainda não mereceu

estreia comercial em

Portugal

Russ Meyer vai ter um “biopic”?Os Óscares têm coisas destas – um realizador que andava pelas ruas da amargura torna-se de repente no homem do momento, e às vezes nem é preciso ganhar-se um prémio. É o caso de David O. Russell, cujo “The Fighter – Último Round” deu a Christian Bale e Melissa Leo as estatuetas de actores secundários e literalmente o ressuscitou do longo purgatório por onde andou desde o insucesso de “Os Psico-Detectives”.

À meia-dúzia de bolas que Russell anda a segurar neste momento – entre as quais pelo menos dois projectos com a sua “alma gémea” Mark Wahlberg, uma adaptação do jogo video “Uncharted: Drake’s Fortune” e “Cocaine Cowboys”, história verídica ambientada no tráfico de droga dos anos 70 – vem agora juntar-se mais uma. Trata-se de uma biografia do infame autor de filmes de “exploitation” Russ Meyer, o homem de “Faster, Pussycat! Kill! Kill!” e da trilogia das “Vixens”, o cineasta que sabia que os homens preferem os seios. O filme será baseado na aclamada biografia que Jimmy McDonough fez de Meyer, “Big Bosoms and Square Jews”.

A notícia, avançada pelo “site” Deadline New York, aponta que a Fox Searchlight estará à beira de assegurar os direitos do projecto especificamente para Russell o dirigir. A “cereja” no topo do bolo é que o argumentista por trás da adaptação é Merritt Johnson, que escreveu igualmente uma biografia

de Linda Lovelace actualmente em pré-

produção, e que foi assistente de Russell em “Três Reis”.

No entanto, nada disto é certo: são incontáveis os projectos a que Russell tem estado ligado, mas nos sete anos que decorreram desde

“Os Psico-Detectives” só “The Fighter” seguiu em frente. Convirá por isso dar algum desconto aos relatos...

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A mítica protagonista de “Faster, Pussycat! Kill! Kill!”

O cineasta que sabia que os homens preferem os seios pode estar em vias de dar um fi lme

Mónica Calle 6Um caso de estudo, e de espanto, do teatro português

Jérôme Bel 10A vida de um bailarino também é um espectáculo

Aquaparque 14Um mundo novo em português

Maria Gabriela Llansol 20Ela morreu, os llansolianos continuam

Judaica 24Tudo o que sempre quisemos ler sobre o judaísmo

Semih Kaplanoglu 29A Turquia da sua infância

Manuel Baptista 31Objectos “bigger than life”

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Tindersticks dão música a Claire Denis no IndieLisboaOs Tindersticks vão trazer à oitava edição do IndieLisboa, o festival internacional de cinema independente de Lisboa, uma interpretação ao vivo das bandas sonoras que criaram ao longo dos últimos 13 anos para os filmes da realizadora francesa Claire Denis. Será a 11 de Maio, na Aula Magna, e os bilhetes custam entre 27 e 35 euros.

Foi em 1995, numa sala de espectáculos em Paris, que os Tindersticks travaram pela primeira vez conhecimento com Claire Denis. A banda desenvolvia um som baseado nas orquestrações múltiplas de Dickon Hinchliffe e na voz de Stuart Staples. Enquanto tocavam “My sister”, do segundo disco, a realizadora teve a ideia de convidar a banda para fazer a banda-sonora do filme “Nénette et Boni”, que ainda estava em fase de produção. Esta parceria acabou por durar 13 anos; mesmo depois de Dickon Hinchliffe ter deixado a banda, lançou a banda sonora, então a solo, para o filme “Vendredi Soir”. Também Stuart Staples, igualmente a solo, fez a música para “L’Intrus”. O último encontro da banda com a realizadora surgiu no ano de 2009 em “White

Material”. Diz Stuart Staples sobre esta inusitada parceria: “Tínhamos o sonho de fazer bandas sonoras desde sempre, mesmo quando mal conseguíamos tocar. Na altura, a proposta (de Claire Denis) soou-nos como o caminho certo a seguir”

A 11 de Maio, poderemos ver projectados em ecrã os filmes

de Claire Denis, enquanto a banda interpreta os temas que os acompanham e que lhes dão sentido: “O trabalho para cada um destes filmes sempre nos levou a avançar para o desconhecido. No final, sentimos que isso nos mudou, que mudou a nossa música”. Antecipando este concerto, será lançada, a 26 de Abril, uma caixa com todas as bandas-sonoras, “Tindersticks- Claire Denis Film Scores 1996-2009”. Este ano, o IndieLisboa decorre de 5 a 13 de Maio, alternando entre o Cinema S. Jorge, a Culturgest, o Teatro do Bairro e a Cinemateca. Luís de Freitas Branco

Novo disco para a Orchestre Poly-Rythmo de CotonouA orquestra de “Poly-Rhytmo” de Cotonou, uma formação histórica da República do Benim fundada em 1969, vai ter a sua primeira grande oportunidade no “mainstream” internacional após 40 anos de carreira: a banda conseguiu finalmente assinar com a editora Analogue para gravar um álbum.

Os “Papys Groovy”, como é conhecida a orquestra “Poly-Rhytmo” na cidade de Cotonou, captaram todas as influências musicais à solta no Benim, um dos países mais pobres do mundo, e aliaram-nas à realidade ancestral das tradições de vudu africanas. O vocalista de 63 anos Ahehehinnou, formou o seu gosto com a rádio, ouvindo Brian Wilson, Elvis

Presley, Jimi Hendrix e sobretudo James Brown. A banda começou por copiar os artistas norte-americanos (apesar de não compreender as letras), que juntou às batidas sato e às danças tradicionais tchin koume (mas alterando um pouco ritmo, porque brincar com “o sagrado traz má sorte”, explicou o vocalista ao “The Guardian”). Apesar da popularidade local e de diversas “tournées” em África, a banda

sempre teve dificuldade em sobreviver através do negócio da música, lutando constantemente para conseguir manter os instrumentos e as datas de concertos.

Mas tudo mudou para a Orchestre Poly-Rythmo no ano passado, com uma digressão europeia que foi um sucesso crítico e financeiro. “Honestamente,

tivemos tantas promessas rompidas ao longo dos anos, que não acreditávamos que fosse mesmo acontecer”, diz Ahehehinnou. Mas desta vez o álbum novo vai mesmo acontecer, com a já confirmada ajuda de dois membros da banda de rock escocesa Franz Ferdinand, o guitarrista Nick MacCarthy e o baterista Paul Thomson.

Mitterrand sobe ao palco no “Adagio” de Olivier PyO ex-ministro da Cultura francês Jack Lang, e o antigo secretário-geral do Eliseu, Hubert Védrine, não quiseram faltar, na semana passada, à estreia de “Adagio”, a peça de Olivier Py que encena os últimos meses de vida de François Mitterrand, no Théâtre de L’Odeon, em Paris. Lang e Védrine figuram, como personagens, na peça de Py, e a sua presença na sala levou a que a representação se tenha convertido numa espécie de partida de ténis, com os espectadores a voltarem constantemente a cabeça para sondar o modo como ambos reagiam ao que os seus duplos diziam em palco.

Bem acolhida pelo público e pela crítica, que tem destacado a actuação de Philippe Girard no papel do ex-presidente francês, a peça de Py convoca ainda várias outras figuras que se moveram no círculo de Mitterrand, como o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner, ou o publicitário Jacques Séguéla, responsável pelas suas campanhas eleitorais.

Py baseou-se em discursos do próprio Mitterrand e em diversa outra documentação, o que dá à sua peça um realismo convincente. Interessou-o a oposição entre a imagem pública e a vida privada do protagonista, entre o político e o homem que ambicionava ser romancista.

O final do último mandato de Mitterrand – que terminou em Maio de 1995, quando lhe restava pouco mais de meio ano de vida – foi marcado por vários momentos polémicos, quer a nível internacional, com as posições que tomou nas crises da Bósnia ou do Ruanda, quer no plano doméstico, com a revelação do seu alegado envolvimento com o governo de Vichy. Py não ignora nenhuma destas polémicas, mas evita tomar posição, deixando que sejam as personagem de Mitterrand e dos seus adversários políticos a expor os respectivos argumentos.

Se “Adagio” está a despertar natural curiosidade, Py ameaça não ficar por aqui nesta sua estratégia de fazer subir ao palco, por interpostos actores, as principais figuras da política francesa. Numa entrevista recente ao “Le Figaro”, afirma: “Gostaria de fazer como Shakespeare com Henrique IV, Henrique V e Henrique VI – depois deste ‘Adagio’ com François Mitterrand, fazer um ‘Andante’ com Jacques Chirac e um ‘Allegro’ com Nicolas Sarkozy”.

Björk bio e Damon Albarn operático. Onde? Em Manchester.

Parece ser a cidade para se estar a partir de 30 de Junho. É nessa data que a cantora islandesa aterra em Manchester, mais exactamente no Festival Internacional daquela cidade inglesa, para uma série de apresentações especiais do seu novo espectáculo, “Biophilia”, nome também do seu próximo álbum. Alguma imprensa chama-lhe “residência artística” e é capaz de fazer sentido. Afinal, a islandesa vai permancer em Manchester durante três semanas, para seis apresentações, num misto de instalação artística, com música, claro, mas também um imaginário multimédia com estrelas, planetas, Internet, tecnologia e natureza. Na apresentações experimentará uma panóplia de novos instrumentos e suportes digitais. O espectáculo “Biophilia” apresenta-se a 30 de Junho e a 3, 7, 10, 13 e 16 de Julho. No mesmo festival, outro notável, Damon Albarn (Blur, Gorillaz) regressa à ópera. Depois de ter criado “Monkey: Journey to the West” em 2007, agora prepara-se para estrear “Doctor Dee”, peça escrita por Albarn e dirigida por Rufus Norris. A ópera será apresentada no Manchester Palace Theatre entre 1 e 9 de Julho. A história é centrada em John Dee, conselheiro médico e ciêntifico da Rainha Isabel I. Ao que parece, Dee também seria astrólogo e espião. A coisa promete. E ao contrário do que acontecia na sua ópera anterior, desta vez Damon estará mesmo em cena.

Os Tindersticks actuam na Aula Magna a 11 de Maio, para

um concerto em que darão a ouvir as bandas-sonoras que

compuseram nos últimos 13 anos

A Orchestre Poly-Rythmo de Cotonou vai ter a ajuda de dois Franz Ferdinand no novo disco

Depois deste “Adagio” com François Mitterrand, Olivier Py tem planos para um “andante” com Jacques Chirac e um “allegro” com Sarkozy

Damon Albarn vai à ópera,

literalmente: o seu “Doctor

Dee” terá estreia no

Festival Internacional

de Manchester

FestivalInternacional

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AGENDA CULTURAL FNACentrada livre

APRESENTAÇÃO MÚSICA AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO

Consulte a AGENDA FNAC em:http://cultura.fnac.pt

EXPOSIÇÃO

AS INCRÍVEIS AVENTURAS DEDOG MENDONÇA E PIZZABOYDesenhos de Juan Cavia e argumento de Filipe MeloUma selecção de imagens que recorda algumas das peripécias vividas pelos três protagonistas deste livro de aventuras.

23.03. - 25.05.2011 FNAC BRAGA

MÚSICA AO VIVO

THE GIFTExplodeO novo álbum de originais revela-se mais eléctrico e cru, com menos orquestrações e em registo épico.

MÚSICA AO VIVO

OS GOLPESGA banda dá a conhecer, no Fórum FNAC, um disco especial e de edição limitada.

31.03. 22H00 FNAC COIMBRA01.04. 18H00 FNAC CHIADO01.04. 21H30 FNAC COLOMBO

02.04. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING03.04. 15H00 FNAC ALMADA03.04. 19H30 FNAC VASCO DA GAMA

08.04. 18H00 FNAC STA. CATARINA08.04. 22H00 FNAC NORTESHOPPING09.04. 17H00 FNAC GAIASHOPPING09.04. 22H00 FNAC MAR SHOPPING

28.03. 18H30 FNAC CHIADO05.04. 21H30 FNAC COLOMBO

APRESENTAÇÃO

ENCONTRO COM JACK SOIFERO reconhecido consultor económico conversa com o público acerca dos seus livros Como sair da Crisee Lucrar na Crise.

31.03. 18H30 FNAC CHIADO08.04. 21H00 FNAC COIMBRA

APRESENTAÇÃO

A TERRA TODALivro de José Manuel SaraivaO jornalista e escritor apresenta o seu último romance em que reflecte acerca da actualidade de uma forma provocadora.

25.03. 19H30 FNAC BRAGA26.03. 16H00 FNAC ALMADA

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6 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

A verdade de Mónica Calle, por

inteiro

Mónica Calle, 44 anos, estreou ontem a primeira parte

de um tríptico de monólogos que a faz regressar a um autor de eleição, Heiner Müller. Mas o que esta encenadora nos mostra é um modo singular (e solitário)

de experimentar o teatro sem o artifício da distância.

Um absoluto caso de estudo, e também de espanto.

Tiago Bartolomeu CostaM

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 7

“O que de pior acontece de momento é que só há tempo ou velocidade ou passagem do tempo, mas não há es-paço. É preciso criar espaços e ocupá-los, contra esta aceleração”.

É sempre daqui que a nova criação de Mónica Calle parte, desta frase de Heiner Müller. É sempre a ela que re-gressa. Agora, outra e mais uma vez. Não será a última: “Anúncio de Morte” é um tríptico de solos, construídos a partir da reescrita de textos do dra-maturgo alemão, para apresentar até Junho: desde ontem, e até 3 de Abril, há “Álbum de Família” (a partir de “A Máquina-Hamlet”), de 28 de Abril a 8 de Maio, “Sete espelhos no quarto de dormir” (a partir de “Descrição de um quadro”), e de 26 de Maio a 5 de Ju-nho, “O passeio das raparigas mortas” (a partir de “Anúncio de Morte”), in-terpretados respectivamente por Tia-go Vieira, Ana Ribeiro e Rute Cardoso. Com eles Mónica Calle, 44 anos, volta a escrever nas paredes da sua Casa Conveniente, ao Cais do Sodré, em Lisboa, as razões pelas quais faz o que faz e que dão corpo à singularidade (outra maneira de dizer solidão) do seu teatro.

“Tem tudo a ver com a memória”, diz, para falar de um teatro feito de espaços afectivos, como este no Cais do Sodré onde trabalha, antigo bar transformado em teatro, que, de tão físicos, se converteram num discurso artístico singular, isolado, solitário, onde importa “compreender a palpi-tação, compreender cada golpe, não de um modo racional mas intuitivo”. Sobreviver.

Mónica Calle fez disso um modo de defender o seu teatro. Saída do Con-servatório, figurou no Teatro da Cor-nucópia, em “As Três Irmãs”, mas não era bem isso que procurava. A geração a que pertencia queria criar o seu pró-prio espaço (ver caixa) fora do peque-no “establishment” do teatro portu-guês, e com o tempo Calle transfor-mou-se num caso raro, de coerência e longevidade. Um caso de estudo. Ao longo dos anos, o que foi procurando, sem concessões, com uma exigência rara, foi um modo de fazer teatro que, naquele contexto de finais da década de 80 e princípios da de 90, lá fora ia sendo chamado de pós-dramático, pelo modo como se relacionava com o que ia encontrando pela frente. Em nome próprio, foi assinando trabalhos que, a partir de textos teatrais ou de romances, representavam uma pes-quisa atenta à relação do actor com o espaço, do texto com a leitura, do en-cenador que dá com o espectador que pede. Com o tempo, o seu teatro foi deixando de ser marginal e tornou-se uma referência fundamental para de-finir o potencial da cena nacional (dis-tinguido em 2010 pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro).

Dizer, agora, que Mónica Calle criou o seu próprio espaço é, mais do que constatar que de facto inventou um teatro que fosse seu no Cais do Sodré, chamar a atenção para o facto de ter tido que abrir caminho. Procurar um espaço – “tenho a necessidade de me sentir livre no modo como faço o meu trabalho” –, e construi-lo num sítio que não devia ser um teatro mas é, permi-tiu-lhe chegar a este lugar de exposi-ção crua do corpo, do texto, do olhar, da voz, da presença.

“Há coisas que eu sei que não que-ro, nas quais não acredito. Há outras que são construídas. Pode não pare-cer, mas sou muito rigorosa no cui-dado com a luz, na qualidade do que é dito, no desenho cenográfico”, diz-nos no fim de um ensaio que é só mais um, porque depois da estreia de ontem o “trabalho vai continuar, não faz sentido fechar-se”. “Às vezes os actores dizem que não percebem, ou levam mais tempo a perceber do

“Não há nenhum mérito, nem nenhum heroísmo nesta resistência. Agora que vou envelhecendo, consigo perceber o que me levou a determinado sítio, percebo o lugar de cada coisa. Mas nada é linear nem estruturado”

De cima para baixo: “Três Irmãs - Que Importância é que isto tem?”, de 2003, “A última Gravação de Krapp”, de 2007, e “Rua de Sentido Único”, de 2002, algumas das criações de Calle para a Casa Conveniente

que estou a falar. E eu reconheço al-guma dificuldade em explicar o que pretendo”, diz. “Nestes últimos três anos, tenho feito muitos ‘workshops’ que são espectáculos, e onde traba-lho tarde e noite. É um modelo que me deixa muito feliz e imensamente livre. Os actores que trabalham co-migo, e que quando chegam, na sua maioria, não me conhecem, depres-sa compreendem que tem de haver uma disponibilidade grande. É um investimento imediato aquele no qual se mergulha. Para todos. E é uma tro-ca constante. Eu dou-te, tu dás, o texto dá, o espaço dá. Todos os que vão passando por aqui, numa rede de cumplicidades, vão fazendo de tudo. É tudo muito concreto e, por isso, todos sentem que a coisa lhes pertence. Que é um bocadinho de-las”. Elas também não são quaisquer umas: “As pessoas que me vão inte-ressando são as que me lançam e me levam a sítios diferentes.”

Mónica Calle, 44 anos,

chegou a integrar um espectáculo do Teatro da Cornucópia

quando saiu do Conserva-

tório, mas o seu caminho

foi outro, e fê-lo

sozinha

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8 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

Será também assim agora. Os espectáculos de Mónica Calle não são só de Mónica Calle. “Há uma verdade que não é necessariamente minha, é de quem lá está”. E este estar lá tanto pode ser quem está a interpretar co-mo quem está a ver. “O modo como constróis o texto, como o trabalhas, relaciona-se com o lugar onde o es-pectador se senta, o espaço que o envolve, o sítio para onde vai”, expli-ca. “Eu tenho de defender o que faço, e encontrar um sentido nisso quan-do, porque não posso fazer como quero, preciso de encontrar outras formas de fazer. Onde chego é muito mais importante [do que onde queria ir], porque me obriga a pensar mais nas coisas. Eu trabalho sobre textos para descobrir o que me dizem”, con-tinua.

O texto é realÉ também por isso que este tríptico agora em cena é um regresso a “A Mis-são”: o espectáculo que, em 2004, Calle estreou no antigo Bar Lusitano, que então reabria como nova Casa Conveniente, e que vai refazer, agora sozinha e por inteiro, no final do ano. Exactamente como há sete anos, mas agora com outras paredes por cons-truir, outro entulho no chão, outros baldes de água, outras sacas de ci-mento e outros restos de cadeiras. Mas porque a memória é fundamen-tal no trabalho da encenadora, ainda que este espectáculo seja outro é co-mo se estivéssemos perante as mes-mas paredes, o mesmo entulho, os mesmos baldes, as mesmas sacas de cimento e os mesmos restos de cadei-ras. No mesmo chão.

O seu chão, a Casa Conveniente, fica numa artéria escura do Cais do Sodré, a Rua Nova do Carvalho, ao lado de outros tantos bares, de outros tantos espaços, tão ou mais teatrais do que este onde ela resiste a fazer teatro. Já é a segunda Casa Convenien-te. Antes houve uma, à qual foi buscar o nome, duas ruas abaixo, na Rua dos Remolares: uma loja de utensílios de pesca transformada em albergue pa-ra uma actriz que, há 19 anos, abriu as portas e foi insultada por todos os que passavam e achavam que aquela mulher que dizia poemas de Rimbaud a noite toda era só mais uma puta, só mais uma “Virgem Doida”. Foi a pri-meira peça, repetida noite fora, como estes solos agora serão, todos os dias até à meia-noite. Como se a história se pudesse repetir mas fosse uma his-tória nova, porque se pode ouvir no-vamente.

O teatro dela, afinal, é sobretudo uma questão de presença. A do espec-tador, claro, a do actor, evidentemen-te, mas também a do texto. “Os textos têm que ser um prazer para quem faz e diz. Os do Heiner Müller são uma prenda para os actores. Ele está sem-pre a citar-se. A compreensão do que se diz tem de ser intuitiva, não pode ser intelectual. O actor não se pode instalar no que está a dizer. Tem de estar presente, tem de ser activo”. Tem de reagir, em suma, porque “o texto existe fisicamente, está ali”. E esteve, de facto, fisicamente, por di-versas vezes. Em “Três Irmãs – Que importância é que isto têm?” (2002) ou “Manifesto” (2009), eram os tex-tos, de Tchékhov num caso, e uma compilação de escritos políticos nou-tro, que apareciam. Nos exercícios que levaram a composições a partir de “O Ginjal” ou “Esta Noite Improvisa-se”, o texto nunca saía da frente dos espec-tadores. E, invariavelmente, aos es-pectadores era pedido que acompa-nhassem na leitura. Como se isso nos permitisse voltar a acreditar no teatro enquanto ritual colectivo em perma-nente construção.

“O texto é, para mim, algo de muito

real, muito concreto. É algo vivo. Os autores existem como se eu os conhe-cesse, não são figuras distantes de mim. Por trás daqueles textos há um autor, que é alguém que me importa que esteja presente”, explica, indo ao encontro de frase de Heiner Müller frequentemente citada: “Há sempre mais mortos do que vivos”.

O texto, diz Calle, dialoga com ela. E isso pode levá-la, e levou-a, a ter de encontrar modos de leitura que fos-sem conscientes das condições em que seriam encenados. Os autores vão de Stig Dagerman (“Jogos da Noite”, 1993, “A loucura da normalidade”, 2002), a Walter Benjamin (“Rua de Sentido Único”, 2001), passando por António Lobo Antunes (“Crónicas”, 1997) e Luís Fonseca (“Os dias que nos dão”, 1999) ou Peter Handke (“Luz/Interior”, 2004, menção honrosa da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro em 2005).

Os clássicos, se os quisermos insul-tar dessa forma, são – em vez de foram – uma constante no percurso de Calle: Heiner Müller (“A Missão” (2004)), Thomas Bernhard (“Comédia ou a Força do Hábito”, 2008 e “Minetti ou

Um Retrato do Artista Quando Jovem”, 2009), Anton Tchékhov (“Três Irmãs - Que importância é que isto tem?”, 2002, “A Última Ceia ou sobre O Ce-rejal”, 2007, “O Ginjal ou o sonho das cerejas”, 2010), Luigi Pirandello (“Es-ta Noite Improvisa-se”, 2010), Samuel Beckett (“Um dia virá”, 2003, “Varia-ção sobre ‘A Última Gravação de Kra-pp’”, 2007) e August Strindberg (“Me-nina Júlia”, 1993, “Inferno”, 2010) foram feitos e refeitos porque “nunca houve condições”, diz. “Levei 18 anos a fazer ‘O Ginjal’ por inteiro, sem ter de inventar formas nem estratégias para o fazer”, conta. Foi no ano pas-sado, em co-produção com diversos teatros municipais. “Não correu bem”, assume. Como não tinha corrido bem “Julietas – Cartas fragmentárias a um amor perdido”, que apresentou na Culturgest em 2005, e, por isso, deci-diu parar.

“Houve alturas em que não aguen-tei, em que não consegui”. E nessas alturas, parou. Para perceber no que tinha falhado.

Voltar atrásQuando voltou, em 2007, fez um sur-preendente Krapp. E quando voltou outra vez, no Inverno de 2010, fez um extraordinário “Inferno”. E agora que não tem uma terceira peça consecu-tiva numa grande instituição – mas sendo a Casa Conveniente não menos do que uma instituição que ela se de-dica a reinventar -, faz este tríptico, de regresso à base. “Percebi que havia ali toda uma máquina que implicava com o que queria fazer. Uma máquina mui-to grande”, diz. Não que alguma vez tenha ambicionado trabalhar o resto da vida com lâmpadas embrulhadas em papel couché, iodines que se fun-dem, roupas velhas, baldes cheios de água, inundações em cima das es-treias, cabos eléctricos à vista, cadei-ras puídas, sacos de cimento em vez de adereços iguais aos outros. Mas é isso que vamos encontrando. E agora, mais uma vez. Novamente a memória a fazer as vezes do discurso artístico, que faz as vezes das condições: “Os elementos usados vão surgindo ao longo do processo. Volto a alguns de-les, tal como volto atrás nos textos. Pudesse eu e estava três anos a fazer ‘O Ginjal’, a investigar, a aprender com o texto. Muitas destas coisas, como o gesto criativo, têm a ver com as limi-tações, com o que há à volta, e com o que vais elaborando à volta disso”.

Uma vez mais, tal como Müller, que

“O texto é, para mim, algo de muito real, muito concreto. É algo vivo. Os autores existem como se eu os conhecesse, não são figuras distantes de mim. Por trás daqueles textos há um autor, que é alguém que me importa que esteja presente”

“Álbum de Família”, que se estreou ontem na Casa

Conveniente, é a primeira peça de um ciclo Heiner Müller

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usa e reusa os mesmos textos, as mes-mas palavras, reescrevendo os senti-dos, ou escarafunchando. “São sem-pre espectáculos muito compensado-res. São espectáculos de uma liberdade imensa. Mas não há nenhum mérito, nem nenhum heroísmo nessa resistência. Agora que vou envelhe-cendo, olho para trás e percebo me-lhor porque é que algumas coisas são como são, ou foram como foram. Con-sigo perceber o que me levou a deter-minado sítio, porque é que fiz aquilo daquela maneira, percebo o lugar de cada coisa. Mas nada é linear nem es-truturado”, sublinha.

A sua relação com as instituições é alias, paradigmática de um modelo de procura permanente que não se adequa às grandes máquinas. Quando fez “Os paraísos do caminho vazio”, em 1998, a primeira das três peças que montou com a Culturgest, teve de sair para o anfiteatro ao ar livre para poder respirar. Em 2003 levou para o Centro Cultural de Belém “Um dia Virá”, a partir de “À Espera de Go-dot”, de Beckett, mas foi como carta de despedida à ex-Casa Conveniente que o espectáculo melhor resultou, ali, naquele cubículo na esquina da Rua dos Remolares, apropriadamen-te chamando-lhe “Esquina de uma rua”. Tal como tinha acontecido um ano antes com “O Bar da Meia-noite”, a partir de Fiama Hasse Pais Brandão, onde a mesa onde os espectadores se sentavam era tanto um espe-lho para o que se imaginava passar-se nos quartos das pen-sões que rodeavam a Casa Conveniente, como o reverso do que, nos quartos, se imagi-nava passar-se ali, naquele te-atro de esquina.

Aquilo que Mónica Calle pro-cura é o próprio lugar do discur-so artístico: “Que lugar é o da palavra, que lugar é o da arte, que lugar têm na vida. Que lu-gar é este que se procura? É uma coisa gradual. Precisa de um tempo de maturação, es-ta relação entre o interior e o exterior. O tempo real e o tempo do teatro, e a consciên-cia da simultaneidade destes dois tempos são das coisas mais impor-tantes. Eles coexistem sempre, em paralelo, o tempo real e o tempo fora do tempos”.

Ver agenda de espectáculos na pág. 37

“Diz-se imensas vezes em relação à minha geração que éramos muito giros quando começámos, mas que agora, coitados, estamos péssimos e acabados. Que somos muito auto-complacentes”. A frase não é de hoje, mas de 2006, e foi dita por Lúcia Sigalho, encenadora e actriz, à revista “Sinais de Cena”. Descrita em 2003 num artigo do britânico “The Guardian” como “uma persuasiva contestatária cujo estilo anárquico de teatro físico parece brotar naturalmente da sua personalidade exuberante”, Sigalho é (foi?), com Mónica Calle, “um dos pilares gémeos do ressurgimento do teatro português dos anos 90”, dizia ainda o mesmo artigo.

Sigalho está, desde há uns anos, afastada do teatro, ela que foi, efectivamente, um dos rostos mais afi rmativos da segunda geração do teatro independente português. Não é caso único. “Achei que íamos aguentar todos”, diz Calle. “Sinto uma enorme tristeza porque fi co com a sensação de que a minha geração desapareceu, por variadíssimas razões”.

“De uma forma hipócrita, até, a geração anterior tinha muito a ideia de colectivo: o indivíduo não contava, nem havia estrelas”, analisa Diogo Infante. Hoje à frente do Teatro Nacional D. Maria II como director artístico, Infante diz que “olhava para as instituições com alguma desconfi ança porque todas elas pareciam muito inacessíveis”. Ainda se lembra de ter dito numa entrevista, a propósito da atribuição de subsídios a novos criadores: “Novo sou eu e a mim ninguém me dá nada”. Na altura, Lúcia Sigalho dizia o mesmo: “Quando comecei a fazer teatro, vi uma geração inteira a bater com a cabeça nas portas e ninguém entrava”. “Nós reclamámos um espaço primordial. Queríamos ser vinculadores de um qualquer movimento que nos aproximasse do público, com o qual agora temos uma relação privilegiada. É um público que cresceu connosco”, continua Infante.

Ao contrário da dança, que em 1991 é exposta à montra internacional da Europália e aí se vê organizada e transformada num movimento (a “Nova Dança Portuguesa”), o novo teatro português nunca foi bem um fenómeno colectivo.

A geração do meioA geração de Mónica Calle foi a primeira do pós-25 de Abril a afi rmar-se como modelo alternativo

às companhias que surgiram na década de 70 e entretanto se institucionalizaram, e nisso abriu caminhopara quem veio a seguir. O que queriam e o sítio a que chegaram são dois países diferentes.

Luís Castro

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O que caracteriza o teatro português é aquilo que os artistas portugueses conseguem fazer individualmente”, diz João Garcia Miguel. Mas Luís Castro acha que falta fazer justiça ao trabalho desenvolvido pela sua geração: “Há uma transição que não foi feita entre as companhias institucionalizadas com subsídios muito altos e outras que já provaram, ao fi m de 10 e 15 anos de trabalho, o que valem”. O encenador não hesita em apontar o dedo às condições estruturais, que estão na origem da fragilidade da evolução dos discursos artísticos. “A legislação que suporta a cultura é frágil. Os apoios deviam ser mais abrangentes”.

