landes, david s.. riqueza e a pobreza das nações

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EDITORA AFILIADA

onsultor EditorialRicardo MarkwaldEconomista, Pesquisador do IPEA/RJe Consultor da FUNCEX

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TradutorÁlvaro Cabral

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DAS NAÇÕIHPOR QUE ALGUMAS SÃO TÃO RICE OUTRAS TÃO POBRES

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A NATUREZA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 20

A Natureza daRevolução Industrial

o século XVIII, uma série de invenções transformou a manufa-tura britânica de algodão e deu origem a um novo modo de pro-

dução — o sistema de fábrica. Ao mesmo tempo, outros ramos de indús-tria realizaram progressos comparáveis que, com freqüência, se relacio-navam entre si; e todos eles juntos, reforçando-se mutuamente, impul-sionaram novos avanços numa frente cada vez mais ampla. A abundân-

cia e variedade dessas inovações quase desafia a compilação, mas enqua-dram-se em três princípios: (1) a substituição da habilidade e do esforçohumanos por máquinas — rápidas, regulares, precisas, incansáveis; (2) asubstituição de fontes animadas por fontes inanimadas de força, em par-ticular, a invenção de máquinas para converter o calor em trabalho,abrindo assim uma quase ilimitada oferta de energia; e (3) o uso denovas e muito mais abundantes matérias-primas, em particular, a substi-tuição de substâncias vegetais ou animais por materiais minerais e, final-mente, artificiais.

Entende-se por fábrica [factory] um complexo unificado de produção (trabalhadores reu-nidos sob supervisão), usando uma fonte central, tipicamente inanimada, de energia. Sem aenergia central, temos uma manufatura [manufactory].

Essas substituições fizeram a Revolução Industrial. Geraram uni,rápida elevação da produtividade e, concomitantemente, da renda pecapita. Esse crescimento, além disso, era auto-sustentado. Em era:passadas, melhores padrões de vida tinham sido sempre acompanha.

dos de um aumento populacional que finalmente consumia os ganhosAgora, pela primeira vez na história, a economia e o conhecimentoestavam crescendo com rapidez bastante para gerar um continuefluxo de melhorias. Para trás tinham ficado os controles positivos d(Malthus e as predições estagnacionistas da economia política; em sei.lugar, tinha-se agora uma era de promessas e grandes esperanças.Revolução Industrial também transformou o equilíbrio de forças politicas — dentro de nações, entre nações e entre civilizações; revolucionou a ordem social; e mudou t anto os modos de pensar quanto os chfazer coisas.

A palavra "revolução" tem muitas faces. Evoca visões de mudança rápida, até brutal ou violenta. Pode significar também transformação fundamental ou profunda. Para alguns, tem conotações progressistas (n:acepção política): as revoluções são boas, e a própria noção de um:revolução reacionária, uma que regride no tempo, é vista como u=contradição em termos. Outros vêem as revoluções como intrinsecamente destrutivas das coisas de valor, por conseguinte, ruins.

Todos esses e outros s ignificados dependem de uma palavra qwoutrora significava simplesmente uma rotação, no sentido literalPermitam-me ser claro, pois, sobre o modo como uso aqui o termoEstou usando-o em seu mais antigo sentido metafórico, para caracterizar um "caso de grande mudança ou alteração num determinado estadde coisas" — sentido este que remonta a 1400 e antecedeu de um séculoe meio o uso de "revolução" para designar a mudança política abrupta.É neste sentido que os estudiosos da Revolução Industrial sempre usaram o termo, tal como outros se referem a uma "revolução comercial'medieval ou a uma "revolução científica" no século XVII ou a um:"revolução sexual" no século XX.

A ênfase, portanto, incide mais sobre o profundo do que sobre (rápido. Não surpreenderá ninguém que os extraordinários avanços tecnológicos da grande Revolução Industrial (com R e I maiúsculos) nã(fossem realizados da noite para o dia. Poucas invenções surgem maduras no mundo. Pelo contrário: precisa-se de uma série de pequenosgrandes aperfeiçoamentos para que uma idéia se converta numa técnica

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A NATUREZA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 209 8 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES

Veja-se o caso da energia do va_po_r. O primeiro engenho a usarvapor para criar um vácuo e fazer funcionar uma bomba foi patenteadona Inglaterra por Thomas Savery em 1698; a primeira máquina a vaporpropriamente dita (com pistão) foi a de Thomas Newcomen em 1705.A máquina atmosférica de Newcomen (assim chamada porque dependiasimplesmente da pressão atmosférica), por sua vez, provocava um subs-tancial desperdício de energia porque o cilindro esfriava e tinha que serreaquecido a cada curso. A máquina, portanto, funcionou melhor nobombeamento de água para fora de minas de c a rvão, onde o combustível era quase um artigo gratuito.

Um longo período - sessenta anos - transcorreu antes de JamesWatt inventar uma máquina com o condensador separado do cilindro(1768), cuja eficiência era suficientemente boa para produzir vapor foradas minas, nas novas cidades industriais; e mais 15 anos foram necessá-rios para adaptar a máquina ao movimento rotativo, de modo a poderimpulsionar as rodas da indústria. Nesse meio t empo, engenheiros emecânicos tiveram que solucionar uma infinidade de pequenos e gran-des problemas de manufatura e manutenção. A tarefa, por exemplo, defabricar cilindros de seção transversal uniformemente lisa e circular,para que o pistão pudesse mover-se numa câmara bem vedada e o arnão escapasse para o lado do vácuo, requeria cuidado paciência e perí-cia.* Em questões de economia de combustível, toda falha ou imperfei-ção tem um custo, e não basta ser razoavelmente bom.

Isso não era tudo. Uma outra linha estava para ser explorada: asmáquinas de alta pressão (mais do que atmosférica), que podiam serconstruídas de forma mais compacta e usadas para impulsionar navios e

veículos terrestres. Isto levou mais um quarto de século para tornar-seviável. Tais usos incentivaram a economia de combustível: o espaço era

A técnica que funcionou para caldeiras (enrolar uma folha de metal, soldar as costuras efechar o topo e o fundo) não serviria para um cilindro de máquina — vazamento excessivo.O novo método, que consistiu em perfurar um bloco de metal fundido, foi inventado porJohn Wilkinson, c. 1776, baseando-se na técnica de broquear canhões (patente de 1774).Um ano depois, Wilkinson estava usando a máquina a vapor a fim de levantar um martelo-pilão de sessenta libras para forjar peças pesadas. Po r volta de 1783, já tinha condições delevantar até 7,5 toneladas. Com isso, ele não tardou a construir laminadoras, prensas decunhagem, trefiladoras e outras linhas de maquinaria pesada. Escreve Usher: "Por um estra-nho capricho da imaginação pública, esse homem feio e carrancudo nunca conquistou afama que merecia como um dos pioneiros no desenvolvimento da metalurgia pesada."Histol / of Mechanical Inventions, p. 372. Vulcano tampouco era bonito.

limitado e o que see-qãèria-era lugar para cargas em véz de carvão. A res-posta foi encontrada na máquina a vapor composta - o uso mais eficien-te do vapor a alta pressão para mover dois ou mais pistões sucessiva-mente; o vapor, tendo feito seu trabalho num cilindro de alta pressão,expandia-se num outro cilindro maior, de pressão mais baixa. O princí-

pio era o mesmo que o desenvolvido na Idade Média para extrair ener-gia da queda de água ao mover uma série de rodas. A máquina a vaporcomposta teve sua origem com J. C. Hornblower (1781) e ArthurWoolf (1804); mas só se firmou na década de 1850, quando foi intro-duzida nos engenhos marítimos e contribuiu poderosamente para ocomércio oceânico.

Mas ainda não foi esse o fim da história. O tamanho e a potênciadas máquinas a vapor estavam limitados pela inércia do pistão. O movi-mento para trás e para diante exigia a utilização de enorme quantidadede energia para reverter a direção. A solução foi encontrada (Charles A.Parsons, 1884) na conversão do movimento alternado para rotativo, aosubstituir os pistões por turbinas a vapor. Estas foram introduzidas nasusinas de força motriz no final do século XIX e, pouco depois, nosnavios. No total, o desenvolvimento da máquina a vapor levou duzen-tos anos.*

Entrementes, a energia hidráulica, ela própria muito aperfeiçoada(roda de costado [John Smeaton, década de 1750] e turbina [BenoitFourneyron, 1827]), continuou sendo importante compo nente daindústria manufatureira, como tinha sido desde a Idade Média.2

De modo análogo, a primeira redução bem-sucedida do ferro pelocoque, obtida por Abraham Darby em Coalbrookdale, remonta a 1709.(Estive dentro do alto-forno abandonado em Coalbrookdale; aí, entreos tijolos do revestimento da cuba onde o fogo ardeu e o minério derre-teu, imaginei-me no ventre da Revolução Industrial. Fazendo parte hojede um museu industrial, os visitantes curiosos podem olhar o alto-fornodo lado de fora.) Mas, embora cuidadosamente estudada e preparada,

As décadas finais do século XIX assistiram a um substancial aperfeiçoamento da má quina avapor graças aos avanços científicos em termodinâmica. Enquanto antes a tecnologia tinhaguiado a ciência nessa área, agora era a ciência quem liderava e dava à máquina a vapor umanova vida.

