kicola: estudos sobre a literatura angolana no século xix - i
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Estudo formal e comparativo da lírica angolana do século XIX e de poetas brasileiros e portugueses da mesma época.TRANSCRIPT
Kicola: Estudos sobre a
Literatura angolana no século XIX
VOLUME I
FRANCISCO SOARES
Como citar:
Francisco Soares – Kicola: estudos sobre a literatura angolana no século XIX. I. Benguela: autor, 2010.
Índice
Índice ....................................................................................................................... 3
Nota: .............................................................................................................................. 4
Circunscrições ................................................................................................................. 5
Introdução ......................................................................................................................................... 5
Apresentação e licitação sumárias do Corpus ................................................................................... 9
Seleção e exclusão de poemas fora do critério proposto ............................................................... 12
Divisão do período estudado em dois ............................................................................................. 13
Autores de referência ...................................................................................................................... 17
Determinação das obras de referência e do método ...................................................................... 19
Observações acerca de alguns conceitos operatórios utilizados .................................................... 22
Análise estilística do corpus escolhido ........................................................................... 32
As estrofes de quatro versos ........................................................................................................... 32
As estrofes de cinco versos ........................................................................................................... 111
As estrofes de seis versos .............................................................................................................. 125
As estrofes de sete versos ............................................................................................................. 148
As estrofes de oito versos ............................................................................................................. 158
As estrofes de dez versos .............................................................................................................. 185
Os sistemas estróficos ................................................................................................................... 201
Conclusão ................................................................................................................... 232
Obras Citadas ....................................................................................................... 236
Nota: Kicola é uma palavra extraída a um dos poemas estudados neste livro. Significa proibição, tabu: “não pode ser”. Angola tinha no século XIX uma literatura mais informada e apurada e globalizada do que se pensa. Estudei-a em vários aspetos e, sobretudo, nos aspetos formais, mostrando que ela estava a par do que se fazia, pelo menos, em Portugal e no Brasil. Como até há poucos anos ninguém acreditava nisso (que houvesse ali uma poesia significativa o suficiente para ser investigada) dei como título principal do livro esta palavra, Kicola. É claro, com ironia.
Circunscrições
Introdução Nenhuma literatura surge ou se desenvolve sozinha, por mais que a angústia da influência nos leve a negar. O estudo da formação de uma
literatura não pode, portanto, realizar-se fora das implicações desta
constatação.
Ela também orientou as minhas investigações sobre a literatura em
Angola no século XIX. Na pesquisa desenvolvida ao longo dos últimos
vinte e dois anos e de que dou conta agora em parte, comecei por
mapear e equacionar o corpus constituído pela lírica em verso enviada
de Angola para o Almanach de lembranças luso-brasileiro durante a segunda metade do século XIX. Ou seja: equacioná-lo relacionando-lhe
diametralmente as aflorações românticas portuguesa e brasileira, com
as quais essa lírica mantinha recorrentes afetos e interesses incestuosos.
Tal propósito inclui-se num outro, mais vasto, que é o de estudar a
poesia lírica versificada no século XIX em Angola para, através dessa pesquisa, dar dois passos importantes: primeiro, definir com segurança
a poética implícita, ou seja, o conhecimento literário funcionalizado
pelos líricos “angolenses”; depois, iniciar o levantamento da primeira
fase sistemática da formação da literatura de um país situando-a entre
congéneres.
A constituição do primeiro passo da pesquisa obrigava naturalmente a incluir, por motivos de segurança e de alarme contra incêndios, uma
enumeração formal, principalmente relativa à adoção de modelos estróficos e enunciativos contemporâneos. Os recursos técnicos, desideologizados como veremos que eles estavam em Angola na época,
eram adotados sem autocensura. Isto faz com que o seu estudo nos
dispense de reservas que a comparação ao nível dos conteúdos e referências imporia, fragilizando as nossas conclusões.
É por isso que vou aqui estabelecer uma hipótese inicial que, por ora, se limitará só àquilo que a semiótica chamaria a «forma da forma» e o
«conteúdo da forma», ou seja, aos arquétipos formais implicados pela
prática literária da comunidade angolense e respetivas ilações imediatas, especialmente ao nível das intertextualizações. Só por
oportunidade falarei sobre o referencial personalizado que a biografia do
autor convoca, os conteúdos explícitos do poema, algumas
intertextualizações por via lexical, conceptual ou imagística. Faço-o
para facilitar no mundo referencial articulações literárias ainda
incipientemente apreendidas no relevo irregular dos textos. Ainda para
ir aquilatando, por comparações textualmente suscitadas, o valor, a
dimensão, o alcance dos nossos líricos tentames.
Para evitar desvios relativamente ao objetivo estrito, só por necessidade
comentarei também os implícitos filosóficos que o artista maneja como
um ferreiro na forja. O nervo das atenções estará centrado na maneira
de se construir os versos e as estrofes, ou seja, nos aspetos artesanais
considerados meramente técnicos.
Sigo uma perspetiva que o comparativismo não desdenharia, sobretudo
quando concebe que “uma poética plena também envolve os meios de produção” (Miner, 1996 p. 35) e quando percebe que as literaturas se
envolvem também transferindo blocos de informação técnica. Como escreveu Michael Werner, em “si mesma, a mudança transnacional —
que se pode também definir em termos de intertextualidade, de filiação
literária, até de legitimação pelo exterior — só revela, de um lado, a
existência de conjuntos que estão em relação uns com os outros, e, do
outro, o simples facto de que estas relações podem apreender-se sob a forma de transferências de informação” (1994 p. 17). A transferência
técnica, naquele nosso tempo, teve a grande vantagem de não se
condicionar ideologicamente, nem por questões de legitimação,
permitindo-nos assim rastrear com exatidão rotas fundamentais do comércio literário angolense.
Para que fiquem nítidas as pistas de aterragem, para que – ao mesmo
tempo – se abra caminho a hipóteses comparativas abrangentes, é que
investiguei o paralelismo com a lírica mais lida em Angola no século XIX, que era a portuguesa. Na maioria dos casos ela foi lida e
reverenciada no Brasil, não somente em Angola. No relativamente frágil
horizonte bibliográfico das «ilhas crioulas» angolanas do século XIX, os poetas ultrarromânticos lusitanos ocupavam, como se vai pormenorizar
em seguida, um lugar muito especial. Para se conhecer com exatidão os
artifícios apropriados, ou transformados, pelos ultrarromânticos
angolanos, acima de tudo a geração artesanal revelada pelo Jornal de Loanda de Alfredo Troni, tornava-se imperioso situar as pistas da comercialização literária — que por vezes registavam trânsito nos dois sentidos, o que também vou fixar adiante.
Mas a literatura portuguesa e a brasileira estavam profundamente
ligadas ainda. Leia-se, por exemplo, o Cancioneiro alegre de Camilo Castelo Branco (Branco, 1879). O autor foi uma das referências do
ultrarromantismo lusitano e o grande modelador da figura ridícula do
‘brasileiro’, não o próprio mas o ‘torna-viagem’. A antologia está cheia de
brasileiros, alguns dos quais se vieram a revelar importantes para estas
investigações. Entre poemas e comentários – a maioria jocosos – deparamo-nos com Fagundes Varela (editado e re-editado no Porto),
Álvares de Azevedo (o poeta dos “delírios byronianos”), Gonçalves
Crespo (reclamado por Camilo – e não só – para a lírica portuguesa),
Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu.
A citação do Cancioneiro alegre é uma de entre outras possíveis, mas alguns factos e poemas ali transcritos reforçam o sentido e o paladar da
citação. Um dos poetas brasileiros que várias vezes apresenta
afinidades com (se não influencia diretamente os) poetas do corpus é Casimiro de Abreu. Não tenho notícia da leitura de livros seus em
Angola, por enquanto. Mas Eduardo Neves quase plagia o poema com que o brasileiro recebe Faustino Xavier de Novaes no Rio de Janeiro,
poema e facto comentados por Camilo no Cancioneiro alegre (Branco, 1879 pp. 145-147). As boas-vindas do brasileiro começam assim:
Bem-vindo sejas, poeta, A estas praias brasileiras! Na pátria das bananeiras As glórias não são de mais: Bem-vindo, ó filho do Douro! A terra das harmonias, Que tem Magalhães e Dias, Bem pode saudar Novais.
Magalhães e Dias são os dois Gonçalves fundadores do romantismo no
Brasil: Domingos Gonçalves de Magalhães e Antonio Gonçalves Dias.
Mas não é isso que o nosso poeta repete quando recebe o Almanach de lembranças, ao qual dedica a sua cândida colagem. É isto:
Bem vindo sejas, livrinho, á patria das africanas! onde há côcos e bananas os livros não são de mais. Rescendendo mil perfumes de tão variados artigos, vens visitar os amigos como um bom filho seus paes.
A métrica, a distribuição rimática e parte do ritmo são os mesmos. Mas
também os quatro primeiros versos são quase iguais. Ora o Cancioneiro foi publicado em 1879 e o poema de Neves foi escrito “na occasião em
que recebi o A. de Lembranças de 1881”. Mais que não fosse terá lido ali
Eduardo Neves a composição de Casimiro de Abreu, que desde logo o
marcou.
Este simples episódio mostra o quanto era preciso sair daquele também
limitado meio (o das referências ultrarromânticas portuguesas) para
incluir as grandes figuras da lírica romântica brasileira. Desde logo a
obra incontornável de Gonçalves Dias, que tanto influenciou Casimiro
de Abreu e, entre nós, Maia Ferreira. Com o decorrer do trabalho,
apesar de não ter sinais da circulação de livros de outros românticos
brasileiros por Angola, fui-me dando conta de maiores similaridades e
relações literárias com poetas brasileiros. Fui portanto levado a
consultar sistematicamente as escolhas técnicas de outros poetas ainda: Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882) – o menos
coincidente; Álvares de Azevedo (1831-1852), procurado e lido por Antero de Quental (Neves, 1992 p. 85); o já citado Casimiro de Abreu
(1839-1860); Fagundes Varela (1841-1875); Castro Alves (1847-1871),
procurado e lido por Antero de Quental também. Todos estes nomes
estavam antologiados no Tesouro poético da infância, coligido e ordenado por Antero de Quental e publicado em 1883 para desfrute da infância portuguesa (AAVV, 1883). Esse livro circulou por Angola no
século XIX e eu pude espreitar ainda um exemplar no Arquivo Histórico
Nacional. Mais novos que os antologiados eram Cruz e Sousa (1861-
1898) – por estranho que pareça o mais coincidente com a nossa lírica –
e Olavo Bilac (1865-1918).
Os antologiados brasileiros apareciam já no Parnaso português moderno, reunido por Teófilo Braga (Braga, 1877). Eles emparceiravam com uma grande mistura de representantes de várias escolas poéticas
em vigor em Portugal no século XIX, entre os quais: Almeida Garrett (1799-1854), A. Feliciano de Castilho (1800-1875), Alexandre Herculano
(1810-1877), João de Lemos (1819-1890), A. X. Rodrigues Cordeiro (1819-1896), José da Silva Mendes Leal (1820-1886), Luiz Augusto
Palmeirim (1821-1893), Soares dos Passos (1826-1860), Bulhão Pato (1828-1912), João de Deus (1830-1896), Thomaz Ribeiro (1831-1901),
Ernesto Marecos (1836-1879), João Penha (1838-1919), Guilherme de
Azevedo (1840-1882), Anthero de Quental (1842-1891), Teófilo Braga (1843-1924), Guilherme Braga (1845-1874), Gomes Leal (1848-1921),
Guerra Junqueiro (1850-1923).
Apresentação e licitação sumárias do Corpus A escolha do Almanach de lembranças como fonte principal, um anuário que a partir de Lisboa circulava pelo império luso-brasileiro (já então
cindido mas culturalmente articulado), deve-se, como disse, à
necessidade de conjugar estes dois objetivos: uma clara mapeação das
fontes portuguesas e, tanto quanto possível, brasileiras; uma definição
minuciosa das soluções formais utilizadas pelos líricos angolenses.
Convido-vos a perceber porquê.
O Almanach de lembranças inicia a sua comercialização com o número para o ano de 1851, sob a responsabilidade de Alexandre Magno de
Castilho (Almanach de lembranças para 1851, 1853). Ao primeiro
responsável “sucederam, em 1861, na direção do Almanach, seu genro e sobrinho de mesmo nome, e António Xavier Rodrigues Cordeiro [...]
jornalista e poeta, editor do Trovador” (Oliveira, 1990 p. 200). É Rodrigues Cordeiro quem assumirá depois inteiramente a coordenação redatorial, com a morte do companheiro, ocorrida em 1872, data a
partir da qual passa o Almanach de lembranças a ver-lhe adjetivado o epíteto de “Luzo-Brazileiro”, que se manterá até ao final. A partir de
1896 a publicação passa de mãos uma derradeira vez, assegurada
agora a sua responsabilidade pública pelos sobrinhos de Rodrigues
Cordeiro.
A minha focagem, limitada como todas, incidirá somente nos números
até 1900. Não por acreditar eu numa estrita coincidência entre a
cronologia civil e a historiografia literária. Antes porque, mesmo para
melhor delimitar o período em causa (o do ultrarromantismo angolense),
preciso de começar por um corpus e, não tendo acesso prévio aos dados intrínsecos que lhe circunscrevam nova baliza, socorri-me de uma delimitação ao mesmo tempo simbólica e exata, consciente de que
qualquer outra escolha seria tão arbitrária quanto esta, já perfilhada antes por Mário António Fernandes de Oliveira no estudo sobre as
«Colaborações angolanas», que foi recolhido em Reler África (Oliveira, 1990). Um motivo histórico me levou também a lacrar em 1900 o conjunto de números em equação. Foi o de ter emergido pouco depois
em Luanda uma geração, a de Luz e crença (1902-1903) e dos Ensaios literários (1901-190[2?]), que procurou implantar novos cânones
estéticos e depurar opções ideológicas no país em formação1. Se em
1 Cf., de Manuel Ferreira, No reino de Caliban (Ferreira, 1976 pp. 13-14). Mário Pinto de Andrade, no prefácio a La poésie africaine d’expression portugaise, fala na “geração de 1896”, sem justificar o ano (Andrade, 1969 p. 15); não descobri razões para lhe situarmos a emergência nessa data, embora todos os seus autores venham do século XIX. Não creio também que a geração tenha conseguido mudar os cânones estéticos vigentes entre os escritores crioulos, quer porque não há sinais disso na lírica posterior, ainda muito marcada
1901 havia publicações assumindo alternativas à cultura poética
dominante, por dedução, o domínio cultural do escol anterior tinha sido
ultrapassado em 1900.
Quanto à data do início do corpus, ela prende-se com razões mais simples ainda. Os primeiros poemas de subscrição africana publicados
no Almanach apareceram no número para o ano de 1855: um de localização muito vaga; o outro, de Dª Antónia Gertrudes Püsich
(colaboradora de A grinalda), explicitamente situado em Cabo Verde.
A primeira composição de que falo chama-se «Diálogo entre Pai
Matheuso e a Mãi Cassarina». Nela se procura registar a fonética e, com
menos sucesso, a sintaxe do português predicado em alguma zona de
África, ou por africanos. O tema, colorido com tons exóticos, é da
autoria de José Carlos Cerveira Valente e em nota que o acompanha se
refere que foi composto “logo depois da revolução de 1820”. O comentário aproxima o contexto da enunciação e a referência do
diálogo, a dita revolução, podendo portanto a data recuar até 1820.
Nesse procedimento (composição de uma ficção enunciativa – pouco importa se ‘real’ ou não) observamos um típico recurso romântico,
arrastado até à poesia militante angolana dos nacionalistas da
Mensagem, que é o de reforçar a verosimilhança por uma incidência de
pretensão biográfica e de caráter explícito.
Delimito, com estes dois poemas e a viragem do século, um primeiro
grande leque temporal, que vai de 1855 a 1900. Conforme o trabalho for
avançando podemos reduzir ou esquadrinhar o campo do seu
manuseamento.
* A escolha do Almanach foi, já o disse, consciente. De entre todos os órgãos de imprensa portuguesa onde colaboraram angolanos ou residentes, o que se destaca é precisamente este. Como diz Mário
António, “nenhuma outra publicação, editada fora de Angola, reuniu tão
grande número de colaboradores angolanos” e “em poucas se verificou a colaboração de nomes tão significativos da intelectualidade angolana”,
pelo ultra-romantismo serôdio, quer porque os autores de Luz & crença (a única das duas publicações até hoje conhecida – a outra eram os Ensaios literários e só Mário António parece ter lido) caem facilmente no neo-romantismo e na recuperação dos ideais (também eles românticos) da Revolução Francesa. Nenhum deles atinge, pois, segundo M. Ferreira, uma expressão clara de nacionalismo – nem de socialismo, ou de realismo panfletário.
anotando ainda o crítico de Maquela que, “através dela, participaram
num diálogo verdadeiramente atlântico, pela parte que melhor conheço,
quantos, naturais ou radicados, mais seriamente prosseguiram
interesses culturais em Angola” (Oliveira, 1990 pp. 199; 245-246).
A importância ao nível da colaboração é acompanhada na receção
Sabemos que o anuário se vendia na colónia, sendo procurado com interesse suficiente para que os jornais o anunciassem. Veja-se, em
1874, o exemplo do Cruzeiro do Sul, onde pontificava o patético Urbano de Castro (Cruzeiro do Sul, 1873; 1874). Os exemplares do anuário para
esse ano estavam lá anunciados, na última página do n.º 17, pela casa
de Prado & Toulson, que se encontrava em liquidação – e aqui nos
interessam o título do jornal, o nome do seu pontífice e o nome dessa
casa comercial, que nos ligam à secção mais ativa culturalmente na
colónia desse tempo. É Mário António quem nos confirma, ainda, uma
receção genericamente entusiasmada: “essa, sumariada, a história da publicação que tão grande audiência teve em Angola, por toda a
segunda metade do século XIX, período a que aqui nos reportamos. Nenhuma outra publicação deve tê-la igualado no interesse público, um
interesse que abrangia as escassas elites de Angola” (Oliveira, 1990 pp.
200-201).
Ao colaborar repetidamente, sob as mais diversas formas e ao ler o
Almanach, a pequena comunidade literária angolense, nativa e residente, estava a dar os primeiros passos fora do berço e, ao mesmo
tempo, revia-se num lugar comum, canónico. Portanto ali podíamos
encontrar exemplos do conhecimento literário local e, ao mesmo tempo,
indicações acerca dos autores de referência coletiva.
* Este corpus, no entanto, não deve ser tomado como absolutamente fiel. Na verdade ele é virtual. Quer dizer, os poemas podem não ter sido
enviados tal como surgem nas páginas do anuário, pois o coletor assumia que os modificava ou lhes amputava partes, o que por sua vez
causava nos candidatos a poetas uma segura dose de autocensura, que
decerto lhes limitava qualquer apetite inovador. Entre a colaboração inicial e aquelas letras que nós lemos no periódico há a diferença que
vai da realização (pessoal) de um arquétipo à mutilação pelo protótipo
(do coletor-editor).
No que diz respeito ao nosso campo de interesses, porém, penso que o
facto não prejudicará significativamente a recolha porque, uma vez
comparados os resultados com os de outro levantamento, feito sobre os
poemas publicados nos jornais da época e nos poucos livros, não há
diferenças significativas entre os colaboradores angolanos do Almanach
e os dos periódicos e livros que não editaram lá (exceção feita a alguma
da lírica assinada por Urbano de Castro no Cruzeiro do Sul, nomeadamente ao seu recurso repetido ao pentassílabo, que desaparece
nas “colaboração angolanas” para o anuário mas reaparece em Maia
Ferreira e Cordeiro da Matta).
Seleção e exclusão de poemas fora do critério proposto Pretendo incluir no corpus todas as composições de Cândido Furtado desde que chegou a Angola. João Cândido Furtado de Mendonça
d’Antas foi poeta d’A grinalda e residiu em Angola durante cerca de oito anos, tendo sido juiz em Luanda, entre outras funções mais adiante
especificadas. Aí escreveu o primeiro poema ‘local’ de elogio à mulher
negra. Depois partiu para Portugal e não mais regressou a Angola.
Não pesquisei somente os poemas do tempo em que residiu entre nós.
Integro mesmo as suas composições que, de referência luandense,
publicou depois de ter ido para Portugal. Tendo o poeta vivido em Angola, onde desempenhou funções relevantes para a sociedade
angolense da época, e tendo a sua poesia de referência africana sido,
semanticamente, importante para os poetas locais, penso que ela podia
ser ainda relida em Angola (e re-escrita em Portugal) em função desse convívio. Para salvaguardar consequências negativas que esta atitude
possa trazer ao trabalho, mantenho-me atento à data de publicação, ou
composição, dos seus poemas e à consonância técnica da sua poesia
com a dos textos cujo cânone versificatório pretendo surpreender.
Em relação a um poema assinado por “Judith...”, que não vem
localizado, senti-me levado a incluí-lo no corpus porque, sendo ele dedicado a Augusto Maria Lilla, um colaborador residente em Angola com quem “Judith”, pelos vistos, havia tido uma relação muito próxima,
podia ser escrito por uma angolana – membro, por exemplo, da família
Amzalack, visto que a autora se assume como judia.
Incluirei também dois poemas extraterritoriais de Abílio de Mendanha,
um enviado de Coimbra e o outro do Rio de Janeiro. Visto que todos os
outros poemas do Almanach assinados por este autor são remetidos de Angola, havia a hipótese de o mesmo continuar a residir na então
colónia mas, de passagem por Portugal e pelo Rio de Janeiro, ter
enviado esses poemas ao anuário. Acresce que a passagem por
Coimbra, para um interessado em poesia, torna-se importante para
nós. Ela é reforçada por uma colaboração no Almanach para 1866, sobre Montemor-o-Velho (perto de Coimbra) e aí localizada, assinada
por D.ª Maria da Piedade Goes Mendanha Azevedo Raposo (1866/92).
Possivelmente a família próxima do poeta residiria inicialmente por aí.
Por sua vez é provável, também, que o subscritor viajasse para o Brasil em 1900 (ano em que assina colaboração daí), sendo que já desde a
década de 40, pelo menos, havia lá mais pessoas com esse apelido, que
me parece raro na época (Coelho, 1965)2. E, mais concretamente, um
homónimo do nosso versejador – se não mesmo o próprio – aparece
num processo de reabilitação de falido, sendo o falido ele, que possuía
uma farmácia, Abílio Augusto Goes Mendanha Raposo. Ora o nosso
poeta assina Abílio Augusto G. Mendanha Raposo. O documento,
captado em rede (Ministério da Justiça, 1921), é de 1921 (31 de
Janeiro) e manda passar um edital, a requerimento do comerciante datado de 27.1.1927, localizando-se no Rio de Janeiro, no interior do
Estado, mais precisamente na comarca de Paraíba do Sul (que é também nome de rio que por ali passa). É, portanto, possível que o
comerciante (ou farmacêutico) tivesse acabado por residir no Brasil,
andando por Angola num tempo mais recuado.
Finalmente, excluí uma composição de José da Silva Maia Ferreira, visto fazer ela parte do seu livro e não ter sido, portanto, escrita no
período considerado (1856-1900).
Divisão do período estudado em dois Ernesto Marecos e Cândido Furtado, permanecendo em Angola, e lá ou de lá publicando e escrevendo, antes do início de uma produção
carismática no país, ocupam, necessariamente, um lugar especial no
corpus estudado.
O primeiro não é só uma referência literária portuguesa que espalha em
Angola o ultrarromantismo de O bardo, é uma referência da vida
cultural da colónia a partir do momento em que nela canta ideais
libertadores e funda um primeiro jornal literário, para além de dirigir a
primeira peça teatral (O fugitivo da Bastilha) da Sociedade Providência – primeira a ser representada ou, pelo menos, a primeira sobre a qual há
documentação. Era, de resto, anunciado no próprio Almanach. Por
2 Um deles tratava da venda de “uma Venda” na Rua Direita D4 no Recife, segundo anúncio do Diário de Pernambuco, de 21 de Abril de 1842 (p. 4). No n.º de 25 de Abril aparece ainda o seu nome a leiloar bens de outra pessoa. Num anúncio saído a 7-7-1842, p. 3, fala-se de uma “Ana Joaquina, filha de José da Silva Mendanha, já falecido, empregado que foi no Trem (…)”.
exemplo o número para 1866, na secção de anúncios, apresentava um
da Livraria Luso-Brasileira que iniciava a sua lista de títulos pelas
Primeiras inspirações e por “Juca, lenda africana”.
O segundo é, para além disso, um colaborador cujas contribuições
temos que estudar como fazendo parte do nosso corpus, de tal forma
elas podem contaminar o ambiente poético no local.
* Se dividirmos o tempo de publicação selecionado no Almanach (1855-1900) em duas metades a partir do ano da primeira colaboração
enviada de Angola (1856) — aumentando, portanto, um ano ao que
atrás fixara — a presença de qualquer dos dois poetas ultrarromânticos
é anterior à segunda metade (que englobaria os anos de 1878 a 1900). Tal facto reforça a ideia de que o seu papel pode ter sido determinante
na formação das opções estéticas da maioria dos colaboradores que
estudei, angolanos ou residentes.
A divisão, do período que decorre entre 1856 e 1900, em duas metades,
não é aleatória, mas combinatória. Ela foi-me sugerida inicialmente pela
ideia da existência de uma primeira geração literária angolana, a de 1890 ou a de 1880, conforme os ensaístas (“primeira geração” visto o
livro de Maia Ferreira constituir uma ilha na cronologia editorial do
país, mesmo levando em conta o Dedo de pigmeu de Arsénio de Carpo).
A ideia foi lançada por Mário António Fernandes de Oliveira (Oliveira, 1990 p. 334), divulgada posteriormente por Carlos Ervedosa, que
localiza a geração em 1880 – a meu ver com mais nitidez (Ervedosa,
1985 pp. 33, 44). As duas datas devem, porém, ser ligeiramente
corrigidas.
Primeiro a de 1890. Se colocássemos nos anos 90 do século passado a
linha divisória que traço em 1878, iríamos ignorar textos fundamentais
dessa geração, como «Kicôla!», de Cordeiro da Matta.
A poesia de Cordeiro da Matta, figura dita por Mário António a mais
saliente no relevo (não muito alto, reconhecemos) da sua geração, já completou o respetivo percurso mental nessa data. Basta resumirmos-
lhe a evolução intrínseca, no que diz respeito à temática mais
constante, que é a do amor, para vermos isso.
A lírica do “poeta negro do Rio Kwanza” começa por idealizar a mulher na linha da mentalidade ultrarromântica portuguesa e termina com
francas expressões de desilusão face ao amor e de lamentação pelos
defeitos figurados no tópico da mulher enganadora, passando mesmo
por um momento místico ou, pelo menos, de grande isolamento. Claro
que essa evolução não é linear, por exemplo o poema «Cambuta», que
sai no Almanach para 1890, não fala da desilusão com a mulher, talvez por estar a glosar o tópico das africanas. Ilustra-se o desencantado
percurso nos poemas «Nunca mais...», «A ciosa», «Messalina», «Linda e má / deceção de D. Juan» e «Ideal». «Linda e má / deceção de D. Juan»
sai no suplemento ao Almanach para 1889, mas com data de 1881; «A
ciosa» sai no Almanach para 1886; «Messalina» sai no Almanach para 1887; «Nunca mais…» e «Ideal» saem no Almanach para 1890 (o que significa terem sido enviados cerca de dois anos antes), juntamente com
«Cambuta», que veio do álbum do senhor Joaquim José Bentes. Ora,
não podemos iniciar a geração com o Ultimatum quando o primeiro dos seus poetas não regista evolução significativa após essa data, sofrendo-
a anteriormente. De resto, Cordeiro da Matta morre em 1894, os
Delírios saem em 1888 e, do Almanach de lembranças, só mais três poemas podem ter sido escritos entre 1890 e 1894: «Sob palmeiras»
(culminância do breve instante místico), «Ela bem sabe…» e «Amar».
Por tudo isto está mais próxima da realidade a colocação de Ervedosa,
que fala na geração de 1880. Porém parece-me que o faz por
arredondamento. Parece-me que os factos decisivos para a emergência
da geração, em particular a publicação do Jornal de Luanda, surgem
dois anos antes ou mais.
Um segundo argumento, oriundo agora do estudo que realizei, joga
ainda a favor da correção para 1878. É que logo a uma primeira leitura
do corpus apercebemo-nos de um período inicial em que a produção enviada de Angola é pobre, descolorida, subscrita por escassos e
ocasionais autores, ou pelos dois citados poetas portugueses (Ernesto Marecos, de quem é publicada apenas uma décima de um poema saído
em livro mais tarde; Cândido Furtado, colaborador profícuo). Mas o
período em que a riqueza formal e o carisma de alguns poetas locais se notam melhor inicia-se em 1878, ano durante o qual se dá o
aparecimento e talvez a feitura das primeiras composições onde o
português e o quimbundo convivem lado a lado, como adiante irei confirmar. A que é provavelmente a primeira dessas composições está
ligada ao Jornal de Loanda.
O diretor do jornal é, dentro do pequeno sistema literário da época em
Angola, uma figura polarizadora. No seu jornal encontramos os nomes
de J. D. Cordeiro da Matta e Eduardo Neves entre os colaboradores e ali faz sair Toulson, como atrás disse, o possivelmente primeiro poema
bilingue angolano. Estavam reunidas, pois, as condições sociais
necessárias à prestação literária dos angolenses: havia poemas,
publicações e práticas próprias, diferentes das anteriores e diferentes de
outras do espaço lusófono, e também havia um jornal agregador das
intenções literárias locais.
A divisão do período estudado em duas metades, a segunda iniciando-se em 1878, vê-se assim confirmada por factos literários importantes,
que nos permitem situar com mais precisão em 1878 o início da
publicação de textos líricos significativos dos autores da geração.
Na primeira destas fases instala-se o ultrarromantismo. Na segunda, o
ultrarromantismo diversifica-se linguisticamente (introduzindo o
quimbundo na poesia), literariamente (desenvolvendo os motivos
africanos antes aflorados por Cândido Furtado) e tecnicamente (com a
introdução de estrofes heterométricas, a composição de sonetos e o
aparecimento do dodecassílabo), sem deixar nunca de ser a principal referência destes poetas. A diversificação acompanhará a leitura de
obras realistas que moldaram as crónicas de costumes de Pedro Félix Machado e, sobretudo, Alfredo Troni – sendo breve e inconsequente o
entusiasmo de Cordeiro da Matta com o Realismo. Ela também denota
influências parnasianas (de João Penha), que serão bem mais marcadas
em Pedro Félix Machado (e aí talvez a figura de Olavo Bilac seja mais importante que a de João Penha). Mas nunca o ultrarromantismo
deixou de ser a escola dominante, como o foi em Portugal quase
durante a mesma época, pois as escolas divergentes eram minoritárias,
com pouca aceitação na imprensa inicialmente, pouco populares (ainda
quando o vieram mais tarde a ser).
A hipótese de que parti foi, pois, a de que os versos desta lírica se pautariam por um ultrarromantismo um pouco tardio, que só se torna
carismático a partir de 1878, ou seja, pouco depois de os seguidores portugueses de Castilho publicarem as suas obras. Não podemos, por
isso, dizer que os nossos homens andavam desfasados em relação aos
outros ultrarromânticos, ou que fossem meramente os seus epígonos, porque à poesia de referência acrescentam experiências próprias e o
fazem pouco depois de aqueles publicarem livros de poesia que os
definissem enquanto geração. Todo o ultrarromantismo lusófono era,
por esse tempo, tardio.
Necessário se tornava, agora, verificar a hipótese com uma pesquisa da qual extraísse o perfil exato do intercâmbio literário traficado entre
Angola, Portugal e Brasil (à espreita ainda por uma janela bem aberta). A suspeita que então se levantava era a de que, sendo tardio o
ultrarromantismo desta poesia, algumas marcas (não estudadas até
hoje) existiriam nele das escolas que, em Portugal e Brasil, superaram a
do Visconde. As marcas que encontrasse permitir-me-iam afirmar que
os escritores angolenses conheciam a lírica posterior, e, portanto, eram
ultrarromânticos por opção própria, não por ignorarem as escolas
realista e parnasiana.
Autores de referência Era o Almanach um veículo do ultrarromantismo português, até por laços de família e de amizade3. Foi também veículo dos epígonos do
romantismo brasileiro, a quem já faltavam o fôlego animado e
habilidoso de Gonçalves Dias, a profundidade reflexiva de Domingos
Gonçalves de Magalhães, o introdutor do romantismo no Brasil, ou a
intensidade sentimental dos poetas da segunda geração, por muitos
também chamada ultrarromântica. Jacinto do Prado Coelho insere, por isso e mais precisamente, o anuário na linha da popularização da
“poesia romântica” (Coelho, 1965 p. 139). Parece natural assim que a
mentalidade literária a indiciar o seja também.
O mesmo sugere Mário António, ao falar na lírica de Cordeiro da Mata,
quando afirma que “a obra poética de Cordeiro da Mata transpõe para o
nível da incipiência cultural do meio que era o em que vivia, as sugestões de uma escola que não era propícia à descoberta, à
autenticidade: o ultrarromantismo” (Oliveira, 1990 p. 183). Mais
adiante, afirma o mesmo ensaísta: “está-se [em Angola] a meio do
século XIX, como se se estivesse no seu início. Ao findar esse século,
ainda são românticos os ecos registáveis em Cordeiro da Mata, considerado o pai da literatura angolana, mas os seus mestres foram
principalmente os ultrarromânticos, como a vasta colaboração do autor
angolano no Almanach de lembranças mostra” (Oliveira, 1990 p. 183). A afirmação do ensaísta angolano é difícil de rebater. Apesar das tímidas
inovações formais e de um poema, no máximo dois, em que o poeta negro do rio Kwanza parece aproximar-se do realismo literário, ele é
mesmo ultrarromântico e absolutamente nas colaborações para o
Almanach, como lembra Mário António.
Uma só reserva suscita essa afirmação do ensaísta de Maquela. É que me parece que a a opção ultrarromântica não derivava de falta de informação, era uma escolha do nosso tão prolongado costumismo.
3 De facto, Alexandre Magno de Castilho era irmão do Visconde, que aí publica, desde o primeiro número, colaboração diversa. António Xavier Rodrigues Cordeiro, para além do que acima sobre ele transcrevemos, era amigo de João de Lemos (Lemos, 1858 p. VI).
Uma das provas está precisamente nesta pesquisa, quando nos
deparamos com soluções formais que só podem aproximar-se de escolas
literárias posteriores.
*
Determinação das obras de referência e do método Se estamos interessados em fixar, com a nitidez possível, estes aspetos,
torna-se incontornável uma pesquisa dos livros publicados em Portugal,
Brasil e que, pela data da sua publicação, podiam ser intertextos dos
poemas selecionados. Depois de definirmos as obras que nos
interessam é que podemos comparar ambos os corpus e chegar a uma
conclusão justa sobre o nosso ultrarromantismo.
Em se tratando de um verso rimado e metrificado com regularidade (só
duas composições não apresentam rima), pensei que o método mais
seguro para iniciar o seu estudo comparado começava por um
levantamento dos recursos técnicos utilizados, reduzindo “recursos
técnicos” aos tipos de versos, de rimas, de distribuições rimáticas e de
estrofes. Pensei-o porque era mais seguro investigar traços concretos,
tomados como neutros e precisos; mas também porque a competência
técnica dos artistas era o que mais os preocupava – e, portanto, aquele aspeto com que teriam maior cuidado, logo, aquele pelo qual é justo
julgá-los. O romantismo que chegara à colónia e fora aí bem recebido, como dá para ver estudando a bibliografia que circulava em Angola no século XIX, era moderado, conservador e formal. Por sua vez aos
nossos, interessava-lhes mais a destreza que o sentimento, o motivo ou
o tema, escolhidos numa lista já bem definida e consensual. Rodeados
por tradições analógicas, a agilidade e subtileza metafóricas, a composição de adivinhas e geometrias ocultas animava também mais os
nossos poetas que, assim, embora vivendo entre ultrarromantismo e
parnasianismo, eram muito barrocos graças a todas estas
particularidades.
Também Mário António não deixou de perceber o significado da mestria
técnica na poesia ultrarromântica angolense, ao comentar o livro de
Maia Ferreira: “o que nos parece mais relevante em Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas é antes uma demonstrada mestria no uso de diferentes medidas e uma desenvolta capacidade de organização poemática” (Oliveira, 1990 p. 330) – desenvoltura que
pressupõe uma diversificada prática de leituras.
A observação técnica de todas as obras publicadas em Portugal e Brasil
a tempo de exercerem influência sobre os poetas do corpus por nós escolhido seria, porém, demasiado morosa para que pudesse realizá-la no âmbito deste livro sem saturar o leitor interessado. Não sei mesmo
se os anos que vou viver ainda chegariam para realizar a tarefa. Pensei
resolver com maior economia o nosso problema fixando os paradigmas formais do ultrarromantismo português, em paralelo do brasileiro, e
comparando esses paradigmas formais com a prática dos colaboradores
angolanos do Almanach e dos poetas mais conhecidos da época.
Para definir os paradigmas ultrarromânticos lusófonos entendi que o
melhor material era constituído pelo breve Tratado de metrificação portuguesa (Castilho, 1874), escrito por António Feliciano de Castilho para ser lido por todos os aspirantes a poetas.
Como disse atrás, o velho mestre dos ultrarromânticos portugueses
estava ligado familiarmente ao Almanach, onde o reverenciavam e onde colaborou, quer com poemas, quer com charadas – prática de
popularidade ativa entre os leitores angolenses, como disse. Era, pois,
natural que, dada a ascendência de Castilho sobre o Almanach, os versejadores do tempo estivessem bem dentro das recomendações do
mestre.
Tais recomendações, João Gaspar Simões especifica-as pela importância de dois livros de Castilho para o seu domínio “completo”
sobre “o quadro dos valores literários da época”: as Estreias poetico-musicaes para o Ano 53 (Castilho, 1907), “e sobretudo” o Tratado de metrificação portuguesa (Castilho, 1874), de 1851. As Estreias poetico-musicaes são uma coletânea de poemas do Visconde, musicados por diversos compositores, e podem não ter tido a influência determinante
que lhes confere o crítico presencista, pelo menos no que se refere às consequências estritamente literárias, às intertextualizações e às
imitações ou adoções técnicas. Já o mesmo se não dirá do Tratado, que estacionou solidamente no centro do espetro modelar ultrarromântico,
tanto em Portugal quanto no Brasil.
Tendo localizado essa obra nuclear, para completar a pesquisa pareceu-me obrigatório obter, como contraponto atual de referência, o
desenvolvido manual de Amorim de Carvalho que recebe o nome
feminino de Teoria geral da versificação (Carvalho, 1987). Trata-se de uma exploração sistematizada, também atenta a alguma da produção
literária brasileira e à produção realista, portanto mais abrangente.
Isto não significa, porém, que não tivesse consultado outras fontes. Fi-
lo com a introdução (intitulada «Poética histórica portuguesa») de Teófilo
Braga ao Dicionário de rimas de Costa Lima publicado na Lello, bem como com o «Manual de composição litteraria-poetica portugueza», de
José Simões Dias, obra “superiormente approvada” para o ensino; fiz o
mesmo com o Tratado da versificação portuguesa do polemista Alfredo
Pimenta e com o Diccionario de rimas luso-brasileiro, de Eugénio de Castilho, onde se publica um resumo do Tratado de metrificação de António Feliciano. Só não consultei, inicialmente, o Tratado de
versificação, de Olavo Bilac e Guimarães Passos. Pude no entanto
alcançar a obra graças à sua edição em rede e, consequentemente, acabei por integrá-la nesta versão do estudo (Bilac, Olavo e Passos,
Guimarães, sd). Como em nenhum dos poeticistas pesquisados (exceto
Bilac e Passos) vislumbrei algo pertinente para acrescentar ao
encontrado nos dois que primeiro indiquei, elegi aquelas duas obras (o
Tratado de metrificação e a Teoria geral da versificação) para um estudo
mais minucioso. O Tratado de Bilac e Passos veio contribuir decisivamente em alguns aspetos, pelo que passou a ser uma
componente de consulta obrigatória também.
Dado que a descrição das regras pode conter falhas, e dado que a
criatividade dos autores superou muitas vezes as regras dos seus
mestres, irei como já disse consultar várias obras em verso, publicadas
em Portugal ou no Brasil, que podiam, pela data da sua publicação
e/ou pelo nome dos seus autores, ter influenciado os nossos homens. Chamarei a tais autores poetas de referência e os livros consultados
serão citados conforme se torne conveniente.
Observações acerca de alguns conceitos operatórios utilizados Para providenciar ao acolhimento e à sistematização dos dados, entendi conveniente agrupar os poemas em tipos definidos pelas espécies
estróficas e pelas distribuições métrico-rítmicas e rimáticas presentes
em cada um deles. Isso obriga-me a definir desde já os termos-chave
destas expressões.
Definição de verso
As evidências são difíceis de definir. É o caso do verso. A definição
pacífica é a tipográfica, ou editorial: verso é uma linha interrompida (raramente coincide o fim do verso com o limite da página, por isso digo
interrompida).
Pressupõe-se que esse corte é já um corte rítmico, para impor uma
pausa rítmica, suspender momentaneamente a enunciação por motivos
musicais ou rítmicos.
O verso mede-se por unidades métricas – algo parecido, segundo alguns, com o que se chama ‘pulsos’ na estrutura rítmica da música.
Essas unidades métricas estão agrupadas e separadas em função de
pausas menores, interiores ao verso, chamadas cesuras e que
geralmente coincidem com uma vogal tónica. Os conjuntos métricos são unidades complexas de ritmo (por isso chamadas em música ritmos – e
na antiga prosódia grega), que sofrem acentuação em torno de sílabas,
efeitos de entoação, efeitos prosódicos genericamente. A sua estrutura,
como a dos versos, é feita em crescendum, igualdade ou decrescendo de
intensidade, velocidade, enfim de ênfase.
Por vezes os poetas acumulam num mesmo verso – indicado
graficamente como tal – o que, ritmicamente, seriam dois versos. Nesses casos respeita-se a indicação gráfica e chama-se o conjunto de verso
composto. Nesse caso, se o final do primeiro verso simples é feito com
palavra de acentuação grave ou exdrúxula, só se contam os ‘pulsos’ ou metros até à vogal tónica, como se se tratasse de um verso isolado.
Exemplifico recorrendo a um poema («Eu ouvi!») de José da Silva Maia
Ferreira (Maia Ferreira, 2002 pp. 68-69):
A passos mais lentos que a dor que sofri
O verso, por ser composto de dois pentassílabos (como se tornou usual
no poeta português Guerra Junqueiro, mais tarde), chama-se
bipentassílabo e conta-se, metricamente, assim na língua portuguesa:
a-pa-ssos-mais-len | qu’a-dor-que-so-fri
1-2 -3 -4 -5 ; 6 -7 -8 -9 -10
Posto isto, que me parece consensual – ou, pelo menos, claro – passo à
definição de estrofe.
Definição de estrofe
As estrofes (etimologicamente: voltas, o percurso do coro no palco
durante o canto da estrofe) são definidas liminarmente como grupos de
versos. O nome deriva do que era dado à primeira parte da antiga ode
grega, à qual se seguiam a “antístrofe” e o “épodo” (Aurélio, 1999).
Esta definição (“grupos de versos”) é posta por vezes em causa, dado
haver estrofes de um só verso. Dupriez, que a usa, reconhece que o termo também se aplica aos dísticos e ao “monóstico” (Dupriez, 1997 p.
425). Há quem, no entanto, considere que as estrofes de um só verso
não são estrofes ou, pelo contrário, que a definição de estrofe deve ser
mudada. Penso que o problema não é muito pertinente e opto por uma definição comum e convencional, de dicionário, visto não ter isso
qualquer consequência no desenvolvimento do meu trabalho – feito face
a um corpus onde não surgem estrofes de um só verso. Mas, de qualquer forma, vejo que essas mesmas objeções levariam a colocar em
causa a definição de poema corrente ainda nos nossos dias ou, pelo menos, de poema em verso. Poder-se-ia alterar, no entanto, a definição
de estrofe fazendo-lhe uma ligeira modificação: a estrofe é um isolamento gráfico de versos ou o isolamento de um só verso. Neste sentido uso a palavra a partir de agora.
As estrofes, assim caraterizadas, englobam no seu estudo o dos diversos
tipos métricos, o dos tipos rítmicos e o das diferentes distribuições
rimáticas, pois as rimas e a respetiva conjugação, tal como os tipos métricos e rítmicos, sua homogeneidade ou variedade, surgem em
função do conjunto de versos (poema ou estrofe) no qual se inserem. Assim, os diferentes tipos estróficos não se definem só pelo número de
versos que os compõem, mas também pelos tipos de metros, ritmos e
rimas utilizados e pela distribuição de tais tipos no interior do conjunto.
Distancio-me, neste ponto, do que diz Amorim de Carvalho, logo na
abertura do vol. II da Teoria geral da versificação : “a estrofe é um certo
conjunto de versos formando um todo ritmo-lógico” (Carvalho, 1987 p.
11). Distancio-me ainda que a saiba de acordo com outras, por exemplo
a de Dupriez: “conjunto de versos, limitados por duas pausas” (Dupriez,
1997 p. 425). O recurso à palavra “pausas” pode confundir e o “todo
ritmo-lógico” não tem poder descritivo suficiente para a variedade
estrófica. Não devo aceitar igualmente a redução teórica segundo a qual
a estrofe pode ser apenas caraterizada pela rima e não por esse “todo ritmo-lógico”. Não podemos delimitar os sistemas estróficos só pela rima
porque excluiríamos os que não têm rima e podíamos obrigar-nos a
incluir, numa só, várias estrofes que apresentassem as mesmas rimas
nos finais dos seus versos. Paralelamente, a mera definição “ritmo-
lógica” não contempla o processo de transporte (palavra que prefiro a «enjambement», ou «encabalgamiento») quando tal transporte se realiza
de uma para outra estrofe. Por efeito dessa figura de estilo, a “lógica”
que preside ao agrupamento semântico das palavras passa de um para
outro grupo de versos, transgredindo a expectativa criada pelo aparato gráfico e violando o fechamento lógico da estrofe – nesse momento
apenas gráfica e ritmicamente marcada.
Parece-me que, precisamente, o que isola um conjunto de versos é
desde logo a sua determinação gráfica, fixando visualmente uma
demarcação literária e, por essa via, impondo o fechamento rítmico.
Tendo por referência o espaçamento gráfico (equivalente a uma pausa sonora alongada quando o poema é dito – mais longa do que a pausa
entre dois versos), obtemos um parâmetro inicial claro para identificar
as aglomerações de versos, o que é indispensável para, em seguida,
classificarmos os tipos estróficos sem lhes impormos, à partida, regras
que podem não ter.
Amorim de Carvalho, de facto, vem a reconhecer a conveniência deste
recurso ao grafismo quando avisa: “no decorrer, para diante, desta
Teoria geral da versificação, ao falarmos de estrofe, concederemos, pois, ao que aparece manifestamente indicado nas próprias realizações poéticas, qualquer que seja a sua determinação (rimática, ou ritmo-
lógica, ou as duas intimamente ligadas como geralmente acontece) e
qualquer que seja a sua construção em relação ao pensamento (estrofe
simples ou composta)” (Carvalho, 1987 p. 27).
Estrofe Simples e Estrofe Composta
Pelas mesmas razões, entendo que a diferença entre estrofe simples e
estrofe composta só se torna pertinente quando o autor, tanto pela
sintaxe quanto pelas rimas distribuídas, ou ainda, eventualmente, pelas
distribuições métricas, de todo não relacione duas partes de um
conjunto de versos por ele indicado como sendo uma estrofe. Quer
dizer: considero estrofes compostas aquelas que só graficamente se nos propõem como uma unidade, indicando-nos todos os seus outros
elementos (rima, sintaxe, ritmos e a restante memória literária do
sistema) a existência de mais do que uma estrofe quando graficamente
só nos aparece uma. A estrofe composta é percebida, portanto, como
uma espécie de macro-estrutura rítmica, um dado conjunto de ritmos
que se pretende isolar mas que, lá dentro, é formado por outros
conjuntos independentes uns dos outros.
Para seguir um exemplo de Amorim de Carvalho, a conhecida passagem
de Castro Alves, glosada por Caetano da Costa Alegre nos Versos:
Era um sonho dantesco... o tombadilho que das luzernas avermelha o brilho em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, horrendos a dançar ............................................... No entanto o capitão manda a manobra e após fitando o céu que se desdobra tão puro sobre o mar, diz do fumo entre os densos nevoeiros: «Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!...»
é, para mim, constituída por duas estrofes simples e não duas estrofes compostas. Faltava-lhes, para as considerarmos compostas, não se
repetir nenhuma rima de cada uma das suas partes para a outra, e haver uma divisão em dois períodos assinalando a separação virtual
entre uma e outra parte da estrofe composta, podendo promover-se ainda uma distribuição métrica diferente para cada parte, o que
também não sucede aqui. De facto, o que faz Castro Alves é tão somente
mudar a definição métrica dos versos que não rimam emparelhados em face da métrica dos que rimam emparelhados, dando assim maior
unidade formal ao conjunto. Quando muito, acederia a chamar a cada
uma das partes desse conjunto, como propõem Guimarães Passos e
Olavo Bilac, uma “sub-estrophe” (Bilac, Olavo e Passos, Guimarães, sd).
Estrofe composta seria esta, retirada do nosso corpus:
Quem linda a vê e risonha,
como quem delicias sonha
de gosos de endoidecer; ha de, talvez, todo absorto
a seus pés prostar-se, morto,
e, como um louco, dizer:
-« Mulher de fórmas airosas,
de ondulações vaporosas,
cujo refulgente olhar,
quando, estático, o contemplo
julgo que de Deus um templo
estou, doido, a contemplar;
— onde, como se vê, só a disposição gráfica nos obriga a lermos uma
estrofe de doze versos, pois, pela sua sintaxe, como pela distribuição
rimática, temos duas estrofes de seis versos. Uma vez que a segunda
subestrofe contém o pensamento anunciado na primeira, pode-se
argumentar que o critério de grupagem é ‘lógico’ e não rimático. Pode ser em alguns casos, não aqui, numa composição em que também seria
lógico separar (como se faz sintaticamente) a parte em que se anuncia o
motivo e se descreve o quadro e a parte em que se pensa ou fala.
Repare-se na sequência:
Mostra-me o Eden dos crentes,
qu'eu quero os gosos ferventes
em doces taças haurir;
mostra-me os estranhos mundos
que seus mysterios profundos eu anceio descobrir...» –
E quem a vê, furibunda, como onda que a praia inunda,
e tudo quer esmagar, ha-de, talvez, perturbado,
e d'ella bem afastado
como um timido, exclamar: – Livrai-me, meu Deus, da furia,
que sua cega lamuria
me faz o senso perder; –
Oh! como é melhor o inferno
do que este aborto do Averno,
que a paz me não deixa ter!...»
E ella poussue a belleza,
que o homem, soffrego, preza e está sempre a desejar.
E ella é dos zelos a escrava,
que s'inflamma como a lava,
que abraza e póde matar!...
O quadro geral do poema é este: uma estrofe composta - uma simples -
outra composta - outra simples. O critério de composição parece-me
rítmico neste caso. A primeira estrofe simples continua o pensamento que vem da primeira estrofe composta; se o critério fosse ‘lógico’ e a
lógica fosse a prevista atrás, a estrofe simples não podia ficar desgarrada. Portanto parece que o poeta apenas quer proporcionar-nos
uma alternativa, um cruzamento, entre um sopro mais largo e um canto
mais breve, como se alternasse entre partes de uma música
instrumental ou de um coro.
Esta breve discussão acerca das estrofes compostas não é
desnecessária, no âmbito particular da minha análise: ela justifica o
facto de considerar eu, para efeitos estatísticos, nas estrofes compostas,
as estrofes que as compõem e não o seu todo.
Hierarquização
Desde que haja regularidade métrica e rimática, como é o caso na
esmagadora maioria dos poemas estudados, o estudo das estrofes tem
que levar em conta a sua determinação gráfica e a constituição métrico-
rítmica, lógico-sintáctica e rimática.
Castilho, que define a estrofe de uma forma simples mas redutora4 (apreciada, no entanto, por Teófilo Braga), percebe a importância da
articulação dos recursos para cimentar a unidade estrófica, ao dizer
4 Cf. uma “redifinição” de Castilho, a pp. 142 da obra que vimos citando, onde através de uma disjuntiva se faz equivaler estrofes e “períodos métricos iguais”: “ (...) assentemos em que as estrophes ou periodos metricos eguaes, em que um poema longo ou curto se divide (...)”.
que, “quando as estrophes constam de dois ramos, quer estes sejam
eguaes em quantidade de versos, quer deseguaes (...) o ouvido approva
muito, não só que esses dois ramos rimem um com o outro pelo fim,
mas que rimem em agudo” (Castilho, 1874 p. 143). E acha também que
deve cada ramo terminar com o fim de uma frase ou período sintático.
Dessa maneira reconhece, implicitamente, a importância da
consideração da métrica, da rima, da sintaxe, da ‘lógica’ e da relação entre elas para o estudo dos tipos estróficos. A sua determinação tinha,
de resto, origem numa tradição recuada, pois Dupriez assegura que, se
“a estrofe é heterométrica […] os versos com a mesma extensão rimam
habitualmente em conjunto” (Dupriez, 1997 p. 403).
A caraterização de estrofes que vou usar a partir daqui levará também
em conta todos os aspetos considerados relevantes na construção
formal do “conjunto de versos”, reunido como tal no próprio texto que
nos é apresentado. No entanto há necessidade de hierarquizar os aspetos considerados, pelo menos o rítmico-métrico e o rimático. Se
assim não faço, multiplico inutilmente os tipos, para além de não levar em devida conta o grau de diferenciação de umas estrofes em relação a
outras.
Na verdade, os tipos de recursos que menciono assumem caraterísticas
diferentes conforme o nível em que se situam. Se tivermos, por exemplo, oitavas heptassilábicas cuja distribuição rimática é [*AAB.*CCB],
indicando o asterisco a ausência de rima e o ponto o final obrigatório de
período, podemos associá-las com as sextilhas heptassilábicas cuja
distribuição rimática é [AAB.CCB]; mas a diferença do número de
versos é fundamental e obriga-nos a não incluir as duas no mesmo tipo. Essa diferença pode gerar outras importantes. Ela pode implicar, por
exemplo, que, no primeiro tipo, haja versos sem rima, o que não sucede
no segundo.
Opto, a partir deste exemplo, por uma hierarquização na qual aparece como primeiro critério para a classificação das estrofes o seu número de versos; como segundo critério o determinado pelo tipo de versos
(métrica e rimaticamente definido); como terceiro o determinado pelo
tipo de distribuições rimáticas realizado – deixando para um nível posterior de análise a articulação entre estas características o os
conjuntos sintáticos, articulação que traz implicações semânticas que
particularizam tanto as soluções estróficas que tornam inexequível criar
nessa base uma tipologia produtiva.
Opto por esta hierarquização porque ela parece mais “económica”: os tipos encontrados pelo número de versos são em menor número do que
os encontrados pelas distribuições métricas; estes são em menor
número do que os encontrados pelas combinações rimáticas. Para além
disso, a distribuição rimática depende do número de versos e, por vezes,
está intimamente relacionada com a variabilidade métrica ou métrico-
rítmica, como iremos verificar ao longo da análise e como vimos no
exemplo, atrás transcrito, de Castro Alves.
Correspondentemente, vou analisar o corpus seccionando-o primeiro por tipos estróficos definidos em função do número de versos, depois
pelas distribuições métricas no interior de cada ocorrência dessas,
finalmente pela distribuição rimática dentro de cada estrofe.
Pontualmente, quando faça sentido, observarei a ocorrência ou
ausência de transporte dentro de algum tipo.
Distribuição Rimática e Sistema de Distribuição Rimática
A definição, a tipologia e o historial da palavra “rima” e do que ela
designa dariam, só por si, um grosso volume. A sua ligação ao ritmo, acentuando as opções conceituais no que diz respeito à definição de
estrofe, estabelece-se logo pela etimologia, pois rima e ritmo originam-se
do mesmo termo (Dupriez, 1997 p. 403). A rima não é para mim, como
se diz em Dupriez, “identidade de um certo número de fonemas ao fim de dois ou mais versos” (Dupriez, 1997 p. 401). Isto, quer porque pode
haver rima num só verso, quer porque ela pode ser feita sem que uma
ou mais das palavras que rimam esteja no fim do verso, quer ainda
porque é necessário determinar o “certo número de fonemas”. Entendo
que a rima é a coincidência, total ou parcial, entre dois ou mais fonemas, de duas ou mais palavras, preferencialmente colocadas nos
versos em consonância com o ritmo.
* Recorri indiscriminadamente a expressões tais como “distribuição
rimática” (ou rímica), sistema rímico (ou rimático, ou distributivo), esquema distributivo (ou rimático ou rímico), tipo distributivo.
Precisava, por uma questão de estilo, de um vocabulário diversificado
para designar um conceito recorrente.
O conceito que estes termos designam reporta-se à estrutura gerada pela colocação das rimas no interior das estrofes e dos poemas,
resultando nos esquemas comuns entre os tratadistas (por exemplo:
[ABAB]) – e, por vezes, em outros mais raros. Ele engloba por igual a distribuição de rimas pobres e ricas, graves e agudas, esdrúxulas, e de
versos brancos (já que, em rigor, não há rimas brancas, porque
“branco” significa aí ausência, inexistência de rima).
Penso que não é necessário fazer aqui a definição dos tipos todos de rima, em geral bem descritos nos tratadistas. Faço, tão somente, uma
breve revisão da matéria.
Pobre é a rima com duas palavras da mesma classe gramatical; rica fica
ela se for feita com palavras de classes gramaticais diferentes. Não sigo,
portanto, a nomenclatura francesa, para a qual a rima é rica se houver
“identidade da consoante de apoio à vogal acentuada” e pobre se não for
“suficiente”, ou seja, se não rimarem a vogal tónica e os fonemas que se
lhe seguem (Dupriez, 1997 pp. 401-402). O que, nessa nomenclatura, é
“rica”, na que vou usar será “completa”, como especifico oportunamente. Vou, de resto, precisando estes conceitos operatórios
mais comuns conforme se vai tornando necessário.
Sistema
A noção de sistema na versificação pode-se derivar daqui (da imagem de distribuição rimática e da definição de estrofe). Os subsistemas (quatro,
definidos por Amorim de Carvalho, de quem transcrevo as respetivas
definições mais adiante, ao falar em sonetos) podem classificar-se em
função da variabilidade ou fixidez no número de estrofes e da colocação
dos tipos estróficos ao longo do poema.
Quando os tipos distributivos estão colocados ao longo das estrofes, ou do poema, de tal maneira que lhe apreendemos regras que permitam
reproduzir a estrutura por eles montada, critérios sistematizados (ou dedutíveis) para construir uma dada estrutura global, então podemos
dizer que há um sistema. Só que, em geral, os sistemas assim encontrados são pessoais, a maioria das vezes não têm continuidade.
Amorim de Carvalho, quando fala em sistemas estróficos, reporta-se principalmente àqueles que são reconhecidos e praticados por uma
dada comunidade literária, seja qual for o seu grau de variação.
Portanto: àqueles cuja regra e cujo critério são património comum.
Penso no entanto que o termo deve ser alargado para incluir os sistemas individuais a que a explosão romântica deu lugar, pelo
estilhaçar dos espelhos neoclássicos. No entanto, para não confundir mais o leitor (habituado a uma terminologia já estabelecida) só falo em
sistemas estróficos quando abordo os sonetos do corpus. Aos restantes sistemas – os individuais – apanhados de passagem e comentados a propósito das oitavas encontradas, vou nomeá-los como “estruturas”
apenas, estruturas de imperfeição, ou de personalização, lá se verá
porquê.
Análise estilística do corpus escolhido
As estrofes de quatro versos As estrofes de quatro versos são as mais comuns no conjunto dos textos estudados (64 ocorrências em 119 composições). Não causa
perplexidade: o tipo é dominante na poesia romântica e ultrarromântica
portuguesa (Carvalho, 1987 p. 298). Mas não só: Bilac e Passos
reconhecem que são essas “as estrofes mais cultivadas” (Bilac, Olavo e
Passos, Guimarães, sd).
A primeira ocorrência nossa dá-se no primeiro ano em que surge
colaboração localizada em Angola, num poema de João Augusto de
Souza, que o envia de Benguela. Intitula-se ele «Na noute de S. João»:
Eis chegada a noute excelsa
da mais brilhante funcção, que em todo o orbe se faz na noute de S. João.
Festejos em toda a parte
celebra o mouro, o christão, todos elles á porfia
na noute de S. João.
Na sua choça o pastor, na cidade o cidadão,
entoão hymnos sem fim
na noute de S. João.
As velhas junto à lareira fiando na roca vão,
entretidas nos cantares
na noute de S. João.
As moças junto às fogueiras
a magas sortes se dão, queimando a herva primeiro
na noute de S. João.
Já arde a fogueira sancta
de resina e alcatrão;
danção os moços em volta
na noute de S. João.
Rebenta a bomba e o foguete,
arde o fogo em profusão,
tudo folga e se diverte
na noute de S. João.
Correndo e rindo, os rapazes
saltando as fogueiras vão,
com mil jogos e brinquedos
na noute de S. João.
Aqui, que não ha lareiras,
sortes, fogueiras, condão,
só nos restão as saudes na noute de S. João!...
Venha de vinho um barril;
cada um seu cangirão;
bebamos até cahir
na noute de S. João.
Já de longe se aproxima
um bem assado leitão,
que findou sua existencia
na noute de S. João.
Gallinhas, tórtas, empadas,
arros com pato e um capão,
são cousas que nunca faltão
na noute de S. João.
Principiemos, por tanto,
C’os cópos cheios na mão; saudemos pois a Josino
na noute de S. João.
à saude mais d'aquelles
que temos no coração,
que folgarem lá na patria na noute de S. João.
Gloria a ti, Baptista excelso,
em todo o mundo christão,
bem dito seja o teu nome
na noute de S. João.
Só eu não tenho alegria
dentro do meu coração, n'este desterro em que vivo
na noute de S. João!
Só me lembra a cara patria
n'esta erma solidão;
com os mais prazer não sinto
na noute de S. João.
Praza aos céus que ainda um dia finde meu triste condão;
que inda vá folgar na patria na noute de S. João!...
Benguella 24 de Junho de 1854.
João Augusto de Sousa, 1856/233.
O autor é, possivelmente, o mesmo de outro poema («Aos irmãos de S.
Martinho»), publicado no ano seguinte (1857/345) e também enviado de
Benguela, mas sob anonimato:
Eis o dia, irmãos, da festa
do padroeiro do vinho! É chegado o dia alegre do nosso bom S. Martinho.
Dia votado às moafas5,
aos pifões e cabeleiras,
carraspanas, bicos, turcas, samatras e bebedeiras.
5 Moafa: bebedeira. Termo popular cuja origem não consegui saber. Há um apelido árabe igual e o som recorda o Uafwa (morrer) umbundo.
Reuna-se a irmandade;
nomeemos um juiz;
celebremos este dia,
bebendo como funís.
Façamos da nossa pança
armazém grande de vinho; só assim celebraremos
o dia de S. Martinho.
Venha Porto e Carcavellos,
também o Madeira sêcco6,
ao enxugar de garrafas
nenhum de nós seja pêcco.
Do nosso patrono a festa deve ser bem festtejada;
esqueçamos as tristezas da nossa vida passada.
Mettamos para o bandulho
quanto lá caiba de vinho,
para honrarmos a memória do patrono S. Martinho.