Os problemas, contrapõe João Garcia Miguel, também estão na classe: “O tecido artístico é até bastante ingrato para com o país onde vive e ingrato para si próprio. Considero que a maior parte dos criadores portugueses tem pouca noção da sua importância em termos de exemplo. A classe dos agentes culturais é bastante piegas e constantemente autofágica”, defende. O fi m da companhia que dirigiu, o Olho, marco fundamental na renovação do discurso teatral português no fi m do século XX, explica-o assim: “Não tivemos engenho sufi ciente para conciliar os nossos sonhos com a realidade e a solução foi adormecê-lo. Ainda bem que temos a facilidade de esquecer porque, se não tivermos, o peso do passado será incomensurável”.

Ainda assim, a geração de Calle, Sigalho e Garcia Miguel conquistou um território: “A minha geração foi a primeira que se preocupou com aquilo que era importante para a criação de um corpo do teatro português, que nos foi negado pelo peso das companhias que nos precediam”. E tem, como as anteriores e as que seguiram, um futuro pela frente: “Aquilo que fazemos nunca é o mais importante de tudo. O mais importante é o que ainda vamos fazer. Não posso dizer que não tenha tido momentos e sensação de perda agudos. Mas acho que o importante é perceber que faz parte de uma existência, em que há coisas que se perdem para se ganhar outras”, resume o encenador. T.B.C.

Cristina Carvalhal, actriz e encenadora que esteve na formação da Escola de Mulheres, é bem disso o exemplo: “Nunca tive uma estratégia, nem nunca ambicionei fazer uma companhia. Queria sobretudo ser actriz”. Com o aparecimento das televisões privadas, que necessitavam de actores para os seus projectos, foi “tendo oportunidade de poder escolher o que queria fazer no teatro, sobrevivendo através de trabalhos de actriz na televisão”. Foi no meio disso que foi encenando: “Quando enceno é mais solitário, são impulsos aos quais respondo, meus ou de outros”. Infante partilha a ideia: “Não consigo defi nir uma linha que seja claramente a minha. Sou volátil e imprevisível. Sou-o porque gosto de ser assim”.

Mas há, ainda assim, uma geração. Uma geração que, para Miguel Seabra, actor, encenador e director do Teatro Meridional, este ano distinguido com o Prémio Novas Realidades Teatrais Europeias, reagiu e trilhou um caminho pulverizado, vários caminhos. O Meridional constituiu-se como companhia nómada, com ramos em Portugal, Espanha e Itália, e é, com o Teatro da Garagem, que Carlos J. Pessoa fundou, parte do mesmo contexto de que saíram companhias como as de Calle, Sigalho (Sensurround), João Garcia Miguel (Olho) e Luís Castro (Karnart), só para falar de Lisboa. As diferenças são a característica maior desta geração, defende Diogo Infante: “Há uma linha ténue que nos divide, mas estamos unidos na mesma paixão e no mesmo compromisso. Os nossos objectivos é que são distintos”.

Por isso, falar de correntes, de discursos comuns ou de famílias é, para os entrevistados, algo estranho. Sigalho dizia mesmo: “Não me sinto em corrente nenhuma. Sei que, às vezes, o trabalho que faço lança pistas

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Do lado de cá, o do público, “Pichet Klunchun and Myself” parece uma invasão da privacidade. É como se todos os que estão sentados na plateia – sejam 180 num teatro em Nova Ior-que, sejam 290 num auditório em Lisboa – se escondessem atrás de uma cortina a assistir a uma conversa entre um coreógrafo ocidental e um baila-rino asiático, resistindo à tentação de entrar no jogo e de fazer perguntas. Eles falam sobre as diferenças entre o movimento contemporâneo e a dan-ça tradicional khon tailandesa. E vão provando um ao outro como essas diferenças se tornam evidentes quan-do o corpo mostra o que aprendeu e se mexe.

O coreógrafo francês Jérôme Bel apresentou “Pichet Klunchun and Myself” em Portugal há cinco anos e regressa agora com mais um momen-to da série de trabalhos que tem de-dicado, desde 2004, aos “trabalhado-res da dança” (a expressão é dele). Viseu (Teatro Viriato, amanhã), Lis-boa (Maria Matos, dias 30 e 31) e Por-to (Serralves, 3 de Abril) vão receber Cédric Andrieux, bailarino de 33 anos, e o solo em nome próprio que ele construiu com Bel em dois anos.

Em “Cédric Andrieux” (2009) há um bailarino em palco a contar a sua história, tal como em “Véronique Doisneau” (a peça inaugural, de 2004, com uma intérprete do Ballet da Ópe-ra de Paris), “Pichet Klunchun and Myself” (2005), “Isabel Torres” (tam-bém de 2005, com uma bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro) e “Lutz Förster” (2009, com uma estre-la da companhia de Pina Bausch). Através desta série, de que farão ain-da parte mais dois trabalhos – com uma bailarina de bharata nattyam (dança clássica do sul da Índia) e com Frédéric Seguette, um dos mais im-portantes intérpretes da carreira de Bel –, o coreógrafo francês de 46 anos quer pôr os bailarinos a falarem da sua experiência, e dar voz a “intér-pretes que habitualmente são trata-dos como objectos, como meros exe-cutantes, pelos coreógrafos a quem se confia quase todo o discurso sobre a dança”, explicou ao Ípsilon.

Jérôme Bel quer que eles falem, mesmo que isso lhes cause descon-forto, porque acredita que, no fim, o exercício de revisão das suas carreiras acabará por ser enriquecedor. Além

disso, acrescenta, estas peças auto-biográficas – que em última análise passam sempre pelo próprio coreó-grafo, o “produtor” e editor destas vidas que se expõem em palco – apro-ximam os bailarinos de quem os ouve. “Só a partir de ‘Véronique Doisneau’ o meu trabalho começou a ter suces-so junto do público. Até aí só a crítica e o meio falavam dele. E eu acho que isso aconteceu porque as pessoas se reconhecem naquelas vidas, naqueles bailarinos que não são estrelas nas suas companhias [à excepção de Lutz], mesmo que a sua profissão se-ja conduzir um autocarro ou desenhar pontes. Isto porque todos temos pa-trões e problemas de dinheiro, todos temos sucessos e fracassos, todos nos sentimos humilhados um dia…”

E se o público se ri, mesmo quando Cédric Andrieux recorda um momen-to particularmente difícil, é porque é capaz de rir de si próprio, diz Bel. E isso é bom.

Sempre por acasoJérôme Bel estava no Ballet da Ópera de Lyon para montar um dos seus es-pectáculos, o popular “The Show Must Go On” (2001); Cédric Andrieux era um dos bailarinos dessa formação desde que decidira deixar a compa-nhia do norte-americano Merce Cun-ningham (1919-2009), onde dançou oito anos. Durante a preparação do espectáculo, Bel não reparou em An-drieux – “para mim ele era apenas mais um dos 30 bailarinos com que eu estava a trabalhar”. Mas, um dia, de regresso a Paris, os dois ficaram por acaso sentados frente a frente no comboio e começaram a conversar. Foi aí que o coreógrafo soube que An-drieux trabalhara com Cunningham e ficou interessado.

“Merce Cunningham foi muito im-portante para mim como bailarino. Descobri-o quando tinha 18 anos e aos 18 tudo parece fundamental”, diz o coreógrafo, acrescentando que se identificou com a hiper-tecnicidade da sua linguagem. “Quando estamos no início da carreira, ainda em forma-ção, a técnica é crucial. Os professores fazem-nos sentir que não chega ser bom, é preciso ser o melhor, ser ex-celente. E eu identifiquei-me logo com aquele universo. Comecei a estudar o Merce, depois descobri John Cage, que se tornou muito importante para

Cinco peças biográfi cas já concluídas, duas em preparação. Ou, se quisermos, sete momentos de u Jérôme Bel regressa a Portugal com o solo “Cédric Andrieux” para nos mostrar que os b

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e uma mesma obra, difícil, reveladora. O coreógrafo francêss bailarinos têm muito a dizer. Lucinda Canelas

mim. Percebi que estavam em con-tacto com Marcel Duchamp, Robert Rauschenberg, Bruce Nauman… Cun-ningham não abriu a minha cabeça apenas à dança, mas também à mú-sica e à arte contemporânea.”

Andrieux chegou à companhia de Cunnigham em 1999. Tinha 22 anos (o coreógrafo norte-americano 80) e mudara-se para Nova Iorque dois anos antes para viver com Leonardo, uma das grandes histórias de amor da sua vida, conta-nos no solo. Para se man-ter fiel ao projecto de fazer carreira como bailarino, depois de uma for-mação em França que começou nos espectáculos que via com a mãe e pas-sou depois por Brest e Paris, Andrieux foi empregado de mesa e modelo nu-ma escola de arte. “Dançar com Mer-ce e trabalhar neste solo moldaram-me como bailarino, como performer”, diz ao Ípsilon via “email”. Foi precisa-mente via “email” e Skype que cons-truiu grande parte de “Cédric An-drieux”, respondendo às perguntas de Bel, resistindo às suas sugestões.

“Apesar de não termos tido nenhu-ma ligação especial de início, fiquei fascinado com a forma como o Jérô-me falava de ‘The Show Must Go On’

a 30 bailarinos. Mas, no princípio, fazer o solo foi duro porque com ele é só trabalho – Jérôme não está ali pa-ra fazer amigos, para ser simpático ou para interpretar um papel qual-quer. Está ali para criar uma peça e é essa atitude, acho, que torna o seu trabalho tão preciso e delicado.”

Trocaram “emails” e conversaram durante dois anos, sem que Bel tives-se prometido que tudo aquilo daria um solo. “Nunca começo este tipo de colaboração prometendo uma ‘per-formance’”, garante o coreógrafo. “Há muito trabalho antes disso. Faze-mos pesquisa, conversamos… Sinto que a peça tem de acontecer na minha cabeça antes de ser proposta a outra pessoa. Faço-a para mim mesmo. É como se eu estivesse a fazer autopro-dução.”

Andrieux foi pondo a sua vida por escrito e Bel foi lendo. Depois fazia perguntas, dizia “quero isto” ou “cor-ta aqui que é muito chato”. Tal como os outros momentos da série, “Cédric Andrieux” é, mais do que uma bio-grafia, “a performance de uma bio-grafia e, por isso, tem de ser interes-sante para o público”. “Na realidade estou a editar a vida dele. Não se tra-ta de ficção – não estamos a inventar nada –, mas estamos a reorganizar porque uma vida não cabe numa ho-ra e meia. É preciso olhar para estas peças como documentários ao vivo no palco de um teatro.”

Tudo é encenadoTodos os bailarinos deste conjunto de trabalhos participaram em projectos artísticos que interessam a Bel, que diz, por isso, estar fora de questão fa-zer algo semelhante com intérpretes que tenham trabalhado com criadores como Jiri Kylián ou Akram Khan. As linguagens e técnicas em que se mo-vem são diferentes, mas Klunchun, Doisneau, Torres, Förster e Andrieux têm em comum o facto de serem ex-perientes e de terem uma história pa-ra contar que nos permite ficar a saber mais sobre a dança em geral e a vida de um bailarino em particular.

“Este solo é verdadeiramente auto-biográfico”, diz Andrieux. “Mas isso não quer dizer que tudo esteja a ser

dito. O objectivo da peça não é que as pessoas fiquem a co-nhecer-me, mas que fiquem a saber o que aconteceu na

minha carreira. Sejam coisas comuns à maioria das pessoas, como referên-cias da cultura popular, sejam expe-riências mais específicas, como o que é isto de dançar para Merce Cunnin-gham.”

Durante a peça, Andrieux executa excertos de peças de Cunningham, Trisha Brown, Philippe Tréhet e do próprio Jérôme Bel. Tudo está escrito e tudo é encenado, apesar da aparen-te informalidade. Não há espaço para a improvisação, o que deixa o baila-rino bastante confortável. Falar, ad-mite, já é suficientemente difícil.

“Assim que subo ao palco sinto-me exposto”, explica Andrieux. “Mas nes-te caso sinto-o ainda mais por causa da voz. Ela diz mais sobre mim do que aquilo que estou habituado a dizer. Para um bailarino é mais difícil escon-der-se atrás da voz do que do cor-po.”

A voz do Cédric é fraca como ins-trumento teatral, mas é por não ser treinada que Bel a quer. “Cédric fala como toda a gente. Se ele soubesse falar em palco não me interessaria”, acrescenta o coreógrafo, que vê este conjunto de trabalhos biográficos co-mo uma peça complexa que levou anos a construir e que deverá termi-nar, depois da bailarina de bharata nattyam, com um solo de Frédéric Seguette, um dos intérpretes mais importantes do seu trabalho nos últi-mos 15 anos.

Seguette já começou a trabalhar nele e, depois de ler as páginas de texto que escreveu, Jérôme Bel está assustado. O “seu” bailarino foi duro – o que o coreógrafo já esperava – e fê-lo perceber que, apesar de estar em todas estas peças desde “Véroni-que Doisneau”, este último acto é o mais arriscado. “Ele vai expor-me co-mo o Cédric expõe o Merce e o criti-ca… Vai ser difícil, mas não sei de que outra forma poderia acabar esta série. Sei que o meu trabalho é muito vio-lento e que não tenho limites. Quando estou a trabalhar não socializo, não me preocupo com a relação que estou a estabelecer com a outra pessoa. Sou um verdadeiro fascista. Não estou preocupado em ser simpático. Estou-me nas tintas para a maneira como me vêem. O que quero é fazer peças extraordinárias, que tragam experi-ências novas. Odeio a superficialida-de.”

“Na realidade estou a editar a vida do Cédric. Não se trata de ficção – não estamos a inventar nada – mas estamos a reorganizar porque uma vida não cabe numa hora e meia. É preciso olhar para estas peças como documentários ao vivo no palco de um teatro” Jérôme Bel

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Quando fez “Véronique Doisne-au”, Jérôme Bel não tinha em mente montar uma série de peças biográfi-cas. Diz que estes projectos lhe “caí-ram em cima”, como aliás é habitual. “Sou muito preguiçoso. Detesto tra-balhar. Só o faço porque é preciso. Prefiro ver o meu filho brincar, ler um livro, ir aos espectáculos dos outros ou simplesmente não fazer nada.” Isto é o que deveria constar de uma peça autobiográfica sua, diz, rindo-se.

Os franceses Jérôme Bel e Xavier Le Roy são apenas dois dos criadores da área da dança que têm dedicado parte do seu trabalho a registos au-tobiográficos, ainda que de formas bem diferentes, lembra Maria José Fazenda, antropóloga e professora de História da Dança. “Estes criado-res questionam a própria dança constantemente, e fazem-no a partir do ponto em que estão, da sua pró-pria experiência”, diz Fazenda.

“Neste caso, como no dos portugue-ses Cláudia Dias e Miguel Pereira, por exemplo, a autobiografia surge porque o coreógrafo está muito pre-ocupado com o processo de cons-trução, com o que está por dentro da dança.”

Para Mark Deputter, director ar-tístico do Teatro Maria Matos, que acompanha há anos o percurso de Bel, não há uma tendência natural da dança para a autobiografia, em-bora a incorporação de dados de memórias privadas aconteça desde o início do século XX, com a Ausdru-ckstanz alemã. “Em rigor, penso que existem muito poucas peças de dan-ça (auto)biográficas. O que não é espantoso, dadas as limitações que a dança tem para contar uma histó-ria.”

À semelhança de Maria José Fazen-da, Deputter, que defende que esta série do coreógrafo francês poderia ser classificada como teatro sem qual-

quer problema, vê aqui a autobiogra-fia como “instrumento de análise da própria dança e das suas condições de existência como forma de arte”. Um instrumento que se tornou uma fórmula. “[Este modelo de constru-ção] é uma armadilha. Mas uma ar-madilha de que eu gosto”, admite Bel, um criador que trabalha nos limites da dança e não está preocupado com os rótulos que lhe colam. “É uma fór-mula que resulta para mim porque se trata da mesma peça desde 2004. Te-nho a forma e mudo o conteúdo [o bailarino] – porquê mudar tudo ao mesmo tempo?”

O que lhe interessa, diz ele, não é a novidade, mas o gesto emancipador que permite a estes intérpretes, habi-tualmente em silêncio, falarem du-rante mais de uma hora e sempre na primeira pessoa.

Ver agenda de espectáculos na pág. 37

A tua vida davauma peça de teatro?

A tua eu não sei, mas a vida dos amigos do autor e encenador André e. Teodósio dá não uma, mas várias peças de teatro. Pelo menos este é o seu ponto de partida: registar para a posteridade o nome dos seus amigos. É quase só mesmo o nome que fi ca guardado, porque distinguir onde começa a realidade e onde acaba a fi cção nestas peças não será uma tarefa fácil. Mas às vezes a vida também é assim, confusa.

“Eu não quero usar as biografi as dos meus amigos para fazer uma peça de teatro. Não tenho a ousadia de expor a vida de alguém de quem eu gosto e conheço tão bem”, diz André e. Teodósio, explicando que aquilo que vai apresentar a partir de terça-feira no Centro Cultural de Belém, com “Top Models: Susana Pomba”, a primeira de um ciclo de peças, é apenas a forma como vê e entende essas pessoas. Mas afi nal é ou não a vida delas que vemos ser representada? “O que eu tento fazer com este trabalho é perceber o que é que estas pessoas despertam em mim, o que me faz gostar delas e admirá-las. São quase biografi as que eu faço a partir dos momentos que tenho com esses amigos.” Uma ida a um concerto ou a uma galeria, um jantar em casa e até o mais

banal café podem despertar este interesse em Teodósio. “É engraçado, um dia dei por mim a escrever coisas sobre os meus amigos. Não sei porque o fazia, mas a verdade é que fazia. Inconscientemente ia escrevendo certas coisas que tinham acontecido no tal dia, ou que um amigo me tinha dito e eu achei piada”, revela o encenador, para quem fazer estes trabalhos se tornou uma evolução natural. Não se trata de ver a vida das pessoas registada no teatro, o objectivo é exactamente o contrário: transformar as pequenas coisas que caracterizam essas pessoas (o trabalho, a forma de falar e lidar com os outros ou até mesmo os gostos específi cos delas) e fazer delas um espectáculo.

“Comecei por escrever espectáculos sempre sobre mim e a minha apreensão do mundo, e a partir de um certo momento as pessoas começaram a dizer que eu me centrava demasiado na minha pessoa. Então tentei mudar isso”, conta Teodósio, acrescentando que, antes de pegar na vida dos amigos, teve de se distanciar do seu próprio trabalho. Parece confuso, mas Teodósio explica: “Sempre tive imensas questões, a partir daquilo que via e lia, e sempre tentei passar isso para o teatro.

Quando as críticas surgiram, tive esta ideia, só que para seguir em frente tinha que me matar teatralmente. Criei algumas peças em que começo a mostrar isso mesmo e acabo por morrer numa ópera que fi z no São Carlos.” Um gesto meramente simbólico, mas que libertou Teodósio para fase seguinte: tornar os amigos protagonistas das histórias que fi caram por contar. “Susana Pomba” é símbolo disso, um misto de drama com comédia, em que Teodósio mistura música ao vivo (dos PAUS), com versos, com trocadilhos. “É tudo muito esquisito, mas quem conhecer a Susana percebe que tem a ver com ela e com o corpo de trabalho dela”, conta, apontando o alcance do trabalho de Susana Pomba. “O que ela faz sem ninguém ver é maravilhoso. Já quase toda a gente esteve em contacto com um fl yer, um jornal [é colaboradora do PÚBLICO] ou uma fotografi a, tudo coisas que passam pelas suas mãos, sem perceberem o mito que está por trás. Isso fascina-me.”

Talvez por isso, nesta peça a inspiração maior tenha sido a inauguração da última exposição comissariada por Susana Pomba no Lux, em Lisboa. Quem lá esteve vai perceber assim que vir a primeira cena da peça, em que

os PAUS tocam uma música. Não foi assim que se inaugurou a exposição? Pois, e eis que a realidade se desvenda no meio de tanta imaginação de André e. Teodósio.

“Esta peça saiu assim, mas as próximas já vão ser coisas completamente diferentes, tudo varia de pessoa para pessoa”, diz o encenador, contando que as próximas duas peças já têm protagonista. “A segunda será sobre a Paula Sá Nogueira e a terceira, possivelmente sobre o

Manuel Reis.” Para Teodósio os requisitos são simples: “Têm que ser meus amigos. Não sei dizer como se escolhem as pessoas. Se

a Susana me lembra um determinado acontecimento, a Paula lembra-me outra

coisa completamente diferente. Não

sei explicar isso, como não sei sequer explicar como nos conhecemos. Foram sempre amizades acidentais”, conclui.

Ver agenda de espectáculos

na pág. 37

“Um dia dei por mim a escrever coisas sobre os meus amigos. Não sei porque o fazia, mas a verdade é que fazia.Inconscientemente ia escrevendo”André e. Teodósio

A partir de terça-feira, na Sala de Ensaio do Centro Cultural de Belém, o encenador André e. Teodósio também

faz biografi as, mas dos amigos. “Susana Pomba” é a primeira de um ciclo de peças em que não se sabe muito bem onde

acaba a vida e começa o teatro. Cláudia Carvalho

“Este solo é verdadeiramente autobiográfico. Mas isso não quer dizer que tudo esteja a ser dito”Cédric Andrieux

“Susana Pomba” começa com uma música tocada

ao vivo pelos PAUS

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14 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

AquaparqueOs Aquaparque de André Bel e Pedro Magina não são comparáveis a nada do que tenhamos ouvido ou que eimediata, na boa tradição pop, e só os cantaremos quando aprendermos a ouvi-los. “Pintura Moderna”, o s

O palco não era bem palco porque não existia qualquer obstáculo físico a separar o público da banda. O palco, de resto, não era necessário. A maio-ria dos que assistiam estava sentada no chão, quieta e atenta. No palco que não era bem palco, estavam dois mú-sicos. Um deles cuspia palavras com as mãos nas teclas, largava as teclas e aproximava-se do povo sentado. O corpo contorcia-se enquanto as pala-vras se libertavam num cantar visce-ral, irreprimível. O corpo que cantava não era intérprete de coisa nenhuma, não se movia e não cantava assim pa-ra o público que o via e ouvia. Fazia-o para si, fazia-o porque não precisa de alternativa ao “ter que fazer”.

Quem cantava era Pedro Magina. Que tanto foi aquela urgência irrepri-mível quanto uma visão pop, tão es-tranha quanto reconfortante, em que se misturam e confundem a guitarra acústica de uma intensa delicadeza, uma electrónica indefinida (tecno so-nâmbulo?; memórias 80s devassa-das?; um ser anti-Eno preso num lo-op?) e teclados de sintética majesto-sidade. Ali, no sótão do Kolovrat 79, atelier da estilista Lidija Kolovrat, em Lisboa, os !Calhau!, que acabavam de lançar o seu primeiro LP, “Quadrolo-gia Pentacónica”, já tinham actuado. Depois deles, os Aquaparque de Pe-dro Magina e André Abel apresenta-vam o seu novo álbum, o segundo.

Chama-se “Pintura Moderna” e o tí-tulo assenta-lhe bem. Ouvimo-lo e sentimos esse desmoronar de certe-zas que o moderno implica. Ouvimo-lo, nessa indefinição/cruzamento de estéticas e de memórias, ouvimos aquelas letras, da autoria de André Abel, que fluem em narrativa surpre-endente sem cair no jogo semântico gratuito, ouvimos esta música de “Pintura Moderna”, dizíamos, e é um sobressalto. “Não acho que o título [‘Pintura Moderna’] feche, que signi-fique ‘é isto’. O título abre [várias pos-sibilidades]. Não há nele qualquer caução conceptual. Sugeri-o porque senti que era o título ideal. Nem argu-mentei.” André Abel, que formou os

“Pensamos a música de forma egoísta. É um processo nosso.E nasce de uma necessidade de nos estimularmos. Aborrecemo-nos facilmente”Pedro Magina

Há um mundo novo a descobrir nos

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 15

e estejamos a ouvir. Apesar da estranheza que suscitam, são música o seu magnífi co segundo álbum, acaba de ser editado. Mário lopes

Aquaparque com Pedro Magina em 2007 (editaram o álbum de estreia, “É Isso Aí!”, dois anos depois), põe a tónica no sítio certo.

Os Aquaparque não fecham, não definem uma nova estética. Abrem possibilidades. Novas e estimulantes possibilidades pop – poderíamos di-zer que, apesar da estranheza que suscitam, são música imediata, na boa tradição pop, e só os cantaremos quando aprendermos a ouvi-los. Por-que os Aquaparque são “filhos” do entusiasmo criativo espoletado há alguns anos por bandas como os Lo-osers, Fish & Sheep ou Frango, uma galeria como a ZDB, ou um festival como o agora consolidado Out.Fest,

mas não emanam de uma cena e não são comparáveis ao que quer que se-ja que tenhamos ouvido ou estejamos a ouvir. E não vale, dizem, englobá-los na nova música portuguesa, na nova vaga que canta em português, que explora e trabalha sobre aquilo que nos é peculiar. “Por muito que tente, não consigo ver a música como sendo portuguesa ou estrangeira. Actual-mente, não faz sentido. Música por-tuguesa é o fado, são músicas de cariz regional que têm uma cultura envol-vida, muito vincada relativamente a uma terra e a uma região”, aponta Pedro Magina. Até podemos ser assal-tados, ao ouvi-lo, por reminiscências de António Variações, dos Ocaso Épi-co, do glamour reinventado do “So-nho azul” de Né Ladeiras, mas são isso mesmo, reminiscências, farrapos de uma memória comum que se ma-terializa – de resto, também passa por ali romantismo soft-rock resgatado aos anos 70, a transversalidade dos Gang Gang Dance, resquícios dub e techno, planagens cósmicas dos ale-mães de outrora, desejo de transcen-dência que reconhecemos em Panda Bear. Isto para dizer que percebemos perfeitamente o que diz e porque o diz Magina.

Do egoísmo como éticaOs Aquaparque nascem de um espaço criativo íntimo, o espaço partilhado por Abel e Magina, amigos desde a infância, músicos em bandas perdidas na memória de Santo Tirso, onde se conheceram, músicos depois nos Dance Damage, que apanharam a re-vitalização pós-punk de início da dé-cada passada, antes de perceberem que prosseguir esse caminho era um beco sem saída e reformularem tudo. Ao segundo álbum dos Aquaparque, nem sabem bem como se definir.

No concerto de apresentação,o pú-blico manteve-se sereno e sentado, mesmo quando a música revelava uma força vital que o impeliria a er-guer-se e a dançar. André Abel: “Não sabemos o que as pessoas que estão interessadas e que seguem o que fa-zemos acham ser o melhor ‘setting’ para nós. Se era aquele sótão, se será um clube. Isso será decorrente de uma certa ambiguidade estética da música. Como é que é que tem de ser um concerto?”. Não chega a respon-der: “Em nem sei se somos mesmo uma banda. Se calhar estamos mais próximos de um duo sertanejo, como Lucas & Mateus, ou um duo tecno, como Burger & Voight”.

André Abel, naquela sexta-feira em que os Aquaparque apresentaram “Pintura Moderna” no sótão de ma-deira desse espaço Kolovrat com pe-quena janela aberta sobre a cidade, lá ao fundo, e móveis antigos espalha-dos aqui e ali, era o músico à esquer-da do palco. Ao contrário de Magina, manteve uma pose imperturbável. Dedilhando a guitarra, acertando as programações, tocando as teclas, can-tando como um anti-Brian Ferry – na-da de glamour aristocrata, todo o charme de uma serena discrição.

Alguns dias depois dos concertos

(a seguir a Lisboa, actuaram no Porto, no Clubbing da Casa da Música), sen-tado com Magina numa esplanada, André Abel exclamará isto quando falamos do que era “É Isso Aí”, o pri-meiro álbum, e do que é agora “Pin-tura Moderna”: “É um bocado desin-teressante explicar o porquê. Não trabalhamos com signos e símbolos de uma forma tão definida. Entre in-tenção e necessidade, escolhemos a necessidade.”

É um pormenor importante. Quan-do editaram “É Isso Aí”, afirmaram que era “só o primeiro álbum”: “É um caminho.” Agora, continuam. Cami-nham caminhando. Exploram por temperamento e por necessidade – não só nos Aquaparque, assinale-se: André Abel tem também os Tropa Macaca, que partilha com Joana da Conceição, autora da arte gráfica dos Aquaparque, e Magina editou no ano passado o álbum a solo “Nazca Lines”. Exploram, portanto.

Em “Pintura Moderna”, a guitarra acústica surgiu para transformar o tom e o temperamento da música. Surgiu porque André Abel queria, primeiro, “quebrar o molde formu-laico que o processo [criativo nos Aquaparque] estava a tomar”. Para o conseguir, pensou comprar um MPC [instrumento electrónico que proces-sa samples], “mas não tinha dinheiro para isso”. Então, “bateu-lhe” a gui-tarra, Magina ouviu aquele instru-mento “estranho” à banda e respon-deu ao estímulo. “Pensamos a música de forma egoísta”, resume Pedro Ma-gina. “É um processo nosso, e nasce de uma necessidade de nos estimu-larmos. Aborrecemo-nos facilmente”, confessa.

Quando editaram o primeiro ál-bum, André já descera de Santo Tirso até Lisboa, Pedro Magina mantinha-se a Norte. Neste momento, vivem am-bos na capital. Ainda assim, “Pintura Moderna” foi gravado no ambiente bucólico com urbanismo próximo de uma casa em Rebordões, aquela que o duo utiliza há anos para ensaios. A música, e isto somos nós a extrapolar, parece reflectir também essa indefi-nição: a gentileza de alguns arranjos e da guitarra acústica, contraposta ao tom mais nocturno e inquieto das programações. É, de certa forma, o mesmo que sentimos ao atravessar as letras de André Abel, que reflectem um certo “mal de viver”, um desejo de algo que agite, que desperte, que nos obrigue a sentirmo-nos vivos – e isso é cantado por gente que agita, que desperta, que está certamente muito viva em toda a actividade que desenvolve.

Talvez o segredo esteja então nisto que cantam em “Ultra suave”: “segui-mos convictos de que nada deste tem-po nos agrada”. Se não nos der para mergulhar na depressão, torna-se mais fácil agir, agitar, sentirmo-nos vivos quando carregamos essa convic-ção. É o que nos diz e o que ouvimos nesta magnífica e surpreendente “Pin-tura Moderna” dos Aquaparque.