Sobre a curva logística de possibilidades implícita numa dada seqüência tecnológica —ganhos lentos durante a etapa experimental preparatória, seguidos de rápidos avanços que

finalmente diminuem de velocidade quando as possibilidades se esgotam — ver o ensaio clás-sico de Simon Kuznets, "Retardation o f Industrial Growth".

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21 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES A NATUREZA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 21

essa realização foi, com efeito, fruto de um golpe de sorte. O carvão deDarby era fortuitamente o mais apropriado. 3 Outros tiveram menosêxito e, assim como Darby, limitavam o uso do ferro gusa fundido emforno de coque à moldagem de barras e lingotes. Foram precisos cerca

de quarenta anos para resolver as dificuldades, e a redução do ferro uti-lizando o coque só decolou em meados do século.Essa tecnologia tinha, ademais, sérias limitações. O ferro fundido

era adequado à fabricação de panelas e frigideiras, tubos e outros obje-tos não sujeitos a compressão, mas uma tecnologia de máquina nãopode basear-se em moldes. As peças moventes requerem a resiliência eelasticidade do ferro batido (ou aço) e devem ser modeladas (forjadasou usinadas) de um modo mais preciso do que pode ser feito pelo f errofundido.* Transcorreram meio século e uma considerável soma de expe-rimentos antes que os manufatores de ferro pudessem obter ferro gusareduzido pelo coque em condições adequadas para refinação e purifica-

ção adicionais, e antes que os refinadores dispusessem de técnicas paralidar com o ferro gusa reduzido pelo coque (Henry Cort, patentes de1783 e 1784). O aço comum (Henry Bessemer, 1856) só veio transfor-mar a indústria e os transportes após três quartos de século de tentativasexperimentais. Enquanto esse dispendioso metal tinha sido outrora uti-lizado na confecção de pequenos objetos — armas, navalhas de barba,molas, algumas ferramentas, como limas — agora podia ser usado nafabricação de trilhos e construção de navios. Os trilhos de aço duravammais e tinham mais capacidade de transporte; os navios de aço tinhamcascos mais finos e mais capacidade de transporte.

Além disso, se procurarmos origens, podemos fazer recuar ambas

essas técnicas para o século XVI, para a precoce dependência da indús-O ferro gusa (ferro fundido) tem um elevado teor de carbono (mais de 4%). É muito duro

mas rachará ou quebrará sob o impacto de um choque. Não pode ser usinado, sendo essa arazão por que é fundido, isto é, vazado em moldes para esfriar e adquirir forma. O ferroforjado pode ser martelado, furado e trabalhado de muitas outras formas. Não quebraránum choque e é altamente resistente à corrosão, o que o torna ideal para balaustradas eparapeitos de varandas e sacadas, e outros u sos ao ar livre (cf. a Torre Eiffel). Para convertero ferro gusa em ferro forjado, a maior parte do carbono tem que ser eliminada numa forna-lha de pudlagem, deixando apenas 1% ou menos. O ferro forjado foi há muito tempo subs-tituído pelo aço (1 a 3% de carbono), o qual combina as virtudes do ferro fundido e doferro forjado, ou seja, resistência com maleabilidade; por conseguinte, o ferro forjado é hojémuito difícil de se obter, exceto como sucata. A dificuldade com o primitivo ferro reduzidoem forno de coque era que, ao ser refinado, produzia um ferro que se tornava quebradiço,quando levado ao rubro. Até o problema ser resolvido com o advento do coque, o ferro for-jado era produzido usando carvão vegetal (lenha) para alimentar os fornos.

tria inglesa do carvão como combustível e matéria-prima na fabricaçde vidro, cervejaria, tinturaria, olaria, serralharia e metalurgia. Um sc hlar denominou essa mudança para combustível fóssil, muito mais cedo que em outros países europeus, a "primeira revolução industrial".4

Em seguida, a maquinaria dotada de força motriz. A própria máquna é simplesmente um dispositivo articulado para mover uma ferramerta (ou ferramentas) de tal modo que faça (ou façam) o trabalho da mã(Sua finalidade pode ser aumentar a força e velocidade de quem operapor exemplo, uma impressora, uma perfuratriz ou uma roda de fiar. Opode canalizar a sua ferramenta de modo a executar movimentos unformes e repetitivos, como num relógio. Ou pode alinhar uma bateride ferramentas de forma a multiplicar o trabalho desempenhado pcum único movimento. Na medida em que as máquinas são manualmerte operadas, é muito fácil reagir às inevitáveis guinadas e arrancos;operário tem apenas que suspender a ação, deixando de girar a maniv

la ou puxando uma alavanca. A força motriz muda tudo.*A Idade Média, como vimos, já estava familiarizada com uma ampl

variedade de máquinas — para triturar milho ou malte, moldar metal:tecer fio, pisoar pano, lavar tecidos, acender fornalhas. Muitas dessmáquinas eram acionadas por força motriz, tipicamente por noras oazenhas (rodas hidráulicas). Nos séculos seguintes (1500- ), esses dispcsitivos proliferaram, dado que os princípios da mecânica eram largmente aplicáveis. Nos têxteis, algumas das importantes inovações foralo bastidor para malha, o tear "holandês" ou tear "mecânico", o teartrena; também as máquinas para torcer fio de seda. Mas os avançcmais potentes, como ocorre com freqüência, foram os mais banais:

— a introdução do pedal para mover a roda de fiar, liberando assiras mãos da fiandeira para manipular o fio e cuidar dos fusos; ou,caso do tear, para acionar os liços que erguem o fio do urdimenenquanto a lançadeira vai conduzindo o fio da trama;

— a invenção do volante (a roda saxônia), que aumentou a torcedra, bobinando o fio ao mesmo tempo que gira o fuso, mas a uma velocdade diferente;

A maquinaria mecanizada foi, inevitavelmente, uma nova fonte de acidentes industriaSobre os problemas nos engenhos de açúcar e a maior segurança de dispositivos manu

mente operados ou acionados por tração animal, ver Schwartz, Sugar Plantations, pp.1444. Os cavalos eram mais perigosos do que as mulas ou os bois: "(...)os gritos dos infeliz.escravos faziam os cavalos correr mais velozmente."

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A NATUREZA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 213212 RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES

— a realização da fiação e bobinagem unidirecional e contínua.A soma dessas mudanças quadruplicou ou melhorou a produção das

máquinas de fiar.5O passo seguinte foi a mecanização da fiação replicando de alguma

forma os gestos do tecelão na operação manual, o que exigiu simplifica-ção mediante a decomposição da tarefa numa sucessão de processos sus-cetíveis de repetição. Isso parece muito lógico, mas não foi fácil. O suces-so só foi conseguido quando os inventores aplicaram esses dispositivos auma fibra vegetal dura, o algodão. Isso levou dezenas de anos de re ntati-vas e erros , desde a década de 1730 à de 1760. Quando a fiação mecâni-ca chegou ao algodão, a indústria têxtil deu um giro de 180 graus.

Na metalurgia, grandes progressos resultaram da substituição domovimento alternativo pelo rotativo: a folha ou chapa de metal passa aser, em vez de batida, produzida em laminadores; o arame é obtidopuxando uma liga metálica através de uma seqüência de fieiras de cali-bre cada vez mais estreito; os furos até então abertos por punção, pas-sam a ser feitos por máquinas de perfurar (brocas, verrumas etc.); aplai-nar, tornear, modelar, são tarefas executadas pelo torno, que substituiuo formão e o martelo. De suma importância foi o crescente recurso àsmedições de precisão e montagens fixas. Nessa área, os fabricantes derelógios e de instrumentos foram os pioneiros. Eles trabalhavam compeças menores e podiam mais facilmente fabricá-las para satisfazer aoselevados padrões de precisão requeridos com o uso de ferramentas parafins especiais, como rodas graduadas, denteadoras, chanfradoras etc.Essas ferramentas, por sua vez, ao lado de outras criadas por maquinis-tas, puderam então ser adaptadas para operar em formatos maiores, enão é por acaso que os donos de cotonifícios, quando procuraram arte-sãos qualificados para construir e conservar máquinas, punham anún-cios pedindo mestres relojoeiros; ou que os jogos de engrenagens dessasmáquinas fossem conhecidos como "mecanismos de relógio". O traba-lho repetitivo dessas máquinas sugeriu, por sua vez, os primeiros experi-mentos de produção em massa baseados em peças intercambiáveis (reló-gios, armas de fogo, reparos de canhão, roldanas, fechaduras, ferragens,mobiliário).

