mandado de seguranÇa n.o 17.162 df.* · pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o...

57
- 180- MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* Relator - O Ex. mo Sr. Min. Djalma da Cunha Meno Requerente - Paulo Sal ema Garção Ribeiro Requerido - O Sr. Ministro da Aeronáutica Acórdão Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte- ressado. Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Mandado de Segu- rança n. o 17. 162, do Distrito Fe- deral, requerente Paulo Salema Garção Ribeiro, requerido o Sr. Ministro da Aeronáutica, etc.: Acordam os Ministros do Tri- bunal Federal de Recursos, em sessão plena, por maioria de votos, em conceder a segurança, tudo na forma e pelos fundamentos do Relatório e votos precedentes. Custas ex Iege. Rio, 20 de julho de 1959. - Afrânio Antônio da Costa, Presi- dente; Cândido Lôbo, Relator de- signado p/ Acórdão. Relatório O Sr. Dja/ma da Cunha Vas- concellos: - O impetrante pediu o mandado de segurança con- tra o Ministro da Aeronáuti- ca, a fim de ver cancelada uma pumçao disciplinar. Mo- tivou a punição o seguinte, con- forme contado pela inicial: (lê). Juntou documentos: (lê). Ale- ga em favor do pedido: (lê). * Nota da Redação - Interposto Recurso Extraordinário em 3-11-59 pela União, o qual tomou o número 46.923, tendo sido devolvido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal em 30-11-62, com a seguinte decisão: "Jul- garam /prejudicado, sem divergência". A autoridade apontada como co- atora assim informou: (lê fls. 87 a 92). A Subprocuradoria-Geral da República deu parecer contrário: (lê fls. 97 a 98). É o relatório. Voto (Vencido) o Sr. Min. Dja/ma da Cunha Mello: - Punição disciplinar, sem prévio conhecimento do mi- litar objeto da mesma, sem se ha- ver dado ao mesmo oportunida- de de explicar-se, eis o procedi- mento que se irroga à autoridade coatora. Mas indisciplina, especialmente nos meios militares, comporta re- pressão imediata, sob pena de fi- car em sacrifício a hierarquia e, pois, como consectário, com sa- crifício da ordem pública. A pu- nição foi precedida de interpela- ção sôbre o ato de indisciplina, ou de solidariedade com colegas em indisciplina. Não negada a atitu- de, seguiu-se, de modo presto, a punição. Acho que o caso, por suas peculiaridades, não compor- tava processo administrativo com amplitude de defesa. A delonga importaria então em quebra da autoridade de conseqüências im- previsíveis. Embora militar ilus-

Upload: others

Post on 19-Jul-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 180-

MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.*

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Meno Requerente - Paulo Sal ema Garção Ribeiro Requerido - O Sr. Ministro da Aeronáutica

Acórdão

Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte­ressado.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Mandado de Segu­rança n.o 17. 162, do Distrito Fe­deral, requerente Paulo Salema Garção Ribeiro, requerido o Sr. Ministro da Aeronáutica, etc.:

Acordam os Ministros do Tri­bunal Federal de Recursos, em sessão plena, por maioria de votos, em conceder a segurança, tudo na forma e pelos fundamentos do Relatório e votos precedentes. Custas ex Iege.

Rio, 20 de julho de 1959. -Afrânio Antônio da Costa, Presi­dente; Cândido Lôbo, Relator de­signado p/ Acórdão.

Relatório

O Sr. Dja/ma da Cunha Vas­concellos: - O impetrante pediu o mandado de segurança con­tra o Ministro da Aeronáuti­ca, a fim de ver cancelada uma pumçao disciplinar. Mo­tivou a punição o seguinte, con­forme contado pela inicial: (lê). Juntou documentos: (lê). Ale­ga em favor do pedido: (lê).

* Nota da Redação - Interposto Recurso Extraordinário em 3-11-59 pela União, o qual tomou o número 46.923, tendo sido devolvido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal em 30-11-62, com a seguinte decisão: "Jul­garam /prejudicado, sem divergência".

A autoridade apontada como co­atora assim informou: (lê fls. 87 a 92).

A Subprocuradoria-Geral da República deu parecer contrário: (lê fls. 97 a 98).

É o relatório.

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Dja/ma da Cunha Mello: - Punição disciplinar, sem prévio conhecimento do mi­litar objeto da mesma, sem se ha­ver dado ao mesmo oportunida­de de explicar-se, eis o procedi­mento que se irroga à autoridade coatora.

Mas indisciplina, especialmente nos meios militares, comporta re­pressão imediata, sob pena de fi­car em sacrifício a hierarquia e, pois, como consectário, com sa­crifício da ordem pública. A pu­nição foi precedida de interpela­ção sôbre o ato de indisciplina, ou de solidariedade com colegas em indisciplina. Não negada a atitu­de, seguiu-se, de modo presto, a punição. Acho que o caso, por suas peculiaridades, não compor­tava processo administrativo com amplitude de defesa. A delonga importaria então em quebra da autoridade de conseqüências im­previsíveis. Embora militar ilus-

Page 2: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 181-

tre e com fôlha de vida muito honrada, o impetrante tomou uma atitude política, indisciplinada, passível de repressão. Denego o writ.

Voto

o Sr. Min. Cândido Lôbo: -Sr. Presidente, o nobre Relator iniciou seu voto lamentando que a lei não conferisse exclusivamente à Justiça Militar competência para resolver êsses casos.

Peço vênia aS. Ex.a para di­zer que, felizmente, no meu fraco modo de en:tend~r, o legislador foi atilado. Temos dificuldades em julgar os nossos colegas, êles também teriam dificuldades em julgar os seus. De modo que, como que fazendo um princípio de equilíbrio, a lei quis deixar jus­tamente que êsses fatos fôssem por nós julgados.

Se realmente no Tribunal Mi­litar há. civis, o número dêles é mínimo, é uma minoria que não alteraria o ambiente característico militar a que estou me referindo. Peço vênia aS. Ex.a para dis­cordar do mérito. porque estamos diante de um princípio de lei que temos que aplicar ou temos que omitir.

Aplico a lei, aliás, seguindo o princípio da legislação comum, princípio universal. É sabido que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido. Éste dispositivo tem ou não tem eficácia, está ou não em vigência? Não havendo dúvi­das, porque creio que nesse deta­lhe não há discrepância, o impe­trante foi punido sem ser ouvido.

Assim, concedo a ordem, apli­cando a lei, para cancelar a prisão..

Voto (Vencido)

o Sr. Min. Godoy Ilhal: - Dois são os fundamentos da impetra­ção, para justificar o conhecimento da segurança, nos têrmos da Lei 11.° 1.533: a omissão de formali­dade essencial para imposição da pena e a incompetência da auto­ridade.

Pergunto ao Relator se o mano dado de segurança foi impetrado contra o Ministro da Aeronáutica. Então chega-se à conclusão de que o fundamento da impetração está prejudicado. Desde que o impe­trante reconhece que a autoridade supostamente coatora, o Ministro da Aeronáutica, teria confirmado, o ato censurado., logo, a matéria de competência ficou sanada. De modo que, sendo o Ministro da Aeronáutica o competente para impôr a pena, não há que falar em incompetência da autoridade.

Resta o segundo fundamento, que seria a omissão de formalida­de essencial. Diz-se que essa omis­são consistiu em não ter sido ou­vido previamente o acusado. Pelo que ouvi das informações, o ofi­cial impetrante foi chamado à pre­sença do Comandante da Zo.na Aérea, naturalmente para dar ex­plicações.

A imposição da pena não foi, pois, feita sem conhecimento do oficial.

Interpelado, confirmou sua po­sição. no incidente. Não poderia, portanto, surpreender-se com a imposição da pena que lhe foi im­posta pelo Comandante da Zona Aérea.

Nessas condições, denego a or­dem.

Page 3: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

Voto

o Sr. Min. João José de Queiroz: - Sr. Presidente, no que tange à alegação de incompetência da au­toridade que impôs a pena é, a meu ver, improcedente. No que toca à outra irregularidade apon­tada, que serviu de base à impe­tração, não se demonstrou tivesse sido o impetrante interpelado. an­tes da imposição da pena, o que é de eXlgencia regulamentar. Como bem lembrou o eminente Min. Cândido Lôbo, o Sr. Mi­nistro da Guerra, por exemplo, pelo menos nos caso.s de que te­mos conhecimento, sempre faz preceder tais penalidades de in­terpelação regulamentar.

O Sr. Min. Godoy Ilha: - No­te-se que, nos casos a que se re­fere V. Ex.a, se trata de oficiais da reserva, que não estão imedia­tamente subordinados ao Ministro..

O Sr. Min. João José de Queiroz: - O dispositivo regulamentar não distingue.

O Sr. Min. Godoy Ilha: - No caso, trata-se de oficial da ativa, que foi interpelado pela autori­dade superio.r.

O Sr. Min. João José de Queiroz: - V. Ex.a se refere a um deta­lhe que me teria escapado. Peço ao Relator que me esclareça: foi o impetrante, de qualquer modo, ouvido antes da imposição da pena?

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - V. Ex.a me permi­ta que reitere o que disse no Relatório. Cifrei-me, no Relató­rio, ao que está nos autos. Ao lêr a informação do Ministro, eu disse o seguinte: "diz o Ministro apon­tado como co.ator". " ... o próprio

182 -

impetrante (lê fls. 91) provou pela inicial que foi ouvido sôbre a punição, que teve seu direito de defesa reconhecido, tanto assim que pediu reconsideração ... ".

Não disse que aceitava isso como. prova de defesa item Hr da inicial, pág. 3 (lê).

Chamado a dizer sôbre o assun­to, teve o impetrante ciência e oportunidade de defesa no con­cernente.

O Sr. Min. João José de Queiroz: - Sr. Presidente, pedi ao Rela­tor os fatos, S. Ex.a teve a bon­dade de expô-los, tais como se apresentam no processo. Segundo o impetrante, teria êle sido cha­mado mas não chegou a ser in­terpelado a respeito da falta que se lhe imputava. O Sr. Ministro impetrado informa que, quanto ao connecimento prévio, exigência re­gulamentar, o impetrante não pode alegar ignorância, tanto que, ar­gumenta o informante, recorreu da imposição da pena. Ora, tal co­nhecimento se presume, apenas, após a imposição da pena.

Assim, Sr. Presidente, faltou, para a legalidade da pena impos­ta, o requisito da prévia audiência do impetrante. Data venia, acom­panho o' eminente Min. Cândido Lôbo, concedendo a ordem.

Voto

O Sr. Min. Raimundo Macedo: - Sr. Presidente, dois são os fundamentos do pedido: incompe­tência da auto.ridade que impôs a penalidade ao impetrante e inobservância de formalidade es­sencial na aplicação da pena.

Quanto ao primeiro, estou de acôrdo com o Relator em que o fato de o Ministro da Aeronáu-

Page 4: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

183 -

tica haver confirmado a pumçao, que teria sido imposta por auto­ridade outra que não a compe­tente, fêz desaparecer qualquer ilegalidade que decorresse daquela incompetência, visto que, em úl­tima instància, a competência para a imposição da pena seria do Ministro da Aeronáutica e tal­vez mesmo do. Presidente da Re­pública.

No tocante ao segundo funda­mento, porém, isto é, à omissão de formalidade essencial à imposi­ção da pena, estou de acôrdo com o Min. Cândido Lôbo., pela con­cessão da ordem. Não há explica­ção para a atitude tomada pela autoridade militar contra o impe­trante, prendendo-o num momento de rebeldia geral verificado na Aeronáutica. Efetivamente, nessas ocasiões, não se pode exigir das autoridades superiores a observân­cia de determinad~ formalidade para prender um chefe de um se­tor militar que está, pela sua ati­tude de rebeldia, pondo em perigo a ordem pública. Mas, uma vez ultrapassada aquela ocasião de re­beldia, deve-se restituir às partes o direito à conformação do. espí­rito de legalidade e, assim, não se. pode manter a anotação da pena, desde que se verifica que não foi ouvido previamente sôbre ela o punido.

O ilustre Relator informo.u que o impetrante foi chamado a São Paulo, mas não conseguiu justifi­car-se perante seus superiores e o contato que teve com um dêles foi já para receber a ordem de prisão.

O Sr. Min. Godoy Ilha: - Pa­rece-me que o propósito do dispo­sitivo regulamentar, no sentido de

não se impor a pena sem a prévia audiência do oficial, foi assegurar­lhe a defesa, em face das denún­cias, das partes, comuns na vida militar, que se levam aos superio­res hierárquicos contra determi­nado oficial, pela prática de ato transgressor da disciplina, ou em razão de fato delituoso. Manda-se previamente ouvir o acusado, para que fale a respeito da parte, da denúncia. Ora, no caso, não havia necessidade disso. O fato era do domínio público. A nota de que foi signatário foi publicada pelos jornais. Seria uma superfetação mandar ouvi-lo, para que fizesse gabo de sua indisciplina, confir­mando integralmente os têrmos da nota, como tem acontecido, aliás, com todos os oficiais em iguais circunstâncias, o que não reprovo, até considero gesto de altivez, por não fugirem à respon­sabilidade. Seria uma superfeta­ção, no caso, mandar ouvi-lo.

O Sr. Min. Raimundo Macedo: - Agradeço a V. Ex.a o esdare­cimento, mas entendo que, quan­do a lei estabelece uma garantia processual à defesa dos acusados, é essencial à validade do ato a observância dessa formalidade. Se ela foi omitida, ilegal é o ato.

Assim, Sr. Presidente, estou de acôrdo com o Sr. Min. Cândido Lôbo, concedendo a segurança.

Voto (Vencido)

O Sr. Min. Ribeiro Alves: Sr. Presidente, o Sr. Ministro Relator fêz sentir que depreendia das informações e dos elementos constantes dos autos, que o ofi­cial teria sido, previamente, inter­pelado pela autoridade militar com sede em São Paulo e, pos-

Page 5: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 184-

teriormente, detido. As informa­ções não deixam impressão. exata, precisa, do pormenor. Mas as cir­cunstâncias, de fato, não permi­tem desmentir êsse entendimento do Sr. Ministro Relator. O oficial estava sediado em Santos, foi cha­mado a São Paulo, claro que para responder à autoridade maior se confirmava ou nãO' aquela atitude de solidariedade. Evidentemente, essa interpelação foi verbal, pes­soal. Em face da confirmação, saiu de lá prêso, nem poderia ser de outra forma, po.rque a autori­dade não iria praticar ato de abso­luta irregularidade ...

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - V. Ex.a me permi­te um aparte em abono de seu ponto de vista? A fls. 2, a ilus­tre patrona do impetrante diz: "O Chefe do Estado-Maior da Zona não se deu por vencido e foi a Santos com o Tte. Cel. Ta­borda. Ali insistiu no propósito de impedir a solidariedade dos ofi­ciais da Base".

O Sr. Min. Ribeiro Alves: Mas isso foi antes da manifesta­ção. O oficial manifestou-se a fa­vo.r dos colegas, efetivamente, por questão de solidariedade de classe, mas terá que arcar com a respon­sabilidade dêsse seu ato, mormente sendo. militar. Se foi chamadO' a São Paulo, claro que o foi para con­firmar ou não. aquêle ato de soli­dariedade aos seus colegas, e, em confirmando, perante a autoridade competente, êsse gesto, saiu de lá prêso para Santos. Portanto, não vejo como vulnerado o dispositivo do Regulamento, porque teria sido interpelado o ora impetrante antes da prisão.

Ratificação de voto

o Sr. Min. Cândido Lóbo: Sr. Presidente, pela o.rdem. Mu­darei de voto se ú que o Sr. Min. Ribeiro Alves acaba de dizer estiver provado nos autos. Não conseguiu ser ouvido.

O Sr. Min. Ribeiro Alves: -Disse que ouvi do Sr. Ministro Relator e que era a impressão. que tinha da leitura dos autos.

O Sr. Min. Cândido Lóbo: -Foi o que todos ouvimos do Sr. Ministro Relator: em São Paulo não conseguiu ser o.uvido.

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - Sr. Presidente, vou ler, pela terceira vez, a página 3 da petiçãO' inicial - é o que o próprio impetrante diz: "Cha­mado a São Paulo, pelo Cel. Afonso Costa, não foi ouvido por seu superior hierárquico, o Sr. Brigadeiro Comandante da Zona, quem tinha competência para ouvi-lo e puni-lo. RecebidO' pelo Cel. Afonso. Costa, êste, no mes­mo momento, lhe entregou uma ordem de prisão infamante e de­terminou fôsse o impetrante con­duzido à Base de Santos".

Foi ouvido a respeito, pois. Teve ciência e ensejo de defesa no. concernente.

O Sr. Min. Cândido Lóbo: -Não foi ouvido por um e o outro imediatamente lhe entregou a or­dem de prisão. Data venia, con­firmo meu voto concedendo a ordem.

Voto

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: - Sr. Presidente, tenho uma co­gitação preliminar a fazer. Tra-

Page 6: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 185-

ta-se de pedido de mandado de segurança que conclui assim (fls. 15): " ... vem irnpetrar mandado de segurança, para que, ouvida a autoridade coatora, o Ex.mo Sr. Ministro da Aeronáutica, que en­campou a punÍção de 22-12-58, com o despacho de 2-4-59, seja concedido o mandado e declarada nula, sem efeito, por infração de formalidades constitucionais legais e regulamentares, a penalidade imposta ao impetrante e cancela­da a mesma de seus assentamen­tos".

Conseqüentemente, o que se quer é tornar sem nenhum efeito a penalidade. Qual foi a penali­dade? Prisão por 30 dias. Ora, Sr. Presi.dente, evidentemente, se a prisão estivesse em curso, o mandado de segurança seria meio inábil, impróprio. Se o impetrante estivesse prêso, caberia o habeas corpus, e a concessão de habeas corpus deveria ter a conseqüência do cancelamento pleiteado. Per­gunto - e é esta a minha cogita­ção - caberá o mandado de se­gurança para cancelar os efeitos de uma pena de prisão já cum­prida?

O Sr. Min. Cândido Lôbo: -O Tribunal já decidiu que sim, creio que por unanimidade de vo~ tos, no caso do General Juarez Távora. Presidi a sessão.

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: - Não antecipei minha opinião ...

O Sr. Min. Cândido Lôbo: -Estou dando o aparte a titulo. de informação, porque V. Ex.a não estava no Tribunal àquela época.

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: - Estou estabelecendo premissas. Estou indagando: caberá mandado

13 - 36033

de segurança para cancelar os efei­tos de uma pena de prisão?

O Sr. Min. Cândido Lôbo: -Justamente porque não cabe ha·· beas corpus.

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: 0- Sr. Presidente, verifico que es­tou vencido, porque, a meu ver, não cabe o mandado de segurança na hipótese. Não há razão para que se invoque o mandado de se­gurança. O mandado de seguran­ça, como o habeas corpus, é remé­dio heróico para as situações ins­tantes que demandam solução de imediato, de pronto efeito.

O mandado de segurança não tem cabida, no caso concreto; o caso concreto teria cabimento nas vias ordinárias; no mandado de segurança, não, data venia. E não há razão alguma para o mandado de segurança, porque contra a pri­são o mandado é ineficiente, im­próprio. Para o cancelamento de lançamento da pena de prisão nos assentamentos do suplicante, não há necessidade de recorrer a um processo excepcional, de efeito ur­gente, heróico, que não tem ade­quação.. ]j:sse cancelamento tanto seria feito hoje, amanhã, ou de­pois, como após a decorrência do prazo necessário para uma ação ordinária. Conseqüentemente, des­de logo, declaro que fico vencido quanto. ao cabimento do mandado de segurança.

O Tribunal, entretanto, tem pronunciamento contrário, como foi lembrado aqui, em caso ante­rior; e nesta própria assentada de julgamento, por maioria, que já se está manifestando em sentido oposto. . Declaro-me vencido.

Vencido, Sr. Presidente, con­cedo a ordem. Realmente, não

Page 7: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

era necessano que qualquer regu­lamento mencionasse a providên­cia da audiência prévia, da ouvida do acusado, para que se lhe apli­casse a pena. Isto está na tradi­ção do direito brasileiro, está na Constituição; e de relação ao caso concreto está expresso no art. 40 do Regulamento da Aeronáutica que reza: "Nenhuma pena será imposta sem ser ouvido o. trans­gressor e estatem os fatos devida­mente apurados".

É de se esclarecer que, sôbre a inobservância do dispositivo regu_ lamentar, as informações pràtica­mente silenciam. Na parte da inicial, em que o eminente Rela­tor vê uma confissão dessa audi­ência, data venia, ao contrário., vejo uma afirmação peremptória de que não foi ouvido, quando diz: "Chamado a São Paulo, pelo Cel. Afonso Costa, não foi o.uvido por seu superior hierárquico, o Sr. Brigadeiro Comandante da Zona, quem tinha competência partl ouvi-lo e puni-lo. Recebido pelo Cel. Afonso. Costa, êste, no mes­mo momento, lhe entregou uma ordem de prisão infamante e de­terminou fôsse o impetrante con­duzido à Base de Santos".