Ver crítica de discos pág. 40. e segs.André Abel e Pedro Magina têm outras vidas além dos Aquaparque: Abel nos Tropa Macaca, Magina sozinho (editou há um ano o álbum “Nazca Lines”)

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27 Mar – a partir das 15hTarde Mundial do Teatro

Os públicos de Lisboa e do Porto

encontram-se no São Luiznuma festa performativa

cheia de surpresas

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16 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

Souad Massi cresceu a ouvir o pai, operário, a cantarolar canções árabes tradicionais enquanto a mãe ouvia pela rádio James Brown e outros íco-nes da música americana. A sua mú-sica acaba por reflectir essa descen-dência, respirando o ambiente da tradição musical magrebina mistura-do com a folk, o rock ou o funk. Vive há 11 anos em Paris, para onde foi de-siludida com o clima político do país natal, mas visita regularmente a Ar-gélia, onde continua a habitar parte da sua família. Canta em árabe, às ve-zes em francês ou em inglês, e o seu primeiro álbum, “Raoui” (2001), ren-deu-lhe a implementação de uma car-reira solitária como cantora, compo-sitora e guitarrista, depois de ter sido vocalista durante meia dúzia de anos de um grupo rock, os Atakor.

Quatro álbuns depois (o último, “Ô Houria”, é do ano passado) tem uma carreira estabelecida no circuito das “músicas do mundo”, apostando em canções em que a dimensão política está sempre presente. Fomos encon-trá-la, no passado 8 de Março, numa vila dos subúrbios de Paris, Poissy, onde actuou, acompanhada pelos mú-sicos Jean-François Kellner (guitarra). David Fall (tambores), Rabah Khalfa (percussões) e Stéphane Castry (bai-xo), perante franceses de meia-idade que viveram com intensidade um con-certo entre a melancolia e a celebra-ção. É com os mesmos músicos que actua, na próxima segunda-feira, no grande auditório da Fundação Calous-te Gulbenkian, em Lisboa, no ciclo dedicado às Músicas do Mundo. Nas suas letras há muitas alusões à luta pelos direitos da mulher. Hoje é dia da mulher. Como é que vive este dia?Quando era jovem era um dia que me dizia muito, porque sabia que havia mulheres que se tinham revoltado, lutando pela implementação dos seus direitos. Hoje continuam a existir mui-tas injustiças em torno das mulheres, como as diferenças salariais em rela-ção aos homens, embora me pareça que a situação mudou para melhor, principalmente na Europa. Mas ainda há muito a fazer.É diferente ser mulher em França ou na Argélia?Sim, embora o meu estatuto de artis-ta em França estabeleça desde logo uma diferença. Na Argélia é como se as mulheres fossem sempre fonte de problemas. Aqui, apesar de haver mui-tos problemas, manifestam-se com uma intensidade muito diversa. Os acontecimentos recentes no mundo árabe apanharam-na desprevenida ou pressentia que pudessem vir a suceder? Foi uma surpresa, não só para mim como para toda a gente. Claro, pode-

Canções políticas com o mundo lá

dentroMúsica politizada que tanto pode expor melancolia folk como celebração afro:

é assim o universo da cantora argelina Souad Massi, que actua segunda-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Vítor Belanciano

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se sempre enquadrar um aconteci-mento deste género, mas prevê-lo desta forma não me parece, de todo. No início, quando a revolução tomou conta da Tunísia, parecia qualquer coisa de inacreditável. Olhávamos para as imagens mas era difícil acre-ditar. Ainda por cima na Tunísia, um país turístico. Sim, claro que sabia que era um país onde as pessoas não se podiam exprimir, mas parecia dema-siado improvável. Na reacção política aos acontecimentos, pelo menos numa fase inicial, parece não ter existido uma mensagem clara por parte dos países europeus. Ficou surpreendida? Infelizmente, não. Parte da responsa-bilidade do que se passa no mundo árabe é europeia, com o apoio a regi-mes duvidosos ou a venda de armas. Há alguma esquizofrenia nisso, porque ao mesmo tempo são esses países que tendem a denunciar as situações de conflito. É difícil entender essa dupli-cidade. Os cidadãos europeus não de-viam pactuar com essa duplicidade dos seus representantes políticos. Há muitos interesses em jogo. Os países mais importantes da Europa estão ins-talados no Magrebe, têm interesses lá, e há muitos europeus a viverem nesses países. A política dúplice dos governos europeus reflecte essa condição. Diz-se que os acontecimentos no mundo árabe têm sido fomentados por novas gerações que utilizam redes sociais e ferramentas tecnológicas, mais difíceis de controlar pelos Governos. Revê-se nessa leitura? Sim. É uma geração que comunica pelo Skype, que está atenta ao que se passa na Internet, que está aberta ao mundo, à música, à moda, à criativi-dade. Esse movimento de gente cons-ciente vai transformar o mundo árabe e, por ricochete, também chegará à Europa. Em Itália, por exemplo – te-nho família lá –, aquilo que se passa é muito grave. Na Europa dizemos que os africanos são uns incultos, mas em países europeus como a Itália os es-cândalos vão-se sucedendo e não acontece nada. Mas há uma geração independente das forças políticas, cultivada, consciente, que vai mudar isso. Aquilo que se passa entre nós, um certo adormecimento, não pode continuar muito mais tempo. Na Argélia houve sinais de agitação, mas foram abafados. A Argélia é um mundo à parte. Esta-mos abertos ao Ocidente, somos afri-canos, somos árabes. Existe uma gran-de mistura de pessoas, passámos 12 anos em guerra civil, vivemos num estado de psicose por isso. E as pesso-as gostam muito do Presidente porque ele conseguiu trazer ao país alguma estabilidade, embora não gostem das pessoas que o rodeiam. Espero que, mais cedo ou mais tarde, um movi-mento de estudantes possa fazer algu-ma coisa para melhorar o meu país. No meio da agitação e da

incerteza que o mundo vive hoje, qual pode ser o papel da música? A música sensibiliza as pessoas. Une-as. Acompanha as revoluções. Ao lon-go da história, todas as revoluções tiveram a sua música. Desde Bob Dylan ou Joan Baez, por exemplo. É esse o poder da música, denunciar e sensibilizar, principalmente quando existe uma relação de confiança entre o público e o artista e este tem qual-quer coisa de relevante a transmitir. A sua música reflecte muitas influências – folk, rock, afrobeat, morna, misto de tradições árabes, africanas e europeias. Como decide as roupagens para as suas canções? Não é nada de calculado. É a intuição. É a inspiração. Depende do ambiente que quero atribuir à canção. Depende das palavras. Se a canção for muito triste talvez o fado surja como inspi-ração. Se for qualquer coisa frenética, talvez o afrofunk. Mas não penso nis-so. Não me imponho restrições. Não digo para mim própria que não posso fazer rock. Faço o que me apetece. Não me imponho limites na música, tal como acontece quando canto so-bre a guerra, a corrupção, a pobreza, a material ou moral.Nos seus espectáculos há espaço para canções intimistas e tranquilas, mas também para momentos de agitação dançante. Em qual dos registos se sente mais à vontade? Depende das pessoas que estão a as-sistir. A sério. Improviso muito. Per-cebo quando as pessoas querem qual-quer coisa de mais doce ou quando estão mais disponíveis para ouvir mais rock. Gosto de misturar coisas melódicas com canções mais rock e outras coisas numa linha mais tradi-cional, de África, do Magrebe; é uma grande mistura que me faz sentido. É ao vivo que me sinto verdadeiramen-te livre. Gosto de sentir a energia das pessoas. É muito estimulante. É curioso, porque numa entrevista dizia que sentia sempre muito medo quando entrava em palco. É um misto de medo e de prazer. Quando se aproxima a hora vou fican-do receosa, mas depois acaba por ser um prazer. A sua audiência é essencialmente europeia, mas continua a optar por cantar predominantemente em árabe. Como é que reagem aqui em França a essa atitude? Não gostam muito, mas é a vida. Pas-sam o tempo a perguntar-me porque é que não canto em francês. Na tra-dução perde-se sempre qualquer coi-sa. Escrevo naturalmente em arábe. Quando o faço em francês ou inglês não me sinto tão à vontade. Tenho que pedir a alguém que escreva por mim, o que não é a solução ideal. Aca-ba por ser engraçado porque as novas gerações da Argélia também nem sempre me entendem. Vive entre França e a Argélia. Nessa situação pode haver uma fragmentação identitária: olharem para si como argelina em França, e como francesa na Argélia. Sente isso? Não, sinto-me em casa, aqui ou na Argélia. Aqui sou universal: falo da paz, das mulheres, do amor, são te-mas universais. Quando vou à Argélia sou muito bem recebida também. Vêem-me como uma cantora que es-tá no estrangeiro, mas relacionam-se com facilidade com a minha música. Sei que é um cliché, mas é assim que me sinto, universal.

Ver agenda de concertos na pág. 42 e segs.

Souad Massi saiu da Argélia para França desiludida com o ambiente político do seu país - um ambiente que, diz, “mais cedo ou mais tarde” vai mudar

“Sinto-me em casa, em França ou naArgélia. Em França sou universal: falo da paz, das mulheres, do amor. Na Argélia sou muito bem recebida também. Sei que é um cliché, mas sinto-me universal”

fundação carmona e costaEdifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova de Lisboa)Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 Lisboa (Bairro do Rego / Bairro Santos)Tel. 217 803 003 / 4 www.fundacaocarmonaecosta.ptMetro: Sete Rios / Praça de Espanha / Cidade Universitária | Autocarro: 31

Exposição: de 26 de Março até 28 de MaioHorário: de quarta-feira a sábado, das 15h00 às 20h00

ESCREVER PAISAGEMManuel Baptista | Desenhos

1960-1970comissariado: João Pinharanda

Av. Brasília, Doca de Alcântara (Norte) | 1350-352 Lisboa | Tel.: 213 585 200 | E-mail: [email protected] | www.museudooriente.pt

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18 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

Um dia, Adriana Calcanhotto sentiu um impulso irresistível de gravar os sambas que vinha compondo, como se não pudesse compor ou gravar mais nada. Gravar para arrumá-los, tê-los juntos, ver o que valiam. Esse impulso acabou por desaguar num disco. Depois de “Maré” (2008) e de “Partimpim 2” (2009), Adriana re-gressa com um disco singular, 12 sam-bas escritos por ela, gravados em trio (Domenico Lancellotti nas percussões e Alberto Continentino no contrabai-xo) e com alguns, poucos, ilustres convidados: Davi Moraes, Rodrigo Amarante, Moreno Veloso. “O micró-bio do samba” contagia.Disse há dias que este disco é “a fotografia de um momento”. Que momento é esse?

É o momento em que me dei conta de ter alguns sambas. Falei com o Do-menico [do trio +2] e disse: vamos registar esses sambas. Em vez de eu mandar lá para as pessoas da editora uma pasta com as demos que já tinha feito quando compus cada samba, achei mais simpático ter uma grava-ção com os sambas todos. Embora você tenha dito que não tinha ideia de fazer um disco de sambas…É, não tinha essa ideia. Há dez anos, quando a Mariana de Moraes disse que ia fazer um disco de samba, ela pareceu um ET. Ninguém fazia discos de samba naquele momento. E de uma hora para a outra começou a haver muitos discos de samba, o que é muito bom, só que eu não via a me-

nor necessidade de fazer um. Mas como tinha alguns sambas meus achei que devia registá-los para orga-nizar essa parte da obra. Nesse mo-mento, o tal que está “fotografado” no disco, tudo o que eu compunha saía samba. Não que eu sentasse para escrever sambas, mas saíam assim. Tanto que a Thaís Gulin, uma jovem intérprete, me pediu uma canção e eu disse: ‘Não tenho, só estou fazen-do sambas’. E ela perguntou: ‘Mas não pode tentar?’ E eu tentei, mas saiu “Eu vivo a sorrir” e depois o “Mais perfumado”. Mais sambas. Fi-caram para mim [estão no disco].Vive há muito tempo no Rio de Janeiro, mas as suas raízes de Rio Grande do Sul continuam presentes no seu trabalho. Que

parte gaúcha há nestes sambas?É difícil dizer. Porque eu sou tão gaú-cha que não consigo fazer a distinção. Sinto a forte influência do Lupicínio [Rodrigues, 1914-1974], que no Rio Grande do Sul não é tão considerado sambista quanto é no Rio de Janeiro, é engraçado isso. No Rio, não só ele é visto como sambista como muita gente não sabe que ele é gaúcho.A frase de Lupicínio de onde tirou a ideia do título do disco, “o micróbio do samba”, já a tinha quando começou a gravar ou foi um ponto de chegada, sintetizando a ideia do disco?Acabou por sintetizar e por me ajudar a lançar o disco. Quando me deparei com esse depoimento de Lupicínio, ficou irresistível para mim. Vi que re-

Samba em transeNo seu novo disco, Adriana Calcanhotto entregou-se ao samba como se estivesse possuída por

ele, ou pela alma dele. “O micróbio do samba” é um transe mágico. Nuno Pacheco

Adriana Calcanhotto na sessão de fotografias para promoção do disco. À esquerda, Davi Moraes (guitarra) e à direita, em pé, Domenico Lancellotti (percussão) e Alberto Continentino (contrabaixo)

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 19

produz a ideia de que tudo o que faço vem do samba: a minha música, o meu entendimento do ambiente so-noro do mundo, dos ruídos, enfim. Muito mais do que pretender ser sam-bista, tenho esse micróbio. Identifi-quei-me muito com essa frase.Houve um dia, num repente, em que você desafiou Domenico: vamos gravar. Quando foi?Foi no ano passado, quando fomos para estúdio registar uma canção mi-nha que compus de encomenda para uma novela. Chamei-lhe “Canção de novela”. Foi ali que eu lhe disse que tinha esse desejo de botar todos os sambas num lugar, talvez numa bola-chinha, num CD, para mandar lá para o pessoal da editora. Estava com de-sejo de juntá-los, pelo menos. Como é que ele reagiu?O Domenico é totalmente positivo. Qualquer coisa que você diga “va-mos”, vem logo. Ele é filho de um compositor que faz as canções no vio-lão, mas toca bateria; e eu sou filha de um baterista, mas faço as minhas can-ções no violão. Então a gente tem um negócio complementar e cúmplice.Quantas canções gravaram logo nesse dia?Oito. Gravámos no estúdio da minha casa umas quatro, cinco. O Alberto foi chamado depois ao estúdio onde gravámos a canção de novela. E ele

foi, julgando que ia gravar uma faixa. Mas gravámos oito e ele perguntou: ‘A gente gravou um disco?’ E aí come-çou essa conversa de “disco”. Fomos para Itália em “tournée”, com essa ideia, e lá o Domenico ganhou de pre-sente a caixa Hollywood, que tem um mecanismo que ele explora com o joelho, acciona e desacciona a esteira da caixa enquanto toca, uma coisa incrível. E eu tinha comprado um vio-lão muito especial, do final dos anos 30, que tinha sido tocado por uma senhora da bossa nova. Por causa da caixa e do violão, fomos gravar tudo de novo. E eu, já com essa ideia de disco, fiz mais quatro sambas.Qual foi o primeiro samba a ser escrito, o que lhe deu o mote para continuar?Foi o “Vai saber”, que a Marisa Mon-te gravou mas foi feito para a Mart’nália. Ela pediu-me qualquer coisa, eu fui para casa e nessa noite fiz o “Vai saber” inteiro. Mas ela não gravou, porque o disco dela não era de sambas. Depois, fiz o “Beijo sem”, um samba para Marisa que a Teresa Cristina gravou. Veja o complexo do coração de uma cantora [risos]…E esta sonoridade, baseada num trio? Tinha esse som na cabeça ou foi surgindo?Tinha, mas muito mais como influên-cia do que como meta. Hoje em dia ouço e parece que estou reouvindo coisas que sempre estiveram na mi-nha cabeça. Essa coisa que se pode encarar como poliritmia mas dentro do mesmo ritmo é interessantíssima, é uma tradução que o Alberto e o Do-menico fazem do meu violão, da mi-nha batida, Mostra um nível de sen-sibilidade que eu acho incrível.Na canção que abre o disco, “Eu vivo a sorrir”, brinca com a pronúncia: na rima sonora com “elevador”, você diz “inspiradô”, “espaçô”, “laçô”. E em fadado, você usa a pronúncia brasileira e mais adiante a portuguesa, “fadádo”. Porquê?Não sei, foi uma coisa ali da hora, do microfone, do som. Fiz, achei simpá-tico e guardei. E depois, quando gra-vei a voz definitiva, repeti.A escolha de Daniel Carvalho para produtor tem alguma razão especial?Tem. Eu trabalho com ele há muito tempo. Viajou comigo, veio a Portu-gal, fez o som do “Partimpim”. E há muito tempo que ele estava pronto para ser um produtor como foi agora. Eu acho que ele entende tão bem tu-do isso que está aqui, ajuda tanto a criar um ambiente para que essas coisas aconteçam, que estou muito orgulhosa.Na faixa “Deixa, gueixa”

você volta a um fetiche seu, o Oriente, o Japão. Por um lado, a canção fala de libertação, explica dois modos de ver os hábitos sociais…Dois femininos…… e por outro lado há esta tragédia no Japão, agora. Como é que encara isso?Eu acho impressionante esse mito que é para o Japão o tsunami. Sou muito ligada ao tsunami através do Hokusai [1760-1849], tenho a “grande onda” tatuada nas minhas costas. É impressionante a força do mito e ver aquilo acontecer na vida das pessoas. Vi as imagens e fiquei muito impres-sionada.De todos estes sambas, quais são os que a tocam mais, pessoalmente?É tão difícil dizer isso… Porque essas coisas se alternam, na hora estamos mais ligados ao que acabámos de fa-zer. Mas o samba permite, talvez por causa da sua fluidez, pular de um gé-nero para outro, falar na voz de uma mulher desenganada ou despeitada, na voz de um homem cafajeste. Mais do que um ou outro samba, o conjun-to de sambas permite-me trocar de “persona”. E isso me divertiu muito.Algum destes sambas foi composto em Portugal?Não. O mais ligado a Portugal é “Vivo a sorrir”, embora no “Tão chic” o Davi [Moraes] toque o cavaquinho como se fosse uma guitarra portugue-sa. O “Deixa, gueixa” foi feito em Os-lo, o “Tá na minha hora” em Taormi-na, “Você disse não lembrar” no Rio, “Eu vivo a sorrir” em Londres… É um disco estradeiro, na verdade. Um aqui, outro lá. Havia sambas meus, antes disso, uns com o Dé [Palmeira], outros que a Simone gravou. Mas es-ta é uma safra nova. O último foi “Dei-xa, gueixa”, feito em 2 de Novembro de 2010. Depois disso, não só não es-crevi mais nenhum samba como não escrevi mais nada, o que me deixa muito mais claro que era uma safra mesmo e pronto. Depois disso, não sei o que vem.Em “Tá na minha hora” sentem-se a cores do semba angolano. Diz-lhe alguma coisa?Ah, muito. Qualquer coisa dos ritmos em Angola ou em Cabo Verde fica dentro do samba de uma maneira tão natural, tão encorpada… A viola mor-na do Davi é um violão normal tocado a pensar em Cabo Verde. O samba é música africana [risos].O que gostava mais que as pessoas retivessem deste disco?A minha compreensão da música co-mo samba. Isso é necessário, não tal-vez para a fruição da minha música, mas para o entendimento do que faço. Ajuda a perceber uma coisa que eu digo nas entrevistas: que em tudo o que eu ouço está o samba. Pia pingan-do, máquina de lavar roupa, Daniel subindo a escada do estúdio, qualquer coisa eu ouço como samba. O Tárik de Sousa, crítico brasileiro, num dos “releases” que eu fiz, diz que isso é um exagero, mas infelizmente não é. O que fica é a origem da minha músi-ca. É o micróbio.

Ver crítica de discos pág. 40 e segs.

“Qualquer coisa dos ritmos em Angola ou em Cabo Verde fica dentro do samba de uma maneira tão natural, tão encorpada… A viola morna do Davi é um violão normal tocado a pensar em Cabo Verde. O samba é música africana”

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Sobre Maria Gabriela Llansol (1931-2008) disse Eduardo Lourenço que será, depois de Fernando Pessoa, “o próximo grande mito literário da lite-ratura portuguesa”: “Nunca será uma autora fácil e consensual. É uma es-pécie de fenómeno misterioso. Al-guém vindo de uma outra espécie de planeta. Quem a encontra é difícil não ficar fascinado por essa escrita.”

Esse fascínio é partilhado pelos es-critores, artistas e cineastas com quem o Ípsilon falou sobre Maria Ga-briela Llansol – leitura de cabeceira à qual recorrem, encantados pelo ful-gor do texto, por um universo único, ou pelo desafio de ler em liberdade desafiando os cânones.

O que é ser llansoliano (ainda que poucos admitam sê-lo)? O llansoliano não é só o académico que estuda a obra ou que pertence ao Grupo de Estudos Llansolianos, criado em Sin-tra ainda a escritora era viva, e que hoje preserva e divulga o seu espólio. Como explica João Barrento (um dos responsáveis pelo Espaço Llansol), ser llansoliano “é ter aderido a um determinado universo e a um modo de estar no mundo”.

E que mito é este em torno da figu-ra de Maria Gabriela Llansol? Diz-se que lia à luz das velas e que escrevia em torrente como um “animal de es-crita” (Barrento). Da impossibilidade separar o real e o texto ficou a aura de escritora inacessível, inclassificá-vel, figura silenciosa, rodeada por um pequeno grupo de admiradores a que E d u a r - do Lourenço

c h a m o u “uma es-pécie de seita”.

Hoje Llansol continua a ser uma (quase) ilustre desconhecida em Por-tugal e no estrangeiro. Mas talvez a exposição que se inaugura no Centro Cultural de Belém (CCB) este domingo (que será “Dia Llansol”, com leituras e música) contribua para levantar o véu sobre esta escritora misteriosa. “Sobreimpressões. Maria Gabriela Llansol: Uma visão da Europa” é um roteiro por algumas das principais fi-guras europeias e pelos lugares da obra (e alguns da vida) de Llansol. Pa-ralelamente, haverá em Abril, na Ci-nemateca, um ciclo sobre algumas dessas figuras. E Llansol continua, com uma exposição de Ilda David que acompanhará a reedição de “O Livro das Comunidades”, e o lançamento de um volume sobre a temática da Eu-ropa (Assírio & Alvim) e de outro com-pilando as principais recensões na imprensa da época (Mariposa Azul).

Na exposição estarão trabalhos de artistas com ligações à obra da Llan-sol, como a peça de Rui Chafes sobre a figura de Fernando Pessoa, ou a de Pedro Proença sobre a metamorfose de D. Sebastião. E o texto, explica Bar-rento, “vai estar lá em fragmentos, com muitos papéis avulsos, peças ori-ginais dos cadernos, algumas nunca vistas”, à mistura com “peças da casa da autora e objectos relacionados com os seus livros”.

Culto e afectoHélia Correia, escritora: “Llansoliana não sou porque isso implicaria uma prática de trabalho de estudo e de relação mais operacional com aquele texto, que não é a minha. Não sou uma estudiosa da obra da Llansol, mas sou uma amante, isso dá-me mui-to mais liberdade.”

Miguel Gonçalves Mendes, realiza-dor: “Não sou llansoliano, de todo. Para mim, a Llansol é um autor que escrevia livros de que eu gosto. Há um lado de mitificação das coisas que acho até muito doentio e nem sei se ela própria simpatizaria com isso.”

André e. Teodósio, encenador: “Sou um llansoliano. Reescrevo, apro-

“Nunca será uma autora fácil e consensual. É uma espécie de fenómeno misterioso. Alguém vindo de uma outra espécie de planeta. Quem a encontra é difícil não ficar fascinado”Eduardo Lourenço

O fulgor de Maria Gabriela Llansol

contado pelos seusCriadores contemporâneos (llansolianos assumidos ou não) falam ao Ípsilon da sua relação de e

escrita” que permanece misterioso. É já no domingo que o Centro Cultural de Belém i

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Hélia Correia não se considera uma llansoliana, “porque isso implicaria uma prática de trabalho de estudo e de relação mais operacional com aquele texto”, mas é uma amante de Maria Gabriela Llansol, cuja gata, Melissa, aliás herdou. A relação pessoal que teve com ela, “muito especial e muito privada”, é parecida com a que tem com o texto, de “grande intimidade”: “É um texto a que volto sempre. Já há muito tempo que isso não significa ler um livro completo, é abrir um livro aqui e acolá, ler passagens, como fazíamos quando nos encontrávamos. Não faço isso com mais texto nenhum”

Miguel Loureiro descobriu Maria Gabriela Llansol aos 24 anos e começou por sentir “uma certa frustração”: “O meu entendimento falhava, mas continuava a seguir as linhas. Lembro-me do que ganhei quando deixei de me preocupar em perceber. Vinha formatado pela narrativa. Tinha de aprender a estar no texto”. Llansol, diz, “é um lugar muito repousante”, mas também muito inquietante: “Aquela escolha de palavras, a linguagem, dava a sensação de que ela estava a sabotar tudo o que escrevia”. Os textos da escritora continuam como reserva, “ao pé da cama, para adormecer, para voltar a ler, para voltar a aprender”.ri-

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us amantese encantamento com Maria Gabriela Llansol, um “animal de

m inaugura a exposição Sobreimpressões”. Raquel Ribeiro

prio-me de frases dela. É uma das fi-guras que convoco sempre. Sou con-tingente dela. Os llansolianos podem querer tampar-me a boca, mas eu não posso fugir a isso.”

Paula Sá Nogueira, actriz: “Não di-ria que sou llansoliana. Sou leitora. A minha aproximação ao mundo é olhar: a Llansol é uma das coisas para que eu olho.”

Aqui: afirmação e negação do que é ser llansoliano. E ainda assim todos se dizem amantes fascinados por es-sa força fulgurante do texto. Não é uma contradição. Como diz Hélia Correia, o culto, a ser feito, sê-lo-á “sobre o esplendor do seu texto, tão vivo como uma árvore, atravessada por uma seiva, com tanto alimento do espírito que será impossível e até indesejável que haja um controlo a respeito dele. O texto não pede isso. Que o culto seja um culto de lumino-sidade, de afecto generoso”.

Hélia Correia conheceu Maria Ga-briela Llansol por via de uma amiga comum. Esse encontro “abriu cami-nho a uma relação muito especial e muito privada”: “Uma relação muito forte e muito preciosa para mim”, conta. Também com o texto de Llan-sol a relação é “de uma grande inti-midade”: “É um texto a que volto sempre. Já há muito tempo que isso não significa ler um livro completo, é abrir um livro aqui e acolá, ler passa-gens, como fazíamos quando nos en-contrávamos. É um texto que está sempre presente. Não faço isso com mais texto nenhum.”

A escritora admite que a existência de culto à volta do texto e da figura de Llansol não lhe “parece ofensiva” (“Compreendo e não sinto como abu-so”), mas acrescenta que “essa per-

A escritora num dos lugares llansolianos (Münster, na Alemanha, em 1982), e alguns dos manuscritos do seu espólio

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BIO

1] O Prémio Literário José Saramago, instituído pela Fundação Círculo de Leitores com periodicidade bienal, celebra a atribuição do Prémio Nobel da Literatura de 1998 ao escritor José Saramago e destina-se a promover a divulgação da cultura e do património literário em língua portuguesa, através do estímulo à criação e dedicação à escrita por jovens autores da lusofonia.

2] O Prémio distingue uma obra literária no domínio da ficção, romance ou novela, escrita em língua portuguesa, por escritor com idade não superior a 35 anos, cuja primeira edição tenha sido publicada em qualquer país da lusofonia, excluindo as obras póstumas, bem como os autores que tenham já sido premiados em edições anteriores do Prémio.Nesta sétima edição, o Prémio contemplará uma obra publicada em 2009 ou 2010 por escritor que à data da publicação da obra (mês e ano incluídos na ficha técnica do livro) não tenha excedido a idade limite mencionada no corpo deste artigo.

3] O valor pecuniário do prémio a atribuir é de € 25.000,00.

4] As Obras admitidas a concurso terão que ser apresentadas à Fundação Círculo de Leitores pelas Instituições representativas dos Escritores e/ou dos Editores dos países respectivos até 30 de Abril de 2011, devendo para o efeito ser remetidos dez exemplares de cada obra concorrente, para a seguinte morada:Rua Professor Jorge da Silva Horta n.º 1, 1500-499 Lisboa.

5] A Fundação Círculo de Leitores procederá à divulgação do Concurso através dos meios de comunicação social, bem como através das Asso-ciações representativas dos Escritores e dos Editores de todos os países da lusofonia.

6] O Prémio será atribuído por um Júri composto por um mínimo de cinco e um máximo de dez personalidades de reconhecido mérito no âmbito cultural, cabendo a Presidência ao representante da Fundação Círculo de Leitores.

1.º - Composição do Júri: Guilhermina Gomes (Presidente), Nélida Piñon, Ana Paula Tavares, Pilar del Rio, Vasco Graça Moura.

2.º - O Presidente do Júri designará um Comité Executivo, que integra o Júri, constituído por três membros, Manuel Frias Martins, Maria de Santa Cruz e Nazaré Gomes dos Santos, a quem compete:

a) Verificar a regularidade formal das candidaturas recebidas;b) Efectuar uma primeira leitura e um resumo de cada uma das obras concorrentes;c) Emitir um comentário sobre cada uma das obras admitidas a concurso;

7] O Júri delibera com total independência e liberdade de critério, por maioria dos votos dos seus membros, cabendo ao Presidente o voto de qualidade em caso de empate. O Prémio poderá não ser atribuído, caso o Júri considere, por maioria, que as Obras apresentadas a concurso não têm a qualidade exigida. Haverá um único premiado.As decisões do Júri são irrecorríveis.

8] O Prémio será atribuído em Outubro de 2011 e a sua divulgação será efectuada através dos Órgãos de Comunicação Social. A entrega do Prémio ao Autor galardoado será efectuada em cerimónia pública, em data a fixar.

9] As Edições subsequentes da obra galardoada deverão referenciar, em local devidamente destacado do volume e na cinta, a menção “Prémio Literário José Saramago - Fundação Círculo de Leitores”.

10] Os exemplares enviados não serão devolvidos.

Prémio LiterárioJosé Saramago

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sonagem adorada é já uma outra”. A imagem projectada por Llansol, ex-plica, “é tão rica e tão textual, e dada a várias leituras, que há realmente uma imagem dela que se pode pro-jectar como imagem de culto”. Hélia Correia, contudo, quer preservar o espaço íntimo da sua relação com Llansol, até fisicamente: “Defendo como um cão de guarda o meu espa-ço, do qual sou muito ciosa e que não quero ver atravessado por visitantes ou apreciadores da obra dela. Aí está a grande diferença entre a minha fe-linidade e o espaço dos estudiosos, que fazem um trabalho grandioso a que estou infinitamente grata”.

Um texto que espicaçaÉ esse afecto que une a leitora Hélia à obra “Amar um Cão”: “Nem preciso de dizer que é o meu texto. Apropriei-me dele. É com ele que há uma rela-ção de afecto, de memória.” Para além de Melissa, uma das gatas de Llansol que Hélia adoptou, tudo o que era do Jade (o cão de Llansol) ficou com ela. “Esse texto sai do conjunto grandioso da alta e perturbadora li-teratura que é a obra da Maria Gabrie-la, que eu peguei ao colo e trouxe para a minha salinha, como a Melissa e outras memórias e objectos”, diz.

