glÓrias e martÍ- rios da coloniza- Çao portuguesa

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PELOIMPÉR10 No53 I GLÓRIASE MARTÍ- RIOSDACOLONIZA- ÇAOPORTUGUESA elo GENERAL FERREIRA MARTINS L ISB 0A ~ 19 .3 9

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P E L O I M P É R 1 0

N o 53

I

GLÓRIAS E MARTÍ-RIOS DA COLONIZA-ÇAO PORTUGUESA

elo GENERAL FERREIRA MARTINS

L I S B 0 A

~

1 9 .3 9

GLÓRIAS E MARTÍRIOSDA

COLONIZAÇÃO PORTUGUESA

REPÚBLICA PORTUGUESAMIN{STÉRIO DAS COLÓNIAS

...

,COLECÇÃO PELO IMPERIO

N .Q 53

I

ÍGLORIASE MARTRIOS

DA

COLONIZAÇÃO PORTUGUESA

pelo General FERREIRA MARTINS

DIVISÃO DE PUBLICAÇOES E BIBLIOTECAAGÊNCIA GERAL DAS COLÚNIAS

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GLÓRIAS E MARTÍRIOSDA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA

De entre as actuais colónias portu guesas, numas aocupação foi, pode dizer-se, fácil e pacífica, noutras,pelo contrário, foi morosa e só conse guida pela farra asubmissão dos indígenas que as habitavam e habitam .

No primeiro grupo, porém, apenas podem incluir-se oarquipélago de Cabo Verde, as ilhas de S . Tomé e Prín-cipe e, .no oriente, Macau, se bem que nesta última, umaou outra vez tenha intervindo a farra armada .

As dez ilhas que constituem o arquipélago cabover-diano - as «ilhas crioulas » que Augusto Casimiro nosdescreve num recente opúsculo, com o brilho empol ganteda sua pena de poeta - estavam, por assim dizer, desha-bitadas quando António de Nola as descobriu nos meadosdo século XV .

Não foi, por isso, difícil implantar nelas a soberaniaportuguesa, que a população, negra e mestiça, acata comrespeito e subordinação, esperando pacientemente que lhes

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melhorem as condições de vida, tantas vezes prejudicadaspela fome, em períodos de seca, infelizmente freqüentes .

. Também não foi tormentosa a ocupação das ilhas deS. Tomé e Príncipe, descobertas por João de Santaréme Pedro de Escobar, já depois de falecido o Infante deSagres, o eminente impulsor das nossas aventuras marí-timas .

Aí a população indígena, insuficiente para a completaexploração a grícola que constitue a principal ri queza dasilhas (o que obriga a ir buscar braços à colónia vizinha,de Angola), habituou-se a colaborar pacificamente comos roceiros na valorização das riquezas naturais da fa-mosa colónia, considerada por estrangeiros como a «pé-rola da colonização universal» .

Quanto à colónia oriental de Macau, se bem que nosfosse cedida pela China (em meados do século XVI),como recompensa dos servi ços prestados pelos portu gue-ses na perse guição dos piratas que então infestavam osmares chineses, nunca essa na ção quis reconhecer com-pletamente os nossos direitos de soberania . Assim, é prin-cipalmente no campo diplomático que se têm travado aslutas entre os dois países, para a garantia plena da nossajurisdição, que a população chinesa da colónia, aliás,aceita hoje sem relutância que nos obrigue a recorrer ameios violentos .

De entre os portugueses que, na colónia, mais se dis-tinguiram pela sua ac ção diplomática, no comêço do sé-culo XIX, justo é mencionar o nome do Dr. Miguel de

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Arriaga Brun da Silveira, da família do Dr. Manuel deArriaga, de veneranda memória .

Da sua acção governativa, inteli gente e enérgica, re-sultou não só a severa li ção dada aos mais perigosospiratas, como a salvação da nossa colónia da ruína queentão a ameaçava, o que lhe valeu o cognome de «Pom-bal de Macau», a que juntou as honras de mandarim,raramente concedidas a estran geiros e que lhe foram con-feridas pelo soberano do Celeste Império .

Digno continuador da sua obra patriótica foi o gover-nador Ferreira do Amaral, cuja acção enérgica durante ostrês anos do seu govêrno, de 1846 a 1849, asse gurou aPortugal a posse incontestável de Macau .

Trucidado às mãos dos chineses, Ferreira do Amaralcujo nome soa aos ouvidos dos portugueses como per-

tencente a mais dum compatriota que às colónias deramo melhor do seu esforço - foi um dos sacrificados daPátria na ocupação colonial do século XIX .

E o nome do bravo tenente Vicente de Mes quita, oherói de Passaleão, salvador de Macau, simboliza por sisó o nosso esfôrço militar de ocupação da nossa pequenacolónia, encravada na costa do grande império chinês .

Ta Tndia Portuguesa, onde se notabilizaram, além dogrande Afonso de Albuquerque e do heróico Duarte Pa-checo Pereira, os vice-reis D . Francisco de Almeida,D. . João de Castro, D . Luiz de Ataíde, os Condes daEriceira e da Ega, o marquês de Távora e tantos outros,nas lutas travadas durante mais de dois séculos, após aconquista de Goa (1510), contra mouros e holandeses,

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tivemos de lutar, ainda no século XIX contra as suces-sivas revoltas de Satari, que em 1895 obrigaram o, go-vêrno da metrópole a enviar ali uma expedi ção militarcomandada pelo Infante D. Afonso irmão do rei D . Car-los, expedição que sufocou a revolta, mantendo-se a coló-nia em paz por largos anos .

Foi só em IgI2 que nova revolta dos ranes obrigoua intervirem severamente as nossas armas, interven çãoque até hoje não voltou a ser necessária .