Todos esses avanços, mais a invenção de máquinas para construirmáquinas, ocorreram juntos no último quartel do século XVIII — umperíodo de contagiosa novidade. Parte dessa corrente de inovação pode-

ria ter sido fruto de uma feliz colheita. Mas não. A inovação alastrava-seporque os princípios subjacentes numa determinada técnica podiam ado-

tar múltiplas formas, encontrar múltiplos usos. Se era possível abrir furosde broca em canhões, nada impedia que se perfurassem os cilindros demáquinas a vapor. Se era possível estampar tecidos por meio de cilindrosou rolos (em vez da muito mais lenta xilogravura), então também sepoderia imprimir papel de parede por esse processo; ou imprimir textos

muito mais rapidamente do que nos prelos, e produzir revistas baratas eromances vulgares às dezenas e centenas de milhares. Da mesma forma,uma máquina de fiar algodão modificada podia fiar lã e linho. Com efei-to, os contemporâneos da mecanização da manufatura de algodão af ir-maram que isso forçou a modernização dessas outras linhas:

(...) não t ivesse o talento de Hargreaves e Arkwright transformado inteira-mente os modos de cardar e fiar algodão, a manufatura de lã teria provavel-mente permanecido até hoje como estava em épocas passadas.(...) Teria sidomelhor para a sociedade em geral se ela assim tivesse ficado, admitimos semrelutância, mas depois que modos aperfeiçoados de trabalhar o algodão foramdescobertos, isso tornou-se impossível.6

E assim por diante, rumo a um admirável e não tão admirávelmundo novo de rendas mais elevadas e mercadorias mais baratas, apare-lhos e materiais desconhecidos, apetites insaciáveis. Novo, novo, novo.Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Como disse o Dr. (Samuel) Johnson, pre-vendo melhor que seus contemporâneos, "todo negócio do mundo épara ser feito de uma nova maneira" O mundo desgarrara-se de suasamarras.

É possível pôr datas nessa revolução? Não é fácil tarefa, por causa dasdécadas de experimentação que precedem uma dada inovação e o longoperíodo de aperfeiçoamento que se segue. Onde está o começo e onde

O núcleo do processo: John Hicks, A Theory of Economic History, p. 147, e CarloCipolla, Before the Industrial Revolution,p. 291, não concordariam. Hicks considerou a pri-mitiva maquinaria de fiação de algodão "um apêndice na evolução da antiga indústria",mais do que o começo de uma nova. Pensou que algo semelhante a isso poderia ter ocorridoem Florença, no século XV, se então se dispusesse de energia hidráulica (mas a Itália dispu-nha de energia hidráulica). "Talvez não tivessem existido Crompton nem Arkwright, emesmo assim teria aco ntecido uma Revolução Industrial." "Ferro e carvão," escreveCipolla, "muito mais do que algodão, apresentam-se como fatores críticos nas origens daRevolução Industrial." Talvez; não é fácil situar progressos por ordem de impacto e signifi-cação. Mas eu daria ainda o lugar de honra à mecanização como um fenômeno geral susce-

tível da mais vasta aplicação e à organização do trabalho sob supervisão e disciplina (o siste-ma de fábrica).

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21 4 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES

está o fim? O núcleo do processo mais amplo — mecanização da indús-tria e adoção da fábrica — reside, porém, na história da manufatura têx-til.' A rápida mudança começou com a fiadeira de vários fusos (jenny)de James Hargreaves c. 1766), seguida pela máquina de fiar algodãooperada com energia hidráulica water frame) de Thomas Arkwright 1769) e a mule, uma má quina de fiar intermitente de SamuelCrompton (1779), assim chamada porque era um cruzamento da jennye do water frame. Com a mule era possível fiar tanto material de fibrafina quanto grossa, melhor e mais barato do que qualquer fiadeiramanual. Depois, em 1787, Edmund Cartwright construiu o primeirotear mecânico bem-sucedido, o qual transformou gradualmente a fia-ção, primeiro de fio grosso, que resistia melhor ao vaivém da lançadei-ra, e em seguida de fio fino; e em 1830, Richard Roberts, um experien-te construtor de máquinas, criou — a pedido do empregador — umamáquina de fiar de funcionamento automático self-acting mule), quelibertava a fiação da dependência da força e da habilidade especial deuma indócil aristocracia operária. (A máquina independente funcionoumas a aristocracia permaneceu.)

Essa seqüência de invenções demorou cerca de sessenta anos edominou por completo a tecnologia mais antiga — ao invés da máquinaa vapor que, durante muito tempo, conviveu com a energia hidráulica.'A nova técnica gerou uma acentuada queda em custos e preços, e umrápido aumento na produção e consumo de algodão. 8 Nessa base, aRevolução Industrial britânica percorreu em cerca de um século, diga-mos, desde 1770 até 1870, "todo o intervalo entre a antiga ordem e oestabelecimento de relações bastante estáveis dos diferentes aspectos daindústria sob a nova ordem."9

Outros especialistas adotaram periodizações ligeiramente diferen-tes. Seja como for, estamos falando sobre um processo que durou um

Deve-se distinguir aqui entre os setores de fiação e tecelagem da indústria. Na fiação dealgodão, a maquinaria simplesmente eliminou por completo as mais antigas técnicasmanuais. Até a fiandeira indiana, trabalhando por urna pequena fração dos salários ingleses,teve que desistir em face da fiação mecânica. Na tecelagem, porém, o tear mecânico levoudécadas para atingir o ponto em que se podia trabalhar com o fio mais delicado. Assim, ostecelões de tear manual agarraram-se obstinadamente a sua própria técnica, reduzindo parasempre as expectativas e o padrão de vida no esforço de permanecerem fora das fábricas,até que a morte ou a velhice os eliminasse. Na segunda metade do século XIX, mesmoaqueles fabricantes que tinham razões especiais para contratar tecelões de tear manual não

puderam encontrar mais nenhum. As pessoas jovens não estavam dispostas a ingressar numaprofissão agonizante.

A NATUREZA DA REVOLUÇÃO INDUSTR

século, geração a mais, geração a menos. Isso pode parecer lento paalgo a que se pôs o nome de revolução, mas o tempo econômico trarcorre mais lentamente que o tempo político. As grandes revoluções ecnômicas do passado tinham demorado muito mais.

Mesmo quando se levam em conta os dados quantitativos apresetados pelos adeptos da autoproclamada Nova História Econômicainda assim temos um a interrupção na tendência de crescimento pvolta de 1760-1770; taxas de crescimento sem precedentes; sobretucos primórdios de uma profunda transformação do modo de produçãA tecnologia faz a diferença. Os números agregados mostram isso, elógica elementar esclarece-o. Mesmo que utilizemos as estimativas mibaixas de aumento para a parte final do século XVIII e as extrapoleretroativamente, chegaremos logo a níveis de renda insuficientes p2sustentar a vida. Portanto, algo tinha mudado.

Subsiste a questão: por que o crescimento geral não era mais ráido? É uma questão anacrônica que reflete as expectativas de temas m.recentes — de uma era de inovação mais célere e mais potente, e de recperações a passos largos. Apesar disso, vale a pena formular a pergunA resposta é que a Revolução Industrial foi desigual e demorada (seus efeitos; que começou e f loresceu mais cedo em alguns ramos qem outros; que deixou para trás e até destruiu antigas profissões e árcde atividade enquanto criava e construía outras; que não substituiu ne-podia substituir da no ite para o dia tecnologias mais antigas. (Atétodo-poderoso computador não eliminou a máquina de escrever, p1não citar a caneta e o papel.) Essa é a razão pela qual as estimativas

crescimento para esses anos são tão sensíveis a pesos; se damos mimportância ao algodão e ao ferro, o crescimento parece mais rápido;damos menos importância a esses produtos, o crescimento modereritmo. Tudo isso, é claro, era óbvio para os primeiros estudiososmudança tecnológica, como A. P. Usher e J. H. Clapham. Os "novos I-toriadores econômicos" que enfatizaram o tema da continuidade revi'ram essencialmente sua obra sem os citar, talvez sem os conhecer.'

A economia é uma disciplina que seria uma ciência e, como todos sabem, a ciência avasempre. Assim, se deixam de lado as monografias e artigos de predecessores. Daí os para

xos de uma disciplina que estaria sempre atualizada e, no entanto, está sempre redescobdo as descobertas de ontem — muitas vezes sem se aperceber disso.)

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218 RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇ ÕES A NATUREZA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 21

ros economistas não eram inundados com estatísticas. Poupava-se-lhes oônus da prova estatística. Apoiavam-se na história e nas observaçõespessoais. Hoje, depositamos nossa confiança nos dados inquestionáveis,desde que sejam sancionados por teoria." 6 À luz desse princípio, omenos que se poderia esperar de historiadores econômicos é que depo-sitassem sua confiança em "dados inquestionáveis [leia-se: numéricos]desde que sancionados por provas históricas. Em vez disso, eles saltampara juízos que, com freqüência, superam os limites da credulidade.

O ponto crucial de discordância neste caso foi o que tem sido apre-sentado por alguns autores como uma revolução não-revolucionária("evolucionária"). Por mais impressionante que seja o crescimento decertos ramos de produção, o desempenho geral da economia britânica(ou indústria britânica) durante os cem anos de 1760-1860, conformese destaca de alguns exercícios numéricos recentes, tem uma aparênciamodesta: uma pequena percentagem anual para a indústria; ainda

menos para o produto agregado, E se deflacionarmos esses dados emfunção do crescimento populacional (portanto, a renda ou produto percapita), eles reduzem-se a um ou dois por cento ao ano. 7 Dada a mar-gem de erro intrínseca nessa espécie de manipulação estatística, issopoderia ser alguma coisa. E também poderia não ser nada.