Para o compositor João Madureira, 39 anos, autor da ópera “Metanoite” (encomenda da Gulbenkian em 2007, com libreto de João Barrento e ence-nação de André Teodósio), “Amar um Cão” também é a obra de eleição, “pe-la forma como combina simplicidade e um lado mais enigmático e reflexivo da sua escrita, que parece aí encon-trar um equilíbrio muito especial.” O que mais o atraiu em Llansol “foi a convicção de que a língua portuguesa necessitava absolutamente de uma reinvenção formal para exprimir as suas ideias”. Estava perante alguém “que não reinventava a língua em que se exprimia por puro prazer ou capri-cho académico, mas por uma consci-ência profunda de que a língua com que nos exprimimos habitualmente condiciona aquilo que queremos di-zer”. Musicalmente, sublinha, o texto de Llansol é muito estimulante tam-bém, “tanto no seu aspecto sintáctico, como no seu aspecto formal: por ve-zes ele parece articular-se como co-lecção de fragmentos vários consti-tuintes de um todo, e não de uma forma puramente linear”.

Este é o legado do texto de Llansol: mais do que as figuras que invoca ou do que os espaços que habita, é o pro-cesso de escrita do texto, literalmen-te com as costuras à mostra, que faz com que muitos vejam nela uma fon-te de inspiração ou de desafio. A rea-lizadora Cláudia Tomaz, 38 anos, por exemplo, tem há vários anos o pro-jecto de documentário “Os Vivos”,

sobre a obra de Llansol. “Criar um filme completo que trate toda a ex-tensão da obra de Llansol é impossí-vel. À extensão, prefiro a profundida-de. Quero fazer uma obra humana seguindo o percurso da escrita de Llansol. Filmar, com o mesmo olhar com que ela escrevia. Vejo uma ima-gem nómada, silenciosa, de uma es-tranheza íntima”, explica. Não é fazer simples “ilustração nem colagens po-éticas”: “Para mim a poesia tem que vir de dentro e é nesse caminho que encontro Llansol.”

O mesmo se passa com Paula Sá No-gueira, 55 anos, do grupo de teatro Cão Solteiro: “Há uma série de autores que lemos e que formam uma espécie de universo que acaba por ir parar aos espectáculos [da Cão Solteiro].” De-morou imenso tempo a lidar com a espiritualidade da autora: “Não sou católica e faço reacção a tudo o que o seja. Mas comecei a perceber que aquele texto é de uma profunda espi-ritualidade.” É a liberdade do univer-so de Llansol que a convida a entrar: “Gosto da reacção quími-ca que aque-le universo provoca com o meu. Não me preocupo em saber se aquilo que estou a ler é o correcto. A escrita dela tem tanta liberdade que me permite fazer isso. Se não tudo aquilo parece um universo fechado, com metáforas difíceis. Essa é a postura de quem pe-ga num livro para lhe explicarem al-guma coisa. Isso não acontece com ela. Os livros dela espicaçam-me.”

O artista plástico Manuel Santos Maia, 40 anos, acrescenta que o que o fascina em Llansol é a forma “quase catalisadora” como ela “fala nos ob-jectos”, que “acelera o processo de criação”. “É um diálogo que eu en-contro com a escrita, que levanta questões e não dá certezas. Esse é que é o desafio.” Uma das peças do artis-ta, sobre a questão do exílio e de Por-tugal, com objectos da casa de Llan-sol, estará no CCB.

Ler em liberdadeO texto continua vivo, mesmo após a morte (real) da autora. Era isso que interessava ao realizador Miguel Gon-çalves Mendes, 32 anos, que, com a coreógrafa Vera Mantero, fez o docu-mentário/performance “Curso de Silêncio” para o Festival Temps d’Images (2007), a partir de “Amigo e Amiga”. “Creio que o que interes-sava mais à Vera era a cena fulgor. A mim, era questão da morte dele [Au-gusto Joaquim], e de como alguém se confronta com o mundo real e com esse luto.” O livro de Llansol permitiu a Mendes trabalhar “as contradições da mente humana”: “Estamos a falar de alguém com aquele universo par-ticular que a morte do marido põe em causa. É isso que torna esse livro es-pecialmente bonito. Ela não se nega

a si própria. Continua na sua procura do belo através do processo de cria-ção. Faz o luto através do livro.”

Em Llansol, o realizador admira “a recusa de metáforas”. Nesse sentido, Mendes reconhece que a leitura do texto llansoliano foi útil para o seu trabalho: “Naquele filme, senti que estava realmente livre através da ex-ploração da intensidade da imagem, dessa explosão visual. A liberdade é o gozo que a literatura dela dá, con-segues ler uma página, um fragmen-to, e aquilo vive por si. Ler fragmen-tariamente é ler em liberdade.”

Mas Llansol não é só livre: é real. “A escrita dela é fantástica, ensaística, poética, artística: é a pós-modernida-de ao máximo. Não é ficcional, é mons-truosamente real. Tem a ver com a constatação do mundo, as artimanhas ficcionais do mundo e a sua monstru-osidade. Está-nos sempre a tirar o ta-pete, para nos pôr a pensar, para nos abstrairmos. Não há voto, não há dis-curso; o prosaico sobre o mundo não está ali, não é metafórico”, diz André Teodósio. Os livros de Llansol, conti-nua, não se podem ler “como se lê uma tese, como quem procura a forma ca-nónica da poesia ou uma fórmula ma-temática”. Precisamente porque o texto é livre, não se pode instaurar uma maneira de o ler. “Ela não diz: é assim. Ela constata. Sabe que o mundo está em colapso. Não usa artimanhas intelectuais.” Para Teodósio, Llansol é como Adília Lopes, “é o mesmo tipo de raciocínio e de posição no mundo, estar no mundo de uma forma con-temporânea mas sem tempo, porque o tempo delas é o de deus”.

Esse tempo de deus, um espaço místico espiritual, também seduz o actor Miguel Loureiro, 40 anos. Des-cobriu Llansol aos 24, com “uma pai-xão que vivia na altura, com quem trocava livros dela”. Comprava-os num alfarrabista, num vão de escada ao pé do Teatro da Trindade. Foi en-tão que descobriu que havia “alguém no romance português que falava de uma série de coisas próximas de deus”. Para Loureiro, “Llansol é um lugar muito repousante”. Quando a leu, sentiu “um enorme descanso re-lativo a tudo o que tinha lido antes,

mas ao mesmo tempo um sentimen-to de inquietação. Parecia que está-vamos dez anos atrasados em relação ao que andávamos a ler. Aquela esco-lha de palavras, a linguagem, dava a sensação de que ela estava a sabotar tudo o que escrevia.” Llansol ficou-lhe como uma reserva, não como refe-rência: alguns dos seus textos estão lá, “ao pé da cama, para adormecer, para voltar a ler, para voltar a apren-der”. A sua obra, diz, “é uma oferen-da ao leitor”: “Cada vez que a leio encontro sempre coisas novas”.

No fundo, é só preciso deixar de ter medo. “Quando comecei a ler senti uma certa frustração: o meu entendi-mento falhava, mas continuava a se-guir as linhas. Lembro-me do que ganhei quando deixei de me preocu-par em perceber. Vinha formatado pela narrativa. Tinha de aprender a estar no texto”, diz.

Maria Gabriela Llansol esperou sempre pelos que estão do outro lado. Tinha um desejo: “Encontrar alguém que me ame com bondade, e saiba ler. (...) Alguém que deixe espaços entre as palavras para evitar que a última se agarre à próxima que vou escrever. Alguém que admita que a cartografia dos animais e da pontua-ção não está ainda estabelecida. Al-guém que eu possa ler diferentemen-te depois de me ler.”

Ei-los aqui, amantes do fulgor do seu texto.

Ver agenda de exposições pág. 38 e segs.

Manuel Santos Maia diz que a maneira como Maria Gabriela Llansol fala nos objectos é “catalisadora”, “acelera o processo de criação”. O artista plástico, que terá uma peça com objectos da casa da escritora na exposição do Centro Cultural de Belém, gosta de não encontrar certezas, apenas questões, nos textos de Llansol u en-

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, pquestões, nos textos de Llansol

Um dos inúmeros papéis avulsos de Maria Gabriela Llansol

Mesmo após a morte da escritora, em 2008, o texto de Llansol continua vivo, tal como o seu culto

“Llansol não reinventava a língua por capricho académico, mas por uma consciência profunda de que a língua condiciona”João Madureira, compositor

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CristinaBranco

Não há só tangos em Paris

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24 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

Quem viu “Fantasia Lusitana”, o mag-nífico documentário sobre o Estado Novo que João Canijo estreou há cer-ca de um ano, sentiu um mal-estar: o do nosso isolamento. Vemo-nos a co-memorar a Exposição do Mundo Por-tuguês de 1940 e sorrimos, condoídos dos portugueses de então, perante a Nau que, mal é lançada, se afunda. Portugueses que alegremente admi-ram as peças expostas (homens e ar-tefactos) trazidas do Império, enquan-to por Lisboa passa uma horda de gente cosmopolita, desesperada, à espera de um sinal para prosseguir: refugiados judeus de uma guerra que nos “poupou” graças a Salazar, que nos mantinha na periferia do mundo convulso, e à Senhora de Fátima (e à vontade dos Aliados, claro).

Tudo isto vem a propósito de juda-ísmo e de judeus. Não teremos sido anti-semitas, apesar do fantasma da Inquisição que nos amordaçou irre-paravelmente o pensamento e a des-treza económica. Habilmente, na época, D Manuel recebeu os judeus expulsos pelos reis católicos no sécu-lo XV. Alguns anos depois, não os dei-xando partir, baptizou-os, destruiu os seus vestígios, materiais e imate-riais, queimou os preciosos livros que haviam trazido, arrasou sinagogas (que alfacinha conhece a topografia das três que existiram em Lisboa?), fez deles cristãos-novos, alguns futu-ros marranos. Mas a história e a cul-tura judaicas contemporâneas, as suas rotas mais recentes, os crimes cometidos sobre populações da Eu-ropa Central e Oriental (seis milhões cientificamente exterminados), o go-zo da música klezmer e das recriações do riquíssimo teatro iídiche, a degus-tação da gastronomia asquenazita ou sefardita, tudo esteve ausente ou es-batido nas nossas vidas, nas nossas livrarias, nas nossas conversas e até na universidade. Também Salazar, segundo Irene Pimentel (Prémio Pes-soa 2007, autora de “Judeus em Por-tugal durante a II Guerra Mundial”) reforçou, a todos os níveis, o nosso isolamento. “Algo está felizmente a mudar, o interesse e a curiosidade parecem ter sido revigorados”, diz a investigadora ao Ípsilon. A colecção Judaica, que a Cotovia acaba de lan-çar, é disso prova: para já são seis tí-tulos (de Samuel Schwarz a Karl Marx, de Primo Levi a Moacyr Scliar), um leque bem diversificado que André Jorge inteligentemente seleccionou,

e que até fisicamente se deseja pos-suir. Dirigida a um público curioso, mas não necessariamente especialis-ta, a colecção reúne obras de judeus religiosos, judeus ateus, judeus críti-cos de judeus... Cada um dos livros da colecção firma uma perspectiva, é a estrela de múltiplas faces de uma constelação que será certamente ex-pandida.

No blogue da Cotovia, o editor, que nasceu numa vila perto de Lisboa no fim da Segunda Guerra Mundial, es-creve um texto programático muito pessoal, lembrando que a família, oriunda da Beira Interior, o criou sem resquícios de educação católica, sem calendário religioso, apesar da admi-ração que o pai tinha pelos judeus (“Hoje pergunto-me se isso não será um traço de judaísmo, esconder uma coisa sem se converter a outra”). “Sou ateu convicto. É verdade que tenho um candelabro judaico em casa, mas isso é um símbolo; uma homenagem aos antepassados, uma quase presen-ça deles. Sou ateu, não tenho a menor dúvida a esse respeito. Até na doença sou ateu. Sinto que é necessário re-cordar sempre os grandes crimes con-tra a humanidade. Todos. Esta colec-ção vem daí, dessa minha necessida-de tornada convicção”, explica.

Jorge Martins, investigador e coor-denador de outra colecção mais an-tiga, a Sefarad (Nova Vega), aplaude a iniciativa da Cotovia: “Estão de pa-rabéns os estudos judaicos, que têm levado algumas editoras a apostar

Judaísmo para coleccionNão é tudo o que sempre quisemos saber

sobre o judaísmo, mas quase: os seis primeiros títulos da Judaica, a nova colecção

de livros da Cotovia, compõem o retrato de um mundo fascinante, e nalguns casos

perdido, de Belmonte ao Cairo, de Auschwitz a Israel. Maria da Conceição Caleiro

Os dilemas de Israel, a mítica terra prometida do povo eleito que se tornou real depois do definitivo “pogrom” da Segunda Guerra Mundial, é o objecto de dois dos livros da nova colecção da Cotovia: “Judaísmo - Dispersão e Unidade”, de Moacyr Scliar, e “Judaísmo para Todos”, de Bernardo Sorj

A história e a cultura judaicas contemporâneas, os seis milhões exterminados, o gozo da música klezmer e do riquíssimo teatro iídiche, tudo esteve ausente das nossas vidas, das nossas livrarias, e até da universidade

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nesta temática, provando que é uma necessidade historiográfica e um pro-jecto comercial viável. Quantas mais editoras publicarem sobre esta temá-tica – e com esta dignidade de lhe con-ceder uma colecção própria –, mais visibilidade terão os estudos judai-cos”. O entusiasmo é partilhado por Borges Coelho – autor de “A Inquisi-ção de Évora 1533-68” (Caminho) -, Avraham Milgram, historiador do Mu-seu do Holocausto Yad Vashem de Jerusalém, que escreveu “Portugal, Salazar e os Judeus” (Gradiva), Ri-chard Zimler (“Os Anagramas de Var-sóvia”, edição Oceanos) e Esther Mu-cznik (estudiosa de temas judaicos e autora de “Gracia Nasi”, Esfera dos Livros).

De Belmonte ao Cairo...Dos livros agora editados, comecemos por Samuel Schwarz (1880-1950), au-tor de “Os Cristãos-novos…”, publi-cado originalmente em 1925. Enge-nheiro de minas polaco, trabalhava em Espanha e, pass(e)ando por Bel-monte, detecou um rasto judaico nal-guns usos e nas orações das gentes. Abeirou-se, apresentou-se como ju-deu, os habitantes foram esquivos. O medo (como diz Irene Pimentel, devia ser feita em Portugal uma História do medo...) e o silêncio sedimentados fá-los-iam recuar: ‘“Visto que preten-de conhecer outras orações judaicas, diferentes das ‘nossas’, diga-nos, ao menos, uma das que conhece nessa ‘língua hebraica’ mque diz ser a língua dos judeus!...’(…) Ocorreu-nos, então, a feliz ideia de recitar a sublime ora-ção de ‘Shemah Israel’, base da reli-gião judaica (…). Notámos, quando pronunciámos a palavra ‘Adonai’, que as mulheres tapavam os olhos com as mãos e ao acabar de recitar a breve oração, a anciã, que nos tinha convi-dado a rezar, disse, com autoridade, para as que a cercavam: “É realmen-te judeu, porque pronunciou o nome Adonai’”.

A partir daí, Schwarz passa a ser admitido na comunidade de Belmon-te e a fazer uma cuidada recolha, tor-nando-se talvez no maior conhecedor dos cristãos-novos da época moderna. “A sua obra constitui até hoje uma jóia sobre a cultura, os costumes e as pre-ces dos cristaõs-novos do inicio do século passado”, sublinha Avraham Milgram. Mas é uma jóia que esteve demasiado tempo esquecida, acres-centa Esther Mucznik, lembrando

Obras que nascemna Paisagem

5 DE MARÇO A 30 DE ABRIL DE 2011

Uma iniciativa: Media Partner: Com o apoio:

www.cascaisnatura.orgSaiba mais em:

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que, regressada a Portugal depois de vários anos de ausência, investigou em vários arquivos e em nenhum de-les se deparou com o nome de Samuel Schwarz. Tampouco a Comunidade Israelita de Lisboa possuía os seus li-vros. Quando os encontrou, Mucznik percebeu que Schwarz foi “um ho-mem importantíssimo” para o judaís-mo português. “Polaco até ao fim, mas português, é um homem que compra com o seu dinheiro a sinagoga de To-mar, que na altura é um armazém, que a restaura com o seu dinheiro e que a oferece ao estado português na con-dição de se fazer lá um museu. Foi ele quem que revelou ao mundo o mar-ranismo português, e a sua reedição é uma excelente iniciativa”, sublinha. António Marques de Almeida, que ocupou vários anos a cátedra de Es-tudos Sefarditas da Faculdade de Le-tras de Lisboa, é mais prudente: Schwarz, argumenta, deparou-se com uma atmosfera sincrética, o cripto-judaísmo, e deu-lhe um sentido. Mas “o que viu não é o que escreveu”.

Da jornalista brasileira Helena Sa-lem (1948-1999) - uma judia sefardita de origem turca que chegou a viver exilada em Portugal com o marido, dirigente do Partido Comunista Mar-xista-Leninista do Brasil) – publicou-se “Entre Árabes e Judeus”. É a reporta-gem da Guerra do Yom Kippur que Salem realizou em jovem para o “Jor-nal do Brasil”, a partir do Cairo, do lado de árabes e palestinos, indignan-do a colónia judaica carioca: “Como judia sefardita, estava tão à vontade naquele mundo... que o meu segredo, até, ia ficando menos pesado”. Salem possui um estilo rápido, juvenil, ofe-gante quase, intercalado por breves memórias pessoalíssimas ou por re-paros casuísticos aos sabores do mun-do em volta (inevitável pensar, ao ler, do em volta (inevitável p

Karl Marx aborda a questão judaica do ponto de vista do movimento mais geral de emancipação do proletariado (e com

um certo anti-semitismo, apesar das suas raízes judaicas), e da sua visão da religião como “ópio do povo”: “Vós,

judeus, sois ‘egoístas’ ao exigirdes uma emancipação especial para vós, enquanto judeus (...). Devereis, sim,

perceber que a vossa opressão e ignomínia não constituem uma excepção à regra, mas apenas vêm

confirmar essa mesma regra”

Moacyr Scliar, filho e neto de imigrantes da Europa de Leste, cresceu no bairro judaico de Porto

Alegre, o Bom Fim, cuja sombra paira sobre uma obra muito marcada pelo imaginário judaico-

cristão e pelas histórias contadas pela mãe, professora, que o alfabetizou. “Judaísmo - Dispersão e

Unidade” é a sua evocação de Israel, desde o começo mítico fixado pelo Antigo Testamento (“E disse o Senhor a

Abraão”) às dores de crescimento do Estado moderno

A memória de Auschwitz assombrou o italiano Primo Levi até ao final da sua vida; escreveu sobre essa experiência deformadora em “Se Isto É Um Homem...” e também em “O Dever de Memória”, que a Cotovia agora publica

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O Estado de Israel, defende Bernardo Sorj, deve ser capaz de construir uma identidade judaica secular, “sem reproduzir conteúdos xenofóbicos das categorias de pureza e impureza, de povo escolhido, de protecção divina”

na repórter do PÚBLICO Alexandra Lucas Coelho). É quase como se o lei-tor tivesse acompanhado aquele “tra-velling”, sofrido com aquelas pessoas, e tomado como seus as ingenuidades, as hesitações e os reparos à condição feminina de ambos os lados. “Para mim a vida dela é um acto de cora-gem. Coragem para ter também aque-la visão, que não era a minha”, diz Mucznik, que conheceu Salem na Al-bânia. “A nossa amizade foi muito bonita, ensinou-me muito. Publicar os livros dela é uma homenagem a uma mulher que foi cobrir a guerra do lado árabe”.

... e de Auschwitz a IsraelMoacyr Scliar (1937-2011), grande fic-cionista, já editado entre nós, que acaba de desaparecer, e Bernardo Sorj (1948-), director do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e professor de sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, são ambos brasileiros, são ambos de origem judaica, são am-bos profundos conhecedores da his-tória e da cultura do judaísmo. A obra de Scliar, gaúcho, filho e neto de imi-grantes, nasce marcada pelo imaginá-rio judaico-cristão e pelas estórias que a mãe, professora que o alfabetizou, desfiava e lhe incendiavam a imagina-ção. Ambos traçam a história do povo judeu, articulando o texto bíblico, o patamar sagrado, com o relato histó-rico. Em “Judaísmo - Dispersão e Uni-dade”, de Scliar, isto resulta, como seria de esperar, num timbre mais li-terário (tem também um capítulo so-bre os judeus no Brasil). “Judaísmo para Todos”, de Bernardo Sorj, acen-tua o olhar mais sociológico. Tanto um como o outro partem do começo mí-tico (“E disse o Senhor a Abraão…”) até à criação do Estado de Israel, in-vestigando a origem histórica do anti-

semitismo - que, ao contrário do que muitas vezes se julga, não surgiu com o cristianismo mas sim com os roma-nos. Cada um a seu modo, levantam os problemas inerentes a Israel, país que emerge depois do massacre irre-parável de um mundo, o Holocausto, a Shoah. O novo Estado, saído de uma des-diasporização, multicultural (mui-to mais do que uma origem tem o ci-dadão de Israel), fragmentado e pós-moderno, deve ser capaz de construir uma identidade judaica secular, sem apagar a memória, mas gerando “no-vas narrativas e (...) práticas, sem re-produzir conteúdos xenofóbicos e alienantes das categorias de pureza e impureza, de povo escolhido, de pro-tecção divina”, refere Sorj.

Apetece dizer que tudo o que sem-pre quisemos saber sobre o(s) judaímo(s) começa aqui, nestes dois autores.

Já a “A Questão Judaica”, do jovem Karl Marx (1818-1883), é um obra pro-vocadora e passional, panfletária, pouco marxista de espírito e até anti-semita. Abre assim: “Os judeus ale-mães aspiram à emancipação” (leia-se igualdade de direitos, direito à cida-dania e à emancipação cívica e polí-tica, aspectos que no século XIX es-tavam na ordem do dia na França e na Alemanha). E continua “Vós, ju-deus, sois ‘egoístas’ ao exigirdes uma emancipação especial para vós, en-quanto judeus (…). Devereis, sim, perceber que a vossa opressão e ig-nomínia não constituem uma excep-ção à regra, mas apenas vêm confir-mar essa mesma regra”. Marx faz equivaler o judeu ao culto a um só Deus – o da usura e da troca (de mer-cadorias). O judeu em Marx é, assim, emblema do dinheiro, do capitalismo, logo de burguesia (esta sua visão terá contribuído para o anti-semitismo de alguns movimentos revolucionários). Simplificando de mais: o judeu tem de deixar de ser judeu para que o Hu-mano e o Estado livres da alienação possam nascer.

Curiosamente, Marx tem uma raiz judaica, a arquitectura desta cultura infiltrada. Quem sabe se o pós-dita-dura do proletariado, “o mundo a seguir”, brinca Esther Mucznik, “não seria o reino messiânico?” Nada é sim-ples, e este é um texto nuclear da his-tória das ideias políticas, foco irra-diante de muitos outros. Gostaríamos, todavia de o ver co-adjuvado por tex-tos de Hannah Arendt como “The Jew as Pariah ( Jewish Identity and Politics in the Modern Age)”, de 1943, ou por outros seus sobre a temática do anti-semitismo. Assim como por Gershom Scholem e a sua polemica com Aren-dt a propósito do controverso “Eich-mann em Jerusalém”. Ou Daniel Si-bony, nascido em 1942 no seio de uma família judia que habitava a Medina de Marraquexe, e chega a Paris aos 13 anos... psicanalista, matemático, fi-lósofo e muito mais, autor de varia-díssimos livros que integram questões do mundo, da transmissão e da cul-tura judaicas e exploram a tese de que o medo, o racismo e a violência au-mentam quando “o Outro” não quer viver mais no “gueto” e exige devir juridicamente um cidadão “como os outros” (no caso dos judeus, era o que vinha acontecendo na Europa Oci-dental, com interregnos, desde o sé-culo XIX).

Por fim, neste primeiro lote da co-lecção, há Primo Levi (1919-1987), au-tor dos “inteligentes e comoventes” livros que o escritor Richard Zimler sempre recomenda quando os leito-res lhe pedem sugestões de livros so-bre o Holocausto. Do italiano, a Coto-via publica “O Dever de Memória”.

Claro que daqui para a frente se quer sempre mais, muitos mais… Agamben, Langbein, antologia(s) de poesia hebraica contemporânea, Sar-tre, ficção… que evoque os campos com a força da linguagem literária (como “Eine Reise” de H.G. Adler, que Canetti considerou “uma obra-prima, escrita numa prosa particularmente bela e pura”).

Ver crítica de livros pág. 34 e segs.

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maratona de cinema no pós-abril > sábado 2 abrilcinema sem parar das 21h30 às 5h00. 21h30 revolução [Ana Hatherly, 1975] as armas e o povo [Trabalhadores Da Actividade Cinematográfica, 1975] filmes que nos transportam com o corpo todo para o 25 de abril.23h20 caminhos da liberdade [Cinequipa, 1974] os lugares da revolução dos cravos filmados outra vez, agora como destroços.00h40 terra de pão, terra de luta [José Nascimento, 1977] filme-grito que acompanha e luta com aqueles que fizeram a reforma agrária no alentejo.02h00 continua a viver ou os índios da meia-praia [António Cunha Telles, 1976] homens, mulheres e crianças carregam os tijolos, a massa, o cimento e até as próprias casas às costas. 04h00 fatucha superstar – ópera rock… bufa! [João Paulo Ferreira, 1976] recriação queer da história de fátima e seus pastorinhos. (tirei o que estava a seguir)05h00 que farei eu com esta espada? [João César Monteiro, 1975]

uma alegoria mordaz à presença ameaçadora da nato ao largo de lisboa, que chega,como nosferatu, pela noite.  

debate sobre o prec  o panorama - 5ª mostra do documentário português convida quatro blogs - arrastão, albergue espanhol, 31 da armada e  5dias - a debater o prec, com moderação de pedro mexia.sexta-feira, 25 de março, às 19h30 na casa da achada (perto da praça da figueira).o debate é aberto ao público.

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 29

Depois de “Yumurta” (2007), regres-so de um poeta à sua terra natal após a morte da mãe, e de “Süt” (2008), retrato de um adolescente dividido entre a escrita e o pobre trabalho que sustenta a sua família, Semih Kapla-noglu fecha a sua trilogia sobre Yussuf (personagem que é também o seu alter-ego) com “Mel”, retrato da emancipação de uma criança na Tur-quia rural, que foi Urso de Ouro em Berlim em 2010.

Continuando a olhar para trás, Ka-planoglu mostra-nos desta vez a in-fância em estado puro que guardamos pela vida fora: a curiosidade da des-coberta dos sentidos, a vontade da expressão individual e a timidez que a impede de se soltar, e o eterno elo de admiração da criança pelo seu pai, sob o olhar atento da mãe. O pai de Yussuf, api-cultor, procura no-vas fontes de mel para o sustento familiar, pe-quenas incur-

sões feitas na companhia do filho, de olhos e ouvidos abertos para cada gesto. Mas será após uma partida so-litária para longe que, na ausência da referência paterna, os sentidos de Yussuf se abrirão mais ao confronto entre o isolamento interior no seu diminuído lar, o encontro com as pa-lavras na escola e o puro estado da natureza que circunda a casa. Há um mundo que o chama e que ele abraça, na desco-

berta da vida e da ausência.“Em 2005”, diz-nos Kaplanoglu,

“escrevi um conto sobre um aspiran-te a poeta de 18 anos que vivia no cam-po e enviava os seus poemas a jornais literários [segmento da história que filmaria em “Süt”, segunda parte da trilogia]. Mas perguntei-me o que

aconteceria a essa personagem na sua idade adulta e na sua infância, se po-deria continuar a escrever poemas com 40 anos de idade ou se teria de fazer outra coisa para ganhar a vi-da”.

A história da “Trilogia Yussuf”, que tem o seu ponto alto em “Mel”, é, por-tanto, a do crescimento invertido de um homem que foi criança, a de um longo caminho de emancipação face à presença espiritual do pai e o amor presente da mãe. A luta de Yusuf pe-la independência confunde-se com a procura da sua forma de expressão no mundo — a poesia e o uso das pa-lavras. “Ao falar com Orçun, o meu

co-argumentista, e com Hande, o meu montador, pensámos nu-

ma trilogia”, diz-nos o reali-zador. É uma trilogia ao

contrário: “Decidi co-meçar do ponto que

conhecia melhor — os 40 anos —, por

estar a passar por problemas

semelhan-

quando for pequeno“Mel” encerra a “Trilogia Yussuf” de Semih Kaplanoglu. Continuamos a andar para trás: depois de já ter sido quarentão e adolescente, Yussuf é agora um miúdo em crescimento na Turquia

rural. O princípio, diz Kaplanoglu, é aquilo que fi ca connosco até ao fi m. Francisco Valente

YussufYussuf, o pequeno protagonista da trilogia que “Mel” agora

encerra, é um alter-ego do realizador Semith Kaplanoglu

A “Trilogia Yussuf” é a história do crescimento invertido de um homem que foi criança

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 30

tes [retratados em “Yumurta”]. De-pois de uma certa idade, concentra-mo-nos mais no passado do que no futuro, talvez por haver uma aproxi-mação à morte ou porque o tempo que já vivemos ser maior do que aque-le que vamos viver”, explica.

Atrás da cortinaAlém de um reflexo dos seus dilemas posteriores, a infância de Yusuf é tam-bém a descoberta do mundo que ali-mentará os sentidos: a imensa flores-ta onde se situa a sua casa abre o ca-minho para a aprendizagem das sensações e das palavras que as des-crevem. Apesar de ser o último filme da trilogia, “Mel” é também o primei-ro: os outros dois filmes começam aqui, quando Yusuf era pequeno.

Mas dizer Yusuf é outra maneira de dizer Semith. A poesia não é apenas a forma de expressão do protagonis-ta: é a forma de expressão do próprio

realizador. “Uso um método de sim-plificação nos meus filmes que apren-di com a poesia. Penso muitas vezes em como tornar a poesia relevante numa forma de arte como o cinema. A expressão poética dos meus filmes é uma consequência desse esforço”, diz ao Ípsilon. Toda a “Trilogia Yus-suf” revela uma paciente busca do tempo certo de expressão, uma rela-ção cuidada entre a exposição de um sentimento e a escolha de adereços e de palavras numa paisagem natural de imagens. “A poesia é aquilo que fazemos das nossas experiências a partir do que guardamos na nossa linguagem. Não se trata só de colocar os nossos sentimentos em palavras, tem também a ver com o silêncio.”