Damão e Diu, depois dos notáveis cercos dos séculos .XVI e XVII que imortalizaram os nomes de D. Cons-tantino de Bragança, de D . João de Castro e D . Joãode Mascarenhas, de Rui Freire de Andrade e do bravoFernão de Miranda que em combate singular venceu ovaloroso comandante das fôrças do Grão-Mo gol, o MirzaKhan, pode dizer-se que não voltaram a dar que fazeraos governadores portugueses da colónia, sob o pontode vista da sua ocupa ção.

Não deve passar sem re gisto especial o facto de tersido na India que come çaram a revelar-se as virtudesmilitares do grande

'soldado que foi Gomes da Costa,

cuja carreira militar se notabilizou depois em Mo çam-bique, onde foi companheiro de armas dilecto de Mou-sinho de Albuquerque, nas suas campanhas de ocupaçãoda grande colónia, mais tarde em An gola e depois emFrança, onde comandou a Divisão do Corpo Expedicio-nario Português que se bateu em La Lys, na GrandeGuerra, sendo-lhe por último conferido pelo govêrno obastão de marechal, em recompensa da sua ac ção, comocondutor de homens, na revolu ção político-militar de 1926 .

Se da India passarmos à Insulíndia, onde se encontraa nossa colónia de Timor, veremos que a ocupação daparte da ilha «verde e vermelha» que nos cabe, em com-participação com os holandeses que ocupam a parte res-tante, ainda em época relativamente recente custou avida a muitos portugueses, vítimas da insubmissão dosindígenas.

Foi nos últimos anos do século XIX, época fértil emacontecimentos notáveis da nossa história colonial con-temporânea, que Timor foi teatro duma rebelião, queem Setembro de 1895 teve como facto mais lancinante,a traição e a chacina de que foram vítimas o capitãoEduardo Inácio da Câmara e grande parte dos soldadosque comandava.

0 castigo dêsse acto de ferocidade selvática, foi infli-gido aos rebeldes no ano imediato, numa série de com-bates vitoriosos para as nossas armas .

E um nome ficou para sempre gravado nas páginasda história de Timor : o do governador Celestino da Silva,bravo oficial de cavalaria, a quem aquela colónia ficoudevendo a tranqüilidade que desde então tem gorado,pode dizer-se, ininterruptamente, e que poderia ter-lhepermitido desenvolver-se como colónia tropical a grícola,à semelhança de S . Tomé e Príncipe, se, como esta, dis-pusesse de mais fáceis ligações marítimas com a Europaae, em especial, com a metrópole portu guesa .

Mas, se queremos encontrar na época contemporâneaum manancial mais fecundo de actos de abnegação e desacrifício, se queremos apontar, numa lista mais extensa,exemplos notáveis de cora gem, de bravura e de patrio-

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tismo, temos de ir procurá-los na história da ocupaçãodas nossas três maiores colónias africanas : a ,Guiné, An-gola e Moçambique.

A ocupa ção da Guiné Portuguesa é principalmentecaracterizada pelo longo martirológio a que, durante sé-culos, deu lugar .

Habitada por numerosos povos, de variadas ra ças,muitas das quais tão aguerridas quanto sangüinárias, aGuiné, em todos os tempos, desde que há cêrca de Sooanos o seu descobridor Nuno Tristão e seus companhei-ros foram as primeiras vítimas da ferocidade cafreal, foiteatro das mais sangrentas lutas e das mais selváticaschacinas .

Primitivamente subordinada ao Govêrno de Cabo--Verde, a Guiné teve como garantia da nossa ocupaçãoos degredados e facínoras da pior espécie que os gover-nadores daquela colónia para ali mandavam, interessan-do-se pouco pelas conseqüências que eram, aliás, fáceisde prevêr .

Essa nefasta subordinação manteve-se ainda depoisda revolu ção liberal de 182o, embora esta «abrisse umaera nova para os domínios coloniais», como justamentereconhece um dos mais recentes governadores da Gui,né (I) . E apesar de aumentada, desde então, a guarniçãomilitar e de melhoradas as condições de defesa da coló-nia, não só tivemos de continuar a lutar contra sucessivas

(:i) Coronel Leite de Magalhães -A Guiné através da HistóriaCadernos Coloniais -N.O 24-

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sublevações, corno ainda tivemos de bater-nos contra acobiça de estranhos, notabilizando-se na resistência àsvárias tentativas de espolia ção o negro nativo HonórioBarreto, nome de patriota que a Guiné regista com or-gulho nas melhores páginas da sua história .

, Foi graças a essa resistência e justamente fundamen-tada nos sacrifícios feitos pelos portu gueses e na somade vidas por estes perdidas na Guiné, que a sentençaarbitral de 187o, proferida pelo presidente da RepúblicaNorte Americana, Ulysses Grant, fez cessar definitiva-mente as ambições da Inglaterra sôbre a nessa colóniasecular .

Mas a rebelião do gentio, em cuja repress~~o, além%.-#de Honório Barreto, já se tinham distinguido os gover-nadores Cabral Goodolfim (1825 ) e Francisco José Moa-cho (1828), continua quási sem cessar, vitimando nassuas guerras e chacinas, entre outros, o governador Ál-varo Teles Caldeira (1871), e o tenente Calisto dos San-tos e a fôrça do seu comando (5o h .) que he-róicamentese bateu com os feluesp(1878) .

Em 187g (18 de Março) é, finalmente, concedida àGuiné a,autonomia administrativa, libertando-se do ju gode Cabo verde e é nomeado primeiro governador danova Província ultramarina o tenente-coronel A gostinhoCoelho .

Não cessa, porém, a insurreição do gentio . Logo em188o, os fulas e futa-fulas atacam a pra ça de Buba, que oalferes Manuel Pedro dos Santos defende valentemente ;pouco depois, é o major Geraldo Vitor que sufoca uma

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revolta em que os beafadas chacinam um sargento e 4 sol-dados nossos .

As desordens sucedem-se e em 1886 é vítima dumrevés das nossas fôrças o capitão Caetano Filipe de Souza .