Mil brindes e mil saudes,
em nome da confraria: quem riquezas não possue,
Possua paz e alegria.
Se os bens da fortuna avara
duro fado nos negou,
deu-nos a bôca; eia! bebamos o vinho que Deus creou.
Roguemos ao nosso santo,
em nome do bem geral, finalise o mal das vinhas,
ao menos em Portugal.
6 Leia-se o poema «No aniversário de Filinto / a um amigo», encimado por uma citação de Horácio, na Lírica de João Mínimo (Garrett, 1829 p. 10).
Que acabe com essa praga,
ruina dos lavradores,
que tanto aterra e ameaça
os seus fiéis bebedores.
Sim, morramos abrigados
dentro d'immenso tonel, pois morrer de bôcca secca
É morte dura e cruel!
Se o milagre faz o santo,
como devemos esperar,
com boa festa p'ra o anno
pode o santinho contar.
Vamos beber no entanto do que ha, ou mal ou bem,
esperançosos na colheita do futuro anno que vem.
Anonymo Benguelense, 1857/345.
É fácil de notar o parentesco entre as duas composições, típicas dos
almanaques da segunda metade do século. Pelo conteúdo, calculo que o autor fosse português a residir em Angola, visto que retrata bem as
festas de São João em Portugal e, quanto às de Benguela, se limita a
apelar à moafa.
Nos índices do Almanach referentes aos anos entre 1872 e 1898 não vem referido o seu nome, nem aparece mais qualquer “anonymo
benguellense” – autógrafo do poema de 1857. Surge apenas uma colaboração em prosa de um J. A. de Sousa, mas é alguém que mora
em Abrantes e, no que escreve, não mostra vivência africana.
João Augusto de Sousa publica artigos em prosa sobre Angola,
idênticos aos que envia o “anonymo benguellense”. Em ambos pontua a
recorrência de menções a produtos comercializáveis de Angola, como a “goma copal” e a “urzella d'Angola”, fazendo pressupor a mesma
atividade, a mais comum nesse tempo: a do comércio, ou qualquer
outra, eventualmente na função pública, muito relacionada com essa.
Efetivamente, em 1845 João Augusto de Sousa é nomeado Guarda-mor
da Alfândega de Benguela, segundo ofício remetido ao Escrivão
Deputado da Junta da Fazenda (Angola. Governo-geral, 1845 p. 1).
Desempenhava ainda o mesmo cargo em Outubro do ano seguinte,
quando o Governador-geral ordena ao comandante do “hiate 15 de
Agosto para dar passagem ao Guarda-Mor da Alfândega de Benguela,
João Augusto de Sousa (Angola, Governo-geral, 1846 p. 1). No nº 239
do mesmo Boletim (Angola, Governo-geral, 1850 p. 3) aparece numa lista de subscritores “a beneficio dos colonos de Mossamedes”, respeitante aos moradores em Benguela e datada de 10 de Abril desse
ano.
Deve ter alinhado com os comerciantes portugueses, quer o fosse quer
não (para além de Guarda-mor), pois participou na revolta contra o
militar e negociante Joaquim Luiz Bastos, Governador nomeado do
distrito sobre o qual recaíam suspeitas (ao que parece infundadas) de
nativismo e ligações ao Brasil e à ideia de Independência.
A entrada em cena deste filho da terra permite situar por contraste João Augusto de Sousa. Sintomaticamente Joaquim Luiz Bastos e José da
Silva Maia Ferreira eram amigos. Maia Ferreira chama-lhe mesmo, em dedicatória, “compatriota”. O militar veio a morrer em Benguela em
1860. Era Major de Linha em 1851, quando embarcou (em Luanda)
para Benguela no “Brigue portuguez Progresso”, com 4 escravos. Na mesma altura contribuiu com 60.000 réis (em “duas pessas de galão”) para as “Exéquias fúnebres e Monumento do Exm. Conselheiro Pedro
Alexandrino da Cunha, que foi Governador-geral desta Província”
(Angola, Governo-geral, 1852 p. 3). Despacha, no ano seguinte, “2
escravos vindos do Sertão em 1852”, pagando 18000 réis por isso
(Angola, Governo-geral, 1852 p. 2). Apesar disso, o contributo para a homenagem ao ex-governador parece colocá-lo na facção mais
definidamente antiesclavagista, dado o combate que o mesmo levou a
cabo contra o tráfico para o Brasil.
João Augusto de Sousa esteve suspenso das suas funções por participar nos acontecimentos contra J. L. Bastos, em Janeiro de 1851
(estando Maia Ferreira ainda em Angola), tendo a suspensão sido
iniciada a 9 de Abril. Foi mais tarde reconduzido no cargo. Talvez a recondução se deva à política geral de perdão ou à influência de algum
parente.
Possivelmente seu parente seria Eduardo Augusto de Sousa, o Oficial
Maior da Secretaria do Governo-geral de Angola (Angola, Governo-geral,
1852 p. 1). Isso facilitou certamente a recondução no cargo. Muitos anos depois, no ofício nº 96 do Governador-geral F. J. Ferreira do
Amaral, datado de 9-3-1883, vem recomendado um morador da Huíla
que dava pelo nome de Augusto de Sousa, não se adiantando mais nada
sobre ele. Pode ser da família de João Augusto, seu descendente
mesmo.
A documentação que vi não demonstra, portanto, se João Augusto de
Sousa era influente naquele meio social e muito menos se foi português
de origem (como penso) e comerciante, para além de Guarda-mor da
Alfândega.
Recordo que o poema descreve quadros tipicamente portugueses (as
velhas fiando na roca à lareira) dos quais se distancia depois:
Aqui, que não ha lareiras,
sortes, fogueiras, condão,
só nos restão as saudes
na noute de S. João!...
retomando mais adiante o tópico do exílio, degredo, na Costa Negra:
Praza aos céus que ainda um dia finde meu triste condão;
que inda vá folgar na patria
na noute de S. João!...
De qualquer maneira desconfio de que a sua prática poética não
transporta nenhum significado especial para nós.
«Na Noute de S. João», que também não é referido por Mário António
nas «Colaborações angolanas...», possui 18 quadras heptassilábicas com rima só nos versos pares e sempre aguda; o poema do “anonymo
benguelense” possui 14 quadras em heptassílabos com rima só nos versos pares, alternando graves e agudas. Às semelhanças formais
acrescenta-se a coincidência de localização: esta é, em todo o corpus, a única participação lírica oriunda de Benguela. Às duas espécies de semelhanças soma-se, ainda, uma terceira: a de conteúdo. Qualquer
dos dois poemas fala numa festa de Santo e na bebida que se consome,
até à exaustão, nessa festa. No entanto, mesmo que os dois poemas sejam de João Augusto de Sousa, eles não me parecem esteticamente
relevantes e a repetição do conteúdo mostra talvez as limitações do
autor e dos leitores. Apenas a recorrência do tipo estrófico no Almanach torna sintomática a sua presença.
A última ocorrência (de estrofes de quatro versos) dá-se, justamente,
com a última colaboração, marcada pelo que em Portugal se chamou de
“neo-garrettismo”, o que logo se denuncia no título («Garrett»). Trata-se
de uma peça publicada a pp. 342 do Almanach para 1900, por Marcos Algarve, que assina do “Congo Portuguez” mas que, em 1909, se localiza
já em “Portimão”. Transcrevo:
(No centenário do poeta)
Se os vermes o teu corpo a pó já reduziram,
esse acto trivial não me enche de pavor!
Tuas cinzas de luz aos astros já subiram,
vibrantes e immortaes, nas azas do condor!
D'entre os vastos lauréis vindos das multidões,
reserva-se um altar á gloria genial: Ao sublime cantor do sublime Camões
saúda a débil voz do velho Portugal.
Na lusa patria nossa eu ouso erguer um brado,
um brado esperançoso e repleto de fé:
– Tomae, ó mocidade, o exemplo assignalado
do grande portuguez: – do immortal Garrett!
Marcos Algarve (Congo Portuguez), 1900/342.
Marcos Algarve (talvez pseudónimo, incluindo um topónimo em
homenagem à terra natal), era um poetastro neorromântico insignificante, que parece nesses versos influenciado por Mendes Leal –
exceto, talvez, no que diz respeito à métrica. Mas, por isso mesmo, constitui um indício de como estava a mentalidade literária vulgar
naqueles tempos. A escolha estrófica por ele feita é sobre o único tipo a
surgir ao longo de todo o corpus com a mesma constância: a estrofe de quatro versos.
No poema se refere o condor, que tem a missão de levar as cinzas
luminosas de Garrett para o céu. Trata-se de um pássaro da América do Sul (a palavra tem de resto origem sul-americana e chega ao português
pelo castelhano). O termo remete, literariamente, para o condoreirismo
que, mais ou menos entre 1850 e 1870, inflamou a poesia brasileira com uma retórica de cariz político e social muito empolada, sendo
Castro Alves o mais conhecido poeta dessa ‘escola’ (ao mesmo tempo
que poeta muito popular em Portugal e nas suas então colónias – Costa
Alegre, por exemplo, ainda o cita e glosa no mais famoso dos seus
poemas). O que é sintomático é um português residente em Angola
pegar num poeta e numa ‘escola’ do Brasil para escrever um poema
nacionalista, vincadamente português e neo-garrettiano.
O único livro referido é o Camões. A presença do título visa, sem dúvida, conotar ainda mais Camões e Garrett e, portanto, sublinhar o exemplo nacionalista do segundo. Mas é também curioso que seja este o
livro referido. A sua primeira edição circulou em Benguela por volta do
meio do século XIX pelo menos (aparece num espólio de 1855).
Intitulava-se Camões: poema. Veio a público em 1825, sendo um dos
primeiros marcos do romantismo português (ainda frágil). Camões é daquelas obras em que a influência de Rousseau, Chateaubriand e
Lamartine mais se faz sentir no autor. O que portanto recorda Marcos
Algarve é um livro dos primórdios do romantismo português,
influenciado por românticos moderados como Chateaubriand, pelo repescado Rousseau e por Lamartine – por sua vez influenciado por
Chateaubriand, Horácio e Virgílio e que influenciou ainda Camilo Castelo Branco, frequentando a progressista biblioteca de Antero de
Quental. Justamente Lamartine é uma das autorias que marca a poesia
de Castro Alves, o astro mais elevado do condoreirismo brasileiro. Os
brasileiros traduziram-no em 1843 e em 1846, pelo menos; é provável
que Maia Ferreira tenha lido, mesmo levado para Angola, uma dessas
traduções. O “episódio” Jocelyn, de Lamartine, é mencionado também num espólio benguelense de 1856. Talvez por influência francesa, ou
por antitética influência realista, a homenagem a Garrett é feita em
versos dodecassílabos – metro que, julgo, não mereceu nenhuma
atenção da parte do homenageado.
Último exemplar da antologia, este poema de Marcos Algarve (que ainda
assina mais colaborações nos anos seguintes) é típico da época por
várias razões, especialmente pelo nacionalismo português que se seguiu
ao ultimatum e pelo neo-garrettismo. No entanto este nacionalismo está marcado, como vimos, pelo condoreirismo brasileiro, o que o torna mais
tropical.
Regressando aos aspetos formais, que são o eixo da nossa investigação,
face a esse corpus e à tradição lírica lusófona parece-me correta uma
primeira divisão das estrofes de quatro versos em dois grandes grupos.
as quadras do corpus
À estrofe típica do primeiro desses grupos vou dar o nome de quadra, lembrando-me de que ela vem de uma tradição popular, ou nessa
tradição se mantém com mais vigor. Amorim de Carvalho diz que “a
quadra tornou-se facilmente a estrofe predileta da poesia popular, em
heptassílabos, que são também os versos prediletos dessa poesia”
(Carvalho, 1987 p. 39). O autor esqueceu-se de acrescentar o pentassílabo. Embora não seja o metro predominante na quadra
popular portuguesa, o pentassílabo é o único nela utilizado para além
do heptassílabo. Do mesmo modo, não relacionou esses metros com um
esquema rimático predominante, havendo condições para o fazer.
Na quadra utilizam-se os heptassílabos e os pentassílabos,
predominando a distribuição de uma só rima, cruzada nos versos pares
([*A*A]). Bilac e Passos dizem que essa é a predominância entre os
“poetas populares” (Bilac, Olavo e Passos, Guimarães, sd). Entre nós o primeiro exemplo surge logo em 1856 (p.233), no poema, já referido
acima, de João Augusto de Souza.
Quadra e quadra popular
Muitas vezes se confunde quadra e quadra popular. No entanto, elas
são distintas. A de que falamos aqui é definida pela métrica e pela rima
e, dentro dela, a chamada quadra popular — que não aparece no nosso
corpus — ocupa um lugar especial em função da estrutura analógica.
De facto, a quadra popular se define também por possuir claramente
duas partes: a primeira — em geral correspondendo aos dois primeiros
versos — codifica o que a segunda vai descodificar (quase sempre
através de comparação ou imagem), como no exemplo, brasileiro:
Atirei um limão ao rio,
De tão verde foi ao fundo: O povo acordou dizendo
Viva D. Pedro Segundo.
Descodificação para os menos informados: D. Pedro II foi entronizado
novo, pelo que é comparado ao limão verde.
Além do atrás dito, a quadra popular constitui, regularmente, uma totalidade própria, isolada. Melhor dizendo: cada quadra popular é um
poema, tal como cada soneto. Basta-se a si mesma. Ora, no nosso
corpus, o leitor não poderá ler nenhuma quadra nessas condições. Só
métrica e rimaticamente as estrofes encontradas são iguais à maioria
das quadras populares.
Número de quadras e sua distribuição
No nosso caso também não há quadras pentassilábicas, embora em
outras páginas da literatura angolana do século XIX as houvesse, mesmo que em número relativamente reduzido. Por exemplo José da
Silva Maia Ferreira fecha com duas quadras pentassilábicas o longo
poema «Revelação de um sonho», escrito no Rio de Janeiro a 18-1-1849;
preenche com o mesmo tipo de quadras a maior parte do poema
«Benguelinha!»; usa-o para fecho do poema «Ainda a ela!», em duas
estrofes; na 3.ª e última parte do poema-romance «D. Beatriz», em três
quadras (Maia Ferreira, 2002 pp. 36, 101-102, 112, 117); e recorreu aos
pentassílabos mais vezes em diferentes tipos estróficos (quintilhas,
sextilhas, oitavas – sobretudo). Urbano de Castro usou muito quadras pentassilábicas e pentassílabos. Cordeiro da Matta algumas vezes em
Delírios recorre também ao mesmo tipo estrófico.
A quadra se resume portanto, no corpus, à estrofe de quatro versos heptassilábicos, de que encontramos 33 ocorrências, num total de 64
para todas as estrofes de quatro versos.
Quanto à rima, durante a primeira fase (1856-1877) predomina a
distribuição de uma rima (três ocorrências) em vez de duas (duas
ocorrências) e, na segunda fase (1878-1900), a distribuição de duas
rimas (18 ocorrências) em vez de uma (11), como também a de rima
cruzada (4 ocorrências na primeira fase e 26 na segunda), aparecendo apenas seis vezes (1 na primeira fase e as restantes na segunda) a rima
ABBA e, uma vez (1890/375), uma distribuição que é uma espécie de quadra coxa, para a qual não encontro correspondente, nem no corpus, nem nos poetas de referência, nem nos tratadistas: [AA*A]. Portanto: a segunda fase (aquela em predominam as colaborações angolenses) inverte as estatísticas da primeira e, no que diz respeito à distribuição
rimática, as da poesia portuguesa de referência.
A distribuição com duas rimas cruzadas, [ABAB], era adjetivada por
Bilac e Passos como própria dos “metrificadores escrupulosos” (Bilac,
Olavo e Passos, Guimarães, sd). No nosso corpus ela surge pela primeira vez numa composição de M. da C. (1873/212):
Ao meu presado collega e amigo, o exmº sr. doutor Alexandre
Meyrelles de Tavora do Canto e Castro7, dignissimo procurador da
corôa e fazenda junto à Relação de Loanda.
Ouvi a um padre d'aldeia
no templo onde diz missa:
«Que vale ahi a justiça «só reina a immoralidade,
«que para o mal persuade?
«Esta é tão torpe e tão feia
«inimiga dos humanos,
«que os lança em erros insanos,
«e a cada passo um abysmo
«lhes cava com vil cynismo!
«Por habito a torpe e rude «as leis mais santas illude!
«E aquella deusa sublime,
«orac'lo d'alta sciencia,
«protege a pura innocencia,
«e dotes moraes lh'imprime.
«A bem do justo s'exprime, «do rico o mal não encobre,
«não se transvia na senda,
«é defensora do bem;
«é sua missão tremenda, «pois traz espada e traz venda,
«por não ver rico nem pobre,
«nem ser madrasta a ninguem.
«Amai, ó filhos queridos,
«este presente dos céos, «fugi dos homens perdidos,
«e orae por todos a Deus, «que nisto certo s'encerra
«a lei do Senhor na terra.
Assim prégara no templo
o nobre padre que eu sei.
7 Alexandre Bento Meirelles de Távora do Canto e Castro nasceu nos Açores (Angra do Heroísmo) em 10-03-1827 e morreu em Lisboa a 11-11-1896. Fez a biografia do Marquês de Sá da Bandeira. Em 7.9.1871 ascendeu a Comendador da Ordem de N.ª Sr.ª da Conceição de Vila Viçosa.
Tomai do padre o exemplo,
ministros que sois da lei;
fugi de putridos lôdos,
que é vossa nobre missão,
justiça fazei a todos,
quer sejam ricos, quer não;
da immoralidade feia jámais se diga campeia.
Justiça, deusa sublime,
orac'lo d'alta sciencia,
não só castigas o crime,
também salvas a innocencia.
M. da C., Loanda, 1873/212.
Do autor não consegui encontrar nenhum seguro indício. Poderá ser o
Dr. Moreira da Câmara, que no nº 22 do Cruzeiro do Sul, em Luanda, dedica um poema (datado de “5-Março-1873”) a João Osmundo
Toulson, nesse ano falecido e creio que pai de João Eusébio da Cruz
Toulson, figura de destaque na sociedade da época, autor de um dos
primeiros poemas angolenses (senão mesmo o primeiro) de convívio
linguístico entre o português e o quimbundo.
A estrofe integra-se num conjunto poemático irregular, aparecendo a
quadra só no final. Em verdade vinha não se estranha o seu surgimento
porque as duas estrofes anteriores estão baseadas, em boa parte, em
quadras heptassilábicas: a sextilha tem o esquema ABABCC e a décima o esquema ABABCDCDEE. Mas o conjunto do poema é fraco. Força pelo
menos três versos, não parece resultar de qualquer sensibilidade ao jogo de entoações ascendentes e descendentes e o seu conteúdo é
caraterístico dos defeitos da época: previsível, banalizado, visando
elogiar um bem colocado Procurador da Coroa a quem se dedica. Retoricamente começa por pedir auxílio a um padre d’aldeia que disse
não haver justiça por aí; incita os agentes dela a serem justos (o que
pressupõe a necessidade disso) e reafirma que, “não só castigas o crime
/ também salvas a innocência”. Ámen.
Mas esta é a única vez em que surge uma quadra com duas rimas cruzadas durante toda a primeira metade do período estudado, pois
nessa primeira metade predominam as quadras de uma rima cruzada (3 ocorrências) face às de duas rimas (2 ocorrências), cruzadas (1
ocorrência) ou emparelhadas e interpoladas (1 ocorrência também).
Todas as outras ocorrências se dão na segunda metade, mais
precisamente a partir de 1879.
A distribuição [ABAB], como já vimos valorizada por Bilac e Passos, é a
aconselhada por Castilho no Tratado de metrificação. O preceito suplementar que se propõe é o de que os versos ímpares de cada estrofe
rimem “em grave”, e os pares “em agudo”, o que nem sempre sucede no
corpus, mas também não é preceito de “obrigação rigorosa, como é para os francezes e na nossa lingua seria isso muito mais difficil” (Castilho,
1874 p. 144). Neste poema justiceiro também não se cumpre a regra,
embora se cumpra nos quatro versos da sextilha e nos versos 5 a 8 da
décima.
A predominância da distribuição com duas rimas cruzadas,
recomendada por Castilho, afasta-se da quadra popular mais comum,
mas o fraco número de ocorrências do esquema [ABBA] demonstra que
algo permaneceu da distribuição típica da quadra popular na
esmagadora maioria das quadras do corpus que dela se afastaram neste aspeto. Essa “alguma coisa” é o facto de, em qualquer dos dois tipos mais comuns, o sistema “cruzar” os versos (ou os que não rimam com
os que rimam, ou os de rima [A] com os de rima [B]).
Dado ser o tipo estrófico predominante na tradição lírica portuguesa e no ultrarromantismo brasileiro, não posso asseverar que se deva a sua presença exclusivamente ao conselho de Castilho, muito menos à
posterior louvação de Bilac e Passos, pois o mais natural é ter ele sido
apadrinhado por inércia e contaminação. Por esse mesmo motivo, não
vale a pena elencar aqui o conjunto de poetas que, na época,
praticaram tal tipo estrófico – embora, para a maioria das obras de referência, o trabalho tenha sido feito, servindo para confirmar o quanto
era comum o tipo.
O segundo esquema mais comum (*A*A) surge logo no já citado poema
de João Augusto de Sousa (1856/233). A sua última ocorrência dá-se
numa composição («Casa farta») de Jorge de Lucena (1900/168), autor de que lemos quatro, entre 1894 e 1900 – portanto caraterístico do fim
do período. É o seguinte o poema:
Conheço certo avarento com fama na visinhança de faltar ao seu casal com a precisa pitança. Estranhei-lhe o proceder
a vêr se lh'o corrigia, mas o sovina maldito d'esta fórma respondia: “Dar ouvidos à calumnia é motivo de censura, em minha casa acredite em todos reina a fartura. Eu, a consorte, e pequenos todos bem fartos andamos ella de mim, e eu d'ella, e até os servos dos amos. Os rapazes 'stão ha muito fartos do progenitor, minha sogra inda ontem disse – 'Stou bem farta do senhor! .................................. Veja lá quanto é injusta a fama que me malsina; No meu lar reina a fartura, e eu nunca fui sovina. Jorge de Lucena (Angola), 1900/168.
Crítica de sabor vicentino à figura popular do avarento, é a penúltima
composição do corpus. Dos restantes poemas do autor aí, o mais próximo temporalmente é também uma ironia sobre a avareza, que teria
vitimado Camões. Os outros dois são um «Necrológio» a uma amada que entretanto falecera e um poema dedicado a Eduardo Neves. Este segue
na linha dos sonetos bilingues de Eduardo Neves e retrata uma cena cultural e social típica de Angola, terminando com a expressão
nanguibeta naguizola e a respetiva explicação.
O esquema distributivo aparece nas Espontaneidades de Maia Ferreira. Por exemplo numa quadra heptassilábica isolada, na parte II do poema
«Uma noite de Natal», publicado inicialmente quando Maia Ferreira
ainda vivia no Brasil, na Lizia poética, em 1848 (no entanto, o efeito de rima branca é moderado, aí, pela coincidência vocálica ao nível das
vogais tónicas, ambas ‘a’ aberto, seguidas por uma sílaba átona onde
coincide o ‘o’ fechado) (Maia Ferreira, 2002 p. 41); reaparece em duas quadras do longo poema «A ela», fechando cada uma das suas secções
(com rima aguda na primeira, grave e aguda na segunda), localizando-se o poeta no Rio de Janeiro em 22-2-1849 (Maia Ferreira, 2002 p. 49);
domina completamente «O batel», com todas as dez quadras
(heptassilábicas) constituindo rima aguda exceto a nona (Maia Ferreira,
2002 pp. 83-84); regula a totalidade das estrofes do poema «Tenho fé»
(Maia Ferreira, 2002 p. 104), com versos heptassilábicos e rimas agudas
(todas em –ar); ocupa todas menos a última estrofe do poema seguinte
nas Espontaneidades, «A minha flor!» (Maia Ferreira, 2002 pp. 105-107), encimado por uma epígrafe de “Mme. Émile Girardin”8 (“Ah! Tu ne saurais m’oublier”); fecha o poema «Ainda a ela!» (Maia Ferreira, 2002 p.
112), encimado por uma epígrafe de Bocage (uma quadra também *A*A,
com rima aguda)9 em duas quadras heptassilábicas (de rima grave)
seguidas por outras duas pentassilábicas (de rima aguda). Continua-se
logo em seguida a mesma distribuição no romance «D.ª Beatriz» (Maia
Ferreira, 2002 pp. 113-117), encimado por uma epígrafe de Castilho e
praticado em quadras heptassilábicas, exceto a última, com cinco
sílabas (e outras que serão tratadas nos quartetos); passa depois para
as quadras de «Já não tenho fé» (Maia Ferreira, 2002 p. 134), onde os heptassílabos suscitam uma intertextualização garrettiana (“E depois
que as asas brancas / Este anjo desprendeu”), colocado no álbum de uma “excelentíssima senhora” de apelido Cravela, adúltera apaixonada
que teve um caso conhecido com o médico e bibliófilo Joaquim Vieira de
Carvalho (residente em Benguela) e, postula-se, com o próprio Maia
Ferreira (Maia Ferreira, 2002 p. 9). Finalmente vai-se embora do livro.
Mas reaparece nos poemas de Cordeiro da Matta inseridos em Delírios muitos anos depois, atestando mais uma vez a sua popularidade
angolense. Nomeadamente em «Rosalinda: imitação anacreôntica»,
poema da série “dos meus nonsenses”, escrito em Luanda em 1875, sobre pentassílabos; outro poema da mesma série, feito sobre
tetrassílabos (verso que só quase o poeta explorava entre nós, para além de algumas raras experiências de Maia Ferreira), escrito em 1876 em
Luanda, com a mesma distribuição rimática, é «Tudo a ti devo…». Numa longa composição, do mesmo ano ainda (1876), «Dois estudantes»,
reaparece o modelo, com heptassílabos e dedicado a Carlos Augusto da
Silva Júnior – acaso o mesmo “vigário do culto divino” referido sem
júnior no Boletim oficial (Angola. Governo-geral, 1874 p. 135) e que alugara uma “casa de sobrado na rua Salvador Correa” (Angola.
Governo-geral, 1874 p. 465)10; também para o mesmo ano o esquema se
8 1804-1855. Estava popularizada por citações de frases suas, ditos de espírito, ainda hoje muito frequentados na Internet.
9 Aí Bocage se dirige à sua musa, Armia, cujo nome evoca a musa de Maia Ferreira referida justamente neste poema, Arminda.
10 No n.º seguinte (03-10-1874) anuncia-se que a casa de um homónimo (também sem júnior) ficava na “praça do Bressane em frente d’alfandega” e que o mesmo vendia “estampilhas” (p. 477).
repete, com heptassílabos, n’«A orfãzinha», escrita em Luanda; num
poema atípico desse ano, «Um vão receio», o tipo surge na primeira e na
última estrofes (a abrir e a fechar), em versos hexassílabos (exceto o
primeiro da última estrofe, que é heptassílabo – mas talvez um “me”
esteja ali a mais); surge depois numa composição de 1878, escrita em
Luanda, chamada «Loucura»; ressurge em «Nunca amei», mas também
com hexassílabos, igualmente escritos em Luanda em 1878; torna a voltar dois anos mais tarde, no poema «Ao sol do Cuanza», escrito já na
“Barra”, com heptassílabos; em «O bêbedo e a missa» repete-se o
esquema, com heptassílabos (e o poema vem datado de 1881 na “Barra
do Cuanza”), tal como na primeira secção do famoso poema «Negra!»,
publicado no Almanach para 1884; aparece, disfarçado por um conjunto enganador (a primeira estrofe), no poema «O que seria o meu
culto…», de 1881, também e ainda com heptassílabos; depois reaparece
no Almanach para 1886, no poema «A criança no berço», mas alicerçado em hexassílabos; surge na secção IV do poema «A um analfabeto», escrito no Tombo a 23-11-1881 – mas numa quadra isolada, atípica,
com trissílabos apenas e explicável em função do conjunto; ressurge, em 1883, no poema «Bem sei», localizado na “Barra”; com função de
mote aparece também, isoladamente, no poema «Porquê?!...», localizado
na “Barra” mas no ano seguinte, e no poema «Desilusão» (que se insere
na linha de desilusão com o amor feminino), datado de 1886; em «A
fisionomia» o esquema domina toda a composição, jogando rimas sobre heptassílabos de 1885. Na secção do livro intitulada «Quadras e
sextilhas» aparece nas quadras «Epigrama» (Barra do Cuanza, 17-06-
1881, versos heptassilábicos), «Epigrama» (homónima da anterior,
Tombo, Novembro de 1881, heptassílabos), «A alma dos poetas (Luanda, 1877, com 3 versos heptassilábicos e um verso hexassilábico). Na
secção «Lágrimas» aparece na primeira e na terceira (última) partes do
poema «À memória de José de Fontes Pereira Júnior / (assassinado em
23 de Agosto de 1875)», com epígrafe de José de Melo e data de 1875,
sobre versos hexa- e heptassilábicos; aparece também no seguinte, escrito em heptassílabos, em 1881, na “Barra do Cuanza”; a mesma
fórmula se repete por inteiro em outro epitáfio, «Ao passamento de uma
menina falecida em Luanda em Fevereiro de 1881», escrito na “Barra”
nesse mesmo ano.
Portanto, esta solução estrófica teve, apesar de minoritária nas
colaborações do Almanach, um lugar importante na poesia dos dois nomes principais da nossa poesia novecentista, José da Silva Maia
Ferreira e Joaquim Dias Cordeiro da Matta – tanto quanto a sua rival de versos com duas rimas cruzadas. Provavelmente ambos os esquemas
rimáticos, associados em geral ao verso heptassilábico, alternavam na
preferência dos autores da época – diferenciando-se nisso da quadra
popular portuguesa.
Os esquemas rimáticos até aqui referidos para a quadra, apenas com a
exceção já de início indicada (1890/375), estão descritos no Tratado de metrificação (Castilho, 1874 p. 132), bem como na Teoria geral da versificação (Carvalho, 1987 pp. 38, 298), a par de outras distribuições que não foram seguidas pelos nossos poetas nos poemas estudados.
Uma delas, [AAAB/CCCB], surge nas Espontaneidades de José da Silva Maia Ferreira (Maia Ferreira, 2002 pp. 72-74). Tal esquema é também
seguido na «Canção» escrita por Cordeiro da Matta em Luanda, em
1879, publicada em Delírios. Ela aparece ainda na segunda secção de um poema (formalmente, um poema romântico típico) escrito em
Luanda em 1877 por Cordeiro da Matta e incluído nos Delírios. Mas é uma distribuição típica das oitavas, não das quadras; o jogo de rimas forma uma oitava e é reforçado pela colocação dos versos B em agudo –
seguida absolutamente por Maia Ferreira. De qualquer modo fica feita uma primeira aproximação.
Essa distribuição parece derivar da sextilha (onde é muito comum a
rima AABCCB) – ou a da sextilha deriva dela. No caso específico de «O
século XIX» (poema de Cordeiro da Matta onde figura na segunda secção) temos isso bem ilustrado. Ela pode ser aí, também, o resultado
de uma pressão interna, visto que no resto do poema temos estrofes de
seis versos com o esquema AABCCB. O esquema AAAB das quadras da
secção do meio, para além de instaurar uma simetria pela variação
métrica (antes e depois dele vemos repetirem-se sextilhas), parece um prolongamento, portanto, do esquema das sextilhas, que de forma geral
aí respeitam igualmente a regra de pontuar o final do 3.º verso.
Apesar de não aparecer no corpus deve, pelas ocorrências angolenses citadas e não citadas, levar-se em conta numa futura súmula da arte poética do século XIX no país. A sua presença resultará do magistério
de Castilho, que diz ter procurado e conseguido introduzi-la “entre os
contemporâneos” (Castilho, 1874 pp. 132-133). No Brasil também não foi desconhecida. Fagundes Varela, por exemplo, praticou-a no «Canto
do sertanejo», incluído em O estandarte auriverde, de 1863 (Varela, 2000;2002 pp. 33-34); no poema «Napoleão», que abre as Vozes da América, de 1864 (Varela, 2000;2002 pp. 3-6); na segunda secção do poema «Juvenília» e no poema «No ermo» (em estrofes compostas:
oitavas), ambos de Cantos e fantasias, de 1865 (Varela, 2000;2002 pp. 42-43; 62-64).
O facto de haver outras distribuições, entre os poetas de referência, que
não foram seguidas, indicia uma prática inserida num leque de opções
mais vasto, que era o dos preceitos românticos e ultrarromânticos
vigentes em Portugal e Brasil.
Os quartetos do corpus
No segundo tipo de estrofe de quatro versos que inicialmente referi,
também comum nos textos estudados (mas cujo primeiro exemplo surge
mais tarde, em 1863), outras espécies métricas estruturam os versos,
interligadas por várias distribuições rimáticas. A este último tipo
chamarei, para o distinguir da quadra, quarteto. Bilac e Passos parece
terem pensado mais ou menos o mesmo no seu Tratado de versificação, pois sempre que referem quartetos eles possuem versos com dez sílabas
métricas (Bilac, Olavo e Passos, Guimarães, sd).
Também no corpus, entre os quartetos, predomina claramente o verso decassilábico (2 ocorrências entre 1863 e 1877 e 15 entre 1878 e 1893 –
o último ano em que aparece). Tal predominância torna-se concordante
com os elogios feitos por Castilho ao decassílabo, comparando o seu uso
entre os portugueses ao uso do hexâmetro entre os clássicos gregos e latinos e ao uso do alexandrino entre os franceses (Castilho, 1874 pp.
45-46, 50ss). No que me parece estar certo.
os quartetos decassilábicos
Os quartetos em decassílabos detetados encontram-se,
predominantemente, como disse, nos números para os anos de 1878 a 1893, portanto, na segunda metade do período. Isso de resto acontece
com todos os outros tipos de quartetos (excetuando os eneassilábicos, com uma só ocorrência em cada metade) e, como vimos, com as
quadras de duas rimas cruzadas.
Há quatro únicos exemplos de quartetos publicados em números
anteriores à edição para o ano de 1878, um dos quais será só
comentado adiante, quando me referir aos quartetos de versos
compostos.
Dos restantes três, um saiu no anuário para 1877 («A cruz do outeiro»):
Ei-la solitaria, erguida na cumiada do outeiro,
de musgo toda vestida pelo tempo enegrecida,
ponto certo ao pegureiro.
No escabello carcomido
vae o pastor descansar;
e se a ovelha se extravia
uma prece a Deus envia
no chão, prostrado a orar.
Quando além pr'a azinhaga
o povo passando vae,
o velho diz á mais gente:
– eis a Cruz do Omnipotente
curvae-vos todos, curvae!
Já séculos são passados
que o christianismo te ergueu e d'ahi viste o crescente
que lá surgio do Oriente, que baqueou, e tremeu!
Viste a barbara invasão
por teus filhos dispersada;
e quando arrogante entrou nem ao menos abalou
o solo que te escudava!
Bem dito sejas pois, padrão sagrado, symbolo de perdão, de paz e amor;
em ti, encontra alivio o desgraçado,
ó Cruz do Redemptor!!
Narciso José Nogueira Braga (Zaire – Africa), 1877/359.
Publicado por um poeta insignificante no corpus, Narciso José Nogueira Braga11, fechando uma composição estruturada em quintilhas, trata-se de um quarteto assintomático, sustentado sobre decassílabos ligados
por duas rimas cruzadas.
11 Nada consegui saber dele. Há um homónimo brasileiro, comendador, que foi compadre de Rui Barbosa (uma sua filha casou com um filho do famoso político brasileiro). O seu nome vem referenciado em vários documentos das quatro primeiras décadas do sec. XX. Narciso é também referido, no motor de pesquisa Google, como lugar no Concelho de Braga.
Outro quarteto surge numa composição (1866/191) que é um plágio de
outra de João d'Aboim, o amigo de Maia Ferreira de quem este glosaria,
significativamente, o mesmo poema (Maia Ferreira, 2002 p. 30),
imitando-lhe a métrica (bipentassílabos), repetindo-lhe a distribuição
rimática, a rima em [-ar] e, naturalmente, a estrutura de diálage – que
ainda Cordeiro da Matta vem glosar num poema escrito em Luanda em
1877.
Finalmente, sobressai um exemplar (1864/116) construído sobre
quartetos decassilábicos, de João Cândido Furtado de Mendonça
d'Antas, que localiza a sua criação em Luanda. Este é, sem dúvida, o
exemplo mais importante do primeiro período. Ilustra-o uma imitação
feita por Álvaro Paes, que é datada já de 1876. Segundo Salvato Trigo,
Álvaro Paes publicou quatro poemas no Jornal de Loanda, datados de 1876, 1878, 1879 e 1880 (Trigo, 1977 p. 42). O primeiro, «A uma africana», é o que imita «No álbum de uma africana», de Cândido
Furtado (1864/116).
Ainda faz uma outra versão desses quartetos do poeta do Lima no
Almanach para o ano de 1881, ao repetir o motivo principal e a imagem da forma do corpo feminino oculta sob o véu subtil da cor, bem como a
do jaspe incrustando o branco da pele. As diferenças são formais: os quartetos de uma rima cruzada passam a quadras de duas rimas
cruzadas. Esse poema de Álvaro Paes recorda ainda, pelo título, métrica
e distribuição rimática, a composição «Africana – sonho oriental», de
Guilherme Braga, vinda a lume n'A grinalda, onde colaborava Cândido Furtado. Mas tudo o resto é diferente: o conteúdo referencial e
ideológico, a relação enunciativa entre autor textual e mulher africana (terceira pessoa em Guilherme Braga e segunda em Álvaro Paes e
Cândido Furtado).
Álvaro Paes publicou uma outra composição que denuncia a sua filiação ultrarromântica. Chama-se «Necrológio», pode ser lido no
Almanach para 1882 e recorda-nos um outro, homónimo, por igual satírico, escrito por Faustino Xavier de Novaes (Novaes, 1858), onde surgem também quadras heptassilábicas com duas rimas cruzadas. Só
a personagem retratada diverge: enquanto aqui se encena o caráter de
um “patife”, Novaes apresenta a máscara de um “tonto”.
A imitação de Álvaro Paes apenas reafirma a importância do poema de Cândido Furtado, fundador para a lírica angolana do século XIX. O
texto inicia, também no Almanach, uma série diferenciadora da lírica de então, por nela constituir motivo predominante, não somente a mulher
angolana, mas a mulher negra ou de sangue negro. Daí dar-lhe uma
atenção especial.
Alba ligustra cadunt, vaccinia nigra leguntur N...
Qu'importa a côr, se as graças, se a candura, se as fórmas divinaes do corpo teu
se escondem, se adivinhão, se apercebem
sob esse tão subtil, ligeiro véu?
Qu'importa a côr se o ceptro da belleza
co'o mesmo enleio e brilho nos seduz?
e se o facho d'amor reflecte e esparge
ou no jaspe, ou no ébano, egual luz?
É menos bella, acaso, a violeta
porque o céu lhe não deu nevada côr? Não é gentil a escura pionía,
ou do verde lilaz a rôxa flôr?
Não tem encantos mil a noute escura,
não deleita então mais o rouxinol? Não serão do crepúsc'lo as sombras pálidas
mais bellas do que a luz d'ardente sol?
Não vive o alvo lyrio um dia apenas, e praso egual a candida cecem,
em quanto que nas balsas a saudade de cada vez mais viço e vida tem?
........................................................
........................................................
Qu'importa a côr se as graças, se a candura,
se as fórmas divinaes do corpo teu
se escondem, se adivinhão, se apercebem sob esse tão sutil, ligeiro véu?
J. Cândido Furtado (Loanda), 1864/116.
Como se pode ver, é constituído por quartetos com uma rima cruzada,
nos versos pares, em agudo, sendo os decassílabos heroicos. Tem um
ritmo vivo, uma boa articulação entre métrica, ritmo e sintaxe e é talvez
das melhores composições de Cândido Furtado ali publicadas. O
mesmo tipo de composição usava, por exemplo, Álvares de Azevedo,
poeta da segunda geração romântica brasileira (também muitas vezes
chamada ultrarromântica) e cujo primeiro livro (o vol. I das Poesias) sai em 1853, um ano após a sua morte mas a tempo de ser lido em Angola
ou Portugal por Cândido Furtado e outros (Azevedo, 2000). Era, no entanto, um tipo comum, que juntava os quartetos à distribuição
dominante nas quadras e constitui a segunda distribuição mais comum
no segundo período estudado. Maia Ferreira, que não recorreu muito ao
decassílabo em quartetos, nem a esta distribuição em quartetos
decassilábicos, escreveu uma estrofe com estas caraterísticas no poema
dedicado a D.ª Maria II, colocado já no final das Espontaneidades e sem
obrigação de agudos (Maia Ferreira, 2002 p. 144).
Quanto ao conteúdo, o poema de Cândido Furtado foi e pode voltar a ser vítima das mesmas leituras anacrónicas que tanto se apressaram a
condenar Maia Ferreira por falta de nacionalismo ou de angolanidade. No caso, acusa-se Cândido Furtado de ter por mote a ideia de que,
apesar de negra, a mulher negra era bela. Acho que isso é uma
tresleitura mais.
O que temos ali é o diálogo com “uma africana”, feito no álbum dela. Não devemos ler os poemas ignorando as situações enunciativas – a
fictícia, explícita, e a real. Em função da situação típica (o poeta
escrevendo no álbum de uma dama, que naturalmente vai elogiar)
estranho seria que o autor dissesse à sua elogiada senhora: és negra
mas, vá lá, apesar disso és bonita! É bem mais possível que essa
africana se lastimasse por ser negra, ou por serem as negras vítimas de preconceito e subestimadas em função da cor. O poeta responde ao
preconceito no álbum, quem sabe continuando uma conversa prévia dos dois. E então vai mostrando que, seja sobre a pele negra, seja sobre
a pele branca, o amor e a beleza se manifestam igualmente: “ou no
jaspe, ou no ébano, egual luz”. Em nenhum momento se aceita, nomeia
ou mesmo reclama a inferioridade da mulher negra.
Os três últimos versos da primeira estrofe podem ser vítimas de objeção
também:
se as fórmas divinaes do corpo teu
se escondem, se adivinhão, se apercebem sob esse tão subtil, ligeiro véu?
A objeção viria de se pressupor e aceitar que a cor negra esconde a
beleza. É preciso reparar melhor nessa passagem: as formas do corpo
da bela africana são “divinaes” e isso é colocado logo no início,
acautelando suscetibilidades; uma vez que ela é negra e essa cor é
associada à noite, à ausência de luz que esconde os objetos, o poeta
começa por aludir a tal qualidade, sem preconceito nenhum. Antes pelo
contrário, vai compondo uma gradação reveladora: “se escondem, se
adivinhão, se apercebem”, passando a pele a ser, platonicamente, o
“ligeiro véu” da forma ideal a que ela dá corpo. Como véu, aparentemente esconde para na realidade nos abrir a atenção e evitar a
evidência, que banalizaria a forma. O resto da composição apenas vai
reiterar a desmontagem do preconceito que, virado do avesso, ainda
levou leitores a dizerem que o poeta era preconceituoso.
Se confrontarmos esta leitura com a da epígrafe mais ainda se acentua
a beleza do poema. A epígrafe é da Égloga II, v. 18, de Virgílio – poeta
largamente frequentado por leitores portugueses, pernambucanos,
cariocas e angolenses. Parece um haiku e traduz-se assim: “as brancas alfenas caem, colhem-se as negras bagas”. A imagem é belíssima e
torna a brancura um véu que, descaindo, mostra as bagas negras – o
que no caso reforça a sensualidade do poema do Almanach. A ideia feita de que o branco é a cor da beleza torna-se neste contexto o véu que
esconde a beleza e proficuidade das bagas. E é de perguntar se “esse”
(“sob esse tão subtil, ligeiro véu”), no verso de Candido Furtado, se
refere a uma proximidade gramatical (a cor da pele) ou a um véu que a mulher elogiada vestisse e que fosse branco – possibilidade nada
incomum na Angola desse tempo – sob o qual se escondiam e,
finalmente, se apercebiam as negras bagas...
Podemos afirmar então que a presença significativa de quartetos é feita,
neste corpus angolense, na segunda metade do período considerado – predominando, na primeira metade, para as estrofes de quatro versos, a
quadra heptassilábica de uma só rima, cruzada.
Metricamente, o procedimento inicial é o que está mais próximo do
guião do Visconde. Castilho não refere, no Tratado de metrificação, as estrofes de quatro versos decassilábicos e apenas alude às quadras ao falar nos versos de sete sílabas. Também não faz, ao falar nos versos
decassilábicos, a distinção entre heroico e sáfico, chamando genericamente heroico ao verso de dez sílabas métricas e, descrevendo
as suas composições rítmicas possíveis, regista a dos decassílabos
sáficos sem lhes dar uma distinção que os isole (Castilho, 1874 pp. 45-46; 116). Já Bilac e Passos referem os heroicos, por este nome, que
numa passagem fazem equivaler ao próprio decassílabo (Bilac, Olavo e
Passos, Guimarães, sd). Amorim de Carvalho também não nos indica se
predominam geralmente, entre os versos de dez sílabas, os decassílabos heroicos (como no nosso caso, não só nos quartetos mas em todas as
composições com versos decassilábicos) sobre os sáficos.
A alternância entre decassílabos heroicos e sáficos poderia, pois, não
implicar a consciência da conotação de cada tipo, respetivamente, com um estilo grave e outro mais lírico. Por isso várias vezes encontramos,
nas composições estudadas, decassílabos heroicos e sáficos alternados
na mesma estrofe, independentemente do conteúdo desses versos e
dessas estrofes, ou de outras constantes que presidam à distribuição
métrica12. Isso parece confirmar que os poetas do corpus não distinguiriam, juntamente com o ritmo, um estilo mais propício a um
ou outro “tom”: ao tom épico o “decassílabo heroico”, conforme lhe
chama Amorim de Carvalho; e ao lírico o decassílabo sáfico, por isso
mesmo mais “musical”, na definição do mesmo tratadista (Carvalho, 1987 p. 47). Simplesmente usavam duas alternativas rítmicas para
praticar alternâncias no interior de estrofes, de resto, regulares.
Amorim de Carvalho não reporta qualquer predominância, no que diz
respeito à distribuição rimática, para os quartetos (Carvalho, 1987 p.
37ss), embora diga que, entre os românticos, teve muita popularidade o de rima encadeada (Carvalho, 1987 p. 39). É, precisamente, um tipo
que não encontrei nos poemas estudados – e aqui deparamos com uma
segunda diferenciação formal entre esta poesia e a sua referência
paradigmática.
De entre os quartetos decassilábicos, a distribuição rimática mais constante, embora com dominância fraca, vai para o esquema [ABAB]
na primeira fase (com quatro ocorrências contra duas de uma só rima cruzada e nenhuma para o esquema ABBA), enquanto na segunda fase
predomina, com mais escassa diferença ainda, a distribuição [*A*A],
com 12 ocorrências, face ao quarteto de duas rimas cruzadas (com 10 ocorrências) e ao de esquema ABBA (8 ocorrências). Este salto
comprova-nos a diversificação das práticas que foi acompanhando a
inflação dos versos, ao passarmos de antes para depois de 1878.
Mistura-se aqui, predominantemente, a distribuição rimática típica da
quadra popular com a distribuição métrica própria da poesia erudita, tal como, simetricamente, se misturara nas quadras a métrica própria
12 Cf., p. ex., 1878/375, 1884/66 (antepenúltimo verso), 1888/218, 1888/453, 1890/224, 1890/383, S1890/47, 1892/284, 1893/223 (terceiro verso).
das populares com a distribuição rimática dos “escrupulosos”. Isso é no
entanto comum nos poetas lusófonos da época, não nos dando portanto
caminho para farejarmos leituras específicas. Castro Alves, por
exemplo, pratica dois desses tipos de esquema em quartetos, nas
Espumas flutuantes, justamente *A*A e ABAB, fugindo à distribuição ABBA. Junqueira Freire recorre também muito a quadras e quartetos
com uma só rima, cruzada – v., por exemplo, «O jesuíta» (Freire, 1867
pp. 34-35).
quartetos decassilábicos de versos compostos
Ocorrem quatro vezes no corpus: uma na primeira fase considerada (1866/191), as restantes na segunda fase (1881/100, 1883/261 e
S1887/5513). Trata-se de quartetos escritos em bipentassílabos, os
únicos de versos compostos encontrados e um dos tipos métricos
dominantes nos quartetos de Maia Ferreira. Dessas quatro ocorrências,
porém, duas (1866/191 e 1883/261) resultam de uma imitação.
A única distribuição rimática é a de rima cruzada (três ocorrências para
estrofes de uma rima cruzada, sendo só uma delas na primeira fase, e
uma para estrofes de duas rimas cruzadas, na segunda metade do
período estudado).
A primeira ocorrência surge num poema já referido, que plagia outro do
poeta João d'Aboim, o tal que teria sido amigo de José da Silva Maia
Ferreira e de quem este glosa a mesma composição, como atrás disse. A
presença, nesse poema, desta espécie métrica parece resultar do plágio,
sendo pouco significativo o ‘autor’, de quem desconheço qualquer outra
colaboração, quer no Almanach, quer em jornais angolenses ou portugueses consultados – exceto uma possível “letra” de música
popular que remete ainda para a mesma estrutura de diálage, pois
intitula-se «Se eu fora».
A confirmar o pouco significado desta ocorrência está igualmente o facto de, na primeira metade do período por nós estudado, não se encontrar
mais nenhuma vez tal espécie estrófica, surgindo os outros quartetos
deste tipo entre 1881 e 1887.
Essas três outras ocorrências estão subscritas por Eduardo Neves
(1881/100), um poeta importante no corpus, por Augusto Maria Lilla (1883/261), um poeta menos importante que Eduardo Neves (e que também imita, ironizando sobre ele, o poema de João d'Aboim, ou o de
13 [S] indica neste caso tratar-se do Suplemento ao Almanach.
José da Silva Maia Ferreira) e por Augusto G. de Castro (S1887/55),
poeta sem significado no que pude ler da poesia angolense.
O poema de Eduardo Neves («Amor e vinho: disparate lyrico»), que se
inicia com uma citação de Faustino Xavier de Novais, apresenta uma
distribuição de duas rimas cruzadas – para além de lembrar as duas
primeiras composições do corpus pelo amor ao vinho:
No album de Julião Carlos de Oliveira Monteiro Torres Oh vinho!... licor formoso!
A ventura devo-a a ti.
(Faustino Xavier de Novaes).
Se á noite, meu anjo, na rua te vejo,
e fico instantes a olhar-te, absorto, assalta-me logo tão forte desejo
que só o apago com vinho do Porto!
Ao ver dos teus olhos os raios tão bellos
eu tremo com medo que o fogo me apanhe;
no peito me nascem frementes anhelos que só os esqueço no vinho champagne!
Dos lábios vermelhos um breve sorriso
me faz, n'um momento, d'amor delirante!
Mas ai... que ao vel-os eu perco o juízo, então só me lembra bom vinho Alicante!
Não sei o que sinto nos seios d'est'alma
ao ver tuas faces rosadas e bellas:
é ancia, e é febre, que só se me acalma
com trago e mais trago de vinho Bucellas!
Eu sinto-me preso d'um terno delirio ouvindo-te a falla sonora e fagueira;
mas logo que fallas eu sinto um martyrio e vou apaga-lo no vinho Madeira!
Se d'esse teu seio tão puro e nevado as formas áirosas eu vejo uma vez,
não posso, ao fita-las ficar socegado
sem dois, ou tres copos de vinho Xerez!
Se tu, por descuido, erguendo os vestidos,
o lindo pé mostras... de tal me não gabo...
quizera... quizera... mil vinhos sortidos,
que até não faltasse d'Ungria e do Cabo.
Eduardo Neves (Loanda), 1881/100.
A solução, claro, não é inédita no romantismo lusófono, mesmo a
solução formal. Gonçalves Dias, por exemplo, usa-a na segunda secção
do poema «A mendiga», incluído nos Primeiros cantos (Dias, 1847) – livro que recebeu a pública admiração de Alexandre Herculano. Inicia a
secção com quartetos bipentassilábicos (mas de uma só rima, cruzada),
sempre em agudos (e nos versos pares, claro). Em seguida a secção
prossegue com a mesma distribuição (perdendo-se a obrigatoriedade da
rima em agudos) mas com os versos pares em pentassílabos.
José da Silva Maia Ferreira parece avesso a essa distribuição rimática para os quartetos de bipentassílabos. Usa-a, mas dá-me impressão que
o faz casualmente, apenas duas vezes, num quarteto de um poema
dedicado a D. Fernando II e no poema seguinte (nas Espontaneidades), inserido no álbum do seu amigo A. P. da Costa Jubim, que julgo ter
sido brasileiro ou residente no Brasil, onde o poeta o veio a conhecer.
A própria poesia de Novais também não desconhece esta estrutura, o
que veremos dando alguma atenção ao poema de Augusto Maria Lilla
(«Que queres?»):
(Imitação)
A A.J.S.
Se eu fôra palhaço que com trouanices os povos, de riso, fizesse estourar,
a ti, meus amôres, a ti só daria
meu riso de mômo, meu rosto d'alvar.
Se eu fora trapeiro, de sacco e de gancho
que vae ao monturo farrapos pescar ai! com que alegria, trapinhos e tudo
a ti eu viria, louquinho, offertar!
Se eu fôra choméco da gente do tom
que lindos chapins soubesse arranjar
(não fazes idéa, não fazes, rolinha),
que chiques botinhas te havia de dar.
Se eu fôra de Vigo gallego chapado
que xó á bombinha xoubexe puxar
aos teus pés formosos, ó meu amorxinho
me viras chinguiços e trancas largar.
Mas... nem sou choméco, gallego ou palhaço,
nem mesmo trapeiro que vá gandaiar,
o que hei-de pois dar-te, diz luz dos meus olhos,
se nem pobres versos eu sei engendrar?
Augusto Maria Lilla (Casengo - Africa Occidental), 1883/261.
Ele coloca-nos um problema de fontes que entendo oportuno abordar,
não só para clarificarmos relações intertextuais como também para aferirmos o grau do significado da sua ocorrência no âmbito do objetivo
mais específico deste livro.
A imitação realizada por Augusto Maria Lilla poderia ter uma origem
diferente da representada por Valentim Augusto Monteiro da Silva (o plagiador de João d’Aboim) pela sua marca afetadamente irónica, que
as composições de João d'Aboim, Maia Ferreira e Monteiro da Silva
desconhecem. Uma vez que Faustino Xavier de Novaes publica, em
1885, o seu poema intitulado «Prégar no deserto!» (Novaes, 1855 p.
119), onde emprega a mesma estrutura retórica (e as mesmas figuras de estilo), e onde se refere aos que enriqueciam em Angola (Novaes, 1855
p. 120), recorrendo a um termo próximo do levantado por Lilla
(“labroste”, na ironia camiliana de Novaes; “labrego” na secura chã do
corpus), podíamos pensar que a imitação provinha do texto de Novaes, independentemente de poder ser a de Novaes tirada do livro de João d'Aboim ou do livro de Maia Ferreira. Bastava, para isso, que Novaes
tivesse antes publicado ou posto a circular o poema, visto que o de Lilla
sai no Almanach para 1883…
A biografia literária de Novaes podia reforçar a hipótese. Recordemos que Faustino Xavier de Novaes foi amigo de Ernesto Marecos, foi diretor
de O Bardo e o sátiro do ultrarromantismo, para a renovação do qual contribuiu também através da sua poesia, tecnicamente mais cuidada e
que introduz, para além da sátira, o uso frequente do soneto na escola do Visconde. São esclarecedoras as considerações que sobre ele e os
poetas d' O bardo estabelece João Gaspar Simões na já citada História da literatura portuguesa.
A composição de Faustino Xavier de Novaes é, porém, vertida em
quartetos de bipentassílabos de duas rimas cruzadas e graves, seguido
cada quarteto por uma quintilha heptassilábica. Na composição de
Augusto Maria Lilla só há quartetos, como nas de João d'Aboim, Maia Ferreira e Monteiro da Silva; tal como nesses poemas, também no de
Augusto Maria Lilla há só uma rima cruzada, sempre em [-ar] e sempre
feita com um verbo.
No poema de Faustino Xavier de Novaes a frase que exprime a condição
– e, no último quarteto, a frase que exprime a adversidade – pode
ocupar somente o primeiro verso de cada estrofe, ao passo que nas
composições do corpus essa frase ocupa sempre os dois primeiros versos, sendo reservados os outros dois para indicar o que se faria se a
condição estivesse preenchida – e, no caso do último quarteto, para indicar a consequência do não preenchimento das condições
enumeradas. O poema de Augusto Maria Lilla, mesmo que o seu autor conhecesse a composição de Xavier de Novaes, deriva formalmente da
série iniciada em João d'Aboim — e segue, por consequência, o percurso
tropical dessa estrutura literária, não o “metropolitano”.
Este tipo estrófico (de uma só rima, cruzada) não encontra menção particular em qualquer dos tratadistas consultados. No entanto, o
próprio Castilho, no terceiro volume das Excavações poéticas (Castilho, 1904 p. 15) e nas Estreias poético-musicaes (Castilho, 1907 p. 37), usa esse metro em quartetos com duas rimas cruzadas, como faz Eduardo Neves (1881/100), que, “illustrado” e “dedicado […] amigo” do
Almanach, certamente frequentava a obra do mentor.
Ainda nas Estreias poético-musicaes, o mestre do ultrarromantismo português estrutura quartetos com bipentassílabos, mas ligados por
duas rimas com distribuição ABBA (Castilho, 1907 p. 95). A joalharia sentimental de Soares de Passos utiliza também o bipentassílabo em
estrofes de quatro versos, por várias vezes, preferindo sempre as duas
rimas cruzadas como Eduardo Neves (Passos, 1984 pp. 67, 109, 144, 160, 183, 193, 222)14; a par das suas vinham as loas de João de Lemos,
que também só pautou nesse tipo de quarteto com duas rimas cruzadas (Lemos, 1858 pp. 175, 270; Lemos, 1859 p. 153; Lemos, 1866 pp. 140,
183). Alinhando pela mesma bitola vinha o “príncipe dos poetas
portugueses”, Luís Augusto Palmeirim, que nesse tempo roubou o trono
14 Esta edição da Lello é baseada na 9.ª, de Teófilo Braga (Porto: 1908).
a Camões com uma rima cruzada (Palmeirim, 1851 p. 25) e com duas
(Palmeirim, 1851 pp. 259, 265, 321, 387); em 1862, nos seus Versos, Bulhão Pato usou como os nossos poetas a distribuição *A*A em
quartetos bipentassilábicos, mas não lhe encontrei duas rimas cruzadas
(Pato, 2008).
Álvares de Azevedo, o ultrarromântico brasileiro, usa o bipentassílabo
com duas rimas cruzadas no poema «Anjos do mar», integrado na Lira dos vinte anos, por sua vez incluída no vol. I das Poesias saído (como disse, postumamente) em 1853 (Azevedo, sd p. 8). Junqueira Freire, fiel
à distribuição de uma rima cruzada, aplica-a sobre bipentassílabos no
poema «A devota», encimado por uma epígrafe de S. Tomás de Aquino
(Freire, 1867 pp. 104-107). Casimiro de Abreu, no poema «Segredos»,
utiliza também o mesmo tipo estrófico (Abreu, 2000; 2003 pp. 33-34).
Recorrendo a uma só rima cruzada, Castro Alves usa por duas vezes o
mesmo tipo estrófico nas Espumas flutuantes, que vieram a público em 1870, como se sabe (Alves, sd).
Quanto aos quartetos com decassílabos compostos com uma só rima cruzada, na lírica de Maia Ferreira é essa a distribuição rimática
preferida para tal tipo estrófico-métrico – portanto em coincidência com
os brasileiros (Maia Ferreira, 2002). Usa-a em 10 composições, em
alguns casos várias vezes ou mesmo estatuindo-as só sobre esse tipo.
A prática poética angolense não estava, pois, como se vê, distanciada
face à dos ultrarromânticos em Portugal ou no Brasil, mesmo quando
recorria a uma forma não prevista no Tratado de Castilho.
quartetos com outros tipos métricos
Os quartetos dodecassilábicos
Quanto aos quartetos não compostos em versos decassilábicos, deparamos com cinco ocorrências para os de doze sílabas métricas, a
primeira das quais em 1884 (p. 256) e a última já em 1900 (p. 342) –
todas, portanto, publicadas na segunda metade do período estudado.
Aqui deparamos predominantemente com distribuições de duas rimas,
em dois dos casos cruzadas e no outro emparelhadas e interpoladas (ABBA), havendo um poema apenas («Situação dolorosa») com uma só
rima, cruzada (S1890/45):
Em fragil lenho sobre o dorso do oceano – prestes a pasto ser dos feros tubarões –
levava ao lado seu o ousado marinheiro
os dois melhores corações...
Eram os entes mais queridos d'este mundo:
a cara mãe – a doce imagem de Maria –
a santa immaculada, a que na leda infancia
nos dá alento e alegria;
e a boa esposa, a fida amiga, que o consôlo nos traz nas tristes horas d'amargura e dôr;
a pomba casta em cujas azas alvacentas
resplende dos anjos o alvor!...
Segura ousado o nauta do escuro vento a sorte,
emquanto doce riso nos lábios lh'errava,
olhando embevecido por esses caros entes,
que mais n'este mundo prezava.
Mas, quando folga ledo, eis s'obumbra o horisonte e rija tempestade os mares embravece!
já em gyro açodado eis corre o triste lenho, e o feminil seio estremece!...
O nauta que ditoso ao lado os seus mirava,
agora immerso em dôr amarga, lacrymoso,
impresso se lhe vê na -ha pouco- alegre fronte o amargo pungir doloroso!
........................................................................................................
........................................................................................................
........................................................
Oh! triste scena! já quasi presa das ondas
vê o filho do mar os caros entes seus!...
E co'a mente turbada o terno filho-esposo fulo ameaça os escarceus!...
Lá das agoas no fundo ellas desapparecem,
soltam no desalento os mais pungentes ais. E o nauta affeito á furia d'essas vagas
não decide, não póde mais!
Oh! como o dolorido, o angustiado filho
póde da morte a mãe adorada salvar,
se n'esse furioso e torvo abismo a esposa não póde às ondas arrancar?!
........................................................................................................
.....................
Ah! se ha dôr mais pungente que a alma trucide,
é a que o varonil peito assim retalha
quando valer não póde, e os entes que idolatra
teem o oceano por mortalha...
Setembro de 1881.
J. D. Cordeiro da Matta (Barra do Quanza), S1890/45.
Saiu ele da retórica pena de Cordeiro da Matta, que lhe mistura três
dodecassílabos iniciais com um octossílabo final – ora com acento
rítmico na 6.ª e 8.ª sílabas, ora com acento na 4.ª e 8.ª, sendo que os dodecassílabos tanto acentuam a 6.ª quanto a 4.ª e a 8.ª. A variação no
ritmo dos versos não parece obedecer a qualquer regra para além do sentimento momentâneo do poeta, ou da sua momentânea intuição
expressiva — o que está de acordo com o espírito romântico. O
octossílabo não surge em mais nenhuma composição do corpus. Castilho afirma “que ainda não é usado em portuguez. Nada ha talvez
escripto nelle, afóra uma ou duas tentativas de José Anastacio da Cunha, que por ventura o estreou, e uma ou duas minhas, sem
continuação, nem imitador”. Acho que se esqueceu dos Apólogos de
Bocage aqui, Bocage que foi lido pelos nossos novecentistas (Pequeno
dicionário de literatura brasileira, 1987 pp. 25-26). Castilho valoriza-o “pelos seus elementos, e pelo que os francezes d'elle tem chegado a
fazer” (Castilho, 1874 pp. 42-44). A citação sublinha aqui, não só a raridade métrica, mas, sem querer, a cuidada especialização do artífice
angolano, que vamos confirmar pela breve lista de ocorrências
“metropolitanas”, aliás idênticas mas não iguais.