Mas por que acreditamos nas estimativas? Porque são mais recentes?Porque os autores nos garantem sua confiabilidade? Os métodos empre-gados estão aquém de convincentes. Começa-se com o construto agre-gado (uma invenção) e depois trata-se de fazer com que os ramos com-ponentes se lhe encaixem. Um exercício recente apurou que, depois desomar os ganhos britânicos de produtividade em meia dúzia de ramos

importantes — algodão, ferro, transporte, agricultura —, não sobrou espa-ço para novos ganhos nos demais ramos: outros têxteis, cerâmica,papel, ferragens, construção de máquinas, relógios. O que fazer? E sim-ples. O autor decidiu que a maior parte da indústria britânica "sofriabaixos níveis de produtividade de mão-de-obra e lento crescimento daprodutividade — sendo possível que não tivesse havido, de fato, qual-quer progresso no período de 1780-1860". 8 Isto é a carroça da históriaà frente dos bois, os resultados antes dos dados, a imaginação antes daexperiência. Também está errado.

Além do mais, essas estimativas, baseadas como são em pressupostosde homogeneidade ao longo do tempo — ferro é ferro, algodão é algo-

dão —, subestimam inevitavelmente o ganho implícito em melhorias dequalidade e em novos produtos. Como se pode medir a significação de

um novo tipo de aço (aço de cadinho) que torna possíveis melhores cro-nometragens e melhores registros para as tarefas de acabamento e ajustde peças de máquinas, se nos limitarmos simplesmente a contar toneldas de aço? Como apreciar a produção de jornais que se vendem poidez centavos em vez de cinqüenta centavos graças às rotativas? Comcmedir o valor de navios de aço que duram mais do que os navios demadeira e recebem consideravelmente mais carga? Como avaliar a pro.dução de luz se calcularmos em termos de lâmpadas em vez da luz queelas emitem? Uma tentativa recente para quantificar a tendência declinante da estatística agregada com base no preço do lúmen de luz sugereque, nesse caso, a diferença entre ganhos reais e estimados ao longo deduzentos anos é da ordem de 1.000 para 1.19

Nesse meio tempo, os novos historiadores econômicos quantitativo("cliometristas") anunciaram em tom triunfante a demolição da doutrina recebida. Um historiador econômico reclamou em todas as direçõe

o abandono da designação imprópria "revolução industrial", enquantcoutros passaram a escrever histórias do período sem usar o detestadcnome — um considerável inconveniente para autores e estudantes.2(Alguns, trabalhando na fronteira entre a história econômica e outrogêneros de história, ou simplesmente fora desse campo, chegaram 2conclusão de que todos tinham interpretado mal a história britânicaPretendiam eles fazer-nos crer que a Grã-Bretanha nunca fora umnação industrial (seja o que for que isso significa); os mais importantedesenvolvimentos econômicos do século XVIII tiveram lugar na agricul-tura e na finança, ao passo que o papel da indústria, muito exagerado:foi, de fato, subalterno. 2 E alguns procuraram argumentar que a Grã-

Bretanha pouco mudou durante esses anos supostamente revolucioná-rios (assim se jogou fora um século de historiografia), enquanto outros,reconhecendo que o crescimento foi, de f ato, mais rápido, deram, nãcobstante, maior ênfase à continuidade do que à mudança. Escrever=sobre "crescimento da tendência" ou "aceleração da tendência", e afir-maram não haver "desvios" na linha convencional que descreveu caumento no produto ou renda nacional. E quando alguns scholars s

recusaram a adotar essa nova disposição, um historiador rejeitou-ocomo "um cavalo moribundo que não está de todo disposto a submeter-se sem resistir".22

Quem diz que a torre de marfim da erudição é um lugar tranqüilo?

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22 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES

A VANTAGEM DE FICAR GIRANDO

A grande vantagem do movimento rotativo sobre o movimento alterna-tivo reside em sua eficiência energética: não requer que a parte móvelmude de direção a cada curso; ela continua girando. (Tem, é claro, suas

próprias limitações, decorrentes em grande parte da força centrífuga, aqual está sujeita às mesmas leis do movimento.) Tudo é função de massae velocidade: se o trabalho for feito com bastante lentidão e equipamen-to leve, o movimento alternativo dará conta do recado, embora por umdeterminado custo. Suba-se para as grandes peças e velocidades maiselevadas, e o movimento alternativo torna-se impraticável.

Nada ilustra melhor o princípio do que a mudança de máquinas avapor alternativas para rotativas em navios a vapor. As marinhas mer-cantes e de guerra estavam pressionando os projetistas e construtorespor navios cada vez maiores e mais velozes. Para a Grã-Bretanha, amaior potência naval do mundo, a decisão definitiva de adotar a nova

tecnologia veio com a construção do Dreadnought, o primeiro dosencouraçados equipados com canhões de grosso calibre. Estávamos em1905. A Marinha Real queria um navio de linha que pudesse desenvol-ver 21 nós, uma velocidade impraticável com máquinas alternativas.Embora navios anteriores tivessem sido projetados para 18 ou 19 nós,só podiam fazer isso por curtos períodos; oito horas a 14 nós constanteseram o suficiente para os rolamentos começarem a esquentar e o siste-ma entrar em colapso. Uma corrida à velocidade máxima podia signifi-car dez dias imobilizado no porto para reparos — o que não é medidaaconselhável no caso de prontidão para combate.

Alguns oficiais da Marinha receavam arriscar-se com a nova tecno-logia. Uma coisa era usar turbinas em destróieres, mas na maior e maispoderosa belonave da Armada? E se a inovação fosse um fracaSsO?Philip Watts, diretor de Construção Naval, resolveu a questão apontan-do o custo do antigo sistema. Utilizem motores alternativos, disse ele, eo Dreadnought estará obsoleto em cinco anos.

O resultado mais do que justificou suas esperanças. O capitão donavio, Reginald Bacon, que tinha previamente comandado o Irresistible(a Marinha Real adora a hipérbole), ficou maravilhado com a diferença:

[As turbinas] eram silenciosas. De fato, visitei freqüentemente a casa demáquinas do Dreadnoughtquando navegava à velocidade de 1 7nós em alto-mar e era incapaz de dizer se elas estavam funcionando ou não. Durante uma

A NATUREZA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 22 1

travessia feita a toda a força das máquinas, a diferença entre o Dreadnought eo Irresistibleera extraordinária. Na casa de máquinas do Dreadnought nãohavia ruído, nenhum vapor era visível, nada de esguichos de água ou óleo aquie ali, os oficiais e os homens estavam com seus uniformes limpos; de fato, todaa aparência era a de um navio que podia perfeitamente estar fundeado numporto com as turbinas paradas. No Irresistible,o ruído era ensurdecedor. Era

impossível se fazer ouvir e os interfones eram inúteis. As chapas do convésestavam gordurosas de óleo e água, de modo que era difícil caminhar semescorregar. Era mais do que certo que alguma válvula estava deixando escaparum pouco de vapor, o que tornava a atmosfera da casa de máquinas sombria eenfuu,as-a a. Umua uu iiiais niaugu ilas ssesia ,b para um dos marca-dores de rumo que ameaçava dar problemas. Os homens que trabalhavamconstantemente em torno da máquina tateavam os marcadores para ver seestavam frios ou davam sinais de aquecimento; e se viam os oficiais com seuscapotes abotoados até o pescoço, alguns deles com impermeáveis, os rostosenfarruscados e as roupas empapadas de óleo e água.23

O passo seguinte seria o combustível líquido, que ardia mais quente,

criava pressões mais elevadas e impelia os eixos e hélices mais velozmen-te. As velhas tulhas de carvão ocupavam um espaço exagerado e osfogueiros comiam grandes quantidades de alimentos pesados — as máqui-nas humanas também necessitam de combustível. À medida que os esto-ques de carvão iam diminuindo, mais homens eram chamados paratransferi-lo das tulhas mais distantes para as que ficavam perto dasmáquinas; centenas deles nunca viram as fornalhas que alimentavam. Emcontraste, reabastecer com óleo significava simplesmente conectar man-gueiras e algumas horas de bombeamento, muitas vezes no mar; com ocarvão, o navio tinha que ficar atracado num porto por alguns dias.

Diga-se de passagem que muitas dessas melhorias não seriam capta-das pelas medidas convencionais de produção e produt ividade. Estasadicionariam o custo do novo equipamento mas não a mudança na qua-lidade do trabalho.

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POR QUE A EUROPA? POR QUE ENTÃO? 22

4

Por Que a Europa?Por Que Então?

"Se profetizássemos que no ano de 193 uma população de cinqüentamilhões, mais bem alimentada, vestida e alojada do queos ngleses do nossotempo, cobrirá estas ilhas, que o Sussex e o Huntingdonshire serão mais ricosdo que são hoje as regiões mais ricas do distrito ocidental de Yorkshire (...)que máquinas construídas segundo princípios ainda por descobrir estarão ins-taladas em todas as casas (...) muitas pessoas pensariam que estamos loucos.