E foi em Maio dêste mesmo ano que se ratificou, comprejuízo nosso, a convenção de Paris relativa à delimi-tação de fronteiras com a Guiné Francesa .

Não descansam as nossas fôrças em sucessivas repres-sões de desordens mais ou menos graves, até que em1891 o gentio renova as suas investidas contra, a pra çade Bissau . E em lutas desiguais, onde predomina o nú-mero e a ferocidade dos indígenas, que a bravura dosnossos não consegue dominar, são vítimas do dever nu-merosos militares e civis portugueses, citando-se, entre osprimeiros, os nomes dos capitãis Carmo Azevedo e HeitorAzevedo, do tenente António Jorge de Lucena, do alfe-res José Moreira e, dos civis, o bravo Domingos Gomesde Araujo. E entre os que mereceram os maiores louvorese recompensas citam-se Zacarias Souza .,age e NogueiraFerrão, oficiais do exército, o corneteiro José de Freitas,o soldado Manuel Afonso e o marinheiro Elísio e aindaos civis Bernardino Monteiro, Pereira Barreto, CabralAvelino e Rodrigues Pereira, como dos que mais se dis-tinguiram pelos seus actos de valor e de abnegado sa-crifício .

Sucedem-se as lutas de ocupação de 189 :2 a 1899, sobos governos sucessivos do coronel Vasconcelos e Sã e dosoficiais de marinha Pedro In ócio de Gouveia e JudiceBicker, distínguindo-se nas operações entre outros os ofi-ciais do exército Souza Lage (já citado), Gra ça Falcão,

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António Caetano e Luiz Antônio, estes dois últimos mor-tos em combate em 1897'-

Prolongam-se as operações pelos anos de i goi a 1904com pouco êxito, até que se entra em 1907, sob o go-vêrno do i .> tenente oliveira Muzanty (há pouco fale-cido, almirante), num período de mais eficiente activi-dade militar, efectuando-se até i gog uma série de ope-rações profícuas para a ocupação da colónia, em quecolaboram com reconhecido valor, os capitães BotelhoMoniz e Ilídío Nazaré, os tenentes D. José de Serpa Pi-mentel e Coelho Montalvão, o 2.° tenente Casal Ribeiro,e que vitimam, entre muitos, o jóvern alferes vítor Du-que, no começo ainda da sua esperançosa carreira militar .

Com o advento da República em i gio, assume o go-verno da Guiné o i .° tenente Carlos Pereira que, compasmo dos indígenas, manda demolir a muralha de Bis-sau . Mas nem êste acto, significativo de destemôr e deconfiança, desanima o gentio rebelde . : a rebelião alas-tra principalmente na região sempre insubmissa do Oio .

então que surge na Guiné a figura heróica, que alificaria lendária, do capitão João Teixeira Pinto .

• êle quem, com uma diminuta força branca e unscentos de auxiliares indí genas do chefe Abdul Injai, con-segue, em junho de 1913, a total pacificação do Oio ;quem domina, em 1914, os territórios insubmissos deCacheu ; quem, logo em seguida, castiga os balantas que,em Fevereiro daquele ano trucidaram o alferes ManuelPedro dos Santos e a fôrça de polícia rural do 6euucomando .

ainda Teixeira Pinto quem, um ano depois, após,

um curto período de bem justificado repouso na metró-pole, pune severamente o gentio de Bissau que semprezombára, como o do Oio, da soberania portu guesa. Cus-tou-nos a punição, desta vez, 47 mortos e 202 feridos,entre os primeiros, o heróico artilheiro Ribeiro Moens quepreferiu morrer no seu posto «a esboçar sequer um gestode retirada que lhe salvaria a vida» (:,) .

justo é o prestígio de que gasa entre o gentio daGuiné o nome de Teixeira Pinto, a cuja ac ção incessante,infatigável e gloriosa deve Portugal a paz que hoje sevive na Guiné e a prosperidade que é, sua conseqüência .

2sse nome, «cantam-no apaixonadamente, os mandin-gas, como aos grandes heróis lendários, em seus cantaresfestivos, acompanhados . pelo, kora de sons harmoniosos,onde os frémitos dos combates se reproduzem com estra-nha semelhança, tiros de canhões, tropel de caval gadase descargas de fuzilaria» (I) .

Mas não terminára ainda a ocupação da Guiné Por-tuguesa .

Em 1:917 , é o arquipélago de Bíjagós que chama asnossas atenções, sendo ali estabelecidos, em oito mesesde operações militares comandadas pelo major Ivo Fer-reira, alguns postos militares a garantir a nossa ocupa ção.

E em igig , era o próprio Abdul in jai, o melhor e maisdedicado auxiliar de Teixeira Pinto, o bravo negro quese batera, como bom português, pela pacificação da coló-nia, quem se revoltava agora contra a autoridade por-tuguesa . Surprezas vulgares entre o gentio ! . . .

) Major Carvalho Vie2-as - A Guiné Portuguesa - 193 6 .

Submetido e prêso, morreu em Cabo Verde quandoia a caminho de Moçambique, para onde-era deportadocomo castigo do seu acto inacreditável de rebeldia ! Masa luta custára-nos a vida de um oficial, o alferes AlonsoFigueira e de nove soldados .

Finalmente, depois duma vida pacífica que permitiu,em seis anos, um maior desenvolvimento . da colónia, sobo govêrno de Velez Caroço, um único fóco de insubmissãoreaparece no gentio de Canhabaque (Bijagós) que obrigaa operações militares em 1926, forçosamente repetidas em1935 , sob o comando do major Carvalho Viegas, actual-mente governador. Custaram-nos elas 57 mortos e20I fe-ridos, contando-se entre aqueles um bravo sargento arti-lheiro, Correia, um filho do régulo Boram Jane e MamadúCanté, régulo da ilha de Bolama, que «foi, de entre oschefes indígenas, o mais útil cooperador das operações,como viria a ser, de certo, da ocupa ção da ilha batida» (I) .