Quer dizer, já existia, já estava concretizada a pena aplicada, sem que êle fôsse ouvido pela autori­dade que lhe impusera essa pena. Ora, se está expresso no Regula­mento que o transgressor deve ser ouvido - e a própria autoridade coatora, não opõe desmentido, ou afirmação categórica de que hou­vesse sido ouvido o suplicante -tem-se que êle foi punido sem audiência. Se assim foi, evidente­mente essa pena, nos efeitos que possa produzir, segundo a maioria

186 -

do Tribunal, pela via do mandado de segurança, é de ser declarada nula. E é para êsses efeitos que concedo a ordem: para que se cancelem dos .assentamentos do suplicante as referências à pena.

Entretanto chamo a atenção. do Tribunal para essa consequencia, inteiramente desajustada, do cabimento do re-. médio pedido para uma pena dis­ciplinar que se aplicou.

Voto

O Sr. Min. Henrique d'Ávila:­O eminente Relator foi muito claro e preciso nas informações que ministrou ao Tribunal. Sua Ex.a acentuou que o impetrante, Comandante que era da Base Aérea de Santos, chamado a São Paulo pelo Brigadeiro Comandan­te da Zona, não chegou a avistar-se com aquela auto.ridade. Foi aten­dido pelo Cel. Afonso Costa, que o notificou da prisão que lhe fôra imposta.

Ficou, por igual, averiguado que o impetrante deixou de ser in­terpelado, anteriormente, pelo. fato considerado atentatório da disci­plina militar. O art. 40, do Regu­lamento do Ar, como lembrou o Min: Cândido Lôbo, estabelece que nenhum oficial poderá ser pu­nido sem ser previamente interpe­lado. A punição que lhe foi im­posta não obedeceu, portanto, os ditames regulamentares.

E nem se diga, como fêz o emi­nente Sr. Min. Godoy Ilha, que poderia tratar-se - e aí eu estaria com S. Ex.a - de um desacato, de um desfôrço pessoal, de indis­ciplina praticada cara a cara -caso em que seria dispensável, como é óbvio, a interpelação.

Page 8: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

Cogitava-se de rebeldia ou in­disciplina cometida à distância, da qual o oficial tem sempre pos­sibilidade de retratar-se, furtan­do-se destarte à punição.

Concedo a segurança.

Decisão

Como consta da ata e das notas taquigráficas, a decisão foi a se­guinte: Concedeu-se a segurança, vencidos os Srs. Mins. Rela­tor, Godoy Ilha e Ribeiro Alves. Os Srs. Mins. Godoy Ilha e Ri-

187 -

beiro Alves concluíram de acôrdo com o Relator e os Srs. Mins. João José de Queiroz, Raimundo Macedo, Cunha Vasconcellos e Henrique d'Ávila acompanharam a conclusão do voto do Sr. Min. Cândido Lôbo. O 81'. Min. João José de Queiroz se encontra em substituição ao Sr. Min. Sampaio Costa e os Srs. Mins. Raimundo Macedo e Ribeiro Alves foram convocados para preencher vagas ainda não providas. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Afrânio Antônio da Costa.

AGRAVO EM MANDADO DE SEGURANÇA N.O 23.357 - GB.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Cunha Vasconcellos Agravante - AIkindar de Castro Caminha Agravada - União Federal

Acórdão

A falta do patrono do autor na inicial não in­valida o processo se dos autos constam elementos que demonstrem à saciedade a autenticidade do pe­dido e a vontade do autor .

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Agravo em Man­dado de Segurança n.o 23.357, do Estado da Guanabara:

Acordam, por maioria de votos, os Juízes da Segunda Turma do Tribunal Federal de Recursos, e na conformidade das notas taqui­gráficas retro, em dar provimento, vencido o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello. Custas ex lege·.

Brasília, 16 de agôsto de 1961. - Cunha VasconceIlos Filho, Pre­sidente e Relator.

Relatório

O Sr. Min, Cunha Vasconcellos: - Nestes autos passou-se o se-

guinte: Alkindar de Castro Ca­minha, aposentado pela Caixa de Aposentadoria e Pensões, e também pela União Federal, requereu lhe fôsse computado o tempo de serviço - 35 anos - consideradas as licenças es­peCIaIS não gozadas. A Caixa negou. Veio o pedido de manda­do de segurança. O Instituto pres­tou informações.

O Dr. Juiz a quo decidiu assim: "A inicial foi datilografada, mas deixou de ser assinada. Não po­dia, nem sequer, ser despachada. Nenhum cunho de autenticidade existe no tocante ao pedido for­mulado. A lei requer capacidade

Page 9: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 188-

legal, e, não subscrita a inicial, pelo mandatário, de quem, no curso do feito, não há uma só assinatura, não se sabendo mesmo se existe o outorgado, não há pe­dido, no estrito. sentido do vocá­bulo. O processo sofre vício in­sanável, mormente em remédio sumaríssimo como é o mandado de segurança, impondo-se a sua nulidade.

Em face do expo.sto, anulo o processo ab initio em virtude de total ausência de autenticidade da inicial, não subscrita pelo patrono ou outorgado, o que a torna in­válida, ato que pratico pela pri­meira vez na minha vida de Juiz, e a co.ntragosto, por ser portador de certa alergia a tudo quanto diz respeito a nulidade, alergia que não é minha, e sim da própria sistemática de nosso Código de Processo Civil. Certifique o car­tório ,a circunstância assinalada, isto é, não se achar assinada a inicial, ut fI. 4. Custas ex lege."

O suplicante agravou e, no agravo, diz que nos autos estão todos os elementos que positivam a autenticidade da inicial: (lê).

A própria autoridade coatora não apreciou essa questão.

A Procuradoria da República, falando através do Dr. Alfredo da Cunha Lôbo, opina pela ma­nutenção da sentença.

Nesta Instância, o. Dr. N ery Kurtz pede a confirmação.

É o relatório.

Voto

O Sr. Min. Cunha Vasconcel­los: A assinatura de uma petição inicial, realmente, é ne­cessária, mas é necessária p\:tl1a imprimir autenticidade ao pedido.

Mas nem só a assinatura auten­tica ° pedido. Outros elementos podem ser considerados.

Vemos que à inicial foi junta procuração, conferida pelo supli. cante a dois advogados: Paschoal Peregrino e Mário Afis·, todemo.

Foram juntos, ainda, documen­tos que se referem ao caso, inclu­sive a aposentadoria, de acôrdo com o art. 66, da Lei n.o 1.711.

As informações que estão. às fls. 12/13 tratam do direito, sem negar que o suplicante esteja realmente na situação que alega: aposentado pela Caixa, sendo fun­cionano público, regularmente aposentado, etc.

Não quero argumentar com o pedido posterior, porque, poste­riormente, com o agravo, veio ° advogado pedindo que se houvesse tudo como retificado.

Assim, Sr. Presidente, data ve· rua, dou provimento ao. agravo, para mandar que o Dr. Juiz de­cida o mérito, de vez que a in­tenção do suplicante, através de advogado regularmente constituí­do., de pleitear o seu direito, está positivada .

O Juiz que decida como enten­der.

Voto (Vencido)

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - Sr. Ministro Relator, da1ta venia, nego provimento.

O impetrante se aposentou pelo Tesouro Nacional, computando, no tempo de serviço., licença-prê­mio não gozada. Quer agora, na aposentadoria pela seguradora, isto é, numa segunda aposentado­ria, que se conte, de nôvo, em dô­bro, essa licença-prêmio!? Não

Page 10: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

tem direito. É inequívoco que não tem direito.

Voto

O Sr. Min. Godoy Ilha: - Data venia de V. Ex.a acompanho o 8r. Ministro Rehitor, para provar o recurso e considerar válido o processo.

A falta de assinatura na petição inicial foi um mero lapso, que não impediu que a impetração fôsse processada regularmente. E só agora, na undécima hora, é que

189 -

o Juiz vem decidir o pedido para declarar nulo, ab initio ,o pro­cesso.

Decisão

Como consta da ata e das notas taquigráficas, a decisão foi a se­guinte: Por maioria de votos, deu-se provimento, vencido o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello. O Sr. Min. Godoy Ilha votou com o Relator. Presidiu o julga­mento o Sr. Min. Cunha Vas­concellos.

ACRA VO EM MANDADO DE SEGURANÇA N.O 23.774 - RJ.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Oscar Saraiva Recorrente - Juízo da Fazenda Nacional, ex officio Agravante - Instituto do Açúcar e do Alcool Agravada - Usina São José S.A.

Acórdão

A Constituição, em seu art. 146, autoriza o Es­tado a intervir no domínio econômico, e com su­porte nesse preceito é· de se reconhecer a compati­bilidade do regime estatuído pelo Dec.-Iei n.O 3.855, de 21 de novembro de 1941, que dispôs sôbre o Estatuto da Lavoura Canavieira, com o Diploma de 46. Aplicação do art. 88 do Dec.-Iei 3.855, de 1941 e do art. 1. 092 do Código Civil.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Agravo n. o 23.744, em Mandado de Segurança, do Rio de Janeiro, agravante Institu­to do Açúcar e do Alcool S. A., e agravada Usina São José, assi­nalando-se também, recurso ex officia:

Acorda, por unanimidade, a Terceira Turma julgadora do Tri­bunal Federal de Recursos, em dar provimento aos recursos para cas­sar a segurança, como consta das notas taquigráficas anexas, as

quais, com a relatório, ficam fa­zendo parte integrante dêste jul­gado, apurado às fls. 133. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, Distrito Federal, 17 de outubro de 1961. - Cunha Vasconcellos, Presidente; Oscar Saraiva, Re­lator.

Relatório O Sr. Min. Oscar Saraiva:

Sr. Presidente a matéria é de lar­go interêsse e oferece campo a amplo debate.

Page 11: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 190-

A sentença, em seu início, resu­me a espécie nestes têrmos: Usi­na São José S.A., com sede no Rio de Janeiro e estabelecimento­tos industriais no município de Campos, Estado do Rio, requer mandado de segurança contra o Delegado Regional do IAA, neste Estado, Sr. José Carneiro Terra, porque êste, por ato de 12-10-60, 'suspendeu as operações de cré­dito da impetrante, fundado na Resolução n.o 1.472/60 art. 65, § 3.°, a saber, atraso no pagamen­to das canas recebidas de forne­cedoras.

Alega-se: a) falta de poder do Delegado para impor a sanção em aprêço, a qual tocaria a Co­missão de Conciliação, Turma de Julgamento, ou Comissão Executi­va do IAA, na forma do art. 107 e seguintes do Dec.-lei n.O ..... . 3.8'55/41; b) falta de legitima­ção ativa, porque o processo se originou de petição da Associação Fluminense de Plantadores de Cana, ao invés de nascer de queixa de algum interessado; c) cercea­mento da defesa, por inobservân­cia do rito impôsto nos arts 125 a 137 do Estatuto da Lavoura Ca­navieira (Dec.-Iei n.o 3.855/41); d) ausência de atraso nos paga­mentos dos fornecedores, por es­tar em dia a impetrante.

O Delegado Regional adotou a defesa apresentada pelo Sr. Pro­curador-Geral do IAA, e o Dr. Procurador-Regional da Repúbli­ca subscreveu a mesma como as­sistente.

Sustenta o IAA preliminarmen­te a inidoneidade do mandado de segurança para acautelar interês­se patrimonial, e no méritoadvo­ga a denegação da medida, eis

que tanto vale pagar com atraso como pagar com diferença de pre­ço, ou fora da tabela do IAA."

O Dr. Juiz passa a examinar a questão da inidoneidade, que re­jeita, entendendo que há Ínterês-ses legítimos e a segurança é forma processual idô­nea para resguardo dêsses interês­ses.

No mérito, o Dr. Juiz acolhe, também, os pontos de vista da impetrante, para, afinal conceder a segurança.

Recorreu de ofício para êste Egrégio Tribunal.

O Instituto do Açúcar e do Ál­cool, in conformado, agravou.

Contraminutou a agravada. N esta Instância a Suprocurado­

ria-Geral da República pede pro­vimento dos recursos.

Ê o relatório.

Voto

o Sr. Min. Oscar Saraiva: -A Constituição, em seu art. 146, autoriza a lei a intervir no domí­nio econômico, e com suporte nes­se preceito é que é de reconhecer a compatibilidade, com certas res­salvas, do regime estatuído pelo Dec.-lei n.o 3.855, de 21 de no­vembro de 1941, que dispôs sô­bre o Estatuto da Lavoura Cana­vieira, com o Diploma de 46. Fo­ra dêsse regime estatutário tería­mos, aliás, a ruína dessa lavoura e da indústria correspondente, ruí­na já ocorrida em épocas anterio­res e caracterizadora de vários ci­clos de economia de nosso país. Mas êsse Estatuto cria, para os canavieiros, como para os forne­cedores de cana, não apenas, co­mo considerados na sentença re-

Page 12: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 191-

corrida, situações de direito sub­jetivo, mas, também, situações ob­jetivas de obrigações a serem cum­pridas, seguindooose, como é óbvio, a regra romana de que jus et obli­gatio sat1t correlata.

Ora, no caso, e em que pese a douta matéria com que foi a ma­téria debatida, tudo se resume em pretender a impetrante continuar a se beneficiar das operações de crédito e a receber o financiamen­to que lhe proporciona o IAA, sem que se queira sujeitar à obri­gação de respeitar os preços fixa­dos pela entidade para a cana for­necida pelos lavradores, e para cuja fixação é competente, nos têr­mos do art. 88 do Dec.-Iei n.o 3.855. Nesse passo, estamos com o IAA em que, a prosperar da pre­tensão da impetrante de fixar, a seu talante, e em desatenção ao citado preceito, o preço das canas fornecidas, sem seguir as normas fixadas pelo órgão controlador, vi­ria o Judiciário a ofender a reco­mendação do art. 145 da Consti­tuição, de que a ordem econômi­ca tem por base os princípios da justiça social, pois estaria a im­petrante amparada por todos os favôres que a Instituição dispensa, sem que atendesse aos encargos, que, como conseqüência, são exi­gíveis e livre de fixar discricionà­riamente o preço das matérias-pri­mas de que é compradora. E fun­cionaria assim o complexo meca­nismo estatal de amparo econô­mico, que deve alcançar usineiros e produtores de cana, apenas no sentido favorável aos usineiros, com lesão grave à boa justiça re­comendada pelo art. 145, citado.

Bem acentuou o IAA, em sua minuta de agravo, e invocando a

lição do douto e saudoso Arthur Marinho, que a complexidade das matérias em debate, e o resguardo dos numerosos terceiros, os produ­tores de cana, que a impetrante quer sujeitar ao seu próprio ar­bítrio, estariam a excluir a via da segurança. Mas, considerando a matéria do ponto de vista em que nos colocamos, basta então reco­nhecermos, para excluir a impe­trante da situa cão de direito lí­quido e certo p;etendido, a regra mencionada, constituída no art. 1. 092, do Cód. Civil, de que não pode o inadimplente exigir de ou­tros, Q. cumprimento de obrigação, sem antes cumprir as próprias. Posta a questão nesses têrmos, concluo que a impetrante é care­cedora da segurança pretendida e, por isso, dou provimento aos re­cursos para reformar a decisão re­corrida e cassar a segurança.

Voto

o Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Entendo Sr. Presidente, que o Estatuto da Lavoura Canavieira se ajusta convenientemente à dispo­sição constitucional, que autoriza a intervenção no domínio econô­mico. Considero uma distorção dos interessados, de certo modo acolhida em certos Juízos e Tribu­nais, pretender se investir nos be­nefícios, sem cumprir as obriga­ções. Por isso mesmo estou com o Relator, dando provimento para cassar a segurança.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade

Page 13: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

de votos deu-se provimento aos recursos para cassar a segurança. Os Srs. Mins. Amarílio Benja­min e Cunha Vasconcellos (con-

192 -

vocado para compor quorum) vo­taram com o Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Cunha. Va.sconcellos.

AGRAVO EM MANDADO N.O 26.201 - RJ.

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Henrique d'Ávila Recorrente - Juízo da Fazenda Pública, ex oflicio Agravante - União Agravado - Imo Indústria de Móveis S.A.

Acórdão

Impôsto de Consumo. Móveis. Visto não esta­rem os móveis incluídos na Tabela A da Lei n.O 3.520/58, é devido sôbre êles o tributo integral não permitida dedução do impôsto pago quand~ adquirida a matéria-prima para seu fabrico.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Agravo n. o 26.201, do Estado do Rio de Janeiro, em Mandado de Segurança, agra­vante União e agravado Imo In­dústria de Móveis S. A ., assina­lando-se também recurso ex 01-licio:

Acorda, por unanimidade, o Tri­bunal Federal de Recursos, por sua Primeira Turma, em dar pro­vimento aos recursos para cassar a segurança, conforme consta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o relatório, ficam fa­zendo parte integrante dêste julga­do, apurado às fls. 84. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, Distrito Federal, 11 de dezembro de 1963 - Henrique d' Ávila, Presidente e Relator.

Relatório

O Sr. Min. Henrique d'Ávila:­- A espécie foi assim exposta e decidida pelo Dr. Juiz a quo de

fls. 41 a 42: "Imo Indústria de Móveis S. A ., estabelecida em Pe­trópolis, impetra mandado de se­gurança contra o Sr. Delegado Fiscal do Tesouro Nacional nes­te Estado, alegando que é fabri­cante de móveis incluído na Lei n. o 3520/58 e Dec. n.o 45.422/ /59, referente ao impôsto de con­sumo. Que a autoridade coatora entendeu que o Regulamento n.o

45.422/59, da Lei 3.520/58, não alcança produtos sujeitos ao sis­tema de selagem direta, tanto que exige o pagamento' integral do tri­buto devido pelo produto acaba­do, sem permitir a compensação da parcela paga na aquisição dos produtos componentes.

Concedida a liminar, foi notifi­cada a autoridade coatora, que prestou as informações de fls. 34/35, que foram subscritas pelo honrado Dr. Procurador da Re­pública.

Vieram-me, assim, os autos con­clusos.

Page 14: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

o que visto· e examinado: Confirmo a liminar e concedo a

segurança.

Assim decido, lendo em vista ter a Lei 3.520, de 1958, em seus arts. 5.°, da alteração 1.a, eLo, da alteração lo.a, instituído o sis­tema de compensação do impôsto pago, quando da aquisição da ma­téria-prima. Está bem claro no n.o 1.0 da alteração 10.a que serão deduzidos os descontos, diferen­ças, bonificações, etc., para, com essa dedução, ser calculado o im­pôsto. Isto porque, o impôsto de consumo é cobrado quando o pro­duto é pôsto em consumo. Não, porém, sôbre os componentes quando o produto é acabado. Aliás, tese perfeitamente igual en­contra-se nos autos, através da sentença de fls. 21/25 e acórdão de fls. 26.

Recorro de ofício para o Egré­gio Tribunal Federal de Recursos.

Dessa decisão, houve recurso de ofício e apêlo voluntário da União, devidamente minutado e contra­minutado.

Nesta Superior Instância, a dou­ta Subprocuradoria pronunciou-se pelo provimento.

Os autos vieram ao Tribunal Pleno, para deslindar possível questão constitucional. E êste entendeu que não havia nenhuma questão constitucional a apreciar no caso e os devolveu à Turma.

É o relatório.

Voto

o Sr. Min. Henrique d'Ávila: - Dou provimento a ambos os recursos, para cassar a segurança, nos têrmos do parecer da douta

193 -

Subprocuradoria-Geral da Repú. blica, constante de fls. 57 a 60 dos autos.

Voto

o Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Também dou provimento para cassar a segurança e invoco como justificação o voto que proferi no Agravo em Mandado de Seguran­ça n.o 31.800. "Srs. Ministros, o assunto é, mais ou menos conheci­do da Casa: discute-se o desconto do impôsto pago na aquisição de matéria-prima pelos contribuintes, do impôsto de consumo.

Diversos casos têm subido a ês­te Tribunal. Lembro-me bem que, num processo, de que foi Relator o Sr. Min. Henrique d' Á vila, a Turma, por proposta de S. Ex.a, atendendo a que havia, na hipó­tese, argüição de inconstituciona­lidade, submeteu a controvérsia ao Tribunal Pleno. (Ag. M. Sego n.o 26.201).

Apesar das informações ou cer­tas indagações que procedi, não posso afirmar à Turma se o Tri­bunal já decidiu a matéria.

O Sr. Min,. Henrique d'Ávila - Posso adiantar à V. Ex.a que o Tribunal Pleno não decidiu, só em Turma.