Através da infância de Yussuf, Ka-planoglu tentou ir ao encontro do sen-tido inicial que se perde ao longo da vida. “A vida põe uma cortina à frente dos nossos sentidos, impede-nos de

tocar, cheirar e ver. Quando fiz o filme, tentei encontrar uma maneira de re-mover essa cortina, queria descrever não só a infância de Yussuf mas tam-bém a da humanidade. Pensei muito em como descrever essa pureza, pois julgo que a perdemos nas nossas rela-ções. Falamos muito não por nos dar-mos bem, mas porque não consegui-mos estabelecer uma verdadeira liga-ção uns com os outros”, sublinha.

O esforço do realizador turco passa também por um método de filmagem assente ainda nas suas formas natu-rais: sem pós-produção, através de uma rodagem integrada no seu am-biente natural — a província de Rize, na Turquia —, procurando uma con-jugação natural de luz e vida nos ele-mentos que compõem a imensidão da paisagem e da floresta. “Interesso-me muito pela natureza”, afirma o realizador, “observo-a e tento envol-ver-me com ela. O sentido do tempo, o nascer e o pôr do sol, as estações, tudo isso tem um efeito em mim. Sin-to que não consigo criar se não tradu-zir isso naquilo que faço.”

Todo o seu trabalho vai no sentido de uma necessidade de espiritualida-de e de depuração que é o contrário da vida moderna, urbana que nos aliena dos sentidos. “A nossa percep-ção não está apenas relacionada com o cinema, depende também da quan-tidade de poesia que lemos, do nosso envolvimento com a arte e a filosofia, e da nossa relação com a espirituali-dade. A vida moderna não nos per-mite questionar a nossa existência e a criação, há uma indolência domi-nante em relação a isso”, argumenta Kaplanoglu.

Um cinema da esperançaOs contornos da “Trilogia Yussuf” relembram os de uma outra desco-berta — a do mundo de Apu, jovem personagem do cinema do indiano Satyajit Ray. Também Apu era um as-pirante a escritor dividido entre um profundo e desejo de criação e as res-ponsabilidades da vida diária, de que depende a sobrevivência familiar. A procura de uma paz de espírito entre os acessórios materiais da vida é co-mum ao cinema de Ray e Kaplanoglu. Contudo, é num cinema mais meta-físico e já distante de Ray que Kapla-noglu acaba por encontrar as suas influências mais decisivas. “‘O Espe-lho’ (1975), de Tarkovski, teve um grande impacto em mim: as sementes e as ideias do que queria fazer no ci-nema vêm daí, tal como de ‘Andrei Rublev’ (1966)”, diz o realizador. “Fo-ram filmes que marcaram a minha relação com o cinema.”

Mas se é o movimento de Tarkovski que marca o tempo do cinema de Ka-planoglu e a sua busca de abstracção, o realizador turco refere ainda a por-ta aberta pelos filmes de Ingmar Berg-man: “Ao criar as minhas persona-gens, fiz referência à forma de ver de Bergman. Ele coloca as questões mais substanciais e dolorosas sobre a exis-tência do homem moderno. Os seus filmes provam que o cinema pode contar a história da sua insuficiência espiritual, não apenas vagueando pe-los corredores sombrios da alma hu-mana, mas dando-nos uma esperan-ça que faz parte do mundo e que nos leva para a própria essência da cria-ção.”

Como Bergman, Kaplanoglu vai até à raiz de uma vida. Na sua inocência, Yussuf mostra-nos que aquilo que nos forma nunca nos abandonará. Ele sa-be que poderá sempre encontrar aquilo que procura na árvore onde o pai ia buscar o mel para levar para casa.

Ver crítica de filmes na pág. 44 e segs.

“A vida põe uma cortina à frente dos nossos sentidos. Tentei encontrar uma maneira de remover essa cortina. Julgo que perdemos a pureza nas nossas relações. Falamos muito não por nos darmos bem, mas porque não conseguimos estabelecer uma verdadeira ligação uns com os outros”Semih Kaplanoglu

O olhar sobre a paisagem

natural, a busca do

tempo certo de expressão,

e a gestão da palavra e

do silêncio são traços

comuns ao protagonista

e ao realiza-dor de “Mel”

2011

M/12

UM ESPECTÁCULO DE DINARTE BRANCO, LUIS MIGUEL CINTRA E CRISTINA REIS

Tradução: Regina Guimarães Interpretação: Judas Dinarte Branco; Voz Luis Miguel Cintra

De 5.ª a Sábado às 21.30h. Domingo às 16.00hR.Tenente Raul Cascais, 1A. 1250-268 Lisboa

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CURTA SÉRIE DE REPRESENTAÇÕES

24, 25, 26, 27 e 31 de MARÇO 1, 2 e 3 de ABRIL TEATRO DO BAIRRO ALTO

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 31

Os objectos nasceram Desde criança que o pintor Manuel Baptista gosta de brincar com formas. Os objectos

fantásticos que imaginou, e desenhou, fi caram guardados décadas em pequenos cadernos. Agora tornaram-se realidade. E nasceram muito grandes. Alexandra Prado Coelho

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Manuel Baptista passeia-se maravi-lhado entre os enormes objectos es-palhados pelo Museu da Electricida-de, em Lisboa, na exposição “Fora de Escala”. Não se cansa de olhar para eles. Há, por exemplo, esta falésia amarela, inspirada nas falésias dos Verões da sua infância, em Albufeira, e ele só lamenta que as pessoas não vejam por trás. Damos a volta. “Está a ver? É uma maravilha, com todas estas linhas de corte, as marcas da cola, do betume…”.

As falésias, os novelos de lã gigan-tes, os envelopes dos quais saem for-mas líquidas e verdes, as camisas com gravatas em versão pop, as formas ondulantes recortadas em madeira, em alumínio, em acrílico colorido – todos eles são objectos que viveram durante décadas dentro de cadernos fechados. Sempre que tinha uma ideia, que via uma forma que o inspi-rava, Manuel Baptista desenhava. E foi guardando esses desenhos, sem nunca desistir da ideia de um dia os ver transformados em realidade.

“Desde os anos 50 que me habituei a registar o meu pensamento plástico em livros ou em papéis”, conta. “Quando era miúdo [nasceu em 1936] tinha um fascínio muito grande por desenhos animados. Lembro-me que em Faro, onde vivia, na véspera de Natal, pela manhã, havia sempre uma sessão para as crianças, e eu ficava fascinado pelos desenhos animados do Walt Disney, o Bugs Bunny, o Gato Silvestre…”.

Na escola, durante as aulas, ia de-senhando nos cadernos pequenas molduras. “O que me interessava não era tanto o exercício que lá estava, mas a moldura que andava à volta, com gatos, ratos.” Numa vitrina no início da exposição estão vários ca-dernos ( já dos anos 60 e 70) em que Manuel Baptista continua a fazer mol-duras e a enchê-las de formas. “Agar-rava numa ideia e desenvolvia-a em várias hipóteses. Depois chegava a uma altura em que era como se tives-se esgotado essa ideia, e continuava com outra”.

Manuel Baptista na sua falésia

amarela

“Lembro-me que em Faro, onde vivia, na véspera de Natal, pela manhã, havia sempre uma sessão para as crianças, e eu ficava fascinado pelos desenhos animados do Walt Disney”

- e cresceram

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Em 1957, saiu de Faro para fre-quentar o curso de Arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes de Lis-boa (que mais tarde abandona para se dedicar à pintura). Mas é em 1963 que o mundo se abre verdadeiramen-te. Com uma bolsa da Gulbenkian, parte para Paris. E o menino que se encantava com os desenhos da Disney vai descobrir que o mundo tem mui-to mais para oferecer. “Foi um des-lumbramento. Naqueles anos havia um fervilhar de ideias em Paris… As-sisti à abertura da galeria americana Ileana Sonnabend, ia a todas as inau-gurações e via o [Robert] Rauschen-berg, o Andy Warhol, imagens fortís-simas, pop. Curiosamente, nas inau-gurações estava meia dúzia de pessoas. Ninguém dava muita impor-tância à arte americana em Paris. Mas eu ficava fascinado”.

Os artistas americanos faziam per-formances e deixavam os franceses sem saberem o que pensar. Manuel Baptista lembra-se de ir pelo Boule-vard Saint-Germain, entre os carros, de olhos vendados. E lembra-se de um balde onde, num ritmo sempre igual, caía um pingo de água enquan-to se ouvia uma voz gravada que dizia “sois pas triste, sois pas triste”. “As pessoas estavam chocadíssimas, mas eu estava delirante, porque era tudo novo, era outra coisa”.

Vivia num pequeno quarto de ho-tel, tomava o pequeno-almoço mas saltava o almoço para poupar dinhei-ro e poder ir jantar a um bar de jazz “onde se comia esparguete à bolonhe-sa e se podiam ouvir os músicos”. Manuel Baptista estava em Paris “pa-ra comer cultura”. E não perdia tem-po. Saía de manhã, percorria todas as galerias, ouvia concertos, frequenta-va cafés míticos como o Flore ou o Deux Magots – “cheguei a ver o [ Jean-Paul] Sartre e a [Simone de] Beauvoir; naquela altura na mesa ao lado po-diam estar os grandes pensadores, era uma atmosfera extraordinária”.

Em Paris percebeu que não é pre-ciso impor limites à imaginação. Tudo parecia possível. E nos cadernos os desenhos multiplicavam-se. “Já os pensava como objectos”. Aponta pa-ra um dos cadernos abertos na vitri-na. “Pensava nos materiais da época, a que eu tinha acesso. Como esta ca-deira que está aqui, toda envolvida em tubos de plástico”. Cores, formas, materiais – estava tudo ali. Mas o ano em Paris estava a acabar e o regresso a Portugal foi também um regresso à realidade. As condições não permi-tiam que aqueles desenhos saíssem das páginas dos cadernos. “Desenha-va-os na esperança de um dia os fazer, mas era uma coisa longínqua, não havia mercado, eu não sabia como. Ainda andei à procura de carpintei-ros, mas era difícil, eles não estavam interessados, o que queriam era fazer coisas para a construção”.

Mania das grandezasFoi um tempo de escolhas. E Manuel Baptista escolheu a pintura, porque era o que o mercado pedia. Um con-vite para ser assistente na Escola de Belas-Artes levou-o a decidir regressar a Portugal. “Eu considero que tenho vários heterónimos. Podia ter feito variadíssimas coisas. Até na pintura, podia ter sido vários pintores, e podia tê-lo assumido, mas nunca tive cora-gem para isso.”

Continuou sempre a registar os seus “pensamentos visuais”, muitas vezes nas toalhas de papel dos restau-rantes que frequentava com artistas amigos. Às vezes olhava para os guar-danapos organizados em leque, acha-va piada, “começava a desenhar e os guardanapos transformavam-se numa planta”. Alguns dos desenhos podem ser vistos agora no Museu da Electri-cidade, mas muitos outros estarão expostos a partir de amanhã na Fun-dação Carmona e Costa, em Lisboa (onde estão previstas duas conversas sobre a obra de Manuel Baptista, uma a 9 de Abril, às 17h, com o filósofo José Gil, e outra a 27, às 18h, com o artista plástico Pedro Cabrita Reis).

Se calhar havia um tempo certo pa-

ra os objectos que imaginara nasce-rem. Um dia, João Pinharanda, con-sultor para as Artes da Fundação EDP, foi ao atelier de Manuel Baptista em Faro. “Viu os cadernos e ficou muito entusiasmado com este lado escultó-rico do meu trabalho”. De repente, as condições que não tinham existido nos anos 60 e 70, tornaram-se reali-dade. “Começámos a trabalhar, a ter reuniões, surgiu uma equipa de pro-dução fantástica.”

Os objectos começaram a ganhar uma vida própria. João Pinharanda sugeriu fazê-los grandes. Muito gran-des. “Inicialmente não tinha nenhu-ma ideia de escala”, confessa o artis-ta. “Ou melhor, era uma escala mais intimista. Eram objectos que se po-

diam pôr numa casa. Na época está-vamos muito preocupados com o mercado que existia, o mercado da casa do comprador, que não era mui-to grande. E agora, de repente, pare-cia não haver limites. “O João Pinha-randa dizia ‘faz maior, maior’, e eu dizia ‘Maior? Calma, calma’”.

Maravilhado, foi vendo como a equi-pa de designers transformava o seu “desenho espontâneo” e lhe dava “ri-gor, medidas exactas”. Paramos junto a um enorme novelo de corda enrola-do em torno de um eixo: “Em alguns objectos, como estes feitos em corda, eu tinha uma ideia inicial, mas quando começámos a pensar a escala o pró-prio objecto foi-se impondo.”

Aponta para outro novelo, com uma forma diferente. “Era o novelo de lã que a minha mãe tricotava, e eu abria as mãos assim [exemplifica], para a ajudar. Quando o executámos andámos ali às voltas para ver como fazíamos. O Jorge Rodrigues, o artista que o executava, tinha um novelo de corda grossa que eu achei que não funcionava. Eu dizia ‘não é possível fazer isto’, e ele dizia ‘não há impos-síveis’. Achei isso extraordinário.”

Deslumbrado, ia visitar a fábrica que faz as peças para o Carnaval de Torres Vedras e onde estava a nascer a sua falésia amarela. “Deu-me um grande gozo acompanhar a execução. Foi fascinante a descoberta dos ma-teriais. Nunca tinha entrado num sítio como aquela fábrica, onde havia de tudo, desde o rato Mickey a persona-lidades da política. É um mundo fas-cinante.”

No texto que escreveu para o catá-logo, Pinharanda descreve a obra es-cultórica de Manuel Baptista como uma “metáfora do confronto entre uma sensibilidade melancólica e líri-ca, humorada e crítica e o deslumbra-mento provocado pelo glamour de uma sociedade ainda inexistente em Portugal”. E levanta uma questão: “Mas qual é, afinal, o tempo histórico destas peças? Os anos 1960/70 e se-guintes, em que não foram vistas se não pelo artista […]? Ou a actualida-de?”. Pinharanda interroga-se sobre quais teriam sido as consequências, “nesse tempo nacional de pequenez, desta provocadora afirmação de ‘ma-nia das grandezas’?”

Teriam estes objectos sido diferen-tes se tivessem sido construídos nos anos 60? Provavelmente sim, acredi-ta Manuel Baptista. “Eles são feitos com a minha experiência de artista desde que me conheço e toda essa minha experiência está posta aqui. Isso também conta muito.” Mas há uma coisa que o deixa orgulhoso: “Olho hoje para esta exposição e, ape-sar de as peças terem sido pensadas nos anos 60 e 70, acho-as contempo-râneas. Sinto-as completamente inte-gradas nas ideias que hoje fervi-lham.”

Olha mais uma vez em volta, para as suas falésias, os seus novelos de lã, os seus envelopes. Está absolutamen-te feliz, mas a pergunta – como teria sido? – ficará sempre. “Fiquei mara-vilhado depois da montagem. Senti-me um espectador de mim próprio. Fiquei muito comovido com o resul-tado. E pensei, ‘caramba, podia ter feito isto há 50 anos’”.

Ver agenda de exposições na pág. 38 e segs.

EN

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“Tenho vários heterónimos. Podia ter feito variadíssimas coisas. Até na pintura, podia ter sido vários pintores, e podia tê-lo assumido, mas nunca tive coragem para isso”

O artista com um dos seus

envelopes em acrílico

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Knut Hamsun “Victoria”: um romance fundador da literatura moderna europeia finalmente publicado em Portugal Pág. 34

Milan Kundera Ganhou-se um ensaísta em “Um Encontro”Pág. 36

Ricardo Rocha Um génio da guitarra portuguesa ao vivo no Maria Matos Pág. 42

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da Noruega. De acordo com o biógrafo Ingar Sletten Kolloen – em “Soñador y Conquistador” (Nórdica, 2009) –, foi por essa altura que o jovem Knut viu pela primeira vez (e de imediato se apaixonou por ela) a rapariga que lhe serviria de modelo para alguns dos livros que viria a escrever; chamava-se Laura, e era a filha do patrão, o rei do comércio do arenque. Passado pouco tempo, e com o decréscimo da pesca, o jovem Knut teve de deixar a região e fazer-se à vida por outras paragens. Mas Laura ficaria para sempre na sua memória. Os seus primeiros escritos datam dessa época.

Em 1878, com 19 anos, publicou, ainda sob o seu verdadeiro nome, Knud Pedersen, uma noveleta com o título “Bjørger” (mais tarde retirá-la-ia da sua bibliografia) em que conta a história de um jovem poeta, Bjørger, rapaz inteligente e pobre, filho de agricultores, que se apaixona pela filha (obviamente de nome Laura) de um homem rico; esse amor está condenado ao fracasso devido ao facto de os amantes pertencerem a diferentes classes sociais.

Vinte anos mais tarde – já depois da publicação de “Fome”, a sua obra-prima –,numa altura em que era já reconhecido um pouco por toda a Europa como um dos autores mais importantes, publicou o romance “Victoria”, inspirado nessa sua história juvenil. A personagem feminina trocou o nome Laura pelo de Victoria, mas o tema é o mesmo: “Eu era apenas um pobre camponês, um urso, um bárbaro que, na minha juventude, ousara invadir a coutada real.”

Depois de “Fome”, cuja acção decorre em Oslo, Hamsun voltou às histórias de ambiente campestre, estival, quase numa espécie de culto panteísta – com flores, animais e pessoas em agitação febril pela quase ausência de noites –, da sua formação literária, inspirada pelo mais notável narrador norueguês da época, Bjørnstjerne Bjørnson (Prémio Nobel da Literatura em 1903) – que, depois de algumas traduções para português nos anos 50, não tornou a ser por cá editado, o que é imerecido.

O romance “Victoria”, que depressa se tornou um clássico da literatura europeia – e que é pela primeira vez traduzido para a nossa língua – conta-nos a história de Johannes, filho de um moleiro, e de Victoria, a filha de um aristocrata que vive numa mansão próxima a que todos chamam “castelo”. Pela primeira vez na sua obra literária, Hamsun dá um passado às suas personagens; e assim o leitor acompanha alguns anos das suas vidas, desde o final da infância até já entrados na idade adulta. Johannes vai para a cidade e torna-se num escritor conhecido, sempre com o sonho amoroso como fonte de

inspiração: “O amor é um vento que murmura nas roseiras e depois abranda.” Todos os livros que Johannes escreve são para Victoria, ela é a musa que lhe renova o desejo de conquistar o seu afecto.

Parece ser um amor impossível. Mas quando um dia se encontram ambos na cidade, Johannes, ao ver que Victoria traz um anel de comprometida, confessa-lhe o seu amor; Victoria, por sua vez, também lhe diz que o ama, apesar de deixar claro que a felicidade não é possível para os dois. Nessa noite, a inspiração chega em torrente a Johannes, que escreve até de manhã, altura em que abre a janela e canta e grita de alegria, importunando os vizinhos que ainda dormiam. “A minha inspiração era como um longo relâmpago. Uma vez vi um relâmpago que seguia ao longo de um fio telegráfico. Meu Deus, era como um campo de fogo. Da mesma maneira, as palavras fizeram uma trovoada em mim esta noite.”

Este Johannes faz lembrar um pouco, em algumas passagens, a personagem meio alucinada de “Fome”, os seus actos irreflectidos, fora da razão, quando se deixa tomar pela paixão. Entretanto o tempo vai passando e, depois de alguma troca de ofensas entre ambos os amantes, chega o dia em que é anunciado o noivado de Victoria com Otto, um jovem tenente rico que poderá salvar da miséria a família da rapariga. Mas o destino tem guardadas outras vontades…

Num ambiente de “conto de fadas”, Knut Hamsun consegue, com o seu génio, transformar uma história aparentemente simples numa narrativa de grande intensidade psicológica e dramática. Não por tratar de um amor obsessivo e de uma possessão contrariada, mas pela maneira como expõe a essência das suas personagens (normalmente introvertidas), entre erupções frenéticas de carácter e espasmos dolorosos, para logo depois parecerem desvanecer-se numa inesperada frieza de coração. Não foi sem razão que escritores como Thomas Mann ou Isaac Bashevis Singer consideraram Hamsun o fundador da literatura moderna; “Victoria” é um bom exemplo disso, e também do arrojo (para a época) de introduzir na narrativa principal histórias paralelas (no caso, retiradas de livros que a personagem estava a escrever), fragmentando-a e adensando-a.

Faroeste ChilenoUm falso Cristo muito realista e uma prostituta demasiado honrada. Milagres possíveis nos desertos do Chile, se acreditarmos na escrita de Hernán Rivera Letelier.Rui Lagartinho

A Arte da RessurreiçãoHernán Rivera Letelier(Trad. Francisco Guedes de Carvalho)Alfaguara

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Há uma elasticidade surpreendente naquilo que um dia se definiu como realismo mágico. Que é demonstrada sempre que um autor, em geral

sul-americano, precisa de arranjar espaço para se arrumar debaixo do enorme chapéu-de-chuva que cobre o planeta literário entre o Chile e o México.

Do Sul do deserto das pampas chileno chega a escrita de Hernán Rivera Letelier (Tarca, Chile, 1950) que foi definida de uma forma engenhosa pelo próprio como “realismo estético”: escassa magia, uns pós de surrealismo (não é por acaso que um fotograma do filme “Simão do Deserto”, de Luis Buñuel, ocupa a capa do romance), paisagens áridas pontuadas por minas que parecem oásis e a maior parte das vezes se revelam pesadelo, seres ocasionalmente com poderes divinos mas sempre demasiado humanos, humor desconcertante, realidade nua e crua insuflada por um estilo de transcendência barroca.

Tudo isto se pode encontrar em “A Arte da Ressurreição” o seu mais

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Liv

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Ficção

Um vento murmura nas roseirasComo o génio transforma uma história simples numa narrativa de grande intensidade psicológica e dramática. Um clássico da literatura europeia. José Riço Direitinho

VictoriaKnut Hamsun(Trad. Carlos Aboim de Brito)Cavalo de Ferro

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Com 15 anos, Knut Hamsun (1859-1952) – Prémio Nobel da Literatura em 1920 – empregou-se num armazém de secagem de

arenques numa vila

do norte

Na televisão

Salman Rushdie está a escrever uma série de televisão para o canal americano por cabo Showtime. “Next People”, anunciou a estação, dissecará “a velocidade radical da transformação

da vida americana contemporânea - da política à raça, passando pela tecnologia, a ciência e a sexualidade”. Há já algum tempo que o autor procurava um contrato com a televisão,

e o presidente da divisão de entretenimento do Showtime, David Nevins, convenceu-o de que este era o canal certo, com os seus 16 milhões de assinantes americanos.

O “realismo estético”

de Letelier só pôde

desabrochar porque o

escritor cresceu entre

os loucos, as prostitutas

e os falsos Cristos que

povoam a paisagem

chilena

1920 – empregou-se num armazém de secagem de

arenques numa vila

do norte

Não foi sem razão que escritores como Thomas Mann ou Isaac Bashevis Singer consideraram Knut Hamsun o fundador da literatura moderna

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recente romance, Prémio Alfaguara 2010. “Domingo Zárate Veja, conhecido por todos como o Cristo e Elqui, não tinha consciência da enorme comoção que a sua figura bíblica despertava no ânimo das multidões que o seguiam e veneravam nas aldeias e cidades do país, sobretudo junto dos deserdados da Terra, sempre os mais reverentes perante qualquer personificação que transmitisse um pingo de religiosidade ou misticismo” (p. 54). Este eremita peregrino que acredita reencarnar Jesus Cristo (desde que, no Vale de Elqui, teve uma visão logo a seguir à morte da mãe) procura uma discípula disposta a comer na sua companhia o pó das estradas. Em La Piojo, quando finalmente se encontra face a face com a mulher que as lendas da região cantavam, a prostituta Magalena Mercado, comerciante honrada capaz de perder a cabeça e trabalhar grátis solidária com os mineiros em greve, o problema parece ter sido resolvido. Desjejuam e falam de amor às oito da manhã, que segundo Magalena é a hora de as pessoas decentes se levantarem: “Nem muito cedo para uma rameira nem muito tarde para uma beata.” Começa uma dialéctica de fluidos e de pérolas. Magalena aprende com o Cristo de Elqui que “quando nós os crentes falamos com Deus estamos a rezar, mas quando Deus nos fala, então somos uns loucos esquizofrénicos.” Aprende também a alargar os horizontes dentro de um país “comprido e delgado em forma de figo”. Começam as viagens e os sobressaltos, as virgens de pau que se embrulham à pressa e a que se tapam os olhos para que não vejam os pecados do mundo, o cruzamento cinematográfico com as personagens dos pequenos poderes, com o maluquinho oficial de La Piojo que aqui se chama Anónimo, o louco da Vassoura: Com a sua cabeça rapada como um moicano, as suas orelhas triangulares e o nariz adunco dos grandes esquizofrénicos da história, mais o seu anacrónico e untuoso colete elegante que não tirava por nada nem ninguém”.

Percebe-se que este realismo estético só pôde desabrochar porque o autor cresceu por aqui e guardou disso memória viva: dos loucos, das prostitutas, dos falsos Cristos que povoaram esta paisagem chilena em carne e em alma enquanto Letelier se tornava homem.

Com “A Arte da Ressureição”, todo este faroeste chileno dos anos 40 do século passado se agiganta em cenas épicas de conjunto descritas realisticamente ou em personagens pícaras mais solitárias encaixadas entre a fé e a sobrevivência. Alucinadamente escaldados: “Toda a abóbada celeste era uma solidão azul, sem a mais remota possibilidade de uma nuvenzinha

perdida, extraviada do seu rebanho branco. Era domingo na pampa e o dia, ainda cru, ameaçava arder por todos os lados.”

Tudo o que se escreve com areia, no meio da areia, desaparece.

Ensaio

Nus como um ovo sem cascaPrimo Levi, uma das mais militantes testemunhas da experiência do Holocausto, num livro-entrevista. Maria da Conceição Caleiro

O Dever de MemóriaPrimo Levi(Trad. Esther Mucznik)Cotovia

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“Sinto que é necessário recordar sempre os grandes crimes contra a humanidade”. Essa necessidade tornou-se convicção de André Jorge,

editor da Cotovia, que agora lança a colecção Judaica, de que “O Dever de Memória”, de Primo Levi (1919-1987), é a pedra de toque. Nome e título paradigmáticos, porque Levi (de que já foram publicadas entre nós obras até mais significativas, como “Se Isto é um Homem” ou “A Trégua”) é a testemunha por excelência. Quando regressa de Auschwitz, conta incansavelmente a todos o que sofreu, para que não volte a acontecer

Levi nasce no seio de uma família judia do Piemonte, assimililada, laica, se bem que lhe tenha sido transmitida alguma cultura judaica (fez o seu “bar mitzvah”, estudou um pouco de hebraico). Frequenta círculos de estudantes antifascistas, judeus e não judeus. Conclui em 1941 a licenciatura em Química, constando do seu diploma a menção “de raça judaica”. Em 1942, integra o Partido de Acção Clandestina. Será preso com outros camaradas em 1943, e acabará levado para Auschwitz:

Auschwitz III, Monowitz (laboratório da IG Farben). O seu conhecimento do alemão (suficiente para entender ordens), o facto de ser engenheiro químico e ainda o acaso e a sorte poupam-no. Durante quase um ano, ele, corpo franzino, nunca adoece; quase no fim, quando os russos se aproximavam, em Janeiro de 45, e os alemães destruíam resquícios, contrai escarlatina, não tendo por isso acompanhado “o que restava” na Marcha da Morte.

“O Dever de Memória” resulta de uma entrevista que Primo Levi concedeu a Anna Bravo e Federico Cereja em 1983. Ele é uma das 220 vozes de deportados do Piemonte. Sendo já uma figura pública, Levi fala como uma voz que se dilui entre outras: “Para muitos de nós, ser entrevistado era uma coisa única e memorável, o acontecimento, porque desde o dia da libertação deu um sentido à nossa própria libertação”. Fala com muita clareza e simplicidade como se fosse “ninguém”, apagando-se: mais do que uma vez diz “nós”. Testemunha a realidade daquilo que viveu e viu. E, como se sabe, a verdade do que aconteceu e o sentido do acontecimento não coincidem (Hannah Arendt). Anota o intestemunhável, isto é, a morte por dentro, a morte em si, ou a morte sem morte, o silêncio do corpo anónimo caído, o muçulmano que ninguém quer ver. Levi tem consciência da especifidade do Holocausto. Não por serem mais ou menos os mortos do que nos “gulags” soviéticos, mas por terem sido fabricados cadaveres em série num processo industrial que a indústria alemã sustentava, e reciclava, uma linha de produção perfeita, a escola nazi.

O autor serve-se da memória como havia acontecido na escrita de “Se Isto é um Homem”. Desculpa-se pela eventualidade de se estar a repetir, de repisar o que vem nos seus livros que, reconhece, décadas passadas, lhe servem de memória artificial. Dar testemunho, para uma geração formada “malgré tout” na senda das Luzes, como a de Levi, foi um sinal de força de vida de um

sobrevivente que não cessará talvez de se sentir culpado (terá sido essa a razão do seu suicídio em 1987) e responsável por

transmitir a memória. Fazia-o nas escolas,

mantinha alerta o dever. É pungente imaginá-lo a

dizer: “Já não tenho muita vontade de ir às escolas. Estou cansado de ouvir as mesmas perguntas. Tenho a impressão de que a minha linguagem se tornou insuficiente, de que

se bem que lhe tenha sido mitida alguma cultura judaica seu “bar mitzvah”, estudou ouco de hebraico). Frequenta los de estudantesascistas, judeus e não judeus. lui em 1941 a licenciatura em

mica, constando do seu ma a menção “de raçaca”. Em 1942, ra o Partido de o destina.preso com

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Em “O Dever de Memória”, Primo Levi anula-se como testemunha por excelência do Holocausto para ser apenas uma entre as muitas vítimas da máquina de morte nazi

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falo uma lingua diferente. E depois, devo confessar que fiquei profundamente marcado por uma das últimas experiências. Duas crianças lançaram-me num tom sem réplica:’Porque vem mais uma vez contar-nos a sua história, 40 anos depois, depois do Vietname, depois dos campos de Estaline…? Fiquei encurralado na minha condição de sobrevivente a todo o custo, e respondi que falava do que tinha visto”.