É desde então que, pode dizer-se, a Guiné, pacificadae ocupada, prossegue no caminho da prosperidade quelhe permitem as suas riquezas naturais, cuja exploraçãosó na paz se pode desenvolver, explora ção prometedora,sobretudo na industria agrícola e pecuária, desde que seconsiga levar os indígenas a modernizar os seus proces-sos primitivos de cultura e de criação.

Passemos da Guiné, à maior e mais cobiçada dascolónias portuguesas : Angola .

É, tão longa a história da ocupação da nossa colónia

) Maior Carvalho Viegas - Loc . cit .

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da África ocidental, como extensa é a sua área, quinzevezes superior à do continente metropolitano .

Desde que, no século XV, ocupámos os reinos deJinga (Luanda), Benguela e Congo, procurámos logoefectivar essa ocupa ção pela construção de edifícios im-portantes e sólidas fortifica ções, prática que, aliás, se-guímos noutras colónias, como em Moçambique e naíndia, fazendo transportar da metrópole as necessáriascantarias aparelhadas . Assim nasceram, no Congo, a pri-meira igreja e a cidade de S . Salvador, assim- se cons-truiram as famosas fortifica ções de Massan gano e deS . Miguel (Luanda), a fortaleza de S . Filipe de Ben guela,em forno da qual se edificouu a cidade dêste nome, etc .

Ao mesmo tempo adoptaram-se medidas tendentes aestabilizar os imigrantes nas terras ocupadas . Mas pró-priamente a coloniza ção de Angola só começou, podedizer-se, nos meados do século XVIII, quando a coló-nia foi governada pelo ilustre D . Francisco Inocêncio deSouza Coutinho, «o primeiro que empreendeu civilizaraquela semi-bárbara possessão» ( :,) . E tão notável foi asua ac ção em oito anos e meio de govêrno que «eternoviverá em Angola o nome dêste bom governador, a quemo tempo e o dinheiro che gou para tudo ; fez tudo de novoe tudo fez bem feito» (:,) .

Altamente prejudicada foi, porém, a sua obra de go-vêrno, já porque lhe faltaram continuadores da mesmaenvergadura, já porque o desenvolvimento agrícola e in-

( i) Lopes de Lima - Ensaios sôbre a estatística das possessões por-tuguesas no Ultramar .

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dustrial da colónia, que Souza Coutinho larga e inteli-gentemente fomentára, era impedido pelo «negócio deescravos que rendia mais que qualquer outro» (1) .

A abolição da escravatura, em meados do século XIX,a que ficou ligado o nome venerando do eminente vis-conde de Sá da Bandeira, marca o final do primeiro pe-ríodo da nossa acção colonizadora em Angola .

o segundo período, que vem, pois, desde 1836 atéhoje, é o principalmente marcado pela acção militar deocupação da colónia .

Todavia deve assinalar-se a brilhante ac ção de Sal-vador Correia de Sá e Benevides, comandante da frotaque, já em 1648, libertara Luanda das mãos dos holan-deses, que anos antes se tinham apossado da fortalezae da cidade, obrigando-os a capitular e a abandonar estae as restantes povoações onde, ao longo da costa, setinham instalado .

E se é certo que, já em 1718, Manuel Simões, capi-tão-mor de Benguela, dominou uma subleva ção dos indí-genas e conseguiu assegurar ali o nosso domínio, e que,já em 1785, o tenente-coronel de engenharia Pinheiro Fur-tado e o capitão-tenente António valente conse guiramocupar a Ansa do, Negro, a que deram o nome de baíade Mossâmedes, o facto é que só a partir de 1839 se deumaior intensidade à ocupação militar do interior de Mos-sâmedes e da Huila e daí datam os primeiros estabeleci-mentos portugueses, com carácter de permanência, no sulda colónia .

(i) oliveira Martins -Brasil e Colónias Portuguesas .

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Depois de um longo período de indecisão, ocupa-se oHumbe em 1885, e persiste-se, desde então, em manter ealargar ali o nosso domínio e submeter os povos aguer-ridos, cuaihamas e cuamatos, principalmente, de alémCunene e do Cubango .

É nesse novo período que mais se distinguem nomesque ficaram na história de Angola, como os de Arturde Paiva e - Lourenço Padrel, aquele assegurando o nossodomínio na Cassinga e no Bie (18gi) onde vingou a mortedo insigne sertanejo Silva Porto, Padrel sufocando umarevolta dos muhun b es e passando o Cunene, entrandono ~Cuamao (1891) , sendo forçado 'a sustentar, peranteo numeroso gentio, uma heróica retirada .

Em 1888, por não ter sido posto em pratica o planode ocupação proposto em 1896 pelo governador de Mos-sámedes, João Gaivão, sujeita-se a ser .chacinado o pelo-tao de dragões do comando do desventurado Conde deAlmoster, chacina que, o prestigioso e audaz Artur dePaiva pouco depois castigava rudemente, mas à custade muitas vidas .Em Igo2 a revolta do Bailundo é sufocada pela acção

conjugada de duas colunas comandadas, uma por Mas-sano de Amorim, já experimentado em campanhas deÁfrica e de reconhecidas qualidades de comando e outrapelo capitão de cavalaria Teixeira Moutinho, ao tempogovernador de Benguela .

Na campanha do Bailundo ficaram célebres a energiae o esfôrço do comandante da artilharia, o denodadocapitão José Correia de Mendonça .