O Sr. Min. Amarílio Benjamin: - As fichas do protocolo estão em aberto, com a remessa tão-sà­mente ao Tribunal Pleno. Cou­be a mim também outro processo em que fui Relator, no princípio do corrente ano (Agravo em Man­dado de Segurança n.o 27.300) em que esta Turma, por unanimi­dade, deu provimento aos recur­sos e cassou a segurança. Os im­petrantes não viram acolhidos, no

Page 15: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

meu voto, os argumentos em que se teria baseado o Juiz. Posteri­ormente, tive notícia de que ou'" tras decisões da Turma eram em sentido contrário, isto é, pela con­cessão da segurança. Estando pre­sente numa das sessões desta Pri­meira Turma, eu mesmo assisti ao julgamento de um feito em que, salvo engano, foi Relator o Sr. Min. Aguiar Dias, com Q. compa­recimento até de advogado, em que, pelo voto 'do Relator, a tese sustentada pelo impetrante foi vencedora. Quando êste proces­so me veio às mãos, resolvi reexa­minar cuidadosamente a matéria. Entendo que em certos assuntos o Tribunal deve fazer o máximo de esfôrço para manter uniformidade de decidir. Não há coisa pior do que a instabilidade de decisões, principalmente de um Tribunal, como o nosso, que tem tanta res­ponsabilidade na vida administra­tiva e na aplicação da legislação tributária. No caso, por exemplo, se prevalecer o critério dos impe­trantes, o desfalque não será pe­queno na cobrança do impôsto de consumo, porque se generaliza o princípio e êsse princípio será aplicável a todo e qualquer con­tribuinte desde que o fato se veri­fique.

Como disse, reexaminei tôda a matéria e trouxe para exame dos meus eminentes Colegas o resul­tado dêsse estudo. Antes de ler as minhas notas, submeto à con­sideração da Turma o pensamen­to que adoto em relação à preju­dicial de inconstitucionalidade. Não considero que a argüição seja relevante, porque em várias opor­tunidades tenho assim me mani­festa do. Se o regulamento trans-

194 -

borda de lei, evidentemente, o de­feito pode ser considerado inde­pendente de declaração ou de de­cretação de inconstitucionalidade. Basta que não se observe o regula­mento por isso que sob o ponto de vista da prepondera. Portanto, a meu ver, a argüição não é relevante. Se os Colegas estiverem de acôrdo, passo à leitura das notas.

Os Srs. Mins. Henrique d'Ávila e Márcio Ribeiro: - "De acôrdo".

O Sr. Min. Amarílio Benjamin: - No sistema dos anteriores Re­gulamentos do Impôsto de Con­sumo, principalmente o Dec. n. ° 43.711/58, o entendimento ofi­cial sôbre matéria-prima, trans­formação, beneficiamento, dedu­ção ou consideração do impôsto pago anteriormente, ressentia-se de uniformidade. Os dispositivos re­gulamentares são os mais diver­sos, compreendendo normas ge­rais e particulares. No relacio­namento que fizemos encontra­mos; 1) - Dec. 43.711 - art. 9.°, item 4.°, isenta do impôsto de consumo os artigos que a fábri.ca produzir e empregar no próprio estabelecimento, para composição ou manufatura de seus produtos; 2) - Dec. n.D 43.711 - Perce­be-se que o Regulamento teve em vista um regímen especial de fis­calização. Confirma-se, dentre ou­tros, os artigos 7.°, 8.°, 18, 46, e a b, 59, 76, 77, 98, a, 102, 104, 112, 126, § 3.°; 3) - Na Tabela A - ad vaIarem recolhimento me­diante guia - alínea XIII. Tin­tas - Dec. 43.711 - consta a isenção - letra a - para os in­dustriais que adquirirem produtos nacionais ou importarem produ­tos desta alínea, para empregarem

Page 16: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

como matéria-prima; e, ao mes­mo tempo, a obrigação de caução, para o gôzo de favor - nota La; 4) - Na Tabela C - em razão da quantidade ou caraterísticas técnicas, impôsto por meio de es-

aIínea - existe isenção item único - para o ál­cool aplicado como matéria-prima de produtos químicos ou de vi­nhos licorosos e compostos, desde que os estabelecimentos fabris pertençam à mesma razão social, embora situados em localidades diferente; 5) - Na Tabela D -mais de um regímen de pagamen­to, na alínea XXI - bebidas -encontram-se referências à maté­ria-prima nas seguintes passagens: nota 12.a (filtragem ou pasteuri­zação de vinho, empregado como matéria-prima de outras bebidas ou de vinagre); nota 20.a (defi­nição de matéria-prima para o vi­nho mosto e mosto concentrado); isenção do item b (vinho empre­gado como matéria-prima na fa­bricação do álcool e do vinagre);

Na alínea XXIV - Jóias - há a nota 9.a, que cuida do paga­mento quando há fornecimento de matéria-prima de terceiros e ainda autorização, quando a encomenda da obra provier de comerciante, para descontar, do valor total, o valor das pérolas cultivadas ou não, pedras preciosas e semi-pre­ciosas;

N a alínea XXVII - sal - vem consignada a isenção do sal em­pregado na fabricação da soda cáustica, desde que extraído pelo próprio fabricante - item único. Por fim, na alínea XVIII - teci­dos - a nota 3.a determina a não inclusão na tributação dos fios

195 -

vendidos a industriais ou importa­dos ou produzidos por êstes, para servirem de matéria-prima em sua indústria.

Cabe recordar, ainda, que no re­gímen anterior ao Dec. 43. 711, foram fixadas as seguintes inter­pretações:

Circular n. ° 83, de 1945. Pro­dutos dos incisos 1 e 2 - Alínea XXIX - (Tecidos) adquiridos como matéria-prima, por fabrican­tes. Adotou o critério de se levar em conta o impôsto pago pelo pro­duto adquirido;

Circular n.O 104, de 1945. Re­vogou a Circular n.o 83;

Circular n.o 141, de 1947. Es­clareceu que a isenção prevista no item a da alínea XIV (Tintas) abrangia apenas os artigos impor­tados ou adquiridos por industri­ais, para serem empregados em suas indústrias; e fixou o conceito de matéria-prima: artigo indispen­sável à composição ou obtenção do produto, através de transfor­mações industriais; não alcança os artigos empregados acessoria­mente, como acabamento ou em­belezamento;

Circular n.o 31, de 1949, com apoio no parecer n.o 2.768 -15-12-49 - da Junta Consultiva - que sustentou não haver a lei distinguido entre "artigos indis­pensáveis" e artigos empregados acessoriamente, na definição de matéria -prima, revogou a Circular n.o 141;

Circular n.o 1, de 1952. Tintas - alínea XIV - óleos essenciais e produtos químicos aromáticos - alínea XXVII - inciso 2; e Fios - alínea XXIX, inciso 2 -assentou que os critérios dessas

Page 17: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 196-

alíneas, em relação à matéria-pri­ma, somente beneficiam os pro­dutos indicados, com relação aos fabricantes respectivos;

Circular n.o 87, de 1954, esten­deu a todos os fabricantes, em qualquer das alíneas e produtos, o critério da dedução da maté­ria-p r i m a das alíneas XIV, XXVII, e XXIX - e revogou a Circular n.o 1, de 1952. (Ver Apelação Cível n.O 10.855 - S. P. 16-10-62) .

Em 1958, a 30 de dezembro, surgiu a Lei n.o 3.520, cuja inter­pretação ainda não alcançou tranqüilidade, principalmente de­vido à orientação que tomou o Govêrno ao regimentá-la. A Lei 3.520 deu nova redação a dispo­sitivo do Dec. 43. 711, acrescen­tou-lhe outras !Tegras, suprimiu al­gumas e organizou por completo as tabelas, dentro de novos títu­los e distribuição de produtos. A bem dizer, o Regulamento edita­do em seguida deveria conservar a disposição do Dec. 43.711, com o mesmo número de ordem, ajustar a nova redação, concreti­zar as supressões, aditar os acrés­cimos autorizados e remunerar os artigos. Todavia, o Govêrno pre­feriu dar feição inteiramente no­va ao nôvo Regulamento. Surgiu assim o Dec. 45.422, de 12-2-59, onde não se identifica fàcilmente o sistema da Lei 3.520, nem se percebe, de pronto, as particula­ridades e as modificações que passaram a vigorar. Quanto, po­rém, aos aspectos que estamos exa­minando, a nosso ver a Lei 3.520 pôs o problema, do seguinte modo: I - Suprimiu o item 4.°, art. 9.° do Dec. 43. 711 - (isenção pa-

ra os artigos que a fábrica pro­duzia e aplicava no próprio esta­belecimento, na composição ou manufatura de seus produtos). II - Acrescentou ao capítulo das "Normas Gerais" a disposi­ção do art. 5. o artigos sujeitos ao impôsto de consumo, utilizados, sem saírem do estabelecimento, na fabricação ou acondicionamento de outros produtos tributados, ensejando a incidência do impôsto no produto final, com a faculdade de dedu­ção, pelo fabricante, dos impostos pagos sôbre as matérias-primas empregadas). lU - Indicou ex­pressamente os produtos que cons­tituíram a Tabela A. Adotou em relação a êles as observações das Tabelas A, B e D, do Dec. 43.711, e emitiu novos preceitos sôbre a nova Tabela A, entre os quais -Alteração lo.a, e de n.o 2.: "Os fabricantes pagarão o impôsto com base das vendas de mercado­rias tributadas, apuradas quinze­nalmente, deduzido, no mesmo pe­ríodo, o valor do impôsto relativo às matérias-primas e outros pro­dutos adquiridos a fabricantes ou importadores ou importados, di­retamente, para emprêgo na fabri­cação e acondicionamento de arti­gos ou produtos tributados." No Regulamento (Dec. 45.422) -A Tabela A compreende 20 pro­dutos em particular e mais 8 sob o título genérico de produtos di­versos - alínea XXI - A Tabe­la D - alínea XXU e xxvn inclui respectivamente: café tor­rado, móveis, fumo, fósforos, jóias, obras de ouriveis e relógios; e be­bidas. Para o pagamento do im­pôsto o Regulamento tem em vista

Page 18: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

os sistemas: por guia, para os produtos da Tabela A - art. 145, com observações especiais, sôbre as alíneas lU, V, XXI, incisos 2 e 3; e para os produtos da Tabe­la B - alínea XXVI - Jóias); por estampilhas nas hipóteses do art. 1. 196; e mediante selagem direta - art. 222 - para café torrado e moído, móveis, fumo, fósforos e bebidas.

Admite o Regulamento que os fabricantes de bebidas - Alínea XXVII - incisos 1 e 7, possuin­do contador automático, possam pagar o impôsto por meio de guia - art. 260 e 261.

Várias divergências estão pos­tas com o Fisco . Uma das mais encarniçadas diz respeito à dedu­ção de impôsto pago sôbre as ma­térias-primas. Os contribuintes reivindicam a possibilidade como princípio geral, enquanto o Fisco a restringe ao mínimo. O deslin­de dessa dúvida não é tão fácil, mas fizemos o nosso estudo e che­gamos a certas conclusões, que passamos a expor: a) Segundo a lei e o seu regulamento, deter­minadas normas são gerais, outras pertencem a grupos de mercado­rias ou produtos e algumas têm em vista um produto em par­ticular; b) - O art. 5.0 da Lei n. ° 3.520, e que figura no Regu­lamento, sob o art. 149 § 1.0, aplica-se a todos os produtos, pois a lei não o limitou e o inseriu nas normas gerais. O art. 5.e da Lei n.o 3.520 não tem o mesmo signi­ficado que a alteração 1O.a, item 2.°. O art. 5.° considera o artigo que é produzido e depois utiliza­do como matéria-prima, sem sair

197 -

do estabelecimento. Já a altera­ção 10.a, n.o 2, visa às matérias­-primas adquiridas ou importa­das; c) - A alteração 1O.a n.o 2, que o Regulamento consolidou nos arts. 148, é específica dos pro­dutos da nova Tabela A, porque a Lei n.o 3.520 é que o, declara -(alteração 10.a, capat). Assim, a disposição transitória do art. 426; e a de caráter permanente do art. 75, letra c; d) - São disposições genéricas, desde que se verifiquem as ocorrências previstas, as do Re­gulamento nos arts.: 130, 131, 132, 133, 138 b, 139 e, 220; e) -Têm aplicação limitada aos pro­dutos que consideram os arts. 182 e 185 - Jóias; 272 e 273 - Vi­nho; e 158 - artigos de higiene.

Isto pôsto, temos que na deci­são dos diversos casos, que sobem ao Tribunal Federal de Recursos o primeiro cuidado é a qualifica­ção do produto na Tabela; em seguida, o exame da dedução pre­tendida, da matéria-prima; e afi­nal, pelo confronto. com as regras fundamentais, o critério aplicável.

Aplicadas essas regras ao caso dos autos, confirmo inteiramente o ponto de vista que assentei no Agravo em Mandado de Seguran­ça n.O 27.300.

Como os eminentes Colegas ou­viram, os impetrantes são fabri­cantes de bebidas, Tabela E, alí­nea XXVII. Têm, porém, um tra­tamento especial: a lei lhes con­cede desconto geral da matéria­-prima, desde que possuam con­tador automático. Está à vista que o fabricante comum, sem contador automático, não pode

Page 19: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 198-

usar do princípio. É verdade que os impetrantes consideram que a medida infringe a isonomia. Quando ouço falar em isonomia como terapêutica infalível para todos os males do País, fico, às vêzes, revoltado. Mas, Juiz, sou obrigado a dar exemplo de sere­nidade e de compreensão. Reite­radas vêzes tenho dito, com apoio nos mestres e na evolução do Di­reito e dos regimes políticos, que o princípio da isonomia tem preci­samente em vista o. cidadão, as garantias constitucionais de cará­ter individual; que o princípio da isonomia surgiu na Constituição de 1891 em obediência à sua fonte primária, originária, que foi o estatuto da Revolução Francesa, como reconhecimento solene da enfática derrogação de todos os privilégios.

Isso, em poucas palavras, como os Colegas sabem, significa que não se distinguem no cidadão a côr, a raça, a língua, a religião e a ideologia. Todos são iguais peran­te a lei.

Dêsse modo, a mim não preo­cupa, em se tratando de tributo, pô-lo abaixo apenas porque se alega isonomia. Uma das razões por que o tributo atinge a sua rea­lidade ideal é perfeitamente a dis­tinção entre as classes, entre os cidadãos e entre os contribuintes.

Po.r fim há uma consideração que entendo relevante: não existe uma só palavra na Constituição Federal no sentido de que a co­brança do impôsto de consumo deva ser uniforme.

Todos temos mais ou menos ressoando aos ouvidos a letra da

Constituição. No quadro tribu.tá_ rio, somente há referência ao princípio da uniformidade quanto ao impôsto de vendas e co~signa­ções - art. 19, § 5.°. E' êsse o único impôsto que a Constituição exige que seja uniforme. Assim mesmo, na -- porque o constituinte não enumerou todos os aspectos por que se poderia distinguir, limitando-se à "proce­dência" e ao "destino" na prática, de que serve de exemplo a legis­lação do Estado da Bahia, se dis­tingue na cobrança do referido impôsto de vendas e consignações pela espécie. No Estado da Ba­hia, jóias, bebidas e outros gêne­ros, que trazem em si a qualifica­ção de dispensabilidade, pagam mais.

O impôsto de consumo, portan­to, não padece de nenhum defei­to, sob ponto de vista constitucio­nal, em razão de ser cobrado pelo sistema mais prático, mais rentá­vel e mais condizente com a ne­cessidade da fiscalização.

Ainda uma vez o meu voto é para se dar provimento aos recur­sos e cassar a segurança, com des­culpas por ter-me estendido além do permitido".

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Deu-se provimento aos recursos, para cassar a segu­rança, unânime mente. Os Srs. Mins. Cândido Lôbo e Amarílio Benjamin votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Avila.

Page 20: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 199-

MANDADO DE SEGURANÇA N.o 26.701 - DF. 'i!

Relator -- O Ex.mo Sr. Min. Cândido Lôbo Requerente - Felix VaI ois de Araújo Requerido - Ministro da Guerra

Acórdão

Compete ao Presidente da República a promo­ção de militar. Assim, o ato de Ministro de Estado indeferindo pedido naquele sentido, face a inexis­tência de qualquer direito, não se justifica, cabendo a segurança impetrada para que o processo admi­nistrativo de referência seja presente ao Sr. Presi­dente da República, para decidir daquele pedido como de direito.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Mandado de Segu­rança n.O 26.701, do. Distrito Fe­deral, impetrante Felix Valois. de Araújo e impetrado o Ministro da Guerra:

Acorda, por voto de desempate, ° Tribunal Federal de Recursos, em sessão plena, em conceder, em parte, o mandado para determinar a remessa do expediente ao Sr. Presidente da República, confor­me co.nsta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado nos têrmos de fôlhas 39. Custas ex lege.

Tribunal Federal de Recursos, Distrito Federal, 11 de dezembro de 1961. - Sampaio Costa, Pre­sidente; Cândido Lóbo, Relator.

Relatório

O Sr. Mio. Cândido Lóbo: Sr. Presidente, Félix Valois de

* Nota: da Redação - Interposto Recurso Extraordinário pela União em 2-5-63, tendo o Ex.mo Sr. Ministro Presidente denegado o recurso em 4-6-63 não tendo a União interposto qualquer r<ecurso do res\peitável de9~ pacho.

Araújo impetrou o presente man­dado de Segurança contra o Mi­nistro da Guerra, por ter essa au­toridade indeferido o seu pedido de reforma com a promoção ao. pôsto de general-de-exército.

Alega o impetrante que é gene< ral-de-divisão, tendo, atualmente, o tempo necessário para se reformar e, como possui averbados em seus assentamentos o.s benefícios da Lei n.o 1.267, de 1950, pediu a sua inatividade em requerimento dirigido àquele Ministro, requeri­mento êsse que foi assim despa­chado: "A pretensão do requeren­te contraria o disposto no art. 59, da Lei n.O 2.370, de 1954."

Assim, continua a inicial, o Mi­nistro decidiu pedido que somente o. Presidente da República poderia fazê-lo. O art. 59, a que se refere expressamente o despacho minis­terial, é aquêle que preceitua: "Em nenhum caso poderá o mili­tar atingir mais de dois postos acima do que tiver na. ativa, bem como auferir proventos superiores ao do segundo pôsto".

Logo, conclui a inicial, o Minis­tro entrou no mérito da questão e a resolveu, porém, sem competên-

Page 21: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 200-

cia para tanto, pois o ato é ?a ex­clusiva atribuição do PresIdente da República.

Ao terminar, explica o impe­trante que "teve uma promoção pela lei de guerra, a qual tem aplicação na ativa e, agora, co~o reformado, quer a sua promoçao baseado numa lei que só se aplica na inatividade definitiva, por isso que a Lei nO 1.156, de 1950, manda promover na ativa e passar para a reserva, usand? a ex~r~s­são - será promovIdo prevIa­mente - enquanto que a do com­bate ao comunismo estabelece, de modo categórico, que a promoção será quando o oficial já estiver na inatividade".

Após essa explicação tôda, pe­diu fôsse deferida a segurança, apenas no sentido de que o Minis­tro da Guerra remetesse o expe­diente processual em causa ao Presidente da República, no qual o impetrante solicita a sua refor­ma e conseqüente promoção, por ser essa decisão da exclusiva com­petência do Presidente da Repú­blica, que decidirá como melhor entender de direito.

Vieram as informações e a Sub­procuradoria-Geral da República pediu a denegação do writ, eis que o Ministro da Guerra não pode ser equiparado a um mero encami­nhador de papéis, sendo nenhum o. direito do impetrante como as informações demonstraram, aten­dido que foi êle com uma promo­ção, quando passou para a reserva e que, agora, pela segunda vez, quer ser atendido novamente com mais outra promoção.

É o relatório.

Voto

o Sr. Min. Cândido Lôbo: Sr. Presidente, de acôrdo

com meus votos anteriores, não entro na apreciação do mérito do pedido, isto é, se o impetrante tem ou não tem razão. que não posso deixar de reconhecer é o fato de que, data venia dessa alta autoridade, o Ministro da Guerra não tem competência para deferir ou indeferir promoções ao gene­ralato, desde que essa escolha é privativa do Presidente da Repú­blica, é ato exclusivo do Chefe da Nação e, assim, não podia o Mi­nistro apreciar requerimento nesse sentido e desde logo indeferi-lo, após consulta aos órgãos técnicos de seu Ministério. Após êsses pa­receres, S. Ex.a devia encami­nhar o assunto ao Presidente da República, com um pequeno rela­tório à margem, sôbre o assunto., no qual, certamente, daria a sua opinião contrária à pretensão; po­rém encaminharia o assunto à decisão superior, prevista em lei como a única para deferir ou in­deferir o pedido. O próprio Mi­nistro indeferir, de plano, chaman_ do a si essa competência é, data venia, que não podia fazê-lo, eis que êle, apenas prepara o expe­diente para o Presidente decidir afinal.

Dir-se-á: mas, então o Ministro torna-se um simples encaminhador de papéis ao Presidente da Repú­blica?