Com os dois interlocutores, o escritor cruza, ou deixa que se cruzem na sua voz serena, que não ajuíza, assuntos nucleares seus e que os entrevistadores suscitam. Alguns temas desdobram-se noutros; às vezes inquieta-se, às vezes, como “bom judeu”, responde a uma pergunta com outra pergunta. Um dos traços aflorados é o indispensável “savoir-vivre” num campo, o não falar da morte, o não falar das câmaras de gás nem dos crematórios (Levi nunca foi a Birkenau). O pensamento da morte era recalcado, como na vida normal.

lavá-los, retirar-lhes algum dente de ouro e os cabelos, depois colocá-los no crematório e limpar as cinzas. Este, Nyiszli, diz ter assistido durante uma “pausa” do seu trabalho a um jogo de futebol entre SS e membros do Sonderkommando. Quem assiste - SS e membros judeus da equipa especial dos Sonderkommando - toma partido, aplaude, fazem-se apostas, encorajam-se os jogadores, como se ele se desenrolasse num campo da aldeia, em vez de ser às portas do inferno. É possível que alguns tenham visto neste jogo um breve momento de humanidade no meio de um infinito horror. “Aos meus olhos, como aos das testemunhas desta partida, esse intervalo de normalidade é, ao invés, o verdadeiro horror dos campos”. A marca indestrutível da “zona cinzenta”.

AlhuresDo particular para o universal, encontros e desencontros de um “déraciné”. Eduardo Pitta

Um encontroMilan Kundera(Trad. Isabel St. Aubyn)Dom Quixote

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Gosto de escritores que dialogam com outras artes e, em particular, dos que se medem com os seus pares. Um dos meus “atritos” com Torga releva

do facto de só se medir com Camões. Milan Kundera (n. 1929) publicou em 2009 uma recolha de ensaios a que chamou “Une Rencontre”. O livro foi agora traduzido, chegando às livrarias acompanhado da reedição do último romance que publicou: “A Ignorância” (2000).

Exilado em França desde 1975, cidadão francês desde 1980, Kundera tornou-se mundialmente conhecido com “A Insustentável Leveza do Ser” (1984). Em Portugal estão traduzidos todos os seus romances, uma peça de teatro e dois volumes de ensaio. Na poesia deste expatriado ainda ninguém pegou. É pena. Os poemas que publicou entre 1953 e 1957 foram, naqueles anos de chumbo, a resposta possível ao realismo socialista.

“Um Encontro” junta reflexões sobre Bacon, Dostoiévski, Schönberg, Roth e outros. À medida que avanço na sua leitura, penso nos

ensaios sobre Machado de Assis, Danilo Kis e outros que Susan Sontag juntou em “Where the Stress Falls” (2001). Em ambos, a judia de Manhattan e o checo que deveio francês, o “gesto brutal” da admiração.

É desse modo que Kundera define a pintura de Bacon: “Há em cada um de nós o gesto brutal, o movimento da mão que ultraja o rosto do outro...”. O que parece uma frase de efeito releva da deriva totalitária. Após o malogro da Primavera de Praga (1968), os intelectuais reformistas voltaram a ser perseguidos pela polícia política. Num dia de 1972, Kundera tem “rendez-vous” marcado com uma rapariga que fora interrogada a seu respeito e, de repente, ela aparece à sua frente “dilacerada, como o corpo fendido de uma vitela suspensa de um gancho num talho.” Bacon obriga-o a recuar a esse dia em que quis “possuí-la por inteiro [...], o vestido impecável e as tripas em revolta, a razão e o medo, o orgulho e o infortúnio.”

Os textos mais estimulantes são os que partem do particular para o universal. Como quando, a pretexto de Philip Roth (“o grande historiador do erotismo americano... o poeta da estranha solidão do homem abandonado ao seu corpo”), Kundera chama a atenção para a velocidade da História, quebrando “a continuidade e a identidade de uma vida”. Ao meditar sobre Tchékhov ou Kafka, o escritor, Roth ou outro qualquer, mais do que honrar predecessores, preserva o “tempo passado”.

O de Brno (Morávia), por exemplo. Vera Linhartová, “poetisa de uma prosa meditativa, hermética, inclassificável”, mede cada palavra: “Escolhi, pois, o país onde queria viver mas escolhi igualmente a língua que queria falar. [...] O escritor não é prisioneiro de uma única língua.” Tendo deixado de ser uma escritora checa, nem por isso passou a ser uma escritora francesa. Ficou alhures, “como outrora Chopin [...] como

mais tarde, cada um à sua maneira, Nabokov, Beckett, Stravinski, Gombrowicz [...], cada um vive o exílio à sua maneira inimitável...” Vera Linhartová será um caso limite. Entra aqui porque, melhor do que ninguém, “ilustra” Kundera.

Um dos textos mais divertidos respeita às “listas negras”, norma francesa ainda em vigor (lá como cá) e “grande paixão das vanguardas” há mais de cem anos. Quem as inventou? Os salões: “Em nenhuma parte do mundo desempenham um papel tão importante como em França.” Por oposição a elas, Barthes figura à cabeça de todas as “listas de ouro”. Para perceber o fenómeno, Kundera lê o Anatole France de “Les Dieux Ont Soif” (1912), obra-prima sobre o Terror. A posteridade não lhe perdoa a imagem dos “peraltas estúpidos e fanatizados” que queimam Robespierre (o manequim que o representa) enquanto “enforcam a efígie de Marat”. Paradigma: “- Qual o seu compositor preferido? / - Saint-Saëns, não com certeza!” É só adaptar à realidade portuguesa.

Aimé Césaire, quem se lembra dele? Césaire lutou contra a ocupação colonial francesa, escreveu “Cahier d’un retour au pays natal” (1939), que Breton considerou o maior monumento lírico do século XX, inventou a noção de negritude, fundou a revista “Tropiques” (1941-45), moldou a identidade cultural da Martinica... Kundera dedica-lhe páginas justas. O mesmo se diga das que, a partir do “point de vue” francês, reportam ao desconcerto das relações da Europa com a literatura, a filosofia e a arte em geral: “É com alívio que preferimos Coco Chanel e a inocência dos seus vestidos a esses corifeus culturais [Eliot, Heidegger, Larkin, Brecht, etc.] comprometidos com o mal do século, a sua perversidade, os seus crimes.”

E mais, muito mais. Decididamente, prefiro o Kundera ensaísta ao ficcionista várias vezes laureado.

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Não havia suicídios porque o suicídio é inerente ao Homem, os animais não se suicidam: o “savoir-vivre” dos campos está aquém do que se diz ser a moral, aquém de qualquer solidariedade (só se emprestava a colher, indispensável, a alguém de extrema confiança). Geria-se a sobrevivência, mantinham-se rotinas, como o escovar com as mãos a roupa. “O importante era passar o dia, o que se comia, se estava frio, saber que tarefa, que trabalho teríamos que fazer, chegar à noite, em resumo”. Sobreviver, perceber as redes de corrupção, que as havia, assim como de resistência. Foi esse embotamento que permitiu a salvação, que permitiu ao homem transformar-se no não-homem (talvez por isso o deportado que sobrevive sente vergonha e culpa).

Primo Levi volta a aludir aqui ao que designou como “zona cinzenta”: o testemunho de um “sonderkommando”, um judeu que raramente sobrevive e cuja função é retirar os corpos da câmara de gás,

Milan Kundera, o checo francês, é aqui o ensaísta que escreve sobre Philip Roth e os “salões” franceses, Francis Bacon e Coco Chanel

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Durante quatro horas, oito famílias disfuncionais habitam esse cubo. As palavras não se ouvem, prevalece a força dos gestos e das expressões. Os diálogos fazem-se com o corpo, os olhos, o rosto, as mãos, as louças, os objectos. As histórias existem, mas o improviso é a matéria-prima dos intérpretes. Há também música ao vivo para acompanhar os passos dos actores e sons que lembram o quotidiano das varinhas mágicas, dos choros, dos aspiradores, dos desabafos, das canções de embalar.

Eva Fernandes, João Pedro Correia, Manuel Magalhães e Maria João Mota vestem a pele desses casais que se distanciam na violência. O resto da família pertence à comunidade local. Hoje, dois dias antes da apresentação pública, a PELE trabalhará com oito pessoas de Lisboa, que farão parte da instalação, num laboratório artístico.

Meter a colher? Sim, essa é a questão. Os actores rasgam o plástico do cubo para entrar e sair e o público não entra. Para ver o que acontece, é necessário abrir as frechas desse plástico opaco com uma colher, que é entregue por um polícia – para

lembrar que a violência doméstica também é crime público. Meter ou não a colher fica, assim, à consideração de quem passa. É como espreitar pelo buraco da fechadura.

“O cubo é uma estrutura que simboliza a esfera privada em contraponto com a esfera pública. E quem passa vai optar por espreitar ou não espreitar, por meter ou não a colher”, refere Hugo Cruz, director artístico da PELE. “Nesta instalação, abordamos diferentes tipos de violência, entre marido e mulher, entre filhos e pais, entre jovens e idosos. Há famílias pobres e ricas, para mostrar que a violência é transversal a toda a sociedade. Evita-se a palavra e a violência é muito física”, acrescenta.

“Meto a Colher?!” integra a Tarde Mundial do Teatro que encerra o Ciclo de Teatro do Porto? do São Luiz. Além da PELE, mostrarão o seu trabalho na maratona de domingo, a partir das 15h, as companhias Teatro Meia Volta..., Erva Daninha, Palmilha Dentada, Radar 360º, Teatro de Ferro, Tenda de Saias e Teatro do Frio.

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Meter ou não meter, eis a questãoA PELE leva a violência doméstica ao Ciclo de Teatro do Porto?, que acaba no domingo com uma maratona de apresentações. Sara Dias Oliveira

Meto a Colher?!Pela PELE. Direcção artística de Hugo Cruz. Com Eva Fernandes, João Pedro Correia, Manuel Magalhães, Maria João Mota.Lisboa. Lg. do Picadeiro. Dia 27/03. Dom. das 16h15 às 20h. Entrada gratuita.

Ciclo de Teatro do Porto? Tarde Mundial do Teatro.

As diferentes formas de violência doméstica – a mulher chique que passa o tempo ao telemóvel, ou com os olhos colados às revistas de moda, sem paciência para o marido que lhe pede atenção, ou a mulher de bata e chinelos que definha numa banca de cozinha com as constantes insinuações e reprovações do marido – acontecem dentro de um cubo construído com plástico opaco. Lá dentro, dois espaços distintos são alternadamente ocupados, conforme as histórias que se vão contar: uma casa pobre e uma casa rica separadas por uma mesa dividida ao meio por uma toalha, metade branca bordada, metade florida de plástico. Há também um candeeiro no tecto que faz essa separação entre a família rica – do computador portátil, da sala monocromática, do sofá da moda – e a família pobre – dos móveis baratos, das sacas das compras pousadas no chão, da bacia da roupa suja.

“Meto a Colher?!” é uma instalação que resulta do cruzamento de diversas experiências que os elementos da PELE_Espaco de Contacto Social e Cultural, do Porto, tiveram ao longo dos últimos cinco anos em vários projectos - ora com vítimas, ora com agressores. Essas vivências não podiam ficar entre as quatro paredes da Fábrica da Rua da Alegria. E assim nasceu uma performance que retrata vários episódios de violência doméstica – há também a neta que não consegue aturar o avô e a mãe que bate nos filhos - e que se apresenta este domingo, Dia Mundial do Teatro, no Teatro São Luiz, em Lisboa, das 16h15 às 20h, sem interrupções. O cubo estará montado no Largo do Picadeiro. A 2 de Junho, a performance mostra-se também no FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, no Porto.

Teatro

EstreiamSusana PombaDe André e. Teodósio. Pelo Teatro Praga. Lisboa. Centro Cultural de Belém - Sala de Ensaio. Pç. Império. De 29/03 a 03/04. 3ª a Sáb. às 21h. Dom. às 16h. Tel.: 213612400. 10€.

Ver texto na pág. 12.

Seis Peças Biográfi casDirecção de Rui Catalão. Lisboa. Teatro Turim. Estrada de Benfica, 723 A. De 25/03 a 29/03. 2ª, 3ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 217606666. 6€.

O Álbum de FamíliaDe Rui Herbon. Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç. Espanha. De 31/03 a 29/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€.

Um Homem FalidoDe David Lescot. Pelos Artistas Unidos. Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar, 91. De 29/03 a 09/04. 3ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 213111400. 5€ a 10€.

ContinuamAnúncio de Morte: Álbum de FamíliaDe Heiner Müller. Encenação de Mónica Calle. Com Tiago Vieira. Lisboa. Casa Conveniente. R. Nova do Carvalho, 11. Até 03/04. 2ª a Dom. das 20h às 0h. Tel.: 964407007. 7€.

Ver texto na pág. 6 e segs.

Frida FridaDe Mónica Garcez. Pela Karnart. Lisboa. Galeria Monumental. Cp. Mártires da Pátria, 101. Até 03/04. 3ª a Dom. às 22h. Tel.: 213533848. 8€ a 15€.

Long Distance Hotel RevisitedDe Gilles Polet, Goran Sergej Pristas, Tónan Quito, entre outros. Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. Até 27/03. 5ª a Dom. às 21h30. Tel.: 218438801. 6€ a 12€.

BrilharetesDe Antonio Tarantino. Encenação de Jorge Silva Melo. Cartaxo. Centro Cultural. R. 5 de Outubro. De 25/03 a 26/03. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 243701600. 4€.

HolidayDe Raimondo Cortese. Pelo Ranters Theatre. Porto. Estúdio Zero. R. Heroísmo, 86. Até 27/03. 5ª a Dom. às 21h30. Tel.: 225373265. 8€.

Dança

EstreiamCédric AndrieuxDe Cédric Andrieux, Jérôme Bel. Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. Dia 26/03. Sáb. às 21h30. Tel.: 232480110. 7,5€ a 15€.Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 30/03 a 31/03. 4ª e 5ª às 21h30. Tel.: 218438801. 15€.

Ver texto na pág. 10 e segs.

ContinuamBabelDe Sidi Larbi Cherkaoui, Damien Jalet. Lisboa. Centro Cultural de Belém - Grande Auditório. Pç. Império. De 25/03 a 26/03. 6ª e Sáb. às 21h. Tel.: 213612400. 5€ a 20€.

Agenda

urante quatro horas, oitoias disfuncionais habitam esse lembrar que a

“Meto a Colher?!” obriga o espectador a tomar uma posição acerca das histórias encenadas dentro de um cubo de plástico opaco

Dia Mundial

do Teatro

Domingo é Dia Mundial do Teatro e por todo o país, de Bragança

a Loulé, há espectáculos de graça (ou quase)

para assinalar a data. Em Lisboa, a Companhia do Chapitô oferece ao público a entrada em “Cemitério dos Prazeres”, a nova encenação de John Mowatt, com Jorge Cruz e Tiago Viegas. O espectáculo é às 22h, nas instalações do Chapitô (à Rua da Costa do Castelo).

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outra: prevalece nas obras destes artistas uma tendência mais documental/antropológica em detrimento de uma outra, mais expandida ou multidisciplinar. Dito de outro modo, o BESphoto 2011 está mais “Aperture” do que “Frieze”.

África é o tema nas fotografias de Mário Macilau (Moçambique, 1984) e Kiluanji Kia Henda (Angola, 1979). O primeiro apresenta-se com “Maziones” (2010), que regista os rituais dos zionistas, um grupo religioso moçambicano, e “Wood Work” (2010), sobre a vida numa favela construída sobre água nos arredores de Lagos, na Nigéria. São duas séries distantes (pela cor, pelas realidades fotografadas), mas que desvelam o envolvimento (físico e emocional) do fotógrafo com o seu objecto, coisa rara, portanto preciosa.

Kiluanji Kia Henda percorre outros trilhos com “Há dias que deixo o coração em casa...”. A sua fotografia exuberante, “preparada”, compõe uma viagem aos pesadelos e traumas de Angola ou às paisagens inusitadas do nosso mundo global (da África do Sul a Sines). Alguns trabalhos foram apresentados anteriormente, outros são inéditos e neles subsiste, num primeiro momento, um mistério, logo derrotado pelo humor violento e caído dos títulos (“Big Bang” é a marca de um obus numa parede, “Natureza Quase Morta” é uma paisagem desertificada pela exploração de diamantes na região de Lunda Sul) ou por certos pormenores (um letreiro, um homem a dormir na estrada). Cor e angústia.

Nas fotografias de Carlos Lobo (Guimarães, 1974) também há cor, e

marcas da guerra, mas a angústia está fora de campo. Em vez de seguirmos a reconstrução dolorosa de uma biografia possível (de um artista ou de um lugar), atravessamos, como passageiros de um “road movie”, uma cidade, Beirute, no Líbano. Não vemos imagens de uma devastação, antes o que lhe sobreviveu. Edifícios, ruas, árvores, pinturas murais resgatadas pela fotografia e introduzidas na vida do espectador: atente-se na natureza tridimensional de algumas imagens ou na resistência poética que nelas o quotidiano insinua.

Manuela Marques (Tondela, 1959) e Mauro Restiffe (Brasil, 1970) são provavelmente os artistas com as propostas mais fortes. A portuguesa monta uma coreografia do visível e do invisível a partir de um parque da cidade brasileira de São Paulo dominado pelo tráfico e pelo consumo de crack. O que olhamos – uma sucessão de planos picados, “close-ups” e quase sequências – nunca nos devolve, todavia, uma verdade, uma “realidade”. Há corpos que se tocam como se prestes a iniciar uma dança (na maravilhosa “Contact I”), objectos inusitados (sacos pendurados numa árvore, uma tábua de madeira suspensa sobre ramos) paisagens de uma aparente placidez que apenas se altera quando movemos o corpo para voltar a ver.

As fotografias a preto e branco de Mauro Restiffe operam um deslocamento temporal e, tal como as de Manuela Marques, “apropriam-se” de referências pictóricas (a pintura histórica ou de paisagem) e, sobretudo, cinematográficas. Realizadas em Acapulco, no México, cobertas de luz e de escuridão, a série “La Noche” (um campo/contra-campo) e a fabulosa “Cliff Divers” podiam ser “stills” de “A Dama de Xangai”, de Orson Welles. Eis uma possibilidade que encanta e confunde, ampliada pela dimensão histórica e artesanal da fotografia a preto e branco e pela ideia de história como paisagem, aspectos que reencontramos na série “Tlatelolco”, “travelling” dedicado à Plaza Tlatelolco da Cidade do México. É uma fotografia de uma resistência melancólica.

O observatório idealReflexões sobre a paisagem no Pavilhão Branco do Museu da Cidade. Luísa Soares de Oliveira

Aqui e AlémDe Michael Biberstein, Rui Sanches.

Lisboa. Pavilhão Branco do Museu da Cidade. Cp. Grande, 245. Tel.: 217513200. Até 10/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

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Michael Biberstein e Rui Sanches

necessitam de poucas apresentações. Ambos são artistas que souberam criar um percurso e uma obra importante desde a década de 80. Ambos, também, sabem que o trabalho que fazem possui um ritmo próprio, não se compadecendo com a ânsia de expor e de ocupar os primeiros lugares na plateia das artes. Assim, uma exposição de qualquer um deles ou, melhor ainda, uma exposição que resulta de um projecto em comum, como é agora o caso, é decerto razão suficiente para despertar o interesse e as visitas.

“Aqui e Além” parte, de facto, da própria iniciativa de Michael Biberstein e de Rui Sanches. O lugar, o Pavilhão Branco do Museu da Cidade, um edifício modernista de grandes paredes envidraçadas sobre o jardim, adapta-se particularmente bem à obra de cada um. Biberstein, pintor, tem sistematicamente abordado o conceito de paisagem, trabalhando os limites do espaço da tela (quase sempre de dimensões consideráveis) e a questão da profundidade de campo pelo recurso a subtis evocações de nuvens e atmosferas aéreas. Quanto a Rui Sanches, escultor, convoca os géneros académicos da arte – natureza-morta, pintura de história, retrato – através da acumulação de peças de madeira e outros materiais, operando uma espécie de decapagem das aparências para chegar ao âmago dos conceitos. Por isso, à partida, ambas as obras possuem esse denominador comum necessário para construir diálogos, arquitectar respostas, e por fim motivar o visitante para uma reflexão sobre a pertinência actual das disciplinas e dos géneros artísticos.

Assim, toda a exposição se articula nesta espécie de conversa silenciosa entre escultura e pintura, paisagem e retrato ou natureza-morta, sofisticação cromática e rudeza dos tons da madeira ou do metal. Se as pinturas de Biberstein quase

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Exp

osUma exposição de fotografi aO prémio BESphoto alargou a sua geografia ao mundo lusófono e o resultado é sedutor. José Marmeleira

BES Photo 2010De Carlos Lobo, Kiluanji Kia Henda, Manuela Marques, Mário Macilau, Mauro Restiffe.

Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. Império. Tel.: 213612878. Até 13/06. 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Dom. das 10h às 19h. Sáb. das 10h às 22h.

Fotografia.

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Quem entrar na exposição do BESPhoto 2011, no Museu Berardo, será tentado a dizer que o Prémio tem mais “fotografia”, mais fotógrafos. Que os artistas seleccionados fazem da fotografia a sua prática central ou mesmo exclusiva. Que os trabalhos expostos (embora propondo coisas distintas) apresentam objectos ou interesses similares, como a paisagem, o real, os espaços públicos, “o exterior”.

São observações legítimas. Nas obras de Carlos Lobo, Manuela Marques, Kiluanji Kia Henda, Mário Macilau e Mauro Restiffe (os seleccionados), a fotografia não é um meio entre outros. É o meio. E a tal constatação podemos acrescentar

Manuela Marques monta uma coreografi a do visível e do invisível a partir de um parque de São Paulo dominado pelo tráfi co e pelo consumo de crack

Lá fora

De 1 de Junho a 5 de Setembro, Leonor Antunes (Lisboa, 1972) intervirá

em alguns espaços do Centro de Arte Reina Sofi a, em

Madrid, no quadro do programa Fisuras. As suas esculturas, lê-se já no “site” do museu, revelam-se “enquanto obras, mas também como ferramentas para interpretar a natureza contingente do real”.

Michael Biberstein, pintor, e Rui Sanches, escultor, dialogam entre si, e com a paisagem, em “Aqui e Além”

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MaMaddrid, no quadro do program

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sistematicamente provêm de séries já com alguns anos, as esculturas de Sanches são todas recentes, demonstrando uma maior complexidade formal no seu processo de trabalho habitual. Os contraplacados, que o artista pontualmente sobrepõe em estratigrafias tridimensionais, isolam-se nestas peças em caixas que multiplicam os lugares possíveis de exposição no interior do pavilhão.

Há, no primeiro andar, uma peça que foi feita em conjunto pelos dois artistas. Trata-se de “Aqui e Além” (o nome é o mesmo da exposição), uma instalação composta por um pequeno observatório em madeira, rodeado de troncos de árvore, onde se abre uma janela sobre uma pintura de Biberstein. A parte escultórica desta peça não possui a complexidade do trabalho de Sanches, o que leva a crer numa colaboração efectiva entre ambos os artistas. Contudo, a sua disposição, mesmo em frente a uma das grandes vidraças do edifício – e, consequentemente, do jardim oitocentista do palácio que é hoje o Museu da Cidade -, ignora por completo essa paisagem bem real que interfere com autoridade na montagem de todas as exposições que aqui se realizam. Como está, “Aqui e Além” abstrai da reconstrução minuciosa e cuidada da natureza que todo o jardim, no fundo, é, para se concentrar nas possibilidades de conjugação entre uma pintura e uma escultura que trabalham sobre a história da arte.

Ou seja, dito de outro modo, esta exposição exemplifica dois modos distintos de observar a arte, embora seja feita num lugar que é, ele próprio, um observatório da paisagem. Não necessitava do Pavilhão Branco para se concretizar. A menos que esse feixe de ligações ausentes entre o lugar e as obras fique a cargo do espectador, uma presença actuante em qualquer instalação contemporânea.

InauguramSobreimpressões. Maria Gabriela Llansol: Uma visão da EuropaLisboa. CCB - Galeria Mário Cesariny. Pç. Império. Tel.: 213612400. Até 17/04. 2ª a 6ª das 14h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h. Inaugura 27/03 às 15h.

Pintura, Escultura, Fotografia, Outros.Ver texto na pág. 20 e segs.

Escrever Paisagem: Manuel Baptista - Desenhos 1960-1970Lisboa. Fundação Carmona e Costa. R. Soeiro Pereira Gomes L1 - 6º A/C/D. Tel.: 217803003. De 26/03 a 28/05. 4ª a Sáb. das 15h às 20h. Inaugura 26/3 às 17h.

Desenho. Ver texto na pág. 31 e segs.

O Passado e o Presente - Outro Olhar Sobre a Colecção do Museu do Neo-RealismoDe Pedro Amaral, José Maçãs de Carvalho, Carla Filipe, entre outros. Vila Franca de Xira. Museu do Neo-Realismo. R. Alves Redol, 45. Tel.: 263285626. De 26/03 a 22/05. 3ª a 6ª das 10h às 19h. Sáb. das 12h às 19h. Dom. das 11h às 18h. Inaugura 26/3 às 16h.

Pintura, Desenho, Escultura.

K.De André Sier. Lisboa. Appleton Square. R. Acácio Paiva, 27 - r/c. Tel.: 210993660. De 31/03 a 06/04. 3ª a Sáb. das 15h às 20h. Inaugura 31/3 às 22h.

Instalação.

ContinuamLivre Circulação - Obras da Colecção da Fundação de SerralvesDe Bruce Nauman, Gerhard Richter, Helena Almeida, entre outros. Algés. Centro de Arte Manuel de Brito. Al. Hermano Patrone. Tel.: 214111400. De 19/03 a 30/06. 3ª a Dom. das 11h30 às 18h.

Pintura, Escultura, Desenho, Vídeo.

FamíliaDe Vasco Araújo. Lisboa. Ermida de Nossa Senhora da Conceição. Tv. Marta Pinto, 12. Tel.: 213637700. De 19/03 a 15/05. 3ª a 6ª das 11h às 17h. Sáb. e Dom. das 14h às 18h.

Desenho.

1+1+1=3De Hermann Pitz, Michael Snow, Bernard Voïta. Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego. Tel.: 217905155. Até 08/05. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.

Fotografia, Vídeo.

Gedi SibonyLisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD. Tel.: 217905155. Até 08/05. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.

Instalação.

Observadores - Revelações, Trânsitos e DistânciasDe Vito Acconci, Augusto Alves da Silva, João Onofre, entre outros. Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. Império. Tel.: 213612878. Até 29/05. Sáb. das 10h às 22h. 2ª a 6ª, Dom. e Feriados das 10h às 19h.

Pintura, Escultura, Instalação, Vídeo.

O Modo Como Não FoiPorto. Culturgest. Av. dos Aliados, 104 - Ed. da CGD. Tel.: 222098116. Até 16/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às 19h. Sáb., Dom. e Feriados das 14h às 20h.

Documental, Outros.

My Choice - Obras Seleccionadas por Paula Rego na Colecção do British CouncilDe David Hockney, Madame

Yevonde, Lucian Freud, entre outros. Cascais. Casa das Histórias - Paula Rego. Av. da República, 300. Tel.: 214826970. Até 12/06. 2ª a Dom. das 10h às 18h.

Pintura, Fotografia, Outros.

Lecture/Audience/CameraDe Wendelien van Oldenborgh. Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. Até 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.

Vídeo, Instalação.

Os Jardins de LisboaDe Gabriela Machado. Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. Até 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.

Pintura.

The Best of All Possible WorldDe Bettina Lockemann, Claudia Fischer, entre outros. Lisboa. Carpe Diem Arte e Pesquisa. R. de O Século, 79. Até 21/05. 4ª a Sáb. das 14h às 20h.

Fotografia, Vídeo.

Paisagens VIDe Maria Caldas Ribeiro. Porto. Serpente - Galeria de Arte Contemporânea. Rua Miguel Bombarda, 558. Tel.: 226099440. Até 16/04. 3ª a Sáb. das 15h às 19h.

Pintura.

Mundo Aardman Vila do Conde. Solar - Galeria de Arte Cinemática. Tel.: 252646516. Até 05/06. 3ª a 6ª das 10h às 18h.

Desenho, Objectos, Outros.

DetritosDe Alexandre Farto. Porto. Galeria Presença. R. Miguel Bombarda, 570. Tel.: 226060188. Até 23/04. 2ª a 6ª das 10h às 19h30. Sáb. das 15h às 19h30.

Instalação, Outros.

Porto InteriorDe Inês d’Orey. Porto. Centro Português de Fotografia Cp. Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. Até 15/05. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Feriados das 15h às 19h.

Fotografia.

Porto ÍntimoDe Aurélio Paz dos Reis. Porto. Centro Português de Fotografia. Cp. Mártires da Pátria. Tel.: 222076310. Até 15/05. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª das 10h às 18h. Sáb., Dom. e Fer. das 15h às 19h.

Fotografia.

Operações EspeciaisDe Jorge Molder. Castelo Branco. Antigo Edifício dos CTT. Lg. da Sé. Até 15/05. 2ª a 6ª das 14h às 19h. Sáb. e Dom. das 10h às 19h.

Fotografia.

QuatroDe Sofia Areal, Manuel Casimiro, Jorge Martins, Nikias Skapinakis. Aveiro. Museu. Av. Santa Joana. Tel.: 234423297. Até 30/04. 3ª a Dom. das 10h às 17h30.

Pintura.

MakulaturDe Paulo Nozolino. Lisboa. Galeria Quadrado Azul. Lg. Stephens, 4. Tel.: 213476280. Até 21/04. 3ª a Sáb. das 13h às 20h.

Fotografia.

Muros de AbrigoDe Ana Vieira. Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474. Até 03/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h.

Instalação, Outros.

Diários Gráfi cos Em Almada: Não Somos Desenhadores PerfeitosDe Clara Marta, Eduardo Salavisa, Francisco Vidal, entre outros. Cova da Piedade. Museu da Cidade de Almada. Pç. João Raimundo. Tel.: 212734030. Até 16/04. 3ª a Sáb. das 10h às 18h.

Desenho.

Agenda

Pedro Amaral no Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira

“K”, de André Sier, na Appleton Square

“Não Somos Desenhadores Perfeitos”: diários gráfi cos no Museu da Cidade de Almada

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 [email protected]; TEL: 213 257 640

www.teatrosaoluiz.ptBILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSAOLUIZ.PT, WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTESBILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650 / [email protected]

SÃOLUIZABR~11

14 A 17 ABRQUINTA A SÁBADO ÀS 21H00 DOMINGO ÀS 17H30SALA PRINCIPAL M/6

CO-PRODUÇÃO

APOIO À DIVULGAÇÃO

estrutura apoiada por

TEXTOJOÃO MONGEMÚSICAALFREDO MARCENEIROMÚSICA INCIDENTAL, ARRANJOS E DIRECÇÃO MUSICALJOSÉ PEIXOTOENCENAÇÃOMARIA JOÃO LUÍSINTERPRETAÇÃO MANUELA AZEVEDOMARIA JOÃO LUÍS

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1638) e um excerto da ópera “L’Incoronazione di Poppea” foram objectos de arranjos para trio de violoncelos realizados pela própria Sonia Wieder-Atherton e por Franck Krawczyk e são intercalados com andamentos da trilogia “As Três Idades do Homem”, de Scelsi (“Triphon”, “Dithome” e “Ygghur”). A violoncelista constrói uma dramaturgia à qual une a história de duas personagens de tempos diferentes (a Angioletta dos madrigais de Monteverdi e a Angel do imaginário de Scelsi). A combinação é pouco convencional, mas é sustentada pela profundidade emocional e pela ousadia da linguagem.