Numa das utilizações que o mestre ultrarromântico faz do octossílabo, conjuga-o, precisamente, com o dodecassílabo (percebido, portanto,
como sequência de três segmentos de 4 sílabas métricas cada), mas em
estrofes com sete versos. Mendes Leal narra, também, em octossílabos o seu “pequeno romance”, domesticamente intitulado «Esposa!» e tornado
público no tomo II de Mosaico. Mosaico era um “Jornal D'instrucção e Recreio/cujo lucro é applicado a favor/das/casas d'asylo da infancia desvalida” – e que teve, por isso, muita saída na altura; marcadamente
ultrarromântico, o segundo tomo foi publicado pela Imprensa Nacional
em Lisboa (como o primeiro, de 1839), mas em 1840, vindo o poema na p. 281. Fagundes Varela usa, em quartetos, um verso eneassilábico que
me parece, na verdade, um octossílabo composto, um bitetrassílabo
(Varela, 2000;2002 pp. 34-35). Mais tarde, Guerra Junqueiro, na Morte de D. João escreve um longo poema todo em quartetos octossilábicos
(Junqueiro, 1974 pp. 416-428).
Convém lembrar, ao leitor menos especializado, que foi Guerra
Junqueiro inicialmente um poeta ultra-romântico, sobretudo nos livros
Mysticae nuptiae (1866), incluído em Vozes sem eco (1867), e Batismo de Amor (1868). A sua poesia, até à Morte de D. João, inclusivamente, mantém marcas técnicas que permitem aproximá-la da prática dos
ultrarromânticos. Por tal motivo incluí todas essas obras na minha
pesquisa, tendo analisado estatisticamente as que se lhe seguiam, em
particular as de data mais recuada, como A velhice do Padre Eterno (1885) e Finis patriae (1891), obras estas que se revelou possuirem
pouca afinidade com a poesia do corpus. Recorde-se, ainda, que a Morte de D. João foi “um grande êxito” (Jacinto do Prado Coelho (dir.), 1984 p.
514). Em Finis Patriae precisamente, numa composição que, por ser posterior à de Cordeiro da Matta, não influenciou este, deparamos com
a única sintonia de octossílabos e dodecassílabos em quartetos de duas rimas cruzadas, mas numa distribuição métrica inusitada e engenhosa,
seguindo-se ao octossílabo um tetrassílabo, a este um dodecassílabo e
ao dodecassílabo um trissílabo – formando o conjunto uma espécie de…
triciclo.
Para esta espécie estrófica, portanto, não encontro, em rigor, nenhum
exemplo entre os poetas ultrarromânticos portugueses ou brasileiros, o
que dá um rasgo de nítida originalidade ou modernidade à figura de
Cordeiro da Matta. Digo modernidade porque vejo exemplos de Olavo
Bilac, nos quatro quartetos do poema «Mater», em todas as estrofes
também de «O cavaleiro pobre (Pouckhine)», de Alma inquieta (Bilac, 2000-2003a pp. 5-6, 12-13). Cruz e Sousa experimenta igualmente o
octossílabo no sugestivo poema «Canção negra», em quartetos com duas
rimas cruzadas e numa composição em quintetos, «Inexorável» (Sousa,
2000b pp. 75-77, 46-48).
Os exemplos mais próximos do composto pelo “poeta negro do Rio
Quanza”, nos ultrarromânticos de referência, são conjugações de decassílabos com hexassílabos, ou de decassílabos com versos de
quatro sílabas. Do primeiro caso encontramos sinais em Tomás Ribeiro
(Ribeiro, 1908 p. 18), o poeta frequentado por Marecos; em Gonçalves Dias (Dias, sd p. 69), o poeta glosado por José da Silva Maia Ferreira;
Gonçalves Crespo (Crespo, 1942 p. 129)15; Mendes Leal (Leal, 1858 p.
15 O livro é prefaciado por Afrânio Peixoto. A inclusão de Gonçalves Crespo entre os poetas de referência torna-se necessária, não só pelo ultra-romantismo de alguns dos
23); Ernesto Marecos (Marecos, 1878 pp. 64, 138); Guilherme Braga
(Braga, 1869 p. 19)16 – entre os brasileiros Álvares de Azevedo e Castro
Alves, que o usa por duas vezes nas Espumas flutuantes (Alves, sd). Da segunda espécie deparamos com exemplos de João de Lemos, no
primeiro (Lemos, 1858 p. 6) e no segundo Cancioneiro (Lemos, 1859 p.
213); entre as «Poesias diversas» de Gonçalves Dias (Dias, 1848 p. 113)
e em Gonçalves Crespo, numa ocorrência datada de 1869 (Crespo, 1942
p. 97).
Os exemplos de Gonçalves Crespo, Guilherme Braga e Ernesto Marecos
são, desta recolha, os únicos a apresentarem duas rimas cruzadas, e o
de Mendes Leal é o único de rima ABBA, pois no caso da conjugação de
decassílabos com um hexassílabo encontramos sempre uma rima
cruzada, ou nenhuma rima, e, na mistura de decassílabos com um
verso final de quatro sílabas, não encontramos rima sequer.
Castilho, nas suas primeiras Excavações, rentabiliza uma estrofe idêntica, em bipentassílabos finalizando por um verso de cinco sílabas –
seu quebrado, portanto (Castilho, 1904 p. 36).
Os quartetos dodecassilábicos com verso final quebrado encontram-se
em poetas ligados a escolas posteriores à do Visconde.
Num poema das Primaveras românticas, de Antero de Quental, aparecem quartetos dodecassilábicos, mas terminando por um
hexassílabo e com duas rimas cruzadas (Quental, 1922 pp. 8-9).
Junqueiro, na Morte de D. João, utiliza também o mesmo tipo estrófico (Junqueiro, 1974 pp. 192, 442). Estes autores, portanto, apesar de o
seu nome aparecer mais ligado ao Realismo, estão formalmente
próximos de Cordeiro da Matta em momentos que são também raros
pela originalidade do angolense. Quanto a Guerra Junqueiro, já me
justifiquei. A inclusão de Antero no meu espectro de pesquisa deve-se principalmente à data de publicação das suas obras, a acima citada e a
das Odes modernas. (Quental, 1865). Estudei também os Sonetos, visto que a primeira edição é de 1861, havendo uma outra de 1880. A edição
seus poemas, mais visível em Miniaturas (1875), como também por ter escrito um poema de elogio à mulher negra – «A Negra» (Crespo, 1942 p. 241) que, nas duas primeiras estrofes, possui afinidades com o poema «Negra!» de Cordeiro da Matta, como já notado acima. 16 Para além do livro citado, publicou também Poesias, resumindo-se a esses dois títulos a sua obra lírica. A data de publicação de Poesias (1898) inviabiliza qualquer possibilidade de ser essa uma obra de referência. A sua poesia panfletária não deixou marcas na lírica por nós investigada (Os falsos apóstolos, 1871; O bispo, 1874).
de Oliveira Martins, a mais conhecida, é de 1886. A edição consultada
para esta pesquisa foi a de António Sérgio (Quental, 1943). Qualquer
das três antes citadas podia ter sido lida pelos nossos versejadores.
Pelo que disse atrás, Cordeiro da Matta aplicou aos dodecassílabos
misturados com o seu quebrado uma distribuição predominante em idêntica estrutura concebida para a conjugação dos decassílabos com o
seu quebrado. Por outro lado sabemos que vários poetas (por exemplo
Álvares de Azevedo na Lira dos vinte anos e Castro Alves nas Espumas flutuantes) usam o hexassílabo como quebrado do decassílabo sáfico, e isso é parecido com usar um octossílabo como quebrado de um
dodecassílabo com acento rítmico na sexta sílaba. Mas pode igualmente
o nosso lírico ter aplicado a formulação de Quental e Junqueiro apenas
trocando o hexassílabo pelo octossílabo. A troca deve-se, logicamente, à
maneira como se concebe o dodecassílabo. Ele pode ser usado num ritmo de 4+4+4, ou num ritmo de 6+6. Sendo usado no primeiro caso o
quebrado pode ser um tetrassílabo ou um octossílabo; sendo no
segundo o quebrado é um hexassílabo.
No poema em causa («Situação dolorosa») Cordeiro da Matta oscila entre
o uso de acentuação rítmica na 6.ª e na 8.ª sílabas – embora tendendo
para a 8.ª (sem que isso implique, necessariamente, um ritmo de 4+4+4). Pelo que qualquer das duas últimas hipóteses me parece
plausível mas especialmente a segunda. Tanto mais que Olavo Bilac, em
Alma inquieta («Mater»), que sai com a 2.ª ed. das Poesias, em 1902 (Bilac, 1902), usa o octossílabo (em quartetos) como quebrado do
dodecassílabo (mas com distribuição rimática ABAB), sendo os dodecassílabos formados num ritmo de 6+6, exceto um, verso hesitante
aliás, que segue o ritmo 4+4+4 (Bilac, 2000-2003a pp. 5-6). O conjunto
do poema é o mais próximo que li do de Cordeiro da Matta. António
Feijó, poeta que não pode ter influenciado o lírico do Kwanza, usa ainda quartetos dodecassilábicos, com ritmo 6+6 e quebrados octossilábicos
nos versos pares (a distribuição é a de duas rimas cruzadas). Isto surge
em Sol de inverno: últimos versos, no Epílogo da secção III, a dos Hinos (Feijó, 2006). Sol de inverno é de 1922, embora reúna poemas escritos, pelo que deduzo, até 1915. Portanto a estrofe do nosso poeta vem a
revelar-se precoce no meio literário lusófono – a julgar pelo que até
agora investiguei.
O poema de versos dodecassilábicos com rima emparelhada e
interpolada (ABBA) é da autoria de Alberto Marques Pereira e vem
datado de 1888, sendo publicado no mesmo Almanach do de Cordeiro da Matta acima citado (S1890/61):
GUIA-ME!...
(Pierre Siéfert)
Algumas vezes perde a avesinha o trilho quando, alegre, percorre a abóboda infinita
e emquanto anciosa escuta, espreita e inda hesita
pipila a voz da mãe chamando pelo filho.
Já lhe pendia a aza enfraquecida e lassa,
Já despendia um pio, de duvida, de medo,
mas responde-lhe a voz n'um ninho do arvoredo,
que prompto ao que vagueia o itinerario traça.
Bem como a avesinha eu interrogo a via
que deverei seguir no labyrintho humano; mas falta-me d'Ariadna17 o fio e temo o engano
se a tua eburnea mão, m'o não mostrar um dia!...
4 de Fevereiro de 1888.
Alberto Marques Pereira, S1890/61.
Castilho, nas Novas excavações poéticas, recorre, em dois quartetos dodecassilábicos com datação provável de 1867, ao esquema ABBA; Guilherme Braga faz o mesmo, mas num só dos seus vários quartetos
dodecassilábicos (Castilho, 1905 p. 47). Não dei por nenhum outro caso
equivalente entre os poetas ultrarromânticos de referência, o que parece
natural, dada a extensão desse tipo métrico e rítmico diminuir
excessivamente o efeito de rima entre o primeiro e o quarto versos.
Isto levou-me a pensar como posterior ao ultrarromantismo o cultivo
desse tipo estrófico. Nas Claridades do Sul, de Gomes Leal, encontrei também quartetos dodecassilábicos com distribuição ABBA (Leal, 1901
pp. 215, 218, 311)18. O livro é de 1875 e parece ter alcançado grande
sucesso, a julgar pela advertência dos editores à segunda edição. A sua 17 Figura da mitologia grega, filha do Rei Minos, que ajuda Teseu a vencer o monstro do labirinto sem se perder nele mas é depois abandonada por Teseu, sendo então tomada por Dionísio como esposa. O fio de Ariadne é o fio que ela facultou a Teseu para que não se perdesse no labirinto.
18 A inclusão, que venho fazendo, de Gomes Leal, deve-se, não só à data da publicação, como também à celebridade do livro, registada na “Advertencia dos editores” feita à segunda edição. As afinidades técnicas encontradas acabaram por fornecer uma terceira e posterior justificação, reconheço que inesperada.
história, nesse tempo ainda curta, possibilita portanto que seja por
influência de Gomes Leal que Alberto Marques Pereira (cujo primeiro
poema no corpus aparece no Suplemento ao número para o ano de 1889) tenha coligido estes quartetos. Se assim foi, trata-se de uma
influência rara, que devemos assinalar, por Gomes Leal ser um poeta
posterior ao ultrarromantismo (no entanto citado por Cordeiro da
Matta). Parece, de qualquer modo, que os paradigmas da lírica ultrarromântica estavam, finalmente, a ser superados na última década
do século XIX em Angola. Nesse contexto, o crescimento literário de
Pedro Félix Machado vem coroar todo o processo, manifestando uma
total superação do ‘espírito’ romântico.
As afinidades formais de Alberto Marques Pereira parecem confirmar-se
lendo O livro de Cesário Verde, publicado postumamente em 1887. Aí o poema «Contrariedades» desenvolve a mesma distribuição rimática. Fá-
lo, porém, em quartetos em que o último verso é um hexassílabo, o que diminui a distância entre o primeiro e o quarto versos. Repete-se
parcialmente o esquema no mesmo livro, mais adiante, no famoso poema «O sentimento d’um ocidental», dedicado a Guerra Junqueiro: no
poema, o primeiro verso é um decassílabo funcionando como quebrado
dos dodecassílabos. Ainda usa o mesmo esquema rimático em
«Humilhações», sendo o quarto verso de cada estrofe um decassílabo.
Sem quebrados, a distribuição aparece, ainda nesse livro, em
«Histórias» e na maior parte da 1.ª secção do poema «Nós».
Finalmente José Duro, pelo menos em «Doente» (último poema de Fel, saído em 1899, poucos dias antes da morte do poeta), usa também
quartetos dodecassilábicos com distribuição ABBA.
Estas afinidades denunciam, portanto, uma situação de viragem para novos paradigmas técnicos, ainda não completamente assumidos ou
incorporados, mas uma poética já em transição.
Dois dos três poemas (1884/256 e 1900/342) de duas rimas cruzadas
pertencem a dois poetas cuja permanência no território foi breve, um deles importante para a poesia liberal angolense (o já referido Cândido
Furtado, que no entanto envia o seu contributo de Oliveira de Azeméis, dezasseis anos após a partida para Portugal) e o outro insignificante (o
de Marcos Algarve, que publica a primeira colaboração lírica
precisamente no último número lido, localizando algumas composições
posteriores no Algarve, como disse atrás).
Ainda para esse tipo estrófico deparamos com uma ocorrência nas
Espumas flutuantes de Castro Alves (Alves, sd), uma em Guerra Junqueiro (Junqueiro, 1978 pp. 73-76) e uma última em António Xavier
Rodrigues Cordeiro (Cordeiro, 1889 p. 75)19, em quartetos não
indicados como tal graficamente e onde os versos se ligam por duas
rimas cruzadas. Neste último caso, aliás, o poema vem datado de 1891,
o que torna impossível falar de qualquer influência sobre Cândido
Furtado.
Junqueiro pauta-se também pelo quarteto dodecassilábico nas Vozes sem eco (p. 71), no Batismo de Amor (pp. 79 e 82), na Vitória de França (p. 101), na Morte de D. João (pp. 143, 160, 271, 275, 287, 299 e 308) e na Velhice do Padre Eterno (pp. 341 e 345), correndo-o com os versos atados por duas rimas cruzadas. Pelas datas de publicação, e pelo
ultrarromantismo de Cândido Furtado, creio que, a derivar de
Junqueiro esta espécie estrófica, ela terá vindo dos seus primeiros
livros, mais próximos dos ultrarromânticos.
Esse tipo de quarteto, no entanto, foi também cultivado por Gonçalves Crespo, sempre com duas rimas cruzadas (Crespo, 1942 pp. 254, 266).
Porém, surge aí numa secção de poemas que só saíram em livro em
1897, com a primeira edição, pelo que, pelo menos no caso de Cândido
Furtado, não é provável a influência de Gonçalves Crespo.
Finalmente o poeta do Só usa quartetos dodecassilábicos com duas rimas cruzadas, por exemplo no poema «Os figos pretos» (Nobre, 1892
pp. 88-90). Mas alterna aí com outro tipo de quarteto (de
bipentassílabos cruzados com os seus quebrados pentassilábicos).
Também ele, entretanto, não terá chegado a Luanda a tempo de Cândido Furtado o ler (o poema data, aliás, de 1889); só talvez Marcos
Algarve o pudesse apreciar (o Só vem a público em 1892 em Paris).
Podem estas ocorrências na poesia angolense derivar de Gomes Leal,
por usar ele mais vezes do que Antero esse tipo estrófico e pelas referências ao sucesso popular da sua obra, referências não
encontradas para as Odes modernas ou as Primaveras românticas. Gomes Leal — cujo livro, como já vimos, pode estar na origem dos 19 Tive em atenção a sua obra, apesar de publicada só nesse ano, em virtude de uma citação feita, logo num poema publicado no Almanach para 1892 (escrito, em princípio, até 1890). A citação é feita por Eduardo Neves, numa peça que termina por um verso em quimbundo. Porém, a consulta dessa obra não trouxe qualquer correspondência significativa, tendo já ela surgido numa altura em que a poesia dos residentes e angolenses caminhava, métrica e estróficamente, para a renovação que, em pormenores concernentes à técnica de composição, a aproximaria da poesia realista e parnasiana. O livro de Rodrigues Cordeiro surge com as características métricas e os tipos estróficos típicos do ultra-romantismo. Não houve, porém, nenhum retrocesso na poesia dos angolenses ou residentes fixos após a publicação desse livro. Dos quartetos dodecassilábicos há só dois exemplos, nos dois volumes das Esparsas: um, de que falo aqui, datado de 1885, num poema dedicado a Vítor Hugo; outro, datado de 1879 (II, p. 87), apresenta uma só rima cruzada.
quartetos de rima emparelhada compostos por Alberto Marques Pereira
— nas Claridades do Sul delineia quartetos dodecassilábicos de duas rimas cruzadas (Leal, 1901 pp. 16, 104, 108, 129). Antero de Quental
acompanha-o nas Primaveras românticas (Quental, 1922 pp. 3, 171) e nas Odes modernas (Quental, 1865 p. 83). A partir daí vamos encontrar exemplos nos mais variados poetas portugueses e brasileiros, sobretudo
nos parnasianos (são muito comuns em Olavo Bilac, cujas Poesias saem em 1888; no português António Feijó, entre outros), mas também
nos realistas (por ex. Guilherme de Azevedo em A alma nova, de 1874), em Cesário Verde, em José Duro (v., por ex., «Alvíssima: oração»), etc.
Há uma outra via pela qual estes quartetos poderiam ter chegado a
Angola a partir de Portugal. Guilherme Braga, versificador que publicou
dos raros trechos ultrarromânticos dedicados a uma mulher africana,
rentabiliza quartetos dodecassilábicos de duas rimas cruzadas (só
numa dessas ocorrências a rima é emparelhada) no seu livro Heras e violetas, cuja primeira edição é de 1869 (Braga, 1869). Tendo sido
antologiado em A grinalda, coletânea da qual Cândido Furtado foi igualmente colaborador nos anos de 1859, 1860 e 1869, é natural que
Furtado conhecesse a poesia de Guilherme Braga e quadrasse por
influência dela os seus quartetos em dodecassílabos, que seriam lidos
com especial atenção na capital angolana mesmo depois do regresso a
Portugal. Reforçando essa ideia Guilherme Braga parece-me ser, entre os poetas ultrarromânticos, aquele que usa com mais frequência o
dodecassílabo, quer na composição de quartetos, quer na de outros
conjuntos de versos. Um dado suplementar é o de se encontrar ainda
hoje no Arquivo Histórico Nacional um livro seu, de 1872, escrito a quatro mãos em homenagem a José Cardoso Vieira de Castro, que viera
para aqui degredado e morrera cerca de um ano depois (Braga, et al., 1872). Talvez então, relativamente a esta ocorrência, não seja
necessário postular uma influência externa aos círculos “castilhistas”
do momento.
Uma terceira ocorrência, no corpus, de quartetos dodecassilábicos com duas rimas cruzadas («Saudade») deve-se a Abílio de Mendanha (1892/186), que a dedica “ao mimoso poeta, meu amigo, sr. Oliveira
Neves”:
No peito meu, saudade, erijo-te um sacrario
Ao lado de minh'alma;
Será meu coração o teu devocionario De prece terna e calma.
Perfume sempre flôr de rosas desfolhadas
É só o que me resta:
Findou o epithalamio20 e vivo das balladas...
A sorte minha é esta!
Não sei como voei num turbilhão escuro Até ao descampado;
É morto para mim o brilho do futuro
E fito o meu passado!
D'aquelle bom sorriso abraço-me à lembrança
Na triste soledade,
E, como tenho a alma exhausta de esperança,
Adoro-te, saudade...!
Abílio de Mendanha (Loanda-Africa Occidental), 1892/186.
O poeta pode ter estado pouco tempo em Angola21, mas provavelmente
conhecia o plágio, atrás referido, de Valentim Augusto Monteiro da
Silva. A ocorrência dá-se numa composição onde, como se pode ver, os
dodecassílabos alternam com os hexassílabos em simetria coincidente
com a da rima.
Detetamos estrofes iguais a esta num poema de Antero de Quental
publicado nas Odes modernas (Quental, 1865 p. 100), completamente
elaborado sobre esse tipo de quarteto, e na Morte de D. João, de Junqueiro (Junqueiro, 1974 pp. 192, 442). Uma espécie estrófica
parecida surge nas Excavações poéticas de Castilho (Castilho, 1904 p. 77), com a diferença de não se tratar de dodecassílabos, mas de
bihexassílabos.
A escassez dos quartetos dodecassilábicos é comum na lírica do corpus e na ultrarromântica de referência, o que se explica pelo facto de ser o
20 Originalmente, na Grécia, era um cântico feito no quarto da noiva, na noite do casamento, pedindo aos deuses (em particular a Himeneu) que abençoassem o casal. A vertente religiosa não impediu que o epitalâmio tivesse conteúdo erótico e, mesmo, licencioso.
21 É a seguinte a cronologia da sua participação no Almanach: 1887/279; 1891/197 (localizado de “1890, Monte-Mór-o-Velho”, trata-se de uma lírica em prosa); 1892/186; 1893/239; 1895/331 (“S. Marttinho do Bispo - Coimbra”); 1900/118 (localizado no Rio de Janeiro). O texto de 1893, cuja ficção enunciativa o coloca sob a invocação da morte da esposa, sintetiza no primeiro verso da última estrofe os penúltimos da última do poema de João d'Aboim e do plágio de Valentim Augusto Monteiro da Silva. Tal como Valentim Augusto, Abílio de Mendanha usa a terceira pessoa do singular em vez da primeira; recorre, porém, ao verbo [gemer], que o plagiador apaga da imitação.
verso de doze sílabas recente na poesia portuguesa, tendo-o
paradigmaticamente introduzido Castilho22, que o pilhou decerto em
Victor Hugo (Carvalho, 1987 p. 45ss) e o apresenta inicialmente na sua
tradução dos Amores de Ovídio (Castilho, 1904 p. 53).
O dodecassílabo ressurge no vernaculista António Nobre e no
carbonário Junqueiro, a partir de Vitória de França (Junqueiro, 1870). Mas são os parnasianos (portugueses e brasileiros) que sobretudo o
cultivam – com destaque para Olavo Bilac (Bilac, 1902). A par deles,
Guilherme de Azevedo, Cesário Verde e José Duro recorrem também ao
dodecassílabo, como vimos.
No entanto, sendo na época o dodecassílabo introduzido em Portugal
por Castilho, vangloriando-se ele disso explicitamente no seu Tratado de metrificação, dizendo inclusivamente que “hoje (...) a custo se encontrará com poeta, quer portuguez quer brasileiro que lhe não tenha
mostrado praticamente a sua predileção” (Castilho, 1874 p. 50ss), não é necessário referir a presença desses metros em quartetos ao realismo
posterior, de António Nobre ou de Junqueiro, mesmo se Castilho nos
apresenta os dodecassílabos, no Tratado de metrificação, num soneto.
Só o facto de ser um verso tardio no corpus me leva a pensar nessa hipótese, visto que, mesmo entre os poetas ultrarromânticos, Guilherme
Braga chega a recorrer várias vezes a tal verso (Braga, 1869 pp. 15, 29,
39, 47, 79, 117, 135, 221, 227, 240).
Quartetos hexassilábicos
Para os quartetos incluindo versos hexassilábicos encontram-se no
corpus cinco ocorrências também, situadas na segunda metade do período estudado.
Duas delas foram subscritas por Joaquim Dias Cordeiro da Matta, o
poetas das margens do Quanza ao qual, como se sabe, confiava o
agente Héli Chatelain o apostolado da “poesia nacional” ...em
quimbundo.
Das outras três ocorrências, duas vêm assinadas por Abílio de
Mendanha, poeta que pode não ter tido residência prolongada em
Angola, e por Alberto Marques Pereira, figura que envia, ao todo, nove
composições líricas em verso para o Almanach a partir de território hoje angolano.
22 Na verdade, já o Marquês de Santilhana atribuía a responsabilidade pelos versos de 12 sílabas aos reinos de Portugal e Galiza, “y los alejandrinos de catorce sílabas, tomados, segun se dice, del poeta frances que escribió el Poema de Alejandro”. No entanto, o verso introduzido por Castilho distrai-se deste.
Pouco ou nada soube sobre a pessoa que respondia por este nome. Sei
que houve um capitão de navios envolvido no tráfico de escravos a
viajar entre Rio de Janeiro e Luanda em 1817 e que se chamava José
Marques Pereira, mas não sei se teve relação familiar com este, que
devia ser muito mais novo (Voyages). Há um Alberto Feliciano Marques
Pereira que era “Capitão do Exército da Índia (Coronel)” e foi retratado a
31 de Maio de 1897, apresentando-se então com esta figura:
O mesmo nome publica ainda manuais de ginástica e livros sobre temáticas coloniais, mas nos anos 50 e 60 do século XX. Em 1914 sai
uma edição d’Os lusíadas prefaciada por Alberto Feliciano Marques Pereira, nascido em 1866 e que morreu em 1935 ou 1936. A ficha
catalográfica da BNP indica-a como 2.ª ed., mas indica a edição de 1915
como 1.ª... Pode ser este o nosso autor e o coronel do exército da Índia.
Ele coordena ainda uma publicação sobre o Regime vigente no ensino normal primário na escola normal de Nova Goa, publicado em Nova Goa
pela Imprensa Nacional (Pereira, 1908) e uns Quadros cronológicos dos governadores gerais da província de Angola, reunidos por si, que o ligam diretamente a nós e sustentam por enquanto a hipótese de estarmos
perante a mesma pessoa (Pereira, 1889).
Alberto Marques Pereira parece ter acumulado influências posteriores
ao ultrarromantismo e talvez isso esteja associado à incidência antes
referida, bem como a esta. O soneto «Metempsychose» (1893/223) tem o mesmo título que um dos de Antero de Quental – datado, na edição de
Oliveira Martins, do período entre 1860-62. Os dois repetem a métrica e o esquema distributivo ([ABBA/ CCD/EED]). A diferença é,
principalmente, uma diferença de conteúdo e nisso a colaboração de
Alberto Marques Pereira é caraterística da poesia que venho estudando. Como acontece nesta ocorrência, ela mistura um léxico e sugestões do
ultrarromantismo com soluções formais posteriores. Por isto mesmo é um poeta que requer atenção particular, um poeta que não podemos
considerar insignificante – apesar de só ter colaborado cerca de seis
anos.
Em duas das ocorrências de quartetos hexassilábicos, espaçadas no
tempo (1886/440 e 1892/438) mas ambas da autoria de Cordeiro da
Matta, os versos não se misturam com outros tipos métricos no interior
das estrofes:
A CREANÇA NO BERÇO
Nas faxas envolvida,
fraca, molle, indolente,
dorme – leda – em seu berço
a creança innocente.
Bafejam-n'a dos euros
as virações frementes; devoram-n'a, anciosos,
mil olhares ardentes!...
No terno olhar que volve vê-se do anjo a candura;
dos seraphins espelho,
é sua alma pura!...
Do mundo alheia à lida, ignora d'elle a pena...
Não sabe o que a espera n'esta via terrena!...
Só de bençãos coberta, só de carinhos cheia,
é dos paes o attractivo
que os vivifica e enleia!...
Oh! que encanto, que graça,
não tem do berço a vida!... oh! como n'elle exulta
a infância appetecida!...
salvè, quadra viçosa,
quadra de mil fulgores;
quadra no mundo estranha
á meseria e ás dôres!...
Joaquim Dias Cordeiro da Matta (Margens do Quanza ), 1886/440.
*
SOB PALMEIRAS
Como d'alma no intimo
eu t'amo, doce sombra!
Como o peito, de jubilo
pulsa – grato – n'alfombra!...
Oh! doce ar que ao peito enfermo
de gosos ermo vens vida dar;
deixa as harpas eólias
os doces sons vibrar...
Que só de Eolo a musica sabe o triste alegrar...
Oh! ar que passas célere
entre as franças arfando, tu me deixas extactico
teus gemidos 'scutando...
Essa harmonia
angelical, tem perennal,
p'renal poesia.
Quando com notas módulas
perpassa o ar n'alfombra,
não sei que encanto magico tanto me prende à sombra!...
J. D. Cordeiro da Matta (Tombo-Margens do Quanza), 1892/438.
Nesse caso, as estrofes apresentam uma só rima, cruzada, tal como
acontece com a última aparição delas (1893/239), assinada por Abílio
de Mendanha, e misturando já versos hexassilábicos e decassilábicos.
As ocorrências de Cordeiro da Matta, de conteúdos fortemente
românticos, indiciam no entanto uma preferência pessoal, vastamente
regista em Delírios nos poemas que não foram publicados no Almanach de lembranças (Matta, 2001 pp. 40-41, 69-70, 71-73, 82, 120, 121, 124-126, 149 (II), 151-153, 183, 192, 199-200). De onde lhe terá vindo
essa preferência?
Garrett abre com uma estrofe igual às de Cordeiro da Matta o poema
«Beleza», das Folhas caídas, mas cruza duas rimas em vez de uma só. Cruzando uma só rima há uma única estrofe, no poema «Retrato /
(num álbum)» do mesmo livro (Garrett, 2000-2002 pp. 28-29).
O quarteto hexassilábico é o preferido por Herculano em A harpa do crente, inclusive com a mesma distribuição rimática. Usa-a por exemplo no poema «A cruz mutilada» (Herculano, sd pp. 81-82, 88-89), onde a relação com a sombra, precisamente nos sendo comunicada em
quartetos hexassilábicos – o poema é heterométrico – nos faz lembrar a
relação com a sombra a que é dedicada a bela composição de Cordeiro
da Matta publicada no Almanach para 1892.
Castilho compõe quatro estrofes de quatro hexassílabos, mas com uma
rima cruzada, na sua tradução parafrástica d’Os amores de Ovídio, na “Canção 1.ª” (Prelúdio) do vol. II (Castilho, 1858 pp. 7-8) e repete o feito
(com sete estrofes) na “Canção 2.ª / A um eunuco” (Castilho, 1858 pp.
16-17), bem como em duas estrofes da “Canção 2.ª / No circo de Roma”, mas já do 3.º vol., o mesmo da «Canção 6.ª / O rio», onde usa
novamente uma só rima, cruzada, e da «Canção 11.ª / Aversão e amor», onde só usa o tipo (Castilho, 1858 pp. 23, 39-42, 47). A “Canção 3.ª /
Ao mesmo”, do vol. II, é toda escrita nesse tipo estrófico, mas passando às duas rimas cruzadas, ao contrário da longa 18.ª, com uma só rima (Castilho, 1858 pp. 19-22, 89-95). Ainda no vol. II, a «Canção 5.ª / A
Corinna, infiel n’um banquete”, usa duas estrofes idênticas mas só com
duas rimas emparelhadas, nos versos do meio, reutilizando o esquema nas duas últimas (Castilho, 1858 pp. 29, 31); vem a repetir a façanha
em toda a «Canção 11.ª / Aversão e amor», onde só usa o tipo (Castilho,
1858 pp. 71-76). Castilho ainda usa a quadra hexassilábica na fábula
«A ribeira e o lago», incluída no segundo volume das Excavações poéticas (Castilho, 1904 p. 93), nas Novas Excavações poéticas com
uma distribuição diferente de todas as que encontrei no corpus
(Castilho, 1905 p. 89) e nas Estreias poético-musicaes, numa
composição datada de 1849 (Castilho, 1907 p. 52)
João de Lemos, embora só uma vez, usa o quarteto hexassilábico no
Cancioneiro (Lemos, 1866 p. 232). Bulhão Pato usa duas rimas cruzadas, como Garrett, no poema «Oração da manhã», datado de
Junho de 1859 (Pato, 2008).
Domingos Gonçalves de Magalhães fechara o longo poema «A mocidade»
(datado de 1835), incluído em Suspiros poéticos e saudades, com seis quartetos hexassilábicos de duas rimas cruzadas (Magalhães, sd).
Ernesto Marecos apoiou-se nos quartetos hexassilábicos nas Folhas sem flores, com duas rimas cruzadas (Marecos, 1878 pp. 31, 309) e com
uma só rima, também cruzada (Marecos, 1878 pp. 56, 83).
O quarteto hexassilábico, genericamente, não foi referido por Amorim de
Carvalho, ou qualquer outro dos tratadistas consultados, pelo que não
admira a, mesmo assim, fraca frequência no corpus.
Tirando a versão d’Os amores feita por Castilho, os poetas românticos e ultrarromânticos não parecem ter engraçado muito com esta solução
estrófica. Dada a escassez de exemplos, consultei os números todos que
pude d’A grinalda. Pelo seu caráter de vulgarização da poesia romântica portuguesa ela se tornava sintomática. O resultado foi igualmente escasso: apenas uma ocorrência. Um versejador que muito publica ali (é
um dos dois redatores e o proprietário), Nogueira Lima, assina um
poema chamado «Junto à campa» onde as quatro primeiras estrofes são
de versos hexassílabos de uma rima cruzada (Lima, [1860] pp. 109-
112). Trata-se do último poema do número. Uma vez que a numeração
passa da p. 109 para a 112 não sei se está completo; uma vez que vem datado de 6-2-1861 é provável que a data de publicação desse número
d’A grinalda fosse posterior à indicada na capa.
Castilho usa ainda o verso hexassilábico numa estrofe de quatro versos
com uma rima cruzada, mas o primeiro desses versos é sempre
alexandrino. Isso ocorre na já citada tradução d’Os amores, no vol. I, “Canção 5.ª” (Castilho, 1858 pp. 63-65).
Uma vez que o tipo estrófico não possui ocorrências significativas no panorama romântico e ultrarromântico fui pesquisá-lo em escolas
posteriores. Antero de Quental, nas Odes modernas, recorre a ele, com uma rima cruzada, num poema datado de 1865: “Luz do sol, luz da razão / em resposta à poesia de João de Deus, «Luz da fé»” (Quental,
1875 pp. 67-71). Para encontrar exemplos idênticos é preciso ir até aos
Raios de extinta luz, coletânea de poemas inéditos do autor, escritos
entre 1859 e 1863. Aí surge o mesmo tipo (com uma rima cruzada) nas
três estrofes finais de «Gargalhadas» (Quental, 1892 pp. 128-129). Para
encontrar exemplos idênticos é preciso também recuar aos Raios de xtinta luz (Quental, 1892 pp. 15-18, 145-146). As composições
chamam-se «Força-amor» e «Guitarrilha de Satan», vêm datadas de 1860
e 1869, porém têm uma distribuição rimática diferente: ABBA.
A conclusão a tirar parece-me, portanto, a de que o quarteto
hexassilábico de rima(s) cruzada(s) não foi muito cultivado pela escola
de referência.
As duas composições de Abílio de Mendanha onde encontramos estrofes com quatro versos hexassilábicos, apresentam-nos entremeados com
outros, tal como sucede no poema («Esperança / fragmento») de Alberto
Marques Pereira (S1890/30):
Que suavissima aragem se deslisa
nas auras da manhã! E ás florinhas do campo a meiga brisa
beija-as como irmã.
Aquelle enorme manto côr de anil envolve todo o céo;
sumiram-se as estrellas mil a mil
do outro negro véo.
Cahe a gota d'orvalho em chuva fina nas pétalas da flôr;
e os labios d'essas faces pequeninas a aspiram com amor.
Tranquillo dorme ainda o oceano um somno socegado;
calou no seio o seu gemer insano,
parou já, de cançado!
No entanto o trino alegre dos alados
esvoaçando aos pares escuta-se dos ramos elevados,
e a deslisar nos ares...
E em toda essa belleza da natura,
o louco que delira...
cuida encontrar o balsamo que cura
nos sons d'ignota lyra!
25 d'Abril de 1887.
Alberto Marques Pereira (Luanda), S1890/30.
Destas três ocorrências, duas (S1890/30 e 1892/186) utilizam o
sistema de duas rimas cruzadas, como se cada tipo métrico chamasse
por uma rima própria. No primeiro caso, de Alberto Marques Pereira, os
versos ímpares são decassílabos e só um é sáfico, portanto o
hexassílabo é um quebrado, que surge nos versos pares.
É um modelo conhecido pela geração de 1878, já que o pratica J. D.
Cordeiro da Matta, com duas rimas cruzadas também (Matta, 2001). Mas a concorrência das duas rimas não era muito comum, pelo que
pude ler da época. É certo que Almeida Garrett a praticou no poema
«Avé, Maria», de Folhas caídas, que também alterna deca- e hexassílabos (Garrett, 2000-2002 pp. 40-41). No Brasil, Tomás António
Gonzaga recorreu à mesma fórmula métrica nas Liras 11 e 18, mas com
uma rima cruzada, nem sempre com palavras agudas (Gonzaga, 2006); Gonçalves Dias socorreu-se do mesmo tipo métrico e rítmico de
Gonzaga e Matta, mas em versos sem rima ou com uma rima cruzada,
sempre agudos, ou nem sempre. Casimiro de Abreu usa o mesmo
modelo (com obrigação de os versos pares serem agudos), de uma rima
cruzada, na famosa «Canção do exílio», a mais famosa depois da de Gonçalves Dias (Abreu, 2000; 2003 pp. 20-22). Fagundes Varela, da
segunda geração romântica, recorre ao mesmo modelo de Casimiro de Abreu em «O escravo», parcialmente em «Ao Rio de Janeiro» e sem rima
em «A lenda do Amazonas» - todos poemas de Cantos meridionais, de 1869 (Varela, 2000;2002 pp. 67-70, 72-73, 92-97). Álvares de Azevedo,
no poema «A tempestade – fragmento» (de Lira dos vinte anos), usa a distribuição de uma rima cruzada, sem obrigatoriedade de agudos nos
versos pares (Azevedo, 2000).
Na composição de Cordeiro da Matta publicada no Almanach para 1892 (p. 438) encontramos os quartetos hexassilábicos alternando
simetricamente com outros tetrassilábicos, num procedimento inédito
face ao corpus e para o qual não encontro correspondência nos poetas ultrarromânticos estudados. A mais próxima correspondência talvez
seja a do próprio poeta que, nos Delírios, incluiu o poema A rosa, em
que os quartetos são de versos hexassílabos nos pares e dissílados nos
ímpares (Matta, 2001).
Castilho, um convertido ao romantismo, na versão de Os amores de Ovídio é que pode ter fornecido sugestões preciosas ao nosso poeta. No
Livro I usa uma sequência (não uma alternância) de estrofes com tetrassílabos para estrofes com um hexassílabo, seguido por
decassílabo heróico e os tetrassílabos sequenciam também
dodecassílabos com acento interno na 6.ª sílaba na mesma «Canção»
(Castilho, 1858 pp. 94; 93, 96), tal como no final da «Canção 14.ª» do
Livro II (Castilho, 1858 p. 74) e, de modo invertido (seguindo-se os
tetrassílabos aos alexandrinos), no fim da «Canção 12.ª» do Livro III
(Castilho, 1858 p. 81); na «Canção» seguinte do Livro I (11.ª) alterna
tetrassílabos com decassílabos heróicos – portanto, de certo modo, com
ritmos de seis sílabas – e depois os tetrassílabos são sequenciados por alexandrinos (Castilho, 1858 pp. 101-102). Na «Canção 1.ª» do Livro III
alterna também versos hexassilábicos com tetrassilábicos, mas agora seguidos estes por eneassílabos com acento interno, mais uma vez, na
6.ª sílaba (Castilho, 1858 p. 18).
Na «Canção 1.ª» do Livro II é que há duas sequências mesmo muito
próximas da habilidade de Cordeiro da Matta. Na primeira quartetos hexassilábicos são seguidos por quintetos tetrassilábicos – e estes por
um decassílabo heróico e seu quebrado hexassilábico; no final da
composição coloca dois quartetos tetrassilábicos a seguir a uma
sextilha hexassilábica (Castilho, 1858 pp. 8, 10). Na «Canção 6.ª / à
morte do papagaio» dá sequência a quartetos hexassilábicos com quartetos tetrassilábicos que, no entanto, não são indicados como tal
graficamente (vários deles formam uma só estrofe) mas pela rima, uma
só, cruzada nos versos pares (Castilho, 1858 p. 34).
Nos quartetos hexassilábicos da composição de 1892 surgem, nos versos ímpares, sempre palavras esdrúxulas, alternando com as graves
da rima, numa demonstração de bom domínio vocabular e de perfeição
técnica nem sempre detetável nos poetas ultrarromânticos portugueses mais conhecidos. João de Lemos, por exemplo, versejador exímio, que
patenteia um bom domínio do esdrúxulo, nem sempre consegue manter
uma composição inteira seguindo essa regra, como se pode ver a pp.
232 do volume III do Cancioneiro, onde apresenta vários quartetos com a rima em agudo mas com os versos ímpares a oscilarem,
aleatoriamente, entre o grave e o esdrúxulo. Castilho, na citada «Canção 1.ª» do Livro II é que faz o mesmo de Cordeiro da Matta, só falhando o
primeiro verso dos três quartetos hexassilábicos (Castilho, 1858 p. 8) –
coincidência que reforça a sugestão de influência de Castilho sobre o
nosso poeta neste caso.
Castilho não foi o único romântico a jogar com ritmos de seis e quatro
sílabas. Foi, sim, dos que li, o único próximo de fazer alternâncias entre
estrofes de quatro versos tetrassilábicos e estrofes de quatro versos
hexassilábicos. Acontecendo isso na versão de Os amores, e havendo exemplos mais distantes (de conjugação de ritmos hexa e
tetrassilábicos) na Lírica de João Mínimo de Garrett (Garrett, 1829 p. 9), sou inclinado a pensar que, apesar de rara, a solução heteroestrófica de
Cordeiro da Matta pode vir de mais atrás, do neoclassicismo.
Quartetos eneassilábicos
Para os quartetos com versos eneassilábicos encontrei apenas duas
ocorrências (1863/351, de autoria anónima; 1899/376, de J. J. F.). Não consegui identificar o anónimo e talvez também não tenha conseguido
localizar J.J.F. Transcrevo o último poema («In memoriam»):
A... / Na missa do gallo
Foi na egreja. A voz do levita
entoava os psalmos sagrados e meus olhos fitaram-se em Christo
pelo brilho dos teus offuscados.
O teu vulto na sombra da nave
desenhava-se esbelto, gentil,
e teus lábios rezando orações eram frescos quaes rosas d'abril. E eu pedi a Deus com fervor,
contemplando belleza tão pura, que fizesse que o teu coração
palpitasse por mim de ternura.
.............................................
Passam annos. Na sombra da nave
lá diviso o teu vulto gentil, mas já sem a frescura suave,
que captiva nas rosas d'abril.
Tua face de rugas sulcada
mostra indicios de fundo soffrer,
similhando uma flôr desfolhada
que não póde jamais reviver.
J. J. F. (Quissol - Angola), 1899/376.
Repare-se que, tal como sucede com Abílio de Mendanha, também J. J. F. compõe os versos certinhos, todos iguais, com acento rítmico na 6.ª
sílaba (depois, claro, na nona). Não só se trata de uma insensibilidade
aos vários momentos do poema e à articulação do conteúdo com a
forma. Trata-se também de uma mudança de paradigma. Se o leitor
puder, compare com a poesia de Guerra Junqueiro, do Guerra
Junqueiro realista, em particular com os seus bipentassílabos: toda
uma composição é vertida em versos bipentassílabos, sejam quais forem
as suas partes. O romantismo era mais sensível à articulação entre o
ritmo do verso e o conteúdo, pelo que fazia variações métrico-rítmicas no interior de cada poema. Nesse aspeto, o que vemos em Cordeiro da
Matta – para além de revelar imaginação e habilidade formais – é o paradigma romântico. Nestes poetas, ou versejadores, menos do que
bissextos, o que vemos é já o paradigma monorrítmico do realismo –
chamando realista à poesia de Guerra Junqueiro. Antonio Candido
afirma que essa prática (de empregar os “mesmos acentos tônicos em
todos os versos de um poema”) vinha já de Gonçalves Dias (Candido,
2002 p. 71).
O magoado e vingado subscritor localiza-se no “Quissol – Angola”. Há
um Joaquim de Jesus Ferreira que é possivelmente o nome que
preenche essas iniciais. Ele publica um quarteto isolado, intitulado
“Amor / A ***”, no Almanach para 1887 (p. 276):
Eu vi, um dia, para ti olhando,
cobrir-te as faces purpurina côr;
fugindo apoz, como gazella timida,
ouvi teus lábios murmurar: Amor!
Joaquim de Jesus Ferreira (Pungo-Andongo - Africa), 1887/276.
Talvez seja um poema apenas iniciado. É sem dúvida mais animado, e a imagem da gazela tímida a murmurar pelo poeta a palavra sagrada é
bem mais saudável que a do poema acima – embora pouco verossímil.
Entre ambos no entanto se nota a composição do mesmo tipo feminino, provavelmente bastante jovem. E entre ambos a monorritmia, neste
caso construída sobre a sequência 4+4+2.
Joaquim de Jesus Ferreira passa, já no século XX, a localizar a
composição dos poemas em Lisboa, para onde veio viver – se
interpretarmos literalmente um deles (publicado no Almanach para 1906). No Suplemento ao nº para 1889 (p. 127), confessa-se europeu,
imaginando a reação dos “naturais” à corrigenda que constituía o
artigo, no qual demonstra familiaridade com a língua local.
De forma geral, Joaquim de Jesus Ferreira assina as colaborações
angolanas de Pungo-Andongo (de onde escreve uma nota necrológica sobre José Bernardo Ferrão, que nos confirma a ligação – por assim
dizer antropológica – de Ferrão ao segmento colonial); a localização de
J.J.F. é no Quissol, que ficava na jurisdição de Malanje; portanto, sendo
as terras relativamente perto uma da outra, é natural que as iniciais
correspondam ao mesmo nome. Tanto mais que uma charada sua
(1894/256) vem localizada do “Quiove, Angola” – ou seja: tanto mais
que Joaquim de Jesus Ferreira situa noutras terras outras
colaborações.
Excluo, portanto, a hipótese de se tratar de José Jacintho Ferreira da Cruz, inustrial e negociante, nomeado “em sessão de 5 de Janeiro do
corrente anno [1883], da Sociedade da «Geographia Commercial do
Porto» [...] socio correspondente da mesma, n’esta cidade [de Luanda]”.
Quanto ao conteúdo, a composição evoca um amor despertado na Missa do Galo e a posterior desilusão, do poeta primeiro (não resultou o seu
pedido a Deus para que ela o amasse) e dela depois (passados anos
tinha um rosto sofrido e envelhecido). Como quem diz, com dor de
cotovelo: não ficaste comigo, vê o que te aconteceu…
O primeiro dos dois poemas («Ao padrão do rio Zaire») parece também
ser de um português residente e ressuma ao nacionalismo lusitano da
época:
O que exprime essa Cruz, symbolo eterno
d'unidade cristã, aqui erguido, qual sacra sentinella a quem compete
a guarda d'este rio? Que mysterio
ergueu da Redempção mystico emblema n'esta praia longiqua entre os idólatras?
Essa Cruz é padrão levantado á memória d'hum heroe portuguez,
que o caminho do mundo, ignorado,
com extremo valor abrir fez.
Essa Cruz silenciosa epopeia
stá dizendo à actual geração
que há tres séc'los pisou esta areia
um heroe portuguez, um christão.
Essa pedra é um verbo de gloria,
uma nota do hymno grandioso,
em qu'escrita s'encontra a historia
pelo mundo, d'um povo famoso.
E quem junto a tal cruzeiro
não sentirá altivez,
podendo ser verdadeiro,
a dizer «sou portuguez? E quem de rojo prostrado,
ante este symbolo sagrado, com ascetico fervor,
uma oração á memória
d'esse heroe da nossa historia
não eleva ao Creador?
Padrão d'avita grandeza
salvé! Sacro monumento!
Tens por guarda a natureza,
mar e Céu. Cofre opulento d'opulentas tradições,
que as vindouras gerações,
te possam sempre saudar!
E tu, qual ecco de gloria,
de Portugal a historia possas aos séc'los contar.
Anónimo, 1863/351.
Como se pode ver, é um elogio do heroísmo português da expansão, “entre os idólatras” numa “praia longínqua”. Talvez sofra influência
(pelo menos lexical) do Alexandre Herculano d’A harpa do crente (Herculano, sd pp. 81-89). Mas empobrece a harpa e o crente.
Os quartetos eneassilábicos aparecem aqui entalados entre a estrofe
inicial (decassilábica) e as finais (heptassilábicas). Junto com a estrofe
inicial compõe uma primeira parte, formal, do poema – a parte em que
todos os versos recebem acento rítmico na 6.ª sílaba, seja qual for o seu
conteúdo.
O quarteto eneassilábico não é significativo no conjunto estudado, a
julgar pela quantidade e espécie de ocorrências. O facto de se tratar de
dois portugueses e de dois autores sem grande expressão no corpus reduz ainda mais a sua importância. De qualquer modo, uma vez que
aqui foram escritas, abordemo-las.
As duas ocorrências desenham estrofes com duas rimas cruzadas e a
última delas (1899/376) mistura essa distribuição com a de uma só
rima, cruzada.
O primeiro deles aparece numa composição onde se misturam vários tipos estróficos, nem todos de quatro versos e cujo motivo principal
ocorre apenas duas vezes no corpus. A segunda composição (de 1899, de J.J.F.) apresenta-se já inteiramente construída sobre versos eneassilábicos (os dois primeiros são na verdade octossílabos) e a
motivação tópica (a irreversibilidade do tempo, o desgaste que ele traz),
como o tema (o amor), são mais comuns na poesia estudada, ainda que
o autor seja pouco significativo e a sua dor de cotovelo tanto menos.
Este tipo de quarteto foi no entanto razoavelmente praticado pelos
poetas românticos e em Angola. Cordeiro da Matta recorre a ele nos
Delírios pelo menos uma vez, numa composição de 1878, com uma rima cruzada nos versos pares, sempre agudos e sempre em –ar (Matta,
2001). Assim mesmo ela aparece nas Folhas caídas de Almeida Garrett (que são de 1853), no poema «O álbum» (Garrett, 2000-2002 pp. 13-14)
e numa estrofe do poema «Retrato / (num álbum)» (Garrett, 2000-2002
p. 34). Aparece ainda nas Estreias poético-musicais (Castilho, 1907 p. 125), em Soares de Passos (Passos, 1984 pp. 181, 245), em Ernesto
Marecos, com duas rimas cruzadas (Marecos, 1878 pp. 100, 231). Surge
igualmente em Gonçalves Dias, com uma só rima cruzada (Dias, 1847 pp. 60, 100, 206), e com duas (Dias, 1847 p. 69) como na composição
de J.J.F., bem como em João de Lemos: a composição «A queixa
saudosa» (Lemos, 1859), por exemplo, é toda ela feita sobre quartetos eneassilábicos de duas rimas cruzadas, bem como um dos poemas do
vol. I do Cancioneiro (Lemos, 1858 p. 71). Esta espécie estrófica aparece
ainda nos Cânticos de Mendes Leal (Leal, 1858 pp. 73, 203), em Faustino Xavier de Novaes (Novaes, 1858 p. 184), nas Poesias de Luís Augusto Palmeirim (Palmeirim, 1851 pp. 36, 45, 245) e nas Heras e violetas de Guilherme Braga (Braga, 1869 p. 131), sempre com duas
rimas cruzadas. Fagundes Varela adotou a mesma fórmula, com uma
rima cruzada, em «O foragido / (canção)», de Noturnas (1861) e «A roça», dos Cantos meridionais (Varela, 2000;2002 pp. 26-27, 74-75). Junqueira Freire usa também o quarteto eneassilábico na sua
distribuição preferida (uma rima cruzada) em «A freira» e «Meu filho no
claustro: canção materna» (Freire, 1867 pp. 96-103, 57-62). Finalmente,
Álvares de Azevedo usa-o com distribuição de duas rimas cruzadas em
«Morena» (Azevedo, sd p. 52).
Nem quanto à métrica nem quanto à distribuição rimática apresentada
nestes poemas o tipo estrófico mereceu qualquer menção por parte de
Castilho, ou de Amorim de Carvalho, onde fala nas estrofes que
predominaram no período ultrarromântico, apesar das conhecidas
composições de Soares de Passos em eneassílabos, dois deles em
quartetos eneassilábicos de duas rimas cruzadas (Passos, 1870 pp. 22-
25, 59-60, 85-86, 116-117, 178-181). No entanto, entre os poetas do século XIX pesquisados, é nos ultrarromânticos que habitualmente
encontramos quartetos eneassilábicos, pelo que a sua apropriação pela poesia angolense e radicada, inclusive através de Cordeiro da Matta,
confirma a integração na escola do Visconde.
Quartetos Mistos
Chamo «quartetos mistos» àqueles cuja definição técnica não pode ser
unívoca. Os primeiros a considerar são de versos com diferentes
definições métricas (heterométricos), em geral duas, pelo que António
Feliciano de Castilho dizia constarem de “dois ramos”.
Quartetos com diferenciações métricas internas
Os quartetos de “dois ramos” métricos aparecem no corpus a partir do Suplemento ao Almanach para 1890 (p. 30); fazem a sua última
prestação no Almanach para 1893 (p. 239). Ocupam, portanto, um
tempo muito restrito e tardio de produção.
Apesar desse período curto e com fraca intensidade de ocorrência, tais
poemas foram produzidos pelo poeta mais significativo do corpus, Joaquim Dias Cordeiro da Matta; secundaram-no dois poetas de
importância menor que a dele mas que, de qualquer modo, assinam
várias composições no Almanach datadas de Angola, inserindo-se formalmente ou lexicalmente nos mesmos paradigmas da poesia
angolense. Falo do renovador Alberto Marques Pereira (que assina nove
composições entre o Suplemento ao número para 1889 e o número para
1895, tantas quanto Eduardo Neves) e de Abílio de Mendanha (que
assina cinco poemas, os últimos dois localizados em Portugal e no
Brasil, como vimos).
Neste período produziram-se portanto quatro poemas com tais
caraterísticas. Dois, de Alberto Marques Pereira (S1890/30) e de Abílio
de Mendanha (1893/239, este localizado em Luanda, ainda antes da partida para Portugal), misturam versos decassilábicos e
hexassilábicos, simetricamente, ligando-os através de duas rimas
cruzadas, o que também vimos atrás. O de Alberto Marques Pereira é de
um bucolismo paradisíaco, vendo o poeta na natureza matinal, ao
mesmo tempo, a inspiração e o bálsamo:
ESPERANÇA
(fragmento)
Que suavissima aragem se deslisa nas auras da manhã!
E ás florinhas do campo a meiga brisa
beija-as como irmã.
Aquelle enorme manto côr de anil envolve todo o céo;
sumiram-se as estrellas mil a mil
do outro negro véo.
Cahe a gota d'orvalho em chuva fina
nas pétalas da flôr;
e os labios d'essas faces pequeninas
a aspiram com amor.
Tranquillo dorme ainda o oceano
um somno socegado;
calou no seio o seu gemer insano, parou já, de cançado!
No entanto o trino alegre dos alados esvoaçando aos pares
escuta-se dos ramos elevados,
e a deslisar nos ares...
E em toda essa belleza da natura,
o louco que delira...
cuida encontrar o balsamo que cura
nos sons d'ignota lyra!
25 d'Abril de 1887.
Alberto Marques Pereira (Luanda), S1890/30.
Repare-se como o poema é monorrítmico, no sentido preciso em que
assenta sempre sobre unidades de seis sílabas. Confirmamos, portanto,
aqui – apesar do ultrarromantismo do autor – uma mudança de
paradigma métrico mais característica das escolas posteriores à do
Visconde e que notarei mais à frente, a propósito de outra composição
de Abílio de Mendanha.
O poema de Abílio de Mendanha («Sobre um túmulo») imagina alguém chorando na sepultura da esposa, sem qualquer espécie de bálsamo,
devastado e renascendo depois para a saudade:
(Ao meu amigo João Lopes)
Os meus ultimos prantos derramei-os
Sobr'esta dura lousa, Onde a morte sem dó arremessara
Um coração de esposa.
Não mais nos duros transes da existencia, O balsamo divino
Veio adoçar os travos da amargura, Nosso comum destino.
Como a lava, rompendo em vivas chammas,
Tudo ante si devasta,
Assim minh'alma devastou, passando, A dôr intensa e vasta!
..............................................
Não morre o sentimento em quanto a vida
Em nós palpita e dura;
Em quanto o coração não arrefece Na fria sepultura!
E comtudo, ao pensar que eternas sombras
Teu bello corpo sómem,
Senti-me renascer para a saudade,
Senti-me outra vez homem!
Homem que soffre e geme! Não turbando
Teu eterno repouso;
Brota do coração a voz que solta,
Um coração de esposo!
Abílio de Mendanha (Loanda-Africa Occidental), 1893/239.
Também aqui notamos a mesma monorritmia, com todos os versos
assentes em unidades de seis sílabas. De passagem repare-se na
reiteração de um pequeno cronótopo: “homem que soffre e geme” – o
mesmo que aparece naquela série de poemas em que se integra um
plágio feito por Valentim Augusto Monteiro da Silva. Na série, o poema de João d’Aboim (talvez o primeiro de todos) tem um dos versos finais
muito parecido: “Sou homem que sinto, que soffro, que gemo”…
É prática seguida pelos mais variados poetas portugueses do século XIX
a de fazerem quartetos idênticos ou iguais a este pela distribuição
métrica e rimática. Amorim de Carvalho (Carvalho, 1987 pp. 57-58) cita
Herculano (em quartetos de uma só rima cruzada, como sucede nos de Abílio de Mendanha) e Junqueiro (em quartetos de duas rimas
cruzadas, tal como sucede no transcrito poema de Alberto Marques
Pereira) e eu acima citei vários. Posso referir ainda, entre os
ultrarromânticos, exemplos em Castilho (Castilho, 1904 p. 51); em João
de Lemos – no primeiro Cancioneiro (Lemos, 1858 p. 60) e nas Canções da tarde (Lemos, 1875 p. 121); em Gonçalves Dias (Dias, 1847 pp. 89, 99, 124, 331). Os versos estão sem rima em Castilho, possuem duas
rimas cruzadas nas Canções da tarde e uma só rima, cruzada, no
Cancioneiro e em Gonçalves Dias. Soares de Passos usa também do mesmo tipo com duas rimas cruzadas (Passos, 1870 pp. 47-50, 127-
133). Mendes Leal compõe nesse tipo de quartetos, com uma rima
cruzada, nos Cânticos (Leal, 1858 pp. 29, 178, 185, 188) e com duas rimas cruzadas, na mesma obra (Leal, 1858 pp. 143, 197, 275).
Também Luís Augusto Palmeirim, com uma rima cruzada, nas Poesias (Palmeirim, 1851 p. 61), Ernesto Marecos – com duas rimas cruzadas (Marecos, 1878 pp. 64, 138) e Guilherme Braga (Braga, 1869 p. 19) –
também com duas rimas cruzadas. Álvares de Azevedo recorre ao
mesmo tipo estrófico nas secções I e II de «Crepúsculo nas montanhas» – poema que, nas duas outras secções, alterna três decassílabos com
um hexassílabo final, como sucede no anterior, «Crespúsculo no mar»;
faz o mesmo em todo o poema seguinte do livro, «Desalento» – sempre
com uma só rima, cruzada nos pares como sucede com Abílio de
Mendanha (Azevedo, sd pp. 13-14). Fá-lo ainda num poema com algum
verso forçado, sem título mas incluído na série «O poeta» (Azevedo, sd p.
10). Repete-o seguidamente nas três secções do poema «Na minha terra»
(Azevedo, sd pp. 11-12), encimado por uma epígrafe de V. Hugo e que
apresenta sugestivas afinidades com o quase homónimo de Maia
Ferreira no que diz respeito à estrutura retórica (Maia Ferreira, 2002 pp. 26-32). Repete-o também no poema «Vida», encimado por Alexandre
Dumas; parcialmente no terceiro dos «Hinos do profeta», o fragmento «A
tempestade (Azevedo, sd pp. 17, 24). Os restantes quartetos
heterométricos da Lira dos vinte anos só fazem quebrado no quarto verso, tal como sucede em «Se eu morresse amanhã» (Azevedo, 2000-
2002 p. 64). Também são como os de Abílio de Mendanha os quartetos
da «Canção do exílio», de Casimiro de Abreu (Abreu, 2000; 2003 pp. 20-
22) e de Junqueira Freire em «Pobre e soberbo», nas secções I e III de
«Saudação», «À profissão / de Frei João das Mercês Ramos», parcialmente em «Canto», a III parte de «Nenia», (Freire, 1867 pp. 66-73,
152-154, 155-156, 159-165, 167, 203-204).
Gomes Leal estrutura em quartetos idênticos, com uma rima cruzada,
uma das composições das Claridades do Sul (Leal, 1901 p. 148) e, com duas rimas cruzadas, dois outros poemas da mesma obra (Leal, 1901
pp. 230, 278). Antero de Quental, nas Primaveras românticas, socorre-se também dos dois tipos de quarteto, com uma rima cruzada (Quental,
1922 p. 83) e com duas (Quental, 1922 p. 18).
A ocorrência de composições deste tipo não comprova nenhuma leitura
ou filiação específica, de tal forma elas são indistintamente comuns aos ultrarromânticos e aos poetas imediatamente posteriores. Só a
monorritmia coloca alguns dos colaboradores mais próximos das
escolas posteriores – mas apenas nesse aspeto.
Os outros dois poemas misturam, respetivamente, dodecassílabos com
octossílabos (S1890/45, de Cordeiro da Matta), e dodecassílabos com
hexassílabos (1892/186, de Abílio de Mendanha).
O de Cordeiro da Matta («Situação dolorosa») debruça-se sobre uma situação bizarra, em que alguém teria de escolher entre salvar a mãe e
salvar a esposa:
Em fragil lenho sobre o dorso do oceano – prestes a pasto ser dos feros tubarões – levava ao lado seu o ousado marinheiro os dois melhores corações...