Fácil a resposta no sentido de que um ministro não é mero en­caminhador de papéis. Nunca. Se assim fôsse considerado o da Guerra, então todos os demais também seriam, pois, o de que

Page 22: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 201-

nãO' há dúvida, é que tO'dO's êles têm assuntO's e lT1uitO's, muitíssi­mO'S, que levam à decisãO' final do Sr. Presidente da República. Não é somente O' da Guerra que parti­cipa dessa tarefa; TO'dO's êles.

fls. encontra-se uma dis-criminação feita pelo lYIinistro da Guerra, em relaçãO' a prO'moções já O'btidas pelo impetrante desde 1942, quando aO's 21 de agôsto, in­gressO'u nO' magistériO' militar, nO' pôstO' de majO'r, até 23 de dezembrO' de 1959, quandO' fO'i promo.vidO' a general-de-divisãO', nO's têrmO's dO' art. 54, inciso 1,. e 58 da Lei n.o 2.370, de 9 de dezembrO' de 1954, a cO'ntar de 22 de abril de 1955. PO'r essa discriminaçãO', a situaçãO' de fatO' e de direitO' dO' impetrante, quantO' à sua liquidez e certeza, é bastante duvidO'sa, pO'­rém, quem O' vai dizer, quem O' deve dizer, quem o pO'de dizer, quem tem cO'mpetência exclusiva para dizer é O' Presidente da Re­pública, confirmandO' O'U nãO' O' atO' ministerial. VO'to nesse sentido, Sr. Presidente, istO' é, defirO' a segurança, tãO'-somente para que O' Sr. MinistrO' da Guerra enca­minhe O' prO'cesso dO' impetrante, devidamente infO'rmadO', aO' Sr. Presidente da República, a quem incumbe decidir, afinal, na esfera administrativa, mesmO' pO'rque a interferência dO' Presidente da Re­pública fo.rça ° deslO'camentO' de nossa competência, em mandado de segurança, para o Supremo Tri­bunal Federal.

Voto (Vencido)

O Sr. Min. Godoy Ilha: - Data venia do Relator - e nesse senti­do sempre votei neste Tribunal - conheço da. segurança. Mas,

evidentemente, temos que apre­ciar a legitimidade, ou não, do ato do Ministro da Guerra, autorida­de supostamente coatora. S. Ex.a

esclareceu, às fls. 14, pelo Pare­cer do ilustrado Consultor daquele Ministério, a situação do. reque­rente, que obteve tôcfas as promO'­ções a que era possível galgar, pois, "tendO' ingressadO' no. magis­tériO' dO' ExércitO' nO' pôsto de ma­jor, por DecretO' de 31 de agôsto de 1942; por Decreto de 14 de dez/56 foi promovido a general de brigada, nos têrmos da Lei n.o 1.156/50, a cO'ntar de 25 de set/51; - por Decreto de 23 dez/59 foi promovido a general-de-divisáo, nos têrmO's dos arts. 54, inciso I, e 58 da Lei n.o 2.370, de 9 dez/ 54, a cO'ntar de 22 abr/55; - já alcançO'u dois graus hierárquicos acima do pôsto de co.ronel, que é o limite legal de acesso aos mem­bros do magistério dO' ExércitO'; -em 25 maiO'/61 requereu ao Ex.mo Sr. Ministro de Estado da Guerra reforma com prO'mo.çãO' ao pôsto de general-de-exército; -S. Ex.a, por despacho de 14, pu­blicado. no DO de 29 set/61, hou­ve por bem indeferir a petiçãO', de vez que a pretensão do reque­rente contraria O' disposto no art. 59 da Lei n.o 2.370/54."

ConheçO' da impetração e a de­nego.

VotO'

O Sr. Min. Oscar Saraiva: - Sr. Presidente, tenho vO'to conhecido e reiterado, neste Tribunal, em sentido diverso da pretensão do impetrante, face aO's têrmos do art. 59 da lei de inatividade mi­litar. Mas, no caso, Sr. Presiden­te, estO'u de acôrdo com a preli-

Page 23: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 202-

minar que o Sr. Min. Relator suscita, porque entendo que o Sr. Ministro da Guerra não tinha po­dêres constitucionais para indeferir ou deferir o pedido.

O Sr. Min. Goc1oy Ilha: - Re­cusou-se a encaminhá-lo ao Presi­dente da República.

O Sr. Min. Oscar Saraiva: -Data venia, a recusa de encami­nhamento ou o trancamento do processo. administrativo constitui invasão de atribuicões do presi. dente da Repúblic~. No regime presidencial, os ministros de Es­tado eram meros secretários do Presidente da República. Não ti­nham figura autônoma de órgão do Poder Executivo.

O Sr. Min. Goc1oy IIha: - O argumento de V. Ex.a vem em socorro do ponto de vista em que me coloquei. Precisamente por não ser o Ministro simples chan­celador dos atos presidenciais, a êle competia decidir. Se encami­nhasse ao Presidente da Repú­blica o pedido, estaria compro­metendo, antecipadamente, o seu referendum ao decreto presiden­cial. Justamente porque não ti­nha condição de referendar êsse decreto, recusou-se a encaminhar a pretensão.

O Sr. Min. Oscar Saraiva: - O ministro de Estado não tinha, realmente, capacidade para impe­dir o Presidente da República da prática de qualquer ato. E se êle se recusasse a referendar ato pra­ticado pelo Presidente da Repú­blica, contra a sua iniciativa, só teria um remédio; exonerar-se. Não era compelido manu militari a referendar. Mas teria não só o direito como o dever de se exo­nerar, para não se submeter ao

vexame de referendum contrário à sua opinião. No caso, cabia ao ministro de Estado encaminhar o pedido com parecer contrário. Trancar a via administrativa equi­vale a indeferir, a tomar às mãos atribuição que fi não lhe dava. Não estou discutindo o mérito. A minha opinião é co­nhecida, reiterada e, aliás, é a opi­nião prevalente no Tribunal, ma­nifestada em sua última sessão. Quanto aos atos de ministro de Estado, porém, que trancam a via administrativa que deve estar aberta até o Presidente da Repú­blica, não tenho dúvidas em dar a segurança. O ministro pode enca­minhar a pleiteação com parecer contrário, e assim deve fazer, mas não se pode negar ao encaminha­mento.

Estou de acôrdo com o Sr. Min. Relator no voto preliminar.

Voto

O Sr. Min. Amarilio Benjamin: - Srs. Ministros, em verdade, no sistema vigente, cabe ao Sr. Pre­sidente da República a escolha dos oficiais para o generalato. En­tretanto, essa norma geral somente se pode aplicar às hipóteses das promoções na ativa. Do que ouvi, a situação é diversa. O oficial pre­tende sua reforma com a obten­ção de determinados favores. O processo se conclui com o despa­cho do Ministro e tem como re­mate, ou coroamento, O' decreto que recebe a assinatura do Chefe do Govêrno e do Ministro corres­pondente ao negócio de que se trata. Assim, não vejo denegação de direito no despacho que o Sr. Ministro da Guerra proferiu, in-

Page 24: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 203-

deferindo a pretensão. É verdade que, de algum modo, estou sendo levado a essá conclusão pelo exa­me ou pela apreciação do mérito. Se estivesse eu de acôrdo em que, pelo mérito, o impetrante possuísse

evidentemente na­da me custaria, até sob ponto de vista lógico, concordar com o Sr. lVIin. Relator. Mas, no caso, pelas observações desenvolvidas por S. Ex.a, cheguei à conclusão de que o impetrante já foi beneficiado demais. Professor militar, servin­do no magistério, de acôrdo com as leis disciplinadoras da espécie, chega até a coronel.

O Sr. Min. Godoy Ilha: - Ge­neral-de-divisão.

O Sr. Min. Amarílio Benjamin: - Não vejo o direito pretendido, apesar da jurisprudência adminis­trativa e da que se construiu nos Tribunais. Data venia, considero anômala essa jurisprudência por­que, fora de qualquer dúvida, o professor não teve mesmo oportu­nidade de prestar serviços de guerra. As leis de promoção por serviços de guerra, iniludivelmen­te, se referem ao militar da ativa ou ao que, não estando na ativa, foi convocado e os prestou. O fato de ensinar, mesmo dentro de zona de guerra, salvo tendo em vista ação de guerra, não justifica a promoção. O impetrante, é certo, já a obteve em têrmos menos am­pIos. Quer mais, no entanto. Demasiadamente. Daí concluir eu que, pelo próprio mérito, nada mais tem a haver da Administra­ção, além do que já obteve, com excesso manifesto.

Denego a segurança.

Voto

o Sr. Min. Márcio Ribeiro: Sr. Presidente, não me sinto au­torizado a discutir o mérito do pedido do impetrante. Na preli­minar levantada pelo eminente Relator está envolvida uma ques­tão de competência, no caso de natureza absoluta, pois definida na própria Constituição, em têr­mos peremptórios. S. Ex.a afir­ma que o ato e, portanto, a com­petência pertence ao Presidente da República e não ao Ministro que proferiu o despacho.

Assim sendo, concedo a segu­rança para anular o despacho de S. Ex.a e mandar encaminhar o expediente ao Presidente da Re­pública.

Voto

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: ~ Sr. Presidente, ressurge, no­te-se - o debate, neste Tribunal, em tômo de assunto que até há pouco, estava tranqüilizado. Pa­rece que o Tribunal Federal de Recursos, data venia, com as mi, nhas homenagens, está seguindo nas águas um pouco revoltadas· dos tempos modernos, em que se exerce autoridade fora do limite das atribuições próprias, terreno em que êle mesmo tem sido ví­tima - e ainda recentemente ~ de decisões inadequadas. :Ê:ste ca­so, repito, COm minhas vênias aos que divergem, é típico. O Tribunal Federal de Recursos, mudando sua jurisprudência, estaria deci­dindo fora de suas atribuições. O Tribunal Federal de Recursos tem jurisdição, em mandado de segu­rança, sôbre os atos de ministros de Estado, mas não a tem sôbre

Page 25: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 204-

atos do Presidente da República. O Tribunal Federal de Recursos, pelas vozes dos que divergem da orientação do Sr. Min. Relator, acabou de se pronunciar no sen­tido de que, não tendo o supli­cante direito algum, nada há a censurar no ato do Ministro. Exame de mérito. Então, tem que admitir o inverso, tem que admi­tir a hipótese de examinar o me­recimento e chegar à conclusão de que há direito. E o que pode acontecer? O Tribunal Federal de Recursos criará uma situação di. fícil para si próprio, porque, não obstante o seu julgado reconhe­cendo o direito alheio, êsse julga­do não terá execução, cumprimen­to. E por que? A quem caberia cumpri-lo? Ao Presidente da Re­pública. Mas o Presidente diria: não estou sujeito, em mandado de segurança, à jurisdição do Tri­bunal Federal de Recursos; não tenho que cumprir sua decisão.

Veja-se bem a situação que se criaria. Êste é um dilema fatal. O de que se trata é simplesmente uma exorbitância de ministro de Estado indeferindo pedido para o qual êle não tinha competência.

O Sr. Min. Godoy Ilha: - Mas o rv.Iinistro da Guerra só submete ao Sr. Presidente da República os atos já devidamente formaliza­dos e que tenham apoio na lei.

O Sr. Min. Oscar Saraiva: -V. Ex.a permite um esclareci­mento nesse aparte? e falo, tam­bém, com a experiência de parti­cipação longa na administração pública. Os atos denominados "Exposição de Motivos" são enca­minhados ao Sr. Presidente da República, ora com proposta de expediente, ora com parecer con.

trário quando o ministro não tem competência para decidir. Evi­dentemente, o Sr. Ministro da Guerra, como qualquer outro mi­nistro, não irá encaminhar um ato preparatório de expediente a que é contrário. deve fazer uma exposição de motivos historiando as circunstâncias e propondo o in­deferimento. Essa era a forma de funcionar no regime presidencial. Agradeço ao eminente Colega o aparte.

O Sr. Min. Godoy Ilha: - Mas estamos no regime parlamentar.

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: - Mas os atos foram praticados no regime presidencial. Agradeço os apartes, que me dão ensejo de produzir mais um argumento: se é certo que os regulamentos dos Ministérios dispõem assim, devem ceder diante da Constituição e esta atribui ao Presidente da Re­pública competência para promo­ver oficiais do Exército e nomear funcionários públicos em geral. Logo, se a competência de promo~ ver está expressa, a de negar será implícita: quem tem competência para dar, tem para n~gar. Se é certo que os regulamentos man~ dam que se encaminhem, devida­mente esclarecidos e informados, os processos ao Sr. Presidente da República, isso não pode significar deslocamento de competência para efeito de o ministro indeferir uma pleiteação cujo reconhecimento depende de ato do Presidente da República.

Peço a atenção do Tribunal para êste aspecto, que é suma­mente delicado: o Tribunal estaria armando uma situação contra si próprio, na hipótese de se reco­nhecer com competência para exa-

Page 26: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 205-

minar o direito, ou declarar sua inexistência. Pergunto: que efeito terá êsse mandado de segurança? O Presidente da República irá cumpri-lo? S. Ex.a não teria de­ver algum de o fazer. E o Tribu­nal estaria criando para si uma situação melindrosa, qual a de proferir decisões líricas. Peço, portanto, a atenção dos Colegas para êste aspecto que reputo deli­cadíssimo. O SI. Presidente da República não está obrigado, de forma alguma, a cumprir uma de-. cisão dêste Tribunal, em mandado de segurança.

Sr. Presidente, data venia, voto com o eminente Relator.

Voto (Vencido)

O Sr. Min. Henrique d' Avila: -Antes de tudo o mais, é preciso situar a questão em seus devidos têrmos. O Ex.mo Sr. Ministro da Guerra não concedeu nem de­negou promoção ao impetrante, eis que êsses são atos de exclusiva competência do Sr. Presidente da República. S. Ex.a apenas re­cusou-se a encaminhar o necessá. rio expediente ao Sr. Presidente da República.

O Sr. Min. Cândido Lôbo: -V. Ex.a dá licença. Vou ler o despacho de S. Ex.a na íntegra, para V. Ex.a melhor aquilatar a situação: (lê).

O Sr. Min. Henrique d'Avila:­Muito obrigado a V. Ex.a . Mas, como dizia, apenas recusou-se o Sr. Ministro da Guerra a encami­nhar por motivo formal; não en­trou na apreciação do direito do impetrante de ser promovido, ten­do em vista o disposto na Lei n.o 1.267, de 1950, que atribui aos

militares uma promoção na reser­va, pelo fato de terem cooperado na debelação do surto comunista; apenas admitiu a existência de um impedimento legal, qual seja o dis_ posto no art. 59, da Lei n.o 2.370, que proíbe aos militares o acesso a dois postos, além do que tinham na atividade. Trata-se de requi. sito formal. É como se, por exem­plo, um estrangeiro pleiteasse acesso a cargo público, reservado a brasileiros. É evidente que tal não deveria ser levado em consi­deração, porque o interessado, dada a sua condição, estaria impe­dido de alcançar o desejado.

O Sr. Ministro da Guerra não exorbitou, absolutamente, de suas atribuições, nem invadiu área re­servada ao Ex.mo Sr. Presidente da República; êle, apenas, deixou de encaminhar o expediente, por­que não é mero encaminhador de papéis. Só está obrigado a levar a despacho os processos devida­mente formalizados, susceptíveis de serem despachados favorável ou desfavoràvelmente. E, nunca os inviáveis, como o de que se trata, onde o impetrante solicita terceira promoção na reserva.

O Sr. Mio. Cunha Vasconcellos: - Mas isso é mérito. É condição intrínseca.

O Sr. Min. Henrique d'Avila:­A proibição de tais promoções é condição extrínseca, data venia' . ..

O Sr. Min. Cunha Vasconcellos: - Importou, inclusive, na supres­são de uma instância, na supressão do apêlo ao Supremo Tribunal Fe­deral, o qual adviria do fato de negar o Presidente da República o direito.

O Sr. Min. Henrique d' Ávila: -De forma alguma. O impetrante

Page 27: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 206-

poderá vir ao Supremo, em grau de recurso.

Data venia do Relato.r, indefiro a segurança.

Voto (desempate)

O Sr. Min. Sampaio Costa (Pre­sidente): ~ Está empatada a vo­tação.

Parece-me que esta votação, de certa maneira, exaltou os ânimo.s do Tribunal. Não sei o porquê ... Tôda a questão tem sido pacífica, tranqüila, nesta Casa. Não. só nesta Casa, mas no próprio Egré­gio Supremo Tribunal Federal, que sempre aceitou os princípios consagrados aqui, ao respeito.

Há duas questões que se tem de separar nitidamente, para que o julgador possa decidir: primeiro, a questão da competência; segun, do, a questão do mérito. Nenhum defeito maior - isto é comezinho no Tribunal - do que a falta de competência. Não se pode decidir o mérito sem que se tenha compe, tência para fazê-lo.

Ora, todos sabemos que os atos de promoção de oficiais, de nomea~ ção de oficiais são do Presidente da República. Dir-se-á: S. Ex.a

pratica o ato com o sufrágio de referendum do ministro de Esta~ do. Mas êsse referendum de mi~ nistro de Estado representa a pre­paração do ato, para que o Pre, sidente da República decida a es­pécie.

Ora, no caso, que se quer? Quer-se a anulação de um ato de Ministro que examinou o mérito da questão, a decidiu, denegan­do-a.

Dir-se-á: está certa essa dene­gação. Mas quem não tem com­petência não pode decidir se está

certa ou não. É o poder compe_ tente que vem dizer se há ou não razão. Demais, não é nôvo dizer que há jurisprudência, também não tranqüila, mas antiga do Tri­bunal, no sentido de que não po­diam ser feitas mais de duas oro­moções na inatividade. E o ~ Su­premo Tribunal Federal proferiu vários acórdãos nesse sentido, tranqüilizando-se hoje em dia.

Como disse o eminente Min. Oscar Saraiva, o ministro de Es­tado é preparador que apenas ex~ põe motivos ao Presidente e dá a sua opinião. Mas, o a to, em si, é do Presidente da República. O ministro n_unca poderia tomar-lhe a iniciativa, sob pena de executar ato de natureza inconstitucional.

Falou-se em que as partes deve­riam ir ao administrativo. A lei assim o diz: nos casos de recurso com efeito suspensivo. Mas é que o. Egrégio Tribunal modificou êsse ponto de vista, dizendo que o in_ divíduo pode, independentemente mesmo do recurso administrativo, ir ao Judiciário, desde logo. De modo que, a meu ver, parece-me, com a devida vênia das altas opi­niões em contrário, que o ponto de vista mais acertado é daqueles que seguiram o Relator, mesmo porque há um princípio de juris­prudência já firmado no Egrégio Tribunal. Até então, só havia um ministro que opinava contrário a êsse ponto de vista, o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello, que ain­da continua a justificá-lo com o brilho que lhe é peculiar.

De forma que, com a devida vênia dos votos contrários, conce­do o mandado em parte, para que seja enviado o expediente ao Sr. Presidente da República.

Page 28: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 207-

Decisão

Como. consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por voto de desem­pate, concedeu-se, em parte, o mandado para determinar a re­messa do expediente ao Sr. Pre­sidente da . Os Srs. Mins. Amarílio Benjamin, Renri-

que d'Ávila, e Djalma da Cunha Mello votaram com o Sr. Min. Godoy Ilha; e os Srs. Mins. Oscar Saraiva, Cunha Vasconcellos, Már­cio Ribeiro (Afrânio Costa) e o Presidente desempatando, con­cluíram de acôrdo com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Sampaio Costa.

MANDADO DE SEGURANÇA N.O 27.465 - DF. ~

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Aguiar Dias Requerente - Manoel Rodrigues Filho Requerido - Ministro da Agricultura

Acórdão

Mandado de Segurança. Falta de objeto. Tem-se como prejudicado o mandado de segurança, quando visa a remediar situação acessória ou subordinada, se já está desfeita a situação principal, da qual aquela depende.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Mandado de Segu­rança n.O 27.465, do Distrito Fe­deral, impetrante Manoel Rodri­gues Filho e impetrado Ministro da Agricultura:

Acorda, por unanimidade de votos, o Tribunal Federal de Re­cursos, em sessão plena, em julgar prejudicado o pedido, conforme consta das notas taquigráficas ane­xas, as quais, com o relatório, fi­cam fazendo parte integrante dês" te julgado, apurado nos têrmos de fôlhas 71. Custas de lei.

Tribunal Federal de Recursos, Distrito Federal, 18 de junho de 1962. - Henrique d' Avila, Presi­dente; Aguiar Dias, Relator.

* Nota da Redação - Interposto Recurso Ordinário por Manoel Rodri-19ues Filho em 2-12-63, o qual foi remetido ao Egrégio Supremo Tribunal Federal em 27-5-64.

Relatório

o Sr. Min. Aguiar Dias: -Sr. Presidente, Manoel Rodri­gues Filho pede mandado de segurança contra ato do Sr. Mi­nistro da Agricultura, alegando, em síntese, o seguinte: o impe­trante é Reitor da Universidade Rural de Pernambuco. Em vir­tude de certos incidentes entre a Reitoria e os estudantes, houve nomeação de uma comissão de sindicância para apurar fatos da sua administração. O Reitor afas­tou-se espontâneamente e a co­missão de sindicância, algum tem­po depois, achou prudente que êle continuasse afastado. Depois de constituído o Govêrno Parlamen­tar, o Presidente do Conselho de Ministros, aprovou uma exposi­ção de motivos, em que se consi­derava de conveniência que o Rei-

Page 29: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 208-

tor reassumisse seu cargo, porque não haviam sido apuradas irregu­laridades na sua administração, embora nessa mesma exposição de motivos se sugerissem medidas capazes de melhorar as relações entre o Reitor e os alunos da Uni· versidade. Mal saindo êsse des­pacho, o impetrante reassumiu o seu cargo e o Sr. Ministro da Agricultura entendeu que, para essa reassunção, era necessária a sua aquiescência, ou, pelo menos, que o processo transitasse pela sua pasta.

