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1 INVESTIGACIÓN, POLÍTICAS DE ESCRITURA Y PROCESOS DE SALUD Y SUBJETIVACIÓN COMO ENFRENTAMIENTO DEL PRESENTE Priscila Tamis de Andrade Lima [email protected] Universidade Federal Fluminense – Niterói, RJ, Brasil CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Em 1971 Foucault e outros companheiros, mobilizados pelas greves de fome realizadas pelos presos políticos da revolução de Maio de 68, criam o GIP – Grupo de Informação sobre as Prisões. Era um experimento-in- tervenção junto às prisões francesas que tinha como objetivo agenciar a voz autônoma e não tutelada do coletivo, um projeto político de intensifi- cação das vozes dos que conhecem sua própria dor e lutam sua própria luta. Deleuze, um dos integrantes do GIP, em diálogo registrado no livro Microfísica do Poder, esclarece a proposta foucaultiana – “Você foi o pri- meiro a nos ensinar algo de fundamental: a indignidade de falar pelos ou- tros” (Foucault, 1979, p. 72). Na segunda metade da década de 1970 surgiram no Brasil os chamados Novos Movimentos Sociais, os quais atuam ainda hoje como conectores dos saberes locais e saberes especiali- zados e identificam novos modos de opressão para além da produção – é o alcance da geografia das subjetividades. Estes movimentos caracteri- zam-se como grupos estudantis, grupos de mulheres, associações de bair- ro, grupos de lutas por direitos sociais e democracia, entre outros. Essa maneira associa prática política e vida cotidiana, sustentando uma nova subjetivação e relação entre território/coletividades e gestão de políticas públicas sociais. Minha formação em Psicologia e depois em conexão com Photo by Patrick Tomasso on Unsplash

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Page 1: INVESTIGACIÓN, POLÍTICAS DE ESCRITURA Y PROCESOS DE … 19-20/Con19_20-Art8.pdf · 2019. 11. 15. · Carolina de Jesus, Eduardo Galeano junto a ou-tros mais que convido a problematizar,

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INVESTIGACIÓN, POLÍTICAS DE ESCRITURA Y PROCESOS DE SALUD Y SUBJETIVACIÓN

COMO ENFRENTAMIENTO DEL PRESENTE

Priscila Tamis de Andrade [email protected]

Universidade Federal Fluminense – Niterói, RJ, Brasil

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

Em 1971 Foucault e outros companheiros, mobilizados pelas greves de fome realizadas pelos presos políticos da revolução de Maio de 68, criam o GIP – Grupo de Informação sobre as Prisões. Era um experimento-in-tervenção junto às prisões francesas que tinha como objetivo agenciar a voz autônoma e não tutelada do coletivo, um projeto político de intensifi-cação das vozes dos que conhecem sua própria dor e lutam sua própria luta. Deleuze, um dos integrantes do GIP, em diálogo registrado no livro Microfísica do Poder, esclarece a proposta foucaultiana – “Você foi o pri-meiro a nos ensinar algo de fundamental: a indignidade de falar pelos ou-tros” (Foucault, 1979, p. 72). Na segunda metade da década de 1970 surgiram no Brasil os chamados Novos Movimentos Sociais, os quais atuam ainda hoje como conectores dos saberes locais e saberes especiali-zados e identificam novos modos de opressão para além da produção – é o alcance da geografia das subjetividades. Estes movimentos caracteri-zam-se como grupos estudantis, grupos de mulheres, associações de bair-ro, grupos de lutas por direitos sociais e democracia, entre outros. Essa maneira associa prática política e vida cotidiana, sustentando uma nova subjetivação e relação entre território/coletividades e gestão de políticas públicas sociais. Minha formação em Psicologia e depois em conexão com