Eram os entes mais queridos d'este mundo: a cara mãe – a doce imagem de Maria – a santa immaculada, a que na leda infancia nos dá alento e alegria; e a boa esposa, a fida amiga, que o consôlo nos traz nas tristes horas d'amargura e dôr; a pomba casta em cujas azas alvacentas resplende dos anjos o alvor!... Segura ousado o nauta do escuro vento a sorte, emquanto doce riso nos lábios lh'errava, olhando embevecido por esses caros entes, que mais n'este mundo prezava. Mas, quando folga ledo, eis s'obumbra o horisonte e rija tempestade os mares embravece! já em gyro açodado eis corre o triste lenho, e o feminil seio estremece!... O nauta que ditoso ao lado os seus mirava, agora immerso em dôr amarga, lacrymoso, impresso se lhe vê na -ha pouco- alegre fronte o amargo pungir doloroso! ........................................................................................................................................................................................................................................................................ Oh! triste scena! já quasi presa das ondas vê o filho do mar os caros entes seus!... E co'a mente turbada o terno filho-esposo fulo ameaça os escarceus!... Lá das agoas no fundo ellas desapparecem, soltam no desalento os mais pungentes ais. E o nauta affeito á furia d'essas vagas não decide, não póde mais! Oh! como o dolorido, o angustiado filho póde da morte a mãe adorada salvar, se n'esse furioso e torvo abismo a esposa não póde às ondas arrancar?! .................................................................................................................................... Ah! se ha dôr mais pungente que a alma trucide, é a que o varonil peito assim retalha quando valer não póde, e os entes que idolatra teem o oceano por mortalha...
Setembro de 1881. J. D. Cordeiro da Matta (Barra do Quanza), S1890/45.
De passagem repare o leitor no jogo, geralmente bem jogado, entre
ritmos baseados em segmentos de 4 sílabas métricas e ritmos com o primeiro acento principal na 6.ª sílaba. Digo bem jogado. Não só
porque, de forma geral, o acento recai numa sílaba forte, acentuada já
na palavra, mas também porque, de forma geral, o ritmo de 6+6
intensifica o tom dramático, indica um momento culminante da
argumentação poética (pressupondo sempre um efeito estético a par do
efeito retórico e do emotivo).
Repare ainda nesse mesmo desenvolvimento dramático. Ele conota o
mar, que seria através do barco uma passagem, com uma fronteira intransponível – à medida do naufrágio. O intento de atravessar o mar é
gorado e, mais, leva os seres amados e, mais ainda, o filho-esposo nem consegue decidir sobre quem salvar. De maneira que o mar aparece,
não só como fronteira intransponível, ainda conotado com a morte. Na
verdade, é uma passagem para a morte, a morte física dos entes
queridos e a morte psíquica do protagonista. Essa conotação, do mar e
da morte, está num acordo profundo com o próprio nome e conceito de mar em algumas das línguas e tradições angolanas. Embora o
desenlace nos desiluda (pela impossibilidade de decidir enquanto se vê
as duas mulheres amadas morrer), ele é coerente com tais referências.
O poema de Abílio de Mendanha («Saudade») é, como o anterior, triste, sem esperança – mas saudoso do sorriso da amada, possivelmente
versando o mesmo motivo da morte da esposa e da saudade como
renascimento sentimental
(Ao mimoso poeta, meu amigo, sr. Oliveira Neves) No peito meu, saudade, erijo-te um sacrario Ao lado de minh'alma; Será meu coração o teu devocionario De prece terna e calma. Perfume sempre flôr de rosas desfolhadas É só o que me resta: Findou o epithalamio e vivo das balladas... A sorte minha é esta! Não sei como voei num turbilhão escuro Até ao descampado;
É morto para mim o brilho do futuro E fito o meu passado! D'aquelle bom sorriso abraço-me à lembrança Na triste soledade, E, como tenho a alma exhausta de esperança, Adoro-te, saudade...! Abílio de Mendanha (Loanda-Africa Occidental), 1892/186.
Repare agora o leitor em como o ritmo é sempre igual, assentando
sempre sobre a 6.ª sílaba. Por um lado isso mostra o perfeito domínio
técnico do verso; por outro a pouca sensibilidade a cada parte do que
atrás chamei argumentação poética e permite aproximá-lo mais de
escolas posteriores.
Repare também no conteúdo expresso. O tema é a saudade. O poeta ergue-lhe um sacrário (provavelmente metáfora do próprio poema) ao
lado de sua alma (na alma não, pois ela se encontra exausta de esperança – mas ao lado). O lugar-instante em que o emissor se
encontra é definido por ele negativamente. Mais do que isso, é definido
como um “descampado”, um vazio, portanto um não-ser e um não-
lugar. É deste nada, que se equipara indiretamente ao deserto como a
saudade norteafricana, é desta exaustão da esperança e da alma, que nasce a saudade sacralizada. Sendo ela fruto da solidão, não é por
pobreza de vocabulário que rima “soledade” com “saudade”, mas como
forma de indicar, uma vez mais, o tipo e a razão mais funda desse
sentimento saudoso, que era no caso a solidão. Com tal desenho, a saudade se aproxima do banzo, do sentimento agudo da ausência, da
despossessão, da remetência à condição de não-ser que sente o escravo
dentro do navio negreiro. Sendo português o autor e sendo portuguesa
a saudade original (com fundas raízes no norte de África), ele torna-a
(por essa mesma raiz desesperada e solitária) próxima do banzo. Há aqui uma deslocação simbólica, de um mundo de referência
inicialmente exógeno para um mundo de referência, também, endógeno.
Chegados a este ponto, é preciso diferenciarmos a presença de versos quebrados, como é o caso do octossílabo em relação ao dodecassílabo e
do hexassílabo em relação ao decassílabo, e a simples combinação de
versos, como é o caso da conjugação de dodecassílabos com hexassílabos, ou de hexassílabos com tetrassílabos (Carvalho, 1987 p.
244), praticadas ambas por Joaquim Dias Cordeiro da Matta.
O poema de Abílio de Mendanha conjuga versos dodecassílabos e
hexassílabos, o que podia fazer pensar em combinações de versos
simples. No entanto, os seus dodecassílabos estão acentuados na 6.ª
sílaba sempre, pelo que o hexassílabo se torna um quebrado, como já
disse.
A conjugação dos versos com os “seus quebrados respetivos” é referida por Castilho (Castilho, 1874 p. 142), desde que seja simétrica a mistura
(embora mais adiante, a pp. 144, o poeta refira elogiosamente o tipo
estrófico utilizado por Cordeiro da Matta, em que o quebrado surge no
último verso, tipo que diz ter sido introduzido em Portugal por Tomás
António Gonzaga, poeta de que ainda há edições do século XIX na
Biblioteca do Governo Provincial de Luanda).
A combinação entre versos simples não é referida pelo tratadista
ultrarromântico, sendo porém admitida como correta por Amorim de
Carvalho (Carvalho, 1987 p. 244) e praticada por Olavo Bilac.
Para cada um destes dois últimos tipos citados as distribuições são sempre de rima cruzada, apresentando cada um deles uma ocorrência
com estrofes de uma rima e outra com estrofes de duas. Castilho dizia,
porém, que, quando “as estrophes constam de dois ramos, quer estes
sejam eguaes em quantidade de versos, quer deseguaes [...] o ouvido
approva muito, não só que esses dois ramos rimem um com o outro pelo fim, mas que rimem em agudo” (Castilho, 1874 p. 143),
exemplificando com estes versos, de autoria não indicada:
Nasci no rico Oriente, Criei-me entre as verdes palmas Para amor.
Amor me poz no Occidente, fez-me d'alma duas almas
para a dor.
No caso dos poemas citados, o de Cordeiro da Matta (S1890/45) não rima os versos quebrados um com o outro (o que decorre naturalmente
do tipo estrófico rentabilizado na composição); só rima em agudo em
duas estrofes iniciais, tal como acontece com Alberto Marques Pereira (S1890/30) — que, no entanto, rima os versos quebrados uns com os
outros. Nos dois últimos (1892/186 e 1893/239), de Abílio de Mendanha e de Alberto Marques Pereira, rimam os versos quebrados
uns com os outros – mas nunca a par da acentuação em agudo.
A terminação dos quebrados em agudo, mesmo quando não rimam
entre si, é uma prática muitas vezes respeitada em poetas como
Castilho, João de Lemos, Soares de Passos, João de Deus, Gonçalves
Dias, Tomás Ribeiro, Pinheiro Chagas, Ernesto Marecos, Luís Augusto
Palmeirim e Guilherme Braga, não o sendo em Mendes Leal. Em Garrett
e Herculano, porém, essa constante não se verifica, sendo aleatória a
ocorrência de rima aguda nos quebrados. Gomes Leal também nem sempre respeita a regra aconselhada por Castilho, assim como Antero
nas Odes modernas, ao contrário do que sucedia nas Primaveras românticas. Os poetas do corpus terão, pois, seguido aqui uma prática
anterior, ou posterior, não respeitando a norma ultrarromântica portuguesa. Mas seguiram a brasileira, pois entre os ultrarromânticos
brasileiros não se cumpre essa norma tão pormenorizada.
Quartetos e quadras com variações na distribuição rimática
Quando, numa sequência de estrofes, se distribuem, não só as rimas
por essas estrofes, mas também os tipos de distribuições rimáticas entre elas, acompanhadas ou não as variações rimáticas de variações
métricas, o conjunto de estrofes tende a apresentar-se como um
sistema. Nesse caso, a leitura das distribuições rimáticas e das
variações métricas (ou, eventualmente, estróficas) deve ser feita em
função de todo o poema.
No nosso corpus, encontrei quatro ocorrências de poemas onde as quadras apresentam variação nas distribuições rimáticas, todas elas da
segunda metade do período.
Um desses casos (1884/124) é o do famoso poema «Negra», de Cordeiro
da Matta:
I Negra! negra! como a noite d'uma horrivel tempestade, mas, linda, mimosa e bella, como a mais gentil beldade! Negra! negra! como a aza do corvo mais negro e escuro, mas tendo nos claros olhos, o olhar mais límpido e puro! Negra! negra! como o ébano, seductora como Phedra, possuindo as celsas fórmas, em que a boa graça médra!
Negra! negra!... mas tão linda co'os seus dentes de marfim; que quando os labios entreabre, não sei o que sinto em mim!... II Se negra, como te vejo, eu sinto nos seios d'alma ardêr-me forte desejo, desejo que nada acalma; se te roubou este clima do homem a côr primeva; branca que ao mundo viesses serias das filhas d'Eva em belleza, ó negra, a prima!... Mas, se a pródiga natura gerou-te em agro torrão; s'elevar-te ao sexo fragil temeu o rei da creação; é qu'és, ó negra creatura, a deusa da formosura!... Joaquim Dias Cordeiro da Matta (Barra do Quanza ), 1884/124.
O poema, no que diz respeito ao conteúdo, foi lamentavelmente mal-entendido, como se o poeta sentisse vergonha da cor negra – e logo num
poema em que essa cor é chamada ao título... O que me parece estar
dito ali é que a “cor primeva” (ou seja, primeira) dos homens não era
negra (o que está certo) mas branca (o que não está certo); não sendo
assim (ou seja, se os primeiros homens não fossem brancos, ou se os
negros fossem da cor ainda dos primeiros homens) a mulher negra ficava em primeiro lugar (“a prima”, ou seja: a primeira) face às
brancas. Repare-se que, por essa colocação, Cordeiro da Matta põe subtilmente os brancos do lado onde costumavam ficar os negros: o dos
primários ou primeiros habitantes do planeta. Para além disso é preciso atentar na estrutura retórica, semelhante à de Maia Ferreira no poema
«A minha terra» – igualmente mal entendido. O poeta põe, em cada
estrofe da primeira parte, uma frase referindo as conotações negativas da cor negra (assimilada à tempestade, ao corvo – ao medo) para em
seguida lhe realçar as qualidades. Temos que inserir esta estrutura
binária numa séria longa e tensa de diálogos entre ‘raças’. Melhor dito:
entre preconceitos ‘raciais’. O poeta está como que a responder a um
terceiro interveniente no cenário enunciativo: explicitamente se dirige à
mulher negra; implicitamente aos preconceituosos. É como se lhes
dissesse: sim, a cor negra evoca isso, tudo bem, mas vejam como esta
mulher, tendo a pele dessa cor, não é nada disso, é bela, sensual,
atrativa. Se a cor das outras é já um argumento a seu favor (isso diria o
preconceito anti-negra) então a beleza numa cor que, para vocês, não favorece, é maior façanha ainda. Tanto mais que a passagem se reporta,
muito provavelmente, ao famoso Cântico de Salomão em que a Sulamita
responde aos preconceitos raciais (à inveja) das hebreias dizendo: eu sou negra e formosa, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de Salomão. Uma vez que a conjunção hebraica “ve” pode significar tanto “porém” quanto “e” – não tendo necessária
conotação adversativa – as traduções da Bíblia foram oscilando entre os
dois sentidos, o adversativo e o cumulativo – parecendo Cordeiro da
Matta inclinar-se para a adversativa. Também o verbo que se traduz muitas vezes por “sou” pode significar “estou”; a palavra que se traduz
por “negra” pode significar ainda “morena”, “escura”; isso tudo baralha
as traduções. O versículo seguinte, na Bíblia, conota a cor, a vadiagem e
o castigo: não repareis em eu ser morena [ou negra], porque o sol crestou-me a tez; os filhos de minha mãe indignaram-se contra mim, e me puseram por guarda de vinhas; a minha vinha, porém, não guardei. Essa tez morena era própria das mulheres errantes, por isso logo em seguida
a famosa diva é conotada com a errância: onde apascentas o teu rebanho, onde o fazes repousar pelo meio-dia, para que não ande eu vagando junto ao rebanho dos teus companheiros? Ela tem a cor das que andam vagando ao meio-dia, quando o sol é mais forte. Todo esse contexto bíblico ficou mal esclarecido até hoje, nem sei se alguma vez
vai esclarecer-se melhor. A contextualização imediata é, porém, essa: a
de uma mulher bela, perfeita, escolhida pelo Rei, que se orgulha de ser
bela e negra (ou morena, ou crestada). Uma das traduções (que o leitor
pode facilmente encontrar em rede) é esta: “eu estou morena e bela, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de
Salomão. Não olheis para o eu estar morena, porque o sol me queimou.
Os filhos de minha mãe se indignaram contra mim e me puseram por guarda de vinhas; a vinha, porém, que me pertence, não a guardei.”
Quer dizer que ela ficou morena por estar de guarda às vinhas (e
guardando-as não guardou a sua vinha, o seu corpo não ficou nos abrigos), por estar ao sol (“porque resplandesceu sobre mim o sol” –
(Josué, 2004)) e diz às filhas de Eva que não olhem mal para ela por
essa cor, porque essa é a cor da preferida, que é preferida pela sua beleza e que recebeu a bênção do sol. Portanto logo ali se desmente
uma conotação preconceituosa e negativa entre ser negra (ou morena) e
não ser bela. Como aqui, neste poema de Cordeiro da Matta.
Para dar uma vivacidade própria ao discurso, o poeta recorre a quadras
heptassilábicas (a quadra mais comum em Portugal e no Brasil e talvez
a estrofe mais comum também). O ritmo das quadras tem predominância da soma 3+4, embora também explore 4+3 e 2+3+2, ou
ainda 5+2. A variação aumenta a vivacidade, mas o ritmo predominante
já é vivaz e quotidiano – mesmo nos países e nas culturas onde o
preconceito contra a cor negra se teria originado (na verdade ele é bem
mais antigo e de origens variadas).
Na segunda parte as quadras aparecem misturadas com outros tipos
estróficos. Na primeira há quatro quadras com uma só rima, cruzada
([*A*A]); elas são seguidas por uma quadra com duas rimas cruzadas ([ABAB]), uma quintilha e uma sextilha, todas em heptassílabos e
recuperando-se na quintilha e na sextilha a distribuição das quatro primeiras quadras ([AB*BA], [AB*BAA]), ou seja, quatro versos de uma
rima cruzada (se isolarmos os quatro primeiros versos). Quer dizer que,
neste caso, a distribuição com duas rimas aparece tão-somente como
alternativa, espécie de contraponto à outra que predomina ao longo do
poema, sinalizando, além disso, o momento em que a composição vai mudar o tipo estrófico, o ritmo e a estrutura retórica – ainda binária
mas introduzindo-se cada estrofe por uma condição ou concessão e
seguindo-se, em crescendo, a afirmação da superior beleza da mulher
negra.
Das outras três ocorrências alternam-se, na primeira («Revelação», 1879/403), [ABBA/ABAB], com dominância para o último destes dois
esquemas (o primeiro só surge na primeira estrofe) – dominância
comum ao corpus:
A... Vives em meus pensamentos há muito! Se longe existes dás-me o ideal dos tristes, se perto, incêndios violentos! És longe a musa saudosa que me deleita e entristece! E, perto, a luz misteriosa que me incendeia e enlouquece.
Se és longe és astro do espaço que me attrae sem me queimar! se és perto, és iman, e eu aço, louco, sem tino, a girar! Quero olhar-te, e o brilho teu tem sobre mim tal condão, que em vez dos olhos ao céo erguer, me pendem ao chão! É que a imagem vaporosa que mais se adora com fé, nos envolve em luz radiosa que nos perturba... e se crê! Eis os segredos d'est'alma de quem pódes ser o céo n'este mundo, e essa palma, linda, mereço-t'a eu! Ou tão longe que eu só sinta por ti a meiga saudade; ou tão perto, tão distincta que me incendeies, beldade! José Bernardo Ferrão (Loanda), 1879/403.
As versos vão trocando o ritmo dominante (agora 4+3, ritmo mais
comum na quadra portuguesa) com outros, principalmente o seu
inverso, dominante na composição de Cordeiro da Matta (3+4). Atente-se ainda no léxico e nas conotações: embora a ‘musa’ não seja conotada
com nenhuma cor de pele, o vocabulário para descrevê-la quando está
longe é tipicamente português (saudoso, na aceção mais portuguesa
que junta deleite e tristeza; astro do espaço; imagem vaporosa),
enquanto o vocabulário para descrevê-la quando está perto nos aproxima dos ‘calores’ tropicais e do léxico usado por Cordeiro da Matta
(atente-se especialmente na imagem do incêndio amoroso),
acrescentado-se a metáfora do aço e do íman (“louco, sem tino, a girar”) – uma metáfora moderna, que também se encontra no poema ao rio
Quanza, do mesmo Bernardo Ferrão.
Depois, nesta sequência de quadras mistas, aparece «Cambuta»
(1890/293), do ilustríssimo Cordeiro da Matta. Aí surgem as três distribuições misturadas ([ABAB/ABBA/*A*A]), sendo as cinco
primeiras estrofes de duas rimas cruzadas e as duas últimas seguindo-
se na sequência indicada entre parêntesis:
(Ao Ill.mº Sr. Joaquim José Bentes) Não é feia, nem é linda, mas tem o encanto ideal, a graça attrahente, infinda, que enlouquece a um mortal. Nada possue de galante, de divino ou seductor; porém, um todo que encante como o seu, não ha melhor. É câmbuta, isto é, baixinha, não sendo horrenda, nem feia, e posto seja negrinha tem as formas d'uma hebreia. Seus olhos claros, brilhantes, derramam uns taes fulgores, que dois astros fulgurantes não lhe ganham em primores. Quando airosa a vejo a andar, o seu corpo pequenino – de plastica singular – tem um quê tão peregrino, Que a alma logo s'invade d'uma estranha sensação, e palpita o coração de febril anciedade... A antiga esthetica grega que pelo bello morria, se visse este raro specimen uma estátua lhe esculpia!” Joaquim Dias Cordeiro da Matta (Barra do Quanza), 1890/293.
A composição vem na linha de «Negra» e foi vítima também de incompreensões. O que no entanto o poeta diz é que a mulher de que
fala “tem as formas de uma hebreia” ainda que não o seja. É esse o
sentido de “posto seja negrinha”. O “posto”, sendo uma adversativa, não implica aceitação de menoridade para a “negrinha” por ela ter essa cor,
mas apenas que, sendo negra, não era provável ter as formas de uma
hebreia. Por tal motivo, por ter as formas de uma hebreia sendo negra, é que “a antiga estética grega” não a esculpiu – porque não conhecia o
original. Repare-se ainda que o poeta, embora tenha em mente a Grécia
antiga, dá como exemplo mais próximo da beleza negra a hebraica, não
a grega. Realmente, quer pela cor, quer pela localização geográfica, a
hebreia estaria numa situação intermédia entre a Europa e a África
negra – onde havia também judeus, os etíopes, do seio dos quais
emergiu depois o cristianismo da Etiópia. Da mesma forma o facto de
ser cambuta não impede a beleza – o que podia contrariar o cânone
estético dominante.
Ainda assim pode o leitor perguntar-se porquê a hebreia, nesse caso, e
não qualquer outra das mais próximas. É que a hebreia e suas formas
foi também cantada pelo romantismo lusófono da segunda e terceira
gerações. Castro Alves andou apaixonado por duas irmãs hebreias,
filhas de uma senhora judia de origem italiana, todas de apelido
Amzalack e vários poemas seus refletem essa paixão; um deles,
encimado por um versículo do Cântico dos cânticos, faz mesmo rima com a palavra hebreia, no seguinte verso: “Tu és, ó linda, sedutora
Hebréia...” (Alves, sd p. 8). A beleza das filhas (e da mãe) tocou mais poetas ainda e o português Tomás Ribeiro também entrou na liça
cantando uma dessas hebreias. A beleza da mulher hebraica, de resto, é
conhecida por várias tradições literárias e, no mesmo Brasil romântico,
outros poetas dela falaram, como por exemplo Junqueira Freire na
«Canção do judeu» (Freire, 1867 p. 112). Uma vez considerada esta contextualização literária, torna-se cada vez mais claro que o poeta
angolense estava a realçar, nesse pano de fundo, a beleza da mulher
africana a par da beleza da hebreia.
O ritmo destes versos é, como em «Negra», muito vivo. A variação é mais intensa que em Bernardo Ferrão, ficando quase a par as duas
sequências mais comuns (3+4 ; 4+3) e recorrendo-se a várias
sequências alternativas, algumas raras, entre as quais destaco 2+5
(acompanhada no poema pela sua inversa, 5+2, que também aparece em «Negra»). São, no entanto, três poemas idênticos (os dois de Cordeiro
da Matta e o de Bernardo Ferrão) no que diz respeito ao ritmo e mesmo
a conotações africanas para o ideal feminino próximo.
Finalmente, a pp. 375 do Almanach para 1890, surge, numa primeira estrofe, uma distribuição inesperada ([AA*A]), que faz lembrar a
distribuição [AAAB/CCCB] descrita por Castilho e Amorim de Carvalho,
logo seguida, porém, pelas restantes estrofes, de uma só rima, cruzada:
***
O teu rosto, oh tentadora, é pretinho qual amora; mas alegre com'oriente n'um bello romper d'aurora. Teus olhos bellos ornando um lindo rosto brejeiro... Parecem dois sóes brilhantes No interior d'um tinteiro. Tua bella dentadura, Em nacar puro engastada, brilha qual fulgido raio em noites de trovoada. Teu pé pequeno e bonito, A cintura fina, airosa; com tantos mimos, oh! linda, tens razão de ser vaidosa. És, pois, oh! preta beldade um montão de perfeições; E sendo, como és, tão bella, roubas muitos corações. I. I. F. (Africa Occidental – P. A.), 1890/375.
O poema vem ainda na linha das composições de elogio à mulher negra.
Nada sei sobre o autor, que é no entanto desastrado e não devia
frequentar companhias muito poéticas lá por Pungo Andongo. Talvez tenha lido Maia Ferreira (“teu pé pequeno e bonito”), eventualmente
outros poetas locais, parecendo às vezes que ironiza sobre o poema
«Negra» de Cordeiro da Matta, do qual está ritmicamente próximo. Mas
as leituras não lhe valeram de muito, convenhamos.
A estranha distribuição rimática inicial ([AA*A]) pode ser apenas fruto
de falta de jeito ou de consciência poética. Levando em conta que a rima
constitui uma coincidência de sons é de admitir, à partida, que há graus de coincidência, graus esses definidos variamente pelos
tratadistas. Castilho fala em rimas “impuras ou toantes” e “puras ou consoantes”, dizendo que na toante “a rima é imperfeita” porque “a
homophonia só attinge as vogais; na rima consoante, a rima é perfeita:
a homofonia é formada pelas vogais e consoantes”. Fala ainda em “rima completa” (quando a rima inclui a consoante que antecede a vogal
tónica) e “incompleta” (quando isso não acontece) (Castilho, 1874 p. 22). O Visconde recorre assim a quatro distinções para designar duas
realidades, visto que, para definir as rimas consoantes e toantes,
capitaliza sobre três distinções: impura/pura, imperfeita/perfeita e
toante/consoante. Parece-me, por isso, mais racional a nomenclatura
utilizada por Amorim de Carvalho.
Na Teoria geral da versificação recorre este tratadista à designação de rima completa e incompleta para indicar uma homofonia completa e incompleta, dividindo-se a incompleta em consonântica (se coincidem
só as consoantes), vocálica (se coincidem só as vogais) e pós-tónica (se
coincidem só os fonemas posteriores à vogal tónica). Quanto à rima
completa, ela divide-se em perfeita e imperfeita, podendo a imperfeição
ser de origem consonântica ou vocálica. Faltaria, em nosso entender,
uma designação para as rimas — raras — que incluem a consoante pré-
tónica (Carvalho, 1987 pp. 301-305; 312-319), ou seja, aquelas que são
designadas por Castilho como completas.
A rima pode, portanto, incluir ou não a consoante que antecede a vogal tónica. É o caso de [lavra] e [palavra], que apresentam um grau de
coincidência maior do que [fiava] e [escrava], sendo que estas ainda apresentam um grau maior de coincidência do que [palavra] e [calava].
De igual modo podem mudar as vogais pós-tónicas entre duas palavras
de rima, ficando a rima a fazer-se só pela vogal tónica e/ou pela(s)
consoante(s) próxima(s), anterior ou posterior, como em [indício] e
[indica].
No que diz respeito às vogais, a coincidência entre elas pode ser total ou
parcial, baseando-se então o processo de graduação da rima nas
variações entre fonemas, como por exemplo entre [tentadora] e [amora],
(rima completa, imperfeita vocalicamente, seguindo a nomenclatura de Amorim de Carvalho), que não rimam como [amora] e [aurora] (rima
completa e perfeita, segundo o mesmo autor), ou na combinação entre
os dois meios de graduação rimática.
No caso do poema acima citado, encontramos uma variação entre fonemas, na rima do primeiro para o segundo verso, através das
palavras casadas no penúltimo exemplo (“tentadora” e “amora”) – ou
seja, uma rima completa mas imperfeita vocalicamente.
Castilho dizia que a “rima toante só se empregava em periodos (e não
estrofes) regulares de quatro versos, quer de dez syllabas — ou heroicos, quer de sette syllabas — ou redondilhos; esta segunda era a
mais usual; o primeiro e terceiro eram soltos; os toantes estavam no
segundo e no quarto. O canto começado por uma espécie de toante tinha obrigação de continuar por ella até ao fim” (Castilho, 1874 p.
116). Não se identificando, aqui, o tipo de composição que o tratadista
parece ter em mente, muito praticado pelos poetas barrocos, podemos
considerar que a primeira rima [A] pode não ter sido considerada pelo
autor como tal, até por não ser, esta espécie de rima [“toante”], muito
cultivada pelos poetas românticos e pelos ultrarromânticos, como a
citação de Castilho deixa prever. A pouca informação e perícia literárias
do autor explicam por igual a falha percetiva. Sublinho que, no poema,
esta rima toante só surge na primeira estrofe, confirmando assim a
suspeição sobre a casualidade da sua presença.
Podemos, então, descrever essa primeira quadra como de uma rima
cruzada, reduzindo-a à distribuição rimática das restantes estrofes do
poema. Restar-nos-iam, pois, apenas três casos de variações na
distribuição rimática entre quadras de um mesmo poema.
Nos três casos encontramos uma distribuição predominante contraposta a outra(s) colocada(s) no início ou no fim dos poemas. Isso
parece demonstrar, nos autores estudados, uma depurada consciência do papel que, no processo de composição formal, pode ser
desempenhado pelas variações na distribuição rimática.
Um quarto caso (1892/438), inédito no contexto dos poemas estudados,
é o de uma composição de Cordeiro da Matta, já atrás citada, que mistura estrofes com versos hexassilábicos e estrofes com versos
tetrassilábicos, possuindo cada tipo métrico uma distribuição rimática
própria ([*A*A] para as estrofes de versos hexassilábicos e [ABBA] para
as estrofes de versos tetrassilábicos). A combinação de versos tetra e hexassílabos é considerada correta por Amorim de Carvalho (Carvalho, 1987 pp. 224, quadro anexo). A coincidência entre a distribuição rímica
e a distribuição métrica vem reforçar a ideia de uma consciência
depurada no trato formal do poema, ideia que já ficara de outras
proezas de Cordeiro da Matta. Note-se ainda, a esse título, a
distribuição perfeitamente simétrica das estrofes, dividindo o artifício duas metades rigorosamente iguais. Se atribuirmos o número [1] às
estrofes hexassilábicas e o [2] às tetrassilábicas temos esta sequência:
1-2-1 ; 1-2-1. A primeira parte da sequência tem um desenho igual ao das rimas cruzadas (ABA), tal como a segunda; se juntarmos o meio do
poema temos o desenho típico das rimas emparelhadas e interpoladas
(2112 = ABBA).
A composição destes desenhos, simétricos e assimétricos, não me
parece casual. É, pelo contrário, lúcida e nos liga à vertente barroca da lírica angolana, à composição de charadas e às culturas tradicionais
analógicas.
O que na leitura passava a ter mais interesse era a organização dessa
espécie de geometria oculta. Os significados que ela podia sugerir eram
geralmente articulados à semântica de superfície, aos significados
explícitos, mas não parecia tal articulação ter grande importância. No
caso do poema de Cordeiro da Matta, ele é dedicado à talvez mística
sombra da palmeira e as variações métrico-rímicas fazem-nos lembrar o
oscilar das sombras. Mas a totalidade da sequência (121121, equivalente a ABAABA na distribuição rimática) indica-nos uma
simetria, como se a segunda parte fosse espelho da primeira. Ora a
simetria não é natural, a natureza é contrapolar mas assimétrica. O
nosso rosto, por exemplo, tem duas metades mas uma não é nunca a
simetria da outra, os rostos são sempre simetrias imperfeitas e a
imperfeição vai sendo, curiosamente, acentuada com a idade. Quer
dizer que o significado da composição de simetrias através das
distribuições rimáticas e métricas remete-nos para conceitos abstratos,
de que a leitura ao nível de superfície não nos faria desconfiar. Hipoteticamente, conceitos relacionados com práticas e ritos maçónicos
e cristãos, tanto quanto com algumas esculturas bantos de Angola e desenhos na areia. São caminhos a explorar mas, por enquanto, tão
nebulosos quanto as manhãs de cacimbo na Quissama de Cordeiro da
Matta.
Dois quartetos em estruturas de mote e glosa
Finalmente, é de referir a presença de duas ocorrências particulares. A
primeira resume-se a uma quadra que serve de mote, glosada em
décimas (S1887/162):
MOTE (1)
Vox populi vox Dei, são palavras em latim:
que é certo eu bem o sei,
o exemplo está em mim!
Passaram mezes e annos
no sonho dos meus amores; da sorte acerbos rigores,
muito amargos desenganos.
Mil pensamentos tyrannos só comigo acalentei
fel amargo prelibei na descrença do porvir,
sem deixar de repetir
vox populi vox Dei
Quizera ver minha amada
em dia santo e festivo;
poeta d'alma captivo,
desejava a minha fada. Pomba do céo enviada,
deu-me um dia o doce – sim
deu-me um ramo de jasmim
com um sorriso d'amor,
para dizer com rubor:
são palavras em latim.
Aos domingos no passeio,
era de noite e de dia precisava ver Maria,
seu amor e seu enleio. Avançava sem receio
na senda que bem tracei,
crença no peito gravei,
do provérbio popular,
nosso latim escolar, que é certo eu bem o sei.
Andava sem fé na vida,
sorria ao mundo descrente, um raio de sol candente
era a luz apetecida.
A minha imagem querida
seguio-me para onde vim,
deu-me um abraço e por fim chamei-lhe minha mulher,
p'ra que veja quem quizer:
o exemplo está em mim! (1) “A proposito do seu consorcio com a Exmª Srª D. Maria da Con-ceição Cardoso e Silva, após 11 anos d'ausência”
A. J. Machado (Malange - Africa Occidental), S1887/162.
Trata-se de uma espécie formal que foi comum na lírica portuguesa
anterior ao romantismo, mas inexistente no seio do ultrarromantismo
português, a julgar pelas obras compulsadas – se excetuarmos duas
composições de Castilho na sua juventude, claramente experimentações
prematuras, publicadas nas Novas excavações poéticas (Castilho, 1905 pp. 31, 61). O poema, de resto, parece-me forçar a ligação do mote à
glosa, pelo menos não vejo qualquer evidência entre o ditado latino e o facto de dois namorados acabarem por casar. Note-se ainda como o
poeta recorre a referências europeias: em vez de ela lhe mandar um
pedaço de cola, dá-lhe um ramo de jasmim – o que não é menos belo
mas indicia, quer-me parecer, um europeu ou, pelo menos, uma
mentalidade fortemente europeizada. Como também a composição e o
autor não têm qualquer relevância para nós, fiquemos por aqui.
A segunda ocorrência era menos previsível. Refiro-me ao «Fragmento»,
assinado por Augusto G. de Castro no Suplemento ao número para
1887 (pp. 55/56).
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..........................................
Em Coimbra, 18 de Junho de 1872.
A ti peccadora formosa e perdida,
camelia pendida sem viço nem côr,
dedico estas trovas sem estro rimadas
e improvisadas em noute d'amor.
Já tudo repousa na velha cidade que a lua illumina com pallida luz,
só velam bohemios de capa e batina cantando à guitarra qu'encanta e seduz.
No leito d'areias, qual facha de prata, sereno o Mondego deslisa e rebrilha
e lá sobre a Ponte, num grupo se ouve
a banza, que um typo calouro dedilha.
Apoz breve tempo resôa no espaço
voz doce cantando que a alma innebria,
e a banza trinando, gemendo soluça em notas de fado, de grata harmonia.
Era a meiga BORBOLETA,
a linda desventurada
quem cantava docemente
esta canção maguada:
“Eu sou a mulher perdida,
sou ludibrio de quem passa, sou do mundo despresada,
sou a filha da desgraça.
O mundo tem precipicios,
tem medonhos tremedaes,
pegos tremendos, fataes;
e tem aromas ficticios,
impestados, tredos vicios
e compaixão fementida;
Julguei que nasci p'ra amar sonhei rosas no futuro,
mas bem cedo o fado duro
prantos me fez derramar.
Senti meu viço murchar
ao simoun da desgraça; em almoeda na praça
eu vi minha formosura;
hoje, pobre creatura,
sou ludibrio de quem passa.
É pão negro, amargurado
o que como em cada dia; só sente melancholia
meu coração maguado. Mal haja o ente malvado, que me tornou desgraçada
e que pobre abandonada
ao lodaçal me arrojou. Ai, na miséria em que estou,
sou do mundo despresada.
Por cego amôr seduzida
feriu-me o peito aguda séta
deixando a senda correcta, tornei-me a mulher perdida.
Sem ter no mundo guarida,
não sei, meu Deus, o que faça;
um raio de vossa graça
dae à pobre malfadada,
tende dó de mim, coitada,
sou a filha da desgraça.”
E a pobre BORBOLETA,
a meiga desventurada
soluçando terminou
sua canção maguada.
........................................................................................................
......
O astro da noute, sereno brilhando innunda com raios de nitido alvor,
o calmo Mondego, na velha cidade, a troupe bohemia que canta d'amor.
Augusto G. de Castro (Quillengues - Africa), S1887/55.
A composição apresenta-nos quatro estrofes de quatro versos
bipentassílabos e com distribuição [*A*A]; dessas quatro, a primeira
lhes soma duas rimas encadeadas compensando a falta de rima nos
versos ímpares e a segunda produz uma rima encadeada entre o segundo e o terceiro versos. Seguem-se duas quadras apresentando o
mesmo esquema rimático básico (uma rima, cruzada), a segunda delas
no papel de mote; encontramos depois uma sextilha e três décimas em
versos heptassilábicos, finalizando-se pela repetição da primeira das
quadras e, depois, por um quarteto com a distribuição [*A*A] também.
Levando em conta o título do poema e as reticências ocupando o espaço
da linha, suponho que se trata de um trabalho não publicado por
inteiro, pelo que a análise da sua composição não pode ser feita com segurança. No entanto, a presença do mote a meio, no caso de não ter
sido elidida uma presença inicial, parece inovadora em relação às composições de mote e glosa como a que anteriormente a esta referi. O
autor aparenta alguma habilidade técnica, não desenvolvida no entanto.
Não consegui saber nada sobre ele fora do Almanach. No Almanach para 1887 publicara também outro poema, desta vez recordando-se de
Sevilha. Assina Augusto Guilherme de Castro e localiza-se em
“Quillengues – Africa” – uma localização original no contexto da época, o
do início da colonização do interior de Benguela ao Lubango.
A mistura de tipos estróficos diferentes, quer em número de versos,
quer em tipos métricos, quer em tipos de distribuição rimática, ou na
conjugação destas três variações, não é prática inovadora face à poesia romântica e ultrarromântica, podendo recensear-se exemplos em todos
os autores paradigmáticos, quer do romantismo, quer do
ultrarromantismo. Castilho divide mesmo “a atual poesia rimada” em
“regular e irregular”, achando a segunda “capaz de grandes effeitos,
mas sobremodo occasionada a precipicios” (Castilho, 1874 p. 141). A
poesia irregular é definida como aquela cujas estrofes não são
uniformes e, portanto, inclui os tipos agora considerados, de mistura de
espécies estróficas, excetuados os dois previsíveis (e, por isso, regulares)
constituídos pela sequência de mote e décimas (S1877/162), e pela
sequência de quintilhas e quarteto (1877/359).
As estrofes de cinco versos
No que diz respeito a estrofes de cinco versos, o corpus estudado indica-nos claramente dois tipos: o primeiro (que chamarei quinteto, para
facilitar a distinção face ao segundo, ao qual chamarei quintilha)
apresenta-nos versos decassilábicos em quatro poemas escritos entre
1871 e 1877 (portanto, na primeira metade do período considerado). Todos eles usam a mesma distribuição rimática: [*ABBA]. O segundo
tipo apresenta-nos versos heptassilábicos e a mesma distribuição
rimática predominante, surgindo entre o número para o ano de 1863 e
o Suplemento ao número para o ano de 1887 (S1887), num total de dez
ocorrências, atravessando portanto as duas fases consideradas.
Quintetos
Quase todos os quintetos encontrados foram escritos pelo mesmo poeta,
João Cândido Furtado de Mendonça d'Antas, pelo que fica diminuída a importância da sua emergência, tanto mais que o primeiro desses
quintetos é escrito a bordo do navio que o levou para Portugal, onde
Cândido Furtado se fixaria definitivamente. Nesse aspeto, os poemas que datou depois da sua vinda não marcaram, em nada, a literatura no
local.
Há no entanto quintetos compostos por Cordeiro da Matta nos Delírios, o que me levou a suspeitar momentaneamente de alguma influência, mas são bem diferentes. Porque inserem o tipo no acervo técnico da
nossa lírica, descrevo-os:
No poema «?!», não é só o título que é inovador, lembrando aliás o uso
da pontuação no título Scenas d’África de Pedro Félix Machado. A primeira estrofe é um quinteto em dodecassílabos, sendo quebrado
(hexassílabo) o verso do meio. A distribuição rimática está bem
combinada com a métrica e o ritmo: AA*BB. O poema fecha com outra
estrofe de cinco versos, agora hexassílabos e com uma distribuição mais
estranha: **A*A (Matta, 2001: 121).
O seu conteúdo é igualmente incomum na lírica do próprio autor.
Escrito no Tombo em 1881, ele emparceira bem com a humilde
«Oração» que o antecede no livro. 1881 é um ano profícuo na produção
lírica de Cordeiro da Matta e, portanto, nesse ano lhe encontramos composições de índole diversa: de amor, de piedade, de fascinação e
afastamento em relação às mulheres. Há, no meio disso tudo, um pequeno segmento de poemas de temática religiosa. Há um “improviso”
anticlerical feito «Na véspera de S. Pedro» (portanto em Junho), no
Tombo também, onde o santo é chamado de “intrujão”. Mais à frente há
um poema escrito em Agosto de 1881, sintomaticamente chamado «Só!...» e feito “quando me achei isolado no Tombo”. Aí se autorretrata
“como o monge, como o cenobita” – mas ainda sentindo apenas saudade
dos seus entes queridos, particularmente a “idolatrada filha”. Depois
vem a «Oração» a que me referi e, finalmente (o último de 1881), este de
que falo e que não é só original na forma.
Ele nos dá conta das inquietações e buscas místicas do “africano ousado” (Cordeiro da Matta) que, por via do pensamento (“eu deixando-
me alar / na asa do pensamento a mundos ignotos”), rompeu “todos os mistérios”, pois “as ideais regiões” sulcou “sem medo” – ele também
merecendo o cognome (creio que estava a confrontar-se com heróis
portugueses) de “excelso viajor” que tinha chegado aos “invisíveis mundos” – de que nos não deu, infelizmente, muitos sinais. É de
postular que tenha Cordeiro da Matta passado por alguma experiência
espiritual mais profunda nesse momento de solidão no Tombo, dela nos dando lírica e vaga notícia nos dois poemas, um deles escrito de tal
forma que o ineditismo das regiões alcançadas e a sua transcendência
se representam ou iconizam pelo ineditismo e pela variação formais.
No entanto, o facto artístico (ineditismo e variação formais) estava possibilitado por algo descrito pelos tratadistas: a distribuição rimática
para as estrofes de cinco versos, segundo Bilac e Passos, era livre
(“rimam indiferentemente”) e o exemplo dado é de um esquema ABAAB,
também usado por Cesário Verde no poema «Cristalizações»23 e, como se
pode ver, idêntico ao de Furtado d’Antas exceto no primeiro verso.
Qualquer deles, no entanto, foi comum na época – o de Cordeiro da
Matta é que me parece original.
Uma variação ao esquema dado por Bilac e Passos (Bilac, Olavo e
Passos, Guimarães, sd) aparece num outro quinteto do Almanach enviado de Angola. A distribuição ([AAB*B]) é de um poeta sem grande
significado no corpus, apesar da sátira acutilante que assina («Epigramma»):
À força me embutiste
um livro de máos versos, que imprimiste, pedes-me agora a paga, tem paciencia,
que se m'os deste só pelo que valem, nada te devo em minha consciencia.
C. M. (Rio Zaire), 1874/263.
Como se pode ver, para além da distribuição rimática há uma diferença
ditada pelo cariz heterométrico da estrofe, que de resto funciona
isolada, constituindo só ela um poema. Que tem, como o de Cordeiro da
Matta, um verso mais curto – neste caso o primeiro; ainda possui um
verso sem rima (neste caso o quarto). Está alicerçado sobre unidades de seis sílabas (mais quatro, exceto no primeiro caso) e é precoce
relativamente à geração de 1878 (deve ter sido enviado para o Almanach em 1872 ou no ano seguinte).
Autoria
O autor subscreve como C. M., o que lembra Cordeiro da Matta, com o
qual apresenta as afinidades que vemos. Logo, mas mal.
A pp. 219 do Almanach para 1867, com as mesmas iniciais, é subscrito um artigo localizando-se o autor no Rio Zaire. Versa ele sobre “A língua
portugueza na costa occidental d'Africa”, o que me levou a pensar,
23 Escrito no inverno de 1878, foi publicado em dois periódicos de Coimbra em Maio e
Junho de 1879, portanto bem a tempo de ser lido por algum dos colaboradores do Almanach que, previsivelmente, esteve em Coimbra, ou por outros leitores residentes (Vieira de Castro seria um exemplo) e angolenses.
novamente, em Cordeiro da Matta, por causa dos seus interesses na
área dos estudos linguísticos. O facto de os dois autores serem os
únicos do corpus a comporem em septilhas acentuou essa intuição, a par do facto de não haver grande distância temporal entre a primeira
colaboração de C. M. e a primeira colaboração do poeta angolense, pois
Cordeiro da Matta vê publicada a sua primeira colaboração em verso no
Almanach para o ano de 1879 (p. 407), portanto, só um ano depois da
última colaboração de C.M.
Mas o poema, vindo localizado como vem, desaconselha a conotação
com o poeta negro do Rio Quanza. A discordância da localização
mantém-se no epigrama de 1874. Por outro lado, Cordeiro da Matta não
poderia ter escrito, com dez anos (visto que nasceu em 1857) o artigo do
Rio Zaire, muito menos a correspondência enviada para o Almanach em 1864 e 1865, reproduzida no n.º para 1866, p. 35. Aí fala, com ironia,
em prémios que daria a quem adivinhasse uma adivinha que pôs: porque é que os cabelos da barba, nascendo mais tarde que os da
cabeça, embranquecem primeiro. Entre os prémios fala em “pequenas pontas de marfim com lavores feitos pelos indígenas, e finalmente as
célebres cinzembas e barretes de Mafuca” – assim, sem tradução. A
correspondência (de onde cito) vem localizada e datada de “Zaire, 1.º de
Janeiro de 1865”.
Como Mário António diz que a colaboração do pai de Cordeiro da Matta
antecedeu, no Almanach, a do filho, equacionei a hipótese de ter o artigo sido escrito por Agostinho José Cordeiro da Matta. Porém, a
localização do artigo mantém-se como entrave a essa hipótese.
Só dois poemas aparecem subscritos com as letras C. M.: este, de 1874,
e um outro (a septilha) de 1876. Os dois são enviados do Rio Zaire, são os dois intitulados epigramas e são os dois satíricos, compostos em
versos decassilábicos predominantemente heroicos.
O segundo epigrama surge na linha de outros (epigramas e poemas) de
Faustino Xavier de Novaes, onde o sátiro do ultrarromantismo revela o
mesmo ceticismo face aos médicos e à sua “arte” (Novaes, 1858 pp. 106,
147, 158 e outras).
Um poema que surge em 1873 (p. 212), «A justiça», vem assinado por M. da C. e localizado em Luanda. Esse poema apresenta similaridades com
um outro, «O cura d'aldeia», de João de Lemos (Lemos, 1859 p. 177) –
tendo os dois a mesma métrica e a mesma estrutura retórica. Tudo indica não se tratar da mesma pessoa, inclusivamente a estrutura e as
caraterísticas formais dos textos em causa. Por sua vez, no jornal A bofetada (Cruz, 1894), transcreve-se um belo soneto de Marinho da
Cruz, tratado como o “desgraçado rapaz”, que teria sido degredado para
África. Pela distância nas datas não cremos que seja ele o poeta que, no
corpus, assina M. da C. M. da C. poderão ser as iniciais de “o sr. dr. Moreira da Camara”, versejador que, segundo se lê no Cruzeiro do Sul (Câmara, 1873), dedica um poema a “o sr. J. O. Toulson, cavalheiro ha
pouco fallecido, e que era muito estimado”, poema datado de “5-Março-
1873”, precisamente o ano em que se publica esta composição no
Almanach.
Voltando ao enigma “C. M.”, segundo um «Auto do corpo de delito indireto», cuja cópia data de “Loanda, 23 de Março de 1881”, serve como
segunda testemunha no julgamento em causa um “Augusto Cezar
Manaças, solteiro, natural de Monforte, de idade trinta e dous annos,
commerciante estabelecido n'esta villa (Dondo)”. A ser este o autor dos
dois epigramas ele teria, portanto, em 1874, vinte e cinco anos, o que
parece perfeitamente razoável.
No Boletim oficial da colónia faz-se referência a um J. A. da Cunha Moraes, o qual, segundo Manuel da Costa Lobo (Lobo, 1954) teria publicado com Carlos Afonso (que também desconheço), em 1883, um
Album fotográfico-literário. Mário António transcreve um extenso relatório do Governador-geral sobre a “situação em Angola” nos anos de
1882 e 1883. Aí se refere que “uma publicação litteraria existe tambem de muito interesse (em Moçamedes), e é o Album d'Africa Occidental de
vistas e costumes [...]” (Oliveira, 1968 p. 682). Diz o Governador que o
“optimo photographo” da publicação é C. de Moraes, referindo em nota
Mário António que se trata de J. A. da Cunha de Moraes, sendo o
redator Francisco de Salles Ferreira, nome várias vezes encontrado na
imprensa angolense, irmão de um dos grandes bibliófilos da época - ambos referidos (Angola. Governo-geral, 1874) na minha obra sobre as
leituras em Angola no século XIX. Esta é, sem dúvida, uma das hipóteses mais estimulantes para determinarmos a autoria dos dois
poemas, mas não pude assegurá-la face a outras alternativas.
Uma delas aparece-nos a partir da leitura do jornal O exército ultramarino. Aí encontramos vários artigos de “A. C. de Moraes, alferes”,
ao qual a correspondência do jornal devia ser dirigida. No Boletim oficial entra um Augusto C. de Moraes numa lista de contribuintes que
pagaram emolumentos, onde aparece também o nome de Carlos da
Silva e o de José de Fontes Pereira como escrivão da administração do Concelho de Luanda (Angola. Governo-geral, 1874 p. 14; 12). No
Portugal-África, incendiado pelo Ultimatum inglês, deparamos com uma colaboração de um Augusto Cezar de Moraes, que penso ser o mesmo alferes de 1887 (Portugal-África, 1890). Como ficamos a saber pelo
jornal O desastre, o “tenente Augusto Cezar de Moraes”, chefe do concelho de Malange, foi assassinado no dia 19 de Junho pelas “7 horas da noite” (Desastre, 1890 p. 1). É plausível que Augusto Cesar de
Moraes fizesse a carreira militar, iniciando-a no Rio Zaire, passando em
seguida a Luanda e, para subir de posto, fosse a Malange, onde se lhe
abria uma carreira de administrativo, talvez mais vantajosa e que, de
qualquer modo, era um dos prolongamentos, na época, da militar.
Pelo segundo volume da Angolana ficamos a saber do falecimento, em 1883 (3 de Abril), do cónego de Luanda, Henrique Ribeiro da Cunha
Menezes, que pode ser uma terceira hipótese (Oliveira, et al., 1971 p. 8).
Nada mais se indica, porém, acerca deste cónego. No entanto, pela
Monographia de Catumbella ficamos a saber que o cónego Henrique Ribeiro da Cunha de Menezes foi o primeiro professor da escola do sexo
masculino nessa vila, tendo tomado posse a 14 de Fevereiro de 1882
(Bastos, 1912 p. 57). A função docente aproxima-o (em princípio) da
literatura.
Uma quinta hipótese é a de se poder identificar este C. M. com António Antero de Jesus Castro e Moraes, que assina vários artigos enviados de
S. Thomé para o Almanach (p. ex.: 1894/271, 387, 471; 1895/132, 157, 303). Porém não lhe encontrámos nenhum poema lírico em verso,
apenas a transcrição de um, de autor ignorado, a pp. 471 do Almanach para 1894. No entanto, a colaboração deste autor é bastante tardia face
à de C. M. e não se localiza no Rio Zaire nunca.
Finalmente encontramos, no Almanach para 1871 (p. 253), uma composição assinada por “Dona C. M.” e sem qualquer referência a um
local. O poema é o seguinte:
Attrae o iman o metal mais duro,
A tenue chamma a borboleta leve,
O girassol segue o seu astro puro, E cada ser, o seu destino teve.
Foi minha sina, é meu dever amar-te; Minha ventura teu amor é só
No céo minha alma ind'hade a si chamar-te
Do santo laço a realisar o nó.
Laço sagrado a duas almas ternas,
Não póde a morte desatal-o, não; Deus, no segredo de suas leis eternas,
No céo as une, e uma só alma são.
Como se vê, não há coincidências de conteúdo nem formais entre este
poema e os assinados só por C. M., excetuando no aspeto métrico (já no
rítmico divergem, pois aqui os decassílabos sáficos são muito mais
importantes). No entanto, a referência temporal é a mais próxima das
composições do corpus assinadas por C. M. e, de entre todas as hipóteses que posso colocar, esta é sem dúvida a mais interessante, por
se tratar de uma mulher. Mas não deparei com mais nenhuma
referência à sua pessoa. No Almanach para o ano de 1899, na secção de correspondência, surge uma “Dona M. C.”, localizando-se em Curityba,
à qual chamam “Filha de Traz-os-Montes”. No entanto, pela diferença
nas datas e pela inversão das iniciais, bem como pela diferença nas
localizações, não nos parece que seja a mesma pessoa.
Formalização e intertextualização
A limitada colaboração de C. M. pode explicar porque surge a variação face ao esquema dominante, do mesmo passo reduzindo a sua
importância. Trata-se, também, da única estrofe de cinco versos não redigida por Cândido Furtado e que apresenta versos decassilábicos
(heroicos), sendo igualmente a única onde esse tipo métrico é associado
ao hexassílabo. Semelhante, nisso (mas não na distribuição dos tipos
métricos dentro da estrofe), à solução formal usada por Casimiro de Abreu no poema «A juriti», escrito em Portugal com o esquema rímico
ABAAB (Abreu, 2000; 2003 pp. 35-36).
O tipo surge claramente ao arrepio das dominâncias do corpus – o que, não sendo decisivo, não deixa de contribuir para a impressão de
desfasamento (ou originalidade) do autor.
Esta primeira variação rimática (AAB*B) deve-se em parte à diferenciação métrica referida, pois o poema inicia-se por um
“quebrado” (hexassílabo) seguido por quatro decassílabos e, para reforçar a unidade abalada pela variação métrica do poema, o poeta “agrafa” o verso quebrado aos outros através da rima emparelhada
entre os dois primeiros.
Gomes Leal, nas Claridades do Sul, apresenta uma quintilha com a mesma distribuição rimática, mas com versos heptassilábicos (Leal, 1901 p. 74), numa composição que não podia influenciar o autor do
«Epigramma», visto que o livro saiu só em 1875. Castilho, no quarto dos seus «Epitaphios» (Castilho, 1905 p. 93), utiliza a mesma distribuição,
num quinteto onde os versos possuem todos doze sílabas métricas.
Finalmente Castro Alves usa, nas Espumas flutuantes, uma distribuição
parecida: AA*BB, portanto alterando só a colocação do verso sem rima
para construir assim uma simetria.
Quintilhas
As quintilhas também não são especialmente significativas face ao
corpus constituído pelos poemas do Almanach. Em três das ocorrências esta espécie métrica surge misturada com outras. Seis das ocorrências
devem-se ainda a Cândido Furtado e, das outras quatro, só uma vem
subscrita por um poeta importante no conjunto considerado, o hábil
Cordeiro da Matta (1884/124), numa composição cujo esquema
rimático é diferente do predominante e onde a estrofe surge misturada
com uma quadra e uma sextilha. O mesmo Cordeiro da Matta usa
quintilhas heptassilábicas nos Delírios, no poema «A grandeza e o dinheiro», escrito em Luanda em 1877 (Matta, 2001 p. 54). Recorre a
uma distribuição rimática que constitui uma variação face ao esquema
*ABBA, pois cruza as rimas em vez de as emparelhar e interpolar.
Nas quintilhas, há duas variações face ao esquema rimático [*ABBA].
Primeira variação
A primeira surge num poema (1877/359) onde se misturam dois tipos estróficos e três distribuições rimáticas. O seu autor, porém, também
não é significativo para o corpus (Narciso José Nogueira Braga):
A CRUZ DO OUTEIRO
Ei-la solitaria, erguida
na cumiada do outeiro,
de musgo toda vestida
pelo tempo enegrecida,
ponto certo ao pegureiro.
No escabello carcomido
vae o pastor descansar; e se a ovelha se extravia
uma prece a Deus envia
no chão, prostrado a orar. Quando além pr'a azinhaga
o povo passando vae, o velho diz á mais gente:
– eis a Cruz do Omnipotente
curvae-vos todos, curvae!
Já séculos são passados
que o christianismo te ergueu
e d'ahi viste o crescente
que lá surgio do Oriente,
que baqueou, e tremeu!
Viste a barbara invasão
por teus filhos dispersada;
e quando arrogante entrou
nem ao menos abalou
o solo que te escudava!
Bem dito sejas pois, padrão sagrado,
symbolo de perdão, de paz e amor; em ti, encontra alivio o desgraçado,
ó Cruz do Redemptor!!
Narciso José Nogueira Braga (Zaire – Africa), 1877/359.
A pouca significação do autor alia-se ao significado aleatório do próprio poema. Repare-se que, estando no Zaire, Narciso Braga nem se lembra
de que há ali um padrão, com maior importância histórica e mais densa poeticidade implícita. Isto reforça a suspeita de que a ocorrência não
tem qualquer interesse para nós.
autoria
Narciso José Nogueira Braga surge, no Índice dos almanaques publicado em 1892, como colaborador do Rio de Janeiro, só sendo
recenseadas prestações suas a partir do número para 1880 («À poesia»,
p. 171). Mário António Fernandes de Oliveira não o dá como colaborador. Provavelmente seria um português residente no Brasil que,
de passagem pelo Zaire, talvez em viagem de negócios, terá escrito este
poema, cujos referentes estão claramente ligados a uma natureza e a uma linguagem do Portugal europeu. No entanto, dado que a data do
poema é anterior à recensão das suas colaborações no Índice já citado, pode-se postular a hipótese de Narciso José Nogueira Braga viver então
em Angola e ter partido depois para o Rio de Janeiro. Por essa razão,
não deixo de incluir o seu poema no corpus, embora lhe reconheça uma
presença insignificante para a poesia angolense.
O poema estrutura-se em cinco quintilhas terminando por um quarteto,
prática positivamente referida pelo metrificador Castilho (Castilho, 1874
p. 138), embora o mestre da escola ultrarromântica falasse pensando
nas quadras, visto que não refere estrofes de quatro versos
decassilábicos, como é o caso desta.
Intertextualizações
A distribuição referida ([ABAAB], praticada por exemplo por Álvares de
Azevedo na Lira dos vinte anos, ou por Cesário Verde no já referido poema «Cristalizações» (aí com o primeiro verso dodecassílabo e os
outros decassílabos), aparece só na primeira estrofe do poema,
seguindo-se nas outras o esquema dominante ([*ABBA]). Tem, portanto,
uma presença insignificante na própria composição.
Porém, essa distribuição é dada como comum pelos tratadistas e foi
praticada, entre outros, por Castilho em heptassílabos, num poema
datado de 1860; por João de Lemos, em heptassílabos também (Lemos, 1858 pp. 164, 248, 256; Lemos, 1866 p. 175), bem como por Soares de
Passos (Passos, 1984 p. 185) e Ernesto Marecos (Marecos, 1865 p. 111), em quintilhas igualmente heptassilábicas e, no caso de Marecos, ainda
em bipentassílabos (Marecos, 1865 p. 89). Guilherme Braga recorreu
ainda à mesma distribuição, em quintetos dodecassilábicos terminando
por um hexassílabo (Braga, 1869 p. 29) e em quintetos decassilábicos (Braga, 1869 p. 51). Álvares de Azevedo rentabilizou-a em «A canção de
Don Juan», terceira secção do poema «Sombra de Don Juan», incluído
na terceira parte da Lira dos vinte anos (Azevedo, 2000).
Mas não foram só os ultrarromânticos a praticar a modalidade. Gomes Leal também compôs em quintilhas com essa distribuição nas
Claridades do Sul, tanto em versos heptassilábicos quanto em versos de dez sílabas (Leal, 1901 pp. 240, 247, 264, 270, 307). Junqueiro, em
bipentassílabos, na Morte de D. João (Junqueiro, 1974 p. 264), recorreu ao mesmo esquema rimático, sendo esse o tipo distributivo preferido
pelo autor nas estrofes de cinco versos.
Segunda variação
A segunda ocorrência é protagonizada por Cordeiro da Matta
(1884/124) e recolhe-se no poema acima referido, ao falar em quadras
misturadas com outros tipos de estrofe. A sua inserção resulta, quer-me parecer, da generalização do sistema estrófico próprio da quadra
praticada aí, o qual persegue a figura do crescendum relativamente ao
número de versos. A progressão no esquema distributivo das rimas, ao se passar da quadra para a quintilha e desta para a sextilha, evolui em correspondência: passa-se da rima cruzada à interpolada,
acrescentando-se obrigatoriamente um verso branco no meio da parelha
central, de modo que se configura [AB*BA] a quintilha e [AB*BAA] a sextilha.
Intertextualização
Caso esta hipótese esteja certa, não é também especialmente
significativa a ocorrência, ainda que padronizada por um dos últimos grandes patronos da cultura novecentista angolense. O significado vir-
lhe-á, outrossim, da concertação entre uma solução formal incomum e
uma licitação da musa negra enquanto paradigma de beleza. Peça
jurídica liricizada orgulhosamente, como já escrevi não a reconheço afetada pela designação da negra como sobrinha de Eva (em vez de
irmã), pois a palavra prima, numa retoricização marcada por uma
linguagem arcaizante, a palavra prima costuma ser neste contexto sinónimo de “primeira”. Olhando, por exemplo, para a lírica de
Gonçalves de Magalhães, um dos fundadores do romantismo brasileiro,
ele escreve:
Mal que à Natura se abre a inteligência, E o primo pensamento a alma desperta, Logo a idéia de Deus d’ela se apossa, E a origem sua, e o seu destino aclara.
O “primo pensamento” só pode ser o primeiro pensamento. No poema
«O cristianismo», escrito na catedral de Milão a 17-10-1834, ele usa a
palavra no feminino com o mesmo significado:
[…]A Natureza Riu-se então, quando viu pela vez prima Um homem abraçar o outro homem, E em socorro comum viver jurarem.
No poema «A sepultura de Filinto Elísio / no cemitério do Père La
Chaise», torna a surgir a palavra:
Quiçá prima homenagem sejam elas Que ao manes teus humana mão tribute.
No «Adeus à Pátria» escreve, logo no começo:
Adeus, oh Pátria amada, Terra saudosa, onde eu abri meus olhos24 Pela vez prima ao sol americano;
24 Cf. o poema «À minha terra», de Maia Ferreira.
Quanto a Gonçalves de Magalhães e ao uso da palavra nos anos 30 do
século XIX, por um brasileiro, creio que chega.
Como licença poética, ajustada à métrica, Gonçalves Dias escreve
“primo” significando “primeiro” nos Primeiros cantos, publicados em
1847:
E ai do gamo que eu vir na coutada, Corça, onagro, que eu primo avistar!
O significado permaneceu em expressões usadas até hoje, como
“matéria-prima”, “obra-prima” e “prima-dona”.
O próprio Cordeiro da Matta usa a palavra com tal sentido aplicada às
“filhas da Europa”, que seriam “belezas primas” tais que o poeta nem pensava que pudesse havê-las “nestes climas”. Todo o contexto podia
ser ainda uma resposta ao livro de Capelo e Ivens, De Benguela às terras de Iacca, presente nas nossas fontes do século XIX (Ivens, 1881). Eles falam das mulheres do Hungo (não estendendo o adjetivo a todas
as mulheres negras) como “degeneradas filhas de Eva” e o nosso poeta
parece estar a responder-lhes argumentando que, pelo contrário, elas
são as primas, ou seja, as primeiras.
Quando falo na reduzida importância da ocorrência, reporto-me apenas
aos aspetos formais. Quero dizer, ao facto de ela derivar da sua
textualização, para sermos mais precisos, de uma regra interna à
composição do poema onde está inserida — não significando, portanto, o seu aparecimento que o poeta gostasse de um tal tipo estrófico. Ainda
assim, é de realçar o apurado sentido formal e a semelhança com o
brasileiro Castro Alves, quando este usa a distribuição AA*BB – sem
dúvida mais fácil de fixar pelo ouvido.