Em 1904, -nova tentativa de submissão do Cuamato,

dá lugar ao tristemente memorável massacre do Pembe,em que foram sacrificados numerosos oficiais e praças doexército e da marinha (cerca de 300 mortos) que faziamparte das forças expedicionárias do comando do capitãoJoão Maria de Aguiar, cuja vingança leva a cabo ointrépido Alves Roçadas nas campanhas sucessivas deigo5 a 1907, com Eduardo Marques como chefe do EstadoMaior. Teve essa luta de três anos o seu epilo go no Mufilo,onde ficou célebre a bela carga de cavalaria do galhardoMartins de Lima, e que valeu a Roçadas a sua promoçãoa tenente-coronel por distinção (1908), recompensa aindarara nesse tempo .

Foi também em 1907 que, na campanha dos Dembos,João de Almeida, seu comandante, adquiriu o nome colo-nial que lhe tem sido consagrado .

Em igog e 1910 asseguram-se os resultados da gloriosacampanha de Roçadas, consolidando-se a ocupação alémCunene, mercê ainda do esforço de João de Almeida,então governador da Huila, e dos seus dedicados cola-boradores .

Sob o impulso enérgico e a orientação inteligente deNorton . de Matos, ia-se procedendo à ocupaçao da colo-nia, cujo governo lhe estava confiado, quando em Agóstode 1914, surgiu a Grande Guerra na Europa .

Logo em Outubro seguinte, os dois incidentes de fron-'teira de Naulila e do Cuangar , vem provar que im-possivel será manter em Angola aquela neutralidade quea diplomacia nos aconselha, a despeito dos agravos quetais incidentes constituem à nossa soberania na colônia .

Se em Naulila coube a morte a três dos alemães que

imprudentemente desrespeitaram a autoridade portugue-sa, ali representada pelo alferes Sereno, bem vin gadosforam êsses mortos com a trai çoeira chacina praticada,quinze dias depois, por seus compatriotas, auxiliados porindígenas do ex-soba Anan ga, no posto fronteiriço doCuangar, onde ficaram juncando o sólo os cadáveres dostenentes Ferreira Durão e Sousa Machado, do sargentoAlmeida Cabral, de sete cabos e soldados europeus eonze indígenas e do negociante -No gueira Machado quecasualmente ali se achava .

o próprio alferes Sereno encontrava a morte em 18de Dezembro seguinte no combate de Naulila, onde igual-mente pereceram o capitão Homem Ribeiro, o alferes Al-ves e 66 pra ças das quais 54 europeias ; e além dos feri-dos, entre os quais cinco oficiais, houve 3 oficiais e 62praças que ficaram prisioneiros, nesse memorável com-bate em que as forças portuguesas do comando de AlvesRoçadas se bateram rudemente durante quatro horas,contra as fôr ças alemãs de Water e Franck que as ata-caram com violenta e persistente ener gia .

Ao General Pereira de Eça, nomeado comandante dasforças em opera ções, em substituição de Alves Roçadase a quem, ao mesmo tempo, foram conferidos os poderesde governador geral da colónia, car go deixado por Nor-ton de Matos, ia caber, em igiS , submeter o gentiorevoltado, reocupando o seu território e ocupar defini-tivamente o Cuanhama, onde, desde há muito, os ale-mães vinham fazendo, em seu proveito, uma propa gandaintensa entre os indígenas contra a soberania portu guesa .

Ainda no período preliminar das operações que, sob

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• comando daquele enérgico general, iam desenrolar-senesse novo ano, trava-se, em 29 de Maio, o combatede Tchipelongo, entre as fôrças comandadas pelo capi-tão-tenente de marinha Afonso de Cerqueira e o gentioque cercava e ameaçava a missão ali instalada, conse-guindo o pelotão de marinha e o pelotão landim, do desdi-toso 'tenente Humberto de Ataíde, prote ger a retirada dosmissionários e dos seus haveres, não sem que ficassem fe-ridos êsses dois oficiais, duas pra ças de marinha e quatrolandins .

De entre os vários reconhecimentos efectuados nêstemesmo período preliminar das operações, um, destinadoa estabelecer um itinerário de ligação entre os Cambos• o Mulondo, foi incumbido ao capitão Roby de MirandaPereira, oficial ás ordens do general. Dias depois recebiaêste a notícia de que o malogrado oficial fôra morto pelosindígenas do Quiteve, sofrendo assim a mesma sorte queseu irmão, o bravo Dobar da marinha, que onze anosantes, também no sul de An gola, fôra uma das vítimasda chacina do Pembe .

É, porém, nos combates da Môngua, de i8 a 2,o deAgôsto, que as fôrças do general Pereira de Eça têm desustentar a primeira maior luta com o gentio revoltado,luta que nos custou a morte de 36 portugueses, dos quaisquatro oficiais : o major Afonso Pala, o capitão JoãoFrancisco de Sousa, o tenente Passos e Sousa e o, alferesDamião Dias, e 57 feridos, em cu j o número se contam• primeiro e o terceiro dos oficiais citados, que faleceramem conseqüência dêsses ferimentos, poucos dias depois docombate .

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E com a ocupação da embala da N'giva, residência,abandonada e incendiada, do célebre Mandume, soba doCuanhama, terminavam em 5 de Setembro de- IgIS asoperações que nos deram, finalmente, posse definitiva doterritório insubmisso de além Cunéne e a pacificação dese-jada, e até hoje mantida, da nossa grande e cobiçada coló-nia da África ocidental .

Não menores sacrifícios nos exigiu a ocupação de .Moçambique, a grande colónia da outra costa, para ondeagora nos dirigimos a recordar sumàriamente a, sua bri-lhante história .

Na grande colónia da África oriental, muitas vezes su-perior, em área, a qualquer dos países do continenteeuropeu, exceptuada a Rússia, e possuidora do melhorde todos os portos africanos : Lourenço Marques - porisso mesmo cobiçada de estranhos -, nessa grande coló-nia, íamos dizendo, foi marcada inicialmente a nossaocupação pelas duas fortalezas de Sofala e de S . Sebas-tião, esta última soberbamente edificada na famosa ilhade Moçambique.