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a Psicologia Política sustentaram um caminho de trabalho preocupado e engajado com as questões ético-estético-políticas e agora a experiência de migração dentro de meu país para a realização do doutorado veio acompanhada dos acontecimen-tos de corrupção e desmantelamento de políticas públicas e do movimento de ocupação da univer-sidade em 2016 frente à Proposta de Emenda Constitucional 241 que propunha congelar as despesas do Governo Federal pelos próximos 20 anos, de acordo com cifras corrigidas pela infla-ção, freando assim possíveis avanços e investi-mentos tanto na saúde quanto educação. Indignados com a proposta governista e em reti-rada dos modos habituais da sala de aula, os estu-dantes de graduação ocuparam os espaços da faculdade, convocaram a pós-graduação para a luta e mantiveram a função pública de formação – debates minoritários e ações culturais. As salas de aula foram barradas por eles e colchões, cober-tas, depósito de alimentos doados, cartazes por todos os lados eram as barricadas desses jovens. Provocada pelas lutas do presente como mulher, psicóloga, pesquisadora e latino-americana me proponho pensar uma ciência feminina desde o Sul, que não é o feminino e nem o Sul, mas uma singularidade localizada (Haraway, 1995) antico-lonial, quem escreve com intencionalidade e ação (Calviño in Cuellar, 2015). São autores do Sul como Gloria Anzalduá, Conceição Evaristo, Carolina de Jesus, Eduardo Galeano junto a ou-tros mais que convido a problematizar, neste iní-cio de doutorado, a construção de uma pesquisa ensaística que defenda a liberdade de indivíduos e coletivos. Localizar as mulheres que escrevem na academia é desdobrar uma inquietação e uma ocupação no mundo, é situar um lugar ético e po-lítico perspectivo, lugar de visão e de fala. Quando a universalidade exclui expressões, experiências e métodos de pesquisa, quando a universalidade se faz como uma fantasia moral que ordena hie-rarquicamente o que é objetividade e o que é ra-cionalidade científica, quando a universalidade científica cria reducionismos exigindo máscara de homem heterossexual branco para as diversas vozes é hora de nos interrogarmos sobre o que te-mos feito de nós mesmos. O que temos feito de nossos corpos e linguagens? Como temos conta-do nossas histórias? A partir de uma perspectiva transdisciplinar podemos desestabilizar os cam-pos das disciplinas para pensarmos e experien-ciarmos uma ética de luta que borre as fronteiras geográficas e de percepção, assim como pertur-bar o cansaço de olhares cristalizados, colocando em evidência a potência criativa e vital de nossas complexidades. Para tanto, um conceito-práxis que será utilizado como analisador será a

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transversalidade. Guattari (1981) a define como a crescente comunicação entre diferentes forças e intensidades que compõem e atravessam um cam-po em determinado processo. E o “coeficiente de transversalidade” daria o tom da comunicação e atuação institucional nessas forças-políticas so-ciais e de subjetivação – territórios, modos de vida, ação, reflexão, relações de poder, redes de comunicação. A transversalidade articula a convi-vência das forças de um campo e dá visibilidade à sua complexidade, afirma uma dimensão coletiva entre diferentes atores, sustentando as heteroge-neidades e borrando fronteiras, criando ao mes-mo tempo uma afirmação da diferença e uma indiscernibilidade nos domínios específicos (Passos; Kastrup; Escóssia, 2014). Como cons-truir um corpo com a potência da alegria em tem-pos bélicos? (uma gaia ciência, segundo Nietzsche); Como criar uma política de escrita que se torne uma arma de criação, resistência e produção de comum diante os acontecimentos do presente?; Para que se escreve?; Para quem se es-creve?; De que lugar se escreve?; Pode a escrita tornar-se uma experiência ética-estética-política de saúde e subjetivação? O objetivo é trazer estas indagações ao presente, e na experiência, ao mes-mo tempo que indago, vou construindo junto in-cursões possíveis, respiros, estratégias e resistências à violência cotidiana que estamos vi-vendo em nossos países latinoamericanos, impli-cando a universidade com a histórica política e cultural de um tempo. A pesquisa é a própria ex-periência ensaística de escrever, a defesa de mun-do que ela implica, a saúde que produzimos quando escolhemos modos, aliados, posiciona-mentos, fazendo do método uma política dos en-contros. O ensaio é um gênero literário que em seu exercício de liberdade imprime seu compro-misso, inquirindo e ignorando, onde todo e qual-quer movimento nos revela, como diria Montaigne (2017). Aprender a tomar uma distância de refle-xão e na miscelânea estética criar vacúolos inten-sivos que ao mesmo tempo conservam e superam as relações conceituais e disciplinares. Estar junto de frente, de um lado e de outro, de costas e do avesso é experimentarmos e nos interessarmos pelo que testemunhamos no presente. Não nego o sentido de comunicação esperado na academia, mas o tomo no desafio de compreender uma vez mais sua linguagem, inventando uma linguagem própria. E penso como as hermenêuticas e prope-dêuticas da psicologia acadêmica brasileira po-dem alinhavar em seus sentidos a ciência e a poética da experiência. O método utilizado para esta busca dialógica com esse nós-pesquisadores das universidades será a cartografia, assim como conversas semi-estruturadas serão uma das