A quintilha, por si, foi poucas vezes perfilhada no corpus e tal facto acompanha, se nos fiarmos nos tratadistas, as escolas de referência. De todas as variações descritas, só a segunda é reconhecida por eles. A
distribuição rimática predominante não foi contabilizada, nem por
Castilho no Tratado de metrificação, nem por Amorim de Carvalho na
Teoria geral da versificação, que nos fala só em quintilhas com “duas
espécies de rima [.../...] Desde que os versos sejam todos rimados” (Carvalho, 1987 p. 40). Mesmo ao indicar os tipos estróficos mais comuns no romantismo, não refere esta distribuição rimática (Carvalho,
1987 p. 298).
Só mais adiante, ao citar exemplos de “esquemas estróficos, mais ou
menos comuns a diferentes poetas, ou criados pelo gosto caprichoso de
uns e outros poetas, por vezes encontrando-se com os de poetas das
épocas anteriores”, cita Amorim de Carvalho o “trovador” João de
Lemos, n’«A lua de Londres», onde o esquema irrompe logo no segundo
grupo de cinco versos da primeira décima (penso que isso acontece por
causa do cânone seguido por João de Lemos na composição dessa
forma estrófica).
A distribuição rimática predominante, porém, tanto para quintilhas
quanto para quintetos, nos poetas ultrarromânticos lusitanos, é a
mesma com que deparei no nosso corpus. Neste esquema rimático, muitas vezes, a rima do segundo com o quarto verso é feita em agudo,
procedimento só respeitado, entre as colaborações oriundas do que veio
a ser depois Angola, por Cândido Furtado, o requentado lírico d’A grinalda portuense – pelo que podemos dizer que esta especificação foi abandonada pelos versejadores angolenses e residentes.
Afinidades
A distribuição dominante na poesia estudada vem acolher-se à sombra
da lira do “talassa” João de Lemos, um dos ultrarromânticos mais
populares. É João de Lemos que João Cândido Furtado imita, infeliz, pegando n’«A lua de Londres» e contrastando-a com o brilho d’ «O sol
d'Africa»25, num exercício de auto-comiseração que só alcançaria
dignidade verdadeiramente poética e moderna com António Nobre a
convidar-nos para visitar o seu país de marinheiros.
Outros ultrarromânticos, em geral, praticaram o esquema perfilhado por João Cândido Furtado de Mendonça d'Antas, no que diz respeito à
distribuição das rimas pelos versos. Casimiro de Abreu, no Brasil, usou também o esquema *ABBA no poema «A juriti», como já referido (Abreu,
2000; 2003 pp. 35-36). Castro Alves, que também não cultivou muito a
quintilha, recorre uma vez à distribuição dominante – mas num
quinteto.
Quanto à métrica, a predominância de quintilhas em heptassílabos concorda com a prática apontada aos poetas românticos e ultrarromânticos por Amorim de Carvalho (Carvalho, 1987 p. 298), e
também com o estudo dos versos dos “antigos” feito por Castilho, que só
as refere quando fala nas estrofes de versos heptassilábicos, aceitando-as, mais à frente, na prática dos contemporâneos. No entanto Castro
25 1881/66; o poema, no entanto, vem datado de 1864.
Alves só uma vez compõe quintilhas nas Espumas flutuantes, o que deixa alguma reserva face aos tratadistas…
Apesar de Cândido Furtado ter sido o primeiro dos colaboradores
localizados em Angola a escrever os dois tipos de estrofes de cinco
versos cuja sequência rímica é predominante no conjunto do corpus, o que parece testemunhar a favor do seu prestígio entre os vates da então
colónia, o trovador do rio Letes, cujo bocejar faria inveja ao esquecimento, parece não ter convencido os poetas angolenses no que
diz respeito à distribuição métrica sua preferida. Tal facto em parte
explica-se pela menor presença de quintetos na poesia do ultrarromantismo português, muito menor do que a presença de
quintilhas com o tipo rimático praticado, quer em quintetos quer em
quintilhas, por Furtado d'Antas.
A influência da distribuição rimática via-se estimulada pela sua
presença em outros poetas, esses absolutamente paradigmáticos, enquanto com os versos decassilábicos isso não acontecia, pelo que a
geografia das rimas se aclimatou ao território, enquanto a contagem dos
metros em dez sílabas foi esquecida pelos nossos líricos.
Os quintetos, ao que parece, tornaram-se mais comuns só com a
“poesia realista” (Carvalho, 1987 p. 313), o que de início me levou a pensar estarmos perante mais um caso de assimilação de uma técnica posterior a uma retórica e a um léxico anteriores. Mas, sendo as
ocorrências desta métrica de Cândido Furtado, um típico versejador ultrarromântico, não parece que haja qualquer influência da “poesia
realista” que possa explicar a presença dessa forma estrófica na sua.
Podemos, assim, dizer que, nas estrofes de cinco versos presentes nos poemas estudados, as predominâncias métrica e rimática estão de
acordo, de forma geral, com a prática ultrarromântica, embora ao nível
da rima não sejam seguidos (como, nesse aspeto, não o foram no ultrarromantismo português) os postulados do estilista Castilho, e ao
nível da métrica se tenha abandonado a prática de Cândido Furtado
quando ela se afastou dos cânones da escola.
As estrofes de seis versos
Determinação das sextilhas significativas
Se contabilizarmos o estudo das sextilhas encontramos, no total dos
textos do corpus, doze ocorrências para estrofes de seis versos. Duas aparecem na primeira fase do período estudado e dez na segunda, pelo
que esta me pareceu uma espécie caraterística da poética local, uma vez
que é de 1878 a 1900 que escrevem mais angolenses e residentes fixos.
Entre 1856 e 1877 há:
1) um anónimo que escreve, em 1863 e que não se localiza a não ser
pelo título: «Ao padrão do rio Zaire». A sextilha introduz o poema e não
apresenta rima. Quanto ao conteúdo, trata-se de um discurso, já comentado, de exaltação do “heroe portuguez”, “d’um povo famoso”,
“entre os idólatras”, cujo exemplo ergue, por sílabas bem contadas em
redondilha maior, a “altivez” do “ecco de gloria” de Portugal. Pelo que, provavelmente (mas não obrigatoriamente), estamos perante um colono
devoto da sua terra-mãe, quem sabe o “Vimaranense” que, sem outra
assunção de autoria, reincide no tema em 1885 (p. 301) com idêntico
fervor, agora dirigido contra os canhões ingleses a troarem em torno da questão do rio Zaire, como que farejando já o ácido e húmido rastilho do
Ultimatum. Não é, portanto, seguro atribuir a quem escreve os versos o estatuto de residente fixo ou definitivo, nem muito menos o de
“angolense”.
2) M. da C., um “nome” que, de Luanda, se declara retoricamente à
deusa Justiça no Almanach para 1873 (p. 212), é outro autor que, desconhecido, não me arriscarei a conotar, nem com angolenses, nem
com residentes fixos, nem com residentes estivais. Apresenta uma sextilha com distribuição ABABCC, mas no meio de uma composição
com estrofes irregulares, onde o número de versos parece casual.
3) A única presença importante, entre os colaboradores da primeira fase
que praticaram a sextilha, é a do comerciante José Bernardo Ferrão,
membro de um rol de dinâmicos sobrinhos-empresários do primeiro Ferrão que por ali picou nesse tempo. No entanto, José Bernardo
publica, até 1878, apenas «Melancolia» (1868/221), sendo a restante
colaboração lírica de sua autoria incluída em almanaques de 1878 para a frente. O rude epitáfio dedicado à figura do “Barão de Barth”,
epigrafado pelo D. Jayme de Tomás Ribeiro, onde usa de sextilhas em decassílabos (versos 1, 2, 4 e 5) e hexassílabos (versos 3 e 6), é
precisamente a sua primeira colaboração desse ano – o que dá como
data provável de envio 1876 (o suicídio a que se reporta dá-se em
Setembro desse ano), ou começo de 1877. Mas, para nós, conta mais a
data da publicação, pois a partir dela é que se fizeram as leituras. Eis o
poema:
À MEMÓRIA DO BARÃO DE BARTH (1)
Quando ás tormentas da vida, em qu'alma o corpo abysmára, refoge o gesto suicida; o tiro que ella dispára com fria, gélida calma, tem por bucha as folhas seccas das mirradas flores d'alma. (THOMAZ RIBEIRO - D. Jayme)
Matares-te quando é já tão curta a vida!... Quando Deus lhe marcou tão curto espaço na breve duração não foi para a passarmos em delicias... brandos sonhos d'amor, doces, carícias, foi para expiação!... Ser philósopho é isto?! Ah! longe, longe princípios que nos levam a pôr termo á vida, com tal fim!... Se da philosophia é esta a essencia... antes uma fé céga e sem demencia eu quero para mim... Quando por alta noite te embebias co'a vista e com a mente pelo espaço os astros indagando; só mundos descobriste e suas leis?!... e não, d'elles acima, o Rei dos reis que a todos impoz mando; Que os seres distribue, as leis lhe imprime, os destinos lhe marca, – a que não temos direito a pôr um termo? Tua sciencia é vã se isto não viste... e o rude cérebro onde a fé persiste vale mais que o teu enfermo!... Toda a sciencia é vã se não descobre, como término Deus, e como intuito a perfeição humana:
aquelle que a mente embebe nos espaços se alli não soube ler tão claros traços, já tem a mente insana... Se isto assim é, se tu assim o crias, e, obreiro do progresso, trabalhavas para destinos novos, porque te precipitas no caminho deixando do trabalho, tão mesquinho, tão triste exemplo aos povos?! Vês, se estudas os átomos tenuissimos, lhes indagas a essencia, e descriminas a edade e formação, que o homem decompõe e recompõe; mas onde nada encontra, nada põe que o seu poder é vão!... Crês tu que após de nós nem rosto ou sombra ficará?... e que, átomos perdidos na cosmica matéria, não volvemos a ter formas completas com que vamos brilhar, novos planetas, na região sidéria?... Se Deus o pensamento nos concede que anhela o infinito descobrir, e que era o teu fanal... se o mysterio é para nós a eterna ancia, como existe nas flores a fragrancia em nós ha o immortal!... Das tres grandes virtudes que a sciência do Senhor outorgou a cada homem como divina herança, a humilde não tiveste – a caridade? a fé, que até o rude persuade... nem sequer – a esperança? Onde termina, onde se occulta a fonte, a torrente caudal da vida humana, génesis infinito?!... Descobris-te-a tu?... julgaste ousado... e ao veres do mysterio o veu rasgado... soltaste o extremo grito?... Não soltaste, impossivel; porque ao homem não foi dado indagar dos sóes brilhantes que Deus está guardando...
Mais que tu em sciencia, em fé sou rico... em quanto, sabio, partes, crente eu fico... fico em Deus esperando!... (1)”Sabio explorador allemão, que se suicidou em Loanda, com um tiro de revolver, no dia 7 de setembro de 1876”. J. B. Ferrão (Luanda), 1878/202.
Note-se a distribuição rimática, pouco habitual: **ABBA, ou seja: a de
uma quadra à qual se acrescentassem dois versos iniciais. Note-se
ainda que os versos A possuem métrica diferente dos outros.
Conteúdo intratextual
Neste, como em outros poemas do autor, notamos uma perspetiva
sincrética, onde a ciência não deve deixar de conduzir a Deus e à
aceitação da vida. O que torna o poeta mais interessante se nos
lembrarmos do vocabulário mais moderno que utiliza. Passo a explicar:
Numa rápida retrospetiva, sobre a globalidade das prestações em verso
que envia para o anuário, vemos que esta é, em termos de léxico e de
valores, diferente das outras. A moeda pela qual aferimos o sentido da
progressão da sua lírica é dupla: numa face é a da colonização; na
outra face é a do afastamento vocabular em relação às escolas de referência. No que diz respeito à colonização de Angola por Portugal, as
tentativas poéticas de Bernardo Ferrão passam do incitamento à
lamentação e, depois, à crítica aberta, não em nome dos colonizados ou
da independência, mas por causa da inconsequência atribuída à governação portuguesa. O que, aliás, era um tópico da imprensa crioula
também, dos filhos da terra.
O poema-charneira é o que sai no Almanach para 1880, onde convivem
o desânimo e a exaltação do patriotismo lusitano: “Não pode haver desvalidos / aonde houver portuguezes!”. Mas a composição publicada
no anuário para 1889 (p. 133), uma das mais ousadas do corpus, se critica a administração portuguesa apenas pelas razões acima aduzidas,
recorda algum vocabulário republicano e socialista, o do “povo honrado”, que virá castigar os abusos com “força, justiça, progresso /
três centelhas redemptoras / da tua aurora futura, / que espantará os
milhafres / e fará das hordas cafres / legiões trabalhadoras”, e dos
“povos vadios” – a final – “úteis colonos”.
Trata-se de um vocabulário que vemos na “confissão” publicada a pp.
224 do Almanach para 1881. Aí, o motivo arcaico da paixão no interior da Igreja, supostamente pecaminosa, vai ser contaminado pela crítica
aos tiranos “Ante a magestade bíblica / do natal do Redemptor, / onde
o mysterio d’amor / auspicia ao mundo affagos / mysterio que aterra os
déspotas […]”. A composição é, aparentemente, eurocêntrica; não por
ser a figura feminina de loiras “madeiras” pintada “nas pinturas
immortaes! / Por entre as fitas róseas / dos labios”, nem por se
imaginar assim a “Virgem-mãe”, com olhos azuis e tudo, mas porque a
simbologia do ouro e da rosa, tal como tratada ali, é caraterística da lírica portuguesa e europeia, à qual indiscriminadamente o poeta
recorre, por vezes intertextualizando com o Cancioneiro geral (“dos lábios, eu vi no fundo, / pérolas taes que no mundo / nunca vi outras
eguaes”) — neste caso uma passagem que mostra que não era só às
mulheres negras que se elogiava a alvura dos dentes, o que certos
críticos empenhados e dessincronizados diziam ser um eufemismo…
disfemístico.
Só os poemas de 1868 e 1879 não pegam, de forma nenhuma, num vocabulário político. O primeiro já não se situa, porém, na semântica
estrita da escola ultrarromântica, pois ao léxico amoroso típico se junta a rejeição da tristeza, a simétrica exaltação da alegria e da vida, que
indiciam, como em Eduardo Neves ou em Cordeiro da Matta (neste pela
sátira à mulher fatal), um líquido afastamento no interior da círculo de
referências modelares, uma atitude que em Portugal era protagonizada
por Faustino Xavier de Novaes. O poema cola-se, portanto, à última geração ultrarromântica, não se lhe notando ainda as marcas
vocabulares que darão novidade às outras composições, como sucede
com a de 1879. Aí, a imagem do aço a girar enlouquecido em torno do
íman dá-lhe o traço de modernidade e concretude, que surpreende numa lírica de amor escrita por um discípulo de Castilho – e não sei até
que ponto Bernardo Ferrão foi isso.
É nesta ambiência textual que surgirá a primeira das três peças oratórias onde José Bernardo Ferrão figura as suas opiniões coloniais,
«Gratia Plena», de nome próprio, dedicada “À associação Commercial de
Loanda / em nome dos colonos vindos do Brasil na barca «Gratidão»” e
vinda a lume no Almanach para 1880. Não há nela qualquer indício, quer da ambiguidade da segunda, quer da crítica aberta realizada na
terceira composição. Nota-se apenas a denúncia pela representação de um “paiz saqueado / apos horrenda conquista” (Angola). Prolonga,
nesse ardor patriótico, uma “poesia que foi recitada pelo sr. J. B.
Ferrão” em 1874, na cerimónia oficial da inauguração da estátua de Salvador Correia, e que também está exarada em sextilhas de
hexassílabos (verso 1) e decassílabos às vezes coxos (restantes versos).
Aí, só no fim da penúltima estrofe se faz uma crítica, hipoteticamente apontada ao meio local e português: “Não é em pugnas vis e inglórias /
Que se legam à pátria altas memórias, / É combatendo assim, homens
stultos” (Angola. Governo-geral, 1874 pp. 109-111)26.
Estas duas composições (de J. B. Ferrão no Almanach) abordam uma temática nova relativamente às anteriores. A politização da lírica era
previsível a partir da inclusão do poeta no grupo do Quanza, onde os
queixumes relativamente às intrigas em Luanda não deviam ser poucos
– e alguns deles viram a tinta negra do jornal O mercantil. Mas só ocorre nesta altura, o que isola ainda mais as líricas anteriores e em especial a
de 1868, que deve certamente as suas fragilidades a um entusiasmo
juvenil, ou pelo menos de iniciante.
De qualquer modo, as sextilhas de José Bernardo Ferrão surgem em
1878 (no Almanach), e não na primeira metade do período estudado (a composição em homenagem a Salvador Correia é que é, provavelmente,
de 1874, mas não tem o mesmo tipo de distribuição métrica). A
conclusão a tirar é a de que, caso todas estas hipóteses se continuem a confirmar conforme formos obtendo mais dados, a primeira fase do
período estudado não tem grande importância para a determinação da competência lírica dos restantes “colaboradores”. Mais uma vez. As dez
ocorrências entre 1878 e 1900 é que serão, possivelmente, caraterísticas das apropriações técnicas ao tempo realizadas em Luanda
e seus mal determinados arredores.
Descrição
Das sextilhas encontradas, cinco se agregam a outros tipos estróficos
para formar um poema. Não são, portanto, exclusivas. Cada uma representa uma solução rimática própria (uma não apresenta mesmo
qualquer rima) — própria, quer dizer, diferente das distribuições das
outras.
De todas elas, a primeira surge no Almanach para o ano de 1863 (p. 351), num poema anónimo, já referido; a segunda recolhe-se, dez anos
depois, numa composição irregular, a pp. 212 do Almanach para o ano de 1873, sendo a única sextilha do poema. Das dez seguintes, a
primeira é uma das constituídas exclusivamente por sextilhas e surge logo no ano de 1878 (p. 202), sendo todas as outras ocorrências
posteriores.
Em duas destas doze ocorrências (1863/351 e S1890/171) aparecem
versos decassilábicos (seria caso para lhes chamarmos sextetos); das
26 O poema vem localizado: “Loanda, 1 de março de 1874”.
outras dez, duas alternam, simetricamente, decassílabos e hexassílabos
(1878/202 e 1880/222), outra apresenta-se com versos hexassilábicos
(1886/52, de Cordeiro da Matta, que utiliza o tipo métrico preferido de
Herculano para as sextilhas) e as restantes com heptassílabos (como
acontece na maioria dos poetas ultrarromânticos e nos poetas
populares nordestinos). Portanto, em doze ocorrências, apenas cinco
não são heptassilábicas, o que dá uma frequência significativa para
esse tipo métrico nas estrofes de seis versos do corpus.
Uma das sete recorrências da redondilha maior dá-se numa composição
já transcrita (1891/315, «Uma quissama») onde as sextilhas, com
distribuição [AABCCB], se seguem sempre a quadras com duas rimas
cruzadas, mantendo-se nos dois tipos estróficos o verso heptassilábico.
A junção dessas quadras com estas sextilhas resulta num esquema
típico da décima: [ABABCCDEED]. Hesito, portanto, em integrá-las ou
não como tal; dado que os esquemas, isoladamente, são também comuns, quer nas quadras quer nas estrofes de seis versos, e dado que
o autor preferiu separar umas de outras graficamente (como se não fossem décimas) — e dado, ainda, que todas as sextilhas e todos os
quartetos são estâncias, ou seja, terminam simultaneamente com o
período gramatical — considerei mais seguro estudá-las como estrofes
de seis versos.
Intertextualizações
A alternância de versos deca- e hexassilábicos nas estrofes de seis
versos, feita simetricamente como no poema ao Barão de Barth, era a
desejada por Castilho, sendo praticada por Alexandre Herculano n'A harpa do crente (Herculano, sd pp. 87-88). Também foi seguida por João de Lemos (Lemos, 1858 p. 168), Tomás Ribeiro (Ribeiro, 1908 pp. 21, 43), Faustino Xavier de Novaes (Novaes, 1858 p. 152), Ernesto Marecos
(Marecos, 1878 p. 18), Guilherme Braga (Braga, 1869 p. 107), Rodrigues Cordeiro (Cordeiro, 1889 p. 221) e Gonçalves Crespo (Crespo,
1942 p. 253) — este, porém, numa composição que não deve ter sido
publicada antes de 1897. Luís Augusto Palmeirim pratica um tipo idêntico, mas com versos de quatro sílabas. Guerra Junqueiro, por sua
vez, compõe também nesse tipo de sextilha no Batismo de Amor (Junqueiro, 1974 p. 83).
No Brasil Domingos Gonçalves de Magalhães recorre ao mesmo tipo
heterométrico (mas sem obrigação de simetria) no poema «A infância»,
dos Suspiros poéticos e saudades; nas primeiras estrofes de «A mocidade», do mesmo livro; no poema dedicado ao ministro
plenipotenciário José Joaquim da Rocha (o quebrado aparecendo no
segundo verso e a estrofe sem rima); no poema «Adeus à pátria»,
também dos Suspiros poéticos (sem simetria, também sem rima) e, esporadicamente, no poema (do mesmo livro) “em resposta” ao
companheiro da primeira geração romântica brasileira, Araújo Porto
Alegre, bem como na primeira estrofe de «O homem probo» e «No álbum
de um jovem amigo» (Magalhães, sd). Álvares de Azevedo, na segunda
parte da Lira dos vinte anos, usa a mesma solução estrófica (sem obrigação de simetria) na parte I de «Um cadáver de poeta» (composição
inaugural do livro); já usara essa heterometria no tétrico poema
«Esperanças» (que inicia com um verso do romântico Alfred de Vigny,
que ele e Castro Alves admiravam), todo ele construído só sobre sextilhas de decassílabos com hexassílabos e que integra a primeira
parte do mesmo livro; da mesma forma, na série «Hinos do profeta», o
primeiro poema («Um canto do século») e o segundo («Lágrimas de
sangue») estruturam-se exclusivamente sobre este tipo, integrando
ainda a parte inicial da obra. Fagundes Varela constrói sobre sextilhas em simetria a mesma alternância (decassílabos e quebrados) no poema
«Aurora», que não tem rimas; retorna ao modelo (com rima só nos quebrados, uma distribuição muito da sua preferência) em «Ao Brasil»,
dos versos patrióticos O estandarte auriverde (1863); no poema «Sete de Setembro» (de novo com rima só nos quebrados); na segunda secção do
poema «Despedida» e no poema «Conforto» – em ambos os casos com
rima só nos quebrados (Azevedo, 2000). Castro Alves recorre cinco vezes ao modelo, com a mesma distribuição métrica e os quebrados
sempre em agudos, colocados simetricamente como queria Castilho.
Cruz e Sousa ainda cultiva essa heterometria com a sextilha (sem
imposição de simetrias), por exemplo no poema «Frémitos», com um
esquema distributivo que vamos encontrar mais à frente (Sousa, 2000-2002a pp. 23-25); recorre a elas ainda no poema «O botão de rosa»,
dedicado “a uma atriz” (provavelmente Julieta dos Santos) e com distribuições métricas variadas (Sousa, 2000-2002a pp. 27, 29); realiza
também com três sextilhas desse tipo os «Três pensamentos» (Sousa, 2000-2002a p. 114). Olavo Bilac usa dessas e de outras sextilhas na
«Noite de inverno», saída em Alma inquieta (Bilac, 2000-2003a), inclusivamente com soluções bizarras e originais, em que
experimentava a liberdade que nelas via (v. abaixo).
Apesar de uma tal frequência, e de outras que de seguida vou
enumerar, Castilho, ao referir as estrofes de seis versos entre as “rimas” dos “antigos” (Castilho, 1874 pp. 126, 134), parece ter em mente apenas
a sextina, que é um sistema estrófico praticado sobretudo pelos
quinhentistas portugueses. Talvez por isso recuse liminarmente esta forma nas suas recomendações aos poetas contemporâneos (Castilho,
1874 pp. 126, 130, 131, 134, 138). Já o Tratado de versificação de Bilac e Passos não põe qualquer restrição ao uso das sextilhas, afirmando explicitamente: “Castilho condemna as sextilhas. Não achamos motivo
para isso. / Ao contrario, são dignas de cultivo, pois variam
immensamente.” (Bilac, Olavo e Passos, Guimarães, sd) Os nossos
poetas partilhavam tal pensamento. Mas não só angolanos e brasileiros.
A sextilha, não a sextina clássica, tinha sido praticada por Almeida
Garrett, que sobre ela construíra os poemas «Este inferno de amar» e
«Gozo e dor», de Folhas caídas (Garrett, 2000-2002 pp. 15, 16) – de que ainda existe um exemplar, de 1849, no Arquivo Histórico Nacional em
Luanda, havendo outros, de várias edições, na biblioteca do GPL.
Alexandre Herculano, um dos patronos do romantismo português,
recorreu a sextilhas n’A harpa do crente, preferindo-as hexassilábicas, como são as que surgem nos poemas «A cruz mutilada» e «Mocidade e
morte — a Graça», incluídos nesse mesmo livro (Herculano, sd pp. 87, 88; 47-48), que terá circulado por Angola no século XIX. Entre os vates ultrarromânticos lusitanos encontram-se constantemente sextilhas, misturadas com outros tipos estróficos ou comparecendo isoladamente
numa composição. O próprio Castilho, apesar de não as descrever,
extraiu-as para as Estreias poético-musicais (Castilho, 1907 p. 67), as Excavações poéticas (Castilho, 1904 p. 169) e as Novas excavações poéticas (Castilho, 1905 p. 107). João de Lemos desmultiplica-as no Cancioneiro (Lemos, 1858 pp. 8, 64,85, 113, 118, 164, 168, 194, 196, 244; Lemos, 1859 pp. 79, 91, 128, 150, 195-198; Lemos, 1866 pp. 71,
81, 103, 117, 133, 138, 190, 229, 239) e nas Canções da tarde (Lemos, 1875 pp. 17, 23, 28, 57, 62, 64, 105, 154, 174), por incrível que pareça
não tão crepusculares quanto as Claridades do Sul. Soares de Passos, nas Poesias, também as pratica (Passos, 1984 pp. 136, 227), bem como os diferentemente epigonais Luís Augusto Palmeirim (Palmeirim, 1851
pp. 29, 73, 97, 121, 241, 323, 333, 389, 415); Faustino Xavier de Novaes (Novaes, 1855 pp. 74, 209, 216, 273; Novaes, 1858 p. 152);
Guilherme Braga, com versos heptassilábicos (Braga, 1869 pp. 107,
219) e com decassílabos (Braga, 1869 p. 223); e ainda F. Gomes de Amorim. Mendes Leal, uma espécie de Manuel Alegre do grupo, recorre
às sextilhas por diversas vezes nos Cânticos (Leal, 1858 pp. 16, 35, 43, 53), bem como o repassadíssimo mas requintado Tomás Ribeiro, quer
nos Sons que passam (Ribeiro, 1908 pp. 21, 32, 43, 44, 49, 71, 85, 146, 147, 243), quer no então famoso D. Jayme (Ribeiro, 1862 pp. 7, 31, 136, 276) – embora o ministro plenipotenciário de Portugal no Brasil preferisse as sextilhas decassilábicas (com ou sem quebrados), às
heptassilábicas, ao contrário do que sucede com os outros poetas
ultrarromânticos, quer os do corpus, quer os portugueses.
Pinheiro Chagas, político dado ao cultivo enganoso das musas, no então
elogiado Poema da mocidade foge (talvez por causa dos avisos de Castilho) a esse tipo estrófico, tendo apenas achado uma ocorrência lá
(Chagas, 1865 p. 21). Gonçalves Crespo torna-se, também, comedido na
aproximação às sextilhas, como podemos observar nas Obras completas, onde as usa três vezes só (Crespo, 1942 pp. 73, 253, 256).
Gonçalves Dias, por contraste, recorre a elas frequentemente (Dias,
1847 pp. 59, 67, 183, 337; Dias, 1848 pp. 14, 29, 39, 63, 130) e nessa
base estrófica estrutura as «Sextilhas de Frei Antão», que o inserem no
medievalismo dos ultrarromânticos de Coimbra e a que se referem
Fidelino de Figueiredo (Figueiredo, 1928 p. 159), Bilac e Passos e
Machado de Assis – preocupado o romancista brasileiro com a
nacionalidade literária da composição (Assis, 2008) e despreocupados
os parnasianos, que só as definem como escritas num “estylo classico”
(Bilac, Olavo e Passos, Guimarães, sd). Recorre ainda a elas em várias secções do longo poema indianista «I-Juca Pirama». Álvares de Azevedo
recorre várias vezes à sextilha, não só nos poemas que já citei mas em
vários outros e com mais frequência na Lira dos vinte anos (Azevedo, 2000). Fagundes Varela usa também muitas vezes as sextilhas, com
variedade e originalidade (Varela, 2000;2002). Castro Alves revitaliza-as
com originalidade conjuntural no poema «A duas flores» e compõe
sextilhas as mais variadas nas Espumas flutuantes, onde esse poema se integra, recorrendo 16 vezes a elas (Alves, sd). Cruz e Sousa, para além
dos exemplos citados, recorre a sextilhas mais vezes ao longo da sua
obra; para não deixar o leitor sem títulos leia o poema «Saudação»
(Sousa, 2000-2002a pp. 99-101), todo feito sobre sextilhas e escrito no Desterro a 14-11-1880 (portanto numa fase ainda inicial da sua
carreira), e o poema «Versos» (Sousa, 2000-2002a pp. 104-107), que
deve ser da mesma época e lugar. O próprio Olavo Bilac organiza por
sextilhas o poema «Midsummer's Night's Dream» (Bilac, 2000-2003a p.
5).
Gomes Leal, nas Claridades do Sul, socorre-se apenas uma vez da sextilha (Leal, 1901 p. 319), assim como Antero de Quental, logo nas
Primaveras românticas (Quental, 1922 p. 119). Gomes Leal, porém, constrói com sextilhas o poema «A canalha» (cuja primeira edição é de
1873). O poeta-pedagogo João de Deus, na famosa elegia «A vida», utiliza, ainda com exclusividade, a sextilha. E Guerra Junqueiro recorre
a ela por quatro vezes em todos os livros que podiam ter sido lidos pelos
nossos poetas antes de eles publicarem o corpus (Junqueiro, 1974 pp. 83, 104, 254, 267).
Parece, pelo quadro de conjunto, que, a partir de certa altura, entre
autores influenciados pelo Visconde de Castilho, ou sobretudo entre os
outros, a sextilha começa a escassear – porém, mais em Portugal do que
no Brasil. Mas, nas fases mais fortes do ultrarromantismo e do
romantismo luso-brasileiros, essa modalidade estrófica era muito
representativa, embora não fosse dominante: detetam-se menos
ocorrências de sextilhas nos poetas desses períodos do que, por exemplo, de quadras, quartetos e oitavas. O tipo nem sequer é referido
por Amorim de Carvalho quando fala nas formulações estróficas
anteriores que permaneceram na escola ultrarromântica, ao contrário
do que sucede com as quintilhas, as quadras e quartetos e as oitavas.
Intratextualidades
No corpus estudado, pelo contrário, a sextilha é a espécie estrófica mais
significativa a seguir às de quatro versos. Foi praticada por Cordeiro da
Matta, que subscreve seis das doze ocorrências, por José Bernardo Ferrão (um dos poetas do Kuanza, juntamente com Cordeiro da Matta e
Eduardo Neves), por João de Lemos27, entre outros menos significativos (António J. Machado, para o qual não encontro identificação segura, M. da C. e A. G. de Castro, que também não consigo identificar
socialmente, nem antropologicamente).
Em número de ocorrências, a sextilha e a quintilha parecem equiparar-se. Mas, se levarmos em conta que, das estrofes de cinco versos, dez são
de Cândido Furtado e, metricamente, quatro delas não encontram
semelhança com todas as outras estrofes de cinco versos presentes no
corpus, vemos uma diferença quantitativa e qualitativamente
significativa entre quintilhas e sextilhas, favorecendo estas.
Conclusão
Isto não permite postular obrigatoriamente uma diferenciação
acentuada entre os poetas angolenses e os do ultrarromantismo
português ou brasileiro, dado que vários ultrarromânticos, como vimos atrás, utilizam ainda muitas vezes essa espécie estrófica, neles
igualmente predominando a sextilha heptassilábica (de pendor popular
e muito usada pelos cordelistas brasileiros) e a mesma distribuição das rimas. O destaque dado pela prática local à sextilha poderá explicar-se
pela influência de João de Lemos sobre a poesia angolense, visto ser o
poeta ultrarromântico português onde elas se encontram com uma
27 Que não podemos confundir com o homónimo português: este era caixeiro de profissão, casado com uma senhora da sociedade luandense - Dª Antónia E. Annapaz - que o acolheu depois de ele ter saído do colégio sacerdotal de Sernache em Portugal (cf. O Mercantil, nº 707, Luanda, 22-2-1882 e O Eco de Angola, nº 4, ano 1, 3-12-1881). Há um José de Lemos, talvez irmão deste, que subscreve um “logogripho” a partir do Bengo (1890/347).
frequência significativa, tendo ele sido lido igualmente no Brasil com
apreço por poetas da segunda geração romântica.
A possível influência de João de Lemos é corroborada por outros
fatores: a admiração que por ele tinha Cândido Furtado, a popularidade
das suas composições, a admiração que por ele possivelmente nutria
também Ernesto Marecos, fundador d'A aurora, em 1856, colaborador na 2ª série d'O bardo, amigo de Faustino Xavier de Novaes, conhecido de Camilo Castelo Branco (que lhe prefacia um livro), de Tomás Ribeiro
e de Guilherme de Azevedo, a quem prefacia o volume Aparições, e colaborador literário do Diário de notícias. Ernesto Marecos era, portanto, membro de círculos literários do ultrarromantismo português,
meios onde a figura de João de Lemos aparecia como a de companheiro
mais velho e de mestre, ao mesmo tempo.
Da parte brasileira talvez fosse Fagundes Varela o ultrarromântico a
recorrer mais à sextilha, mas não tenho qualquer indício de que os angolenses o tenham lido. A Gonçalves Dias leram seguramente e por aí
lhes virá também estímulo para a composição de sextilhas.
Estudo das distribuições rimáticas nas sextilhas do corpus
As soluções rímicas encontradas, entre os poemas do corpus, em sextilhas nas quais nem todos os versos rimam, não são descritas na
Teoria geral da versificação. As distribuições com dois “ramos” rimáticos também não se encontram entre os exemplos para esse tipo fornecidos
por Amorim de Carvalho.
Só entre as sextilhas com três ramos rimáticos deparamos com uma
coincidência: a mais comum ([AABCCB], com cinco ocorrências, é
referida na Teoria geral da versificação a título de “uma das mais afortunadas sextilhas, desde os Românticos” (Carvalho, 1987 pp. 44-48;
Azevedo, sd).
A distribuição predominante – intertextualizações
Trata-se de um modelo distributivo raro nas ocorrências registadas em Tomás Ribeiro. Entre os poetas acima citados, é em João de Lemos e em
Gonçalves Dias que esse tipo de sextilha, no que diz respeito à
distribuição rimática, encontra maior frequência. Gonçalves Dias estrutura sobre elas e em bipentassílabos toda a secção I de «I-Juca
Pirama».
O veio brasileiro prolonga-se por outras gerações. Álvares de Azevedo,
que puxa para uma epígrafe sua João de Lemos, usa a mesma
distribuição rimática nos poemas «No mar», o primeiro da Lira dos vinte anos (Azevedo, sd pp. 6-7); «Anjinho» (Azevedo, sd pp. 7-8); «A cantiga do sertanejo» (Azevedo, sd pp. 8-9); «O poeta» (Azevedo, sd pp. 9-10); nas
sextilhas heptassilábicas de «Pálida inocência» (Azevedo, sd p. 15); nas
falas do Poeta em «Tarde de Outono» (Azevedo, sd pp. 19-20); nas heterométricas «Esperanças» (Azevedo, sd p. 21) – todas composições da
primeira parte da Lira dos vinte anos. Usa-as ainda nos poemas «Fantasia», «Meu sonho», «Seio de virgem» – todos da terceira parte do
mesmo livro (Azevedo, sd pp. 44, 45-46, 50) – sendo que, numa das
ocorrências (pp. 45-46) em eneassílabos. O conturbado Junqueira
Freire usa-o regularmente nas sextilhas em heptassílabos de «A órfã na
costura» (Freire, 1867 pp. 53-56). Fagundes Varela segue o modelo nas
sextilhas em heptassílabos em que se estrutura o poema «Tristeza»
(escrito em São Paulo em 1861, integrado em Noturnas – saído no mesmo ano); na cançoneta heterométrica «O sabiá», de Vozes da América (1864); nas sextilhas decassilábicas de «O resplendor do trono» e nas heptassilábicas de «Noturno» (ambas dos Cantos meridionais, de 1869); na composição das «Sextilhas», nas secções VI (em exclusividade)
e I de «Juvenília» (Varela, 2000;2002 pp. 19-20, 28-30, 39-41, 46-47,
53, 77-79, 89-90). Castro Alves também percorre o modelo no poema «A
duas flores» e mais nove vezes nas Espumas flutuantes (Alves, sd). Cruz e Sousa ainda recorre à mesma distribuição, por exemplo no poema «O
botão de rosa», dedicado a uma atriz (v. atrás). E mesmo Bilac, por
exemplo em «Noite de inverno» (Bilac, 2000-2003a pp. 14-16), que
integra Alma inquieta (incluída na segunda edição das Poesias, que é de 1902).
Vemos, portanto, que a distribuição começa a escassear só depois do
ultrarromantismo. Isso aproxima novamente a prática dos nossos
autores e a dos momentos ultrarromânticos mais fortes.
Nas duas previsíveis fontes portuguesas, mas principalmente em João de Lemos, a rima [B] da sextilha é aguda, sendo as restantes graves,
como acontece também com as sextilhas da mesma espécie escritas por
Mendes Leal (poeta que pouco as manejou) e pela maioria das sextilhas com essa distribuição rimática escritas por Ernesto Marecos, Guilherme
Braga e Rodrigues Cordeiro nas obras consultadas. Entre os brasileiros
não se respeita geralmente a obrigatoriedade da rima em agudo, embora haja casos notórios a respeitá-la, por exemplo Gonçalves Dias abre
(secção I) e fecha (secção X) «I-Juca Pirama» cumprindo integralmente a regra; Castro Alves respeita-a integralmente no poema «Dalila»,
encimado por uma epígrafe do Paraíso perdido, no poema «Ao ator
Joaquim Augusto, na primeira secção («Fotografias») do poema «Os
anjos da meia-noite» (Alves, sd pp. 86-89, 92-94, 95-96). Nos poetas do
corpus essa norma de composição é respeitada apenas por três vezes, num universo de cinco ocorrências: 1886/144 (num poema de Cordeiro
da Matta), 1890/338 (num poema de A. J. Machado, poeta
insignificante) e 1891/315 (noutro poema de Cordeiro da Matta, datado
de 1881).
Das cinco ocorrências desta distribuição, três estão assinadas por
Cordeiro da Matta, sendo as outras duas assinadas cada uma por um
poeta, uma delas por João de Lemos, homónimo local, e outra por A. J.
Machado, ambos pouco significativos. As de Cordeiro da Matta foram
redigidas antes das dos outros dois poetas, o que pode ser significativo
da sua influência sobre autores residentes de menores recursos
poéticos — ou angolenses, no caso de A. J. Machado o ter sido.
Pode significar isso, também, que a dominância desta distribuição no local se deve a Cordeiro da Matta, o qual poderia ter-se inspirado no
“trovador” João de Lemos ou em Gonçalves Dias, ou mesmo nos ultrarromânticos brasileiros – de cuja leitura em Angola continuo sem
sinais explícitos e diretos.
As restantes distribuições
Das restantes distribuições detetadas, apenas duas aparecem descritas
na Teoria geral da versificação de Amorim de Carvalho: [ABABCC] e
[ABBACC].
Uma sextilha com música
Das duas, [ABABCC] ocorre duas vezes: a primeira (1873/212) moldada
pela pena de um poeta sem significado no corpus (M. da C.), e a segunda forjada pela patronímica mão de Cordeiro da Matta (1879/407), sendo ambas escritas em versos heptassilábicos.
Transcrevo a de Cordeiro da Matta:
A MINHA SINA É sem norte a minha vida, e n'um mar revôlto vivo; escravo de dura lida eu sou a tudo captivo; atraz do ignoto corro, e na lucta eu soffro, eu morro. Joaquim Dias Cordeiro da Matta (Loanda), 1879/407.
Repare-se que não temos aqui, apenas, uma sextilha de versos
heptassilábicos e uma determinada distribuição rimática. Se quisermos
ouvir melhor a música, toda a orquestração desta sextilha, há muito
mais que dizer – antes mesmo de olhar para as rimas, outra secção da
mesma orquestra. Vou fazê-lo de forma simples e sem adotar nomenclaturas ou classificações pré-estabelecidas por alguma
classificação rígida. Faço-o assim porque pretendo sugerir uma ideia de
conjunto sobre aspetos do verso que a ciência ainda não consegue
descrever exatamente e, nas nomenclaturas pré-estabelecidas que
estudei, não encontrei alguma que me fornecesse essa ideia de
conjunto. Por vezes, a falta de termos apropriados, levou-me recorrer a
termos anteriores eventualmente definidos de outra forma e no âmbito
de um quadro classificativo diferente. Mas acredito que, também neste
caso, a coesão textual se encarrega de fazer perceber ao leitor o que lhe quero transmitir – a música ouvida lendo e relendo estes versos, o
ambiente musical no seio do qual as rimas trinam.
Em primeiro lugar reparemos no ritmo. O primeiro e o segundo versos
têm um ritmo de 3+4 (o acento rítmico surge na 3.ª e na 7.ª sílabas); o
terceiro verso muda para um ritmo tripartido (2+3+2), constituindo uma
simetria perfeita se a unidade de 3 sílabas for tida como centro ou espelho; o quarto é ainda um verso de transição, mas de novo bipartido:
4+3 (talvez o ritmo mais comum dos heptassílabos); o quinto e o sexto
apresentam-se num ritmo, bipartido, de 5+2. Ficam dois versos nas
pontas bem definidos ritmicamente e dois versos de transição no meio
da estrofe, constituindo um ritmo global simétrico mas de uma simetria
imperfeita – justamente no meio se aloja a imperfeição, como se para preparar o nosso ouvido musical para o remate perfeito. O remate
requer mudança na distribuição rimática, passando-se a emparelhadas como na oitava camoniana, mas também um ritmo mais pesado – mais
próximo, por isso, do conteúdo explícito. Repare-se que o ritmo de 5+2
implica uma secção inicial do verso com quatro sílabas seguidas sem acento (átonas quanto ao acento rítmico). Essa massa sonora, que é o
ruído de fundo sobre o qual despontam e brilham os acentos, é que
torna o verso mais pesado.
Se, porém, apurarmos o ouvido, parece que temos, dentro dessas
quatro sílabas, mais acentos – embora acentos com menor força. Para estudá-los precisamos de outra contabilidade, em que as unidades
rítmicas menores são constituídas ainda pela distância entre unidades
acentuadas de segundo grau. Inicialmente contei-as – e podemos contá-
las, a título introdutório – pela distância entre sílabas tónicas (o número
– a massa sonora – de átonas entre duas tónicas). Por exemplo no verso
E na luta eu sofro, eu morro – onde culmina o efeito dramático do poema – teríamos
T (indicando tónica) + T + T + A (indicando átona) + T + A + T
Portanto, três tónicas iniciais e depois um ritmo binário, em que a cada
sílaba tónica sucede uma átona. Se olharmos para o primeiro verso
ocorre o mesmo, reforçando-se a sugestão de circularidade que as
simetrias também trazem no seu bojo.
Mas estamos a considerar tónicas sílabas como a de “E”, ou de “na”,
palavras monossilábicas e os monossílabos podem ser átonos ou
tónicos conforme a intensidade vibratória das suas vogais e conforme o contexto frásico no qual estão inseridos. O ritmo dos versos (ou das
frases) atoniza em geral essas sílabas, mesmo que sejam abertas e aparentemente acentuadas. Para o caso particular do verso, o leitor
pode consultar Samuel Gili Gaya. Ele estudou estas relações entre
ritmos, entoação, altura, massas sonoras e as vibrações das cordas
vocais que dão sustentáculo a tudo e puderam ser fixadas pela
tecnologia do século XX. Particularmente para este aspeto, a que chamo atonização pelo ritmo e pela entoação, há um texto específico numa
edição relativamente recente (Gaya, 1993 pp. 43-52). Atonizava é um
termo impreciso que uso para designar o facto de o conjunto sonoro nos
levar a dizer com brevidade essa tónica e o fator brevidade é que ‘atoniza’ a ‘tónica’, fazendo com que a perceção dela se reduza. Estou
então a chamar aqui unidades acentuadas às sílabas ou vogais que são
tónicas e alongadas – por mínimo que o sejam – pelo ritmo e pela
entoação. É sem dúvida uma contagem subjetiva. Porém, todo o ritmo é
subjetivo e por isso é que precisamos de contá-lo.
Assim contando, o primeiro verso é um exemplar perfeito de um ritmo
alternado, binário, assimilável ao trocaico, seguindo-se sempre a uma acentuada outra não acentuada. O conjunto pode ser esquematicamen-
te assim descrito: A+na+A+na+A+na+A (a última sílaba não se conta por
estarmos na língua portuguesa, tendencialmente grave; portanto não se conta por ser não acentuada – caso se contasse mantinha o ritmo
binário). Contemos toda a sequência estrófica:
A+na+A+na+A+na+A (1+1+1+1+1+1+1)
na+na+A+na+A+na+A (2+1+1+1+1+1)
na+A+na+na+A+na+A (1+1+2+1+1+1)
na+A+na+A+na+na+A (1+1+1+1+2+1)
na+A+na+na+A+na+A (1+1+2+1+1+1)
na+na+A+na+A+na+A (2+1+1+1+1+1)
Se o leitor agora comparar só a sequência indicada pelos números
encontra facilmente uma distribuição bem orquestrada, acredito que
intuitiva, mas de uma intuição musical apurada:
1+1+1+1+1+1+1 2+1+1+1+1+1 1+1+2+1+1+1 1+1+1+1+2+1 1+1+2+1+1+1 2+1+1+1+1+1
Como se pode ver, após um primeiro verso completamente alternado (equivalente a rimas cruzadas na distribuição rimática), temos uma
evolução do posicionamento de duas sílabas não acentuadas juntas,
que vão progredindo até ao extremo (atingido no quarto verso – o último
dos dois de transição) e depois recuam, com a mesma gradação, para a
posição inicial. A contagem é, digamos, mais musical – o que o leitor
perceberá se acrescentarmos um pequeno pormenor:
A soma de duas sílabas não acentuadas com uma acentuada (2+1)
pode-se chamar ‘anapesto’ para o caso. A sequência de uma não
acentuada com uma acentuada pode chamar-se ‘iâmbica’. Se relermos agora os versos temos o primeiro, digamos de introdução musical, que é
só feito com iambos; depois o ‘anapesto’ vai-se deslocando até à ponta
extrema do verso (v. 4) e regressa ao início – ocupando os iambos os
espaços restantes. Naquele verso 4 junta-se a massa sonora átona maior com o mais intenso acento rítmico (o do final do verso, o que dá a
rima). Esse é o momento culminante do poema-estrofe. Ele dá-nos
também a imagem mais deprimente, mais trágica e mais precisa da composição: “eu sou a tudo cativo”. O homem sem liberdade nem
conhecimento, sem decisão, que vai preso atrás de tudo. Os dois
últimos versos, repare-se, vão acentuar gradualmente a sensação de queda, de desânimo, de quebra também do sopro com o regresso à
partição mínima (binária) da massa sonora. Esta coincidência junta à
ambiência metafísica de «A minha sina» uma conotação política e, por isso mesmo, à conotação política uma dimensão humana universal e
metafísica.
Se o leitor estiver interessado em compreender melhor (e possivelmente
melhor do que eu) este tipo de análise, pode consultar – a título de
bibliografia mínima – os livros referenciados entre parêntesis: (Cooper,
et al., 1963; Gaya, 1993; Levitin, 2010).
Intertextualizações
Regressando agora da análise em pormenor para a distribuição rimática e suas correspondência na época, vemos que este esquema rimático é
considerado por Amorim de Carvalho “uma redução da oitava camoniana” (Carvalho, 1987 pp. 44-48), dado que a sua construção
sobre rimas cruzadas termina por duas emparelhadas (como acontece
com a distribuição de vogais aentuadas e não acentuadas no quarto
verso). Carrega, por essa via, uma conotação nobre, épica, de que o
nosso poeta se terá apercebido, pois a usa para transmitir conteúdos
típicos de uma epopeia espiritual.
A distribuição, no entanto, foi muito cultivada pelos líricos durante os romantismos. Ela era dominante nas sextilhas artificiadas por Castilho
(Castilho, 1904 p. 169; Castilho, 1905 p. 107; Castilho, 1907 p. 67).
João de Lemos exercitou-a também, no primeiro volume do Cancioneiro (Lemos, 1858 pp. 113, 244); nas Canções da tarde, os decassílabos alternando com hexassílabos, ou univocamente os heptassílabos
(Lemos, 1875 p. 154); e no terceiro volume do Cancioneiro, em heptassílabos (Lemos, 1866 p. 138). Luís Augusto Palmeirim socorreu-
se duas vezes desse tipo estrófico, utilizando o heptassílabo e o
bipentassílabo (Palmeirim, 1851 pp. 323, 333). Tomás Ribeiro versou
pelo mesmo esquema estrófico, tanto nos Sons que passam, com
sextilhas de versos decassilábicos (Ribeiro, 1908 p. 46), quanto no D. Jayme (Ribeiro, 1862 pp. 7, 31), com metros, respetivamente, endeca e decassilábicos – em qualquer dos casos ocupando as ocorrências uma fatia mínima das suas escolhas formais. Mendes Leal também só por
uma vez versou o mesmo esquema, em sextilhas onde alterna versos
decassilábicos com um hexassílabo (Leal, 1858 p. 43).
Alternando decassílabos com os seus quebrados hexassilábicos, Gonçalves Crespo (Crespo, 1942 p. 73) compôs sextilhas rendilhadas
em Miniaturas, obra publicada em 1871. Fagundes Varela usa a mesma
distribuição rimática na secção III do poema «Juvenília» (Varela,
2000;2002 pp. 43-45), de Cantos e fantasias (1865), em estrofes heterométricas (3 heptassílabos, dois decassílabos e um tetrassílabo –
esquema repetido em todas elas).
Música e segredo: a segunda sequência citada pelos tratadistas
A segunda sequência rimática, das duas citadas pelos tratadistas e
referidas atrás ([ABBACC]), surge num outro poema de Cordeiro da
Matta (S1890/171):
A FELICIDADE Perfeita, quem jamais no mundo a teve?!... Quem tal, affoitamente, affirmar ousa, Co'ella apenas sonha... não a gosa! É nome que só no papel s'escreve, e nunca pertenceu à Realidade... No mundo quem a frúe, quem, na verdade?! 1889. J. D. Cordeiro da Matta (Barra do Quanza), S1890/171.
Formalização
Analisando como fizemos para a estrofe anterior, temos a seguinte
sequência rítmica:
A+T+AAA+T+A+T+A+T
A+T+AAA+T+A+T+A+T28
A+T+A+T+A+T+A+T+A+T
A+T+AA+T+AA+T+A+T29
A+T+AAA+T+AAA+T
A+T+AAA+T+AAA+T
Também ritmicamente é sugestivo o poema, pese embora a falha nos
versos 2 e 4, acentuando ritmicamente sílabas átonas. Essa acentuação é porém compensada por um jogo mais intenso e diversificado entre átonas e tónicas. Os dois versos finais, que veiculam a mesma
informação em termos de conteúdo explícito e em termos de rima,
também repetem o ritmo contado assim, no somatório do ritmo geral do verso e do jogo entre acentos tónicos e massa sonora átona. Tudo
28 Note-se que o acento rítmico incide sobre uma sílaba átona, em ‘afirmar’, por isso a contei como tónica.
29 Note-se que o acento rítmico incide aqui sobre uma sílaba átona, mais uma vez, um monossílabo átono neste caso. A falha é compensada pelo jogo entre os acentos entoados, que formam uma simetria se excluirmos a última vogal tónica – formam, portanto, uma simetria imperfeita. Isso corrige-se no verso seguinte, mais interessante ritmicamente.
converge sobre eles, o que deve mesmo acontecer em sextilhas ou
oitavas fechadas por duas rimas emparelhadas.
Coincidentemente – e como exigia o assunto – escreveu-se com
decassílabos heroicos a sextilha inteira.
Intertextualizações
Este esquema rimático é dito por Amorim de Carvalho muito menos belo do que o inverso ([AABCCB]) e considerado, como o anterior,
espécie rara (Carvalho, 1987 p. 48). Face às distâncias encontradas já
entre a resenha dos tratadistas e a prática literária dos artistas, convém
darmos uma vista de olhos sobre a frequência desta solução
distributiva entre os poetas ultrarromânticos de referência.
João de Lemos percorre a sequência em todos os seus requisitos nas
Canções da tarde (Lemos, 1875 p. 17), com estrofes onde entremeiam
versos decassilábicos e hexassilábicos. Mendes Leal, nos Cânticos, faz o mesmo em metros heptassilábicos, mas também só uma vez (Leal, 1858
p. 53), e Ernesto Marecos socorre-se dela, ainda uma vez, nas Folhas sem flores (Marecos, 1878 p. 299).
No Brasil, Álvares de Azevedo compõe com sextilhas heterométricas
(alternando heptassílabos com tetrassílabos nos versos 3 e 6) a curta
“cantiga de viola” «O pastor moribundo», incluída na primeira parte da
Lira dos vinte anos (Azevedo, sd p. 18). Fagundes Varela usa a mesma distribuição rimática numa parte do poema «Em toda a parte»,
particularmente no início (Varela, 2000;2002 pp. 61-62).
Parece justificar-se, neste caso, o silêncio a que Amorim de Carvalho
votara a espécie.
Outras distribuições rimáticas
Quanto às distribuições raras, ou diferentes, apresentadas pelos poetas angolenses elas parecem sugerir, predominantemente, uma extensão
dos sistemas rimáticos próprios da quadra, como é o caso de, para além
das duas já citadas, [**ABBA] (no já comentado poema de José Bernardo Ferrão), [*A*ABB] (numa composição de Cordeiro da Matta),
[ABAB*A] (em outra, de A. C. de Moraes, que só está representado no
Almanach por ela). Na verdade, mesmo aquela que imaginamos derivada da oitava camoniana também se pode imaginar derivada de uma
quadra, à qual se acrescentaram dois versos emparelhados…
Desses três esquemas, o primeiro foi usado por Castro Alves nas
Espumas flutuantes uma vez, com as rimas ‘A’ simetricamente colocadas em versos quebrados (hexassílabos) agudos (Bernardo Ferrão
só não respeita esta última exigência, de agudos). Para as outras não
encontrei correspondência.
Num outro caso (um poema de Augusto G. de Castro, personagem
pouco frequente nos nossos salões), encontra-se ainda uma distribuição
que parece a extensão de um esquema praticado nas quintilhas do
corpus: [ABBAA*]. Li estrofes assim num poema da Lira dos vinte anos (Azevedo, sd p. 55), de Álvares de Azevedo (o poema V da série «A
sombra de D. Juan») – mas o verso sem rima dá-se porque é o mote e o
mote ali nunca rima. Essas estrofes de Álvares de Azevedo, aliás, são
particularíssimas – quer pela sua heterometria, quer por outras
personalizações (como a repetição da palavra-rima, geralmente no
primeiro e no quinto versos).
Numa peça de um outro autor, Alberto Carvalho, por igual única
participação lírica no Almanach no período estudado, pratica-se uma sequência que recorda a mais comum entre as sextilhas investigadas: [*AB.*AB], com a rima [B] sempre em agudo e os versos de rima aguda
sendo quebrados (hexassílabos) dos restantes:
O ANJO DO LAR À memoria de minha santa mãe Feliz aquelle que p'ra dôr acerba pode encontrar saudavel refrigerio no seio de uma mãe; ouvir da sua voz as harmonias suaves como as notas do 'salterio, que a brisa traz d'além! Sentir, quando está adormecido, na fronte contrahida por maus sonhos um beijo protector; e as larvas que criara o pesadello fugirem como vultos bem medonhos ao raiar o alvor! E ella, a nossa mãe, que nos infiltra crenças puras e santas em nossa alma que jaz em embryão! É ella que, no meio da desgraça, por nós, amiga sempre e sempre calma, a Deus faz oração! Se rimos, é ainda ella que partilha n'este mundo as venturas que gosamos, sorrindo para nós; soffremos! por nós soffre e no seu peito
conforto salutar tambem achamos, ouvindo a sua voz! Não poder eu tambem sentir como outros, de minha santa mãe o amor profundo, nos seus beijos d'amor! Ai! não posso porque – anjo saudoso de vêr os seus irmãos, voou do mundo aos pés do Redemptor! ......................................... ......................................... Feliz aquelle que p'ra dôr acerba pode encontrar saudavel refrigerio no seio de uma mãe; ouvir da sua voz as harmonias suaves como as notas do 'salterio que a brisa traz d'alem! Alberto Carvalho (Loanda), 1880/222.
A composição recorre ao título de um poema de Pinheiro Chagas, que se
publica juntamente com o da mocidade em 1865. Nesse poema, Pinheiro Chagas utiliza oitavas em eneassílabos e hexassílabos. Nas oitavas, a rima estruturava-se de maneira a recordar a distribuição
predominante nas sextilhas: [*AAB.*CCB], rimando as rimas [B] sempre
em agudo. A esse nível, as semelhanças com este poema de Alberto
Carvalho são evidentes, quer pela existência de dois versos de rima branca, quer pela pontuação no final dos versos agudos, quer, ainda,
por essa rima em agudo se localizar a meio e no final de cada estrofe.
Possivelmente, o autor, de que desconheço mais referências, terá escrito
sob influência do livro de Pinheiro Chagas.
Por fim, numa composição de Cordeiro da Matta, encontra-se uma
distribuição não descrita pelos tratadistas ([*A*BAB]), que recorda
vagamente estrofes de quatro versos ou, mais nitidamente, dois tercetos. No entanto, o exemplar encontra-se embutido num conjunto
onde a segunda parte das estrofes só possui versos que rimam, ao
contrário da primeira metade, na qual há sempre pelo menos um verso que não rima. Esse critério de composição interna do poema é que
organiza uma tal distribuição rimática e, portanto, não estamos perante a extensão pura e simples de um esquema rimático próprio das
quadras.
Repare-se agora que, ao todo, encontramos sete distribuições raras,
inéditas ou diferentes das descritas por Amorim de Carvalho. Num total
de doze ocorrências parece-me frequência muito significativa, tanto
mais que alguns destes esquemas rimáticos foram praticados por
poetas importantes, como Cordeiro da Matta e José Bernardo Ferrão.
Este leque de opções distributivas para a rima é mais frequente nos poetas estudados do que nos ultrarromânticos portugueses. No entanto,
entre os brasileiros e mesmo antes do Tratado de Bilac e Passos, que diz haver uma extrema liberdade combinatória nas sextilhas, é bastante
mais comum a variação rimática e métrica nestas estrofes. A
originalidade que assim se constitui, juntamente com a frequência
maior de sextilhas no período que vai de 1878 a 1900, confirma que
estamos perante soluções estróficas caraterísticas do conhecimento
poético local – aparentadas, neste caso, com o brasileiro.
As estrofes de sete versos
Ocorrências
Para as estrofes de sete versos adoto aqui o termo «septilha», tal como
instrumentalizado por Amorim de Carvalho (Carvalho, 1987 p. 49).
Apesar de haver apenas duas ocorrências, de dois colaboradores diferentes, elas não seguem os mesmos cânones: uma vai misturando a
septilha com diferentes tipos estróficos; outra constrói um poema com
uma só septilha. A segunda, que é a mais antiga (1876/301),
desenvolve-se por versos decassilábicos e a primeira, a que surge
misturada com mais tipos estróficos (1890/226), estrutura-se com
versos heptassilábicos, pelo que podíamos fazer uma distinção entre,
por exemplo, septilhas e septetos.
Em qualquer dos dois casos, porém, a ocorrência é tão pouco significativa num continente quanto no outro – o que está de acordo
com o horizonte de expetativa, onde Bilac e Passos a adjetivam como ultrapassada (“hoje antiquadas, se bem que engenhosas”). Para a
história da formação da literatura em Angola, o mais velho dos autores
(C.M., cujo inventário se reduz a dois epigramas: o primeiro escrito
predominantemente em decassílabos e o segundo, agora citado, só
nesse tipo métrico) é insignificante.
A primeira ocorrência
Quanto à estrofe onde concentra a sua sátira («Epigramma», 1876/301),
lembra Marcial:
A um cirurgião que alugava um macho muito manhoso que tinha, e não queria que se dissesse que o alugava. O teu macho, que m'emprestas por dinheiro, dá coices, morde, cae, fica pegado; mas tu da gente humana carniceiro, tens n'elle, se não érro, um bom morgado, pois sempre que se aluga o teu sendeiro, além de obteres do aluguer a parte, tens logo que fazer pela tua arte. C. M. (Rio Zaire), 1876/301.
O poema começa por uma imperfeição métrica. Mas nem por isso o
ritmo é desinteressante. Aplicando a análise aplicada antes à sextilha
de Cordeiro da Matta, podemos encontrar um jogo imperfeito mas ainda
assim muito sugestivo:
(2+1+3+1+3+1)
(1+1+1+1+1+1+3+1)
(1+1+1+1+1+1+3+1)
(1+1+3+1+1+1+1+1)
(1+1+3+1+1+1+1+1)
(1+1+1+1+3+1+1+1)
(1+1+3+1+3+1) O primeiro e o último versos quase se repetem e, na verdade, a primeira
parte do primeiro (onde se nota a diferença para o último) acho que
deriva de estar ali uma sílaba a mais (a primeira), que faz um
endecassílabo em vez de um decassílabo (o verso devia ser: “teu macho, que m’emprestas por dinheiro”). Os versos 2 e 3 e os versos 4 e 5
emparelham (na medida em que apresentam o mesmo ritmo interno
entre alongadas e acentuadas, por um lado, breves e não acentuadas por outro). O sexto verso é que é único. Isso dá ao conjunto uma
sugestão de regularidade com um mínimo de imperfeição, o mínimo que
ajuda a senti-lo mais natural, mais espontâneo – portanto mais de
acordo com o paradigma romântico. Note-se que, tirando isso, o modelo
é clássico, o dos epigramas de Marcial como disse.
Em número de versos, a estrofe acompanha-se no ultrarromantismo
português pelos salões de Tomás Ribeiro, misturando-se aos Sons que passam (Ribeiro, 1908 p. 223). Mas com uma variação no esquema distributivo das rimas, bem como com versos heptassilábicos.
Maia Ferreira compõe três das suas Espontaneidades em septetos, septilhas, ou sétimas. Só numa («Num álbum»), aliás de modelação
barroca, usa os decassílabos – porém com distribuição rimática diferente no final: ABABCBC (Maia Ferreira, 2002 p. 96). As outras duas ocorrências desse poeta inaugural são, uma em heptassílabos,
outra em pentassílabos – ambas com distribuição diferente desta de
C.M.
A segunda ocorrência
No segundo poema onde aparece uma septilha, na composição de
Cordeiro da Matta, ela surge determinada pelo conjunto formado com
as outras duas estrofes, ou seja, pelos critérios seguidos para compor a totalidade em que está inserida. Podemos acompanhar por instantes os
critérios a que me referi, estudando as relações entre as três estâncias.