Mais do que possíveis traços comuns na sensibilidade estética dos dois compositores, é a abordagem interpretativa que dá coerência a este diálogo de tempos diferentes. Logo no início, com a famosa “Lettera amorosa”, de Monteverdi, Wieder-Atherton faz o violoncello cantar e falar em múltiplas inflexões, discretamente acompanhado por Sarah Iancu e Matthieu Lejeune, enquanto nos madrigais o trio estabelece um vivo diálogo. Sempre presente encontra-se a tentativa de esculpir o som numa abordagem que é mais intemporal do que a procura das raízes estilísticas de Monteverdi. É porém nos fragmentos de Scelsi que Sonia Wieder-Atherton é mais convincente, mostrando uma técnica apurada e a forte afinidade com a música do século XX que faz dela a destinatária de tantas obras contemporâneas. A variedade de técnicas e efeitos usados por Scelsi — diversos tipos de “vibrato”, grandes saltos melódicos, distorção do som com a ajuda de uma surdina de metal, “scordatura”, polifonias com espectros harmónicos fora do vulgar, etc. — é integrada num discurso fluído e contínuo, que por vezes atinge a imaterialidade, mergulhando o ouvinte num universo misterioso.

Pop

O sereno alvoroço dos AquaparqueUma peça pop na melhor tradição progressista do género. Mário Lopes

AquaparquePintura ModernaAquaboogie; distri. Mbari

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Não percamos tempo a chamar novo ao que novo é. Os Aquaparque, os que gravaram “De dentro de uma

baleia” em “É isso aí”, o álbum de estreia, os que confundiram e entusiasmaram em medidas iguais,

chamam ao novo disco “Pintura Moderna”. Porém, não devemos esperar deles o enunciar de um programa estético a cumprir para, desculpem-nos o termo técnico, “partir esta merda toda”.

Esta música de sintetizadores e vozes em alvoroço (principalmente a de Pedro Magina, que se expõe sem receio), esta amálgama de memórias sonoras que nos assalta de forma difusa, qual caleidoscópio de referências que nunca descodificaremos devidamente (e por isso apreciamos a vista e seguimos em frente: consegui-lo é grande parte do segredo dos Aquaparque), não necessita de legenda aposta às canções para ser legitimada e fruída. Estas nove canções, mais essa delícia anacrónica chamada faixa escondida, é uma peça pop na melhor tradição progressista do género.

O ambiente criado pelos sintetizadores aponta aos anos 80 de sofisticação, por exemplo, Roxy Music – mas não é nada disso. A guitarra de André Abel ora tem a ternura da nostalgia revisitada do “Sonho azul” de Né Ladeiras, ora se refugia em melancolia bucólica – mas também não é nada disso. Os loops corroem a placidez pop e rasgam o fato muito elegante, de design impecável, de cada uma das canções, atirando senhores muito bem descansados ao pôr-do-sol de um dia de Verão para caves onde ressoa pelas paredes a electrónica mais

exploratória do nosso século – e, não, ainda não é isto. Os Aquaparque que nos diziam “É isso aí!” não são exactamente nada daquilo.

Sanguíneos e sedutores, introspectivos ou exuberantes, Variações ou Brian Ferry ou Ariel Pink ou Panda Bear, surpreendem por serem pau na engrenagem da genealogia pop, obrigando-nos a rever as certezas, e surpreendem pela lírica, tão evocativa quanto fora da norma – prova 1: “por sermos tão inibidos, trengos coloridos / passamos sem ninguém nos ver a ficar parados”, em “Ultra suave”; prova 2: “o teu corpo tem-te feito bem? Tens cumprido com o teu corpo? Tens seduzido alguém com o teu corpo?”, em “Castigo o teu nudismo”.

Tudo somado? A languidez da harmónica em “Espelhado no céu”, dez minutos de canção pop que é porta de entrada perfeita em “Pintura Moderna”. A classe do single “Para além do bronze”, daquelas músicas que tanto poderíamos apresentar à mãe como ao amigo criador de Brooklyn. A carga visceral de “Esperar que sim”, crescendo em fúria até desaparecer abruptamente (que faremos com aquele zumbido que nos fica?), e o tropicalismo digital de “Emblema”, que celebra calor e luxúria e que avança até se transformar em tecno mutante enfurecido - o conforto é muito bonito mas os Aquaparque não nos querem demasiado confortáveis. E ainda bem. Ainda bem que existe esta “Pintura Moderna”. Pop nova que não está interessada em afirmá-lo. De facto, a existência destas canções é mais do que suficiente enquanto proclamação dessa evidência.

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Dis

cos

Clássica

Viagem intemporal A violoncelista Sonia Wieder-Atherton constrói uma dramaturgia sonora que convoca contrastes e afinidades entre o século XVI e o século XX. Cristina Fernandes

VitaMonteverdi / ScelsiSonia Wieder-AthertonNaïve

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No seu último disco, a violoncelista francesa Sonia Wieder-Atherton, que se apresenta

amanhã na Culturgest, combina com audácia a música de dois compositores separados por quatro séculos: Claudio Monteverdi (1567-1643), a figura que inaugura com enorme pujanaça criativa a era do barroco musical ao mesmo tempo que sintetiza a tradição herdada, e

Giacinto Scelsi (1905-1988), uma personalidade isolada na música do século XX, com um percurso independente das correntes mais em voga, apaixonado pelas culturas orientais e pelas exploração das qualidades intrínsecas do som.

Madrigais do VIII

Livro de Monteverdi (“Madrigali

guerrieri ed amorosi”,

barroco musical ao mesmo tempo quque sintetiza a tradição herdada, e

GiG acinto Scelsi (1905-1988), uma pepersonalidade isolada na músicadodo século XX, com um percurso inindependente das correntesmmais em voga, apaixonado pelas cculturas orientais epepelas exploração dadas s quq alidades inintrtrínsecas dososom.m

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Livro de Monteverdi (“Madrigali

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Sanguíneos e sedutores, introspectivos ou exuberantes, os Aquaparque do segundo álbum continuam a fazer uma pop completamente nova

Sonia Wieder Atherton, uma fortíssima executante da música do século XX, está amanhã na Culturgest

O primeiro nome avançado para o Festival Med, que decorre em Loulé entre 22 e 25 de Junho, esconde, afi nal, dois nomes: a Balkan Brass Battle (que é como quem diz duas orquestras de sopros balcânicas numa batalha em palco) coloca

frente a frente a romena Fanfare Ciocarlia e a sérvia Boban & Marko Markovic Orchestra. Por uma questão de orgulho, nenhuma quer fazer a primeira parte da outra e,

FestivalMed

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som da chuva a cair na Amazónia brasileira, o

som de bicicletas em Copenhaga, o ruído de insectos, ou a sobreposição de inúmeros trompetes processados por filtros analógicos, e integrando esses elementos numa sofisticada e orgânica orquestra de 14 elementos, o trompetista e compositor norte-americano Rob Mazurek dá continuidade à construção de um universo sonoro que é só seu. Originário de Chicago e actualmente a residir no Brasil, Mazurek é o mentor e impulsionador de projectos tão variados quanto os Isotope 217, as constelações em duo, trio ou quarteto dos Chicago Underground, ou ainda esta Exploding Star Orchestra, com a qual gravou já os extraordinários “We Are All From Somewhere Else” e “Bill Dixon & Exploding Star Orchestra”. Reunindo alguns dos mais vibrantes músicos da cena de Chicago – entre eles a flautista Nicole Mitchell, o saxofonista Matt Bauder, o trombonista Jeb Bishop, o clarinetista Jason Stein, ou o baterista Mike Reed –, Mazurek contrói um álbum feito de ambientes cinematográficos e puras texturas sonoras onde se acumulam, em sucessivas camadas de som, as referidas gravações de campo, drones de origem misteriosa, “feedbacks” analógicos e frequências geradas por maquinaria digital. Sons que povoam um expectro sonoro que é depois invadido pelos instrumentos acústicos em arranjos que privilegiam o todo e nunca o discurso solista. Aos nove minutos do primeiro tema, “Ascension ghost impression #2”, surge um arranjo clássico de orquestra, que poderia bem ser a de Glenn Miller, perturbando por breves momentos o maelstrom sónico que caracteriza todo o registo. Sem atingir a excelência dos dois registos anteriores, “Stars Have Shapes” não

deixa de ser uma adição notável à

discografia da

orquestra mais “cool” do planeta.

Vá lá, senhoresOuvir o álbum intermédio d’Os Golpes é como espreitar para dentro de um comboio em andamento. Gonçalo Frota

Os GolpesGAmorFúria; distri. Arthouse

mmmnn

Eles sabiam que ia correr bem. Só não sabiam quanto. Sabiam que “Vá lá senhora” não era uma canção como

as outras, que algo a dotava de armas mais capazes para se bater na fratricida luta pelo espaço hertziano. E sabiam que ter Rui Pregal da Cunha – o há muito ausente dos palcos ex-vocalista dos Heróis do Mar, LX-90 e Kick Out the Jams – traria sobre eles uma atenção redobrada. Mas não sabiam que a música se enrolaria de tal forma nos ouvidos dos portugueses (essa entidade abstracta a que só se referem discursantes políticos e participantes em “reality shows”) que acabariam 2010 a tocá-la na Gala de Natal da TVI ou a partilhá-la com os alunos da Operação Triunfo. Não sabiam tanto.

“G”, um momento de descompressão entre o primeiro e o segundo álbum, e de oferta limitada para os fãs, ganhou a sua própria ambição e não se satisfez com a condição de filho menor que o formato EP lhe conferia. Não sendo propriamente um álbum de pleno direito, “inchou” duas músicas – a versão que agora segue para as lojas junta aos cinco temas iniciais uma versão e um inédito – e é bem capaz de ser o único material novo que vamos ouvir aos Golpes durante 2011. É como espreitar para dentro de um

comboio em andamento e perceber o que se passa lá dentro. Ou seja: muito embora se faça valer de trunfos como “Vá lá senhora” e conte com uma óptima visita ao tema popular “Tenho barcos, tenho remos” (conforme cantado por Zeca Afonso), a verdade é que não são as novas “Paixão” (dos Heróis do Mar) e “A Brasileira” a aproximar “G” da mesma consistência de álbum que tinha “Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco”. Percebe-se que este não será este um ponto de chegada, mas antes um estudo e um ensaio bastante acabados daquilo que se imagina vir a ser o segundo álbum do grupo.

Mas há uma dose de audácia e mesmo de insolência que devemos saudar n’Os Golpes. A versão de “Paixão”, evoluída a partir daquela que prepararam para os concertos de apresentação, brinca com o fogo, como é evidente. Sendo bastante digna e suficientemente personalizada (mais adequada para palcos de guitarra em punho do que para as discotecas de keytar – também conhecido por teclado à Da Vinci – à tiracolo), a verdade é que Os Golpes já têm em si suficiente de Heróis do Mar para que a escolha possa soar redundante e incapaz de tocar a alta fasquia do original.

“G” é, ainda assim, um motivo pertinente para percebermos por onde andam estes Golpes que apareceram a unir o pop/rock português dos anos 80 ao rock nova-iorquino dos anos 00 (ler: The Strokes). Mais do que isso até, serve mais para anteciparmos para onde vão.

Adriana CalcanhottoO Micróbio do SambaValentim de Carvalho

mmmmn

Se há micróbios bem-vindos, este é um. Adriana Calcanhotto assina um disco inspirado, simples

e complexo a um só tempo, que exala

uma subtil frescura e que a cada audição se torna quase viciante. O que ela queria dizer através do samba, disse-o sem mimetizar as bases tradicionais do género. E no entanto o samba está lá, é ele o micróbio. Sob as inteligentes camadas sonoras construídas por Adriana (que toca violão, caixa de fósforos, cuíca, bandeja de chá e até uma guitarra eléctrica à beira da distorção em “Pode-se remoer”) e pelos seus dois fantásticos companheiros de aventura: Domenico Lancellotti em múltiplas percussões (o bombo da bateria trocou-o por um surdo deitado e essa mudança é daquelas que marcam positivamente o disco) e Alberto Continentino no contrabaixo. Além de participações pontuais de Davi Moraes (guitarra, cavaquinho e viola “morna”), Rodrigo Amarante (guitarra) e Moreno Veloso (prato e faca). Nas canções, Adriana desmultiplica-se em vozes alheias, de mulheres mas também a de um homem, porque o samba é um teatro de personagens e histórias e foi assim que ela se entregou ao samba sem ser, nem querer ser, sambista. Como ela diz em “Eu vivo a sorrir”, que está a ser usada como canção-chave do trabalho, o acaso estava num bom dia quando Adriana decidiu fazer um disco assim. Quem o ouvir perceberá porquê. Nuno Pacheco

The VaccinesWhat Did You Expect From The Vaccines?Columbia; distri. Sony Music

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Os Vaccines fazem-nos acreditar novamente na Inglaterra pop com guitarras em frutuosa animação,

memória histórica bem trabalhada e discurso ora angustiado, ora altivo sobre as grandes questões da juventude e, consequentemente da Humanidade: “A lack of understanding” e “Post break-up

sex”, títulos de duas canções, resumem parte da coisa - andávamos há muito órfãos disto, mergulhados no mar de inanidades que se sucederam aos Libertines, já lá vai quase uma década.

Ora o quarteto londrino, erguido a “next big thing” pela imprensa britânica, não reinventa a roda neste álbum de estreia. Limita-se a ser absurdamente clássico, bebendo o indispensável dos Undertones ou dos Jam e transformando-o em canções com a energia rock’n’roll e a sageza pop necessárias para entusiasmar os nossos corações sedentos de um pedaço da “good old Brittania”.

Dancemos então: “It’s ok if you wanna come back to me”. Entreguemo-nos à aceleração de guitarras reverberantes de “Norgaard”. Confirmemos que este pessoal sabe da arte da simplicidade: está tudo em “Post break-up sex”, cruzamento do desencanto dos Smiths com o aborrecimento afectado dos Strokes.

Não é deslumbrante a propalada “next big thing”? Pois não. Mas é o suficiente para nos fazer acreditar que, porra, tínhamos saudades de um álbum pop de guitarras, vindo daqueles lados, que fosse descomprometido, honesto e moderadamente talentoso. Celebremos então. Moderadamente. Mas celebremos. M.L.

Jazz

A forma das estrelasRegresso de Rob Mazurek e banda com novo registo superlativo. Rodrigo Amado

Exploding Star OrchestraStars Have ShapesDelmark

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Utilizando de forma quase imperceptível gravações de campo que incluem o

som da chuva acair na Amazónia brasileira, o

som de bicicletas em Copenhaga, oruído de insectos, ou a sobreposição

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Regresso de Rob Mazurek e banda com novo registosuperlativo. Rodrigo Amado

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Mais do que assinalar onde estão Os Golpes, “G” aponta para onde vão

O trompetista Rob Mazurek dirige a orquestra mais “cool” do planeta

Adriana Calcanhotto entregou-se ao samba sem ser (nem querer ser) sambista

The Vaccines: tínhamos saudades de um álbum de guitarras descomprometido, honesto e moderadamente talentosoportanto, sobem juntas ao palco. Tocam na noite de encerramento do Med, passando antes pela Casa da Música, Porto, a 17 de Maio, e depois por Lisboa, a 24 de Junho. No fi nal, diz-se que o público deverá pronunciar um vencedor.

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42 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

Con

cert

osPop

A guitarra imperdível de Ricardo RochaUm génio da guitarra portuguesa num concerto raro. Mário Lopes

Ricardo RochaLisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. 3ª, 29, às 22h. Tel.: 218438801. 6€ a 12€.

Ricardo Rocha é um génio da guitarra portuguesa e não devemos ter qualquer pudor em afirmá-lo. “Volupturária” e “Luminismo”, os seus álbuns a solo, aqueles em que definiu a sua linguagem no instrumento de Paredes, procurando oferecer-lhe uma identidade para além do fado, têm o seu lugar na História e justificam o adjectivo. Genial, portanto. E Ricardo Rocha, criador de relação conflituosa com o seu instrumento – “é tudo em vão”, disse ao Ípsilon no final de 2009, quando editou “Luminismo” -, raramente dá concertos. Acompanha regularmente Carlos do Carmo e vai tocando a guitarra para as funções que, diz, ela tão bem foi construída originalmente – para acompanhar, lá está -, mas vê-lo em palco, entregue à sua obra, isso é acontecimento para além de bissexto. Donde se conclui que o concerto que dará no Teatro Maria Matos, na próxima terça-feira, é um acontecimento imperdível. O neto de Fontes Rocha, par de Carlos Paredes e Pedro Caldeira Cabral na procura de um caminho independente para a guitarra portuguesa, interpretará na íntegra a sua obra a solo. Sofrerá a cada minuto com aquele instrumento que lhe veio parar às mãos em tenra idade e que ele, que gosta tanto do piano (mas chegou tarde), não mais conseguiu largar. O que ouviremos: os temas originais, a revisita ao património de Paredes ou de Caldeira Cabral, a passagem pelo adorado Alexander Scriabin, o compositor romântico russo a quem dedicou o segundo CD, preenchido de composições ao piano, do duplo “Luminismo”. Imperdível, repetimos. A “maldição” deste criador e intérprete de excepção é a nossa bênção. Ouçamo-lo. Em palco. Sem rede.

Reencontro com o inesperado

Tiago SousaLisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - Bairro Alto. Amanhã, às 23h. Tel.: 213430205. 6€.

O disco só é posto à venda em Abril, mas para todos os efeitos é já amanhã, na ZDB, em Lisboa, que se faz o lançamento do segundo álbum de Tiago Sousa. Chama-se “Walden Pond’s Monk” e sairá através da editora americana Immune Recordings, com distribuição mundial pela influente Thrill Jockey. É também, de alguma forma, um disco de confirmação do talento de Sousa, depois do excelente “Insónia” (2009). Em termos de conceito, foi composto sob influência directa do idealismo e do espírito revolucionário de Henry David Thoreau, no sentido do respeito pela liberdade e das potencialidades do homem. Do ponto de vista sónico, é um disco que mantém a mesma aproximação intuitiva ao piano que o seu antecessor, em quatro longas peças instrumentais – com cânticos colectivos numa delas – que voltam a surpreender pela sua simplicidade, maturidade e força dramática. Vê-lo ao vivo tem sempre qualquer coisa de inesperado, mas também de reencontro com qualquer coisa que estava lá mas não sabíamos que estava. Vão ver e perceberão melhor. Vítor Belanciano

Jazz

Identidade própriaQuinze anos de Lokomotiv Trio na Culturgest. Rodrigo Amado

Carlos Barretto Trio: LokomotivCom Carlos Barretto (contrabaixo), Mário Delgado (guitarra), José Salgueiro (bateria).

Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. R. Arco do Cego. Hoje, às 21h30. Tel.: 217905155. 18€.

Os Lokomotiv, trio que o contrabaixista Carlos Barretto mantém com o guitarrista Mário Delgado e o baterista José Salgueiro, celebram hoje os seus 15 anos de actividade num concerto que se adivinha memorável. Considerada unanimemente uma das grandes formações do jazz português, os Lokomotiv foram um dos principais responsáveis, juntamente com projectos de Bernardo Sassetti, João Paulo Esteves da Silva, Carlos Bica ou Mário Laginha, pelo desenvolvimento de uma identidade nacional, no que ao jazz diz respeito. Trio poderoso e de grande desenvoltura rítmica, os Lokomotiv estilhaçam influências oriundas dos mais variados quadrantes musicais, do rock ao funk, do jazz de vanguarda às músicas do mundo. Se Carlos Barretto foi, desde sempre, um músico que procurou conhecer e integrar no seu discurso as mais diversas linguagens musicais, nos Lokomotiv estas ganham uma exuberância própria, destiladas com paixão, virtuosismo e muita emoção. Uma celebração que assinala uma fase de notável vitalidade para o jazz nacional, com as melhores perspectivas para o futuro. A não perder.

Clássica

A construção do futuroCom o programa “Futuros 2.2”, a OrchestrUtopica dá hoje a conhecer no CCB obras de cinco jovens compositores portugueses. Cristina Fernandes

OrchestrUtopicaDirecção Musical de Pedro Figueiredo.Lisboa. CCB - Pequeno Auditório. Pç. Império. Hoje, às 21h. Tel.: 213612400. 10€.

Futuros. Obras de António Dantas, Filipe Esteves, João Godinho, Andreia Pinto-Correia e Patrício da Silva.

No ano em que comemora uma década de existência, a

OrchestrUtopica dá voz à mais recente geração de compositores portugueses, procurando mostrar a sua diversidade estética e vitalidade através de um conjunto de cinco obras de câmara escritas nos últimos dez anos. “Fragmentos de luz quebrada”, de António Breintenfeld de Sá Dantas (n. 1989), e “Moto-descontínuo”, de Filipe Esteves (n. 1978), são encomendas da OrchestrUtopica, que terão a sua estreia no concerto desta noite (às 21h, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém); “De queda em queda”, de João Godinho (n. 1976), é apresentada numa nova versão. Será ainda possível ouvir o 1º e o 3º andamentos de “Cadernos” (para vibrafone solo), de Andreia Pinto-Correia (n. 1971), e “Periodically Apperiodical/Apperiodically Periodical”, de Patrício da Silva (n. 1973).

Filipe Esteves, João Godinho e Patrício da Silva formaram-se na Escola Superior de Música de Lisboa, tendo depois seguido percursos e experiências diversas, que nalguns casos contemplam também outras músicas — como o jazz no caso de João Godinho — ou especializações no estrangeiro. Patrício da Silva doutorou-se nos Estados Unidos e António Breintenfeld de Sá Dantas estuda composição e direcção de orquestra na Faculdade das Artes de Graz. Andreia Pinto-Correia, compositora residente da OrchestrUtopica ao longo deste ano, tem feito uma apreciável carreira nos Estados Unidos e encontra-se neste momento a realizar o doutoramento no Conservatório de Música de Nova Inglaterra.

Vocacionada para a promoção da nova música, a OrchestrUtopica foi criada em 2001 pelos compositores Carlos Caires, José Júlio Lopes, Luís Tinoco e António Pinho Vargas e pelo

Carlos Barreto, Mário Delgado e José Salgueiro constituem uma das grandes formações do jazz nacional

Tiago Sousa apresenta o novo disco amanhã na ZDB

O futuro segundo a OrchestrUtopica

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PPPPooppReencontro com o inesperado

Ver Ricardo Rocha sozinho em palco, com a sua genial guitarra portuguesa, é um acontecimento para lá de bissexto

AO VIVO

CUCA ROSETA

AGENDA CULTURAL FNACentrada livre

Todos os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.pt

01.04. 22H00 FNAC CASCAISHOPPING

Page 43: Mónica Calle - fonoteca.cm-lisboa.ptfonoteca.cm-lisboa.pt/mm/IMG/PUBPERIO/jornais/04614/pdf/110325...Mónica Calle - fonoteca.cm-lisboa.pt

Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 43

maestro Cesário Costa. Além da estreia de obras e de programas temáticos, tem feito experiências que questionam o formato tradicional do concerto e colaborado com diversas áreas artísticas, sendo actualmente um dos grupos residentes do CCB. No concerto desta noite, dirigido por Pedro Figueiredo, participam a flautista Katharine Rawdon, o clarinetista Nuno Pinto, o violinista José Pereira, o violoncelista Jed Barahal, o percussionista Marco Fernandes e a pianista Elsa Silva.

O virtuosismo de Volodos

Arcadi Volodos e Orquestra GulbenkianDirecção Musical de Lawrence Foster. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Av. Berna, 45A. 5ª, 31, às 21h. 6ª, 1, às 19h. Tel.: 217823000. 15€ a 40€.

Obras de Brahms e Dvorák.

Arcadi Volodos está de regresso à Gulbenkian nos próximos dias 31 e 1 para interpretar o Concerto para Piano e Orquestra nº2, op. 83, de Brahms, obra lapidar do repertório concertante estreada pelo compositor em Budapeste em 1881. O virtuosismo espectacular que caracteriza habitualmente as interpretações do pianista russo terá de se aliar neste caso ao rigor e à densidade da construção arquitectónica da composição de Brahms. Na segunda parte, a Orquestra Gulbenkian apresenta a famosa Sinfonia “Do Novo Mundo”, de Dvorák, sob a direção do maestro Lawrence Foster.

Considerado um dos herdeiros da tradição interpretativa da escola russa, Arcadi Volodos (São Petersburgo, 1972) formou-se nos Conservatórios de Moscovo e Paris e na Escola Superior de Música Rainha Sofia, em Madrid, onde foi aluno de Dimitri Bashkirov. O seu primeiro álbum, editado em 1997, causou sensação, reunindo uma série de exuberantes transcrições e paráfrases para piano de obras célebres, algumas delas realizadas pelo próprio pianista. Em 1999 a Sony publicou a gravação da sua estreia no Carnegie Hall, distinguida com vários prémios, seguindo-se registos de obras de Schubert, Rachmaninov, Tchaikovski e Liszt, entre outros. O CD “Volodos plays Liszt” (2007) foi também objecto de importantes prémios da crítica internacional e o

seu álbum mais recente (Volodos in Viena”, com obras de

Scriabin, Ravel, Schumann e Liszt) foi distinguido com o prémio Gramophone de

2010 na categoria de “Melhor Gravação

Instrumental”. C.F.

j pprémios da crítica internac

seu álbum mais recentin Viena”, com obra

Scriabin, Ravel, ScLiszt) foi distinguiprémio Gramoph

2010 na categor“Melhor G

InstrumC.F.

Sexta 25Hot ChipLisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, às 23h. Tel.: 218820890. Consumo obrigatório.

Pop Dell’ArteSines. Centro de Artes de Sines. R. Cândido dos Reis, às 22h. Tel.: 269860080. 10€.

David FonsecaBeja. Teatro Pax-Júlia. Lg. São João, às 21h30. Tel.: 284315090. 12,5€.

PAUSPortalegre. Centro de Artes do Espectáculo. Pç. Republica, 39, às 23h. Tel.: 245307498. 3€.

The Glockenwise + Me Dá Só SangueLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24, às 0h. Tel.: 213430107. 8€.

MazganiArcos de Valdevez. Casa das Artes. Jardim dos Centenários, às 23h. Tel.: 258520520. 8€.

Rodrigo LeãoTavira. Cine-Teatro António Pinheiro. R. Dr. Marcelino Franco,10, às 21h30. Tel.: 281322671.

Abztraqt Sir QLisboa. Fonoteca Municipal. Pç. Duque de Saldanha - Dolce Vita Monumental, Loja 17, às 21h30. Tel.: 213536231. Entrada gratuita.

NortonCastelo Branco. Cine-Teatro Avenida. Av. General Humberto Delgado, às 21h30. Tel.: 272349560. 5€.

DazkariehPorto. Hard Club - Sala 2. Pç. Infante, 95, às 22h30. Tel.: 707100021. 8€.

Orquestra Clássica de EspinhoDirecção Musical de Pedro Neves. Espinho. Auditório de Espinho. R. 34, 884, às 21h30. Tel.: 227340469. 7€.

Javier ArtigasLisboa. Igreja de São Roque. Lg. Trindade Coelho, às 21h30. Tel.: 213235383. Entrada gratuita.

XIII Festival Internacional de Órgão de Lisboa.

Sábado 26Sonia Wieder-AthertonLisboa. Culturgest - Palco do Grande Auditório. R. Arco do Cego, às 18h. Tel.: 217905155. 10€.

Ver crítica de discos na pág, 40.

Cristina BrancoEstarreja. Cine-Teatro Municipal de Estarreja. R. Visconde de Valdemouro, às 22h. Tel.: 234811300. 10€ a 15€.

Rodrigo LeãoEstoril. Casino. Pç. José Teodoro dos Santos, às 21h30. Tel.: 214667700. 25€.

Javier ArtigasLisboa. Igreja de S. Vicente de Fora. Lg. S. Vicente, às 21h30. Tel.: 218824400. Entrada gratuita.

XIII Festival Internacional de Órgão de Lisboa.

Ricardo BarcelóBraga. Museu Nogueira da Silva. Av. Central, 61, às 18h. Tel.: 253601275. 5€.

Shall I Vote For Elvis?Com António Olaio e João Taborda.Guarda. Teatro Municipal - Café-Concerto. R. Batalha Reis, 12, às 22h. Tel.: 271205241. Entrada gratuita.

David FonsecaAlcochete. Fórum Cultural de Alcochete. Estrada Municipal 501, às 21h30. Tel.: 212349640. 15€.

CarminhoArcos de Valdevez. Casa das Artes. Jardim dos Centenários, às 22h30. Tel.: 258520520. 10€.

Linda MartiniVale de Cambra. CC de Macieira de Cambra. Pç. República, às 22h. Tel.: 256428400. 8€.

Sean Riley & The SlowridersFafe. Teatro Cinema de Fafe. R. Monsenhor Vieira de Castro. Sáb. às 21h30. 5€.

DazkariehCaldas da Rainha. CC e Congressos. R. Doutor

Leonel Sotto Mayor, às 21h30. Tel.: 262889650. 10€.

A Caruma + RambostellarLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24, às 0h. Tel.: 213430107. 8€.

Vitalic + Expander + Thinkfreak

Ofir. Pacha. Lugar das Pedrinhas, às 23h. Tel.: 253989100. 10€ a 15€.

Dimitri From Paris + SDCPorto. Trintaeum. Rua do Passeio Alegre, 564, às 23h. Tel.: 919134339.

Domingo 27

Jesse Sparhawk + Eric CarbonaraPorto. Café Au Lait. R.Galeria de Paris, 46, às 19h. Tel.: 222025016. Entrada gratuita.

Rodrigo LeãoEstoril. Casino Estoril. Pç. José Teodoro dos Santos, às 21h30. Tel.: 214667700. 25€.

Orquestra Sinfónica do Porto Casa da MúsicaDirecção Musical de Takuo Yuasa.Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 12h. Tel.: 220120220. 5€.

Segunda 28Souad MassiLisboa. Fundação Calouste Gulbenkian - Grande Auditório. Av. Berna, 45A. 2ª às 21h00. Tel.: 217823000. 15€ a 20€.

Ver texto na pág. 16 e segs.

Asian Dub FoundationLisboa. Santiago Alquimista. R. Santiago, 19, às 21h. Tel.: 218884503. 22€.

Terça 29Asian Dub FoundationPorto. Hard Club - Sala 1. Pç. Infante, 95, às 21h. Tel.: 707100021. 22€.

Quarta 30Slayer + Megadeth + W.A.K.O.Lisboa. Pavilhão Atlântico. Pq. Nações, às 21h. Tel.: 218918409. 27,5€ a 45€.