ferramentas deste método. Gilles Deleuze apro-pria-se do termo cartografia de maneira a convo-car o pesquisador-cartógrafo para um lugar de reflexão e implicação sobre as experiências vivi-das. Um estudo sobre as processualidades e rela-ções de forças que compõem os campos sociais e existenciais. Neste sentido entendemos que tal metodologia é um híbrido teórico-técnico, onde teoria e prática não se separam, mas funcionam juntas, em constante tensão, na qual descrever não é classificar, catalogar, mas intervir e modifi-car. A cartografia é uma metodologia processual. A cartografia não busca compreender o que são as coisas e sim as qualidades de forças que são pro-duzidas e potencializadas nas diversas realidades, a capacidade dos engendramentos cotidianos em fazerem-se diferença. Busca afirmar as visibilida-des e dizibilidades das forças de um campo. Segundo Barros e Kastrup (2009) a cartografia aposta ainda em acompanhar processos. E pro-cessos não estão ligados a processamentos, mas sim a processualidades. O processamento está para a ideia de um conhecimento pautado em co-leta e análise de informações. A cognição científi-ca como competências e habilidades de um modelo computacional. Uma ciência cognitivista que entende como extracognitivo tudo que está relacionado ao socius, à história e ao plano dos afetos. Se, ao contrário, entendemos o processo como processualidade, estamos cúmplices do que é fazer cartografia. Quando se tem por objetivo pesquisar processos de produção de subjetivida-des o processo já está em curso. Logo, como car-tógrafos, começamos pelo meio, entre pulsações, em experiência. O território presente e o tempo presente carregam uma espessura processual: cada momento da pesquisa traz consigo o anterior e se prolonga nos momentos e movimentos se-guintes. “A espessura processual é tudo aquilo que impede que o território seja um meio ambiente composto de formas a serem representadas ou de informações a serem coletadas” (Barros; Kastrup, 2009, p. 58). Cartografar não implica sistematizar ou organizar, mas sim percorrer os espaços de rup-tura, desaprender os já estabelecidos, aguçar as sen-sações, atentar-se aos detalhes, abrir o corpo tornando-o passagem das vozes do mundo. Abrir-se à experiência, desejando o desconhecido. O método vai se arranjando e rearranjando no acompanha-mento dos movimentos das subjetividades, das saú-des existentes e dos territórios. A transversalidade na cartografia diz de uma ampliação e intensifica-ção da comunicação, de intersecção entre fluxos he-terogêneos, materiais e imateriais. Uma ética de conectividade nos processos e de superação das ló-gicas comunicacionais horizontalizadas ou vertica-lizadas. Por ora, complexificar a violência e

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ANZALDUÁ, Gloria. Como domar uma língua selvagem. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa, nº 39, p. 297-309, 2009.

BARROS, Laura Pozzana de.; KASTRUP, Virgínia. Cartografar é acompanhar processos. In PASSOS, Eduardo. ; KASTRUP, Virgínia.; ESCÓSSIA, Liliana da. (Orgs.) Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.

CUELLAR, Edgar Barrero. Del discurso encantador a la práxis liberadora: Psicología de la libera-ción - Aportes para la construcción de una psicología desde el Sur. Versión digital 2015. Bogota – Colômbia.

EVARISTO, Conceição. https://www.youtube.com/watch?v=dHAaZQPIF8I&t=149s (acesso em 18/07/2017).

FELIX, Guattari. Les Annés d´hiver. Paris: Les Prairies ordinaires, 2009.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

_________________. O belo perigo – conversa com Claude Bonnefoy. Tradução Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.

GALEANO, Eduardo. https://www.youtube.com/watch?v=m-pgHlB8QdQ (acesso em 18/07/2017).

GUATTARI, Felix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. Trad. S. Rolnik. São Paulo: Brasiliense, 1981.

HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da pers-pectiva parcial. Cadernos Pagu (5) 1995: pp. 07-41.

LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios: da amizade e outros textos. Porto Alegre: L&PM, 2017.

PASSOS, Eduardo.; KASTRUP, Virgínia.; TEDESCO, Sílvia. Pistas do método da cartografia: a expe-riência da pesquisa e o plano comum. Vol. II. Porto Alegre: Sulina, 2014.

PELBART, Peter Pál. O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: n-1 edições, 2013.

TAMIS, Priscila. Saúde e Subjetividade na mobilidade urbana – experiência cartográfica de uma cida-de (im)possível. Coleção Psicologia Política. Curitiba: Editora Prismas, 2016.

Palavras-chave:

Políticas de escrita, resistência, cartografia, saúde, subjetividade

Referencias bibliográficas

corrupção do presente são atos de guerrilha e amo-rosidade (por que não?) que a partir da escrita e convivência tem se afirmado na universidade que atuo e milito. Na necessidade de reencantamento por dentro o que há são interlocuções que nos em-basam e que se impõem à medida que os aconteci-mentos surgem e novas estratégias de resistência são forjadas no sentido de embate às forças de des-truição. Nossas escolhas imprimem estilísticas e

éticas com o outro: nossas narratividades não es-tão desarticuladas das políticas em jogo – políticas de saúde, políticas de pesquisa, políticas de subje-tividades (Tamis, 2016). Este é um trabalho em início e em curso, propondo conexão e dialogicida-des quanto aos corpos e pesquisas que produzi-mos para o enfrentamento do presente. Toda produção de conhecimentos está imbuída de uma postura que nos implica politicamente.