Começo por transcrevê-las:
IDEAL Nos meus sonhos de rapaz, de varias côres dourados, em que os entes adorados nada pareciam ter de terreno e mundanal, eu, um diff'rente ideal julgava achar na mulher! Nas aureas regiões do bello onde, louco, divaguei d'esse ideal em procura, nada d'extranho encontrei! Em vão pedi á poesia a sua melhor ficção: era tudo phantasia, era tudo uma illusão!... Simples e doida chimera que affaga e nos doira a mente, eis a incoercivel imagem, qu'embora, ás vezes perfeita, muita vez vemos luzente e pouco depois desfeita!...” Joaquim Dias Cordeiro da Matta (Barra do Quanza), 1890/226.
Formalização
A sequência das estâncias é a seguinte: uma de sete versos com rimas
[*AABCCB] (um prolongamento da distribuição já conhecida pela sextilha angolense); a segunda com oito versos, o do início também sem
rima, ou branco ([*A*ACDCD] – na verdade são duas quadras); a terceira com seis versos onde se coloca, tanto quanto nas outras, um
verso branco no começo ([*A*BAB]).
A terceira estrofe assenta, como a primeira, sobre uma sextina
simetricamente dividida – simetria invertida no primeiro caso (AAB | CCB) e a segunda meramente estrutural (em cada metade o verso do
meio rima com o do meio da outra metade e é diferente dos dois das
pontas: *A* | BAB); mas apesar disso o esquema distributivo difere, somando-se a essa diferença a existência de dois metros sem rima,
facto que repete o que verificamos na segunda estância. A ligação entre
a terceira estrofe e a segunda é mais subtil: ao lermos a terceira sequência procurando encavalitar nela os oito versos da segunda, a sua
fórmula passaria a ser: [*A*B (todos brancos) / *BAB (ou seja: dois
versos casam, como na última quadra da segunda estrofe, de forma
cruzada, com outros dois — embora aqui haja só uma rima)]. A terceira estrofe realiza uma espécie de síntese entre as duas primeiras, processo
que me parece recorrente em Cordeiro da Matta. Tal como as anteriores,
ela interpreta-se simetricamente, quer a comparemos com a sextilha,
quer a comparemos com a oitava.
Para acentuar a noção de simetria — que me parece o conceito
geométrico apropriado para descrever a estrutura da espacialização das
rimas no poema, conceito que interage com o de síntese — o poeta
reúne na primeira estrofe, respetivamente, menos um e mais um verso
do que nas seguintes. Ele cria dessa forma dois polos: quanto ao
número de versos a estrofe de síntese é a primeira; quanto às
sequências rímicas é a terceira estrofe a de síntese. O que se passa de
um para outro polo? Os versos em branco aumentam, ou diminuem,
conforme o ponto de partida; e o primeiro nunca se casa, seja qual for a
estância, tratando-se sempre de um substantivo.
Como a distribuição rimática é idêntica nos dois polos e, na estrofe inicial, há um verso em branco, sem paralelo, podemos dizer que o
esquema da septilha segue o das sextilhas.
Intertextualizações
Isso mesmo se confirma no estudo comparativo das fontes, mais adiante pormenorizado, e que nos mostra que só João de Lemos usou a
mesma sequência de rimas em versos heptassilábicos (entre os
portugueses). Cordeiro da Matta podia-se ter inspirado nele, mas
Gonçalves Dias escreve também num esquema distributivo semelhante, porque o primeiro verso é branco e os seguintes parecem, por igual,
tirados de uma sextilha. E Castilho, no princípio talvez de tudo, compôs
uma sétima com uma sequência de rimas onde a única diferença reside
na rima do verso inicial com o segundo e o terceiro (AAABCCB). Onde
Castilho acrescenta com rima os outros acrescentam sem. Por fim Castro Alves desloca o verso sem rima para a terceira posição
(AA*BCCB), sendo que o último verso é um quebrado e essa é a única
septilha que li nas Espumas flutuantes.
Regressando a Cordeiro da Matta, uma vez que o primeiro verso não
deve rimar e se recolhe, a partir dessa leitura, uma progressão bífida (primeiro ascendente, logo a seguir descendente), então o esquema
rimático escolhido tem que se organizar nos seis metros seguintes e
com todos a casarem, em dois ramos para sustentar a ideia de simetria,
de duplicidade, interna ao esquema e ao critério geral de composição.
Não se julgue demasiado ardilosa esta análise. A procura de simetrias,
vê-lo-emos, é decisiva como conceito nuclearmente perseguido pelos
nossos poetas, entre eles aparecendo com destaque o nome de Cordeiro
da Matta, que nos dará exemplos idênticos a este noutros poemas. O
apuro formal e a subtileza arquitetónica reveladas pelo autor estão
patentes ainda por outra via na composição de que falo, «Ideal», pois o
primeiro verso despede-se com uma tónica sempre igual à da palavra-rima do verso seguinte, ao passo que os restantes versos em branco
terminam por uma vogal tónica não repetida por outra palavra-rima da
mesma estrofe. A subtileza, algo barroca sem dúvida, está na própria
estrutura da peça, o que não é de estranhar num meio onde
proliferavam os cultores de “logogriphos”, “charadas” e outros ardis
urdidos muitas vezes em versos de manifesto apuro métrico e rimático.
O intenso culto da formalização, que já Mário António surpreendera em
José da Silva Maia Ferreira, é uma das caraterísticas mais salientes da lírica novecentista angolense. Posto onde está, ele vem reforçar o sabor
local da lírica de Cordeiro da Matta. Mas ao mesmo tempo também comprova que a presença, ali, de uma septilha é o resultado da
organização global do poema, não está lá porque o poeta gostasse de
um género de estrofe que nunca mais utilizou e que não intertextualiza,
em rigor, com ninguém.
Septilhas nos poetas de referência
Enquanto no corpus escasseavam as septilhas, o que sucedia entre
portugueses e brasileiros?
Castilho só falava de estrofes de sete versos, não fazendo quaisquer distinções no seu interior, pois só parecia reconhecer estrofes de sete
versos heptassilábicos (Castilho, 1874 p. 135), indicando apenas uma distribuição rimática para tal tipo ([ABABBCC]), distribuição essa que
não vemos em qualquer das duas colaborações de C.M. e Cordeiro da
Matta.
No entanto, o próprio Castilho escreveu septilhas com distribuição
rimática diferente ([AAABCCB]) e com versos dodecassilábicos quebrados em octossílabos (Castilho, 1905b p. 5). Os seus discípulos diletos, e de uma forma geral os poetas ultrarromânticos,
rentabilizaram também a septilha sem distribuírem nela as rimas de
acordo com o Tratado de metrificação.
Tomás Ribeiro compõe estrofes de sete versos por duas vezes nos Sons que passam, em decassílabos alternando com hexassílabos (Ribeiro,
1908 p. 33), ou só em heptassílabos (Ribeiro, 1908 p. 223) como
Cordeiro da Matta; e por três vezes no D. Jaime: em heptassílabos (Ribeiro, 1862 pp. 16, 31); em decassílabos (Ribeiro, 1862 p. 25), como
na composição de C. M.. Pinheiro Chagas faz o mesmo no Poema da mocidade, num rendilhado de versos heptassilábicos (Chagas, 1865 p.
48). João de Lemos recorre às septilhas nas Canções da tarde, em
heptassílabos (Lemos, 1875 p. 16); no segundo volume do Cancioneiro, igualmente em heptassílabos (Lemos, 1859 pp. 68, 121, 165, 171, 179),
predominando uma distribuição que inverte o final da descrita por
Castilho: [ABABCCB], também usada por Álvares de Azevedo na Lira dos vinte anos; e no terceiro volume da mesma obra, também com versos heptassilábicos, com a distribuição descrita no período anterior
(Lemos, 1866 pp. 51, 194). Soares de Passos, simbolicamente, verte em
septilhas o poema «Enfado», com um esquema rimático diferente dos
dois por nós encontrados ([ABABCCB] e igual aos de João de Lemos e
Álvares de Azevedo). Com distribuição rímica igual à de Soares de
Passos, Ernesto Marecos compõe com septilhas uma das Folhas sem flores (Marecos, 1878 p. 181), bem como algumas (Marecos, 1865 pp. 171, 187, 206) das Primeiras inspirações (onde recorre, a pp. 43, a uma sétima com distribuição inusitada: [*A*ABBA]). Finalmente, Mendes
Leal também não desconhece as septilhas, embora só uma vez as tenha
visitado (Leal, 1858 p. 91).
Gonçalves Dias utiliza a septilha alternando metros de dez sílabas com
versos de seis (Dias, 1847 p. 332), ou repetindo metros heptassilábicos
(Dias, 1848 pp. 35, 264). Fagundes Varela usa-a sem rima, no longo
poema «O exilado» (Varela, 2000;2002 pp. 13-15) – onde no entanto a estrofe ganha sete versos por inclusão do verso de refrão numa sextilha;
esporadicamente (apenas uma vez) no poema «A sombra» (Varela,
2000;2002 p. 91) do livro Cantos do ermo e da cidade (1869), com
esquema AABCCBB (outro prolongamento da sextilha). Álvares de
Azevedo recorre à septilha na Lira dos vinte anos, em exclusivo no poema «Minha musa» (Azevedo, sd p. 50), com o esquema ABABCCB (uma quadra e um terceto, ligados pela rima ‘B’), e em «Pensamentos
dela» com o mesmo esquema (Azevedo, sd p. 51). Castro Alves, como
vimos, usa uma só septilha nas Espumas flutuantes (Alves, sd). Gonçalves Crespo incide sobre a mesma espécie estrófica numa
composição saída em Miniaturas, que alterna versos hexa- e decassilábicos (Crespo, 1942 p. 72), e num poema todo ele estruturado
em septilhas com bipentassílabos (Crespo, 1942 p. 127).
Para além destes, outros autores do século XIX perfilharam os
conjuntos de sete versos: Garrett compõe em septilhas «O anjo caído»
com as Folhas (Garrett, 2000-2002 pp. 12-13); elas possuíam também
uma distribuição rimática diferente das duas por nós detetadas:
[AABBCBC]. João de Deus alisa o mesmo tipo estrófico em «Boas
Noites», uma recuperação da “pastorela trovadoresca” (Nemésio, 1942 p.
146), apresentando uma distribuição rimática muito própria. Gomes
Leal, um “quase semideus” para Cordeiro da Matta (Matta, 2001 p.
139), constrói em septilhas a sua «Troça à Inglaterra», publicada no
Porto em 1890. João Penha agita a septilha, juntamente com outros tipos estróficos, no poema «A tempestade», dedicado a Antero de
Quental (Penha, 1882 p. 114). Junqueiro, nas Vozes sem eco, destila, em septilhas heptassilábicas com a distribuição rimática proposta por
Castilho, o poema «À Espanha» (Junqueiro, 1974 p. 68).
No que diz respeito a Angola, entre poemas que não são do Almanach de lembranças, há várias septilhas em Cordeiro da Matta, geralmente misturadas em composições com mais tipos estróficos (como acontece
na do corpus) e com distribuições bizarras. Numa peça feita com três septilhas em hexassílabos ele usa a seguinte sequência: AABCBCC ;
AAA(rimas imperfeitas as três)BCCB ; AABCBCC (como a primeira, transformando o conjunto numa simetria). É uma espécie de esquema
de sextilha invertido com a introdução de um verso ao meio (Matta,
2001 p. 180).
As duas septilhas do corpus: aproximação aos poetas de referência
Nestes textos há, já o vimos, duas distribuições rimáticas. A primeira
(1876/301, de C. M.) é algo parecida com a descrita por Castilho no
Tratado de metrificação: [ABABACC]; tanto numa quanto noutra reserva o poeta a rima emparelhada só para o final da estrofe, tal como sucede
nas oitavas camonianas e como fez Tomás Ribeiro no D. Jayme (Ribeiro, 1862 pp. 16, 25) – no último dos exemplos em decassílabos,
como na composição de C. M.. Esta distribuição foi glosada ainda por João de Lemos nas septilhas do poema «Lembras-te?», incluído no
terceiro volume do Cancioneiro; no seu caso, os versos são de sete sílabas métricas, ao contrário do que sucede na composição de C.M., vagamente aparentada com os epigramas XXX e XLVII de Marcial (ao
médico Roch).
A segunda ocorrência, de Cordeiro da Matta, apresenta-nos igualmente três ramos rimáticos, mas distribuídos de tal forma que ficamos
convencidos de, simplesmente, se ter acrescentado um verso a uma
sextilha ([*AABCCB]), o que está de acordo com a integração da septilha no conjunto estrófico onde se insere, como vimos atrás, e recorda uma
distribuição de Maia Ferreira para as oitavas no poema «A minha terra»
(*AABCCCB).
O tipo distributivo perfilhado pelo nosso poeta não era, porém, inédito
fora de Angola. Encontramos exemplos igualmente em João de Lemos,
nas Canções da tarde (Lemos, 1875 p. 16), num poema escorrido em heptassílabos, nisso também equivalente ao de Cordeiro da Matta. Gonçalves Dias, embora não distribuindo as rimas de forma igual,
agrupa também os sete versos por um entrelaçamento rimático muito
provavelmente inferido pelos esquemas próprios das sextilhas, obtendo
dois resultados diferentes: [*ABCBCA], alternando versos deca e
hexassilábicos (Dias, 1848 p. 332), e [*ABBCCA], em septilhas
heptassilábicas (Dias, 1848 p. 264).
Esta septilha de Cordeiro da Matta encontra ainda familiaridade, ao
nível da distribuição de rimas, com as já citadas de Castilho (Castilho,
1905 p. 5): [AAABCCB], faltando apenas a primeira rima [A] na composição do poeta angolense, como disse antes. Mas a falha deve-se
à regra de composição interna segundo a qual o verso inicial nunca rima, regra que pode ter sido seguida por João de Lemos e Gonçalves
Dias, como também atrás disse.
O próprio Cordeiro da Matta, nos Delírios, usa a mesma distribuição rimática numa outra composição heteroestrófica, intitulada «Porquê?!...»
e escrita na Barra do Quanza em 1884 (Matta, 2001 pp. 59-60).
Amorim de Carvalho, contraditando o Tratado de metrificação, afirma que “nenhuma combinação rimática terá imposto a septilha” (Carvalho,
1987 p. 49), que assegura ter pouco uso entre os modernos, ao contrário do que sucedia na Idade Média que vários deles veneravam.
Cita em seguida aquele estudioso diversos exemplos, todos com três
ramos rimáticos, e nenhum coincidente com os nossos.
Amorim de Carvalho tem motivos para apontar a rarefação da septilha
“entre os modernos” – frase digna de há três ou quatro séculos. Pelo
menos no que diz respeito às obras onde pesquisei, encontrei poucos
casos, numa coincidência mais com o corpus das “colaborações angolanas”. Significativamente, a maioria deles apresentam-nos
septilhas em versos heptassilábicos, o que está de acordo com o facto de Castilho só falar em septilhas quando aborda esse tipo métrico. A
estância de Cordeiro da Matta, embora recorrendo — por razões
internas à composição do seu poema — a um esquema rimático só detetado num poema de João de Lemos, é concordante com a prática
dominante nestes poetas portugueses, ao contrário da composição de C.
M., estruturada em decassílabos. O poeta do Icolo está, portanto, mais
a par, aqui, das dominantes da rarefeita septilha romântica e ultrarromântica do que o seu antecessor C.M., leitor, como disse, de
Marcial.
O decassílabo, a sátira (epigramática ou não) e uma septilha do corpus
A presença dos decassílabos nessa composição de C. M. não parece coadunar-se com a intenção satírica, tanto deste quanto do outro
epigrama subscrito pelo mesmo autor, e tanto mais quanto se trata de
decassílabos heroicos — excetuando o do sexto verso, em vários aspetos
estranho à composição.
Em Francisco Xavier de Novaes, poeta satírico por excelência, encontro
apenas um exemplo, entre os seus vários epigramas, de um epigrama
com versos decassilábicos. Trata-se de um quarteto de duas rimas
cruzadas (Novaes, 1858 p. 25). No corpus encontro apenas um exemplo de sátira em que os versos eram decassilábicos. Trata-se de um poema
de Álvaro Paes, que banaliza a morte num título de revistas de moda («Necrológio à moderna», 1882/52). Ele assenta em quartetos de duas
rimas cruzadas. A presença dos decassílabos nessa composição deve-se,
porém, ao facto de o poeta iniciar com dois versos de tom solene:
A tesoura fatal d’Átropos crua o fio d'uma vida mais cortou.
Os dois versos iniciais revestem o ambiente enunciativo de alguma
tensão dramática. Mais ainda para o leitor avisado. Um escritor hoje
desconhecido, mas cuja biografia é muito interessante nestes contextos, Luiz Rafael Soyé (1760-1831), publicou um livro também ele original,
embora o não fosse no teatro da enunciação que nos prepara: Noites jozephinas de Mirtilo: sobre a infausta morte do serenissimo senhor D. José, principe do Brazil. Dedicadas ao consternado povo Luzitano em Lisboa, na régia oficina tipográfica, em 1760. As partes do livro são «Noites», as estrofes são quartetos decassilábicos de uma rima cruzada
(nos versos ímpares, claro), a linguagem é mais natural do que as poucas referências mitológicas fariam supor e os primeiros versos da
primeira noite são estes:
Suspende, Atropos fera. ai!. ai! não cortes Vida tão preciosa... Mas... que vejo? Desgraçados de nós!.. a Parca bruta Os anéis da tesoura uniu sem pejo.
Introduzindo o poema por uma ambiência dramática similar obtém-se
maior efeito cómico no caso angolano, pela expetativa que se cria de um
poema de tons trágicos, aumentando a surpresa quando nos sai uma
brincadeira no lugar de uma tragédia.
Pode ser que o decassílabo surja aqui em consequência de uma predileção pessoal também. No entanto, visto que os epigramas gregos eram compostos em hexâmetros (ainda que não exclusivamente), e visto
que Castilho compara o decassílabo português ao hexâmetro grego, é
natural que, no caso de conhecer o Tratado de metrificação, o versejador tenha utilizado metros heroicos pensando que, assim, estaria mais
próximo do epigrama clássico. A presença dos decassílabos resultaria
de uma opção genológica, feita sem o propósito de inovar no uso dos
decassílabos heroicos (normalmente considerados versos próprios para
assuntos graves e sérios), como no das septilhas (normalmente escritas,
nesta época, em heptassílabos), como na composição dos epigramas,
que Bocage consagrou em versos heptassilábicos.
As estrofes de oito versos Quanto às estrofes de oito versos, no conjunto dos poemas estudados
encontram-se dez ocorrências, desde o ano de 1867 até ao de 1890.
Análise métrica, rimática e respetivos corolários
Alfredo de Sousa Netto
Entre essas, há seis oitavas em decassílabos formando um poema, de
ressonâncias vagamente maçónicas, assinado por Alfredo de Souza
Netto (1882/121) – de quem só registo, no corpus, duas composições.
Transcrevo o poema para melhor elucidação do leitor:
A MORTE DE J. B. ROUSSEAU (de Lefranc de Pompignam) Quando o cantor primeiro do universo expirou sobre as ribas congeladas onde, horrorisado o Ebro, vio disperso seu corpo inane; e as ondas contristadas os membros sepultaram no alvo seio; gemeo o thracio errante, os céos gemeram, nos antros onde a nova triste veio dos animaes os prantos se verteram. Morreo tambem da França o mago Orpheo! Musa, em cambio da dôr dá um supporte, agora eleva-lhe o immortal trophéo que exige a dura, a inexoravel morte. Dá que eu com os teus rasgos de prodigio lhe avive d'este dia agra saudade, que assim Virgilio jaz longe do estygio, e o tumulo trazeis na eternidade. D'uma brilhante, mas penosa vida, depõe emfim Rousseau da vida a carga, e distante da patria tão querida só na morte o pezar, na morte o larga. D'onde os males vieram, d'onde as dôres que o coração co'a alma lhe afogaram? que abhorrimento teve, quaes errores, que inimigos, que luctas se travaram! Até quando mortaes será bastante viverem só dos odios e vingança? será a bocca nossa que constante
a linguagem vomite da matança? Rio-me do inimigo derrotado, mas eis que se levanta, e eu em terra graças, perdão lhe tenho supplicado ferido co'a arma que movera a guerra. Lá dentre as sombras, lá no reino eterno inveja pérfida escalando o throno co'a escura aza offusca ao deos do Averno a luz brilhante que não vê co'entono! Que ministro, que rei, que commandante venceu seu odio, ergueo a triste sorte? Por mais que faça o cidadão prestante não é varão senão depois da morte. O Nilo vio por suas longas margens os negros habitantes do deserto insultar co'alaridos de selvagens o astro que preside ao dia certo. Van grita!... e enquanto o barbaro insolente dos pulmões arrancava mil clamores, ia no curso a lucida torrente mostrando o deos aos seus blasphemadores. Alfredo de Sousa Netto (Loanda), 1882/121.
Dados biográficos
Pouco pude saber sobre este poeta, para além de que foi professor da
“primeira cadeira” da “Escola Principal” de Luanda (Angola. Governo-
geral, 1874 pp. 462-463), pelo que deduzo ter tido instrução desenvolvida para além do episódio da fuga de Moisés para a terra
prometida (episódio que ele usa aqui para conotar o sol e Deus, como Akhenaton). O poema revela o mesmo. Por exemplo a primeira estrofe
parece tirada de Virgílio quando ele refere Orfeu (filho do rei da Trácia,
onde passa o rio Ebro) no livro IV das Geórgicas:
As mães dos cícones, desprezadas pela devoção dele (à amada), entre os ritos sagrados dos deuses e as orgias do noturno Baco, espalharam o corpo despedaçado do jovem pelos vastos campos. Então, também enquanto o trácio Ebro rolava a cabeça arrancada do pescoço marmóreo, carregando-a no meio de sua correnteza, a voz dela e a frígida língua gritavam: `Eurídice! Ah! Pobre Eurídice!`. Com a alma a fugir-lhe a chamava, as margens repetiam o nome de Eurídice por todo o rio.30
30 Vv. 520-524. Tirado de Francisco de Assis Florêncio – «O mito de Orfeu conforme o quarto livro das Geórgicas». Disponível em rede: https://docs.google.com/viewer?url=http://www.filologia.org.br/cluerj-
A última estrofe retoma um conhecido episódio bíblico. No entanto estas
intertextualizações (e outras de que ainda não fui atrás) podem só
derivar de ser o poema uma versão de um homónimo de “Lefranc de
Pompignan”.
Não tendo sabido quase nada sobre Alfredo de Sousa Netto, recolhi algumas notícias de João de Sousa Netto, não sei se parente chegado.
Pelos Boletins oficiais se percebe que foi comerciante e proprietário em
Luanda, autorizado a assinar “Letras por Direitos da Alfândega no 1.º
Semestre do próximo ano de 1852” (Angola, Governo-geral, 1852 p. 2).
Continuou autorizado a assinar Letras para o 2.º semestre de 1852
(Angola, Governo-geral, 1852 p. 10). Contribuiu com 10.000 réis para
as “Exéquias fúnebres e monumento do Exm.º Conselheiro Pedro
Alexandrino da Cunha, que foi Governador Geral desta Província”, tal
como o já citado Major Joaquim Luiz Bastos (Angola, Governo-geral, 1852 p. 2). Creio que exerceu funções de Vereador na CML, pelo menos
é nomeado como tal em 27-2-1852, quando António Augusto Teixeira de Vasconcelos era o Presidente (Angola, Governo-geral, 1852 pp. 1,
2).Tendo sido eleito segundo substituto do Juiz Ordinário para o biénio
1852-53, não assumiu justamente pela escolha para Vereador da
Câmara Municipal de Luanda. Era, ainda, proprietário de umas casas de Sobrado que tinham pertencido a Arcénio Pompílio Pompeu de Carpo
(Angola, Governo-geral, 1852 pp. 3, 4). Foi também “testamenteiro do
falecido Tesoureiro-geral Francisco de Assis Pereira” (Angola, Governo-
geral, 1852 p. 2). Tratava-se, portanto, de uma figura grada na Luanda
do meio do século passado. Pela diferença nas datas, Alfredo de Souza
Netto seria sobrinho ou filho de João de Souza Netto.
Intertextualizações
A composição publicada em 1882 é, como vimos, uma versão de Lefranc
de Pompignan. Ela constitui uma reflexão métrico-filosófica sobre a morte de Rousseau. Jean-Jacques Le Franc, marquês de Pompignan,
compositor dramático mas principalmente conhecido como poeta lírico,
não raras vezes depreciado (e satirizado por Voltaire), tinha precisamente nesta composição um dos mais nobres e famosos
exemplos da sua poesia, segundo a Wikipédia em francês. Inspirava-se, para além disso, nos textos sagrados e nos autores clássicos, como era próprio do seu tempo – já vimos, de resto, o quanto isso se sente neste
poema. A imagem de um leão nos antros chorando, com que fecha a
primeira estrofe da composição original, é justamente a passagem mais sg/anais/iv/completos/mesas/M8/Francisco%2520de%2520Assis%2520Flor%25C3%25AAncio.pdf. Consultado em 8 de Julho de 2010.
famosa do autor no século XIX e, portanto, a tradução de Souza Netto
não fica desfasada relativamente à época. Infelizmente o nosso
versejador retira a essa imagem toda a sua força. Em vez de
Et dans les antres qui gémirent Le lion répandit des pleurs.
temos
nos antros onde a nova triste veio dos animaes os prantos se verteram.
O poema possui uma distribuição rimática e uma divisão em períodos
que, exceto na primeira estrofe (para a divisão em períodos), nos remete
para a existência de duas quadras distintas em cada oitava. Todas
essas oitavas apresentam a mesma distribuição rimática:
[ABAB/CDCD], sendo normalmente separadas ao fim do quarto verso por uma indicação de final de período. A distribuição é da
responsabilidade do tradutor, pois o poema original estava posto sobre
décimas com o esquema ABABCCDEED (uma espécie de soneto sem a
primeira estrofe).
Castilho refere um esquema rimático parecido, com dois períodos de
quatro versos também, mas ao falar nas oitavas de versos
heptassilábicos e não de versos decassilábicos, como é o caso desta composição de Alfredo de Souza Netto. Nesse tipo, referido por Castilho,
a distribuição muda do primeiro para o segundo grupo de quatro
versos, de maneira a ser a rima emparelhada num período e cruzada no
outro, ou vice-versa. Dessa forma, estabelecia-se um jogo entre as duas
quadras que as ligava (ainda que tenuemente) e justificava a sua apresentação no mesmo grupo de versos. No caso deste poema, nem
isso permite ligar os dois períodos, pelo que me parece que estamos
perante duas quadras em cada estrofe, tendo por essa razão
considerado eu, neste poema, existirem realmente quadras e não
oitavas.
O simbolista brasileiro Cruz e Sousa usa por duas vezes a mesma
distribuição referida por Castilho, em oitavas indicadas como tal graficamente, nos poemas «O botão de rosa» (Sousa, 2000-2002a pp.
26,27), onde junta igualmente oito versos apenas com rimas
emparelhadas (Sousa, 2000-2002a p. 28) e oitavas iguais às de Alfredo de Souza Netto (Sousa, 2000-2002a p. 29) – num conjunto em que
experimenta os mais variados tipos estróficos e, entre eles, vários tipos
de oitavas. O mesmo poeta repete a exibição de habilidade em «Smorzando», heterométrico e heteroestrófico também, com uma oitava
(a derradeira estrofe) onde se repete o esquema distributivo do nosso
versejador (Sousa, 2000-2002a pp. 120-121); aí alterna dodecassílabos
com hexassílabos e decassílabos com hexassílabos também. Pelos
motivos expostos parecem-me casos isolados e que se devem
considerar, à mesma, como dois quartetos agregados graficamente.
Entre nós, só duas das oitavas do corpus aparecem misturadas com outros tipos estróficos (1882/173, 1890/226) e o seu surgimento, se no
primeiro caso parece ocasional (de resto, trata-se do fragmento de um
poema), no segundo (1890/226) já não: a oitava inscreve-se numa
composição simétrica do poema, onde aparece a meio, antecedida por
uma septilha e seguida por uma sextilha. Em qualquer dos dois
exemplos, porém – tanto quanto sucede com o de Souza Netto – não
estamos perante opções significativas, só por si, de um “gosto” que
defina o conhecimento literário praticado nesse tempo no país.
Restantes ocorrências: formalização e intertextualizações
Das oitavas, como dos quartetos e dos sextetos, podemos dizer que também ocorrem predominantemente na segunda metade do período
considerado, mais precisamente a partir do número para 1881 e até ao
número para 1894: 13 anos de produção.
As únicas duas aparições anteriores (1867/149 e 1867/374) estão subscritas por Cândido Furtado, que as envia de Angola e não oferece
mais nenhuma estrofe desse tipo no Almanach. Este facto mostra, como sucede com os quintetos e as quintilhas, que o poeta é, tecnicamente,
extemporâneo face à restante poesia do corpus.
A recorrência de oitavas é da responsabilidade dos mais diferentes nomes, entre os quais Cordeiro da Matta (que recorre a elas mais de
uma dezena de vezes nos Delírios), Eduardo Neves e José Bernardo Ferrão – trio que reúne a colaboração mais significativa da comunidade
literária angolana do último quartel do século passado. O número de
presenças e a assinatura destes poetas fazem com que a oitava seja, a par da sextilha, um dos mais importantes tipos estróficos da poesia
angolense a seguir às estrofes de quatro versos. A sua importância na poesia ultrarromântica de referência é igualmente grande, pelo que
estamos perante mais uma coincidência entre as opções dos nossos
escritores e as daqueles que lhes podiam servir de modelo, ou tábua
comparativa.
Os tipos métricos utilizados nas oitavas são os já canónicos decassílabos (com cinco ocorrências) e seus rivais de sete sílabas (com
quatro ocorrências), excetuando uma composição (1887/279, enviada
de Malange), de Abílio Augusto G. Mendanha Raposo, personagem que
não terá deixado grandes consequências na produção literária de
Malange ou de Angola. Nessas oitavas todos os versos são
eneassilábicos – o que, no entanto, não constitui novidade face à poesia
de referência, já que esse tipo de oitavas, inclusivamente no que diz
respeito à sua distribuição rimática, aparece em Soares de Passos
vertida em eneassílabos (Passos, 1984 p. 169), em Pinheiro Chagas (Chagas, 1865 p. 154), Ernesto Marecos (Marecos, 1878 pp. 59, 195,
273; Marecos, 1865 pp. 20, 149) e Guilherme Braga (Braga, 1869 p.
53), outro nome recorrente. Gonçalves Dias utiliza também esse metro
em oitavas, mas acompanhando um esquema distributivo diferente
(Dias, 1847 p. 218; Dias, 1848 p. 26).
Das cinco ocorrências com versos decassilábicos, duas pertencem às
oitavas de Cândido Furtado publicadas no número para o ano de 1867
– oitavas, como vimos, extemporâneas face ao corpus; uma terceira surge na composição de Alfredo de Souza Netto, onde as “oitavas”, como
também vimos atrás, não passam de aglomerações de estrofes de quatro versos; a quarta pertence a uma composição irregular onde uma oitava
é seguida por uma estrofe de treze versos e por outra de onze versos,
pelo que pode ser insignificante a sua presença ali. Fica-nos só a
presença das oitavas de Jorge de Lucena (1894/450) — onde, mesmo
assim, a distribuição rimática recorda a junção de duas quadras de
uma rima cruzada ([AB*B/AC*C]).
Podemos, então, afirmar que as oitavas em heptassílabos são mais
importantes na poesia estudada. Este facto afasta-as da predominância
referida por Amorim de Carvalho para a camoniana – tanto mais que,
no corpus, nenhuma das estrofes de oito versos apresenta a distribuição rimática da chamada oitava camoniana, segundo o tratadista aquela “que verdadeiramente se consagrou” (Carvalho, 1987 p. 51). No entanto,
Cordeiro da Matta recorre a ela nos Delírios, num poema sobre heptassílabos de 1876 (Matta, 2001 pp. 43-44), apesar de a espécie ter
sido reduzida explicitamente por Castilho ao uso de versos
decassilábicos (Castilho, 1874 p. 127), como na epopeia lusíada.
No entanto, desde que a distribuição rimática não seja a do cânone
português, distribuição que não me pareceu predominante na prática dos poetas ultrarromânticos de referência, são mais comuns as oitavas
em heptassílabos do que as oitavas em decassílabos (ou em qualquer
outro metro). Em Pinheiro Chagas e Tomás Ribeiro, por exemplo, dois dos discípulos diletos de Castilho, as oitavas predominantes são também as de versos heptassilábicos, tal como sucede com a poesia do
popular João de Lemos e com a lira romântica e nacionalista de
Gonçalves Dias, o modelo talvez maior de Maia Ferreira. Gonçalves de
Magalhães usa-as em hepta e tetrassílabos (no que diz respeito a
estrofes que tenham correspondência com as nossas distribuições
rimáticas). Em Cruz e Sousa (que pouco recorreu às oitavas, só cinco
vezes entre as que distribuem as rimas segundo esquemas comuns aos
nossos) e nas Espumas flutuantes de Castro Alves encontramos algum
equilíbrio, com ligeiro domínio, porém, do verso decassilábico.
As distribuições rimáticas nas oitavas do corpus
Para o uso de heptassílabos, Castilho lembra, em passagem de que já
me socorri, que “d'estes versos faziam também umas oitavas que eram
propriamente duas quadras, com duas rimas cada uma”: [ABBACDCD],
ou vice-versa (Castilho, 1874 p. 136). No caso do poema de Cordeiro da
Matta publicado a pp. 226 do Almanach para 1890, a oitava encontrada faz uma distribuição rimática estruturalmente idêntica à de Castilho,
na medida em que, de uma para outra parte dessa estrofe composta, se passa de uma para duas rimas cruzadas, à semelhança do que fez o
parnasiano João Penha no poema «Tempestades» (Penha, 1882 p. 113). Essa distribuição é no entanto mais parecida com as de Cruz e Sousa
quando apresenta, nos oito versos, quatro rimas cruzadas
(ABABCDCD). Antes deles, Maia Ferreira, na maioria das estrofes do
poema «A minha viagem», dedicado a A. P. da Costa Jubim (com quem
se iniciara nas lides literárias) e epigrafado por Garrett, explora uma distribuição que é o inverso da que depois fez Cordeiro da Matta:
ABAB*C*C, em heptassílabos (Maia Ferreira, 2002 pp. 120-123).
A variante de “Rogado”
Numa outra peça («Receio», 1880/87), publicada por um autor insignificante entre os colaboradores (que ainda por cima se fazia
“Rogado”), encontram-se dois quartetos, graficamente separados, que,
se fossem apresentados em conjunto, formariam uma oitava idêntica à
descrita por Castilho: [ABAB/CDDC]. Mas nem sequer são graficamente
assumidos como tal:
(A D. Carolina A. da C. Oliveira) Eu era o pharisatico, o descrente, o detractor da excelsa divindade; o riso a abrir-me os labios já dormentes semilhava o sorrir da tempestade. Do céo um anjo desce e eis-me diz: Sorri á vida, vá, que a vida é linda, E eu meio acordado julgo ainda f'lecidade de mais p'ra ser feliz.
Rogado (Africa), 1880/87.
“Rogado” assina só três poemas no corpus, o primeiro a pp. 146 do
Almanach para o ano de 1879, o segundo este que descrevo agora e o terceiro a pp. 213 do Almanach para o ano de 1881. São poemas seguidos, ao ritmo regular de um por ano, revelando-se, entre eles,
algumas semelhanças importantes: são todos escritos em versos decassilábicos e os três mudam o esquema distributivo
(estruturalmente idêntico) de uma para outra estrofe: [ABBA/CDCD] em
1879, o já citado [ABAB/CDDC] em 1880 e [A**A/*A*A] em 1881. A
reforçar esta proximidade, o primeiro e o terceiro poemas apresentam
um verso inicial idêntico:
Tem o lubrico31 olhar de Fornarina32 (1879)
Tem o languido olhar da bailadeira (1881)
As estrofes de quatro versos do “Rogado” subscritor apresentam,
portanto, uma distribuição equivalente à descrita por Castilho. Tirando
estas, porém, não há mais nenhuma ocorrência, no corpus, que se possa aproximar das descrições do Visconde – o que vem confirmar que
não estamos perante uma presença caraterística da poética local.
Três ramos rimáticos
Todas as emergências detetadas abrem três ramos rimáticos. Os
esquemas distributivos, para além dos acima citados, resumem-se ao
mesmo número (três).
O primeiro é [ABABCCCB]/[ABABCCC*], em versos decassilábicos numa das composições, de 1867, de Cândido Furtado, e para a qual só
encontro correspondência portuguesa nas oitavas de que se compõe um
poema de João de Lemos (Lemos, 1858 p. 153), nas oitavas de outro
poema de Mendes Leal (Leal, 1858 p. 261 ss), nas que surgem,
misturadas com outros tipos estróficos, numa composição de Luís
Augusto Palmeirim (Palmeirim, 1851 p. 274) — mas em versos heptassilábicos, nos três casos. Em Castro Alves podemos encontrar
uma distribuição ligeiramente parecida (*A*ACCCA, que também ocorre em Maia Ferreira), com versos heptassilábicos (Alves, sd). Em Angola é
que temos, frequentemente, uma distribuição igual, anterior ao poema
de Cândido Furtado. Surge nas Espontaneidades de Maia Ferreira, em quase todas as estrofes de «A queima de um bosque» (Maia Ferreira,
31 O Grande dicionário de Vieira sublinha o caráter escorregadio, resvaladiço, do “lúbrico”, a sua fragilidade e só no final da entrada admite que “figuradamente propenso à luxúria” – o significado que me parece fruído aqui (t. III, p. 345).
32 Cf. Castro Alves: Itália “onde na terra o amor chamou-se – Fornarina”.
2002 pp. 70-71); em quatro oitavas do final do poema «A minha terra»,
para o que diz respeito à primeira distribuição (Maia Ferreira, 2002 pp.
30-31). Repete-o, ainda, nas seis estrofes de «Sinto!» (Maia Ferreira,
2002 pp. 87-88); em «A uns olhos que eu vi», epigrafados por “J.
Aboim”, em todas as estrofes (Maia Ferreira, 2002 pp. 127-128);
finalmente, na última estrofe do poema «A sua majestade fidelíssima a
senhora D.ª Maria II» (Maia Ferreira, 2002 p. 145). Ainda no final do poema «A minha flor!» arranja Maia Ferreira uma variação deste
esquema, que me parece original: ABAB*CCB (Maia Ferreira, 2002 p.
107).
Na composição de Cândido Furtado (1867), a segunda estrofe, que fecha
o poema (constituído só por duas oitavas), faz no último verso uma rima
imperfeita com os três anteriores:
[ponderado/condemnado/engarrafado/Bastardo]. Isso torna o esquema
da segunda oitava ainda mais raro, tanto que não encontrei exemplos de rima imperfeita, entre os poetas de referência, que me pareçam
construídos propositadamente. Nos poetas do corpus há só um caso de rima imperfeita (sendo, a imperfeição, de raiz vocálica, ao contrário do
que sucede com esta), numa quadra – e concluímos que se devia tratar
de uma coincidência casual de que o próprio poeta não se teria
apercebido.
[*ABBACCA] (na outra composição de Cândido Furtado publicada no
Almanach para o ano de 1867) e [*AAB*CCB], com quatro ocorrências, duas delas a cargo de José Bernardo Ferrão (1881/224 e 1889/133),
uma subscrita por Abílio de Mendanha (1887/279, que o autor envia de
Malanje) e outra pelo guarda-livros Eduardo Neves (1882/54), são as
distribuições que restam.
Dos dois tipos distributivos, para o primeiro ainda não encontrei
correspondência. O último tipo distributivo, tanto quantitativamente
quanto pela assinatura de Eduardo Neves e José Bernardo Ferrão, torna-se dominante na poesia estudada. O facto é corroborado pela
publicação dos Delírios, onde Cordeiro da Matta recorre a esse tipo estrófico na primeira estância do “fragmento” «O mundo», escrito em 1874 em Luanda com versos hexassilábicos (Cordeiro da Matta, 2001 p.
45). Antes destes poetas, Maia Ferreira usara a distribuição com uma
variação interessante: o quinto verso rima com os dois seguintes, fazendo o esquema *AABCCCB, em heptassílabos, no conhecido poema
«À minha terra: no momento de avistá-la depois de uma viagem»,
dedicado a Joaquim Luís Bastos (Maia Ferreira, 2002 pp. 118-119).
Uma segunda alternativa pode-se ver ainda nas Espontaneidades: AAABCCCB. Esta é uma alternativa com significado forte na nossa
poesia do século XIX. Aparece, nas Espontaneidades, na segunda estrofe de «O seu retrato!» (Maia Ferreira, 2002 p. 65); no longo poema (11 estrofes) «Recordação!», com as rimas B sempre em agudos (Maia
Ferreira, 2002 pp. 72-74); nas quatro estrofes de «Ao meu cunhado e
amigo J. J. Cruz Forte» e de «A uma jovem!», com a rima B sempre em
agudos no segundo e só uma vez em graves no primeiro (Maia Ferreira,
2002 pp. 85-86; 92-93); reaparece nas cinco estrofes de «O meu ramo!», com o verso B sempre em agudo (Maia Ferreira, 2002 pp. 99-100); em
quatro estrofes do final do poema «Um pensamento!», encimado por
epígrafe de André Chénier (Maia Ferreira, 2002 pp. 138-139). José
Justiniano da Cruz Forte (se não o próprio Maia Ferreira), no poema
incluído nas Espontaneidades e dedicado ao aniversário da esposa, encimado por uma epígrafe de João de Lemos, usa a mesma
distribuição (Maia Ferreira, 2002 pp. 130-131). Cordeiro da Matta
recorre, em 1882, sobre heptassílabos, à mesma distribuição de Maia
Ferreira: AAABCCCB (Cordeiro da Matta, 2001 pp. 122-123). É caso, portanto, para dizer que a distribuição faz parte do património literário
angolense, apesar de não surgir entre as colaborações angolanas para o
Almanach.
O esquema [*AAB*CCB], parente próximo deste, é referido por Amorim
de Carvalho com um exemplo, em eneassílabos, de Soares de Passos, e
outro, em heptassílabos, de Catulo da Paixão Cearense, poeta popular do nordeste do Brasil que viveu de 1863 a 1946 (Carvalho, 1987 p. 53).
Na lírica escrita e erudita brasileira, Gonçalves de Magalhães, Casimiro
de Abreu e Cruz e Sousa recorrem à mesma distribuição, com
predominância para versos heptassilábicos. Ela recorda a distribuição
predominante nas sextilhas do corpus, [AABCCB] – distribuição, como vimos, igualmente comum nos poetas ultrarromânticos portugueses,
mas em particular nas sextilhas de João de Lemos e de Gonçalves Dias.
Tirando a já referida composição de Abílio de Mendanha, escrita em eneassílabos, as outras três ocorrências deste esquema distributivo
dão-se em estrofes de versos heptassilábicos. Soares de Passos utilizou ainda este esquema rimático com versos heptassilábicos (Passos, 1984
p. 59), bem como João de Lemos no Cancioneiro (Lemos, 1866 p. 90); Gonçalves Dias fê-lo profusamente (Dias, 1847 pp. 96, 201, 339, 340;
Dias, 1848 pp. 42, 55, 71, 76, 117, 127, 196); em Gonçalves Crespo
reencontramo-lo, nas Obras completas, num poema saído em
Miniaturas, e num outro provavelmente só dado à estampa com a 1ª edição das Obras e que, por isso, não terá influenciado os nossos (Crespo, 1942 pp. 80, 265); Tomás Ribeiro também se destaca por uma
frequência que o distingue dos outros, nos Sons que passam (Ribeiro, 1908 pp. 20, 78, 131, 178, 203) e no D. Jayme (Ribeiro, 1862 pp. 13,
229); Pinheiro Chagas por igual, no Poema da mocidade, apenas menos
uma vez que Tomás Ribeiro (Chagas, 1865 pp. 55, 63, 79, 87, 105, 113); Ernesto Marecos idem, aliás na sua lírica esse tipo é dominante,
surgindo em estrofes de versos heptassilábicos, eneassilábicos e
decassilábicos; Guilherme Braga, onde o tipo é também dominante,
usa-o em versos eneassilábicos e heptassilábicos; e, finalmente, Mendes
Leal (Leal, 1858 p. 113).
No Brasil Castro Alves usou por quatro vezes o mesmo esquema nas
Espumas flutuantes, uma das quais em heptassílabos, outra em hexassílabos e as outras duas em decassílabos (Alves, sd). Junqueira
Freire tinha recorrido a ele nas Inspirações do claustro, mas com pentassílabos, em «O misantropo» e «O renegado: canção do judeu»
(Freire, 1867 pp. 46-52, 111-121), sempre com as rimas B em agudos e
um ritmo binário (2+3); com heptassílabos ele recorre à mesma
distribuição rimática no poema «O apóstata: canção do católico»,
também com as rimas B em agudos (Freire, 1867 pp. 141-143).
Os poetas que mais frequentam este género distributivo são, destacadamente, Gonçalves Dias, Tomás Ribeiro e Pinheiro Chagas, o
que nos permite esboçar um quadro mais restrito de referências
determinantes, de resto já notado noutras ocasiões, e de quando em
quando alargado a João de Lemos ou Guilherme Braga, neste caso a Ernesto Marecos, cuja prática se aproxima de uma terra onde viveu e
na qual fundou o primeiro jornal literário.
Das outras sequências distributivas nenhuma aparece referida pelos
tratadistas, ou praticada pelos próceres do ultrarromantismo luso-brasileiro até onde o explorei. Nessas outras sequências a criatividade
formal dos nossos autores pôde, portanto, expandir-se livremente e eles
aproveitaram-na, então como em outros momentos antes mencionados.
O que demonstra que, em o cânone o permitindo, os colaboradores,
angolenses ou residentes, incrustavam no seu conservadorismo laivos
de imaginação, engenho e renovação.
Estruturas de personalização
Nas oitavas dos poetas de referência a composição dos versos obedece, por vezes, às regras de um jogo que requer o culto exímio da habilidade:
a estrofe dividia-se em dois períodos, o primeiro terminando
rigorosamente a meio; a rima [B] devia assentar em palavras agudas e as restantes em graves, podendo ser esdrúxulos ou não os termos que
não rimavam (versos 1 e 5).
No corpus, a regra relativa à divisão da estrofe em dois períodos é
respeitada por Eduardo Neves e por Abílio de Mendanha. A regra das terminações em agudo já só é respeitada por Abílio de Mendanha, num
poema que tende a repetir um ritmo ternário (3+3+3) mas não sempre,
ou seja: faz isso mesclando a repetição com a informação, variação ou
imperfeição. Nesse poema, onde o número três tem uma função
estruturante, espalha-se a rima nas três oitavas de maneira a que, na primeira e na última, ela seja imperfeita por “diferença nos sons
vocálicos” (Carvalho, 1987 p. 312), repetindo-se parcialmente o som das
rimas em agudo da primeira para a terceira estrofe ([céus/adeus] passa
a [deu/céu]). Respeitando as determinações explícitas do jogo, ele ainda
assim não faz uma coincidência total dos sons envolvidos e devia
consegui-lo, se quisesse manter-se fiel ao cânone da escola
ultrarromântica. Ao não conseguir realizou, no entanto, uma simetria,
determinada justamente pela perfeição-imperfeição da rima:
AMOR E PERDÃO Eras tu a mulher qu'eu amava já não vives senão em minh'alma, recebeste dos anjos a palma, que te deram no reino dos ceos!... No suspiro final que exhalaste, sem alento na voz que morria, escutei-te da bocca, já fria escutei, ai de mim, teu adeus!... Foste tu a mulher qu'eu amei... como tu era firme e constante, como tu não mudava d'amante, nem de gelo era o meu coração! mas teus meigos e lânguidos olhos, se julgavam os meus criminosos; para mim se volviam piedosos... transbordando d'amor e perdão! Ai!... perdi a mulher qu'eu amava Só me resta uma sombra querida que me encanta e entristece na vida, ao lembrar-me do amor que me deu!... mas eu creio que morta na terra foi por Deus, convertida em estrella, e saudosa de mim... como eu d'ella... nosso olhar lá se encontra no céo! Abílio Augusto G. Mendanha Raposo (Malange - Africa Occidental), 1887/279.
Se assinalarmos com sinal negativo [-] a imperfeição e com sinal
positivo [+] a perfeição fica-nos esta sequência:
- + -
– em que o lugar do espelho coincide com o sinal de mais.
Eduardo Neves também realiza o mesmo tipo de jogo e desvio, num dos
aspetos de que falo:
BEMVINDO Na occasião em que recebi o A. de Lembranças de 1881 Ao Sr. / Dr. Antonio X. Rodrigues Cordeiro Bem vindo sejas, livrinho, á patria das africanas! onde há côcos e bananas os livros não são de mais. Rescendendo mil perfumes de tão variados artigos, vens visitar os amigos como um bom filho seus paes. Envolto na capa humilde que te dão ao vir ao mundo, lá vens facêto, ou profundo trazer-nos varia instrucção: A um, em sabio concelho, vens o estudo lembrar, se quer um dia alcançar entrada no teu salão: A outro, nóvel cantor, como o auctor destas linhas, com sabias mão encaminhas das letras na varia senda. Lá vens a outro a lembrar mais cuidado nas charadas; não sendo bem meditadas pouco ou nada as recomenda. Aquell'outro mais ditoso que já foi á «salá» nobre, lá corre a ver se descobre se foi de novo attendido; E se vê alli seu nome
assignando algum artigo, fica então mais teu amigo, É-te mais agradecido. Na tua amena leitura, todos distracção recebem, e sem distinção te devem, horas de encanto e prazer. Nas mãos do pobre és riqueza, nas mãos do rico és thesouro, nas do infante és livro d'oiro, sem a ninguem offender. Por isso longe da terra onde vi a luz do dia, recebo com alegria tua visita annual. Mas é tão pouco n'um anno uma visita somente!... ficaria mais contente se ao menos fosses mensal... É de suppor, bem o creio, que nunca seja attendido este singelo pedido que muitos já têem feito; mas ao menos na visita que no anno nos fizeres vem mais cedo, se quizeres, inda ser-nos mais acceito. Sê pois bemvindo, almanach á patria das africanas! onde ha côcos e bananas os livros não são demais. Rescendendo mil perfumes de tão variados artigos, vens visitar os amigos amigos dos mais leaes. Eduardo Neves (Loanda), 1882/54.
O poema tem um ritmo menos regular que o de Abílio de Mendanha, oscilando entre unidades binárias e ternárias (com tendência para
aquelas e chamando binárias às unidades que juntam uma sílaba não
acentuada com outra acentuada). Essa irregularidade parece um
critério principal da composição de todo o conjunto.
Repare-se que as primeiras seis estrofes alternam, duas a duas, rimas
em agudo nos versos quatro e oito (estrofes 1,2,5 e 6) e rimas em grave
nos mesmos versos (estrofes 3 e 4), orquestrando assim uma primeira
simetria, do mesmo tipo da anterior, alicerçada (como parte significativa
dos versos) num ritmo binário. Se conotamos ao sinal de mais o valor
de “canónico” (rima em agudo) e ao de menos o de uma “fuga”, podemos
representá-la através da seguinte fórmula:
+ + | - - | + +, figurando uma simetria: + + - | - + +
A figura, porém, vai complexificar-se, pois essas não correspondem à
totalidade da peça: as duas últimas estrofes ainda alternam entre si a
rima em agudo (estrofe 8) e a rima em grave (estrofe 7). Se excluirmos a
primeira e a última estâncias (aquela rimando em agudo, esta em grave)
fica uma simetria invertida, realizada pela alternância entre rimas [B]
agudas e graves:
Aguda | Grave | Grave] x [Aguda | Aguda | Grave
– onde aparecia aguda na primeira metade aparece grave na segunda e vice-versa.
Se agora tornarmos a juntar a primeira e a última estrofes ao conjunto,
configura-se-nos uma simetria invertida e duplicada:
{[Aguda|Aguda|Grave|Grave]x [Aguda|Aguda|Grave|Grave]}
Re-encontramos assim um ritmo binário e ficamos perante um jogo de
espelhos, como se vê construído sobre a alternância entre cumprimento e incumprimento da regra. Em poetas-charadistas, mais a mais
convivendo com tradições “adivinhancísticas” (Oliveira, 2007), isto não é
de estranhar nem de ignorar.
Outro artífice que domina a técnica da fuga personalizante às regras do
jogo é José Bernardo Ferrão. As suas variações organizam-se de
maneira a darem-nos igualmente uma imagem de simetria, uma
imagem circular e espelhada.
Numa composição («Confesso-me», 1881/224), votada ao misterioso
amor que assusta os déspotas, a simetria podia não existir inicialmente,
ou possuir outra configuração, visto que a quinta e a sexta estrofes se
encontram separadas por uma linha pontuada, recurso gráfico
normalmente usado para indicar a falha de uma ou mais estrofes, ou de
um ou mais versos:
Do templo ante as luzes pálidas por noite alegre, festiva, noite em que ninguém se esquiva a velar, esp'rando um Deus! Por entre os hymnos e cânticos de psalmos e profecias que anunciam o Messias, que o inferno cerra, abre os céos; Ante a magestade biblica do natal do Redemptor, onde o mysterio d'amor auspicía ao mundo affagos mysterio que aterra os déspotas, que já no céo se revela a fulgente e magra estrella que a Bethlem levou os Magos. Por entre os mil reverbéros já trémulos, e já baços das luzes, eu vi os traços d'um vulto tão seductor talvez aéreo, phantastico, que descesse d'entre as nuvens ou virgem que algum Rubens ali viesse depôr. Os cabelos tinha fulgidos tal como a Virgem-mãe as madeiras d'ouro tem nas pinturas immortaes! Por entre as fitas róseas dos labios, eu vi no fundo, pérolas taes que no mundo nunca vi outras eguaes! Para em tudo ser etherea nos olhos tinha a celeste linda côr, de que se veste ás vezes o mar e o céo; no porte, apesar de angélico,
certo ar de mando e culto Ai manda-me, excelso vulto, o teu escravo sou eu! .......................................... Confesso-me, quando estatica curvada sobre Jesus, vi que beijavas... a luz perdi dos olhos... desterra, ó Deus justo, Deus magnanimo de mim este pensamento, mas, em peccado, um momento, troquei o céo pela terra! José Bernardo Ferrão (Loanda), 1881/224.
No entanto, tal como o poema nos aparece, as estrofes (seis no total)
encontram-se organizadas de modo a que na primeira, na quarta e na
quinta, os períodos as dividam ao meio, o mesmo não sucedendo com as estrofes dois, três e seis, a cada uma das quais corresponde apenas
um período (estâncias). Daí podemos extrair uma fórmula de simetria
invertida, idêntica à de Eduardo Neves, marcando-se à mesma com o
sinal de mais o cumprimento da regra e com o de menos a variação:
+ - - | + + -
Passemos agora ao poema saído no Almanach para o ano de 1889 (p. 133), peça oratória sui generis, que antecipa em um ano o Ultimatum sendo, talvez, em termos lexicais e ideológicos, a mais avançada do seu
tempo e lugar:
(No Album de Eduardo Neves) Serpente immensa de prata coleando em campo verde, Cauda que ao longe se perde nos inhospitos sertões, cabeça posta no oceano torcendo o corpo em mil voltas, e co'as escamas revoltas rasgando o solo em golphões! Tal és quando a tempestade do céo rompe as cataratas
e das immensas cascatas rolam liquidas montanhas! Trazendo no bojo enorme que ruge como as crateras cabanas, colonos, feras arvores, troncos e penhas! Mas logo que o sol ardente as aguas bebe do espaço, brilhas qual polido aço mal se vê teu deslisar! Queria stateficar-te e sobre o dorço em torpor vagões aos mil de vapor velozes fazer rolar. E da tua foz ao teu berço mandar-te em milhares d'expressos força, justiça, e progresso, tres centelhas redemptoras da tua aurora futura, que espantará os milhafres, e fará das hordas cafres legiões trabalhadoras. Mas enquanto esta hora tarda E o olho vivo domina, deslisa pela campina no teu selvagem correr! E nos concelhos que te orlam onde mandam prestameiros (1) do olho vivo rendeiros deixa a miseria crescer. 'Té que um dia o povo honrado (embora o mova a cobiça) venha com força e justiça a este paiz sem donos castigar crimes, infamias solver vergonhas com brios e levar povos vadios a serem uteis colonos! Se acaso essa aurora brilha e um dia mão redemptora aqui aportar senhora, eu saudo este paiz! Eu! que contra o estrangeiro dava sangue e vida minha,
entrouxo a malla mesquinha parto vingado, feliz!! Mas enquanto essa aurora tarda e o olho vivo domina deslisa pela campina no teu selvagem correr e nos concelhos que te orlam onde mandam prestameiros do olho vivo rendeiros deixa a miseria crescer.” (1) “Refere-se aos chefes e mais auctoridades dos concelhos do interior que só tratam de locupletar-se importando-lhes pouco os meios. Não há regra sem excepção” José Bernardo Ferrão (Dondo - Margens do Quanza), 1889/133.
Como se vê, nas quatro estrofes iniciais, a primeira e a quarta não fazem a divisão regulamentar em dois períodos, a segunda e a terceira
fazem-na, resultando a sequência numa fórmula igual à simetria das
rimas interpoladas:
- + | + - (na rima interpolada temos [AB | BA])
Nas últimas quatro estrofes alterna-se uma onde se faz a divisão em períodos (nº 5 e 7) com outra onde isso não sucede (nº 6 e 8),
resultando numa distribuição cruzada, uma simetria invertida,
formulável como as sequências rímicas cruzadas:
[+ - | + -] (na rima cruzada temos [AB | AB])
Ainda nesta composição, quanto à regra relativa às rimas em agudo, os
versos de rima [B] cruzam, alternadamente, estrofes com a rima em agudo e a rima em grave, só fugindo à regra a última estância, o que
sucede por repetir ela a quinta, que faz a rima com palavras agudas. A
ideia geométrica desenhada pelo jogo de alternâncias entre a regra e a variação é agora a de uma sequência relativamente longa de oposições
binárias, recordando a figura da espiral e, mais uma vez, a distribuição
das rimas cruzadas.
Dada a familiaridade das sextilhas com as oitavas, imposta neste
particular pelas mesmas regras para os versos 3 e 6 das sextilhas,
procedi à comparação com o que se passava nas sextilhas a partir de
1878, ou seja, do advento público e notório da geração do Jornal de Loanda.
Pegando numa composição do mesmo poeta (J. B. Ferrão, 1878: 202),
reparei que o incumprimento relativo às rimas em agudos ou graves não
desenhava nenhuma figura. Mas o jogo entre cumprimento e
incumprimento da regra relativa ao final de período no verso 3
desenhava uma nova simetria. Se dividirmos ao meio as 12 estrofes do
poema, as primeiras seis formam a seguinte simetria:
- + +|+ + -
As últimas seis, por seu turno, formam a seguinte simetria, invertida:
- - + | - ++
Parti de 1878, mas a constituição de figuras simétricas opositivas
atravessa todo o corpus com uma frequência maior do que nas obras de referência. Logo na colaboração seguinte à de que falei mais acima [«Canto, riso, somno e amor / (versão)»)1859/338], Cândido Furtado
organiza as rimas de maneira a que, a meio do poema (estrofe 5) e no final, uma das terminações seja “amor” (nos versos ímpares da estrofe
do meio e nos versos pares da última estrofe), sendo que, na primeira
estrofe, uma das palavras-rima (no verso par) é “coração”:
Se em meus braços recostada tu soltas meiga canção, não sentes que te responde de manso o meu coração? É que o teu canto recorda horas de goso sem fim... canta, pois, anjo innocente, canta sempre junto a mim.
Se sorris, brinca em teus lábios o anjo d'amor e paz, que d'alma a negra suspeita n'um só repente desfaz: É que o teu sorriso revela candura de um seraphim!... sorri, pois, anjo innocente, sorri sempre junto a mim. Se tu dormes socegada, casta virgem do Senhor, inda o teu halito puro me faz protestos d'amor! É que então arqueja livre teu seio d'alvo jasmim!... dorme, pois, anjo innocente, dorme sempre junto a mim. Se tu me dizes «eu te amo», eu julgo ver... oh! meu Deus!... em torno de mim na terra o eden dos sonhos meus! É que o puro amor celeste nos teus olhos achar vim: ama, pois, anjo innocente, ama sempre junto a mim. Vê que dentro do teu peito quiz Deus eterno encerrar tudo que seduz na terra, tudo que pôde encantar: Que os bens reaes da existencia, os gosos todos sem dor, em quatro vozes se exprimem: «canto, riso, somno e amor». João Cândido Furtado (Porto), 1859/338.
A distribuição das rimas pobres e ricas está igualmente bem organizada na peça, correspondendo a cada estrofe com rima pobre três de rima
rica, se excetuarmos a última, que faz rima pobre também e, segundo a regra, a devia tornar rica. A exceção explica-se porque, precisamente,
essa derradeira estrofe repete a fórmula de todas as outras pares
conjugando-a ao título, numa espécie de síntese final em modo que
lembra as estruturas de mote e glosa. Com efeito, o artista espalha as
palavras do título uma no princípio de cada quarto verso das estrofes
pares, à vez, e seguidas sempre pela expressão “junto a mim”; na última
estância reúne todas essas palavras, como estão no título, elidindo a
absorvente expressão, o que faz com que o terminus não permita a rima
rica.
Também Cordeiro da Matta, cujo pai foi professor e escrivão em Icolo-e-
Bengo durante a infância paradisíaca do poeta, não foge a esta regra de
composição. Por exemplo no poema intitulado «A uma joven» (1881/45).
Nele cruza, com nitidez geométrica, as rimas graves e agudas, fazendo
coincidir a acentuação com o jogo entre rimas pobres e ricas, de tal
maneira que temos, nas três estrofes do poema, rimas agudas e ricas
nos versos ímpares da primeira, graves e pobres nos mesmos versos da
segunda estrofe, e agudas e pobres nos da terceira, que reúne assim
uma caraterística de cada par das duas anteriores:
És bella!… Do teu olhar Na doce luz resplandece, Um brilho, que se fitar… Deslumbra! offusca! enlouquece! … Tens das virgens decantadas Tudo o que mata e inebria!… As fórmas esculpturadas- Cheias de encanto e magia!... Olhar p'ra ti sem sentir No peito o fogo sagrado - É a Cupido mentir É ser do amor... renegado!...
Quanto às rimas dos versos pares, elas são sempre graves mas
alternam pobres nas estrofes das pontas com rica na do meio.
Logo a seguir, no mesmo número do Almanach (1881/180), Álvaro Paes subscreve «Africana»:
Tens nos olhos um abysmo de paixões e de ternura; leio n'elles quando scismo em desejada ventura. Às vezes féros, irados, outras meigos, divinaes;
como os brilhos prateados d'estas noites tropicaes. O collo esbelto e gentil nas fórmas lindas, suaves, meio occulto em véo subtil, é como o collo das aves. Se não tens do jaspe a côr, é de veludo e setim; palpita mais em amor, eterno, ardente, sem fim! Se em ciúmes vingativa, tens da leõa a feição, tambem a chamma é mais viva quando se ateia a paixão. Ora meiga, ora sedenta da febre d'infindo amor; és como a calma, a tormenta, destas plagas de equador. Alvaro Paes (Loanda), 1881/180.
São seis quadras organizadas igualmente em simetria a partir da
distribuição de rimas ricas pelos versos ímpares. Se o leitor reparar, os
versos ímpares da primeira e da última estrofes possuem tal tipo de
rima, como que abrindo e fechando a composição.