Dela foi feitor Duarte de Melo que pôde vê-la con-cluída em i5o8, um ano depois de começada, e antes demorrer, em Angoche, numa campanha contra os mourosque, durante quatro séculos, viriam a incomodar-nosnessa rica região da colónia .

Outras fortalezas de menor monta e várias feitoriasassinalaram as nossas duas zonas de influência bemacentuadas : ao norte, a de Mo çambique, ao sul, a deSofala .

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Por várias vezes foi assediada por mar, no comêeçodo século XVII a fortaleza de S . Sebastião, heróica-mente defendida por D. Estêvão de Ataíde, o estóicogovernador que preferiu ver arcabuzados friamente, pelosholandeses sitiantes, seis portugueses que dêstes eram pri-sioneiros, a consentir em trocá-los por três desertores docêrco, como lhe foi insistentemente proposto pelo comandoda esquadra inimiga.- «Os regimentos e usos da guerra proíbem entregar

homens nas condições daqueles - teria respondido D. Es-têvão de Atalde - . Apresentaram-se para adoptar a mi-nha religião -e servir o meu rei . Não me ficaria bem res-titui-los ao vosso braço que os mataria . Significaria omesmo que ser eú, o algoz deles» .

E êsses seis obscuros portugueses foram dos primei-ros sacrificados da nossa ocupa ção na África oriental 1

Primitivamente subordinada ao Estado da índia, sóem 1752 dêste se separou a administração de Moçambi-que, separa ção de que resultou nitidamente um maior pro-gresso da sua ocupação .

Foi 'Francisco de Melo e Castro o primeiro que a go-vernou nesse novo regime e que muito contribuiu paraaquêle assinalado pro gresso, seguindo-se-lhe João Pereirada Silva Barba e sucedendo a êste, em 1765, o notávelcapitão-general Baltazar Manuel Pereira do La go cujonome é ali, ainda hoje, lembrado e respeitado, como ohomem que, durante a sua longa permanência na Coló-nia, pôs ao serviço desta a sua actividade inteligente,a sua energia ponderada, tôdas as suas qualidades de orga-

nizador que em tôda a grande colónia se fizeram sentirnotavelmente .

Mas a sua acção e a'sua obra melhor foram aprecia-

das dos nativos do que dos seus contemporâneos da me-trópole que o caluniaram até à morte e ainda depois destalhe instauraram um processo que nunca se concluiu .

Assim pode dizer-se que Pereira do Lago foi também,moralmente, um sacrificado da ocupa ção de Moçambi-que, que tantos servi ços lhe ficou devendo .

Foi ainda nos fins do século XVIII, quando deixoude se fazer sentir a acção enér gica de Baltazar Pereirado Lago e se desvaneceu com o tempo a influência mo-ral do seu prestí gio, que começaram as sublevações dogentio de Moçambique contra a autoridade portu guesa.

Prolonga-se pelo século XIX a rebelião dos negros,agora conjugada com a indisciplina dos brancos, que asconvulsões políticas da metrópole fomentavam, na queleperíodo trágico da nossa história em que o-País se deba-teu na guerra peninsular e nas longas lutas fraternas quevieram a terminar com o triunfo definitivo . do regimeliberal .

A abolição da escravatura, em 18 36, também produ-ziu em Moçambique enorme reacção, natural da partedos que viviam dêsse lucrativo ne gócio ali radicado du-rante séculos .

Dêsse estado de indisciplina da colónia, resultaram asdificuldades que fizeram sossobrar os primeiros governa-dores, no novo regime, entre os quais ficaram notáveisos nomes de Carlos Oeynhausen, marquês de Aracaty edo brigadeiro de artilharia Joaquim Pereira Marinho,

que, com temperamentos diferentes, aquêle conciliador,êste severo, alguma coisa conseguiram no sentido de apa-ziguar e disciplinar a colónia nos curtos períodos em que,um e outro, a governaram .

Contra o estado de rebelião indígena que dominavaem todos os distritos da colónia no comê ço do segundoquartel do ~ século XIX, foram impotentes os esfor çosdos governadores portugueses, assinalados pelo sacrifíciode muitas vidas, em Moçambique (1830) , em Inhambane

(1834) onde o governador Soares e todos os moradoresque o acompanharam foram derrotados e mortos pelogentio rebelde, em Sofala (1835) e em Lourenço Marques(1834) onde o representante da autoridade portuguesa

A.

Dionísio Ribeiro foi achincalhado, maltratado e por fimassassinado pelos nativos, cuja audácia, sucessivamenteanimada pela fraqueza dos nossos meios de luta, alentouo poder do célebre Manicusse que chegou a estender-sede Lourenço Marques a Rios de Sena, avassalando ré-gulos com o maior desrespeito pela autoridade portu guesa.

E quando algum governador tentou reagir, foi emgeral mal sucedido se não sacrificado . Foi o que sucedeuao capitão António Manuel Pereira chaves, governadorde Inhambane que, em 1849, num ataque aos rebeldes,encontrou a morte, assim como um tenente e 12 dos sol-dados que, fazendo parte da fôr ça atacante, foram bar-baramente chacinados .

As nossas lutas com ~os indígenas juntavam-se as quetravávamos com os negreiros ou por via dêstes, que nãose conformavam com a abolição da escravatura .

Estas últimas tiveram o seu teatro principal na re giãode Angoche, o maior empório daquele bárbaro negócio .

Em -1858, pela morte de Manicusse, sucedeu-lhe seufilho Maueva i gualmente hostil aos portugueses, e tãoviolento para os próprios indígenas que estes se levan-taram contra êle, numa revolta lon ga e tremenda que opróprio Musila, irmão do novo régulo, capitaneou e ven-ceu, com o auxílio, que solicitou, de fôrças portuguesas,que o governador -de Louren ço Marques, Onofre de An-drade pôs ao serviço da sua causa, mediante condiçõesprèviamente assentes. Foi, porém, a própria gente do,Musila que depois quebrou a vassalagem por éste pres-tada a Portugal, obrigando-nos a esforços vários paradefrontar os seus ímpetos guerreiros, que o régulo não-pôde ou não quis dominar com a sua autoridade de chefecafreal .