- MACAULAY, Southey's Colloquies on Society1830)1

or que a Revolução Industrial aconteceu aí e nessa época? A per-gunta é realmente dupla. Em primeiro lugar, por que e como qual-

quer país rompeu a crosta de hábito e conhecimento convencional, a fimde avançar para esse novo modo de produção? Afinal, a história mostraoutros exemplos de mecanização e uso de energia inanimada sem que se

tivesse produzido uma revolução industrial. Pensa-se na China de Sung(fiação do cânhamo, metalurgia do ferro), na Europa medieval (tecnolo-gias dos moinhos de água e vento), nos primórdios da Itália moderna(torcimento do fio de seda, construção naval) e na Holanda da "Idade deOuro". Por que só agora, finalmente, no século XVIII?

Em segundo lugar, por que a Grã-Bretanha fez a Revolução Indus-trial e não alguma outra nação?

As duas questões são uma só, na medida em que a resposta a umanecessita da outra. É esse o modo próprio da história.

No tocante à primeira, eu sublinharia a acumulação de conhecimento ede competência prática, e a transposição de uma série de limiares. Já

assinalamos a interrupção do avanço intelectual e tecnológico islâmicochinês, não só a cessação do progresso mas a institucionalização dparada. Na Europa ocorreu o inverso: continuamos a acumulação. Pccerto, na Europa como alhures, a ciência e a tecnologia tinham seualtos e baixos, áreas de força e de fraqueza, centros que mudavam coros acidentes da política e a influência do gênio pessoal. Mas se tivessque destacar as fontes decisivas e distintamente européias de sucesso, eenfatizaria três considerações:

a crescente autonomia da investigação intelectual;o desenvolvimento de unidade em desunidade na forma de ur

métodocomum, implicitamente antagonístico, ou seja, a criação de u_linguagem de prova reconhecida, usada e entendida para além de froteiras nacionais e culturais; e

(3) a invenção da invenção, ou seja, a rotinizaçãode pesquisa e sdifusão.

Autonomia: a luta pela autonomia intelectual remonta aos conflitmedievais sobre a validade e autoridade da tradição. O ponto de vistdominante da Europa era o da Igreja Romana — uma concepção dnatureza definida pelas Escrituras e mais harmonizada com a sabedoridos antigos do que por ela modificada. Grande parte disso encontrodefinição na Escolástica, um sistema de filosofia (incluindo a filosofinatural) que estimulou um sentimento de onipotência e autoridade.

Nesse mundo fechado, as novas idéias apresentaram-se necessariamente como uma insolência e uma subversão potencial — tal comforam vistas no Islã. Na Europa, entretanto, a aceitação foi facilitadpela utilidade prática e protegida por governantes que procu'ravanobter, pela novidade, uma vantagem sobre os rivais. Não foi um acidente, portanto, que a Europa passasse a cultivar a aceitação do novo esentimento de progresso — uma crença em que, ao invés da nostalgia d:antigüidade por uma graça recebida em priscas eras (Paraíso Perdido), :Idade de Ouro (utopia) está realmente mais à frente; e em que as pessoas estão agora em melhor situação, são mais argutas e mais capazes dcque antes. Como disse frei Giordano num sermão em Pisa, em 130((deveríamos todos recordá-lo sempre): "Mas nem todas [as artes] foradescobertas; nunca veremos um fim à tarefa de descobri-las...e novaartes estarão sendo encontradas o tempo todo."2

É claro, as atitudes mais antigas sobreviveram. (Uma lei do movi

mento histórico sustenta que todas as inovações de pensamento e prática geram uma reação oposta, ainda que nem sempre igual.) Na Europa

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entretanto, o alcance da Igreja estava limitado pelas pretensões rivais d:autoridades seculares (César contra Deus) e pelo fogo lento mas inex,rável das dissensões religiosas que vinham de baixo. Essas heresiasi'.

erao que se dizia; não a percepção mas a realidade. Eu vejo o que vocêdiz que viu?

Tal abordagem abriu caminho para o experimento intencional. Emvez de se ficar esperando para ver algo acontecer, fazer com que as coi-sas aconteçam. Isso requer um salto intelectual, e alguns argumentaram

que foi a renovação e disseminação de crenças mágicas (até IsaacNewton acreditava na possibilidade da alquimia e da transmutação damatéria) que levou a comunidade científica a ver a natureza como algosobre o qual se podia agir, assim como ser objeto de observação. 5 "Emflagrante contraste com o filósofo natural", escreve um historiador, "omágico manipulou a natureza." 6

Bem, pelo menos tentou. Sou cético, porém, quanto a esse esforçopara combinar confusões pessoais com relações mais amplas de causa eefeito. O salto da observação para a experimentação, de passivo paraativo, foi bastante árduo, e as tentações de magia, esse "mundo deganhos e deleite, de poder, de honra, de onipotência", eram a diversão eo obstáculo. Quando muito, poder-se-ia dizer que o mundo da magiaera uma paródia da realidade, um decrescente resíduo de ignorância,uma espécie de antimatéria intelectual. Os ocasionais sucessos da magiaeram subprodutos fortuitos de embromações. Seus praticantes eramfacilmente vistos como loucos, quando não como agentes do demônio,em parte por causa de sua maneira freqüentemente excêntrica e de seucomportamento ocasionalmente criminoso.' Tais práticas remontam àaurora dos tempos; permanecem conosco e permanecerão sempre, por-que, como pessoas que jogam na loteria, queremos acreditar nelas. Quetenham revivido e florescido na torrente de novos conhecimentos, desegredos desvendados, de mistérios revelados, não deveria ser motivode surpresa. A magia era mais resposta do que fonte, e na medida emque desempenhou um papel, era menos como estimulante do que comoalergênico.7

Assinale-se que, para alguns, isso constitui um motivo de pena, como

um empobrecimento auto-imposto: "(...)o novo enfoque .quantitativo e

podem não ter sido iluminadas em questões intelectuais e científicas,mas abalaram a crença na unicidade do dogma e, ao fazê-lo, prom ove-ram implicitamente a novidade.

O mais deletério para a autoridade foi a imensa ampliação da expe....riência pessoal. Os antigos, por exemplo, pensavam que ninguém podiaviver nos trópicos: excessivamente quentes. Os navegadores portuguesesnão tardaram a demonstrar o erro de tais preconceitos. Esqueçam osantigos, vangloriavam-se; "descobrimos o contrário". Garcia de Orta,filho de pais convertidos e ele próprio um leal mas, é claro, secretojudeu, aprendeu medicina e filosofia natural em Salamanca e Lisboa,depois viajou para Goa em 1534, onde serviu como médico dos vice-reisportugueses. Na Europa, intimidado por seus mestres, nunca se atreveu aquestionar a autoridade dos gregos e romanos antigos. Mas então, rio

ambiente não-acadêmico da Índia portuguesa, sentiu-se livre para abriros olhos. "Para mim," escreveu ele, "o depoimento de um testemunhoocular tem mais valor do que o de todos os físicos e pais da medicina queescreveram baseados em falsas informações"; e mais, "pode-se obteragora, em um só dia, mais conhecimentos pelos portugueses do que erapossível conhecer em nos através dos romanos."3

Método: só ver não era o suf iciente. É preciso entender e dar expli-cações não-mágicas para fenômenos naturais. Nenhum crédito podia serdado a coisas invisíveis. Não havia lugar para unicórnios, basiliscos esalamandras. Enquanto Aristóteles pensou explicar os fenômenos pelanatureza "essencial" das coisas (os corpos celestes movem-se em círcu-

los; os corpos terrestres movem-se para cima ou para baixo), a novafilosofia propôs o inverso: a natureza não estava nas coisas; as coisas -estavam (e moviam-se) na natureza. Ademais, esses investigadores passa-ram desde cedo a ver a matemática como imensamente valiosa paraespecificar observações e formular resultados. Assim

se expressou RogerBacon, em Oxford, no século XIII: "Todas as categorias dependem deum conhecimento de quantidade, que é aquilo de que a matemática seocupa e, portanto, todo o poder da lógica depende da matemática.'Esse casamento de observação e descrição precisa tornou possível, porsua vez, a réplica e verific.ação. Nada contribuiu mais eficazmente paraabalar a autoridade. Pouco importava quem disse o quê, o importante

• Como no caso do escândalo dos venenos (l affaire des poisons)da década de 1680 naFrança, que viu centenas de cartomantes, astrólogos e seus clientes detidos e implacavelmen-te interrogados, e 34 deles serem executados por cumplicidade em homicídio. Nada, dizGrenet (Lapassion des astres,pp. 136-59), contribuiu mais para desacreditar a astrologia e a

magia entre o grande público e as autoridades políticas. Os cientistas já tinham abandonadoesse absurdo.