Nem sempre a estruturação em simetria surge para substituir uma
regra comum. No entanto, sempre que as simetrias são construídas
sobre a distribuição das rimas graves, agudas e esdrúxulas (no corpus isso ocorre dezasseis vezes), o poeta rompe com a regra descrita por
Castilho segundo a qual, nas estrofes regulares, “onde na primeira
estrophe ficarem versos graves, onde agudos, onde exdruxulos, devem egualmente cair em todas as outras estrophes, versos graves, versos
agudos e versos exdruxulos” (Castilho, 1874 p. 142).
Podemos, pois, postular a hipótese de que as oitavas encontradas no
corpus, quando não respeitam as duas constantes de composição acima referidas (a divisão em dois períodos sintáticos ao fim do quarto verso e
a rima em agudo nos versos de segunda rima), organizam as estrofes de
maneira a não parecer ocasional a alternância entre o cumprimento e o incumprimento da regra. Fica assim desenhada uma estrutura que
podíamos chamar “de imperfeição”, na medida em que ela surge para
substituir o incumprimento de uma regra; ou “de personalização”,
porque foge ao cânone sugerindo a existência de outro meramente
pessoal, se não só pontual. O aparecimento de “estruturas de
personalização” não deve, porém, ficar condicionado ao incumprimento
de uma regra, visto que, no corpus, é comum surgirem tais estruturas independentemente de virem cobrir uma “falta” a um preceito técnico. O que as carateriza, de forma geral, é, como nos casos estudados, a
configuração de vários tipos de simetrias, evocando os conjuntos figuras
como o círculo ou a elipse.
Como disse atrás, isto não acontece apenas com as oitavas. Logo num
dos primeiros poemas vindos de Angola e publicados no Almanach de lembranças (1857/345) deparamos com um primeiro exemplo de distribuição simétrica das rimas: na primeira metade do poema (nas
primeiras sete estrofes) de duas em duas estâncias surge uma com repetição das palavras-rima da primeira, ou seja, nas estrofes 1, 4 e 7
repetem-se, em posição de rima, as palavras “vinho” e “S. Martinho”, não tornando a suceder isso na segunda metade do poema. Portanto,
não só a peça está organizada simetricamente como também, dentro da
simetria inicial, encontramos outras figurações opositivas (na primeira
metade do poema).
Muitos mais exemplos podia citar, mas penso que sejam suficientes os
referidos para demonstrar a pertinência desse tipo de estrutura nas
peças estudadas. A percentagem da sua frequência, face à totalidade
das colaborações, parece-me demasiado elevada se a compararmos com
os poetas modelares. O acento posto na organização de estruturas de
personalização, quase todas simétricas, acorda-se à anterioridade lírica de José da Silva Maia Ferreira, em cuja poesia Mário António observara
já, não propriamente as simetrias, mas o apuro habilidoso que nelas
resulta.
Em complemento o cultivo, quer de charadas e logogriphos, quer da sua decifração, acorda-se ao gosto engenhoso, à composição de figuras
escondidas, que reforçam o sentido de mistério, de oculto e, portanto,
de sabedoria que já estava presente, no que à sabedoria diz respeito, pela imagem da simetria que, remetendo para o círculo, nos sugere uma
ideia de perfeição. A comprovada expansão da Maçonaria, da
Carbonária, da Kuribeka, no território, deve ter acentuado este gosto pelo ensinamento cifrado e geometrizado e pela procura de fazer
coincidir, na materialidade textual (e gráfica), um símbolo do absoluto.
Estes são, pois, os desenhos na areia dos nossos poetas.
Breve comparação com as obras de referência
A colocação das estrofes em função do cumprimento e do incumprimen-
to da regra é preparada igualmente por poetas ultrarromânticos,
embora em menor escala e não, que tenha visto, com oitavas.
António Feliciano de Castilho, o mestre do ultrarromantismo, faz isso com a rima emparelhada dos quartetos bipentassilábicos que escreveu
em 1849 e publicou nas Estreias poético-musicais (Castilho, 1907 p. 95). Aí, a rima [B], emparelhada, é grave nas estrofes pares e aguda nas
estrofes ímpares. Temos portanto a mesma sequência binária do último
caso atrás citado.
Mendes Leal, numa série de oito quartetos, organiza a simetria de
maneira a que, nos quatro primeiros, se alternem versos agudos e
graves em coincidência com os quebrados, que são os metros pares de cada estrofe; nos últimos quatro quartetos os versos são todos graves
(Leal, 1858 p. 178). Temos aqui uma estrutura bicéfala, tal como em
José Bernardo Ferrão.
Numa outra peça os quatro quartetos organizam-se de maneira a que as estrofes ímpares façam a rima [B] em grave e com os sons [-udo/-undo],
ao passo que as estrofes pares fazem a mesma rima com palavras
agudas e com o som [-ão] (Leal, 1858 p. 184).
Gonçalves Dias, por seu turno, organiza um poema de modo a que,
num total de treze estrofes, só a sétima não faça a rima [B] em agudo –
tratando-se, coincidentemente, de sextilhas cuja distribuição rimática
recorda a destas oitavas: [AABCCB] (Dias, 1848 p. 130).
Na primeira secção de um conhecido poema de Álvares de Azevedo, «Um
cadáver de poeta» (encimado por uma citação de George Sand),
encontramos sextilhas que misturam deca- e hexassílabos, coincidindo
os hexassílabos com finais de períodos nos versos 3 e 6 (Azevedo, sd p. 28). Aí o poeta alterna rimas graves e agudas numa sequência cruzada,
formando portanto uma simetria perfeita:
Grave Aguda | Aguda Grave
No primeiro poema da primeira parte da Lira dos vinte anos, intitulado «No mar» (Azevedo, sd p. 6), faz o mesmo poeta uma sequência de nove
estrofes que, relativamente ao cumprimento-incumprimento da regra de
pontuar o terceiro verso, dá o seguinte resultado:
- - + + + + - - |+
Se excluirmos a última estrofe (que repete a primeira, sugerindo-nos
um tempo ou ritmo circular) temos uma simetria perfeita.
Num livro que já não é ultrarromântico, A morte de D. João, de Guerra Junqueiro, o autor faz exatamente o mesmo que fez Castilho no poema
acima citado, embora com a rima [B] das sextilhas heptassilábicas a
que aí recorre e que apresentam uma distribuição idêntica também à
destas oitavas: [AABCCB] (Junqueiro, 1974 p. 267).
Recorrendo a critérios diferentes, outros poetas românticos construíram suas simetrias e engenhosidades. Trago um exemplo de Castro Alves, o
poema intitulado «A duas flores» (Alves, sd pp. 82, 83). No início
aparece-nos um terceto com distribuição AAB. As estrofes seguintes são
sextilhas com a distribuição CCBDDE, de maneira que os versos que
não rimam na estrofe anterior fazem rima com o fim do primeiro terceto da seguinte. Para fechar a composição o poeta deixa-nos com um
terceto semelhante ao primeiro (AAB), em que porém o verso B rima
com o último verso da sextilha anterior. Como não é comprido, passo a
transcrever, para concretizar a imaginação do leitor:
São duas flores unidas, São duas rosas nascidas Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho, Da mesma gota de orvalho, Do mesmo raio de sol. Unidas, bem como as penas Das duas asas pequenas De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas, Como a tribo de andorinhas Da tarde no frouxo véu. Unidas, bem como os prantos, Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto, Como as covinhas do rosto, Como as estrelas do mar. Unidas... Ai quem pudera Numa eterna primavera Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida Na rama verde e florida, Na verde rama do amor!
A regra é levada sistematicamente até ao fim, de maneira que se torna
necessária uma última estrofe, de 3 versos como a inicial, para ‘fechar’ a rima do último verso da sextilha anterior. Fechando como inicia, o
poeta consegue insinuar em nós a imagem de uma estrutura circular, a
mesma que organiza as simetrias.
As estrofes de dez versos
A décima, nome que dou aqui ao agrupamento de dez versos, é a
primeira solução estrófica publicada no Almanach e subscrita por alguém seguramente relacionado com Angola. Apesar de esse alguém
ser um lírico de referência, a sua escolha não vai tornar-se comum no
corpus e só ressurge entre 1881 e 1887, aparecendo em 1865 uma décima isolada no final de uma composição de Cândido Furtado, facto
que não tem sequência nem significado por si.
Das sete ocorrências encontradas, duas são de Cândido Furtado
(1865/283 e 1881/66), a última delas imitação d’ «A lua de Londres» de
João de Lemos e a primeira extemporânea relativamente às dos outros versificadores. A aparição de 1865 possui um esquema distributivo
idêntico ao da composição de 1881, com a única diferença de, nesse primeiro poema, os quatro versos iniciais fazerem uma rima cruzada,
como sucede com Maia Ferreira, enquanto no segundo caso fazem duas
rimas cruzadas.
Esta ocorrência de 1865 fecha uma composição em quintilhas cuja estrutura retórica nos remete para a oratória jurídica, recordando peças
idênticas do Cancioneiro geral de Garcia de Resende (1516), como as da
polémica do “cuidar e sospirar”. O tipo repete-se, no corpus, em outra composição de Cândido Furtado, não sendo seguido por mais ninguém.
A décima indicia portanto, nesse primeiro momento, a preferência pelas
estrofes de cinco versos, que ela duplica.
A segunda emergência de Cândido Furtado (1881/66) resultará, como disse, da imitação do poema de João de Lemos, visto que o segue em
tudo: dez versos heptassilábicos rimando em dois sistemas de duas rimas cruzadas intercalados por dois versos emparelhados. A única diferença é que, na composição de Cândido Furtado, há onze estrofes,
ao passo que à lua de Londres bastam nove para alumiar o que diz. A
presença da décima aqui não nos indica, pois, uma preferência pessoal, apenas uma imitação colada à sua fonte, numa espécie de plágio
formal, que visa acentuar o contraste entre a lua de Londres (mal lida,
visto que o liberalismo previsível de Cândido Furtado não percebeu porque é que ela era o contraste da portuguesa) e o sol de África (de um
brilho que o cegava por excesso).
Dos outros cinco espécimes encontrados, a primeira décima é a de
Ernesto Marecos (1856/165), a tal que não terá sido escrita em Angola;
a segunda (1880/35) é de José Bernardo Ferrão; a terceira (1880/214)
vem subscrita por Eduardo Neves; as duas últimas são de A. G. de
Castro e de A. J. Machado (S1887/55, misturada com outros tipos
estróficos; e S1887/162, onde as décimas glosam um mote composto
por uma quadra).
A composição de A. J. Machado (S1887/162), com uma estrutura de
mote e glosa idêntica à dos clássicos portugueses, é anacrónica face aos
restantes poemas estudados, onde só um se parece com este,
precisamente o de A. G. de Castro (S1887/55), autor tão insignificante
quanto A. J. Machado. A própria emergência desta espécie formal, como
vimos ao falar das quadras misturadas com outros tipos estróficos, é
pouco importante para o nosso objetivo. O mote surge numa situação
inusitada e a glosa, ainda que feita em décimas, não é rigorosamente clássica (a primeira décima não faz glosa), aparecendo envolvida por
outra composição (em quadras e quartetos) — portanto numa totalidade
por igual inusitada para a formulação típica do classicismo europeu.
Em resumo: destes cinco poemas, dois deles não contam, pois possuem
referências retóricas e literárias em épocas mais recuadas da poesia
lírica portuguesa, sendo protagonizados por subscritores insignificantes e sendo esteticamente insignificantes também. Fica-nos, assim, apenas,
a décima de Ernesto Marecos, a par das publicadas no número para
1880 por Eduardo Neves e Bernardo Ferrão, como possíveis práticas
significativas para sintonizarmos o conhecimento literário local no que
diz respeito aos agrupamentos de dez versos que o não sejam apenas
graficamente.
Das três ocorrências de décimas a de Marecos surge isoladamente,
constituindo sozinha uma poema cujos tema e motivos se podem incluir
inteiramente nos da escola ultrarromântica, tal como as décimas de
José Bernardo Ferrão. No entanto, essa décima inicial do corpus pertence a um poema, como disse, homónimo, datado de 1854,
publicado nas Primeiras inspirações. O poema foi começado estando o autor em Portugal, antes da sua ida para Angola, razão que explica o
facto de o mesmo não se localizar em Luanda, como seria de esperar
estando fora do seu endereço habitual, ou da sua ‘pátria’.
Quer dizer que, das décimas exibidas, só os dois ensaios de Eduardo Neves e Bernardo Ferrão, publicados no número para 1880, são
realmente representativos. São-no pela originalidade, por pertencerem a
poetas importantes no corpus e por não recorrerem a uma estrutura
caída em desuso nesta época. O que é sintomático das suas referências
literárias específicas, de espetro mais vasto, que talvez bebessem nas
mesmas águas do condoreirismo brasileiro, das décadas de 50 a 70 do
século XIX (AAVV, 1987 p. 116). Nos Delírios Cordeiro da Matta recorre também a décimas, mas pouco e, por vezes, disfarçadamente. Antes
deles, em Angola e no Brasil, Maia Ferreira tenta rentabilizar o tipo
estrófico por quatro vezes, uma delas perfeitamente casual (Maia Ferreira, 2002 p. 111). Na primeira das outras três ocorrências a
composição é totalmente feita sobre décimas. Chama-se «Era um anjo!»
e vale a pena transcrevê-la, quer pelo ‘primor’ formal, quer pela
desatenção a que tem sido votada, quer pelos conteúdos sugeridos
subtilmente – biográficos e não só:
No álbum do senhor F. V. da Cunha
Em uma noite sonhei Estar sentado junto a mim Mimoso Anjo do céu De asas brancas de cetim. – Era fermoso – inocente, Quando branda e docemente De seus olhos descerrava O cerúleo de oiro manto Que mostrava o seu encanto Que de amor extasiava. Sobre mim poisou a face, Sua face de jasmim, E querendo despertar-me – De seus lábios de carmim Ouvi com voz sonora Que arrebata e que namora Dizer-me, ó Santo Deus! – Doces palavras de amor Que exprimiam com fervor Os ardentes votos seus! Despertei, e do sonhar A realidade senti Não sei se era um anjo O corpo gentil que eu vi: Porém tinha o seu candor – Era do mundo o primor – E se não era do céu Porque asas não trazia, Com suave melodia Repetia o canto seu!
Tinha nos lábios candura, Nos olhos meiguice e amor – Era lindo – como é linda A primavera da flor. Era puro como é pura Na desgraça e desventura A consoada maternal – E ingénuo quando dizia Que o amor que ele sentia Na terra não tinha igual. Ouvi o anjo da terra Que plos do céu me falava – Que juras de eterno amor Tão meigamente jurava. – Imprimi então um beijo Que a fez corar de pejo – Nos seus lábios de coral – E de prazer tão subido Soltei após um gemido – O gemido do meu mal! Neste enleio mergulhado – Fujamos – eu lhe bradei Do mundo que insano olvida Da natura a doce lei. – Dele audazes zombemos E a outro mundo voemos Onde possamos fruir – Quer aos roncos das procelas Quer em céu azul d’Estrelas A vida do teu sorrir!
Para além da habilidade rítmica e do rigor formal, que em muitos outros
poemas manifesta, revelando uma boa formação literária, note-se a
sugestão de assunto privado, o jogo enunciativo entre o tratamento da segunda pessoa no masculino e no feminino, o tema romântico da
inocência e do amor pelo anjo, o tema da fuga ao mundo tão presente
no livro do nosso primeiro poeta.
Todas essas características – exceto o jogo enunciativo entre feminino e masculino na designação do anjo – reaparecem no poema «O seu
retrato!» (Maia Ferreira, 2002 pp. 65-67). Inicia-se ele por um quarteto
(eneassilábico), segue por uma oitava (pentassilábica) e depois alonga-se por quatro décimas heptassilábicas escritas com a mesma habilidade
rítmica e o mesmo rigor formal e vocabular.
Finalmente o poema «O meu credo!» (Maia Ferreira, 2002 pp. 124-126),
que repete uma das componentes semânticas já explorada em «A minha
terra» (Maia Ferreira, 2002 p. 30), é também feito sobre décimas
heptassilábicas.
Em resumo, são só três ocorrências – embora ocorrências importantes e
que demonstram o domínio técnico do tipo estrófico.
Tipos de décimas encontrados e comparações com as referências
Todas as ocorrências foram compostas em versos heptassilábicos, como
acontece com Maia Ferreira. O facto vem na linha de uma tradição
muito comum entre os poetas portugueses e os condoreiristas.
Para o caso português vejam-se, a título de exemplo, os poemas
transcritos por Amorim de Carvalho (Carvalho, 1987 pp. 56-57): um primeiro cuja autoria não se refere mas que, pelas suas características
formais e principalmente ideológicas, não será anterior à segunda
metade do século XIX, podendo mesmo ser do autor da Teoria; o segundo é de Bernardim Ribeiro e o terceiro de D. Diniz. Todos eles
apresentam versos heptassilábicos, isto apesar das conhecidas diferenças entre os metros preferidos, por exemplo, na Idade Média
ibérica e na restante lírica portuguesa.
Quanto aos condoreiristas, entre eles avulta a cabeleira de Castro Alves,
com a qual o romantismo brasileiro encerra hiperbolicamente as suas
portas altaneiras e antitéticas. Mas também – antes dele – deparamo-
nos com décimas heptassilábicas na poesia de “Tobias Barreto, Bittencourt Sampaio, Franklin Dória, Pedro de Calasãs, Barão de
Paranapiacaba e José Bonifácio o Moço” – segundo Domingos Carvalho
da Silva (AAVV, 1987 p. 116).
A associação entre o heptassílabo e a estrofe de dez versos, apesar da
sua popularidade, vai contra o previsto pelos tratadistas: Castilho fala
das décimas apenas quando comenta os decassílabos. Tinha por referência, talvez, a prática do classicismo em Portugal, visto que nos
diz que “o seu tempo parece ter passado com os oiteiros e as glosas”
(Castilho, 1874 p. 139). A par dele e apesar dos exemplos acima citados, Amorim de Carvalho só reconhece a décima clássica, assimilando-a a
uma prática anterior ao século XIX (Carvalho, 1987 p. 56). Como é
regular o campo alinhado pelo sulco retilíneo dos Tratados!
Bilac e Passos, por seu turno, concebem só dois tipos de décimas: a que chamam clássica (v. em seguida) e outra, conseguida pela
“justaposição” de duas quintilhas, que acham desusada e conotam com
o vilancete da literatura portuguesa quatrocentista (Bilac, Olavo e
Passos, Guimarães, sd). Não indicam métrica específica mas o exemplo
que fornecem é com heptassílabos – portanto metricamente
concordante com as ocorrências significativas do corpus e de Maia Ferreira.
A décima clássica é composta por duas partes, uma de quatro e outra de seis versos, ou o contrário, uma de seis e outra de quatro versos
(Castilho, 1874 pp. 137-138; Carvalho, 1987 p. 57; AAVV, 1987 p. 116).
No condoreirismo brasileiro o tipo dominante é o primeiro, com
distribuição [ABAB] (como Castro Alves usa no «Navio negreiro») ou
[*A*A] (de que há também ocorrências a registar no «Navio negreiro») –
sendo esta a distribuição dominante em Maia Ferreira. No que diz
respeito à segunda parte, se imaginarmos uma sextilha, o esquema é
[DDE/FFE]; se não o fizermos, seguem-se à quadra dois versos
emparelhados e, depois, outra quadra com o esquema [DEED].
Imagino uma sextilha por causa do que dizem os tratadistas
portugueses. Segundo Castilho, essas duas partes (os primeiros quatro versos e os últimos seis) corresponderiam a dois períodos sintáticos;
segundo Amorim de Carvalho elas definir-se-iam tanto logicamente
(“pelo pensamento” e pressupondo, ao que parece, uma
correspondência ao nível da sintaxe), quanto rimaticamente (Carvalho, 1987 pp. 59, 105ss). Maia Ferreira respeita geralmente (não
obrigatoriamente) essa regra.
Amorim de Carvalho fala nas décimas divididas em dois períodos, de
quatro e seis versos, tanto no capítulo dedicado às estrofes quanto no capítulo dedicado aos sistemas estróficos, distinguindo por isso na
décima a mera solução estrófica de uma orquestração prévia colocada
um nódulo acima, como a do soneto, que vem coincidir com a ideia de
texto e macro-texto. A única diferença entre os dois tipos está, para o
neo-castilhista, na “travação rimática”, visto que dá, para as décimas enquanto sistemas estróficos, [ABBAACCDDC] – deviam ser as
quintilhas justapostas de que falavam Bilac e Passos.
Coincidentemente, são as duas composições onde surge uma estrutura de mote e glosa que utilizam essa distribuição, o que reforça a sua
extemporaneidade, visto que a décima só enquanto estrofe é praticada
ainda no século XIX, principalmente por poetas ultrarromânticos. Isso pode-se confirmar em Soares de Passos (Passos, 1984 p. 139); Tomás
Ribeiro (Ribeiro, 1908 pp. 33, 34, 260; Ribeiro, 1862 pp. 14, 89);
Pinheiro Chagas (Chagas, 1865 pp. 29, 50); João de Lemos (Lemos, 1875 pp. 5, 11, 30, 55, 68, 86, 108, 134; Lemos, 1859 pp. 19, 72, 134,
146, 158, 180, 189, 192, 226; Lemos, 1866 pp. 22, 27, 36, 84, 103,
107, 128, 141, 163, 170, 178); Luís Augusto Palmeirim (Palmeirim,
1851 pp. 8, 148); Mendes Leal, desde logo na «Dedicatória» dos
Cânticos, mas não só (Leal, 1858 pp. 13, 50, 111, 147, 186, 198, 209, 233, 315); finalmente, em Ernesto Marecos (Marecos, 1878 pp. 13, 53,
81, 104, 111, 134, 181, 255, 269; Marecos, 1865 pp. 1, 29, 39, 40, 46,
51, 95, 100, 118, 143, 156). Vemos aqui repetida uma coincidência que
já fixei atrás: a coincidência das décimas do corpus com práticas de
João de Lemos e Ernesto Marecos.
No Brasil, como disse, era a solução preferida pelos condoreiros, onde
se destaca o vulto inflamado de Castro Alves, que recorre a elas pelo
menos seis vezes nas Espumas flutuantes e só uma delas com decassílabos, numa distribuição clássica (Alves, sd). Mas também
Fagundes Varela recorreu às décimas, por exemplo no poema «O
arrependimento» (Varela, 2000;2002 pp. 98-99), escrito em
heptassílabos e com cinco rimas: ABABCCDEED – a distribuição preferida de Maia Ferreira e dos tratadistas. Mais tarde, Cruz e Sousa
ainda recorre várias vezes às décimas. Fá-lo, por ex., no poema «A imprensa» (“Desterro, 21 nov. 1880”), distribuindo as rimas de formas
variadas e em alguns casos bizarras (Sousa, 2000-2002a pp. 101-103).
No nosso terreno, Cordeiro da Matta usa umas décimas (indicadas
graficamente como quintilhas) em dodecassílabos compostos, no poema «Confissão» (“Luanda, 1878”), com uma distribuição rimática singular:
*A*AB*C*CB (Matta, 2001 pp. 58-59). No poema «O que eu peço», de “22
de Julho de 1886” (Matta, 2001 p. 181), apresenta dois quintetos e um
quarteto que, na verdade, se reduzem a uma décima e um quarteto,
porque o 5.º verso da primeira estância e o primeiro da segunda
emparelham rimando, como todos os versos dessas duas estrofes iniciais. Formam portanto uma décima de versos emparelhados – o que,
não sendo inédito, não era também comum. O facto leva-me a postular a coincidência de escolhas entre Cordeiro da Matta e Cruz e Sousa,
visto que ambos usam soluções originais nas suas décimas.
A décima enquanto sistema estrófico foi abandonada quando,
igualmente, a tradição lírica portuguesa (escrita) se afastou das
estruturas de mote e glosa. Castilho usa ainda essas estruturas de mote e glosa, mas em composições da sua juventude: uma dos tempos
de Coimbra (Castilho, 1905 p. 31); outra datada de 1824 (Castilho,
1905 p. 161); uma terceira fazendo já a glosa sem incluir o mote,
portanto a caminho do descampado (Castilho, 1904 p. 21).
As décimas com distribuição rimática idêntica ou igual à clássica, mas não incluídas em estruturas de mote e glosa, surgem, nos poetas de
referência, apenas em Faustino Xavier de Novaes (Novaes, 1855 pp. 28,
173 «Em outeiros»; Novaes, 1858 pp. 16, 37, 55, 131, 237, 262, 274),
ora misturadas com outros tipos estróficos (Novaes, 1858 pp. 131, 262),
ora não. Uma única vez aparece essa distribuição em Mendes Leal (Leal,
1858 p. 50), talvez o mais panfletário de todos, nesse aspeto
companheiro de Castro Alves, que usa a conceção clássica (quadra mais
sextilha) pelo menos cinco vezes nas Espumas flutuantes (Alves, sd).
No poema publicado no Almanach de lembranças para 1880 (p. 214), intitulado «N'um batuque», o guarda-livros Eduardo Neves socorre-se
também do mesmo esquema rímico fora da estrutura de mote e glosa:
No album do meu presadissimo amigo José da Silva Leão
N'um batuque hontem andei,
onde vi certa morena, tão gentil era a pequena
que nem eu dizel-o sei. _Como está? lhe perguntei
logo que de perto a vi,
_Quer dansar? lhe repeti,
não se acanhe minha bella,_ _tunda bôbo, me disse ella,
ou antes: _saia daqui.
_Seja meu par, oh menina
não se zangue por tão pouco;_ _Uá salúca, é você louco,
Gámessenã'me qu'quina.
_D'esse olhar a luz divina
fascinado me deixou! se um beijinho, só, lhe dou
gozarei prazer infindo, -
_Quicôla, me disse, rindo, logo de mim, se affastou.
_Porque foge? venha cá, porque só me deixa aqui?_
_Uá môno... mundele inhi...
Guami'âme... ndé cuná. _Por favor, não se vá já,
é ainda muito cedo,_
_Quiússuca, disse a medo
a moreninha tão linda,
Caté mungo, disse ainda,
e retirou-se em segredo...
Eduardo Neves (Dondo - Margens do Quanza), 1880/214.
A composição de Eduardo Neves pode ser, porém, imitação de outra, de
João Eusébio da Cruz Toulson, para a qual nos remete uma lírica de
Cordeiro da Matta (1888/383).
Não tenho condições para asseverar que tenha sido este ou aquele o
poeta a iniciar a pequena série textual em que se integra o batuque. Ela
era constituída por poemas de enamoramento escritos em duas línguas,
reservando-se a cada personagem uma dessas línguas: para a mulher
africana o quimbundo e para o poeta o português ‘de lei’.
Inclino-me, intuitivamente, a pensar que tenha sido João da Cruz
Toulson o pioneiro. Talvez tenham contribuído para isso alguns dos
dados biográficos que recolhi e passo a transcrever, em bruto:
No número 232 do Boletim oficial (Angola, Governo-geral, 1850 p. 4) fala-se na vinda de Lisboa de um navio (com destino a Benguela e
passagem por Luanda) onde viajava “D.ª Maria H. Toulson, e um filho
menor”. Não sei se Dª Maria Toulson será mãe ou avó do poeta.
No n.º 17 do Cruzeiro do Sul existente na Biblioteca do Governo Provincial de Luanda, na última página, anuncia-se a venda de
Almanachs para o ano de 1874, “em casa de Prado & Toulson”, casa que estava em liquidação. O anúncio torna a repetir-se nos números 19
e 22 (Cruzeiro do Sul, 1873; 1874).
No número 22, ainda do Cruzeiro do Sul, vem a notícia de uma visita ao cemitério: “No túmulo do sr. J. O. Toulson, cavalheiro ha pouco
fallecido, e que era muito estimado, depoz o sr. dr. Moreira da Camara a
poesia que em seguida transcrevemos com uma grinalda de perpétuas” (Cruzeiro do Sul, 1873; 1874 p. 3). O poema vem assinado de Loanda,
“5-Março-1873” e, entre outras coisas, dá o falecido como pai de várias
crianças, para além de pai dos pobres, e dos orfãos do asilo D. Pedro V, dizendo-nos com pouco génio que “da classe illustre,/Que amou
querido,/Foi gloria e lustre,/Fulgôr lusido!” - não havendo qualquer
indício de que classe seria essa. Diz-se, no mesmo poema, que deixou “A mãe e os filhos,/E a esposa cara!”. Não sei se se tratará do pai de
João E. da Cruz Toulson, mas parece-me provavel.
Segundo J. Castro Lopo J. O. Toulson “foi agraciado no ano de 1872
com a comenda da Ordem de Cristo, por relevantes serviços prestados
ao “Asílio” de D. Pedro V de Loanda. Morreu nesta cidade em Março de
1873, com a idade de 41 anos, e foi sepultado no cemitério do Alto-das-
Cruzes, onde tem jazigo perpétuo”. Toulson era “ao tempo um dos mais
antigos, respeitaveis e abastados negociantes de Loanda, sócio da firma
Prado & Toulson e encarregado da agência consular de França.//O notavel fundador e primeiro governador do Banco Nacional Ultramarino,
Francisco de Oliveira Chamiço, no relato do mesmo Banco, referido ao
ano de 1873, consignou palavras elogiosas à memória de João
Osmundo Toulson: «...um Cavalheiro respeitado pela sua inteligência e
inteireza de caracter. Em nome do Banco fiz dirigir à senhora viúva
daquele nosso falecido amigo os sentimentos de pesar que nos deixou
aquela prematura perda»” (Costa Negra, 1947 p. 10ss; Chamiço, 1890
p. 285).
João Osmundo Toulson era natural de Lisboa, filho de João Carlos
Toulson e de Maria Herculana Toulson, derivando a família, segundo Carlos Pacheco nos informou, de um súbdito de Sua Magestade inglesa.
João Osmundo tinha descendentes de Dª Eduarda Virgínia Toulson,
com quem era casado. A viúva, Eduarda Virgínia, casou, em Setembro
de 1874, em Luanda, com o capitão-de-fragata António do Nascimento
Pereira de Sampaio, então secretário-geral do governo de Angola.
Parte destes dados confirmam-se pela Angolana de Mário António, onde se confere que o comendador João Osmundo teria sido casado com D.ª
Eduarda Virgínia Toulson, a qual casou em segundas núpcias, em
Setembro de 1874, com o “capitão-de-mar-e-guerra António Nascimento
Pereira de Sampaio” (Oliveira, et al., 1971 p. 495).
Um ano após o seu falecimento o P.e Castanheira Nunes, personagem
significativa do ensino e da intelectualidade luandense da época33
(Santos, 1973 p. 131), discursa numa homenagem ao falecido (Angola. Governo-geral, 1874 pp. 119-120). Com uma inspiração saudosa (“a
saudade arrasta-me e a imaginação pinta-me um novo quadro que não
posso calar no íntimo da alma”) não chega a dizer que ele morreu, contornando o facto por um largo eufemismo, aparentemente objetivo:
“deixou o giro contínuo e compassado do tempo 365 dias e outras
tantas noites após a extincção dos movimentos internos e externos do amigo, que hoje commemoramos" (note-se a noção de morte absoluta:
“extinção dos movimentos internos e externos”). Pela notícia fica-se a
33 Escreveu o manual Mestre de leitura portuguesa, por volta de 1879. Talvez tenha chegado a escrever outro, intitulado O discípulo de leitura. Em 1879 publicou Duas palavras a respeito da ortografia portuguesa em Lisboa (26 pp.).
saber que Toulson era compadre de J. M. da L. Miranda Henriques,
pessoa fortemente ligada ao ensino em Angola e que, por aí, também
nos interessa muito. O prof. Miranda Henriques, para além de outras
referências, era vice-presidente da Associação 31 de Outubro (Angola.
Governo-geral, 1865 p. 26). Lançou um “PROSPETO / Para um Colégio de Instrução Secundária.” Tal prospeto ilustrava o tipo de ensino e o tipo de professor representados pelo compadre de Toulson. Transcrevo-o:
JOSÉ MARIA DA LEMBRANÇA DE MIRANDA HENRIQUES, Professor proprietário da escola principal de Instrução primária desta Província: anuncia que se acha estabelecida uma aula de Instrução secundária, no Edefício da aula de Instrução primária, para o que está devidamente autorizado pela Câmara Municipal desta Cidade, que generosamente, e sem hesitação, concedeu a aula para este fim requerida como também para tudo o que o mesmo tente em benefício da Instrução pública. A aula será dirigida pelo próprio Professor, mas logo que o ensino o exija, lecionará parte das matérias, um Sacerdote ilustrado, que se acha nesta Província, e já anuiu aos desejos do anunciante, de o auxiliar logo que o ensino o exija. As matérias que se hão de lecionar nesta sala, são: 1.ª Gramática portuguesa e latina. 2.ª Latinidade. 3.ª Aritmética, geometria, e primeiras noções de álgebra. 4.ª Filosofia racional, e moral, e princípios de direito natural. 5.ª Língua francesa e inglesa.
As aulas começariam a 1-7-1852 (Angola, Governo-geral, 1852 p. 4).
No Jornal de Loanda (anónimo, 1880 p. 3), regista-se a nomeação e proxima partida, como escrivão do juizo de Mossamedes, do “sr. João
Euzébio da Cruz Toulson”, tendo tomado posse a 19 de Outubro (Presidência. Tribunal da Relação, 1880). É este homem que julgo
corresponder ao nosso poeta.
No Jornal de Mossamedes o nome de João Euzébio aparece numa benigna lista de doadores. Este último jornal faz, entretanto, uma
apreciação fortemente negativa da raça negra, acusando-a de “depravação, materialismo e tendencias para scenas burlescas” – de
onde se poder aventar a hipótese de Toulson não ser negro (anónimo,
1881).
N’O imparcial há várias referências ao apelido familiar. Uma é à presença de “D. Mery Ayala Toulson” na representação de várias peças;
na outra fala-se de uma récita na qual estiveram presentes “Toulson e esposa”, que não sabemos se seria o antigo escrivão do Juízo; numa
terceira felicita-se “Juvencio Osmundo Toulson” pelo seu aniversário;
podia ele ser filho de João Euzebio (O imparcial, 1894 pp. 4; 1-2, 2-3;).
No jornal O mercantil aparece um “folhetim” (em rigor uma reportagem), datado de 23 de Setembro de 1887, cuja ação se passa em “Bungo-
house”, numa casa de ingleses que possuía um pequeno palco.
Sabemos da existência de tal casa em Luanda, no Bungo precisamente, o chamado “bairro dos ingleses”, onde havia por vezes representações
teatrais. Aí aparece, como membro da companhia de teatro
Shakespeare, Juvêncio Toulson (Anónimo, 1882; 1887).
No mesmo periódico há uma referência a João da Cruz Toulson como
“thesoureiro da alfandega”, assinando pomposamente uma lista de
saudações pelo nascimento do príncipe das Beiras (Anónimo, 1882;
1887 p. 2).
Esta figura típica da sociedade crioula e literária de Luanda pode bem ter sido o iniciador da pequena mas muito significativa série de poemas
bilingues no século XIX, estando toda a família, pelos vistos, fortemente
ligada às artes na cidade.
No âmbito do Almanach, o primeiro poema que recorre a expressões (não só palavras isoladas) em quimbundo é, precisamente, «N’um
batuque», de Eduardo Neves. Ele terá sequência, oito anos depois, na composição onde Cordeiro da Matta imita assumidamente “uns versos”
de João da Cruz Toulson. Entre a colaboração de E. Neves e a lírica
bilingue de Toulson o paralelismo é maior ainda que entre E. Neves e
Cordeiro da Matta: para além da estrutura de diálogo, e do pedido de
favores amorosos a uma africana que os recusa repetidamente; para além da já citada inclusão da língua na emmascaração de cada
personagem; há um léxico mais próximo. Os dois poemas iniciais da
série começam por tratar a “dama” de maneira diferente da de Cordeiro
da Matta: “menina”. Acresce a isso que os dois repetem o mesmo tipo
estrófico, que não é o do poeta de Icolo e Bengo. Ainda ao nível do léxico, no verso de Toulson aparece a expressão “Canã’ngana”, título de
um dos sonetos de Eduardo Neves integrado na série «Africanas».
Inclusivamente os dois, ao contrário de Cordeiro da Matta, não traduzem todas as expressões em quimbundo. As semelhanças entre as
duas produções iniciais são, portanto, notórias demais para deixarmos
de dizer que houve contaminação entre elas.
O difícil é mesmo saber qual dos dois autores escreveu a primeira
composição bilingue. Os dados biográficos e familiares recolhidos em
nada nos ajudam. Salvato Trigo testemunha que, no Jornal de Loanda, de Alfredo Troni, floresceu uma poesia “mestiça” e, no seio dela, viu a
luz o poema de Toulson imitado por Cordeiro da Matta. Infelizmente não
nos avança o número, nem o mês ou o dia. O Jornal de Loanda iniciou a sua publicação no ano de 1878 e a colaboração de Eduardo Neves
aparece no Almanach para 1880. Ora, as contribuições para o anuário eram por norma enviadas dois ou mais anos antes daquele ao qual se
destinavam (o número para 1880 era posto em circulação,
naturalmente, no final de 1879). De toda a participação oriunda de Angola, só um poema, «Benvindo», que era dedicado pelo autor de
«Canã’ngana» ao diretor do Almanach, vem datado do ano anterior (1881) àquele em que se publica (1882). Mas a vaidade do destinatário e
os louvores aí tecidos ao periódico explicam tal facto. Abstraindo disso,
só nos anos em que houve “Suplemento” saíram poemas datados do
anterior e, mesmo assim, só dei por três casos, um deles enviado logo
em Janeiro, quer dizer praticamente dois anos antes.
Isto significa ter sido «N’um batuque» remetido ao Almanach de lembranças em 1878, ou seja, no mesmo ano em que o Jornal de Loanda veio a público pela primeira vez. Pelo que não é possível determinar o iniciador da pequena série — pequena mas cujos traços
retóricos estão disseminados por outras composições, como «Africanas»,
«Quadro africano», «O olhar d’uma africana», «A uma africana», do
mesmo Eduardo Neves, e no desastrado «Soneto» que Jorge de Lucena
lhe dedica.
Ora se, no que diz respeito aos motivos, alargando o espetro de «No
álbum de uma africana», de Cândido Furtado, as opções dos textos
bilingues inaugurais são largamente seguidas na lírica localizada no
país, enquanto opção técnica estrita as décimas de Toulson e Eduardo
Neves foram tão pouco influentes quanto os esquemas organizativos de
Cândido Furtado, ainda que possuindo elas uma forte coloração local.
As distribuições rimáticas nas décimas: estudo comparativo
A métrica dos versos conjuga-se ao uso dominante na lírica de referência (Carvalho, 1987 p. 106). O sistema rimático ([ABBAACCDDC]) é, já o vimos, o das estruturas clássicas e barrocas de “mote e glosa”, correspondendo no entanto à hipótese não-clássica de Bilac e Passos, quando falam nas décimas compostas por duas quintilhas (Bilac, Olavo e Passos, Guimarães, sd). Não é, no entanto, o esquema dominante entre os condoreiristas brasileiros, o que vem constituir uma forte limitação à proximidade entre os dois corpus. O facto de não haver aqui mote, nem glosa, isola a escolha de Eduardo Neves face aos outros colaboradores angolenses ou residentes34, tal 34 Só há mais duas ocorrências idênticas, ambas posteriores a 1880: S1887/55 e 162.
como perante os poetas portugueses e brasileiros estudados, excetuado Faustino Xavier de Novaes, que por mais de uma vez marcou a lírica do poeta branco do rio Quanza. Faustino Xavier de Novaes, no dizer de João Gaspar Simões, “conquanto dirigisse O bardo”, onde Ernesto Marecos colaborou também, “punha a sua musa ao serviço da critica à poesia lamecha e sentimentalona” (Simões, João Gaspar; Delfim Santos; et alii, [1956] p. 286). Tal facto conjuga-se, em meu parecer, ao tom de brincadeira que tomam as composições bilingues, não só de Eduardo Neves mas também de João Eusébio da Cruz Toulson e de Joaquim Dias Cordeiro da Matta. É por isso natural que o esquema distributivo das rimas derive das Poesias e das Novas poesias do sátiro do Porto, visto ser nesses livros que ele recorre com maior frequência e num ambiente alegre. Quanto aos tratadistas, na Teoria geral da versificação Amorim de
Carvalho fala de uma sequência rimática parecida, [ABAAB/CDCCD], que surgiria “nos poetas da escola palaciana” (Carvalho, 1987 pp. 56-
57). Sá de Miranda, cujas Obras (numa edição de 1784) figuravam na biblioteca de Antero de Quental, estrutura sobre décimas com essa
distribuição os versos da conhecida «Écloga Basto», misturando-a com a
sequência [ABABA] (Miranda, 1969 p. 123).
António Feliciano de Castilho, ao falar nas décimas estruturadas em
grupagens de quatro e seis versos, aponta a coincidência entre a divisão sintática (“em períodos”) e a rimática; mas Amorim de Carvalho nada
anota sobre isso. No exemplo de Sá de Miranda a coincidência é respeitada, visto que há sempre fim de período no final do quinto verso,
quer dizer, quando muda a rima; nos poetas do corpus a divisão sintática não é pertinente nem coincidente, podendo — como sucede
com Augusto de Castro — a sintaxe indicar uma subdivisão da estrofe
em quatro versos mais seis e a rima não.
Das ocorrências enumeradas, quatro imitam a distribuição que
estrutura «A lua de Londres» e outros poemas de João de Lemos (Lemos, 1858 pp. 81, 206, 251)35, e a maioria das décimas de Maia Ferreira: ABABCCDEED. São elas a de Ernesto Marecos, que não foi escrita em Angola e, por isso, não conta para o caso; de um anónimo e
desconhecido, de José Bernardo Ferrão e de Furtado D’Antas. De todos
eles só José Bernardo Ferrão é significativo. O seu uso entre os poetas de referência oscila, no entanto, entre a exclusividade, a recorrência e a
ocasionalidade.
Em Soares de Passos é o único esquema distributivo das décimas. No
bardo Faustino Xavier de Novaes ela é repetida 17 vezes (Novaes, 1855
35 1856/165, 1863/351, 1880/35 e 1881/66. A distribuição ressurge ainda no Cancioneiro, I, pp. 81, 206 e 251.
pp. 24, 41, 48, 63, 96, 114, 127, 212, 245, 269, 281, 295; Novaes, 1858
pp. 27, 83, 95, 146, 197) e, no reinado breve do “príncipe dos poetas
portugueses”, o faustoso amigo do Brasil Luís Augusto Palmeirim, ela é
também frequente (Palmeirim, 1851 pp. 1, 40, 66, 114, 227).
Por seu turno, a sua sombra apenas de passagem fixa os Sons que passam (Ribeiro, 1908 p. 260), de Tomás Ribeiro (em versos heptassilábicos), roçando os heptassílabos de D. Jayme na Parada de Gonta (Ribeiro, 1862 p. 14). O indianista Gonçalves Dias também lhe dá
escassa atenção (Dias, 1848 p. 8). E António Xavier Rodrigues Cordeiro
atira-se a tal esquema (com «Tasso no hospital dos doidos») apenas
numa recolha cujo título nos assegura que Portugal nunca deixou de
ser barroco, mesmo com Teófilo Braga: Parnaso português moderno36 (Braga, 1877 pp. 30-34, 315). Como disse atrás, Fagundes Varela
recorre à mesma distribuição, com heptassílabos, no poema «O
arrependimento» (Varela, 2000;2002 pp. 98-99).
Uma terceira ocorrência do corpus, quanto ao esquema distributivo, é a
segunda mais frequente: [ABBAACCDDC], socorrendo-se dela Eduardo Neves em 1880 «N’um batuque», e, em 1887, Augusto Guilherme de
Castro, radicado em Quilengues, em poético paralelo com A. J.
Machado localizando-se em Malange.
Os dois tipos restantes não se repetem vez nenhuma. A estes penso que
podíamos associar a distribuição criativa de Cordeiro da Matta,
desenvolvida ao longo das três estrofes iniciais do poema heteroestrófico
«Amor e saudade»: *ABABABC*C, *A*ABABC*C, ABABC*CD*D (Cordeiro da Matta, 2001 pp. 104-105). Num outro poema heteroestrófico (e
heterométrico) usa de novo um esquema sui generis, que parece tirado de um certo tipo de oitavas (descrito por Castilho): *ABAB*CDDC
(Cordeiro da Matta, 2001 p. 164).
A conclusão a tirar do rol é a de que a décima não tem grande significado para a definição do cânone poético local, nem pelos dez
versos, nem pelos esquemas rimáticos praticados. Ela apenas reforça a
ideia de que o verso heptassilábico era dos mais importantes, em
termos de frequência, para o corpus e mesmo para a lírica novecentista
angolense.
36 Reúne autores ultrarromânticos e realistas principalmente. Há cópias digitais disponíveis em rede no sítio da Biblioteca Nacional portuguesa.
A insignificância conjuga-se ao que diz Amorim de Carvalho, que só
reporta uma distribuição – fixa – para a décima clássica, ou seja,
enquanto sistema estrófico (tipo, de resto, não encontrado por mim). A
emergência de imitações imperfeitas da estrutura de mote e glosa deve
explicar-se pelos limitados conhecimentos e pela inabilidade dos
autores, ambos pouco significativos e isolados em terras então muito
retiradas relativamente a Luanda (sobretudo no caso de A. G. de
Castro).
Resta registar que, mais uma vez, os poetas locais aproveitam essa
margem de insignificância no cânone poético da época para desenvolver
estruturas criativas, alternativas, que atestam o seu potencial criativo.
Os sistemas estróficos
Considero as décimas existentes estrofes e não sistemas, visto que não
se podem, com rigor, equiparar à estrutura clássica. Não tinha, portanto, comentado sistemas estróficos até agora, exceção feita às
“estruturas de personalização”, que são sistemas estróficos pontuais,
não-recorrentes.
Amorim de Carvalho subdivide os sistemas estróficos em quatro
espécies: “sistemas estróficos com número fixo de estrofes e formas
estróficas fixas”; “sistemas estróficos com formas estróficas fixas, mas
com número variável de estrofes”; “sistemas estróficos com número fixo
de estrofes, mas com formas estróficas variáveis”; “sistemas estróficos com forma e números estróficos variáveis”. Não vou ilustrar todos estes
tipos, pois só encontraremos o primeiro, reduzido aos sonetos, e o último, o das “estruturas de imperfeição” já focadas. Os nossos poetas
eram certamente pessoas timoratas, não queriam arriscar-se a muitas
variações fora do cânone, ainda por cima quando escreviam de uma
terra sobre a qual se dizia credulamente que os leões assolavam os
quintais da capital.
Apesar de nos depararmos com um só tipo de sistema estrófico, ele é
fundamental, a mais conhecida e prestigiada fórmula da tradição
literária europeia, pela qual os nossos poetas demonstraram uma
apetência no entanto rara entre os pares românticos e ultrarromânticos. Falo do soneto, a composição de quatorze versos, normalmente
organizados em dois grupos de quatro e dois grupos de três (no nosso
caso, não há exemplares de “soneto inglês”, aquele que reúne três
estrofes de quatro versos e lhes acrescenta uma com dois).
É sabido que os românticos e ultrarromânticos portugueses e
brasileiros, em reação dialética ao racionalismo formal dos neo-
clássicos, mostraram militantemente e persistentemente uma geral aversão pelo soneto (Carvalho, 1987 pp. 304-305). O cânone literário
que lhes alumiava o caminho era o da decomposição formal. É claro que os românticos não escreveram ainda como os surrealistas ou os
concretistas; mas a sua prática levou-os à mistura de tipos estróficos
numa espécie de sistemas pessoais, muitas vezes irrepetíveis e que no fundo se limitavam a combinar as espécies fixas herdadas da tradição
clássica e barroca. Os ultrarromânticos intensificaram de tal forma o processo que, não só neles o que era pessoal se confundia com o que
era particular, também o que era explosivo se transformou
gradualmente apenas em estilhaços. O amortecimento do magma inicial
esfriou a vigilância anti-barroca dos neo-clássicos e dos primeiros
românticos, e deixou a cochilar o policiamento em que a literatura
liberal atenciosamente mantinha o racionalismo clássico. Desde logo a
partir da penumbrosa escavação poética do velho mestre cego.
O Visconde de Castilho, em quem o romantismo “classicamente”
amortece (que no entanto mantinha uma estranha relação de inveja
com Luís de Camões, a cujos Lusíadas compara os andrajosos luxos de
D. Jayme), diz que o “soneto portuguez nasceu com Bocage e com Bocage morreu” (Castilho, 1874 p. X), embora o próprio não soubesse
disso e admirasse profundamente “aquela triste e leda madrugada”. Os
seus discípulos vão-se deixar cativar pela nobilíssima cruzada e
enterram o soneto silenciosamente, com pudor.
Mais uma vez, a exceção no grupo dos ultrarromânticos portugueses é a
do sátiro Novaes, e um dos reincidentes sonetistas do nosso corpus é o guarda-livros Eduardo Neves, ironicamente natural de Santa Comba Dão. No Brasil, os românticos da segunda geração praticaram também,
esporadicamente, alguns sonetos – mas sem relevância de maior,
exceção talvez feita a Junqueira Freire.
os sonetos do corpus
Encontramos, ao todo, vinte e quatro sonetos (três formam uma só
peça, o que dá vinte e uma ocorrências). Dos vinte e quatro, quinze
recorrem ao verso com dez sílabas métricas — o que obedece ao cânone clássico (Castilho, 1874 p. 126ss; Carvalho, 1987 p. 63) — sendo uma
das ocorrências constituída pelos três sonetos juntos; a segunda
espécie mais frequente regista quatro presenças em dodecassílabos; em
seguida há duas em heptassílabos (uma sátira e uma imitação
desajeitada); finalmente, uma versão em versos de seis sílabas métricas.
Todos os sonetos do corpus se encontram na segunda metade do período estudado, mais precisamente entre os anos de 1882 e de 1900. As balizas temporais integram-se, portanto, nas dos quartetos, das
sextilhas e das oitavas, reforçando com aquelas o pequeno lote das
tímidas diferenciações angolenses em face dos modelos lusitanos — que eram modelos repassados. Elas revelam também uma aproximação
formal às soluções técnicas do parnasianismo, que entre nós atinge o
possível esplendor em Pedro Félix Machado – poeta que teve o cuidado
de não colaborar no Almanach de lembranças.
Excetuando José Bernardo Ferrão, canonicamente romântico neste
aspeto, os autores mais significativos apelaram à consagrada fórmula
do soneto, o que acentua a sua tateante especificidade técnica no
espetro literário do ultrarromantismo luso-brasileiro. Este sistema
estrófico vai, por isso, merecer uma atenção desenvolvida.
Um soneto hexassilábico
No número para o ano de 1895, a pp. 140, datado de “Loanda, janeiro,
20 – 88”, faz a sua aparição o único soneto do corpus escrito em
hexassílabos:
VISÃO
E***
Se eu vejo o teu sorriso, (A+T+A+T+A+T) teu talhe donairoso, (A+T+AAA+T)
do mundo tenebroso (A+T+AAA+T) descubro o paraiso. (A+T+AAA+T)
Se teu olhar diviso (A+T+A+T+A+T)
fitar-me tão bondoso... (A+T+A+T+A+T)
a terra – é amplo goso (A+T+A+T+A+T) a vida, – um outro riso. (A+T+A+T+A+T)
E scismo então comigo (A+T+A+T+A+T)
na esplendida ventura, (A+T+AAA+T) ventura d'algum céu: (A+T+A+T+A+T)
O seio teu amigo (A+T+A+T+A+T)
um dia, formosura, (A+T+AAA+T)
pousando contra o meu! (A+T+A+T+A+T)
Loanda, janeiro, 20 - 88.
Alberto Marques Pereira, 1895/140.
Coloquei propositadamente, frente a cada verso, a sequência de sílabas
átonas (breves, incluindo atonizadas) e tónicas (alongadas), para que o
leitor repare no apuro e na regularidade rítmicos do poeta, que oscila
entre, apenas, duas sequências.
O hexassílabo aqui tem acento rítmico, geralmente, só nas sílabas 2 e 6
– apresentando, portanto, estrutura binária (no sentido em que são
duas unidades rítmicas, embora estas sejam decomponíveis em
unidades mais pequenas). Contando pelas sílabas átonas e atonizadas
de um lado, tónicas de outro, encontramos uma alternância sistemática
e muito bem organizada entre ritmos binários (dominantes: vv. 1, 5, 6,
7, 8, 9, 11, 12, 14) e uma associação de ritmo binário (no começo do verso) com ritmo quaternário (no final), o que sucede nos vv. 2, 3, 4 e
nos versos do meio dos tercetos. Em qualquer dos casos o ritmo é
sempre ascendente, o que torna mais animado o tom geral do poema.
O conteúdo apresenta-se de uma sensualidade subtil, ainda evitando
ferir pudores mas abrindo já os olhos sobre a cena erótica (dois peitos
juntos e apertados, em chave de ouro). Igualmente subtil é a referência
ao mito islâmico, da “ventura d’algum céu” onde a sensualidade e o
erotismo figuram como prémios (prémios de resto conhecidos pel’Os lusíadas).
A distribuição das rimas dá no esquema seguinte: [ABBA/CDE], que é uma fórmula conhecida já pelos poetas quinhentistas portugueses e
pelos italianos em que eles se inspiravam.
O autor do soneto, Alberto Marques Pereira, cuja biografia desconheço,
assina ao todo nove líricas no Almanach, podendo a sua participação considerar-se tardia, pois ocorre entre 1889 e 1895. A originalidade métrica da peça face às obras de referência é tão absoluta quanto em
relação aos outros colaboradores, pois não lhe deteto equivalência. Ela
não se agrega, portanto, nem à literatura portuguesa modelar, nem à brasileira. Nesta encontrei dois sonetos (I e II) de Cruz e Sousa (Sousa,
2000-2002a p. 132), intitulados «Filetes», com versos hexassilábicos,
ágeis e gráceis, mas um esquema distributivo diferente:
ABAB/CDCD/EEF/GGF. Por coincidência, principalmente o segundo
associa (com maior intensidade que Alberto Marques Pereira) misticismo, erotismo e sensualidade – o que de resto estava prescrito no
ambiente simbolista, mesmo no do Desterro. Mas as coincidências não
passam daí.
Também a prática literária do território angolense estranha o fenómeno.
Nela só Cordeiro da Matta usa nos Delírios o soneto hexassilábico (Matta, 2001), mas numa distribuição diferente
(ABBA/CDDC/EFEFEF). A sua excessiva diferença não nos permitirá, pelo menos em face do conjunto investigado, estabelecê-la como típica.
Mas, em compensação, traz-nos um conteúdo redundante – apesar do
modo leve e contagiante que usa para nos repetir os cronótopos
anteriores.
Dois sonetos heptassilábicos
Os dois sonetos escritos em versos de sete sílabas métricas estão
autoriados por Joaquim Dias Cordeiro da Matta (1887/132) e pelo
desajeitado Jorge de Lucena (1897/99). Encontrei sonetos em heptassílabos na poesia de Cruz e Sousa, pelo menos doze: «No campo»
(Sousa, 2000-2002a p. 55); «Senhor de alma tão nobre, tão» (Sousa, 2000-2002a p. 62), «Lirial» (Sousa, 2000-2002a p. 17) e «Campesinas»
(Sousa, 2000-2002a p. 35ss) – dezoito sonetos, mas não tive acesso a
quatro deles.
A peça de Lucena é dedicada a Eduardo Neves e procura integrar a sua
série de motivação feminina africana, mas com tão pouca elegância que,
logo de início, irrompe com um disfemístico elogio: “É preta mas tem
uns pejos”! Cândido Furtado não fez isso: falava “nas graças, na candura”, nas “formas divinaes do corpo teu”, que vários anos depois
ainda Cordeiro da Matta vislumbrava na Quissama, já sem “véu”37. Veremos que, tecnicamente, este soneto será pouco significativo
também. Por isso mesmo regresso ao de Cordeiro da Matta:
MESSALINA
Em seu olhar de panthera
o brilho fascinador
scintilla!... Filha do amor
diz-se ao vêl-o... e não de féra!...
Louco, sem tino lhe erguera um templo a seu esplendor,
e a ella com vivo ardor deusa, anjo ou santo dissera!...
Porém, fallae-lhe em paixão, ou coisa que toca a fibra
e vereis um coração
que a nenhum affecto vibra.
Porque só tem affeição
37 Num poema datado de 1881, e dedicado ao seu amigo Carlos da Silva, também ele um crioulo a circular pelo Dondo e «hinterland» de Luanda, “a ilustre e culta”, como dizia Cândido Furtado ao falar aos filhos de Angola. A peça intitula-se «Uma Quissama» e vem no número do Almanach para 1891 (dez anos depois), a pp. 315.
ao doce tinir da libra!...
J. D. Cordeiro da Matta (Angola), 1887/132.
O conteúdo articula-se bem com os cânones ultrarromânticos, uma vez
que o soneto – principalmente se não fosse escrito em decassílabos – era admitido (por Faustino Xavier de Novaes sobretudo) para veicular uma
carga irónica. Essa ironia desfaz a divinização da mulher, a conotação
com o anjo, que Maia Ferreira e o próprio Cordeiro da Matta, enquanto
românticos, promoveram. Nesse aspeto se articula também com o
trabalho de Faustino Xavier de Novaes e a lírica de Cruz e Sousa no
Brasil, que em muitos poemas desfizeram a imagem da mulher-anjo, ou
da mulher divina.
A distribuição rimática usada por Cordeiro da Matta é comum às
dominantes entre sonetos de versos decassilábicos ([ABBA/CDCDCD]), sendo amplamente maioritária em todos os seus sonetos; a segunda (de
Lucena, com o esquema ABBACDDC/EFG) é só parecida com a distribuição de um soneto em dodecassílabos assinado por “Paulo”. Na
peça de “Paulo” («Vingança», 1892/205) a diferença está nos tercetos.
Sendo a composição de Lucena dedicada a Eduardo Paulo Ferreira Neves, cheguei a pensar que “Paulo” fosse Eduardo Neves e o autor dos “pejos” estivesse a glosar-lhe o esquema distributivo, embora não pejado
de exatidão.
Porém, como já disse noutra passagem, o conteúdo do poema não
garante uma tal identidade. O modelo retórico do soneto de 1892 é o de uma exaltada declaração de amor, ao jeito ultrarromântico típico,
perdoando mesmo o desprezo, na linha também dos cuidados e
suspiros que se ouviam já desde o Cancioneiro geral de Garcia de Resende, mas cúmplice já do Gomes Leal que desejava ser a pedra em
que a lavadeira lavasse no rio – embora sem “desolação completa e prematura”. Ora o sentimento amoroso que se desenha nos sonetos de
Eduardo Neves é colorido, prazenteiro e nada vingativo, não coincide
com os estigmas deste poema. Nas suas declarações de amor não perdoa nem deixa de perdoar, compraz-se e goza (n)a visualização da
mulher angolense. “Paulo” pode, por tal motivo, não corresponder a
Eduardo Neves, e Jorge de Lucena podia mesmo não ter lido o soneto que ele escreveu. A distribuição por si adotada, se excetuarmos a
proximidade com “Paulo”, não tem correspondência antes da data em
que a peça foi composta.
Quanto à distribuição de Cordeiro da Matta em «Messalina», para além
de comum com versos decassilábicos o próprio poeta parecia preferi-la
nos heptassilábicos: usa-a em «A uns certos olhos», «Saudade», «O fogo
das paixões» (dedicado a Carlos da Silva) e, de forma ligeiramente
alterada (uma vez alternando ABAB/CDCD; outra CDC/DDC), em «A
uma zelosa» e num poema escrito na Barra do Quanza em 1887: «A um
fruto proibido» (Cordeiro da Matta, 2001 pp. 55, 135, 173, 185).
Fora de Angola, essa distribuição foi também estilizada por João Penha
em heptassílabos satíricos, como era típico dele (Penha, 1882 p. 143)38.
Não lhe encontrei correspondência nos sonetos em heptassílabos de
Cruz e Sousa, exceção feita para os sonetos IX, XII, XVI e XVIII da série
«Campesinas». Mas os poemas de Cruz e Sousa, pelas datas e locais de
publicação, não deparo com vestígios que provem relações de influência
deles, ou mesmo só de leitura. Quanto ao parnasiano português, ele
terá feito a mesma transposição operada pelo poeta negro do Quanza, pois o esquema distributivo é o dominante nos seus sonetos
decassilábicos. A derivação, embora rara neste verso, é portanto conhecida pelo uso de outro tipo de soneto e por um dos poetas de
referência, melhor: é tirada de um cânone, inova no seu interior e
demonstra, assim, que o reconhece.
Quatro sonetos em dodecassílabos
Estas quatro ocorrências são: uma autoriada por Alberto Marques
Pereira (S1889/60), duas outras por Eduardo Neves (S1890/35 e 167),
e a quarta fica anónima sob o pseudónimo ou poetónimo “Paulo”, de
que falei agora mesmo.
As distribuições rimáticas são [ABAB/AAB] (Alberto Marques Pereira), [ABBA/CCDEED] (Eduardo Neves) e [ABBACDDC/EEFGGF] (“Paulo”).
A métrica pela qual tenho definido estes sonetos é, segundo o próprio,
importada para Portugal por António Feliciano de Castilho (Castilho, 1874 p. 51; Carvalho, 1987 p. 305). Isso não é correto, se nos
lembrarmos dos apólogos de Bocage, escritos em alexandrinos (AAVV,
1987 pp. 25, 26) – e Bocage era um poeta lido em Angola no século XIX. A influência de Castilho neste caso é duvidosa, tanto mais que fornece-
nos ele um espécime de que não recolhi, quanto à distribuição rimática,
nenhuma correspondência entre os nossos sonetos dodecassilábicos. É possível que os colaboradores angolenses e residentes tenham lido o
38 O poema chama-se «A um renegado» e tem por baixo escrito: “(Guilherme de Azevedo)”.
metro e a distribuição rimática ao mesmo tempo, numa composição
com outra assinatura, o que passo a investigar agora.
Os dois poemas de Eduardo Neves possuem uma distribuição idêntica à
perfilhada, em dois momentos diferentes, por Gonçalves Crespo nas
Miniaturas (Crespo, 1942 pp. 100, 104). Transcrevo-os:
O primeiro, «Quadro africano», vem na sequência da série «Cana’ngana»:
(SONETO)
(A meu irmão e bom amigo Miguel Neves)
Estava recostada a languida mulata:
d'um modo estudado, um pouco petulante,
deixava admirar a curva provocante
d'um seio sensual de morbidez innata.
Divisa-se não longe a rustica cubata;
á porta a mulequita, attenta, vigilante, espera da senhora, e de ar titubiante,
as ordens a cumprir, p'ra qu'ella lhe não bata.
A parda no emtanto olhava distrahida,
fitando o seu olhar na curva indefinida do sol, que do poente a terra vem beijar.
Passado algum tempo eis vira lentamente
e diz para a muleca, em tom de voz dolente:
Ngui bâna péxe âme... (1) e larga-se a fumar!...
Em dia de Natal de 1888.
(1)“dá cá o meu cachimbo”
Eduardo Neves (Dondo), S1890/35.
O soneto possui o cariz narrativo já notado em outros (sobretudo na
série «Cana’ngana»), emparelhando ainda com os versos de Gonçalves
Crespo – leia-se, por exemplo, «A sesta» (Miniaturas), composição famosa no fim do século XIX e que tem algum parentesco (em termos
‘diegéticos’) com esta. Mas mais. Acentua-se aqui a visualidade que tão bem carateriza as líricas de Cesário Verde e de Gonçalves Crespo.