O Reitor entendeu que não ha. via como exigir o prévio comando do Ministro da Agricultura para que êle reassumisse a Reitoria, da qual se afastara espontâneamente, uma vez que a exposição admi. nistrativa determinara que êle re­assumisse.

Alega, ainda, o impetrante, que o Sr. Ministro da Agricultura é incompetente para aplicar-lhe pe_ nalidades, porque o Reitor não é funcionário público. A Reitoria tem autonomia administrativa, não estando sujeita à auto.ridade do Sr. Ministro. Entra também, o impetrante, na apreciação da fal­ta, que foi considerada grave. Essa falta consistiu numa resposta, em jornal, a uma entrevista do Sr. Ministro. Dizendo o Sr. Mi. nistro, que o Reitor tinha reassu· mido a Reitoria sem sua prévia autorização, respondeu o Reitor a essa entrevista, pelo mesmo jornal, defendendo-se.

O Sr. Ministro da Agricultura prestou as informações solicitadas, que se resumem assim: que não é exato, como alega o impetrante, que a exposição de motivos deter. minasse desde logo a reassunção

do Sr. Reitor. Pelo contrário, mandou que houvesse um exame e a remessa dos autos aos Minis. térios da Educação e Cultura e da Agricultura, para as devidas providências, o qUe, ao ver da autoridade impetrada, significaria que o pedido. devia +4"<'''<'''/-''',

Ministério. Sustenta que o Reitor está sujeito à autoridade hierár­quica do Ministro e reitera a sua crítica à entrevista do Sr. Reitor, que considera falta grave, tanto porque criticava de público a au­toridade ministerial, como porque defendia aquêle ato. que foi consi­derado indisciplina, isto é, a volta à Reitoria sem o trâmite conside­rado legal. Também explanam as informações, considerações sôbre o mérito da administração do Sr. Reitor, o que é impertinente, nes­te mandado.

A Subprocuradoria-Geral da República alega, preliminarmente, que há fato nôvo a prejudicar a impetração,_ isto é, o Presidente da República, no uso de prerroga­tiva legal, exonerou o impetrante do cargo de Reitor da Universi­dade e, no mérito, sustenta-se nas informações para pedir a denega­ção do mandado..

Ê o relatório.

Voto

O Sr. Min. Aguiar Dias: -Sr. Presidente, considero preju­di.cado o pedido. Realmente, desde que o impetrante foi exone­rado do cargo, não há mais inte­rêsse legítimo em defender-se da suspensão que lhe foi imposta pelo Sr. Ministro da Agricultura, a não ser que o Tribunal decidisse, por assim dizer, em sentido aca­dêmico, para dizer se o ato é legal

Page 30: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 209-

ou ilegal, sem o dano a direito sub­jetivo líquido e certo, exigido pelo mandado de segurança pa.ra o seu cabimento.

Reputo prejudicado o pedido.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Por unanimidade

de votos, julgaram prejudicado o pedido. Os Srs. Mins. Cunha Vasconcellos, Henrique d' Ávila, Raimundo Macedo (Djalma da Cunha Mello), Cândido Lôbo, Go­do~ Ilha, Oscar Saraiva e Amarí­lio Benjamin acompanharam o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. Henrique d'Ávila.

AGRAVO EM MANDADO DE SEGURANCA N.O 27.623 - GB. ~

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Mário Ribeiro Recorrente - Juíz da Fazenda Pública, ex officio Agravante - União Federal Agravada - Predial Waisman S.A.

Acórdão

Impôsto do sêlo. Contrato de construção. Em se tratando de simples administração, e não de empreitada, o tributo é exigível somente sôbre as importâncias efetivamente entregues.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Agravo de Petição n.O 27.623, do Estado da Guana­bara, em Mandado de Segurança, agravante União Federal e agra­vada Predial Waisman S. A . as­sinalando-se também recurso ex officio:

Acorda, por unanimidade de votos o Tribunal Federal de Re­cursos, em Primeira Turma, em negar provimento, conforme cons­ta das notas taquigráficas anexas, as quais, com o relatório, ficam fazendo parte integrante dêste julgado, apurado às fls . 46 . Custas ex leae.

Tribunal Federal de Recursos, Distrito Federal, 16 de agôsto. de 1962. Amarílio Benjamin,

Presidente; Márcio Ribeiro, Re­lator.

Relatório

O Sr. Mino Márcio Ribeiro: Trata-se de recurso ex olH­

cio e de agravo da União con­tra a sentença de fls. 25, em que o MM. Juiz dos Feitos da Fazenda concedeu mandado de segurança à Predial Waisman S.A., a fim de não pagar o im­pôsto do sêlo exigido em contrato para construção de um edifício, considerando-o contrato por ad­ministração e entendendo que, ,portanto, o sêlo só deveria inci­dir sôbre as importâncias efetiva­mente pagas ao construtor pelo proprietário. Pretendia o fisco

Page 31: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 210-

cobrar o impôsto como se se tra­tasse de empreitada, recaindo o sêlo sôbre o custo total da obra.

É o relatório.

Voto

o Sr. Min. Márcio Ribeiro: A fundamentação da senten­

ça é a seguinte (fls. 26 e 27): a) - Estão sujeitos ao impôs­to de sêlo os contratos de cons­trução, sob qualquer modali­dade (Consolidação da Lei do Sêlo): "Nos contratos de constru. ção por administração, o sêlo in­cidirá sôbre as importâncias efe­tivamente entregues, pagas ou cre­ditadas ao construtor pelo proprie­tário" (art. 40, Nota s.a da Ta­bela) .

N o caso sub judice discute-se, em última análise, é sôbre a natu­reza do contrato de fls. S/10, o qual, para a impetrante, é de sim­ples administração e, para a auto­ridade fiscal, de empreitada. b) - A denominação escolhida­"contrato de administração" -não basta para deslinde da con· trovérsia. O nome é simples sinal indicativo das coisas. O Estado da Guanabara, como entidade so­cial, política, existiria, fôsse ou­tro nome que lhe dessem, ao transferir-se a Capital da Repú­blica para o planalto. Não so­mente pelo disposto na cláusula VII ("Em remuneração do seu ser­viço de administração das obras, receberá a construtora, dos primei­ros contratantes, a quantia cor­respondente a 10% sôbre o custo total da obra ... "), nas várias outras cláusulas, os caracteres de uma administração, formalmente se

apresentam. Com efeito, a cláu­sula IV, fundamental: "Correrão por conta exclusiva dos primeiros contratantes, tôdas as despesas necessárias para e decorrent~s da construção, tanto as referentes à mão-de-obra, como a materiais, in­clusive todo maquinaria, transportes, encargos de legislação e assistência so­cial ... " Contra o texto da minuta contratual, não apontou a autori­dade, aqui denominada coatora, fatos concretos que ilidam a pre­sunção de veracidade do que foi entre as partes pactuado. a) -Pelo exposto, julgo procedente o pedido e concedo a segurança, a fim de autorizar a lavratura do ato, sem o pagamento do tri­buto.

O Dr. Juiz se refere a duas cláusulas pelas quais se vê niti­damente que o contrato é de ad­ministração. Eu acrescentaria mais um argumento: é que, hoje em dia, não se encontra quem construa por empreitada um edi­fício do porte de que tratem os autos, porque não se pode saber qual o custo total da obra, em vir­tude da inflação.

Mantenho, Sr. Presidente, a sentença, que concedeu a seguran­ça, negando, assim, provimento aos recursos.

Decisão

Como consta da ata, a de­cisão foi a seguinte: Negou-se provimento, unânimemente. Os Srs. Mins. Amarílio Benjamin e Aguiar Dias acompanharam o Sr. Min. Relator. Presidiu o julga­mento o Sr. Min. Amarílio Ben­Jamin.

Page 32: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 211-

AGRAVO EM MANDADO DE SEGURANÇA N.o 27.676 - MG. ~

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello Recorrente - Juiz da Fazenda Nacional, ex oificio Agravantes - União Federal e Banco do Brasil S.A.

- Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A. (CEMIG)

Acórdão

Impôsto de renda. Não constitui rendimento, lucro, o dinheiro remetido para o exterior como pa­gamento de mercadorias importadas, verificada a regularidade da importação e exatidão dos paga­mentos.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Agravo em Manda­do de Segurança n.O 27.676, de Minas Gerais, em que são partes as acima indicadas:

Acorda a Segunda Turma do Tribunal Federal de Recursos, por unanimidade, em negar provimen. to, na forma do relatório, votos e resultados do julgamento de fls. 230 usque 240, que ficam inte. grando o presente. Custas de lei.

Brasília, 6 de novembro de 1964. - Djalma da Cunha Mel­lo, Presidente e Relator.

Relatório

o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - A parte fundamental da sentença recorrida consta de fls. 173/180. Ei-Ia: "O mandado de segurança, no caso em aprêço, é admissível porque visa a um ato administrativo de interpretação duvidosa e que, pela interpreta­ção da impetrada, pode ou não es­tar ferindo direito líquido e certo. Não se contradiz o eminente Min. Castro Nunes, invocado pela im-

* Nota da Redação - Interposto Recurso Extraordinário pela União em 24-8-65.

petrada, que afirma no seu Do Mandado de Se~urança, pág. 181, que: - "O ato contra o qual se requer o mandado de segurança terá de ser manifestamente in­constitucional ou ilegal para que se autorize a concessão da medi­da". Mas, é lógico. O que o emi­nente Ministro e jurista diz é que: ''Para que se autorize a concessão da medida" - e não - que ° pe­dido não pode ser objeto de apre­ciação. Fácil de concluir-se, da­ta venia, que, para se saber da ile­ga,1idade ou não de um ato que pode ou não lesar direito de al­guém, terá êle de ser submetido à apreciação e decisão do Poder Judiciário, a quem corr:pete a in­terpretação da lei. É preceito constitucional que, "nem a lei po­derá excluir da apreciação do Po­der Judiciário qualquer lesão de direito individual". A preliminar argüida pela impetrada, do não cabimento do remédio heróico, não tem, pois, a menor consistên­cia, conforme está bem demons­trado no memorial apresentado

- pelas impetrantes à parte, e acom­panhado do alentado parecer de 40 fôlhas, peças que são juntadas aos autos. E quanto ao mérito:

Page 33: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 212-

Igualmente, com fundamento na doutrina, nos textos das leis que regem a matéria e na jurisprudên­cia firmada, o pedido é inteira· mente procedente, sendo de se conceder a segurança impetrada, por manifestamente ilegal o ato da Fiscalização Bancária do Ban· co do Brasil que, interpretando a lei a seu modo, e contrariando a jurisprudência firmada e até a própria Delegacia do Impôsto de Renda, sem dúvida, fere direito líquido e certo das impetrantes quando se recusa a autorizar a remessa de rendimentos (débitos por obrigação contratuais e juros) devidos pelas impetrantes, para fora do País, sem a prova do pa~ gamento do impôsto de renda com base na taxa, ou no custo do câm~ bio fixado em Cr$ 200, por dó~ lar, pela SUMOC, por intermédio da Instrução 204, de 13-3~961, enquanto que a Delegacia do Im~ pôsto de Renda concede a remes· sa, mediante o pagamento do im~ pôsto sôbre a taxa oficial de câm­bio, de Cr$ 18,92 por dólar.

Apreciando-se a matéria, tal como exposta, face à legislação, à jurisprudência e, especialmente tendo em vista o regime de lega­lidade vigente e a conseqüente hierarquia que se impõe entre os órgãos da administração, as leis e regulamentos e instruções, e ainda face às funções inerentes à própria impetrada, constata-se, desde logo, o arbítrio legal da mesma impetrada, pela prática obstinada do ato impugnado, ma~ nifestamente ilegal. Na lei fiscal, não se admite a interpretação ex~ tensiva como pretende a impetra~ da. Não se trata aqui de aplicar dispositivo duvidoso que careça

de interpretação, senão de aten­der ao que está escrito, no sentido estritamente gramatical. O texto do dispositivo fiscal deve ser en­tendido como está redigido, e não lhe restringir nem lhe dilatar o sentido. Admitamos que houves­se contradição nos in­vocados e que, por isso, se estabe­lecesse a dúvida. Seria então o caso de aplicar o velho brocardo In dubio contra Fiscum. Mas não é o caso pois os dispositivos apli­cáveis à matéria em debate, não comportam interpretação exten~ siva. Trata-se de aplicação da cé­lebre Instrução 204 que fixou nô­vo custo de câmbio, em relação aos dispositivos de lei que regu~ Iam a incidência do impôsto de renda sôbre rendimentos remeti~ dos para o exterior. Rendimentos êsses de entidades estrangeiras, e resultantes de obrigações contra­tUlais assumidas pelas impetran~ tes. Conforme os documentos de fls. 47 e 48, a Delegacia do Im­pôsto de Renda, órgão competen­te para tributar, autoriza a opera­ção para que as impetrantes pro~ cessem a remessa dos seus com­promissos para o exterior, com base na taxa de câmbio oficial, is~ to é, sôbre Cr$ 18,92 por dólar.

Entretanto, de maneira exdrú­xula e obstinadamente, como sim­ples órgão auxiliar que é da De­legacia, a impetrada não admite tal remessa, senão com o paga~ mento do impôsto na base de Cr$ 200, nôvo custo de câmbio fixado pela Instrução 204, de 13-3-61.

O âmago da questão está pois, em saber-se em que taxa de câm­bio será tomada por base para a conversão da moeda estrangeira

Page 34: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 213-

pela qual se constituiu a dívida das impetrantes, e sôbre cuja conversão se pagará o impôsto de renda para liberação da re­messa e liquidação dos débitos no estrangeiro, débitos êsses que constituem os .legítimos rendi­mentos das entidades credoras:

Se pela "taxa de câmbio oficial" de Cr$ 18,92, por dólar, firma­da em convenção internacional, e homologada por lei local e declarada ao Fundo Monetário Internacional, e pela qual foram efetivamente realizados os contra­tos de fornecimentos, por firmas estrangeiras, de material destina­do a usinas elétricas das impe­trantes, e "considerado de Te­levante interêsse nacional"; -ou se pela taxa ou "custo de câm­bio", fixado em Cr$ 200 por dó­lar, pela Instrução 204. Certo que a Superintendência da Moeda e do Crédito, como órgão executi­vo da política cambial do Poder Executivo, é competente para fi­xar normas cambiais. Mas, antes, assim como os demais órgãos da admir.istração, e como o próprio Poder Executivo, há que observar a ordem legal estabelecida, a hie­rarquia, dentro do regime da le­galidade. Não pode, a seu arbí­trio, só porque é órgão do Exe­cutivo, ferir direito certo e já adquirido por fôrça de lei e de tratados, sem causar gravame, já que as operações realizadas en­tre tomadores brasileiros e enti­dades estrangeiras, "se destinam a investimentos considerados de re­levante interêsse nacional", como no caso das impetrantes, socieda­des de economia mista, concessio­nárias de serviço público federal, com atividade em setor de suma

importância para o desenvolvi­mento do país, qual seja a de eletricidade, cuja legislação espe­cial, limita até seus próprios lu­cros. E a SUMOC não fixou o custo de câmbio em Cr$ 200 para os efeitos contratuais com entidades estrangeiras. Os rendi­mentos destas são sempre, confor­me convenção internacional ho­mologada por lei local, a base da taxa de câmbio oficial, que é a le­gal declarada ao Fundo Monetário Internacional, isto é, de Cr$ 18,92 por dólar. Se os rendimentos são base de Cr$ 18,92 por dólar, o im­pôsto devido, diz-se, o impôsto de renda devido por êsses rendimen­tos, logicamente, a tôda a evidên­cia, só pode ser cortado, só po­de ser exigido sôbre essa taxa oficial, que é a legal, contratual, de Cr$ 18,92. Fora daí é interpre­tação extensiva que pretende a FIBAN, já é mesmo, obstinação.

Ademais, a função da SUMOC não é legislar, modificando ou re­vogando leis e tratados, mas tão­-somente, como dispõe o Dec.-Iei 7.293, de 2-2-945, no art. 3.°, "orientar a política de câmbio e as operações bancárias em geral"; e no art. 6.° - sempre que fôr necessário, - baixar instruções para a perfeita execução do pre­sente Decreto-lei". Data venia, parece-me que, entre orientar a política cambial "ou operações ban­cárias", e invadir a área de tribu­tação do impôsto de renda, vai al­guma diferença. A impetrada diz que foi legítimo e legal o seu ato em dar cumprimento ao disposto na letra b do parágrafo único, do art. 125 do Decreto 47.373, de 7-12-59 - Regulamento do Im­pôsto de Renda, "não autorizando

Page 35: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 214-

remessa de rendimentos para fora do país, sem a prova de pagamen­to do impôsto de renda", e que, face à Instrução 204, "não. é mais possível, na ordem cambial vigen­te" - considerar-se-á taxa de Cr$ 18,92 por dólar, nem como base de cálculo para incidência do impôsto de renda sôbre trans­ferências financeiras de juros para o exterior.

Antes, vejamos o que seja "ta­xa de câmbio", na conceituação dos doutrinadores, conforme ex­planam os eminentes Rubens Go­mes de Sousa e Roberto de Ulhôa Canto, no alentado parecer expe­dido sôbre uma questão semelhan­te, em março de 1957, em anexo ao memorial das impetrantes, e que se junta aos autos: - "Taxa de câmbio é a percentagem da equivalência entre duas moedas di­ferentes, ou seja, é quanto custa, em moeda de um determinado país, a moeda de outro país. -" Essas taxas e de câmbio) indicam o preço de uma unidade de deter­minada moeda em têrmos de ou­tra moeda" (James W. AngelI, verbete Foreign Exchange, no voI. 6, pág. 358 da Encyc10paedia oi the Social Sciences, ed . Mac­millan, N. York, 1937). - Câm­bio é a operação que consiste em adquirir moeda de curso legal em país estrangeiro, mediante uma quantidade equivalente de moeda de curso legal no lugar da ope­ração ou vice-versa" eLe Poitte­vin, Hautier _ & Salomon, Téorie des Changes, etc. Mercel Riviere, Paris 1922, p. 7) - "O câmbio não é mais que o preço, em moe­da nacional da moeda estrangei­ra". (Aetalion, Nonnate, Prix et Change, ed. Sirey, Paris, 1948,

vo.1. I, pág. 551). - "A taxa de câmbio é o preço que paga pela moeda de um país estrangeiro: é pois a relação entre moedas de dois países" (Luiz Souza Gomes, Moeda e Preços, Crédito e Ban-cos, Edições Rio 1954, pág. . E continuam: - "Por sua vez a taxa de câmbio pode ser "oficial" ou "livre". Oco!'­re a primeira hipótese quando a equivalência das moedas, isto é, o preço que cada unidade da moe­da A, custa em têrmos da moeda B, resultà da paridade fixada a priori, eventualmente por lei (co­mo é o caso do Brasil, segundo veremos, por um ou por outro dos países, respectivamente emitentes da moeda A ou da moeda B.) -Ocorre a segunda hipótese quan­do a equivalência das moedas é deixada pelos respectivos países, às condições do mercado interna­cional de moedas, estabelecendo-se assim, em cada caso, a paridade ou equilíbrio dos preços respecti­vos das moedas A e B, segundo a lei econômica da oferta e da pro­cura. - Pode ocorrer ainda uma terceira hipótese, a da taxa de câmbio "convencional" possível quando, não tendo a lei vincula­do a liquidação a um tipo padrão institucional (oficial ou livre), as partes incluam em suas estipula­ções privadas uma taxa que entre si se ajustem. É a esta terceira hi­pótese que se refere ~ art. 199 do Regulamento do Impôsto de Ren­da, quando fala em "taxa de câm­bio" em que forem efetivamente realizadas as operações". - No item 21: - "Muito embora as partes tenham ajustado entre si que as suas obrigações em moe­da estrangeira se liquidarão a uma