224 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕESPOR QUE A EUROPA? POR QUE ENTÁ'O? 25

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226 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES POR QUE A EUROPA? POR QUE ENTÃO? 227

mecanicista estabeleceu finalmente uma metafísica que não deixou espa,ço para essências, animismo, esperança ou propósito na natureza, fazeis_;do assim da magia algo 'irreal', ou sobrenatural no sentido moderno:4Não é caso para sentir-se mal: a estrada para a verdade e o progresspassavam por aí. Como disse David Gans, um divulgador seiscentista daciência natural, sabemos que a magia e a profecia não são ciência porquos seus praticantes não discutem uns com os outros. E sem controvérsianão existe uma busca séria de conhecimento e verdade.9

Essa poderosa combinação de percepção e medição, verificação ededução matemática — esse novo método — era a chave de acesso aoconhecimento. Seus êxitos práticos eram a garantia de que ele seria pro-:tegido e encorajado, quaisquer que fossem as conseqüências. Nada quese lhe parecesse foi desenvolvido em qualquer outro lugar.1°

Como experimentar era uma outra questão. Primeiro tinha que seinventar estratégias de pesquisa e instrumentos de observação e medi-

ção, e quase quatro séculos transcorreriam antes que o método gerassefrutos nos espetaculares avanços do século XVII. Não que o conheci-mento estivesse em ponto morto. A nova abordagem encontrou desdecedo aplicação na astronomia e navegação, na mecânica e na guerra, naótica e na agrimensura — todas matérias práticas. Mas só em finais doséculo, com Galileu Galilei, essa experimentação se converteu num sis-tema, o que acarretava não só observações repetidas e repetíveis mas adeliberada simplificação como uma janela sobre o complexo. Queremdescobrir as relações entre tempo, velocidade e distância percorrida porobjetos em queda? Moderem-lhes o ímpeto, fazendo-os rolar numplano inclinado.

Os cientistas tinham de ver melhor e puderam fazê-lo assim que otelescópio e o microscópio foram inventados c. 1600), abrindo novosmundos comparáveis, pelo assombro e poder que suscitaram, aos pri-meiros descobrimentos geográficos. Eles precisavam medir com maisprecisão, porque o deslocamento de um ponteiro, por mínimo quefosse, fazia toda a diferença. Assim, Pedro Nunes, professor de astrono-mia e matemática na Universidade de Coimbra (Portugal), inventou nocomeço do século XVI o nônio (de nonius, a forma latinizada do sobre-nome do inventor), instrumento para efetuar leituras astronômicas e denavegação numa escala dividida em frações de grau. O nônio foi maistarde aperfeiçoado pela escala vernier (Pierre Vernier, 1580-1637) eesta, por sua vez, foi seguida da invenção do micrômetro (Gascoigne,1639, mas ignorado por muito tempo; e Adrien Auzout, 1666), que

usava arames finos e um parafuso (em vez de um cursor) para -obter umcontrole mais rigoroso. O resultado foram medições até um décimo demilímetro e menos que incrementaram substancialmente a precisãoastronômica.11 (Assinale-se que aprender a fazer parafusos de precisãofoi uma importante realização dessa época; e também que a utilidadedesses instrumentos dependia, em parte, de lunetas e de lentes deaumento.)

A mesma busca de precisão marcou o desenvolvimento da mediçãodo tempo. Astrônomos e físicos precisavam cronometrar eventos comexatidão de minutos e segundos, e Christian Huygens lhes proporcio-nou isso com a invenção do relógio de pêndulo em 1657 e do balancei-ro em 1675. Os cientistas também precisavam calcular melhor e maisdepressa e, neste caso, os logaritmos de John Napier foram tão impor-tantes em sua época quanto a invenção do ábaco num período anterior,ou as calculadoras e os computadores em nossos dias. 2 Necessitavam

ainda de ferramentas mais poderosas de análise matemática, que lhesforam proporcionadas pela geometria analítica de René Descartes e,ainda mais, pelo novo cálculo de Isaac Newton e Gottfried Wilhelm vonLeibniz. Essas novas matemáticas contribuíram imensamente para oexperimento e a análise.

Rotinização: o terceiro pilar institucional da ciência ocidental foi arotinização da descoberta, a invenção da invenção. Aí estava uma popu-lação largamente dispersa de intelectuais, trabalhando em diferentes ter-ras, usando diferentes vernáculos — e formando, no entanto, uma comu-nidade. O que acontecia num lugar era rapidamente conhecido emtodos os lados, graças, em parte, a uma linguagem comum do saber, o

latim; e em parte a um desenvolvimento precoce dos serviços de cor-reios e mala postal; e sobretudo porque as pessoas estavam se movimen-tando em todas as direções. No século XVII, essas ligações instituciona-lizaram-se, primeiro através de pessoas como Marin Mersenne (1588-1648), que mantinha correspondência e atuava como uma espécie decentral distribuidora das idéias dos grandes pensadores do seu tempo(entre eles, Descartes), depois na forma de sociedades eruditas com seuscorrespondentes secretários, freqüentes reuniões e publicação de revis-tas. As primeiras sociedades apareceram na Itália — a Accadémia deiLincei (Academia dos Linces) em Roma em 1603 e a efêmera Acca-démia del Cimento em Florença em 1653. Mais importantes a longo

prazo, entretanto, foram as academias nórdicas: a Royal Society emLondres em 1660, a Academia Parisiensis em 1635 e sua sucessora, a

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228 A RIQUEZA E A POBREZA ¶)AS NAÇÕES POR QUE A EUROPA? POR QUE ENTÃO? 229

Académie des Science‘, em 1666. Mesmo antes, encontros informaismas regulares em cafés e salões reuniram pessoas e questões. Come:disse Mersenne em 1634, "as ciências juraram manter uma invioláveamizade recíproca".13

Cooperação, portanto, mas enormemente realçada por intensa riva-

lidade na corrida por prestígio e honra. No ambiente pré-acadêmico do -século XVI, isso tomou f reqüentemente a forma de escamoteação, dedivulgação parcial, de recusa a publicar, de poupar as partes boas para

14 • excêntrica de Robert Hooke, ativo membro da Royal Society, cuja divisapoderia ter sido: "Pensei nisso primeiro". Se podemos acreditar nele,Hooke guardava nas gavetas de seu gabinete toda a espécie de valiosascriações, que só mostrava quando alguma outra pessoa se apresentavacom um invento comparável. Assim, ele desafiou Christian Huygens arespeito da invenção do balanceiro de relógio (1675), um importanteavanço na precisão de relógios portáteis. A história deu a palma aHuygens, não só porque a sua mola espiral foi experimentada num reló-gio e funcionou, mas também porque ele anunciou sua invenção assimque a criou. Não se pode ter essas reivindicações improváveis ex post,nem mesmo de um talentoso mecânico como Hooke.15

De modo geral, a fama era o estímulo e, mesmo nesses tempos, aciência era urna disputa por prioridades. Por isso se tornou tão impor-tante mostrar e explicar aos aficionados, com freqüência em elegantessalões; essas senhoras e cavalheiros eram testemunhas da façanha. Epor isso os cientistas, amadores e profissionais, se empenhavam tantoem fundar revistas e datar os artigos nelas publicados. Também repro-duzir experimentos, verificar resultados, corrigir, aperfeiçoar, ir maisalém. Uma vez mais, foram decisivos nessa área o papel da imprensa edo tipo móvel, e a mudança do latim, um meio inestimável de comu-nicação internacional entre cientistas de todos os países, para o verná-culo, a linguagem do grande público. E, uma vez mais, nada que seassemelhasse a essas disposições e oportunidades era encontrado forada Europa. O método e o conhecimento científicos davam lucro emaplicações — de um m odo sumamente importante na tecnologia daenergia. Durante esses séculos, os mais antigos dispositivos geradoresde energia — o moinho de vento e a nora — receberam contínua aten-ção, com alguns ganhos em eficiência; mas a grande invenção seria aconversão da energia térmica em trabalho por meio do vapor. Ne-nhuma técnica se apoiou tanto no experimento — uma longa investiga-

ção sobre o vácuo e a pressão atmosférica que se iniciou no século›cvi e deu seus frutos no final do século XVII, com os trabalhos deOtto von Guericke (1602-1686), Evangelista Torricelli (1608-1647),Robert Boyle (1627-1691) e Danys Papin (?1647-1712), alemão, ita-liano, inglês, francês. Por certo, os cientistas do século XVIII nãopodiam ter explicado por que e como funcionava uma máquina avapor. Isso teve que esperar por Sadi Carnot (1796-1832) e as leis datermodinâmica. Mas dizer que a máquina se antecipou ao conheci-

o construtor da máquina não tenha se apoiado em anteriores aquisições científicas, tanto substantivas quantometodológicas. James Watt é um exemplo disso. Seu mestre e mentorJoseph Black (1728-1799) não lhe deu a idéia para o condensadorseparado, mas o fato de ele trabalhar com Black proporcionou-lhe aprática e o método para explorar e resolver a questão. 6 Mesmoassim, ao heróico inventor não se atribuiu todo o crédito. Watt eraamigo de professores em Edimburgo e Glasgow, de eminentes filóso-fos naturais na Inglaterra, de cientistas no estrangeiro. Conhecia-lhes amatemática, realizou experimentos sistemáticos, calculou a eficiênciatérmica de máquinas a vapor; em suma, apoiou-se nos conhecimentose idéias acumulados para avançar a técnica.17

Tudo isso levou tempo, e é por isso que, à Ia langue, a RevoluçãoIndustrial tinha que esperar pelo seu momento. Não podia ter aconteci-do na Florença renascentista. Muito menos na Grécia antiga. A base tec-nológica ainda não tinha sido estabelecida; as correntes do progressotinham que convergir e reunir-se numa só.