Igualmente os aproxima a adjetivação, direta ou indireta, que raras
vezes deixa um substantivo sem o adjetivar com uma qualidade
específica, definidora. Estas duas caraterísticas acompanham-se – aqui
e, muitas vezes, em Cesário Verde – pelo recurso ao dodecassílabo.
Talvez não seja alheia à coincidência a data de publicação d’O livro de Cesário Verde: Abril de 1887, portanto bem a tempo de ser lido por
Eduardo Neves e de o marcar neste soneto.
O segundo, «O olhar duma africana», vem dedicado a Alfredo Trony e
persegue os mesmos tópicos do primeiro, embora com algumas
variações importantes (por exemplo a da maternidade):
O OLHAR D'UMA AFRICANA
(Ao sr. dr. Alfredo Trony)
No seu formoso olhar, d'um negro avelludado,
tem ella, a moreninha, a languidez sublime
d'um meigo olhar de mãe, que ternamente exprime o seu materno amor ao filho muito amado.
O brilho ás vezes tem d'um astro inominado,
divisa-se-lhe um tic, um não sei quê que opprime: muitas vezes parece a absolvição d'um crime...
d'ignoto amor tem sempre o fogo insaciado!
Não sei que extranho brilho ás vezes n'elle vejo!
n'aquelle olhar ha sempre um férvido desejo
que nunca é satisfeito, e que nos causa pena...
Mas quando ella ás vezes nos fita meigamente
parece a Deus pedir, n'aquelle olhar fremente, tumissa, mambi âme, iuná uá nguimessena (1).
(1) ”Manda-me, meu Deus, aquelle que me deseja.”
Eduardo Neves (Dondo-Africa), S1890/167.
As mesmas aproximações a Cesário Verde sugere este soneto,
acrescentadas pelo verso “divisa-se-lhe um tic, um não sei quê que oprime” – onde a expressão “não sei quê” nos evoca expressões idênticas ou iguais de Cesário Verde, por exemplo nos poemas «Ironias
do desgosto» e «Noite fechada» (Verde, 2005). Outra caraterística
partilhada, que se nota em mais poemas de Eduardo Neves, é a da
moderna integração do quotidiano na poesia – ainda quando esse
quotidiano seja exótico e recuado para muitos leitores do Almanaque.
Dado, porém, o facto de O livro de Cesário Verde ser publicado em 1887
só para amigos, numa edição de apenas 200 ex’s, é pouco provável que
Eduardo Neves o tenha lido. Pode ter lido algum poema na imprensa,
mas não no livro, cuja edição para o público mais vasto saiu só em
1901.
É por isso que pensei em Gonçalves Crespo, autor das Miniaturas e poeta onde a visualidade desempenha um papel importante também. A
quase coincidência na distribuição rimática reforçou-me a suspeita.
Disse quase coincidência porque o filho adotivo do Dondo mantém a
posição das rimas emparelhadas nos dois quartetos, enquanto em
Gonçalves Crespo, talvez o primeiro Antonio Candido que a literatura
viu nascer no Brasil, as terminações que emparelham no primeiro
quarteto são as que delimitam o segundo, ou seja, a rima [A] troca de posição com a [B].
Um segundo esquema distributivo parecido com este é o que rentabiliza
outro parnasiano, João Penha, em «Moribunda», soneto que dedica ao
poeta-filósofo Guerra Junqueiro (Cardoso, [1920] p. 14). A divergência
reside aqui na distribuição rimática dos tercetos. Essa mesma diferença nota-se em Cruz e Sousa, nos sonetos dodecassilábicos “Ao estrídulo
solene dos bravos! das plateias” e “Um dia Guttemberg c'o a alma aos céus suspensa” (Sousa, 2000-2002a pp. 6-8). No soneto dodecassilábico
«O final do Guarani», datado de “Santos, 15 jul. 1883” (Sousa, 2000-
2002a p. 67) muda a distribuição dos quartetos (que passa a cruzada), como no soneto «Guerra Junqueiro» (Sousa, 2000-2002a pp. 95-96) e
em «25 de Março / em Pernambuco para o Ceará» (Sousa, 2000-2002a
p. 81), escrito no Recife em 1885 – ano em que publica Tropos e fantasias, em colaboração com Virgílio Várzea, e dirige o jornal ilustrado O moleque, fortemente crítico e malquisto nos círculos política e socialmente corretos de Santa Catarina. Porém estes poemas, tirando o
ritmo (6+6) e as afinidades rimáticas, não possuem afinidades com os
de Eduardo Neves.
Mas o mesmo Cruz e Sousa pratica a distribuição de Eduardo Neves em
outros sonetos dodecassilábicos. Por exemplo: num dedicado à atriz Julieta dos Santos («Parece que nasceste, oh! pálida divina»); em outro
chamado «Na mazurka» e que me parece pertencer à mesma série e
época dos dedicados a Julieta dos Santos (onde a caraterização da personagem tem mais proximidade com os sonetos do Dondo); num
poema de clara conotação política («Auréola equatorial», dedicado a
Teodoreto Souto – mas com a diferença que mais abaixo assinalo); no
soneto (dodecassilábico tanto quanto os outros) intitulado «Roma pagã»,
muito sugestivo quanto ao tratamento das cores de pele (branca e
“púrpura”) e muito próximo das descrições femininas de Eduardo
Neves; ainda em outros três, intitulados «Oiseaux de passage» (escrito
em francês), «Ideia-mãe» e «O seu boné» (Sousa, 2000-2002a pp. 9, 15, 71, 92, 69, 67-68, 68). Este último é dedicado “à atriz Adelina de
Castro» e datado de “Desterro, 13 jan. 1883”. Entre 1881 e 1884 o poeta
esteve ligado à “Companhia teatral Julieta dos Santos”, onde foi ponto e
nessa função viajou pelo Brasil. Quando não estivesse em viagem
continuava a viver em Santa Catarina (Florianópolis, então Desterro),
onde fundou em 1881, com Virgílio Várzea e Santos Lostada, o jornal
Colombo, em que se declaram parnasianos. No entanto lia “Baudelaire, Leconte de Lisle, Leopardi, Guerra Junqueiro, Antero de Quental”. Só lê
Théophile Gautier, Gonçalves Crespo e Cesário Verde em 1889, ano em que inicia a adesão ao simbolismo. É significativo ter lido Gonçalves
Crespo e, sobretudo, Cesário Verde nesse ano. Significativo porque então poderá Eduardo Neves, apesar das diferenças entre Florianópolis
e o Dondo, o ter feito também. Infelizmente não podemos, pelos locais e
datas das primeiras publicações, assegurar que o poeta negro brasileiro
fosse lido pelo residente angolano. Infelizmente porque, já o vimos e
vamos ver ainda melhor, esta não é a única proximidade entre Cruz e
Sousa e a lírica pequisada.
O mesmo se passaria com Olavo Bilac, o grande parnasiano brasileiro e,
sem dúvida, um dos maiores poetas da língua portuguesa. No soneto
«Última página» (em dodecassílabos, como os que estamos a ver até aqui) ele usa a mesma distribuição de Eduardo Neves (Bilac, 2000-
2003a pp. 54-55). O soneto vem a público nas Poesias, que são de 1888 – portanto muito dificilmente sairia a tempo de o guarda-livros do
Dondo o ler antes de mandar para o Almanach.
Gomes Leal, nas Claridades do Sul, e o poeta-filósofo Antero de Quental, são os dois autores portugueses que estruturam sonetos exatamente
iguais aos de Eduardo Neves, pouco dado a profundidades filosóficas. Em Gomes Leal o esquema rimático dos tercetos é o dominante,
oscilando os quartetos entre o emparelhamento conduzido pelo nosso guarda-livros e as duas rimas cruzadas — que, de qualquer modo, são
menos frequentes. Em Antero de Quental os dois únicos sonetos em
dodecassílabos identificam-se, integralmente, com a distribuição do poeta branco do rio Quanza. Essas peças, de Antero de Quental, foram
escritas entre 1860 e 1862, tendo uma delas ainda visto a luz das
Primaveras românticas (Quental, 1922 p. 270) — ou seja, em 1872,
perfeitamente a tempo de serem lidas por um ultrarromântico radicado
em Angola, até porque o seu conteúdo não chocava ainda abertamente
com a mentalidade de Castilho, Tomás Ribeiro ou Pinheiro Chagas. Mas
é precisamente o conteúdo que afasta ambos os autores – o que se
reforça num soneto incluído em Raios de extincta luz (que inclui poesias inéditas de 1859 a 1863), intitulado «A um crucifixo» (Quental, 2007). O
livro, porém, saiu só em 1892…
Dos restantes esquemas rimáticos, apenas o de Paulo
(ABBACDDC/EEFGGF ) consegui familiarizar – e deficientemente – com
as obras de referência. As dificuldades com que deparei prendem-se
com a mudança de rima do primeiro para o segundo quarteto. É uma
prática, no entanto, várias vezes realizada por poetas como Cruz e
Sousa, por exemplo no soneto heterométrico «Escárnio perfumado», mas
com distribuição rimática diferente nos tercetos e sem nenhum dodecassílabo (Sousa, 2000-2002b pp. 18-19). Por inteiro, com
dodecassílabos, encontro-a no soneto «Auréola equatorial» (Sousa,
2000-2002a p. 71).
Não encontrei correspondência para a terceira distribuição. Isso não
tem nenhuma importância, de resto, pela manutenção da mesma rima
ao longo de todo o soneto, uma aposta malabarística de Alberto Marques Pereira, digna dos insignes charadistas que muitos destes
versejadores foram, estudiosos das secretas combinações da linguagem
e, simultaneamente, esquecidos da importância dos motivos e dos
temas explícitos. Ou seja: barrocos.
Os sonetos decassilábicos
Aqui deparamo-nos, naturalmente, com uma diversidade mais
acentuada. Comecemos por
Uma distribuição rara
[ABAB/CDCEDE] (1890/315) é uma distribuição que só aparece uma
vez em todo o corpus, assinada por um desconhecido:
NUNCA MAIS!
Já não me alegra a luz do sol formoso
Que de manhã me vinha despertar; E a luz do teu olhar mysterioso
É thesouro que já não posso amar.
Tudo o que nos céos vejo harmonioso,
Quando á noite nos banha alvo luar,
Já nada para mim vale, oh! desditoso,
Nem um raio do teu profundo olhar.
Foi-se-me pouco a pouco annuveando
O céo da minha vida, do meu norte,
Em que mil sonhos bellos fui sonhando.
E agora o que me resta? n'esta magoa?
Chorar, sempre chorar até á morte.
Queimar-me noite e dia n'esta fragoa.”
João Lino Mariz (Maianga da Viuva Clara – Luanda), 1890/315.
O soneto é homónimo de um poema de Cordeiro da Matta publicado
antes no corpus (1886/52) e o conteúdo altera-se ligeiramente em relação àquele. Parece bem concebido, o poema, erguendo-se sobre
decassílabos em geral bem ritmados e ganhando, por vezes, um tom
camoniano (sobretudo no último terceto).
Camilo Castelo Branco, num dos poucos poemas em verso que
escreveu, intitulado «A maior dor humana» e feito “na morte quasi
simultanea dos dois filhos de Teophilo Braga” (Cardoso, [1920] p. 12),
distribui de maneira igual a rima pelos tercetos, emparelhado-a no
entanto ao longo dos oito primeiros versos. O procedimento não ficou
inédito: Gonçalves Crespo termina com ele as encantadas Miniaturas. No Brasil, Cruz e Sousa usa a distribuição de Crespo e Castelo Branco,
mas num soneto heterométrico («Dilema», v. atrás «Escárnio perfumado»), também na «Metamorfose» (que tem uma rima imperfeita
no primeiro quarteto), no «Espiritualismo», na «Alma antiga», em «A
partida» (os três últimos em decassílabos), «Amor» – em dodecassílabos (Sousa, 2000-2002b pp. 17-18; Sousa, 2000-2002a pp. 71, 92, 93, 93-
94, 131). Olavo Bilac usa-o várias vezes – por exemplo nos sonetos
«Soneto», «Língua portuguesa», «Um beijo» (Bilac, 1902 pp. 3, 5, 7); nos sonetos V, VI, VIII, XI, XVII, XVIII, XXIV, XXV (“a Bocage”), XXVI, XXVIII
da «Via láctea» (Bilac, 2000-2003b pp. 5, 6, 7, 8, 11-12, 15, 16, 17); em
«As cruzadas» e «As Índias» de «Viagens» – e em quase todos os outros com a diferença de que neles se passa de ABBA para BAAB em
mudando de quarteto (Bilac, 2000-2003c pp. 5-6); em «Virgens mortas»
e «Desterro» (que são dodecassilábicos) e no soneto decassilábico «Ida»,
de «Alma inquieta» (Bilac, 2000-2003a pp. 12, 26, 14). Parece, portanto,
que havia um cânone, subentendido provavelmente, vigorando
sobretudo no Brasil e face ao qual a distribuição do nosso Mariz
variava. Mas o próprio Olavo Bilac, embora muito menos vezes, usa a
distribuição de João Lino Mariz no soneto decassilábico «Vita nuova», da
mesma série/livro «Alma inquieta» (Bilac, 2000-2003a p. 21) e na
famosa série/livro «Via láctea», nos soneto I, XIV, XV, XXI, XVII, XXXI e XIII – “Ora, direis, ouvir estrelas”… (Bilac, 2000-2003b pp. 3, 10-11, 13-
14, 19, 9-10).
Entre os poetas que mais provavelmente (pelas datas) teriam
influenciado os nossos, em Antero de Quental é que vamos encontrar
um exemplo exatamente igual a este, um só. Não deixa por isso de ser
instigante a maior familiaridade com uma prática brasileira mas,
mesmo assim, uma prática pouco usual e tardia relativamente ao
século XIX. Talvez os nossos versejadores e poetas não estivessem tão isolados e desfasados como se pensou, talvez estivessem atualizados e
lessem, com relativa regularidade, periódicos onde se publicavam poemas de novos autores lusófonos. A pesquisa realizada sobre as
leituras que se faziam em Angola no século XIX confirma-nos isso em
grande parte.
Passemos agora a
Três distribuições menos comuns
1ª) [ABABCDCD/EEFGGF] (1890/383, datado de 18 de Fevereiro de 1888, e 1891/418) muda pelo menos uma rima de estrofe para estrofe, procedimento que é a base da sua raridade, e vem assinado por Alberto
Marques Pereira, exclusivamente:
PHEBE
Ao contemplar de noite os bellos raios da lua branca, merencoria e terna,
creio sentir os lyricos desmaios
d'uma triste canção que em mim s'interna.
E ouço na amplidão indefinida
as vibrações de estranhos instrumentos: Como que o pranto d'outra Margarida,
como que Ophelia a soluçar lamentos.
Comprehendo n'essa hora solitaria
ás vezes a tristeza funeraria,
melancholica e vaga d'um ascêta,
Ou penso então na epocha affastada
em que n'uma varanda rendilhada
banhava o luar o vulto de Juliêta.
19 de Fevereiro de 1888.
Alberto Marques Pereira (Luanda), 1890/383.
*
FOR EVER
Quando morreres, eu, triste e choroso, na tua sepultura irei buscar
as saudades d'aquelle immenso goso, – sonho d'amor que nunca ha de voltar. –
Quando as sombras da noite mansamente,
baixarem dos cyprestes sobre nós,
reataremos silenciosamente dos laços d'este amor todos os nós.
E se breve não fôr – pomba ferida, –
ao pó da tua unir-se a minha vida, saciar na morte os éstos da paixão,
no intimo penar, que não se acalma,
guardarei este amor que tenho n'alma
n'um féretro – o meu próprio coração.
Alberto Marques Pereira (Loanda), 1891/418.
Como o leitor há-de, com facilidade, reparar os versos são
tendencialmente construídos em ritmo binário de 6+4 sílabas métricas (havendo alguns – muito poucos – com ritmo ternário de 4+4+2). Este
poeta possuía, sem dúvida, um especial sentido de ritmo.
Entre os autores portugueses ou lusobrasileiros de referência, os mais
assíduos frequentadores do soneto foram, sem dúvida, Gonçalves
Crespo e Gomes Leal — além de um Antero cujos Sonetos aparecem em
edição acessível tardiamente, como os livros dos parnasianos e simbolistas brasileiros. Num caso quanto noutro deparamo-nos com a
mudança de localização das terminações no interior de cada parte. Por
exemplo em Gonçalves Crespo (Crespo, 1942 p. 101) e nas Claridades
do Sul (Leal, 1901 p. 186), passa-se de [ABBA] para [BAAB]. Cruz e Sousa e Olavo Bilac não ignoraram essa prática, embora também não tivessem particular predileção por ela. O truque implica, por vezes, a
mudança do próprio esquema rímico de uma estrofe para outra, como
sucede ainda em Crespo (Crespo, 1942 p. 94) e nas Claridades (Leal, 1901 p. 37), onde se troca a rima cruzada do primeiro quarteto pela
emparelhada do segundo. Isso é muito mais raro ainda em Cruz e
Sousa e Bilac. Mais raro ainda, raríssimo, era mudar as rimas, de um
quarteto para outro, nesta época, e depois de um terceto para outro. Se
se começava por uma rima, por exemplo em [ar], ia-se com ela até ao
terceto e só aí era permitido mudar. Alberto Marques Pereira assina aqui, face aos líricos de referência, uma originalidade mais, aliás uma
quase antecipação.
Escrevo “antecipação” porque os tratadistas, ou não reconhecem este
esquema distributivo, ou ligam-no ao “soneto moderno”, com evidentes
limitações para nós, porque nenhum dos exemplos dados apareceu a
tempo de ser lido pelos colaboradores angolenses ou residentes. As citações de Amorim de Carvalho são tiradas de José Duro, amargo
poeta baudelaireano que viveu entre 1875 e 1899 e publicou o livro Fel em 1898 (com marcas da lírica de António Nobre e de Cesário Verde); de
Alfredo Guisado, modernista português colaborador do Orfeu, onde pontuava Fernando Pessoa com o império de sua mãe; e de Camilo
Pessanha, ainda só modificando uma das rimas, não as duas.
2.ª [ABABCDCD/EE*GG*] (S1890/147) é um procedimento idêntico a
este (limita-se a substituir a rima [F] por dois versos em branco). Integremo-lo, por isso, no mesmo tipo, como uma sua variação. O
subscritor é uma personagem da sociedade crioula de Luanda, Francisco José Camanha, que envia o espécime de “Mossamedes”,
“1889-Janeiro”, e desnecessário se torna garantir que não vi nenhuma correspondência para esta particularidade nos modelos lusitanos ou
brasileiros:
RECORDAÇÕES INTIMAS
(IMITAÇÃO) / À *** – (LOANDA)
Ao contemplar da noite os bellos raios
da lua branca, tão suave e terna,
creio sentir os lyricos desmaios
d'uma meiga canção que em mim se interna.
E ouço na amplidão indefinida
as vibrações d'estranhos instrumentos como que o triste pranto d'outra vida
como que Ophelia a soluçar lamentos.
Comprehendo n'essa hora solitaria
Às vezes a tristeza funeraria
Melancholica e vaga d'um asceta;
Ou penso então na épocha afastada
em que n'uma varanda rendilhada banhava a luz a tez de Marianna...
1889-Janeiro.
Francisco José Camanha (Mossamedes), S1890/147.
Não é impressão do leitor, o soneto imita mesmo outro, «Phebe»,
publicado por Alberto Marques Pereira no número para 1890, a pp. 383 e citado atrás nesta mesma secção, datado de 19 de Fevereiro de 1888
(este vem datado, como transcrevi, de “1889-Janeiro”). Na verdade quase o plagia. As pequenas diferenças sugerem, de quando em
quando, uma suavização por parte do plagiador. A substituição, no
final, de Julieta por Mariana não ajuda em nada e dá maior estranheza
ao esquema rimático. Factos que não salvam o soneto de ser isso: uma
cópia quase igual. Daí que perca interesse particular a sua distribuição
e se torne uma falsa raridade.
Francisco José Camanha envia, de Loanda, para a pp. 262 do Almanach para 1887, um artigo sobre o hábito da viuvez em Luanda e «hinterland», principalmente nos primeiros quinze dias após a morte do
marido. O artigo chama-se «Nga mutúri», sendo homónimo de uma
charadista do Dondo (cf. 1889/216) e da famosa ficção de Alfredo Troni. Assina Francisco José Camanha outra prosa de caráter etnográfico a
pp. 270 do Almanach para 1889. Publica, ainda, um polémico artigo sobre o “cariquêzo”, pedindo “que os meus patricios angolenses me defendam” (1886/175), assinando sempre de Luanda. Envia finalmente
(1889/270) um último artigo de caráter etnográfico. Provavelmente
pertencia à mesma família de Severino José Camanha, a quem D.ª
Virgínia Toulson (viúva de João Osmundo Toulson) agradece a amizade
(Angola. Governo-geral, 1874 p. 52). Severino José Camanha teria
ligações ao Dondo. Pelo menos foi 2.º secretário da comissão para criar
uma corporação de bombeiros na localidade em 1874 (Angola. Governo-
geral, 1874 p. 178). Em Dezembro do mesmo ano se veio a achar em
liquidação, pedindo que lhe pagassem as dívidas (Angola. Governo-
geral, 1874 p. 587).
No número 63 do Boletim oficial, de 21 de Novembro de 1846 (p. 1), F. J. Camanha é nomeado vogal do Conselho de Guerra, dando-se como
Capitão desligado. Em se tratando da mesma pessoa, seria já homem
idoso quando publicou este soneto, o que parece desmentido pelo artigo
sobre os colaboradores angolanos publicado por D.ª Bernardina Neves a
pp. 268 do Almanach para 1883, por onde se depreende ser igualmente
F. J. Camanha um “patricio” angolense, mas jovem, dos “mais novos”. O
Capitão Camanha seria, quem sabe, progenitor do poeta.
3.ª Há, no final do período investigado (1900/118), uma segunda
sequência rímica no mínimo inusitada: [ABBA/ACACAC]. A sua raridade explica-se pela estrutura retórica adotada, que vem glosar a
declinação verbal: “Eu vi-te, tu me viste, nós nos vimos, / amei-te, tu amaste, nós amámos”... e por aí adiante, em versos de adolescente
ingénuo, que Abílio de Mendanha já não devia ser nessa altura. Como
não há muitas classes de verbos e elas se determinam pelas
terminações, viu-se o pobre versejador reduzido a três rimas – e nós
com ele.
Também me sinto escusado de comprovar que não há correspondência
para tal esquema na lírica de referência, que dificilmente se admitia tão
serôdia puberdade. Estas pequenas habilidades eram certamente desculpáveis nos álbuns onde os poemas tinham lugar e para os quais
eram escritos. Só para dar uma projeção maior ao feito, quem sabe
solicitada pela vaidosa dama, os amadores de versos e charadas se
lembravam do Almanach, funcionalizando-o no seu pequeno meio como instrumento para pedir namoro a alguém, ao mesmo tempo
secretamente e publicamente.
4.ª Comparáveis a este social e retoricamente são os dois sonetos
monórrimos (a um deles já me tinha reportado), exarados pela pena
formal mas irrequieta de Alberto Marques Pereira.
Passemos, então, a considerar
A segunda distribuição mais frequente
[ABBA/CDCDCD] é o esquema a que mais recorria Faustino Xavier de Novaes, o amigo e companheiro de Ernesto Marecos que recorre a essa
mesma distribuição no Almanach para 1866 (169-170). O bardo portuense não estava só. Acompanhavam-no as Rimas de João Penha e terá tirado o exemplo de uma visita a Castilho (Castilho, 1904 p. 85) –
eventualmente, claro.
Fagundes Varela usa também a distribuição no soneto “Desponta a
estrela d’alva, a noite morre” (Varela, 2000;2002 p. 6) e em «Visões da
noite» (Varela, 2000;2002 p. 88). Álvares de Azevedo usa-a nos seus
poemas irónicos, venenosos e sarcásticos e na Lira dos vinte anos, em três intitulados «Soneto» e começados pelos seguintes versos: “Passei
ontem a noite junto dela”; “Os quinze anos de uma alma transparente”;
“Já da morte o palor me cobre o rosto” (Azevedo, 2000-2002 p. 53; Azevedo, sd pp. 45, 46). Castro Alves escreveu sete sonetos com esse
esquema, usando versos heroicos e sáficos (Alves, sd). Cruz e Sousa recorre a essa distribuição rimática no soneto irónico «Diatribe» (Sousa,
2000-2002b p. 16), num dos sonetos a Julieta dos Santos (mas em
dodecassílabos: “Um dia Guttemberg c'o a alma aos céus suspensa”);
logo no soneto seguinte, a ela também dedicado (“É delicada, suave, vaporosa”); num outro ainda a ela dedicado (“Lágrimas da aurora,
poemas cristalinos”); num dedicado ao seu desembarque (“Chegou
enfim, e o desembarque dela”); em «Após o noivado»; “Da mundana lida,
eis que cansado”; “De Mayseder gentil o vulto ingente” (datado de “24
dez. 1880”); “Minh’alma está agora penetrando”; “Alçando o livro colossal, ardente” – de 28.11.1882 (Sousa, 2000-2002a pp. 7-8, 10, 14,
15, 63-64, 66); «Benditas cadeias!», «Evocação», «Um ser», «Espírito
imortal», «Luz da natureza», «Asas abertas», «A grande sede», «A morte» e
«Mudez perversa» (Sousa, 2000a pp. 20, 48, 40, 25, 34-35, 38-39, 55,
24); «Enlevo», «Sem esperança», «Spleen de deuses» (Sousa, 2000b pp. 56, 28-29, 69); «Sonhador», «Visão da morte», «Foederis arca» (Sousa, sd
pp. 14, 19-20, 23). Olavo Bilac usa quase a mesma distribuição no
soneto «A um poeta» (beneditino…): quase porque troca a posição das rimas A e B do primeiro para o segundo quartetos (Bilac, sd p. 8). Onde
completamente usa o esquema, com decassílabos, é na «Via láctea» (Bilac, 2000-2003b pp. 4-5, 7-8, 12-13, 19), nos sonetos III (“Tantos
esparsos vi profundamente”), IV (“Como a floresta secular, sombria”), IX
(“De outras sei que se mostram menos frias”), XIX (“Sai a passeio, mal o
dia nasce”), XXXII (“A um poeta”).
Finalmente, em Angola, Cordeiro da Matta usa a distribuição também
nos sonetos em decassílabos «A um traquinas» e «O fado dos sábios»
(Cordeiro da Matta, 2001 pp. 35, 46).
Há três poemas no corpus escritos com esta geometria de rimas: dois aparecem em 1882 (de um Cândido furtado já ao ambiente tropical e de
um anónimo “Vimaranense”), o terceiro cinco anos mais tarde (de Augusto de Castro). Dois destes poetas não são significativos entre os
colaboradores; Cândido Furtado, sendo-o, é tecnicamente
extemporâneo, pelo que estas três aparições nada relevam de definitivo
sobre o conhecimento literário angolano do século XIX, sendo bem mais
significativos os dois exemplos dos Delírios. É, porém, de notar a ampla
coincidência com os sonetos de Cruz e Sousa no Brasil.
A distribuição comum
A distribuição mais frequentada é [ABBA/CCDEED]. A primeira emergência dá-se em 1884 (p. 138), desdobrada pelos três sonetos da
série «Africanas» de Eduardo Neves:
I
CANÃ'NGANA
Á sombra da palmeira sussurrante (A+T+AAA+T+AAA+T)
eu gozo as delícias de Capua, (A+T+AAA+T+AAA+T)
ouvindo com prazer cantar a ndua (1) (A+T+AAA+T+A+T+A+T)
na múrmura floresta verdejante. (A+T+AAA+T+AAA+T)
A brisa perpassando, de inconstante, (A+T+AAA+T+AAA+T)
oscula com meiguice a face tua; (A+T+AAA+T+A+T+A+T)
desprende-te essa trança e continua (A+T+A+T+A+T+AAA+T)
beijando-te esse collo provocante. (A+T+AAA+T+AAA+T)
Quem dera, minha amada, que esta vida (A+T+AAA+T+A+T+A+T)
me fosse dado vêr sempre envolvida (A+T+A+T+A+T+AAA+T) na luz do teu olhar, bella africana. (A+T+A+T+A+T+AAA+T)
Mas quando tento louco dar-te um beijo, (A+T+A+T+A+T+A+T+A+T) sem nunca saciares meu desejo (A+T+AAA+T+AAA+T)
tu foges, suspirando: – canã'ngana!(2) (A+T+AAA+T+AAA+T)
II
UÁTOÁLA
E tu, que não calculas o tormento (A+T+AAA+T+AAA+T)
que soffre quem assim te vê fugir, (A+T+AAA+T+A+T+A+T)
começas lá de longe então a rir (A+T+A+T+A+T+A+T+A+T)
em quanto preza sou do desalento. (A+T+A+T+A+T+AAA+T)
E eu que dava a vida num momento (A+T+A+T+A+T+AAA+T)
por só um beijo teu poder fruir, (A+T+A+T+A+T+A+T+A+T)
quizera a tua imagem ver sumir (A+T+AAA+T+A+T+A+T)
p'ra sempre no voraz esquecimento... (A+T+AAA+T+AAA+T)
Mas quando tu me vês desanimado, (A+T+AAA+T+AAA+T)
o meu olhar sem luz, embaciado, (AAA+T+A+T+AAA+T)
com o peito arquejante e preza a falla; (AA+T+AA+T+A+T+A+T)
Vens assentar-te logo ao pé de mim, (T+AA+T+A+T+A+T+A+T)
e um beijo, um beijo teu39 me dás por fim (A+T+A+T+A+T+A+T+A+T)
dizendo com meiguice: - uátóála...(3) (A+T+AAA+T+AAA+T)
III
CÁ RIQUÊZO...
Que grata sensação, e que alegria (A+T+AAA+T+AAA+T)
me fazes n'esse instante desfructar (A+T+AAA+T+AAA+T)
que sinto com mais força palpitar (A+T+AAA+T+AAA+T)
meu pobre coração, que esmorecia!... (A+T+AAA+T+AAA+T)
Nem eu te sei dizer o que seria (A+T+AAA+T+AAA+T) de mim, se não chegasse a alcançar (A+T+AAA+T+AAA+T)
o beijo, com que então vens revocar (A+T+AAA+T+AAA+T) á vida, a minha esp'rança que morria!... (A+T+AAA+T+AAA+T)
Agora que eu me sinto satisfeito, (A+T+AAA+T+AAA+T)
que vejo levemente arfar teu peito, (A+T+AAA+T+A+T+A+T) e sinto o meu olhar pelo teu prêso; (A+T+AAA+T+AAA+T)
Só quero que tu digas, minha amada, (A+T+AAA+T+AAA+T) por essa linda bocca perfumada:- (A+T+AAA+T+AAA+T)
39 Compare-se este verso e as três últimas estrofes do soneto com esta passagem de Álvares de Azevedo em poema sem título: “Um beijo - um beijo só! eu não pedia / Senão um beijo seu / E nas horas do amor e do silêncio / Juntá-la ao peito meu!” (Azevedo, sd p. 10).
mungo ngu tumissa cá riquêzo!...(4) (A+T+AA+T+AAA+T)
(1) ave;
(2) não senhor;
(3) “A traduça litteral d'esta phrase quer dizer; – está doce. –
Emprego-a no sentido de quem quer dizer: é tão bom.” (4) “amanhã mando-te um bocado de colla”.
Eduardo Neves (Loanda ), 1884/138.
Fui assinalando o jogo entre vogais curtas, átonas ou atonizadas, e
vogais ao mesmo tempo longas e tónicas para que o leitor se aperceba
da vivacidade e do nível de organização rítmica do poema. Apesar das
hesitações que podemos ter em alguma secção de verso, facilmente se reconhece a existência de um duplo padrão rítmico, em qualquer dos
casos ascendente: binário (A+T) e quaternário (AAA+T), associados em
quase todos os versos e com predominância de uma secção binária seguida por duas quaternárias. Esse padrão duplo encontra vibração no
panorama rítmico mais geral, uma vez que a maioria dos versos tem
acento ou cesura principais nas sílabas 6 e 10 mas há também um
acento secundário na 2.ª sílaba na maioria dos versos. Isso dá a mesma sequência de ritmo binário (2 sílabas iniciais, A+T), com duas secções
quaternárias (4+4, AAAT+AAAT). Os versos que não são assim
constituem variações dessas sequências. Os versos apresentam,
portanto, um ritmo simultaneamente vivo e claro, de padrão percetível
logo à primeira leitura embora não fossilizado, não repetido mecanicamente, portanto com alterações que traduzem a sua
autenticidade.
O jogo das rimas é também interessante para além do esquema distributivo mais notório. O primeiro soneto só tem rimas graves; o
segundo faz uma sequência curiosa, próxima do esquema distributivo
geral: GAAG+GAAG+GGG+AAG; o terceiro faz uma síntese entre os dois anteriores: as quadras rimam como no segundo (GAAG) e os tercetos
são todos em rimas graves como no primeiro.
Quanto à distribuição de pobres e ricas ela realiza-se numa sequência
dinâmica, alternada, com rimas ricas incrustando-se no meio da
natural predominância das concorrentes. O recurso a frases em quimbundo acentua-lhe o interesse, levando o leitor a pensar na
tradução para saber se a rima é rica ou pobre. Isso não só instila o
quimbundo no meio do português incisivamente, leva a uma riqueza
suplementar: a de se acumular rimas em línguas diferentes.
Se o leitor ouvir toda esta orquestra a funcionar ao mesmo tempo
reconhecerá não serem só a visualidade, o pitoresco, a representação
diegética os fatores atrativos no poema. Também o ritmo e a rima nos
dão uma imagem de clareza viva, de jogo e de luz, sabiamente
articulados.
Mais uma vez não me interessa até que ponto foi trabalho consciente,
porque não é assunto que possa resolver aqui. Apenas ausculto, como
recetor, o que me é dado ouvir e organizo a minha receção. Mas acredito
que, se as vibrações da voz e dos instrumentos resultam naturalmente
da intensidade que sentimos aos usá-los, então as vibrações das rimas
e dos ritmos são também resultantes da mesma intensidade. E tudo o
que vivemos intensamente nos marca, acedendo, por essa mesma
tónica intensa, à consciência, à vigília.
A segunda ocorrência deste esquema rímico surge em 1885 (p. 157), dedicada a outra figura que a Luanda crioula conhecia, Francisco Maria
Quintela d’Assis e subscrita igualmente por Eduardo Neves; a terceira
publica-se no número para 1891, a pp. 316 (ainda subscrita por
Eduardo Neves); a quarta ocorrência vem assinada por A. C. Moraes
(1887/175) e a quinta por Alberto Marques Pereira (1893/223):
METEMPSYCHOSE
Dizem após a morte nada existe de tudo que se deu por este mundo. D'esse problema o tenebroso fundo
quem pode lá saber em que consiste?
Quando a hora final já nada diste do viver que correu n'um mal profundo, sentirei lentamente n'um segundo
os vermes a roer meu corpo triste.
Então, se a um outro ser minh'alma fôr,
separada do meu já sem vigor,
unida a outro destino, transmigrada,
eu tenho em mim a fé, esta certeza:
que, vivendo n'uma outra natureza, pulsará só por ti, oh minha amada!
21 de Janeiro de 1888.
Alberto Marques Pereira (Loanda), 1893/223.
Talvez no primeiro verso falte a palavra ‘que’. Não que seja erro escrever assim a frase, mas ela até ajudava ao ritmo, intercalando uma
consoante entre duas, melhor, entre um ditongo e uma vogal que são
para ler em separado. Pode, em alternativa, faltar um sinal de
pontuação (dois pontos – dizem: após a morte nada existe). De qualquer
modo o ritmo conta-se da mesma maneira. Embora num momento ou
noutro forçando um pouco, a maioria dos versos soa naturalmente no
seu ritmo dominante, heroico. Um acento secundário oscila mais, entre
as sílabas 2, 3 e 4 em cada verso, introduzindo maior dinamismo ao
conjunto.
No que diz respeito às rimas, o conjunto é de rimas graves com exceção
dos dois primeiros versos do primeiro terceto – os mesmos que, no
conjunto dos tercetos, são responsáveis pelas rimas ricas.
Não tendo o brilho nem o conseguimento dos sonetos de «Africanas»,
este é, ainda assim, nos aspetos considerados (ritmo e rima), um soneto
com interesse.
A dominância do esquema distributivo deve-se, como é fácil de ver, a
Eduardo Neves, pelo que a sua presença pode ser justificada por uma
opção particular e respetiva influência, de resto limitada a mais duas aparições, não muito fulgurantes. Esta escolha, se por acaso deriva de um contemporâneo português ou luso-brasileiro, só pode vir de três
nomes: Gomes Leal, Antero de Quental ou Gonçalves Crespo. Em se
tratando de sonetos, é natural que o trio seja este, visto os
ultrarromânticos não se dedicarem à quatorzena.
Gomes Leal ilustra profusamente a sua preferência (Leal, 1901 pp. 29,
33, 34, 41, 44, 50, 55, 60, 147, 157, 159, 165, 166, 262, 263, 277, 286, 287, 289, 306, 319). Antero de Quental integra neste esquema rímico
nada menos que 47 dos 108 sonetos da edição compulsada, o que dá a
maior percentagem de frequência para os seus sonetos (43,5%). Quanto a Gonçalves Crespo, explora muitas vezes a distribuição nos tercetos
dos sonetos decassilábicos (e também dodecassilábicos), mas só lhe
observei três coincidências absolutas (Crespo, 1942 pp. 125, 126, 167),
em sonetos reunidos, os dois primeiros, em Miniaturas, e, o terceiro, em
Nocturnos. Apesar de escassas, as recorrências do parnasiano luso-brasileiro podem estar na origem da preferência de algum dos três
colaboradores. Há pelo menos mais uma coincidência que fortalece essa
hipótese para o caso de Eduardo Neves.
Os primeiros sonetos do corpus que recorrem a esta solução distributiva formam, como disse, a série «Africanas». Cada um deles é, na verdade,
um pequeno episódio de uma breve narrativa que recorda as de «N’um
Batuque» e de «Kicôla». O soneto, como sistema estrófico, aparece normalmente isolado, forma sozinho um poema. Nos poetas do século
passado lidos por mim sistematicamente, só em Gonçalves Crespo, em
peças datadas de 1870, todas incluídas nas Miniaturas, e em outras posteriores, encontro um aproveitamento que escapa à regra, fazendo
equiparar um soneto ao episódio de uma história. O facto concretiza a
intuição difusa de Maria Antonieta Raymundo Moisés ao reconhecer,
em Miniaturas, “certo tom narrativo”, objetivando a “emoção poética [...] através de variados pormenores descritivos” (Pequeno dicionário de
literatura brasileira, 1987 p. 127) – o que é uma caraterística principal de «Africanas», a par da sua … africanidade. Por isso penso ter havido,
em paralelo com outras ou não, influência de Gonçalves Crespo sobre Eduardo Neves neste caso, ou pelo menos uma coincidência de escolhas
que é também muito significativa. As datas admitem que se trate de
influência, até no que diz respeito aos Noturnos, que saem em pleno auge da popularidade de Gonçalves Crespo (Pequeno dicionário de
literatura brasileira, 1987 p. 126), um ano antes daquele em que devia
ter sido escrito o primeiro soneto do colaborador do Dondo.
Uma segunda influência podia vir de Gomes Leal, das Claridades do Sul, precisamente por causa da sensual clareza de alguns dos quadros (até narrativos, de quando em quando) aí explorados com humor fino
também. Leia-se, por exemplo, «Hora do meio dia», soneto com a mesma distribuição rimática, escrito em versos heroicos; «Selvagem» – com
desejado cenário final que lembra as «Africanas»; «O amor do vermelho»
e «A um corpo perfeito», «A jovem miss», «Hora mística», «Fantasias», «Canibal» – dedicado a Cesário Verde, «Aventuras» (Leal, 1875 pp. 25,
125,126, 151, 209, 232, 246, 252, 256), ou as suas muitas alegorias. De igual modo me parece que Eduardo Neves se identificaria com o
ideal de uma lírica “mais sadia, forte e verdadeira, que não despreze o
amor, nem a imaginação, nem a liberdade” e que fuja “do exagero e do mau gosto” (Leal, 1875 pp. V, VII). Uma poesia, por isso também,
híbrida face às ortodoxias, aos cânones e programas literários – a
heterodoxia poética defendida por Gomes Leal no posfácio às Claridades do Sul.
O último dos exemplos, «Metempsychose», de Alberto Marques Pereira,
glosa por sua vez o título de um homónimo de Antero de Quental,
escrito entre 1860 e 1862 (pouco antes, portanto, de o residente
versejador ter nascido) e recolhido nas Primaveras românticas. Mas, apesar de possuírem os dois a mesma métrica e a mesma sequência
rimática, e apesar de ambos se reportarem a uma alteridade absoluta (a
que o título desde logo obrigava), são opostos nos motivos perfilhados, nos intertextos aglomerados e nos conceitos e imagens que rodeiam
essa alteridade ou a representam.
O além de Alberto Marques Pereira é o do «Noivado do sepulcro», de
Soares de Passos, seco de sangue mas ainda com pessoas e paixões
(apesar das estéticas diferenças). A transcendência de Antero é nova e
paradoxal: ela surpreende na matéria fria a origem de um corpo em
“fogo estreme” (que é uma expressão comum entre os ultrarromânticos),
razão pela qual termina com o vigor de um coro de Verdi: “Lôbas, leões! sim, bebei meu sangue!” – tão oposta ao puído pulsar “só por ti, oh
minha amada!” de Alberto Marques Pereira, poeta irrequieto apenas na arquiteturação das rimas. A veemência retórica de um e a sonolência
imagística de outro atingem o nível das frases (Antero abusa das
exclamativas mas usa o modo imperativo com veemência, modo que
está ausente da “metempsychose” de A. M. Pereira). Há, ainda, último
pormenor diferenciador: duas rimas em agudo no segundo terceto da composição do nosso metempsicótico, não se constatando a presença de
nenhuma rima aguda no homónimo de Antero.
No Brasil Cruz e Sousa (eventualmente mais alguém) escreveu também
um soneto sob esse título e com a mesma distribuição rimática. Mas,
uma vez mais, as diferenças acabam por aí. Tirando a imagem (que faz lembrar Augusto dos Anjos) dos “vermes a roer meu corpo triste”, ainda
que “lentamente num segundo”, nada mais é de realçar na quatorzena do nosso versejador, à qual a própria colocação da situação dramática
no futuro enfraquece. Cruz e Sousa fala do assunto no presente, retrata
o corpo já ressequido, depois da alma que estará, quem sabe, já no céu, passa de novo pela visão do corpo e remata com um apelo à
ressurreição da mulher de tal forma que a imortalidade é a dela, pela
sua beleza e pureza. Di-lo com estas palavras:
Agora, já que apodreceu a argila
Do teu corpo divino e sacrossanto; Que embalsamaram de magoado pranto
A tua carne, na mudez tranqüila,
Agora, que nos Céus, talvez, se asila
Aquela graça e luminoso encanto
De virginal e pálido amaranto
Entre a Harmonia que nos Céus desfila.
Que da morte o estupor macabro e feio
Congelou as magnólias do teu seio,
Por entre catalépticas visões...
Surge, Bela das Belas, na Beleza
Do transcendentalismo da Pureza,
Nas brancas, imortais Ressurreições!
Alberto Marques Pereira começa por aquele verso infeliz e nunca atinge
um rasgo de génio, um voo, aceno que fosse, que reverta o discurso
para uma superação da nossa expetativa e nos deslumbre. Dá-nos a
moeda gasta do amor eterno com um vocabulário sem vigor, uma lira sem tremor nem veemência e uma chave, não de outro, de barro já
rachado. A imortalidade será a dele, encolhido noutro ser, transmigrado
mas ainda a pensar nela – superando sem dúvida o burro de Apuleio...
Cruz e Sousa versa largamente a mesma distribuição, que não foi a
mais popular no Brasil do século XIX. Que tenha visto, fá-lo no soneto
«Decadentes», em três dedicados a Julieta dos Santos (“Dizem que a arte é a clâmide de idéia”; “Imaginai um misto de alvoradas”; “Quando
apareces, fica-se impassível”), em «Dormindo», «Crença», «Eterno sonho», «Vanda», «Êxtase», «Celeste», «Natureza» (“aos poetas”), «Plangência da
tarde», «Frutas e flores», «Luar», “Estas risadas límpidas e frescas”, «Ideal comum» (“escrito a quatro mãos” com Óscar Rosas), “Rompeu-se
o denso véu do atroz marasmo”, “É um pensar flamejador, dardânico”
(“Desterro, 13 jan. 1883”), «Colar de pérolas», “Anda-me a alma inteira
de tal sorte”, «Noiva e triste», «Mãe e filho», «Surdinas», «Irradiações»,
«Ambos», «Os dois», «Triste», «Aos mortos», «Luar», «Mocidade», «Soneto»
(“Vão-se de todo os pardacentos nimbos...”), «Cega», «A ermida», «Água-forte», «Alma que chora», «Chuva de couro», «Primavera a fora», «Ninho
abandonado», «Crença», «Cristo e a adúltera», «Êxtase de mármore», «Inverno», «Falando ao céu», «Gloriosa», «O chalé», «Ilusões mortas» (“a
Virgílio Várzea”), «O sonho do astrólogo», «Cristo», «Frutas de Maio»,
«Eterno sonho», «Impassível», “Do som, da luz entre os joviais duetos”, «To sleep, to dream», «Visão medieva», «Recordação», «Canção de Abril»,
“Brancas Aparições, Visões renanas”, «Glórias antigas», «Ocasos», «Na fonte», «Plenilúnio», «Manhã», «Hóstias», «Psicologia humana», «Os
mortos», «Verônica», «Símiles», «A freira morta», «Claro e escuro», «Horas
de sombra», «Aleluia! Aleluia!», «Rosa negra», «Vozinha», «No Egito»,
«Repouso», «Requiescat…», «Doce abismo», «Harpas eternas», «Dupla Via
Láctea», «Titãs negros», «Entre chamas», «O anjo da redenção», «Salvé!
Rainha!...», “Quando eu partir, que eterna e que infinita”, «Sempre e…
sempre»; em Broquéis (que sai no ano de 1893) a distribuição revela-se «Em sonhos…» (com uma rima imperfeita no primeiro quarteto), «Cristo
de bronze», «Clamando…», «Braços» (com a rima D imperfeita nos sons
vocálicos), «Sonho branco», «Canção da formosura», «Torre de ouro», «Carnal e místico», «A dor», «Encarnação», «Noiva da agonia», «Satã»,
«Afra», «Primeira comunhão», «Judia», «Deusa serena», «Tulipa real»,
«Dança do ventre», «Flor do mar», «Dilacerações», «Sinfonias do ocaso»,
«Rebelado», «Música misteriosa», «Serpente de cabelos», «Alda», «Acrobata
da dor», «Lembranças apagadas», «Majestade caída», «Incensos», «Luz
dolorosa»; dos Últimos sonetos (que saem já em Paris em 1905) todos exceto «Cárcere das almas», «Benditas cadeias!», «Deus do Mal», «Mudez
perversa», «Espírito imortal», «Luz da Natureza», «Asas abertas», «A
grande sede», «Um ser», «O grande sonho», «Condenação fatal», «Evocação», «Sexta-feira santa», «A morte», «Triunfo supremo»,
«Renascimento» – uma clara maioria; na sequência «Cabelos», «Olhos», «Boca», «Seios», «Mãos», «Pés», «Corpo» e em «Humildade secreta»,
«Enclausurada», «Enlevo», «Ausência misteriosa», «Metempsicose» (v.
atrás), «Visão guiadora», «Divina», «Requiem do Sol» e «As estrelas», de
Faróis (1900). É extenuante a lista, porém tão extenuante quanto
insinuante a constância da distribuição no poeta negro brasileiro.
No mesmo Brasil, Olavo Bilac virá a praticar esta distribuição muito
pouco. Por exemplo no soneto XVI da sequência/livro «Via láctea», o
único onde a vi. Temos aqui, portanto, a última demonstração, também
a mais cabal, das afinidades entre a lírica de Cruz e Sousa e a dos nossos colaboradores. Se por acaso algum poema ou livro seu
frequentou bibliotecas e lojas angolenses nesse tempo, será matéria a investigar. Se há outros autores, os que não pesquisei, que venham a
revelar a mesma concordância, por igual é matéria para se inquirir. Mas
que a afinidade existe, isso é indubitável.
Os tratadistas e as distribuições encontradas
Castilho condiciona a composição de sonetos ao sistema distributivo praticado pelos “nossos antigos” (Castilho, 1874 p. 127):
[ABBA/CDCDCD]. Acabámos de ver que esse é o segundo esquema preferido no corpus. É um segundo lugar onde cabem só três ocorrências – e nenhuma delas importante para determinarmos o
conhecimento poético local.
Entretanto esses dados precisam de ser completados com outros e o
facto é que Joaquim Dias Cordeiro da Matta parece recorrer
preferencialmente a esse esquema rimático: fá-lo sete vezes em nove nos
Delírios, sendo que, das outras, no que diz respeito aos tercetos, é essa a distribuição – exceto num, no qual há uma facilidade: CDC/DDC.
Neste aspeto, portanto, as lições do mestre não tiveram seguimento
entre os colaboradores do Almanach mas parecem ter tido num dos
mais importantes poetas do nosso século XIX.
Contraditoriamente o Visconde reconhece, mais adiante, que “os
italianos e os nossos quinhentistas punham às vezes nos tercetos”
[CDE], como Alberto Marques Pereira no seu soneto hexassilábico, mas para logo rebater: “o uso desterrou com razão os tercetos desta espécie”
(Castilho, 1874 p. 136) – que no entanto se encontram, mesmo que
esparsos, em poetas brasileiros do século XIX.
Sete páginas antes ele reconheceria também, quanto aos quartetos, que
já tinha havido quem os cruzasse, como vários dos nossos
colaboradores. Entre eles Eduardo Neves, o mesmo Alberto Marques Pereira e Francisco José Camanha na sua peugada. Os angolenses e
residentes misturavam, portanto, sistemas rímicos dos quartetos e dos tercetos que eram típicos dos paradigmas clássicos, e por vezes
misturavam um sistema clássico a outro por eles inventado. Não
havendo cânones ultrarromânticos ou românticos para o soneto,
socorriam-se da mascaração das antigas soluções para afirmarem a contemporaneidade do seu trabalho. Aí é que foram “modernos” – mais
uma vez: formalmente.
Quanto a Amorim de Carvalho, também ele estuda separadamente “a
rima nas quadras do soneto” (Carvalho, 1987 p. 64 ss). O
condicionamento do leitor está garantido pela adjetivação do esquema, não só como clássico, também dos “mais prestigiosos” (Carvalho, 1987
pp. 63, 66). Ele aceita, a par de Castilho, que a rima cruzada “tem-se admitido frequentemente” nesse sistema rímico, passando a descrever
as inversões de ordem das rimas e, num dos casos, das distribuições rimáticas, de um para outro quarteto. Porém, quanto à mudança de rima do primeiro para o segundo quarteto, ela surge só quando se fala
no soneto moderno, com exemplos acima já citados.
Todas as distribuições rimáticas encontradas para a primeira metade
dos sonetos estão registadas por Amorim de Carvalho nesse passo, embora nem todas estejam descritas por Castilho e embora a última
seja exemplificada, na Teoria geral da versificação, apenas através de poetas que, seguramente, não influenciaram os estudados –mais uma solução formalmente antecipadora de algumas (raras) composições do
Almanach.
Quanto aos tercetos, a distribuição mais comum ([CCDEED]), com nove
ocorrências, aparece referida entre casos, também “modernos” (com um
soneto de Marta de Mesquita da Câmara, poetisa de um
ultrarromantismo serôdio, ilhado já no século XX), de peças com
tercetos do soneto clássico com três rimas (Carvalho, 1987 p. 68). Mas
aqui o tratadista não é seguro, porque sabemos que Gonçalves Crespo,
Antero de Quental, Gomes Leal e Guerra Junqueiro, Cruz e Sousa e mesmo Bilac usaram essa terminação também, como se pode ver pelas
referências anteriores. Releia-se ainda, de Gomes Leal, «A noite do
noivado» (Cardoso, [1920] p. 19; Leal, 1875 p. 97) e, de Guerra
Junqueiro, «Post-Scriptum» (Cardoso, [1920] p. 20) Qualquer deles, no
entanto, mesmo quando começou pelo ultrarromantismo, abandonou a
escola aderindo a novas conceções da poesia que os colaboradores não
partilhavam.
Uma distribuição para os tercetos parecida com esta última visita,
apenas uma vez, o corpus e não vem descrita por Amorim de Carvalho: [AABAAB] (há, na Teoria geral da versificação, um esquema inverso desse [CDDCDD], mas não com as rimas dos quartetos). O seu autor é,
mais uma vez, Alberto Marques Pereira.
A estrutura [CDCDCD], a “mais prestigiosa”, como vimos, não é a mais
comum no corpus (três ocorrências apenas).
Quanto às restantes distribuições, [CDECDE] ocorre duas vezes ao todo
(1895/140, na composição de Alberto Marques Pereira, e 1897/99, num
poema de Jorge de Lucena) sendo referida por Amorim de Carvalho
como “a mais interessante [...] pela sua regularidade” entre as que possuem três rimas, exemplificando-se com Luís de Camões (Carvalho,
1987 pp. 66-67). Essa distribuição não é, porém, pelo que vimos, dominante na poesia lírica portuguesa e brasileira investigadas. Nos
sonetos de Antero, por exemplo, vem à luz apenas cinco vezes, num
universo de 108 sonetos, e nas Claridades do Sul só detetei uma presença. Gonçalves Crespo utiliza-a nas Miniaturas, mas também com parcimónia (Crespo, 1942 pp. 93, 94, 100, 118 ). Os brasileiros
consultados usam-na poucas vezes. Alberto Marques Pereira terá, neste
caso, ido beber à mesma fonte que Leonor – a de Luís de Camões.
A distribuição [CDCEDE], que não tem parceria no corpus, acompanha-se com um exemplo de Alberto de Oliveira40. Amorim de Carvalho fala
40 Homónimo do poeta português, este, brasileiro, publicou em 1878 o seu primeiro livro, Canções Românticas; livro de facto romântico, teve a sua “contradicção” na obra Sonetos e Poemas, apodada de parnasianismo ortodoxo (Dicionário de Literatura, vol. III, p. 753) e publicada em 1885. É, no geral, visto
nela a par das que, a partir do soneto clássico, apresentam
“modernamente” três rimas (Carvalho, 1987 p. 68). No entanto, como
vimos acima, Camilo Castelo Branco usa essa distribuição num soneto
seu. Nos sonetos de Antero de Quental ela é mesmo a segunda mais
frequente, ocorrendo numa percentagem de 30,5% (33 vezes), por
oposição à mais comum ([CCDEED]). Gonçalves Crespo, nas Miniaturas, recorre apenas uma vez ao esquema (Crespo, 1942 p. 139), apesar disso mais comum entre os escritores de referência que nos colaboradores
angolenses ou residentes.
A conclusão a tirar a partir destas comparações é significativa do grau
de variação e da situação intermédia em que se encontravam os nossos
colaboradores. Escrevendo num tempo em que o próprio
ultrarromantismo já admitia a composição de sonetos, mas não a
tornava canónica, eles não tinham muitos modelos para seguir entre os
seus mestres e paradigmas. Por isso recorreram alternativamente aos clássicos, aos “novos” e à mistura dos dois que gerou algumas soluções
pessoais interessantes do ponto de vista técnico mas, infelizmente, não
foi além disso.
O dado mais importante a reter é o da significativa coincidência dessas
práticas com as de poetas brasileiros como Cruz e Sousa (que foi
parnasiano e simbolista) e Olavo Bilac (parnasiano), mesmo com poetas românticos da segunda geração (Álvares de Azevedo sobretudo), apesar
de eles pouco visitarem o soneto e, como na última fase do
ultrarromantismo português, o fazerem com ironia.
formalmente como parnasiano, embora o conteúdo dos seus poemas pareça indicar-nos um poeta intrinsecamente romântico.
Conclusão
Ao fim destes anos de pesquisa, agora acompanhado pelo raro leitor que
chegou até aqui, há conclusões a tirar.
Vou concluir a parte que me cabe; os mais habilitados continuarão este
último capítulo dando prosseguimento ao meu trabalho.
O primeiro resultado a salientar é o de que, entre os nossos patrícios
angolenses e os estrangeiros residentes, havia pessoas esclarecidas,
atualizadas e pensantes que trouxeram para o país alguma notícia do
que se praticava ‘lá fora’, na semiosfera euroamericana e
particularmente na lusófona. Isso mesmo se tornará mais claro quando
publicar o segundo volume destas investigações, relativo aos livros que
eram lidos em Angola no século XIX.
É uma conclusão que puxa por outra: o perfil literário dos nossos versejadores era tendencialmente conservador e revelava uma forte
sujeição à função social, ou socializadora, da poesia. Digo social, não
política, nem muito menos partidária – isso foi só com a geração
seguinte, a da Luz e crença. Socializadora porque a composição e circulação de poemas inscrevia-se nos processos de socialização
quotidiana com funções precisas de elogio, captação de amizade, apoio
a pedidos de favores (incluindo amorosos). Uma tal poesia tinha que
manter-se ao nível médio e medíocre dos cânones mais populares, para
ser bem sentida, quando não percebida e sentida, pelo seu público imediato. Julgo vir daí a timidez nas inovações, principalmente ao nível
dos conteúdos. Por consequência, as novidades literárias eram muito
moderadamente integradas na formulação poética e daí terá resultado a
impressão de que seria por ignorância, desconhecimento da evolução da
poesia europeia e americana, que os nossos escritores se mantiveram apegados ao chamado ultrarromantismo – como vimos popular até
muito tarde, mesmo em Portugal e no Brasil.
O interesse dos poemas e das raras inovações residia na organização
formal dos versos e das estrofes. O facto é concordante com a própria
organização social da época. Vivemos nesse tempo em comunidades marcadamente formais e a poesia dava conta disso pela sua parte. O
que se conjuga bem à forte socialização no âmbito da qual surgia e se
divulgava. O casamento da redundância de conteúdo com as agudezas, inovações e habilidades formais permitia manter o nível médio de
perceção para a maioria do público-alvo, satisfazendo ao mesmo tempo
os mais perspicazes – pelo que lhes era transmitido a partir da forma,
das siglas, enfim, da codificação técnica.
Mesmo a diferença mais vincada, constituída por Pedro Félix Machado,
não deixava de todo essa marca de formalidade, nem o atrativo do
segredo partilhado. Repare-se na secção mais intrigante do título do seu
romance: Scenas d’África / ? / romance íntimo. Também no interior dessa ficção narrativa em prosa se nota a marca de sociabilidade e
formalidade sob a qual caminhavam os segredos íntimos que muitas
vezes resultavam em sucessos aparentemente inexplicáveis. Ou melhor:
inexplicáveis para quem não conhecia os mujimbos circundantes.
Quero lembrar com isto que a leitura dos nossos poetas novecentistas
deve-se fazer com muita cautela. Há também que levar em conta o que
foi esse tempo e como, nele, viviam os pequenos núcleos urbanos
angolenses. Mas não só.
No que diz respeito à literatura, à poesia lírica em verso mais
precisamente, o estudo técnico ou formal da produção local nos assegura, melhor do que análises de contexto e conteúdo, as filiações e
o começo de uma organização textual interna, as afinidades e
influências dentro do nascente sistema literário angolano. Por aí vemos,
por exemplo, que é mais funda do que pensavam alguns estudiosos a
ligação entre a lírica de Maia Ferreira e a dos poetas angolenses da segunda metade do século XIX. A sua habilidade e versatilidade técnica
depara com um excelente paralelo, naturalmente situado umas décadas
depois, que é a lírica de Cordeiro da Matta: a mesma vivacidade
estrófica, métrica, rímica e rítmica; o mesmo dinamismo e habilidade formais; o mesmo vocabulário requentado para no entanto veicular
conteúdos nem sempre corriqueiros ou de cliché – conteúdos que exigem uma leitura mais cuidada dos versos, dos artifícios, desde os
enunciativos e da versificação até aos tipográficos. Até a mesma
sugestão de factos biográficos descritos no vago, ou na penumbra – que
protegem a privacidade (se não a liberdade) do autor.
Em segundo lugar deve-se levar em conta que as contribuições das
tradições orais africanas, conviventes e circundantes, eram feitas – por força dos paradigmas da poesia culta da época, onde não se previa a
inserção de uma sabedoria poética africana – geralmente feitas por uma via subterrânea, que nem por isso deixará de ser estruturante ou
coincidir com as opções principais que regularam o fazer poético de
então. Daí, em parte, o formalismo, o apego à codificação reconhecida, o conservadorismo estético, as analogias geométricas construídas como
desenhos na areia sobre aspetos técnicos do verso, o sentido do oculto
que levava a construir uma representação explícita e outra mais subtil,
escondida, que o leitor próximo conhecia por mujimbos e o leitor arguto
havia de supor habilmente pela descodificação de mensagens cifradas,
de que esteve sempre cheio o quotidiano.
Para identificarmos as leituras ocultas torna-se necessário, mais uma
vez, procedermos a análises estruturais e formais estritas, em que o próprio texto nos dita os sentidos que vamos explorar. A necessidade de
dar atenção ao contexto não elimina a maior necessidade ainda de dar
atenção ao texto. Ou seja: precisamos sensibilizar-nos o mais possível
com a organização interna do texto para, só num momento posterior,
retomarmos as ligações aos dias de ontem e de hoje que nos
completarão, desmentirão ou confirmarão as análises. Esse é, de resto,
o garante da ‘eternidade’ dos versos, pois é a partir desse tipo de análise
que o texto continuará a funcionar fora do seu tempo e do seu local de
origem. Fora dele, mas não contra ele ou ignorando-o, ou forçando-o a
ser o que não podia mesmo ser.
É preciso também lermos estes poemas com os dicionários da época, levando em conta que eles dialogam, numa linguagem contemporânea,
com os preconceitos e os limites sociais do seu tempo. Não podemos,
portanto, esperar dos nossos versejadores grandes arrojos
vanguardistas, nem de outro tipo (ao nível mesmo dos conteúdos). Temos de nos compenetrar sempre do facto de eles estarem a escrever
dentro de um âmbito cultural mediano, quando não medíocre e no
interior de um sistema colonial que limitava, mesmo com o liberalismo,
uma expressão plenamente livre. Para lhes descobrirmos a beleza ou o
interesse precisamos retirar (o que implica capacidade para identificar)
a ganga da época e interpretar as subtilezas, os recessos, as não-aparências e as aparentes redundâncias que redundam, por vezes, em
meios para velar o conteúdo. Havemos de ouvir também alguns poetastros de bairro que, quando querem impressionar as suas damas
hoje, ou impressionar os outros ‘trovadores’, usam ainda uma
linguagem poética requentada que lembra alguns dos poemas estudados. Havemos de ouvir a recuperação do termo ‘dama’, por
exemplo, na Angola de hoje – que substituiu o localismo ‘garina’. E
mesmo os que se entusiasmam se lhes pusermos nas mãos alguns dos mais conseguidos destes versos lamechas e sentimentalões. Portanto
veremos que algo ficou desses tempos a latejar no fundo obscuro do que
um discípulo de Jung chamaria o inconsciente coletivo angolano, ou a circular quase impercetivelmente na semiosfera do novo país. Por algum
motivo que um dia vamos descobrir. Entretanto, não trairemos nossa
herança estética.
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