Page 36: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 215-

paridade predeterminada, é claro que na prática o devedor terá de adquirir a moeda estrangeira pelo preço, em moeda nacional, que aquela custar no momento, ou seja, pagando por ela mais ou me­nos que, conforme as do mercado. Assim, repete-se tam­bém aqui a situação já analisada no item 15 supra, e portanto o al­cance do art. 199, no tocante a operações estipuladas a uma taxa convencional x, é simplesmente o de tributar como rendimento do credor estrangeiro o equivalente da obrigação contratual converti­da à taxa de x, porque esta últi­ma é, no .caso, a lei entre as par­tes ... ". - No item 23: - "Por sua vez a "taxa oficial" de câmbio a que se referem os citados art. 1.°, da Lei 1.807, e art. 2.° do Decre­to 32.285, é, como nesses mes­mos dispositivos expressamente se confirma, a fixada pelo Con­selho da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), e resultante da paridade declara­da ao Fundo Monetário Interna­cional. 1!:ste, como é sabido, foi participante, e que foi promulgada neste país pelo Decreto n.O 21.177, de 27-5-946. Como, por outro la­do, no Brasil as convenções inter­nacionais adquirirem existência (e não apenas eficácia), sàmente atra­vés de um pronunciamento de ex­clusiva competência do Congresso Nacional, nos têrmos do art. 66, I, da Constituição (Pontes de Mi­randa, Comentários à Constituição de 1940, ed. Max Limonad, São Paulo, 1953, vaI. 2. pág. 295), o que naquelas convenções se con­tém incorpora-se, com a sua apro­vação, ao direito positivo interno do País". " "mas, desde logo po-

demos dar como fixada a priori por lei, visto como decorre da pa­ridade declarada ao Fundo Mone­tário Internacional, elemento êsse predeterminado e apenas alterável em casos especiais previstos na própri.a Convenção; por conseguin­te, pode ser também assentado que a "taxa do câmbio oficial" só é mo­dificável por duas maneiras: l.a) por alteração da lei~ que deixasse de fazer remissão à paridade de­clarada ao Fundo Monetário, im­portante, pois, em denúncia tácita da convenção, ou 2.a) dentro dos têrmos da própria convenção, pela mudança da paridade declarada ao Fundo Monetário". E no item 4 7: - "Pelo acima transcrito se vê que a própria convenção de Bretton W oods deixa ao legisla­dor interno dos países contratan­tes uma certa latitude na previsão de margens de variação das ta­xas de câmbio fixadas a priori. Mas o legislador brasileiro não fêz uso dessa faculdade, preferindo reporta-se, sem qualquer ressalva, à paridade declarada ao Fundo Monetário para definir rigidamen­te a taxa de câmbio aplicável a certas transações, enumeradas no art. 1.°, da Lei 1.807, já citada". No item 48: - "Por conseguinte, a simples criação, pelo Brasil, de um sistema de sobretaxas de câm­bio não pode ser equiparada a uma alteração unilateral do valor no­minal de sua moeda, ou da pari­dade declarada ao Fundo". - E concluindo o alentado e bem fun­damentado parecer, afirmam os eminentes juristas no item 60: -"Em face de todo o exposto, res­pondemos negativamente ao que­sito. .. "isto é, entendemos que não tem base legal a exigência

Page 37: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 216-

feita pela Carteira de Câmbio do Banco do Brasil, de inclusão das sobretaxas cambiais, comumente chamadas ágios" autorizadas pela Lei 2. 145, de 29-12-53, na "taxa de câmbio" referida no art. 199 do Regulamento do Impôsto de Renda, aprovado pelo Decreto n.O 40.702, de 31-12-956, para os efeitos da conversão, prevista no citado artigo, de rendimentos em moeda estrangeira, decorrentes de operações realizadas à taxa oficial de câmbio, nos têrmos da Lei n.o 1. 807, de 7-1-953". Vejamos agora a jurisprudência. O caso em tela é semelhante ao que foi objeto de Mandado de Segurança n.o 11.891, do Distrito Federal, e decidido no Egrégio Tribunal Fe­deral de Recursos. Prolatando o seu voto, o eminente Min. Sam­paio Costa invoca trechos da sen­tença de Primeira Instância, se expressa nos seguintes têrmos: .,..-­"Há argumento muito interessan­te, Sr. Presidente, ao derredor da fundamentação da sentença, que é a seguinte: . " "o impôsto de ren­da, no caso, é devido pelo credor do empréstimo, que está no exte­rior. O impôsto de renda recai sôbre quem recebe a renda. Ora, recebia êle no exterior a taxa ofi­cial. O ágio para a compra dessa taxa é pago na conta pelo devedor e não pelo credor. Não há como cobrar-se impôsto sôbre a impor­tância que não é, em absoluto, renda. Ao contrário, é despesa pa­ra fazer remeter essa importância ao exterior". "Assim, não vejo co­mo se possa tomar como renda os ágios, porque dêstes não partici­pa, de maneira alguma, o credor, que é o verdadeiro contribuinte.

Nestas condições, confirmo a sen­tença ... ".

No mesmo sentido se manifes­tou o Min. Djalma da Cunha Mello ao proferir seu voto, no jul­gamento do mesmo mandado de segurança: - de renda? Pressupõe auferimento, lucro, ren­da. Possível conceituar-se como tal despesa feita para remessa de dinheiro, de lucros? A resposta ne­gativa se impõe. Nenhuma mar­gem, portanto, para a exigência impugnada" .

Também o Min. Aguiar Dias, assim votou: - "Cia. de Carris Luz e Fôrça do Rio de Janeiro e ou­tras similares são devedores de empréstimos no exterior, emprés­timos êsses considerados de inte­rêsse relevante para a economia nacional. Tendo em vista êsse in­terêsse, a lei permite que a l'e­messa de juros e rendimentos para o exterior, no que toca ao impôsto de renda, se calcule pelo câmbio oficial. - Entretanto, o Fisco pretende, na cobrança do impôsto de renda, cobrar não somente sô­bre a taxa de câmbio oficial, que é, por lei, a taxa de remessa, mas também sôbre ágios, sôbre o custo de câmbio, argumentando, por analogia, com o que acontece com a cobrança do impôsto de consu­mo. Penso que a tese está exposta com clareza".

O Juiz a quo, Dr. Ivanio Ca­liuby concedeu o mandado, funda­mentando longamente a sua deci­são, no sentido de que a remessa, para o exterior sofre incidência do impôsto de renda apenas no cor­respondente ao câmbio oficial, não sôbre ágios, sôbre o custo de câm­bio". E, concluindo o voto, afir­ma: "É o meu voto, Sr. Presider.-

Page 38: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 217-

te, confirmando a sentença pelos seus jurídicos fundamentos que acabei de ler". Em conclusão: O ato impugnado não encontra. o mais leve apoio :1a lei, na juris~

prudência ou na doutrina. Apeq

nas a impetrada Fisca.lização Bancária pretende dar interpreta­ção extensiva a seu arbítrio, não fora da lei, mas até contra a lei e a jurisprudência, ao recusar às impetrantes o direito líquido e cer~ to de promoverem remessas de seus débitos para o exterior, me­diante o pagamento do impôsto de renda sôbre o que deve, legalmen­te, incidir, isto é, sôbre a "taxa de câmbio oficial" de Cr$ 18,92 por dólar, e pela qual os credores auferiram os respectivos rendi­mentos. A considerar os ágios, so­bretaxas ou o custo de câmbio es­tabelecida pela Instrução 204 pa­ra efeito do impôsto de renda e fins de remessa de rendimento ao exterior, somente poderiam ser admitidos êsses ágios ou sobreta­xas, como despesas, e para des­conto, e nunca para tributação. Se alei fala em "taxa C:e câmbio", vigente, esta é, evidente, a taxa oficial declarada ao Fundo Mone­tário Internacional, e nunca os ágios, as sobretaxas criadas para efeitos internos. Se os contratos, os negócios foram realizados à ba­se da taxa de câmbio oficial de Cr$ 18,92, por dólar os rendimen­tos só poderão ser apurados com base na mesma taxa. E, em con­seqüência, logicamente, o impôsto de renda só pode incidir e ser exi­gido, na mesma base.

Assim, pelo exposto e tudo o mais que dos autos consta, julgo procedente o pedido, para conce­der a segurança impetrada e, con-

15 - 36033

seqüentemente, manter a liminar concedida, assegurando às impe­trantes o direito líquido, certo e incontestável de promover as re­messas, nos respectivos prazos de vencimentos, de seus débitos e respectivos juros, às firmas estran. geiras no .exterior, cujos contratos estão referidos na inicial, item 1, bem como as referentes a todos os outros contratos, da mesma natu­reza, não enumerados, mas que estejam registrados na Superinten­dência da Moeda e do Crédito en­tre as impetrantes e entidades es­trangeiras. Custas na forma da lei, pela impetrada.

Junte-se aos autos o memorial incluso, acompanhado do parecer.

Recorro, de ofício, da decisão, para o Eg. Tribunal Federal de Recursos, que, na sua maior sa­bedoria, decidirá como de di­reito. "

Agravou a União. Contraminuta a fls. 206/215. O Juiz não arredou pé. Depois de "trancoterapia" nos

autos por um ano e dez meses, a Subprocuradoria opinou pela re­forma da sentença.

É o relatório.

Voto

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - No julgamento do Agra­vo de Petição em Mandado de Segurança n.o 11.891, pronun­ciei-me assim: Impôsto de renda? Pressupõe auferimento, lucro, renda. Possível conceituar-se co­mo tal despesa feita para remessa de dinheiro, de lucros? A respos­ta negativa se impõe. Nenhuma margem, portanto, para a exigên­cia impugnada. Acompanho o Re­lator.

Page 39: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 218-

Prossigo nesse entendimento. Não é rendimento, não é lucro, passível de impôsto de renda, a despesa com aquisição de divisas para custeio, para pagamento de importações. De salientar que ês­se ponto de vista, sufragado pela decisão a quo, preponderou em três julgamentos do Tribunal. Face ao exposto, neste proces,>o em que se controverte a mesmÍs­sima matéria, nego provimento aos recursos.

Voto

O Sr. Min. Godoy Ilha: - Sr. Presidente, a parte aludi'l a um voto que tive oportunidade de emitir, no julgamento do Agravo n.o 17.684, impetrado pela VARIG. Neste voto sustentei, com apoio do eminente Min. Os­car Saraiva, que os rendimentos que o Fisco pretendia tributar não incidiam no impôsto, desde que não se tratavam de lucros au~ feridos no país e, por essa circuns­tância perdia relêvo o segundo ar .. gumento da impetração de que, no caso, a taxa de conversão, para a remessa de lucros para o exte­rior, se devia ater, exclusivamente, à taxa oficial, correspondente à paridade do dólar no mercado in­ternacional. É verdade que pre­valeceu, no julgamento do Supre­mo Tribunal Federal, a tese prin­cipal que, evidentemente, excluía o argumento acessório. No caso, as agravadas não disputam a isen­ção do pagamento do impôsto, es­tando acordes em satisfazê-lo. In­surgem-se, e a meu ver com ra­zão, quanto à pretensão do Fisco de que o impôsto incidia não só sôbre a importância do lucro re­almente aúferido e a ser remeti-

do para o exterior, mas acrescido das taxas e sobretaxas decorren­tes do valor da moeda no mercado de crédito. Ora, o § 1.0, do art. 198, do regulamento que baixou com o Decreto n.o 51.900, de 10-4-63, não inovou a matéria e foi até mais eXpl1C1t:O

ver: "Os rendimentos em moeda estrangeira pagos ou creditados, remetidos, recebidos ou emprega. dos, deverão ser convertidos em moeda nacional à taxa de câmbio vigorante na data de seu paga­mento, crédito, remessa, recebi­mento ou emprêgo ou à taxa de câmbio em que forem efetivamen­te realizadas as operações."

O Decreto n. 040.702, de 1956, no seu art. 199, repete o mesmo critério do anterior. Ora, como acentuou o ilustre patrono das agravadas, trata-se de uma impor­tação feita com financiamento obtido no exterior, de implemen­tos necessários ao desenvolvimen­to da indústria de energia elétrica no país, considerado de relevante interêsse nacional, e, por isso, a SUMOC concedeu o certificado de prioridade cambial e na moeda vigente ao tempo em que foi rea~ lizada a operação.

Isso, Sr. Presidente, se ajusta perfeitamente ao que dispõe ° § 1.0, do art. 198, do Decreto nú­mero 51. 900.

Em tais condições e valendo-me dos subsídios dos julgados trazi­dos à colação pela agravada, acom­panho o voto de V. Ex.a, no sen­tido de negar provimento aos re­cursos.

Voto

O Sr. Min. Oscar Saraiva: -Sr. Presidente, nos votos do Sr.

Page 40: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 219-

Min. Relator e do Sr. Min. Go­doy Ilha, bem como na sustenta­ção do Dr . Advogado, ficou evi­dente que a matéria já é tranqüi­la, quer na jurisprudência desta Turma, quer naquela do Egrégio Supremo Tribunal Federal que fi.

apóia; e o meu ponto de vista vai além daquele que sustenta o Dr. Advogado, porque entendo que ne­nhum é o atributo devido, o que afirmo agora, não só de acôrdo com o que foi sustentado nesta Turma, no Agravo em Mandado de Segurança n.o 17.684, mas já agora com a autoridade da pleni­tude do Egrégio Supremo Tribu­nal Federal, em Embargos no Re-

curso Extraordinário n.o 52. 165 em que os pontos de vista que aqui defendemos foram acolhi­dos e mantidos.

Por essas razões, Sr. Presiden­te, e por ir além do que se preten­de, estou de acôrdo em manter a respeitável sentença.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: A Turma, por una­nimidade de votos, negou provi­mento aos recursos. Os Srs. Mins. Godoy Ilha e Oscar Saraiva vota­ram com o Sr. Min. Relator. Pre­sidiu o julgamento o Sr. Min ~ Djalma da Cunha Mello.

AGRAVO EM MANDADO DE SEGURANCA N.O 30.593 - GB. ~

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Antônio Neder Agravante - João José de Freitas Leal Agravado - Lloyd Brasileiro, PN.

Acórdão

Mandato comercial típico. 'O mandato, quer civil, quer comercial, assenta na confiança que deve unir o mandante ao mandatário. Por isso, o man-· dato é revogável ad nutum por qualquer das partes. Essa revogação não pode ser objeto de apreciação em Mandado de Segurança, que é de ser negado.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Agravo em Man­dado de Segurança n.o 30.593, da Guanabara, em que são partes as acima indicadas:

Acordam, por unanimidade, os Ministros que compõem o Tribu­nal Federal de Recursos, em sua Primeira Turma, em negar provi­mento, na forma do relatório e no­tas taquigráficas de fls. 85/92, que ficam fazendo parte integrante do

presente julgado. Custas como de lei.

Brasília, 8 de junho. de 1965. - Henrique d'Avila, Presidente; Antônio Neder, Relator.

Relatório

O Sr. Min. Antônio Neder: Trata-se, neste processo, de man­dado de segurança impetrado por João José de Freitas Leal contra o Diretor do Lloyd Brasileiro, PNo.

Page 41: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 220-

Alega o impetrante: que foi no­meado, para o cargo de agente dessa autarquia, em Pôrto Alegre, a 16 de outubro de 1960,pelo prazo de três anos, prazo êsse que poderia ser prorrogado, automà­ticamente, por igual período, se qualquer das partes, trinta dias antes do seu término, não mani­festasse o desejo de revogar o mandato; que sua nomeação foi confirmada pela Delegação de Contrôle, como se verifica do Ofí­cio n.o DIV-129, de 7-11-960, in­dispensável para que a mesma se completasse; que a 28-3-961 rece­beu comunicação de que, nos têr­mos do art. 158 do Código Comer­cial, foi nomeado Waldyr Maggi para exercer o mandato mercantil da autarquia no pôrto referido, fi­cando, assim, desfeito o que fôra conferido à sua pessoa; que, ca­racterizada sua situação de fun­cionário autárquico, com tempo de exercício limitado e expresso, desempenhando funções de repre­sentação legal ativa e passiva, por Delegação do Diretor, a quem cabe, pessoalmente ou por inter­médio das pessoas designadas na lei, essa representação, não podia ser despedido do seu cargo por efeito da simples nomeação de outrem; que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assen­tou o princípio da ilegalidade da demissão, exoneração ou dispen­sa de funcionários autárquicos du­rante o período do seu mandato, na inexistência de justa causa; que, nomeado por tempo certo, não podia ser dispensado do car­go, porque o ato administrativo de que resulte direito subjetivo ou particular não pode ser desfeito,

salvo quando praticado contra a lei.

Requer: que lhe seja concedida a segurança para voltar a exercer o cargo até o fim do prazo de três anos, conforme consta da no­meação.

O MM. Dr. de Primeira Instância indeferiu initio litis a se­gurança, argumentando: que a documentação que se encontra nos autos não constitui prova de direito líquido e certo, e que, na verdade, o impetrante foi nomea­do simples mandatário comercial da autarquia; que as instruções das fls. 20/22 demonstram clara­mente que a nomeação não extra­vasava os limites da outorga de mandato, regulada inteiramente pelo direito privado; que o impe­trante contratou com o Lloyd Brasileiro PN. no campo do di­reito privado, não havendo ne­nhuma possibilidade de se consi­derar dito contrato como título de nomeação para cargo público; que a controvérsia não pode ser diri­mida por via do mandado de se­gurança.

Inconformado, agravou o impe­trante, alegando: que se trata de contrato de direito público, ca­racterizado não só pela finalida­de da nomeação de funcionário de direção da autarquia na Agência, como, também, pelo fato de con­ter cláusula exorbitante dos qua­dros do direito privado, qual a que autoriza a Diretoria a modifi­car as condições da nomeação, sem prévia consulta, característi­ca dos contratos administrativos ou de direito público; que no con­trato de emprêgo de agente do Lloyd Brasileiro ocorre a prima­zia na relação jurídica estabeleci-

Page 42: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 221-

da com o funcionário, que deverá agir no interêsse público da au­tarquia, e que empresta a seu contrato de agente feição parti­cular de mandatário comercial, em contrato público, de represen­tante da para esta po­der realizar as suas funções pú­blicas; que se trata de emprêgo pú­blico em virtude de ser o agente necessário para a representação da autarquia nos portos onde os seus navios fazem escala; que, quaisquer sejam os aspectos pe­los quais se considere o contrato em aprêço, não é êle contrato de mandato privado, comercial, mas contrato público, de nomeação de autoridade da autarquia, regulan~ do os deveres ao modo do contra­to de mandado de direito priva­do, pela outorga de procuração; que quando se trata de contrato de direito público, contra ato ile­gal ou abusivo da autoridade, ca­be o mandado de segurança.

Às fls. 37, o MM. Dr. Juiz, reconsiderando seu despacho an­terior, e como medida de econo­mia processual, a fim de que o feito subisse à Superior Instância em condições de ser julgado de­finitivamente, determinou que se desse prosseguimento nêle.

A autoridade apontada como coatora defendeu a legitimidade do ato, informando: que o man­dato mercantil, se fôsse outorga­do contra disposição de lei, seria anulável pela própria adminis­tração; que o impetrante, ao in­vés de demonstrar seu direito lí­quido e certo, procura defender teses, sustentando, de um lado, a ilegalidade do mandato mercan­til, de outro, a qualidade de fun­cionário autárquico com tempo

de exercício limitado e expresso; que essa revogabilidade está ple­namente amparada em lei, isto porque, nos contratos de direito público, "as obrigações são susce­tíveis de modificação por parte da administração pública"; que o im­petrante jamais poderia intitular­se funcionário, pois, de acôrdo com o art. 2.°, da Lei n.o 1.711, de 28-10-952, "funcionário é a pessoa legalmente investida em cargo público, e cargo público é o criado por lei, com denominação própria, em número certo e pago pelos cofres da União"; que os vencimentos do agente mandatá­rio não obedecem ao padrão fixa­do em lei, uma vez que é retribui­do à base de comissões percen­tuais variáveis sôbre os fretes e passagens, ao contrário da concei­tuação que o Estatuto dos Fun­cionários Públicos dá aos venci­mentos dos servidores públicos; que não se tem conhecimento de que um cargo público possa ser exercido com prazo previamente estipulado, a não ser quando se trata de servidor extranumerário para exercer função de natureza transitória ou atribuições técnico­científicas, conforme preceitua o art. 2.0, da Lei n.o 2.284, de 1954, no qual não se enquadra a função de agente, de natureza comercial; que nenhum direito assiste ao im­petrante, dado o que expressam as cláusulas 5.a e 12.a da Portaria n.o 134, de 15 de fevereiro de 1955, in verbis: "5.a - as condições de cada mandato mercantil outorga­do serão estipuladas expressamen­te na respectiva procuração por instrumento público (art. 140 do C. Comercial), inclusive os pro­ventos". "12.a - A continuidade

Page 43: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 222

do exerC1ClO dos atuais mandatos mercantis e a investidura dos fu­turos significarão, em cada caso, a aceitação expressa e indubitável de tôdas as condições constantes dêste ato, nenhum direito assistin­do a qualquer interessado de vir pleitear, administrativamente ou judicialmente, contra as mesmas".

O ilustre Representante do Mi­nistério Público emitiu parecer opinando pela denegação da se­gurança, baseando-se nos funda­mentos da decisão de fls. 24 v. e nas informações de fls. 42/50.

O MM. Dr. Juiz, reportando-se aos suprimentos do despa,cho de fls. 24 V., denegou a segurança.

Inconformado, o impetrante agravou. Suas razões de agravo estão nas fls. 66170.

O Lloyd Brasileiro PN. contra­minutou o agravo, apresentando suas razões, nas quais solicita a confirmação da sentença, pois os fundamentos do agravante não encontram apoio na legislação pertinente à matéria e na farta prova dos autos.

Nesta Superior Instância, a Subprocuradoria-Geral da Repú­blica emitiu suscinto parecer pe­dindo o não provimento do agravo.

Ê o relatório.

Voto

o Sr. Min. Antônio Nedet: -A controvérsia diz respeito com a natureza jurídica do mandato que ao impetrante foi outorgado no documento das fls. 52/54.

Nesse documento o Lloyd Bra­sileiro (Patrimônio Nacional) ou­torgou ao impetrante podêres de mandatário comerdal.