A resposta a curto prazo reside na conjuntura, nas relações de oferta edemanda, nos preços e elasticidade. Tecnologia não era o bastante.Necessitava-se era de mudança tecnológica de poderoso efeito, de umaespécie que repercutisse através do mercado e alterasse a distribuição derecursos.

Permitam-me uma ilustração. Na Itália do século XIV, mecânicostalentosos (ignoramos seus nomes) descobriram formas de torcer o fiode seda, isto é, de realizar mecanicamente o seu urdimento; e, aindamais impressionante, de mover esses mecanismos pela energia hidráuli-ca. Com base nessa técnica, a indústria italiana da seda prosperoudurante séculos — para inveja de outros países. Os franceses lograram

penetrar no segredo em 1670, os holandeses quase ao mesmo tempo; eem 1716, Thomas Lombe, após alguns anos de paciente espionagem,

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23 RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇ ÕES

levou a técnica para a Inglaterra e construiu uma grande fábrica movia energia hidráulica, empregando centenas de pessoas.18

Era uma fábrica comparável em quase todos os aspectos aos cotomcios de uma era ulterior. Quase...a diferença era que a fábrica de Lomb.

em Derby, somada às oficinas de urdimento operadas manualmenteque á .tinham precedido e a alguns imitadores com instalações mecânicas meno.:l

res, era mais do que suficiente para acomodar a demanda inglesa de fio &,seda. A seda era, em última análise uma matéria-prima cara, e sua manu,4. . - . -fatura abastecia uma pequena e próspera clientela. Assim, a fábricaLombe, cinqüenta anos à frente daqueles primeiros cotonifícios da década''-de 1770, não era o modelo para um novo modo de produção. Nãopodia chegar a uma revolução industrial a partir da seda.19

Lã e algodão também eram algo diferente. Quando a lã espirrava,toda a Europa pegava um resfriado; quando era o algodão, o mundo 'inteiro adoecia. A lã era muito mais importante na Europa, e o papel doalgodão na Revolução Industrial foi, sob alguns aspectos, um acidente.As "leis do morim" britânicas calico acts) (1700 e 1721), que proibirama importação e até o uso de algodões estampados e materiais corantesdas Índias Orientais, pretendiam proteger os fabricantes nacionais detecidos de lã e de linho, mas inadvertidamente protegeram a ainda inci-piente indústria do algodão; e embora o algodão fosse um saudável erobusto bebê, era ainda muito menor, em meados do século, do que osramos mais velhos. As primeiras tentativas para construir fiandeirasmecânicas visavam à lã, pois era aí que estava o lucro. Mas quando asfibras de lã provaram ser rebeldes e as de algodão muito mais dóceis, osinventores voltaram suas atenções para o material mais viável.

Além disso, a incrustação da indústria de lanifício e os interessesadquiridos da força de trabalho impediram a mudança. O algodão, cres-cendo mais depressa, recrutando novos contingentes de mão-de-obra,encontrou mais facilidades para impor novos métodos. Isso é uma cons-tante de inovação tecnológica como processo: é muito mais fácil ensinara novidade a trabalhadores inexperientes do que ensinar novos truquesa cachorros velhos.*

Sobre a resistência dos trabalhadores da lã à mecanização,ver especialmente Randall,-Before the Luddites, o qual sublinha que essa reação foi também uma função da organizaçãoe da participação nos ganhos. Onde os trabalhadores eram, de fato, agentes independentes,como em Yorkshire, tinham pouca dificuldade em adotar novos m étodos com que lucra-

vam; onde serviam como mão-de-obra assalariada, como no West Country, combatiam asmáquinas que os ameaçava com o desemprego.

POR QUE A EUROPA? POR QUE ENTÃO? 2.

Por que o interesse na mecanização? Em primeiro lugar, porquecrescimento da indústria têxtil estava começando a suplantar a oferta (mão-de-obr a.* A Inglaterra saltara na dianteira no que se refere à pujaça da manufatura rural caseira em regime de empreitada putting-ou

mas a dispersão de atividade através de montes e vales estava empurraido para cima os custos de distribuição e arrecadação. Nesse meitempo, tentando satisfazer a demanda, os empregadores elevaram (salários, isto é, aumentaram o preço que pagavam por obra acabadPara sua consternação, porém, a renda mais alta simplesmente permitiaos trabalhadores disporem de mais tempo de lazer, e o fornecimentde obra pronta na realidade diminuiu. Os mercadores-fabricantviram-se num impasse. Desafiando todos os seus instintos naturais, chtgalam a desejar que ocorresse uma alta nos preços dos alimentos. Talveuma alta no custo de vida compelisse fiandeiras e tecelões a dedicarerse com maior empenho às suas tarefas.**

Os trabalhadores, entretanto, responderam a incentivos de mercado. Eles eram simultaneamente empreiteiros e trabalhadores assalaridos, e esse status dual propiciou-lhes a oportunidade de enriqueciment(pessoal à custa da fiação manual por empreitada. Fiandeiras e tecelõerecebiam materiais de um mercador e depois vendiam o artigo acabadca um concorrente, inventando pretextos ora para um ora para outro,burlando ao máximo suas obrigações. Também aprenderam a pôr

A primeira na série de máquinas de fiar que promoveu a fundação do sistema d,fábrica foi a de Lewis Paul e John Wyatt em 1738 (patenteada em nome de Paul)A invenção básica, neste caso, foi o uso de cilindros girando em diferentes veloci

dades para extrair a fibra — uma característica que passou daí em diante a ser ucomponente regular das máquinas de fiar equipadas com um volante ou equivalente. Nessa época, assim nos dizem, a escassez de mão-de-obra para fiação dificilmente se poderia considerar uma séria crise; nada era quando comparada a criseque ocorreria dentro de mais uma geração, nas palavras de Wadsworth e MannThe Cotton Trade, p. 414. Entretanto, a irregularidade do fio produzido em fiaçãcmanual caseira — tanto o trabalho de uma fiandeira como o de uma fiandeira paroutra — significou que os tecelões tinham de comprar muito mais fio do que real-mente usavam a fim de contar com o bastante de uma determinada qualidade.máquina prometia pôr fim a isso —Ibid., p. 416.** Essas coerções eram ainda mais vexatórias num contexto de demanda de consu-mo em ascensão. O crescente apetite por coisas deveria ter aumentado a oferta demão-de-obra; e assim aconteceu a longo prazo. Mas, a curto prazo, a demandasuperava a oferta e os fabricantes impacientaram-se. Sobre a ligação entre consumoe indústria, ver de Vries, "Industrial Revolution".

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POR QUE A EUROPA? POR QUE ENTÃO? 33232 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES

lado uma parte da matéria-prima para seu próprio uso: nada de curvadeclinante de oferta quando se trabalha em seu próprio proveito.Tentando ocultar o desfalque, os tecelões f aziam tramas de qualidadeinferior, mais ralas e mais frágeis, e davam-lhes corpo mediante artifí-cios ou aditivos. O fabricante, por sua vez, tentava desencorajar taisroubos examinando meticulosamente cada peça e, se necessário, "aba-tendo" o preço do artigo acabado. Esse conflito de interesses deu ori-gem a uma onerosa guerra fria entre empregador e empregado.

direito de infligir castigo corporal aos retardatários e faltosos (nãoadiantava querer multá-los); também o direito de entrar nas casas dostecelões sem mandado judicial e buscar materiais desviados. Esses pedi-dos não deram em nada. O lar de um inglês era o seu castelo, sagrado.

Não admira, portanto, que os fabricantes frustrados voltassem seuspensamentos para grandes oficinas onde fiandeiras e tecelões teriam dese apresentar a uma certa hora e trabalhar o dia todo sob fiscalização.Isso não era um assunto de menor importância. A indústria caseiratinha, afinal de contas, grandes vantagens para o mercador-fabricante,em particular, o baixo custo de investimento inicial e as baixas despesasgerais. Desse modo, era o trabalhador quem fornecia instalação e equi-pamento em sua própria casa, e se o negócio declinava, o empreiteiro

odia simplesmente cancelar as encomendas. As grandes oficinas oufábricas, por outro lado, requeriam um substancial investimento decapital: terreno e edificações, para começar, mais maquinaria.

A indústria caseira, além disso, era popular com todo o mundo. Ostrabalhadores gostavam de viver livres da disciplina fabril, do privilégiode parar e continuar quando bem entendessem. Os ritmos de trabalhorefletiam essa independência. Tipicamente, os tecelões descansavam edivertiam-se por mais tempo ao longo da semana, depois trabalhavamduro perto do final da semana para cumprir a entrega e cobrar no sába-do. Nas sextas-feiras podiam até varar a noite trabalhando. As noites desábado eles reservavam para beber, e o domingo também era regado acerveja. A segunda (Santa Segunda) era igualmente um dia santo, e aterça era necessária para recuperar-se de tanta santidade.