Quinta 31Expensive Soul & Jaguar BandPorto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque, às 22h. Tel.: 220120220. 10€.

Cristina BrancoLisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Cardoso, 38-58, às 21h. Tel.: 213257650. 12€ a 25€.

Os Golpes + Samuel ÚriaCoimbra. Teatro Académico de Gil Vicente. Pç. República, às 21h30. Tel.: 239855636. 10€.

Rodrigo LeãoPorto. Hard Club - Sala 1. Pç. Infante, 95, às 22h. Tel.: 707100021. 25€.

António ChainhoLeiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo Cortez Pinto, às 21h30. Tel.: 244834117. 7,5€.

Agenda

Cristina Branco em Estarreja e Lisboa

Os Hot Chip, versão DJ, no Lux

Um virtuoso da escola russa

Dupla

Brad Mehldau e Anne Sofi e von Otter apresentam-se amanhã na Casa da Música

para apresentar “Love Songs”. Neste projecto, o pianista

e a celebrada cantora lírica interpretam

canções de autores tão variados como Johannes Brahms, Richard Strauss, Paul McCartney ou

Joni Mitchell. É às 22h. na Sala Suggia, e os

bilhetes custam 30 euros.

PAUS

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44 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

coisas de modo um pouco forçado, mas sem querer comparar o incomparável a verdade é que sentimos em “Camino” qualquer coisa de Buñuel a passar. Ou, antes, de dois Buñuel: o Buñuel “mexicano” que subvertia a todo o momento as regras clássicas do melodrama, e o Buñuel corrosivo e anti-clerical de “Viridiana”, que não hesita em denunciar a hipocrisia que se esconde por trás do fundamentalismo.

Porque o que torna “Camino” tão murro no estômago é precisamente o modo como Fesser habita as convenções do melodrama religioso com um respeito enorme, ao mesmo tempo que as critica e descarna sem piedade. É um filme que está sempre a funcionar em dois graus de leitura simultânea, com uma lealdade absoluta para com o espectador, e consegue chegar ao fim sem nunca esconder nem trair nenhum deles. E isso é obra quando está a fazer humor (negro, é certo), com coisas muito sérias.

As coisas muito sérias são, aqui, os últimos meses de vida de uma

menina devota, filha de uma família muito religiosa da Opus Dei, a quem é diagnosticado um cancro terminal muito avançado no exacto momento em que se apaixona à primeira vista pelo primo de uma colega. O filme vai e vem entre as fantasias tecnicoloridas de Camino, que sonha ser feliz com o seu novo amor (que, pormenor muito importante, também se chama Jesus, abrindo uma dúvida metódica que o filme não se coíbe de explorar), e a sua dolorosa via sacra, que não se limita às operações e a tratamentos brutais, mas descreve também uma vida familiar rigidamente religiosa, comandada com mão de ferro por uma mãe fundamentalista à qual o pai não tem forças para se impor.

Que não se pense que a irrisão subversiva de Fesser torna “Camino” num panfleto – o realizador (igualmente argumentista e montador) prefere transformá-lo numa sátira brutalmente corrosiva ao fundamentalismo, venha ele de onde venha, e ao preço que ele cobra em termos pessoais; que questiona até onde o sacrifício em nome de uma

causa justifica a supressão da individualidade. Camino não tem liberdade para se divertir como as colegas do colégio, e uma vez a sua doença diagnosticada essa possibilidade é-lhe retirada para sempre; o estado de absoluta clausura, quase inquisitorial, que Fesser pinta nas relações dos Fernández com a Igreja, a hipocrisia e o calculismo que vêm ao de cima a espaços, são os elementos mais perturbadores do filme, embora o cineasta resista sempre a converter os beatos em monstros desumanos (permitindo a quase todos eles momentos de dúvida e humanidade).

Interpretado extraordinariamente por um elenco notável e dirigido com grande habilidade e inteligência, “Camino” é um filme duplamente poderoso, pelo modo como pega num tema duríssimo “pelos cornos” e dele faz uma espantosa afirmação de vida e amor sem perder a violência de uma sátira atenta, resistindo sempre ao golpe baixo. Esta estreia quase clandestina é a primeira grande surpresa que chega às salas em 2011.

Delícia turcaSemih Kaplanoglu demonstra uma capacidade imaculada para se colocar entre o olhar dos adultos e o do miúdo protagonista, neste pertinente retrato da Turquia profunda. Luís Miguel Oliveira

MelBalDe Semih Kaplanoglu, com Bora Altas, Erdal Besikçioglu, Tülin Özen . M/12

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cin

ema

Estreiam

A via sacra e a via lácteaPrimeira grande surpresa de 2011, “Camino” invoca o espírito de Luis Buñuel numa sátira devastadora (em todos os sentidos da palavra) ao fundamentalismo religioso. Jorge Mourinha

CaminoCaminoDe Javier Fesser, com Nerea Camacho, Carme Elias, Mariano Venancio, Manuela Vellés. M/12

MMMMn

Lisboa: Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h00, 21h40, 00h15

Ponto prévio: todas as pragas que se possam rogar à distribuidora responsável não serão suficientes para lhe perdoar. Ter “Camino” em carteira há mais de dois anos sem o estrear pode-se perceber – é difícil saber o que fazer com um objecto tão “fora” -, mas se era para o deixar num limbo estreia-não-estreia mais valia não o ter comprado. Supostamente, quando uma distribuidora adquire os direitos de um filme é porque acredita que existe um público para ele – e “Camino” está muito longe de deixar incólume quem o vê, independentemente de se gostar ou não.

Ainda por cima, a terceira longa de Javier Fesser chegou de Espanha como triunfador da cerimónia dos prémios Goya (os Óscares locais) de 2009 e com controvérsia incluida, ou não se inspirasse no caso verídico de uma menina espanhola que está em processo de canonização, cuja família se ergueu em armas contra o filme. Talvez estejamos a olhar para as

Sexta, 25A Quermesse HeróicaLa Kermesse Héroique

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200

Os Alegres NamoradosSummer Holiday

De Rouben Mamoulian. 15h30 - Sala Félix Ribeiro

À Beira do Mar AzulU Samogo Sinyego MoryaDe Boris Barnet, S. Mardanin. 22h - Sala Luís de Pina

Segunda, 28O Homem MorcegoThe BatDe Crane Wilbur.

Meeting Woody Allen/JLG Meets Woody AllenDe Jean-Luc Godard, Anne-Marie Miéville. 19h30 - Sala Luís de Pina

Atenção à DireitaSoigne ta Droite

De Jean-Luc Godard. 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Sábado, 26Desilusões do PalcoUpstageDe Monta Bell. 19h30 - Sala Luís de Pina

O que torna “Camino”

tão murro no estômago é o

modo como habita as

convenções do melodrama religioso com

um respeito enorme,

ao mesmo tempo que as

descarna sem piedade

De Jacques Feyder. 15h30 - Sala Félix Ribeiro

Vertigo - A Mulher Que Viveu Duas VezesVertigoDe Alfred Hitchcock. 19h - Sala Félix Ribeiro

Meeting Woody Allen/JLG Meets Woody Allen + Soft And Hard (A Soft Conversation Between Two Friends On a Hard Subject)

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 45

MMMnn

Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h10, 15h15, 17h20, 19h25, 21h30 6ª Sábado 2ª 13h10, 15h15, 17h20, 19h25, 21h30, 24h

Porto: Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 4ª 18h30, 22h 3ª 18h30

Urso de Ouro no Festival de Berlim do ano passado, “Mel” é o terceiro tomo da trilogia que fez de Semih Kaplanoglu o cineasta turco contemporâneo mais conhecido internacionalmente a seguir a Nuri Bilge Ceylan. Os nomes dos outros dois filmes da trilogia são tão nutritivos como o deste: “Ovo” (que ganhou um prémio na primeira edição do Estoril Film Festival) e “Leite”. Mas é com o “Mel” que ele chega às salas portuguesas, e se ao espectador recém-chegado ficará a escapar o desenho do conjunto dos três filmes, conhecê-lo não é indispensável à fruição deste filme. De certo modo, “Mel”, no seu conflito essencial, ilumina, ou pelo menos resume, o que está em causa na trilogia: um olhar sobre a província turca, captado na bifurcação entre um modo de vida tradicional (as coisas que a terra dá,

ainda que por intermédio dos animais: os ovos, o leite, o mel) e a perspectiva de uma outra coisa, muito mais difusa, a que se podia chamar a “modernidade”. De uma maneira que o filme não resolve (e a não-resolução é o seu ponto), o miúdo protagonista simboliza esse impasse, no à-vontade da sua relação com a natureza (as abelhas do pai, a floresta) e na falta de à-vontade com as coisas da escola (a dificuldade em aprender a ler como uma “resistência”, digamos, atávica).

Imaginamos que este conflito, que o filme expõe sem retórica nenhuma e numa subtileza a toda a prova, é pertinente enquanto retrato da profunda Turquia contemporânea. O que serve, em todo o caso, como medida da inteligência de “Mel”. Mas não é forçosamente aquilo que mais o distingue. Antes uma capacidade, imaculada, de se colocar entre o olhar dos adultos e o olhar do miúdo protagonista, para der a ver um mundo que é sempre, ao mesmo tempo, muito misterioso e muito familiar – características que marcam, em especial, toda a relação com a natureza (a terra e as árvores,

mas também o céu e as nuvens), com os seus silêncios mas sobretudo com os seus ruídos (os seres humanos de “Mel” falam pouco, mas em compensação a natureza palra que se farta). E Kaplanoglu confirma-se como um adepto do plano-sequência expectante e desafectado: a cena em que dá o badagaio ao pai do miúdo é extraordinária.

Continuam

Potiche - Minha Rica MulherzinhaPoticheDe François Ozon, com Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Fabrice Luchini, Karin Viard, Judith Godrèche, Jérémie Rénier. M/12

MMnnn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h30, 21h20 6ª 15h50, 18h30, 21h20, 00h20 Sábado 13h30, 15h50, 18h30, 21h20, 00h20 Domingo 13h30, 15h50, 18h30, 21h20; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h35, 17h40, 19h45, 21h45 6ª Sábado 13h30, 15h35, 17h40, 19h45, 21h45, 23h50; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h35, 00h05 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10, 21h35, 00h05; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, 17h50, 20h50, 23h30

Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 13h55, 16h35, 19h15, 21h55, 00h40 3ª 4ª 16h35, 19h15, 21h55, 00h40; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h20, 21h, 23h40

Se Ozon tem alguma grande habilidade, ela está na pré-fabricação (mais até do que na pre-visão) dos espectadores dos seus filmes e, sobretudo, na condução do percurso que ele deseja que os espectadores façam através dos filmes. Continuamos a dizer: Ozon é um hitchcockiano (mas um hitchcockiano barato). “Minha Rica Mulherzinha” continua a ser isso:

sinais cuidadosamente distribuídos, reenvio permanente, “referências” e cotoveladinhas, um filme que se faz pelas pistas de leitura que ele próprio cria (e sem as quais não seria nada). Não é nem mais nem menos grotesco do que outras coisas que Ozon já fez, embora, de facto, num registo cómico minimamente desempoeirado a coisa se suporte um pouco melhor. Ainda que em ambivalência: é tão fácil elogiar a maneira como Deneuve e Depardieu se prestam a brincar com o seu estatuto simbólico no cinema francês como ter vontade de gritar “basta, já fizeram isto 50 vezes, inventem lá outra coisa”. L.M.O.

CopacabanaCopacabanaDe Marc Fitoussi, com Isabelle Huppert, Lolita Chammah, Aure Atika, Jurgen Delnaet. M/12

MMnnn

Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 22h 6ª Sábado 2ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 22h, 00h15; Medeia Saldanha Residence: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 21h50, 00h20

Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15, 16h50, 19h25, 21h55, 00h35 3ª 4ª 16h50, 19h25, 21h55, 00h35

Ou de como um filme anódino se torna um bocadinho menos anódino por causa de uma actriz. Sem Isabelle Huppert não se daria nada por “Copacabana”, exemplo de um cinema correcto e “profissional” que não tem mais para dar, nem deseja mais, do que reiterar e reproduzir as suas características – o que não tem nada de mal, nem nada de bom. Com Huppert, mesmo a trabalhar em modo prazenteiro, acrescenta-se uma camada extra, ao filme e à sua protagonista (e até o “gimmick” de a pôr a contracenar com a filha traz algum sentido). E “Copacabana” torna-se, até certo ponto ou a partir de certo ponto, num filme sobre o trabalho de uma actriz. Qque se possa vê-lo como tal não é, apesar de tudo, uma qualidade negligenciável. L.M.O.

Jorge Mourinha

Luís M. Oliveira

Vasco Câmara

Camino mmmMn nnnnn nnnnn

Chelsea Hotel mmmnn mmnnn mnnnn

Copacabana mmnnn mmnnn mmnnn

O discurso do Rei mmnnn mmnnn mnnnn

Os 2 da (Nova) Vaga nnnnn mmmnn mmnnn

Mel mmnnn mmmnn nnnnn

Micmacs - Uma Brilhante Confusão mmnnn nnnnn nnnnn

Poesia mmmmn mmmnn mmmnn

Potiche- Minha Rica Mulherzinha mmmnn mmnnn mmnnn

Somewhere-Algures mmmnn nnnnn mnnnn

As estrelas do Público

Cineclubes para mais informações consultar www.fpcc.pt

Cine-teatro S. PedroLargo S. Pedro - Abrantes

CICLO: Sangue NovoChina, China de J. P. Rodrigues & J. Rui G. da Mata, 2007, M/12Rapace de João Nicolau, 2006, M/12Remains de Sandro Aguilar, 2002, M/12 30/03, 21h30

Cinema Teixeira de PascoaesCentro Comercial Santa Luzia - Amarante

Um Ano MaisDe Mike Leigh, 2010, M/12 25/03, 21:30h

Auditório Soror MarianaRua Diogo Cão, nº8, Évora

BiutifulDe Alejandro González Iñarritu, 2010, M/16 30/03, 21:30h

Casa das Artes de Famalicão (CC Joane)Parque de Sinçães – Famalicão

36 Vistas Do Monte Saint-loupDe Jacques Rivette, 2009, M/12 Q31/03, 21:30h

Auditório IPJRua da PSP, Faro

Des Hommes Et Des DieuxDe Xavier Beauvois, 2010, M/1228/03, 21:30h

Teatro Sá da BandeiraRua João Afonso, n.º 7-Santarém

Eu Sou O Amor

15h30 - Sala Félix Ribeiro

O Tesouro do Barba RuivaMoonfl eetDe Fritz Lang. 19h - Sala Félix Ribeiro

Comment Ça Va?De Anne-Marie Miélville, Jean-Luc Godard. 19h30 - Sala Luís de Pina

Nouvelle VagueDe Jean-Luc Godard. 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Vertigo - A Mulher Que Viveu Duas VezesVertigoDe Alfred Hitchcock. 22h - Sala Luís de Pina

Terça, 29Os Comandos Atacam ao AmanhecerThe Commandos Strike at DawnDe John Farrow.

15h30 - Sala Félix Ribeiro

Allemagne Neuf ZéroDe Jean-Luc Godard. 19h - Sala Félix Ribeiro

48De Susana Sousa Dias.21h30 - Sala Félix Ribeiro

Atenção à DireitaSoigne ta Droite De Jean-Luc Godard. 22h - Sala Luís de Pina

Quarta, 30O Leito ConjugalL’Ape ReginaDe Marco Ferreri. 15h30 - Sala Félix Ribeiro

JLG/JLGDe Jean-Luc Godard. 19h - Sala Félix Ribeiro

Radio OnDe Chris Petit.

19h30 - Sala Luís de Pina

Puissance de la Parole + Les Enfants Jouent à la RussiePuissance de la ParoleDe Jean-Luc Godard.22h - Sala Luís de Pina

Quinta, 31Sweet Charity - A Rapariga que Queria Ser AmadaSweet CharityDe Bob Fosse. 15h30 - Sala Félix Ribeiro

Gran TorinoDe Clint Eastwood. 19h - Sala Félix Ribeiro

Allemagne Neuf ZéroDe Jean-Luc Godard. 19h30 - Sala Luís de Pina

Elogio do AmorÉloge de l’’amourDe Jean-Luc Godard. 21h30 - Sala Félix Ribeiro

Um olhar sobre a província turca na bifurcação entre um modo de vida tradicional e a modernidade

De Luca Guadagnino, 2009, M/1230/03, 21:30h

Cine-teatro António PinheiroR. Guilherme Gomes Fernandes, 5 – Tavira

BiutifulDe Alejandro González Iñarritu, 2010, M/16 27/03, 21:30h

O Verão Da BoyitaDe Julia Solomonoff, 2009, M/1231/03, 21:30h

Teatro VirgíniaLargo José Lopes dos Santos – Torres Novas

A Poeira Do TempoDe Theodoros Angelopoulos, 2008, M/12 30/03, 21:00h

Animar6/ Teatro Municipal de Vila do CondeAv. João Canavarro – Vila do Conde

EntrelaçadosDe Byron Howard, Nathan Greno, 2010, M/6 26/03, 16:00h

L’ IllusionisteDe Sylvain Chomet, 2010, M/627/03, 16:00h e 21:45h

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46 • Sexta-feira 25 Março 2011 • Ípsilon

Está em cena no São Carlos uma nova produção, “Banksters”, de Nuno Côrte-Real, o que é de assinalar no estado de penúria do teatro nacional de ópera. Mas há mais factos de relevo.

Trata-se de uma estreia absoluta, encomenda do São Carlos, e se Côrte-Real tem tido condições para ser o mais prolífero compositor português neste campo nos últimos anos, sendo que esta é já a sua quinta ópera – mesmo que “O Velório de Cláudio” fosse um prólogo –, os colaboradores directos que teve possibilidades de escolher, Vasco Graça Moura no libreto e João Botelho na encenação, são estreantes nestas andanças.

Ocorre que há um inquietante efeito de actualidade em “Banksters”, incluindo até que o horizonte de bancarrota que se delineia é em particular apropriado à situação do próprio teatro em que o espectáculo ocorre. Estamos perante cenas da crise em São Carlos.

O ponto de partida é um texto de José Régio, “Jacob e o Anjo”, retomando um episódio desse livro fundador que é a Bíblia. A peça, como todo o teatro de Régio, é uma chatice incomensurável, e torna-se patente que não é do afecto particular do libretista. De modo paroxístico, foi a distância do adaptador para com o texto adaptado que propiciou a Graça Moura um trabalho (meta)textual deveras notável.

“Banksters”, supõe “bank” e “gangsters”, e o quadro é o do capitalismo fi nanceiro e da sua crise, paródia e sátira que se podiam supor de algum autor esquerdista, o que Graça Moura não é de modo algum. Os americanos inventaram as chamadas “CNN operas”, sobre fi guras e factos da história contemporânea, mas esta será a primeira ópera que tem como referente a crise do capitalismo fi nanceiro global.

Eis exemplos concretos: “paraíso fi scal”, “off shore”, “injecções de capital”, “tempo de crise”, “mortgage” e mesmo “subprime”, além de outros que nos tornam presente a concreta situação portuguesa, como “Parte-se esse coração/ que eu tinha entregue à Finança/ Pra fugir ao IRS” ou “Corte no meu ordenado/ passe-me a recibos verdes”. De acordo com as motivações do compositor na sua escolha do texto, de Régio perdura a tipologia das personagens e o motivo da “redenção” – mas não mais.

Pois que se trata de um tema cristão, e inspirado em peça do autor de “Poemas de Deus e do Diabo”, ocorreu-me que “Banksters” podia ter como epígrafe uma frase que Mikhail Bakhtin atribui a São João Crisóstomo: “As burlas e o riso não provêm de Deus, mas são uma emanação do Diabo”. E não invoco por acaso o grande teórico russo, o estudioso de Rabelais e do carnavalesco, a propósito deste libreto que, como a justo título diz Graça Moura, é muito (Gil) “vicentino”. Bakhtin é um dos autores a ter mais presente na análise e na pragmática da “paródia”, não apenas no sentido restrito que ele considera, o de sátira, como mais latamente nos termos de Linda Hutcheon em “Uma teoria da paródia - ensinamento das formas de arte do século XX”: “A paródia é, pois, repetição, mas repetição que inclui diferença; é imitação com distância crítica, cuja ironia pode benefi ciar e prejudicar ao mesmo tempo. Os seus principais operadores formais são versões irónicas de ‘transcontextualização’ e inversão, e o âmbito do ‘ethos’ pragmático vai do ridículo desdenhoso à homenagem reverencial”. “Banksters” é um caso exemplar deste tipo de estratégia discursiva, não faltando uma

Cenas da crise em São CarlosHá um inquietante efeito de actualidade em “Banksters”, incluindo até que o horizonte de bancarrota que delineia é em particular apropriado à situação do próprio teatro em que o espectáculo ocorre.

surpreendente citação de “A rose is a rose, is a rose” de Gertrud Stein.

Depois de obras notáveis como “Concerto Vedras” e “Andarilhos”, o percurso de Nuno Côrte-Real tem-me deixado em vários aspectos perplexo. O desastre aconteceu com “A Montanha”, ópera adaptada de Teixeira de Pascoaes pelo próprio compositor. É então de assinalar que Côrte-Real se tem mostrado tanto mais interessante quando trabalha com textos de consistência dramática (“O Rapaz de Bronze”, de José Maria Vieira Mendes, a partir do conto homónimo de Sophia e agora “Banskters”) e tanto menos quando a cena dramática não tem nexo, como em “O Velório de Cláudio”, texto de José Luís Peixoto – sendo ainda de ressalvar que o projecto de um prólogo contemporâneo a uma ópera barroca, a “Agrippina” de Haendel, era um disparate total e foi mesmo o maior descalabro em São Carlos nos lamentáveis anos de direcção de Christoph Dammann.

É então claro que a pragmática do compositor é a de “musicar um libreto”. Dir-se-á que é uma atitude de subserviência, mas não deixa de ter consideráveis ganhos em termos de inteligibilidade da obra – o que é um sério problema de muitas óperas contemporâneas, tanto mais de assinalar quanto entretanto Côrte-Real foi de vários modos adquirindo rodagem de palco, e também do canto, para o qual é patente que sabe escrever. Ainda assim, essa pragmática associada ao pluriestilismo que o vem caracterizando, e que em si mesmo é um gesto de relevo, coloca um risco: o de uma obra, na sua multiplicidade interna, ter muitos caracteres mas não um “carácter” musical distintivo.

São muitas as referências musicais em “Banksters” e é notável a fl uidez da sua integração no discurso musical. Consideremos a referência ao “Rigoletto” de Verdi. Graça Moura, que com especial ironia paródica crismou

o banqueiro de Santiago Malpago, chamou também ao anjo Angelino Rigoletto e à mulher do primeiro Mimi Kitsch, parodiando “La Bohème” de Puccini. Se a paródia a Mimi se perde, é surpreendente o modo como se integra a citação de “La donna è mobile”, a célebre ária do “Rigoletto” – é a “repetição que inclui diferença” e a “imitação com distância” da paródia nos termos de Hutcheon.

É nesses termos paródicos latos que há também a salientar o recurso a formas tradicionais, e não apenas da tradição erudita, como a valsa, a habanera ou o fado, embora me pergunte se esse recurso não é também de algum modo uma dispersão, pois ocorre sobretudo no Acto II que, sendo longo de mais, é o ponto problemático da ópera. Não há pois apenas “subserviência” ao texto mas, mais importante e ponto nodal da obra, a coerência entre as estratégias do libreto e da composição. E esse é um sucesso a ser devidamente sublinhado.

Não estamos contudo perante uma obra em abstracto mas um espectáculo, que, além dos autores, assenta noutros três pilares, o encenador João Botelho, o maestro Lawrence Rennes e o protagonista Jorge Vaz de Carvalho.

Depois de um progressivo afunilamento e esquematismo no seu percurso, até toda a lamentável história de “Corrupção”, Botelho está em novo fl orescimento criativo, com o esplêndido “Filme do Desassossego” e agora esta estreia na ópera. Diderot, que ele adaptou em “Tiago, o Fatalista”, escreveu também “O Paradoxo do Comediante”. Em Botelho há agora um “paradoxo do teatro”. Ele, cineasta austero, deixou-se fascinar pela máxima irrealidade teatral da apoteose que é a ópera. É certo que não deixa de haver similitudes entre a actualidade de “Banksters” e uma postura cinematográfi ca que tem como objecto

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Ípsilon • Sexta-feira 25 Março 2011 • 47

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sto pode ser uma enorme surpresa para os leitores do Ípsilon, habituados à sua dose semanal de infalibilidade, mas um dos segredos mais bem guardados entre a comunidade crítica é o de que os críticos, por vezes, cometem erros. A necessidade de

esconder este segredo do povo é fácil de entender – desde que seja um crítico a explicar, pois de outra forma é praticamente impossível o povo entender o que quer que seja. O segredo guarda-se porque o crítico sofre. Já é tarefa árdua andar a lutar sozinho contra a degeneração dos apetites contemporâneos e a afl itiva frivolidade dos gostos da ralé (i.e.: vocês), sem que a legitimidade e a pureza do processo sejam questionadas e sabotadas dentro das muralhas. Para descansar as mentes mais sobressaltadas, impõe-se a ressalva de que os erros cometidos pelos críticos quase nunca são fruto de incompetência (só o povo, por defi nição, é incompetente, além de bárbaro e perigoso); muitos deles, aliás, são uma consequência indesejada mas inevitável – um efeito secundário, por assim dizer – das mesmas faculdades que tornam o crítico valioso.

Um exemplo esclarecedor pode ser encontrado em “How Fiction Works”, onde o crítico James Wood dedica um capítulo a exaltar as virtudes do estilo indirecto livre como instrumento ímpar na representação de processos de consciência distintos. Um dos exemplos é retirado de uma novela de Henry James (“What Maisie Knew”), e pretende ilustrar o processo pelo qual a narração na terceira pessoa desliza para o interior de Maisie, culminando nesta passagem: “(...) Clara Matilda, que estava no céu e também, embaraçosamente, em Kensal Green, onde tinham ido todos juntos para ver a sua pequena campa aconchegada”.

Wood elabora: “O génio de James concentra-se numa única palavra: ‘embaraçosamente’. É aí que toda a ênfase repousa. (…) A quem pertence a a palavra ‘embaraçosamente’? A Maisie: é embaraçoso para uma criança testemunhar a mágoa dos adultos, e sabemos que Mrs. Wix se refere a Clara Matilda como a ‘irmãzinha morta’ de Maisie. Podemos imaginar Maisie ao pé de Mrs. Wix no cemitério de Kensal Green (…), desconfortável e envergonhada, simultaneamente impressionada e com um bocadinho de medo da mágoa de Mrs. Wix”.

Parece-me impossível não perceber que o “embaraçosamente” não representa nada disto. O advérbio não é uma extensão da linguagem interior de Maisie, mas sim de um capricho do autor. O que é “embaraçoso” é apenas o facto de uma pessoa, depois de morta, poder habitar simultaneamente dois lugares diferentes: o céu e um cemitério. Podemos até admitir (com a generosidade que nos caracteriza) que James delegou a uma criança um comentário sofi sticado sobre o ridículo das superstições “post-mortem” dos adultos; mas esse é o limite. Transformar um advérbio evidentemente intrusivo num triunfo do discurso indirecto livre é mera ofuscação: a palavra não é de Maisie, personagem, mas sim de Henry James, autor, ateu e (neste caso) cómico “stand-up”.

Isto não retira um semi-átomo de mérito a James Wood. “Ter razão” sempre me pareceu o mais

dispensável dos atributos críticos, até porque a maneira mais segura de ter sempre razão é limitar a análise àquilo que é demasiado evidente para ser refutado ou demasiado lunático para ser debatido. É no espaço entre o banal e o absurdo (e entre o cânone e a lixeira)

que reside a incerteza, e o mérito de qualquer crítico mede-se pela grau de interesse e originalidade que impõe à sua movimentação nessas áreas cinzentas. O problema é quando os críticos da estirpe de Wood promovem o seu desembaraço para negociar incertezas específi cas a uma doutrina aplicável a qualquer situação genérica.

Como os gramaticólogos ou sexólogos, os críticos situam-se numa linha de continuidade entre dois pólos: o descritivo e o prescritivo. Wood transformou-se num crítico quase fanaticamente prescritivo, o que signifi ca que todas as suas decisões sobre o que tem ou não valor são tomadas “a priori”, e os seus poderes de observação e argumentação são distorcidos em conformidade. Como qualquer fanático, arrisca-se a encontrar apenas o que quer ver. O caso em questão ilustra os problemas inerentes a este desvio: o leitor tem mais probabilidades de ser educado sobre o processo prescrito (o estilo indirecto livre) do que sobre o exemplo descrito (o excerto de Henry James). Mas também demonstra que, quando há talento, é “embaraçosamente” fácil um fanático estar errado e ser interessante ao mesmo tempo.

EmbaraçosamenteÉ embaraçoso dizer isto, mas nem sempre os críticos têm razão. O problema é que, quando são bons, é muito provável que estejam errados e sejam interessantes ao mesmo tempo.

A Vírgula de Oxford

fundamental metáforas do Portugal contemporâneo. Mas a passagem para a ópera é um enorme e arriscado salto. Mesmo que surpreendam alguns aspectos mais berrantes, nomeadamente nas luzes, a gestão do espaço e das movimentações, o inteligente uso dos cenários de fundo e sobretudo o arguto entendimento da obra e da sua musicalidade fazem desta estreia um sucesso.

Rennes dirige a obra com uma segurança e desenvoltura notáveis. E Vaz de Carvalho, que a meu ver andou anos perdido em cargos de administração cultural pública, regressa com um timbre, uma dicção e uma projecção de voz imaculados. Mas há também a referir Sara Braga Simões e um deveras equilibrado conjunto de secundários.

Christoph Dammann foi chamado pelo secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho para concretizar um gesto de dirigismo cultural como não havia desde o processo revolucionário, a estreia de “Das Märchen”, de Emmanuel Nunes. Afi nal, o melhor de Dammann ocorre agora “a posteriori”, com a encomenda de “Banksters”, já depois de ter sido demitido e substituído por Martin André, que não dá sinais de um projecto (e há também a demissão do presidente da empresa, Jorge Salavisa). Continua o folhetim da crise em São Carlos, com próximas cenas…

P.S. – Vasco Graça Moura é um distinto poeta, ensaísta e tradutor e foi durante anos gestor cultural público. É também um colunista sectário e demagogo, que escolheu como um dos seus alvos de eleição os ditos “subsidiodependentes”, os artistas que o Estado apoia para a criação contemporânea. É certo que sempre defendeu uma política patrimonial pública incluindo os teatros nacionais, mas para apresentarem o reportório clássico, coisa que, como uma vez lhe ouvi, um Beckett não seria! Então agora afi nal como é?

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