Tiveram êsses esforços o seu período áureo em 1895 ,na famosa epopeia que ficou assinalada na História pelasnotáveis, ac ções militares de Marracuene, de Ma gul, deCoolela e de Chaimite, esta última a que imortalisou onome de Joaquim Mousinho de Albuquerque, pelo au-dacioso aprisionamento do Gungunhana, o potente régulovátua, sucessor de Musila .

Mas a submissão dos vátuas só veio a ser completae definitiva, após a fulminante campanha de Gaza que,em 1897, dirigida por Mousinho, terminou, em se guidaao combate de Macontene, pela morte do Ma guiguana,valente e prestigioso chefe de guerra do Gungunhana,que, fomentando e capitaneando a revolta dos anti gos

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súbditos deste régulo, tentara debalde vingar o ousadofeito de Chaimite .

Não era mais favorável aos portugueses, no começodo século XIX, a situação ao norte da colonia, onde oestado de rebelião dos indígenas no continente fronteiroã ilha de Moçambique e em volta da própria capital,se podia considerar permanente .

Assim, em 1830, quando o capitão-general Paulo deBrito fundou em terras de Fernão Veloso uma colóniaagrícola, o xeque de Quitangonha, considerando-se espo-liado, marchou em guerra contra o posto ali instaladoe fortificado e, apesar de batido na luta, não se julgouvencido por ter sido impossível aos portugueses perse-gui-lo e aniquila-lo .

E outras lutas se seguiram contra os salteadores doInfusse, contra os negreiros de Angoche e outros, atéque, depois do tratado de limites com a Alemanha, dei886, que 4,fixou a fronteira norte da colónia, quando nosdispunhamos a submeter o' pais dos namarrais, surgiuo desastroso incidente do ultimato británico, que veio porum compasso de espera no seguimento da nossa ocupação .

Foi só em 1897 que Mousinho, governador geral daprovíncia, empreendeu a campanha dos namarrais, ondea traição ia vitimando as suas tropas, logo de começo,quando a cilada em que caíram obrigou o seu bravocomandante a ordenar a famosa retirada da Mujenga queficou celebre na história colonial .

Naguema, Ibraimo, Mucuto-Muno, Calaputi, marca-ram as etapes sucessivas dessa campanha que Mousinhofoi forçado a interromper para acudir ao sul, em mea-

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dos de 1897, sem ter conseguido todo o proveito queesperava dessa penosa guerra de guerrilhas que caracte-riza as operações naquela região de densos matagais ede gentio mais ferozmente ardiloso do que nobrementeaguerrido .

Essa forçada interrupção da campanha do norte, por-ventura interpretada pelo gentio namarral como fraquezanossa, fê-lo recobrar o ânimo e reincidir na audaciosarebeldia, enquanto a infeliz exoneração de Mousinho, dogovêrno da colónia, em 1898, produzindo uma soluçãode continuidade na execução do seu plano de ocupação,demorava por lar gos anos -o castigo que seria urgenteinfligir-olhe .

Foi, de facto, só em igo6 que, sob o governo de Joãode Azevedo Coutinho, o activo e inteligente artilheiro Mas-sano de Amorim, governador do distrito de Moçambique,procurou de novo submeter a região dos namarrais .

. Encontrou a maior resistência nas populações da capi-tania-mor de Angoche, que só em . iç)io, pela acção enér-gica e bem conduzida de duas colunas de opera ções, umacomandada pelo próprio governador Massano de Amorim,outra pelo capitão-mór Dâmaso Mar ques, foram subme-tidas após oito renhidos combates com o gentio .

Entretanto, quer no norte quer no sul do distrito, aocupação ia-se efectivando pela instalação de postos mi-litares e pela abertura de estradas, que, ligando êssespostos entre si e com os anteriormente estabelecidos porMousinho, constituíam uma importante rêde de comuni-cações no interior do distrito .

Não teve, porém, seqüência imediata o plano de i go6

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que ficava incompleto por falta da necessária irradiaçãodaquelas comunicações, para os intervalos entre os postosmilitares, onde restavam ainda peri gosos focos de resis-tência que era indispensável destruir .

Coube essa missão complementar ao novo governadordo distrito de Mo çambique, o tenente-coronel de cavalariaJoão Gregório Duarte Ferreira e aos seus valiosos colabo-radores, entre os quais é justo destacar o bravo capitãoJosé Augusto Cunha, que em igi2 e 1913, promoveram odesarmamento dos indí genas, levaram a efeito a aberturade novas estradas e, por uma série de opera ções militaresbem sucedidas, conse guiram finalmente pacificar o dis-trito, secular valhacouto de salteadores e ne greiros .

A própria rebelião de Angoche, que parecia indo-mável, e em que se tinham celebrizado os xe ques Mussa--Quanto, Ussene Ibrahimo e Farela y, zombando da intre-pidez de João Bonifácio e de tantos outros portu guesesque tentaram submetê-los, essa mesma foi dominada defi-nitivamente, completando a submissão do distrito e per-mitindo que em 1921, fossem substituídos os comandosmilitares, daquele longo períodõ de ocupação, por dozecircunscrições civis que marcavam a pacífica organizaçãoadir-inistrativa do distrito de Mo çambique.

Não foi mais fácil a pacificação da Zambézia que,desde I84o e durante cêrca de quarenta anos, atravessouum período de guerra que pode dizer-se permanente.

Foi o célebre capitão-mór do sertão de Tete, CaetanoPereira, o Choutara, o primeiro revoltado na quela épocae que só "em 1843 se submeteu à fôrça armada.