Tal conflito no seio da indústria — o que um marxista poderia cha-mar suas contradições internas — levou logicamente, portanto, à reuniãode trabalhadores sob um só teto, para trabalhar sob vigilância e supervi-

são. Mas os fabricantes concluíram que tinham de pagar para persuadiras pessoas a sair de suas casas e passar a trabalhar em fábricas. Na medi-

da em que o equipamento na fábrica era o mesmo usado na produçãocaseira, o custo da produção fabril era mais elev ado.As únicas operaçõesem que essa lei não tinha validade eram as tecnologias apoiadas no usode energia térmica (pisoagem, cervejaria, fabricação de vidro, metalur-gia etc.) Nessas áreas, as economias ganhas pela concentração (um alto-

forno em vez de muitas fornalhas) mais do que compensavam os custosde capital. Entretanto, na Inglaterra, fracassaram invariavelmente osesforços, iniciados no século XVI, para concentrar a mão-de-obra namanufatura têxtil. Tiveram melhor resultado naEuropa, onde os gover-nos tentaram promover a indústria subsidiando e encaminhando mão-de-obra para grandes oficinas de fabricação manual — "manufaturas" ou"protofábricas". Mas isso era uma prosperidade artificial e a retirada deapoio tinha o nome de falência.

Foi necessária a maquinaria geradora de energia para tornar a fábri-ca competitiva. A energia mecânica possibilitou a operação de máquinasmaiores e mais eficientes, o que por sua vez propiciou vender mais bara-

to do que o produto caseiro e com margens de lucro cada vez maiores.As fiandeiras manuais funcionaram com maior rapidez; a tecelagemmanual mais lentamente mas com plena segurança. Apesar de saláriosmais altos, as fábricas ainda pareciam prisões ao o lhos do pessoal davelha guarda. Onde foi, então, que os primeiros donos de fábricasencontraram sua força de trabalho? Onde mais, senão entre aqueles quenão podiam dizer "não"? Na Inglaterra isso significou crianças, recruta-das compulsoriamente (compradas), com freqüência, em asilos de indi-gentes, e mulheres, em especial as jovens solteiras. No continente, osfabricantes puderam negociar mão-de-obra penitenciária e militar.

Assim nasceu o que Karl Marx chamou a "Indústria Moderna",

fruto de um casamento entre máquinas e energia; também entre potên-cia (força e energia) e potência (política).

O regime comunista chinês aprendeu isso mais tarde, quando tentou incentivar os altos-fornos de fundo de quintal.

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234 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES

A PRIMAZIA DA OBSERVAÇÃO: O QUE VOCÊ VÊ E O QUE EXISTE

O grande astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) viveu etrabalhou antes da invenção do telescópio, mas era um observadorarguto e conhecia todas as estrelas que podia ver no céu. E essas eram -

todas as que se supunham existir. Numa noite de novembro de 1572,porém, ele viu algo novo nos céus, um ponto luminoso na constelaçãoCassiopéia que não devia existir ali. Isso perturbou-o muito, de modoque perguntou a seus criados se também viam aquele brilho, e eles res-ponderam que sim. Por um momento, Tycho Brahe ficou satisfeito, pelomenos quanto à sua capacidade de visão; mas depois começou a sequestionar se os seus criados teriam querido meramente tranqüilizá-loou se estariam relutantes ou temerosos de contradizer seu amo, pois elepróprio sabia ser um homem orgulhoso e de temperamento arrebatado.(Tinha perdido o nariz num duelo quando jovem e usava uma prótesede cobre — alguns afirmam que era de prata.) Assim, Brahe desceu à ruae deteve alguns camponeses que passavam, fazendo-lhes a mesma per-gunta. Eles nada tinham a ganhar ou a perder dizendo-lhe a verdade, eninguém podia ser mais autêntico que um camponês. E também elesafirmaram ter visto a luz. Tycho Brahe soube então haver mais coisasnos céus do que as imaginadas em sua filosofia. Escreveu suas observa-ções num ensaio, De nova stella, publicado em Copenhague em 1573,um monumento na história da ciência.

Uma nota de advertência: Tycho, apesar de todo o seu empirismo,desejou encontrar um meio termo entre Ptolomeu e Copérnico quandofez o sol, cercado pelos planetas, girar em torno da Terra. Fazer boaciência requer boa indução, assim como boa observação.

MESTRES DE PRECISÃO

Todos os estudos de mudança e taxas de mudança têm que medir o •tempo decorrido. Para tanto, necessita-se de uma unidade padrão demedição e de um instrumento para contar as unidades; chamamos-lheum relógio. Na ausência de um relógio, pode-se substituí-lo por equiva-lentes aproximados. Os marinheiros dos séculos XV e XVI, que que-riam avaliar o tempo que uma bóia levava da proa à popa para calculara velocidade do navio, podiam utilizar uma ampulheta, mas se não

POR QUE A EUROPA? POR QUE ENTÃO? 2

tivessem nenhuma, ainda tinham como recurso recitar uma Ave-maou outro refrão convencional; e hoje qualquer praticante de fotograsabe que pode contar segundos recitando expressões de quatro sílabas

É desnecessário dizer que tais i mprovisações idiossincrásicas difimente servem para fins científicos. Para estes, necessita-se de um bcrelógio, mas levou-se quatro séculos para fazer um. No entanto, os cietistas são pessoas engenhosas e encontraram maneiras de aumentarprecisão de seus medidores pré-pêndulo e pré-balanceiro de tempUma delas consistia em usar relógios com enormes rodas dotadas <centenas e até um milhar ou mais de dentes. Tycho Brahe servia-se deses relógios e, em vez de ler o ponteiro das horas (aliás, o único pontero, pois essas primeiras máquinas não eram suficientemente precisapara justificar o uso de ponteiros de minutos), contava o númerodentes que a roda fizera girar e ficava muito mais próximo do t empexato decorrido. Esse procedimento permitia-lhe rastrear os movimetos dos astros e localizar esses corpos em mapas celestes (o tempo euma das duas coordenadas). Galileu necessitava de medições ainda marigorosas para os seus estudos de aceleração. Sempre engenhoso, em vede relógios mecânicos, usou pequenas clepsidras de fácil rnanuseicabrindo e fechando o orifício de escoamento com um dedo no começ,e final do fluxo. Ele pesava então a água liberada como medida d,tempo decorrido, pois nesses dias a balança era o mais preciso instrumento de medição conhecido.

A invenção do relógio de pêndulo mudou tudo. Era o primeiro dispositivo horológíco controlado por um oscilador com sua própria freqüência intrínseca. Os relógios anteriores usavam um controlador (barraou círculo oscilante) cuja freqüência variava com a força aplicada. Apó:aperfeiçoamentos (todas as invenções precisam ser aperfeiçoadas), mi-bom relógio de pêndulo indicava o tempo com diferença de algumsegundos por dia. Os relógios de mesa e de bolso eram menos exatos,porque não podiam funcionar com um pêndulo. A invenção do balanceiro, entretanto, possibilitou ficar-se muito mais perto de uma cadênciregular, constante de hora a hora e de dia para dia. Um bom relógio debolso, com as peças montadas sobre rubis e com um balanceiro decente,podia indicar o tempo no começo do século XVIII com uma diferençade um ou dois minutos por dia. Pela primeira vez compensava adicionarum ponteiro de minutos ou até mesmo um de segundos.

Esses progressos aumentaram substancialmente a vantagem que atecnologia horológica deu à Europa. O que tinha sido por muito tempo

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236 A RIQUEZA E A POBREZA DAS NAÇÕES

um absoluto monopólio do conhecimento continuou sendo um efetivmonopólio de desempenho. Ninguém mais podia fabricar esses instrumentos ou fazer os tipos de trabalho que dependiam de medições Precisas do tempo. A mais importante delas, política e economicamente: caicular a longitude no mar.

15,A Grã-Bretanha

e os Outros

na Europa, por que a Grã-Bretanha? Por que não algum outropaís?

Em um nível, não é difícil responder às duas perguntas. Em fins doséculo XVIII, a Grã-Bretanha se achava bem na dianteira — na manufa-tura caseira (cottage)em regime de empreitada putting-out), sementedo crescimento; no recurso ao combustível fóssil; na tç.-.,:nologia daque-les ramos cruciais que constituiriam o núcleo da Revolução Industrial:

têxteis, ferro, energia e força. Cum pre adicionar-lhes a eficiência daagricultura e do transporte comerciais britânicos.São óbvias as vantagens da crescente eficiência na agricultura. Em

primeiro lugar, aumentar a produtividade na produção de alimentoslibera mão-de-obra para outras atividades — manufatura industrial, servi-ços etc. Em segundo lugar, essa crescente força de trabalho necessita decada vez mais alimento. Se este não pode ser obtido no próprio país,renda e riqueza devem ser desviadas para tal fim. (Sem dúvida, a neces-sidade de importar alimentos pode promover o desenvolvimento deexportações suscetíveis de serem trocadas por gêneros de primeiranecessidade, pode encorajar a indústria; mas a necessidade não garante

o desempenho. Alguns dos países mais pobres do mundo alimentaram-se