Trata-se de contrato de direito privado, e não de direito adminis­trativo propriamente dito.

Sabe-se que a Administração Pública pode contràtar sob nor­mas de direito privado.

Em tal caso, su.a contrato é aquela que decorre da norma sob cujo império contratou. Se contratou no campo do direi­to comercial, ela se submete às normas dessa disciplina.

N o caso, pois, não há negar que o impetrante e o Lloyd Brasileiro (PN.) contrataram mandato co­merdal típico.

O mandato, quer civil, quer co­mercial, assenta na confiança que deve unir o mandante ao manda­tário.

Por isso, o mandato é revogá­vel ad nutum por qualquer das partes.

Ê o que afirma a doutrina. Como quer que seja, as ques­

tões pertinentes à revogação do mandato não podem ser objeto de apreciação em mandado de segu­rança.

Onde o direito líquido e certo, indiscutível, que serve de suporte a essa ação tão singular ou espe­cial, que é a do mandado de se­gurança?

O impetrante, que se alongou em considerações doutrinárias im­pertinentes, não conseguiu respon­der a esta pergunta.

Mantenho a sentença denegató­ria da segurança. Ê o meu voto.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negou-se provi­mento, unânimemente. Os Srs.

Page 44: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 223-

Mins. Hugo Auler e Henrique d'Ávila votaram com o Sr. Minis­tro Relator. O Sr. Min. Hugo Auler encontra-se como ocupante

temporário da vaga ocorrida com a aposentadoria do Sr Min. Cân­dido Lôbo. Presidiu o julgamen­to o Sr. Min. Henrique d'Avila.

NIANDADO DE SEGURANÇA N.o 32.821 - RS

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Hugo Auler Recorrente - Juízo de Direito dos Feitos da Fazenda Pública,

ex officio Agravante - União Agravado - Sidney Alves de Toledo

Acórdão

Impôsto de importação. Isenção. Não goza da isenção do impôsto de importação o veículo auto­motor adquirido no comércio exterior por quem, ha­vendo transferido seu domicílio para outro país, regresse ao de sua origem, introduzindo-o junta­mente com outros bens, no território nacional.

Introdução de automóvel no território nacional. As pessoas não compreendidas nas categorias fun­cionais e nas condições previstas no art. 11, item 17, do Dec.-Iei n.o 300, de 24 de fevereiro de 1938, alterado pelo art. 1.0 do Dec.-lei n.o 9.179, de 15 de abril de 1946, e mantido pelo § 2.° do art. 62 da Lei n.0 3.244, de 14 de agôsto de 1957, estão apenas dispensadas de licença e de cobertura cam­bial obtida em licitação de divisas para introduzir veículo automotor no território nacional, desde que satisfaçam as exigências do item IV do art. 56 da Lei de Tarifas das Alfândegas.

Impôsto de Consumo. Na hipótese de importa­ção do veículo particular, usado ou não, o fato ge­rador do impôsto de consumo consiste na respectiva saída da aduana, visto como o art. 154 do Dec. n.o 45.422, de 12 de fevereiro de 1959, não distin­gue o automóvel com ou sem uso no exterior para efeito de tributação.

Trazida. O legislador equiparou a trazida de bens adquiridos no mercado exterior à importação para os efeitos da incidência de tributos em geral.

Vistos, relatados e discutidos êstes autos de Agravo em Manda­dado de Segurança n.o 32.821, do Estado do Rio Grande do Sul, em que é recorrente ex officio o Juí­zo de Direito dos Feitos da Fa-

zenda Pública, é agravante a União, sendo agravado Sidney Al­ves de Toledo:

Acordam os Ministros da Pri­meira Turma do Tribunal Federal de Recursos, por unanimidade de

Page 45: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 224-

votos, em dar provimento aos re­cursos para o efeito de cassar a sentença concessiva do mandado de segurança, nos têrmos das no­tas taquigráficas anexas, integra­das no presente aresto, e da certi­dão do resumo do julgamento, constante dêstes autos.

Custas ex lege. Tribunal Federal de Recursos,

Distrito Federal, 3 de agôsto de 1965. - Amarílio Benjamin, Pre­sidente; Hugo Auler, Relator.

Relatório

o Sr. Min. Hugo Auler: - Sr. Presidente. Conclui-se da lei­tura e do exame dêstes autos que Sidney Alves de Toledo impetrou o presente mandado de seguran­ça contra o Inspetor da Alfânde­ga de Pôrto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, que está su­bordinando ao pagamento dos im­postos de consumo e de importa­ção, o desembaraço aduaneiro de um automóvel de fabricação es­trangeira por êle adquirido no mercado exterior e trazido com outros bens para o território na­cional, ao regressar ao seu país de origem depois de haver transferi­do, anteriormente, o seu domicílio para os Estados Unidos da Amé­rica do Norte. Em favor de sua pretensão jurídica unilateral, ale­ga, em resumo, que, estando tais bens incluídos no item IV do ar­tigo 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, não se lhes pode aplicar a regra geral do art. 1.0 do mesmo diploma legal, tanto mais quanto a trazida não se equi­para à importação para os efeitos da legislação fiscal, do que estaria

decorrendo o seu direito à isen­ção do impôsto de importação. Por outro lado, porque se trata de veículo automotor usado no exte­rior e que foi objeto de trazida e não de importação, não estaria sujeito ao impôsto de conSUJ:no. não obstante o disposto no item i do art. 154 do Dec. n.o 45.422, de 12 de fevereiro de 1959 (does. de fls. 2-25).

Prestadas informações a fôlhas 28-29, oficiou o Dr. Procurad()r da República, opinando pela de­negação da segurança (doc. de fls. 33-34).

O processo preencheu tôdas as formalidades legais, havendo o Dr. Juiz a quo, através da sen­tença de fls. 68/69, concedido a segurança, recorrendo de ofício de sua decisão.

Além do recurso ex olHeio, houve agravo da .União (doc. de fI. 71).

Nesta Instância Superior ofi­ciou a fls. 84/86 a douta Subpro­curadoria-Geral da República, opinando pelo provimento dos re­cursos para o efeito de ser cassa­da a sentença concessiva da segu­rança.

Ê o relatório.

Voto

O Sr. Min. Hugo Auler: - Sr. Presidente. A lei de Tarifas das Alfândegas em vigor faz uma nítida distinção entre a isenção do impôsto de importação, prevista nos arts. 17, 4.°, 50, letra b, e 22, letra c, todos da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, e a dispen­sa de licença e de cobertura cam­bial obtida em licitação de divi-

Page 46: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 225-

sas, de que tratam os arts. 50 e 56 do mesmo diploma legal.

A isenção do impôsto de impor­tação está restrita à bagagem do passageiro, constituída dos bens enunciados espedficamente no art. 17 da Lei de Tarifas das AI. fândegas, e das matérias-primas e dos produtos de base, quando au­torizados em quotas determinadas por fôrça de resoluções do Conse­lho de Política Aduaneira, nos têrmos dos arts. 4.° e 5.0 ex vi do art. 22, letra c, da mesma legis­lação.

E no elenco das isenções do impôsto de importação e da dis­pensa de licença e de cobertura cambial obtida em licitação de di­visas não se encontra especifica­do O' veículo automotor adqui­rido no mercado exterior. Pelo contrário, em relação a bens des­sa natureza, o legislador firmou a regra de que "de acôrdo com a letra a, do § 3.0 do art. 48, a Car­teira de Câmbio do Banco do Bra­sil S.A. fará realizar licitação es­pecífica para automóveis de pas­sageiros, de pêso até 1.600 quilos e valor FOB não superior a .... US$ 2.300,00 (dois mil e trezen­tos dólares) ou equivalente em outra moeda, nos limites mínimos de US$ 12.000,00 (doze milhões de dólares) no primeiro ano e US$ 8.000.000,00 (oito milhões de dólares), no segundo ano, ou equivalente em outras moedas, mediante leilões mensais e dentro de verbas fixadas no orçamento de câmbio a que se refere o arti­go 12 da Lei n.o 1.807, de 7 de janeiro de 1953", segundo a nor­ma contida no art. 59 da Lei nú-

mero 3.244, de 14 de agôsto de 1957. E assim o fêz porque, an­teriormente, havia determinado expressamente que ficavam "proi­bidas a importação ou a introdu­ção, sob qualquer título, de auto­móveis e barcos de passeio, repu­tados de luxo, cujo preço no mer­cado de origem seja superior a US$ 3.500,00 (três mil e qui­nhentos dólares), computados no preço os respectivos equipamen­tos", no art. 4.° da Lei n.o 2.410, de 29 de janeiro de 1955.

Dir-se-á que entre os bens dis­pensados de licença e de cobertu­ra cambial obtida em licitação de divisas, figuram "os bens de pro­priedade de pessoa que transfira domicílio para o Brasil, desde que, por sua quantidade e caracte­rísticas, não se destinem a comér­cio e lhe pertençam há mais de 6 meses, antes do embarque no país de origem, cabendo à autoridade consular brasileira verificar a pro­va da respectiva propriedade", como, outrossim, "os bens de pro­priedade dos funcionários da car­reira de Diplomata e por êstes trazidos quando removidos para a Secretaria de Estado das Relações Exteriores, os que pertencerem a funcionários falecidos no exterior; e os dos servidores públicos civis e militares que regressarem do ex­terior, dispensados de comissão de caráter permanente, exercida em terra por mais de 6 meses, observada, em qualquer caso, a condição de que não se desti­nam a comércio", de acôrdo com o disposto nos itens IV e V do art. 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957. Mas a verdade é

Page 47: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 226-

que essas normas se referem, úni­ca e exclusivamente, à introdução no território nacional, indepen­temente de licença e de cobertura cambial obtida em licitação de di­visas, não cogitando de modo al­gum de isenção do impôsto de im­portação. Essa conclusão tanto mais se impõe quanto menos se ignora que o legislador jamais teve a intenção de conceder a isenção do impâsto de importação em rela­ção aos bens de que trata o art. 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, tanto assim que afirmou expressamente que ficavam "revo­gadas as isenções concedidas pe­lo Dec.-Iei n.o 300, de 24 de feve­reiro de 1938, e leis posteriores, ressalvadas as que beneficiarem expressamente entidades, emprê­sas ou pessoas", no § 2.° do art. 62 da Lei de ,Tarifas das Alfân­degas.

Ora, o Dec.-Iei n.o 300, de 24 de fevereiro de 1938, não conce­dia nem concede a isenção do im­pôsto de importação à trazida de automóvel adquirido no mercado exterior, por quem transfira o seu domicílio para o nosso país, quer nos 51 itens do art. 11, quer nos 17 itens do art. 12, ambos do mes­mo diploma legal. O legislador, com relação à trazida de veículo automotor, apenas abriu uma ex­ceção quando declarou taxativa­mente que gozariam da isenção do impôsto de importação "os obje­tos de uso próprio, inclusive auto­móvel, trazidos pelos funcionários do corpo diplomático e consular brasileiro, que forem transferidos para a Secretaria do Estado das Relações Exteriores", acrescen­tando que "o mesmo benefício

gozarão os funcionários de outras secretarias, ao regressarem ao país, quando dispensados de qual. quer comissão de ,caráter efetivo, exercida no exterior", no item 17 do art. 11 do Dec.-lei n.o 300, de 24 de fevereiro de posição legal teve, posteriormen­te, nova redação para incluir os demais funcionários da União e os militares ao regressarem do es­trangeiro, quando dispensados após dois anos de exercício de qualquer .comissão oficial, como se verifica do art. 1.0 do Decreto­lei n.O 9.179, de 15 de abril de 1946.

E não modifica essa conclusão o fato de o legislador regulamen­tar haver afirmado que "no caso de veículo automotor, além dos do,cumentos referidos no parágra­fo anterior, será ainda obrigatória a apresentação da respectiva ma­trícula, registro de licença de trân­sito e, sempre que possível, o tí­tulo de propriedade emitido há mais de 6 meses antes do embar­que do interessado, pela autori­dade competente", no § 2.° do ar­tigo 3.° do Dec. n.o 43.028, de 9 de janeiro de 1958. Muito em­bora o caput do art. 3.0 do citado diploma legal se refira aos bens de propriedade das pessoas men­cionadas nos incisos IV e V do art. 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, a verdade é que a norma do § 2.0 do art. 3,0 do Dec. n.o 43.028, de 9 de janeiro de 1958, se dirige, única e exclu­sivamente, às pessoas constantes das categorias funcionais mencio­nadas no inciso V do art. 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, tanto assim que o legislador

Page 48: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 227-

foi por demais daro ao ·afirmar que somente "continuarão a gozar das vantagens previstas no item 17 do art. 11 do Dec.-Iei n.o 300, de 24 de fevereiro de 1938, com a modificação a que se refere o art. 1,° do Dec.-lei H.o de 15 de abril de 1946, em face do que prescreve o § 2.0 do art. 62 da Lei n.o 3.244 de 14 de agôsto de 1957, os móveis, objetos de uso doméstico e um automóvel, usados, de propriedade dos funcio­nários de carreira de Diplomata que forem transferidos para a Se­cretaria de Estado das Relações Exteriores, bem como os dos fun­cionários da União e os dos mili­tares ao regressarem do estran­geiro, quando dispensados de qualquer comissão oficial exerci­da por mais de 2 anos", no artigo 6.0 do Dec. n.o 43.0.28, de 9 de ja­neiro de 1958. Por conseguinte a exigência para a trazida de auto­móvel, contida no § 2.0 do art. 3.0

dêste último diploma legal, está vinculada aos bens a que se refe­re o inciso V do art. 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, cuja isenção do impôsto de im­portação concedida pelo item 17 do art. 11 do Dec.-Iei n.o 300, de 24 de fevereiro de 1938, alterado pelo art. 1.0 do Dec.-Iei n.o 9.179, de 15 de abril de 1946, foi man­tida pelo § 2.° do art. 62 da Lei de Tarifas das Alfândegas.

A entender-se de outro modo, o § 2.0 do art. 3.° do Dec. n.o 43.028, de 9 de janeiro de 1958, baixado para regulamentar os arts. 17 e 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôs­to de 1957, estaria criando um caso de isenção fiscal não previs-

to na Lei de Tarifas das Alfânde­gas, desvinculando-se da legisla­ção fiscal e contrariando-a para estender o favor legal a pessoas não contempladas com a isenção do impôsto de importação. Tal exegese não é admissivel em ma­téria de direito tributário por isso que a lei fiscal, mais do que ou­tra qualquer, é taxativa e deve ter precisa aplicação, segundo Emitio Caldara, para quem, no sistema jurídico, ela representa o elemen­to matemático, como o direito ci­vil o elemento prevalentemente lógico. Os elementos protegidos pela legislação fiscal são circuns­critos e precisos; precisas e pro­porcionais a um objeto considera­do materialmente, as suas san­ções penais; as exceções, taxadas de modo expresso; os privilé­gios, introduzidos a serviço do mesmo escopo fiscal que está na lei: Essa, nel sistema giuridico, rep­presenta l'elemento matema.tico, come il diritto civile l' e·lemento prevalentemente logico. Gli inte­ressi che la Iegislazione fiscale protegge, sono circonscritti e pre­cisati; precisa te o proporzionat'e generalmente a un oggetto mate­rialmente valutabile, 1e sue san­zioni penali: 1e eccezione tassati­ve in modo espresso: i privi1egi introdotti a servizio deI medesi­mo scopo fiscale che e nella legge. (L'Interpretazione Della Legge, Milano, Società Editrice Libra­ria, 1908, n.o 166). Dessarte, na interpretação da legislação fiscal deve ser respeitada, escrupulosa­mente, a exatidão, que é o seu ca­ráter natural, o que exclui, desde logo, a possibilidade de dilargar ou de restringir, através de ele-

Page 49: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 228-

mentos lógicos de hermenêutica, o a1caede de qualquer uma de suas normas que deverão ter uma aplicação quase literal. Como bem o diz Carlos Maximiliano, ainda "o rigor é maior em se tra­tando de disposição excepcional, de isenções ou abrandamentos, de ônus em proveito de indivíduos ou corporações" eis que "os pri­vilégios financeiros do erário não se estendem a pessoas, nem a ca­sos não contemplados no texto; mas também se não interpretam de modo que resultem diminuí­das as garantias que o legislador pretendeu estabelecer em favor do fisco" (Hermenêutica e Aplica­ção do Direito, Rio, Ed. Freitas Bastos, 3.a ed., 1951, números 402 e 405, páginas 392-393).

Por outro lado, cabe ponderar que o Dec.-Iei n.o 300, de 24 de fevereiro de 1938, o Dec.-Iei nú­mero 9.179, de 15 de abril de 1946, e a Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, não outorgaram em qualquer de suas normas a isenção do impôsto de importa­ção ao veículo automotor trazido por quem, tendo transferido o seu domicílio para o exterior, regresse ao seu país de origem, ou pelo imigrante que transfira o de sua origem para qualquer lugar de nosso território por isso que a nor­ma de que "em tempo de paz, qualquer pessoa poderá com os seus bens, entrar no território nacional, nêle permanecer ou dê­le sair", manda que, nesta hipóte­se, sejam "respeitados os precei­tos de lei", consoante o art. 142 da Constituição Federal. E o le­gislador somente isentou do im­pôsto de importação os bens enun-

ciados no art. 17 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, e no ítem 17 do art. 11 do De.c.-lei nú­mero 300, de 24 de fevereiro de 1938, mantido pelo § 2.° do arti­go 62 da Lei de Tarifas das Alfân­degas, e em cuja :nômina :não fi· gura o veículo automotor. Por via de conseqüência, não se poderá inferir da colocação do § 2.° do art. 3.° do Dec. n.o 43.028, de 9 de janeiro de 1958, a extensão da isenção do impôsto de importação às pessoas enumeradas no inciso IV do art. 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957.

Ademais, domina a matéria o princípio da hierarquia das nor­mas jurídicas, em virtude do qual o regulamento não poderá super­por-se à lei, mormente quando se trata de isenções fiscais que esca­pam à competência do poder re­gulamentar. O domínio do poder regulamentar está subordinado ao campo de atuação da lei, dado que o regulamento jamais poderá ultrapassar a área de suas atri­buições e invadir o da lei ordi­nária quando êsse extravasamen­to vem violar o princípio da se­paração dos podêres de legislação ordinária e de sua regulamenta­ção. Como bem o diz Roger Bon­nard, a subordinação do regula­mento .comporta não só a sua vin­culação, como a sua conformidade à lei, o que implica a conclusão de que o regulamento, além de não poder modificá-lo, não pode contrariar a lei. A hierarquia dos legisladores se estende até o legis­lador regulamentar e, da mesma forma porque a lei ordinária está subordinada à lei constitucional, o regulamento, por sua vez, está subordinado à lei ordinária. Daí

Page 50: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 229-

resulta o princípio de que o regu­lamento, além de não poder con­trariá-la, muito menos poderá mo­dificar a lei: La subordination du reglement comport en pIus de son rattachement, sa conformité à la.

c' est-à·dire . que 1e ne peut pas être contraire à une 10i ou venir la modifier. La hié­rarchie des législateurs se pour­suit jusq' au législateur réglemen­taire et, de même que la 10i 01'­dina,ire est subordonnée à Ia 10i constitutíonneIle, de même le re­glement est subordonné à son tour à 10i ordinaire. De sorte qu' en príncipe le reglement ne peut pas être contraíre à une 10i ordinaire ou la modifier. (Précis de Droit Administratif, Paris, Ed. Balloz, 1943, págs. 289-290). Em conseqüência, logo se está a ver que a regra jurídica do § 2.° do art. 3.° do Regulamento dos arti­gos 17 e 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, jamais po­derá ter aplicação às pessoas que, tendo transferido o domicílio pa­ra o exterior, regressem ao nosso país, e, todavia, não se encontrem nas categorias funcionais e nas condições previstas no inciso V do art. 56 da Lei de Tarifas das Alfândegas em vigor, ex vi do § 2.° do art. 62 do mesmo diplo­ma legal, por isso que, a entender­se de outro modo, estaria o in­térprete ou o juiz a permitir que o regulamento .criasse um caso de isenção de impôsto de importação não previsto na legislação, tanto mais quanto não se pode imagi­nar e muito menos admitir isen­ções no direito fiscal.

Portanto, a isenção do impôsto de importação em relação à trazi-

da de um automóvel usado, so­mente foi concedida às pessoas que integram determinadas cate­gorias funcionais e nas condições previstas no art. 11, item 17, do Dec.-Iei n.o 300, de 24 de feverei­ro de 1938, alterado pelo art. 1.0 do Dec.-lei n.o 9.179, de 15 de abril de 1946, mantido pelo § 2.° do art. 62 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, as quais ainda gozam do direito de dispensa de licença e de cobertura cambial obtida em licitação de divisas no que concerne àquele e a outros bens, por fôrça do disposto no in­ciso V do art. 56 da Lei de Tari­fas das Alfândegas em vigor. Já ao contrário, as pessoas que não integrarem aquelas categorias fun­cionais, como sejam as que te­nham transferido, independente­mente do ~xercício de função pú­blica obrigatória, o respectivo do­micílio para outro país, e regres­sem ao de sua origem, a Lei de Tarifas das Alfândegas concedeu a isenção do impôsto de importa­ção unicamente em relação à ba­gagem restrita aos bens especifi­cados no art. 17 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, e a dis­pensa de licença e de cobertura cambial obtida em licitação de divisas no que concerne à trazi­da de outros bens (dentre os quais está excluído o vêí.culo au­tomotor, cuja importação é regu­lada no art. 59 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957) e a que alude o inciso IV do art. 56 da mesma Lei de Tarifas das Al­fândegas.

Por derradeiro, não se há de dizer que a trazida de bens ad­quiridos no mercado exterior por

Page 51: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 230-

particular não constitua importa­ção para os efeitos da legislação fiscal. Se o legislador afirmou que independerá de licença, bem co­mo de cobertura cambial obtida em licitação de divisas a introdu­ção no território nacional dos bens mencionados no art. 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôstode 1957, é óbvio que equiparou a trazida à importação para os efeitos da legislação fiscal. O direito tribu­tário dilargou o conceito jurídico de importação, estendendo-o à in­trodução, a qualquer título, no ter­ritório nacional, de mercadorias estrangeiras adquiridas no merca­do exterior. E tanto dilargou que isentou do impôsto de importação os bens trazidos pelas pessoas das categorias funcionais e nas condi­ções previstas no item 17 do ar­tigo 11 do Dec.-Iei n.o 300, de 24 de fevereiro de 1938, alterado pelo art. 1.0 do Dec.-lei n.o 9.179, de 15 de abril de 1946, mantido pelo § 2.° do art. 62 da Lei nú­mero 3.244, de 14 de agôsto de 1957. A expressão - trazidos -referente aos bens que são intro­duzidos no território nacional, empregado pelo legislador naque­las normas legais, concessivas da isenção do -impôsto de importa­ção, está a demonstrar que há, realmente, uma equiparação en­tre trazida e importação para os efeitos da legislação fiscal. Aliás, esta conclusão tanto mais se im­põe quanto menos se ignora que o legislador fêz questão de enun­ciar o princípio geral de que "está sujeita ao impôsto de importação a mer,cadoria estrangeira que en­trar no território nacional", con­sagrado no art. 1.0 da Lei núme­ro 3.244, de 14 de agôsto de 1957.

Portanto, em linha de princípio é suficiente a entrada, a introdução, a qualquer título, no território na­cional, de bens estrangeiros, adqui­ridos no mercado exterior, para que se configure o fato gerador do impêsto de importação.

Por tôdas essas razões é que o agravado, não estando incluído nas categorias funcionais, nem preenchido as condições de que tratam o inciso V do art. 56 da Lei n.o 3.244, de 14 de agôsto de 1957, o item 17 do art. 11 do De­creto-lei n.o 300, de 24 de feve­reiro de 1938, alterado pelo ar­tigo 1.0 do Dec.-lei n.o 9.179, de 15 de abril de 1946, mantido pelo § 2.° do art. 62 da Lei de Tarifas das Alfândegas em vigor, não po­derá, em conseqüência, prevale­cer-se do § 2.0 do art. 3.° do De­creto n.O 43.028, de 9 de janeiro de 1958, e, pois, da isenção do impôsto de importação sôbre o automóvel por êle trazido porque adquirido no mercado exterior. O seu direito se restringe a introdu­zir no território nacional o bem de sua propriedade, ora em comento, independentemente de licença e de cobertura cambial obtida em licitação de divisas, nos têrmos do item IV do art. 56 da Lei nú­mero 3.244, de 14 de agôsto de 1957, desde que não se trate de qualquer um daqueles outros bens a que alude o art. 17 da Lei de Tarifas das Alfândegas.

E também não pode ter melhor sorte a pretensão do agravado no sentido de eximir-se do pagamen­to do impôsto de consumo, previs­to na alínea XVI do Título I do Dec. n.o 45.422, de 12 de feverei­ro de 1959.

Page 52: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 231-

Com efeito, no campo do direi­to fiscal, o impôsto de consumo é o tributo cobrado sôbre a utiliza­ção de quaisquer bens que tenham essa destinação, quer sejam adqui­ridos no mercado interno, quer sejam adquiridos no mercado ex­terior. Nessas condições, logo se está a ver, como bem o diz Alio­mar Baleeiro, que "o fato gerador do impôsto de consumo é a saída da mercadoria do estabelecimen­to do produtor ou da alfândega, para ser entregue à circulação, ou utilização, dentro do país, no pres­suposto de que esta se destine ao consumo dentro do território na­cional. Não indaga o legislador sob que condições jurídicas o ar­tigo manufaturado sai das mãos do produtor ou da zona alfande­gária, para as dos intermediários ou consumidores. Basta-lhe o fato material da saída: o tributo há de ser pago antes desta. Pouco im­porta que o produto seja objeto de doação ou não se destine a ne­gócio comercial" (Uma Introdu­ção à Ciência das Finanças, Rio,. Ed. Forense, 1858, voI. lI, núme­ro 312, págs. 530-531). Portan­to, a regra jurídica que domina a incidência do impôsto de consu­mo é a introdução de determina­dos bens no território do país, a sua incorporação à riqueza nacio­nal, quer tenham resultado de fontes de produção nacional, quer tenham sido produzidos e adqui­ridos no mercado exterior e segui­do a mesma destinação de uso em virtude de um ato de importação.

Dessarte, em se tratando. de bens adquiridos no mercado exterior, pouco importa que êles já tenham sido usados no país de sua produ-

ção, visto como é suficiente a sua entrada no território nacional pa­ra que se verifíque o fato gerador do impôsto de consumo. Essa compreensão, aliás, se ajusta, per­feitamente, à norma da Alínea XVI do Título I, do Dec. núme­ro 45.422, de 12 de fevereiro de 1959, e de que "o impôsto devido sôbre os produtos da Tabela "A" a que se refere o art. 1.°, quando de procedência estrangeira, será calculado: inicialmente, com base no preço de importação ou sôbre o valor dos produtos trazidos do exterior, acrescido das despesas de frete, seguro e mais direitos aduaneiros, taxas e adicionais ne­cessários à entrada do produto no país, procedendo-se à conversão em cruzeiros dos valôres em moe­da estrangeira" contida no artigo 154 do mesmo Regulamento do Impôsto de Consumo então em vigor. A entender-se de outro mo­do, estariam abertas as portas à fraude fiscal visto como bastaria ao adquirente usar por pouco tem­po o bem adquirido no mercado exterior, no território. da fonte de sua produção, e, logo após, trazê-10 para o nosso país, para que se livrasse da tributação em comen­to. Ademais, cabe ponderar que, em se tratando de importação de bens, permitida pelo art. 56, inci­sos IV e V da Lei n.O 3.244, de 14 de agôsto de 1957, a respecti­va utilização nos 6 meses anterio­res ao embarque com destino ao nosso país, é condição sine qua non para aquela permissão fiscal, razão por que uma diversa inter­pretação estaria a importar em uma isenção do impôsto de con­sumo, não prevista em lei.

Page 53: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 232-

Na espécie, é preciso não per­der de vista o ensinamento de Amilcar de Araujo Falcão: "No caso de importação de mercado­rias, inclusive de veículo parti­cular, usado ou não, ocorre o fato gerador do impôsto de consumo que consiste na retirada da mer­cadoria do estabelecimento adua­neiro. Pouco importa que o bem se destine, ou não, a ser vendido mais tarde. O que tem importân­cia é que ocorra essa efetiva des­tinação ao consumo interno, pelo próprio importador ou terceiros. O fato gerador é a mera destina­ção ao consumo, que o nosso le­gislador considera ocorrência ju­ridicamente relevante para ense­jar a incidência" (Direito Tribu­tário Brasileiro, Rio, Edição Fi­nanceiras, 1960, n.o 39, páginas 69-70).

Por derradeiro cabe ainda pon­derar que, estando a trazida de quaisquer bens do exterior equi­parada à importação dêsses mes­mos bens, pois qualquer um dêsses atos constitui a introdução de mercadoria estrangeira no territó­rio nacional, não se poderá dizer que o fato gerador do impôsto de consumo é o de entregá-los à uti­lização no lugar da fonte de sua produção, com o que os bens ad­quiridos e usados no exterior es­capariam à incidência do tributo em comento ao serem introduzi­dos em nosso país. O fato gerador do impôsto de consumo se verifi­ca no momento em que a merca­doria é entregue ao uso, entra em circulação no território do nosso país, quer resulte de produção na-

donaI, quer tenha resultado de produção e aquisição no mercado exterior. O momento em que os bens saem da fonte de produção nacional ou são desembaraçados pelas alfândegas quando de pro­cedência estrangeira e introduzi­dos em nosso os à riqueza nacional, é que mar­ca o fato gerador do impôsto de consumo de que trata o Dec. nú­mero 45.422, de 12 de fevereiro de 1959, tanto mais quanto a bi­tributação interna.cional não é ve­dada no direito fiscal. Conf.: Er­nest Elumenstein (Sistema di Di­ritto DeIle Imposte, trad. de Fran­coso Forte, Milano, Ed. DoIt. A. Ciuffré, 1954, § 9, pág. 95).

E daí a conclusão de que o agravado está também na obriga­ção de efetuar o pagamento do impôsto mencionado na Alínea XVI do Título I do Regulamento do Impôsto de Consumo, na con­formidade do art. 154 do mesmo diploma legal.

Por todos êstes fundamentos hei por bem dar provimento aos recursos para o efeito de cassar a sentença concessiva do mandado de segurança.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Deu-se provimen­to aos recursos, para cassar a se­gurança, unânimemente. Os Se­nhores Mins. Amarílio Benjamin e Antônio Neder votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o jul­gamento o Sr. Min. Amarílio Ben­jamin.

Page 54: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 233-

AGRAVO EM MANDADO DE SEGURANÇA N.o 33.281 - RS.*

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Djalma da Cunha Mello Agravante - Dreher S. A. Vinhos e Champanhas

- União Federal Advogado - Romeo de Almeida Ramos e outro

Acórdão

Tarifa Alfandegária. Circunstâncias de influên­cia decisiva na classificação de referência. A pe­rícia do Laboratório Nacional de Análises deve vin­gar, onde e sempre que a Aduana se encontra sem ~rovas inequívocas que a possam ilidir, infirmar.

Vistos, relatados e discutidos ês­tes autos de Agravo de Petição em Mandado de Segurança n.o

33.281, do Estado do Rio Grande do Sul, em que são partes as acima indicadas:

Acorda a Segunda Turma do Tribunal Federal de Recursos, por unanimidade de votos, em dar pro­vimento~ para conceder a segu­rança, na forma do relatório, vo­tos e resultado de julgamento de fls. 59/64, que ficam integrando o presente julgado. Custas de lei.

Brasília, 8 de novembro de 1963. Djalma da Cunha Mello, Presidente e Relator.

Relatório

O Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: Controverte-se nos autos classificação de mercado­ria importada para efeito de tributação. A Alfândega, que­rendo taxá-la como aguardente de cereais, que paga alíquota de 150% ad vaIorem, ao passo que a

* Nom da Redação - Interposto Recurso Extraordinário pela União em 27-4-64, o qual foi remetido ao Egré­gio Supremo Tribunal Federal em 3-9-64.

importadora sustenta que é de malte, sauce, 'extrato de uísque, matéria-prima da sua indústria de bebidas, que se trata, sujeita a uma alíquota de 60% ad valorem.

Para ver preponderante seu ponto de vista, isto é, para pagar ônus fiscal menor, o contribuinte impetrou mandado de segurança, sendo desatendido pela sentença de fls. 39/40, cujos motivos são êstes: "Muito embora as condi­ções em que é recebida a matéria­-prima que a impetrante utiliza em sua indústria de bebidas, na fabri­cação de uísque "Mansion House", pretendendo vê-la classificada co­mo "malte de cereal em extrato", induvidoso é tratar-se de aguar­dente de cereais, com uma per­centagem Ide álcool em volume de 62%.

A posterior colocação no comér­cio é condicionada tão-só ao seu desdobramento com álcool de ce­reais, para "abaixar seu teor al­coólico", feito o maTrying pela mis­tura com ar comprimido (fls. 10). Di-lo o laudo trazido pela própria impetrante e que melhor se enun­cia pela diferença entre extrato de malte e aguardente tipo malte. O

Page 55: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 234-

extrato de malte é líquido viscoso, côr marron, adocicado, contendo dextrina, maltose e glucose. Da fermentação, transformando-se o açúcar em álcool, tem-se a "aguar­dente tipo malte", ou seja, oriunda da cevada maltada. Essa aguar­dente é que a impetrante recebe para o blended ou desdobramento que precede sua comercialização. Assim, inobstante não se apresen­tar em estado que convenha ain­da ao consumo público, trata-se de produto impc~tado que se ajusta à classificação como aguardente, licor ou qualquer outra bebida es­pirituosa." Diz-se que não convém ao consumo público sob o ponto de vista comercial, porquanto mes­mo sem o blended ou desdobrar mento, com o casamento do álcool com cereais para baixar o teor alcoólico do extrato de uísque, ou seja, da aguardente da cevada maltada, é possível o engarrafa­mento e venda aos consumidores mais habituados a essa classe de bebidas, a que chamam de uísque maltado" . Aliás, já existe em no~sQi País ,a marca de uísque

"St. Andrews" que se gaba de ser uísque blended, ou seja, aq:uela mesma aguardente tipo malte im­portada pelos impetrantes. O ex­trato de uísque importado pelos impetrantes, como se pode ver, é matéria-prima na fabricação de uísque "Mansion House", por ser um tipo de uísque blended não deixando de ser malte fermenta­do, ou seja, aguardente oriunda da cevada maltada. Acertada, em conseqüência, a classificação que lhe deu a autoridade alfandegária, fazendo incidir a mais elevada alíquota ad vaZorem prevista na Lei 3.244, de 14 de agôsto de

1957, qual seja a correspondente aiO item 22,-09, dategoria 004 (qualquer outra aguardente). Em suma: não há como fazer excluir de sua classificação como aguar'­dente de cereais, com a incidência tributária prevista no item 004, o extrato de uísque importa­do pela impetrante e que nada tem com a pretendida classifica­ção como simples "malte de qual­quer cereal em extrato, sob qual­quer forma", cuja classificação só pode corresponder ao extrato de malte "antes de fermentado", isto. é, sem o teor alcoólico que caracte .. riza aquela chamada "aguardente tipo malte". Por todo o exposto, denego a segurança, tornando, em decorrência, insubsistente a medi­da liminar concedida à impetran­te. Comunique,..se, para imediata 'cobrança da diflerença tarifáris, que independe do trânsito em jul­gado desta decisão. Custas pela impetrante."

Na minuta do agravo (fls. 43/4), se alega: (lê).

A Procuradoria da República contraminutou assim: (lê).

O Juiz manteve a sentença (fls. 48).

A Subprocuradoria-Geral deu parecer pela sentença (fls. 56).

É o relatório.

Voto>

o Sr. Min. Djalma da Cunha Mello: - Acentua a autorida­de coatora nos seus informes (fls. 31): "Não há dúvida e nem esta objeta tratar-se a merca­doria em discussão de matéria­-prima para fabricação de uísque. O que se discute e se contesta, é a sua classificação tarifária. De~

Page 56: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 235-

sejamos saber tão-somente se a mercadoria é extrato de malte ou aguardente de cereais."

A própria Aduana, vide fls. 8, 9 e 17, diz tratar-se de aguardente de cereais tipo malte ou sauce, extrato de uísque. quando isso não fôsse, o Laboratório Na­cional de Análises, entidade mais experta em tais assuntos, escla­rece, no laudo constante de fls. 10: "Análise solici:ada pelo Sr. Inspetor da Alfândega, no inte­rêsse de Dreher S.A., Vinhos e Champanhes, Processo n.o 15.258, de 26-11-962, estabelecido em Bento Gonçalves e com escritório nesta Capital à Av. Polônia n.o 200, de uma partida de 30 barris de extrato de malte para fabrica­ção de uísque, marcados D S A Bento Gonçalves, n.o 1/30, vin­dos pelo vapor holandês Kenne­merland, ainda não submetidos a despacho, e que deve ser desem~ barca,da no armazém D2. Anexa­das ao processo duas amostras de um litro em recipiente de vidro, arrolhadas, e tendo por sôbre a rôlha um impresso com os seguin­tes dizeres; "Marca DSA - Ben­to Gonçalves via Pôrto Alegre, vaI. n.o 10". Assinado Dirceu Gay da Cunha - Agente Fiscal do Impôsto Aduaneiro".

Laudo - Os exames organo­lépticos, físicos e químicos da mer­cadoria submetida a exame, reve­lam tratar-se de aguardente de ce­vada, tipo malte ou sauce, deno­minada extrato de uísque, com uma percentagem de álcool de 62 %, matéria-prima para fabrica­ção de uísque. Não é usual o seu consumo, no estado em que se encontra, em virtude da alta concentração alcoólica e dos extra-

tos de carvalho queimado que tô­mam dos tonéis em que se pro­cessa a maturação. Somente após o blended ou desdobramento, com álcool de cereais, e o marrying, casamento, que se processa pela mistura com ar comprimido, é abaixado o teor alcoólico, e a be­bida, com ou sem envelhecimento de doze meses, é colocada em con­sumo."

Se os técnicos da própria Ad· ministração Pública declaram tra­tar-se de aguardente de cevada, tipo malte ou sauce, extrato. de uísque, como posso qualificá-la apenas como "aguardente, licor ou qualquer outra bebida espirituosa" para que pague a alíquota de 150% ad vaIarem, se o malte de qualquer cereal,em extrato sob qualquer forma, paga alíquota de 60 % ad vaIorem e a Lei 3.244, no art. 11, manda que a merca­doria a primeira vista contida em mais de um ponto da Tarifa, seja classificada pela posição com des­c:rição mais específica, que pre­ponderará sôbre a de ordem geral?

O que se afere é que a alíquota de 150% ad vaIarem visa a aguar'­dente, licor, gin, genebra, uísque, ou qualquer outra bebida espiri­tuosa que chega ao pôrto de im­portação pronta para consumo, não a mercadoria questionada e que vai integrar, como outras, o preparo de bebida, a composição. de bebida. A mercadoria de que se trata carece de autonomia para ser posta em consumo, só serve para fabrico, só é importada po.r fabricante, por indústria de bebi­das. Nenhuma dúvida nos fatos. Dou por isso provimento ao agra­vo' para restabelecer e tornar efe­tiva a liminar concedida no Juizo

Page 57: MANDADO DE SEGURANÇA N.o 17.162 DF.* · Pena disciplinar: não pode ser imposta a mio litar sem o requisito da prévia audiência do inte ressado. Vistos, relatados e discutidos

- 236-

a quo e que foi cancelada pela sentença final.

Decisão

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte: Deu-se provimento,

para conceder a segurança. Os Srs. Mins. Oscar Saraiva e Ar,.. mando Rollemberg votaram com o Sr. Min. Relator. Presidiu o julgamento o S1'. Min. Djalma da Cunha Mello.

AGRAVO EM MANDADO DE SEGURANÇA N.O 39.603 - GB. ~

Relator - O Ex.mo Sr. Min. Antônio Neder Agravante - O Sr. Jefferson Ferreira Agravado - IAP dos Industriários

Acórdão

Mandado de Segurança. Em se tratando de direito que advém de matéria a ser provada; isto é, de direito que não é líquido e certo, evidente é a conclusão de que êsse direito não pode ser objeto de apreciação em mandado de segurança, que é ação sumaríssima, concebida para garantir tão-sõmente o direito já estruturado.

Vistos, relatados e discutidos ês­tes autos de Agravo em Mandado de Segurança n.o 39.603, da Gua­nabara, em que são partes as aci­ma indicadas:

Acordam os Ministros da Pri­meira Turma do Tribunal Federal de Recursos, por unanimidade, em negar provimento, na forma do re­latório e notas taquigráficas pre­cedentes, que ficam integrando o presente. Custas de lei.

Brasília, 13 de julho de 1965. AntôrnÍo N eder, Presidente e Re­lator.

Relatório

o Sr. Min. Antônio Neder: - A sentença expõe a matéria contro-

* Nota da Redação - Interposto Recurso Ordinário por Jefferson Fer­reira em 30-8-65.

vertida nos seguintes têrmos: "Vis­tos, etc. Henry Lorenzon, qualifi­cado a fls. 2, e os litisconsortes Mário Guimarães Matos, Antônio Rosa Lima Dias Carneiro, Aurélio Vianna da Cunha Lima, Eros Cou­to Fleury, Aula Carlos Del Debbio, Pedro José da Silveira, Jefferson Ferreira, Henrique Carvalho Go. mes, Floriceno Paixão, Fernando Luiz de Souza Motta e Alípio Ferreira Adão, qualificados a fls. 66, impetraram mandado de segu­rança contra o Sr. Presidente do Conselho Administrativo do Insti­tuto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários para o fim de se­rem providos no cargo de Procura­dor da Autarquia, a partir da data em que habilitados hajam ficado a êsse provimento. Alegaram que preenchem os têrmos exigidos pela Resolução 202, de 28-4-46, do