Dez anos depois, sur gia em 1853 a audácia do mulato

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Inhaude, ~~, quem sucedeu seu filho António Vicente da'Cruz, o Borga, como capitão-mor de Tipoe e Massan-gano, que, revoltado também em 1866, fazia chacinartrai çoeiramente uma ,expedição militar portuguesa coman-dada pelo próprio governador Miguel de Gouveia .

Três sucessivas expedições foram igualmente impoten-tes contra o famoso Bonga que morreu impune na suaaringa de Massangano, em 1879, deixando um filho, oChatara, que lhe herdava as terras e o prestígio e manti-nha as tradições de rebeldia dos Borgas .

Em 1885 , a campanha feliz comandada pelo major decavalaria Gorjão de Moura auxiliado pelo capitão-mórManuel António de Sousa, contra os ré gulos rebeldes deRupire e de Massua, permitia a criação e ocupação dodistrito de Manica,, e produzia um tal efeito moral noBaruè e na Alta Zambézia que lícito era aproveitá-lo paratentar outra vez a submissão do novo Bonga .

Essa tentativa, levada' a efeito em 1887 pelo gover-nador geral da colónia, o notável oficial de marinhaAugusto de Castilho, teve pleno êxito militar, mas o per-dão concedido generosamente aos rebeldes que se apre-sentaram voluntàriamente, com excep ção do 'Chatara,inutilizou a vitória, manifestando-se de novo a rebeliãodo Motontora, irmão daquele e que o entregara algemadoàs nossas autoridades .

Nova, expedição, em 1888, fez o cêrco ao reduto doMotontora que, após uma tenacíssima resistência, se ren-deu, fugindo êle bastante ferido, e entrando as nossasfôrças na aringa, sobre cujas ruínas se construiu o ForteD. Amélia, assim denominado em homena gem ã . rainha,

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esposa do rei D . Carlos. A perseguição e o fuzilamentodos rebeldes, asse gurava desta vez a queda do prestígio ,da sinistra geração dos Bongas . .

Foi ainda na Zambézia que se notabilizou o bravo eilustre oficial de marinha João de Azevedo Coutinho,que em 1897 dirigiu a campanha contra o ambiciosoCambuemba que, na guerra contra os Bongas nos pres-tara excelentes serviços, e agora rebelde vencido, se refu-giou na Gorongosa ; em seguida (1898), comandou JoãoCoutinho a expedição que submeteu a Ma ganja da Costa ;e em igo?,, dirigiu a campanha do Baruè, conse guindosubmeter tôda a região e aprisionar os principais chefes,eñtre êles o filho do Cambuemba .

Nesta última campanha decisiva teve Azevedo Cou-tinho como subordinados antigos companheiros, do tempode Mousinho, como João Gaivão, Baptista Coelho, Ma-nuel Ferrão (Conde da Ponte) que foram seus dedicadose valiosos colaboradores na vitória alcançada, que «deí-tou por terra a fama duma região inexpu gnável e habi-tada por um povo

'cioso da sua independência» (1) .

Finalmente, o rebelde pataca que, nas margens doNiassa, se mantinha audacioso pela impunidade dos seuscrimes, onde avultava a chacina do tenente Valadim e dosseus companheiros (1888), foi castigado, em 1899, pelaexpedi ção comandada pelo major de infantaria Manuelde- Sousa Machado, que fez abrir estradas e construir o

1 Forte D. Carlos, a que a Companhia do Niassa fez ,jun-

(i) General Teixeira Botelho - História Militar e Política dos Por-tugueses em Moçambique .

3r

tar, no ano imediato o Forte D . Luiz Filipe e o pôstode Meluluca, como elementos de ocupação e demonstra-ção de soberania . A verdade, porém, é que o incorri gívelsultão, quando refeito dos danos que lhe causára,a cam-panha de 18 99, voltou a reincidir nas suas criminosasfaçanhas em tôda a região do lago Niassa,* provocandonovas reclamações dos ingleses vizinhos ; e só em igi2,o governador da Companhia, Dr. Mata Dias, organizouuma expedição que, não tendo conse guido aprisionar orégulo rebelde, que mais uma vez fugia, agora com pro-testos humildes de submissão, realizou, todavia, a ocupa-ção definitiva do território e obteve a obediência dosmais importantes régulos que se apresentaram a pegar pé .A marcar essa nova vitória ficou o Forte «Tenente Vala-dim», construído em Muemba próximo daa residência doMataca .

Dois anos depois surgia a Grande Guerra .Moçambique, colónia cobiçada que fazia objecto dum,

convênio anglo-alemão que, felizmente para nós, não che-gou a ser assinado pelas duas grandes potências, porqueaquêle súbito conflito as tornou ostensivamente adversa-rias, Moçambique não podia deixar de preocupar - comoAngola - o governo da República .

Uma expedição foi enviada., da metrópole, em refôrçoda sua guarnição, em Setembro de 1914, quando, já em24 de Agôsto, os alemães tinham atacado trai çoeiramente,pilhando e incendiando, o nosso posto fronteiriço de Ma-ziúa, onde perdeu a vida o seu modesto comandante,sargento Eduardo Rodrigues Costa .

Como era: natural, o facto produziu viva impressão

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entre os indígenas, prejudicial à nossa autoridade e quefoi agravada pela propa ganda subversiva feita pelos ale-mães, em igiS , nos territórios da Companhia do Niassa,a que pertencia aquêle pôsto, e se reflectiu nos aconteci-mentos subseqüentes, que constituiram a guerra que vie-mos a travar naquela colónia contra o inimi go europeue contra os próprios indígenas revoltados .

A primeira expedição, comandada pelo Coronel Mas-sano de Amorim, foi rendida, em 1815, por uma outrasob o comando do major Moura Mendes, inexperienteem guerras coloniais, ao contrário do seu antecessor quej á dera sobejas provas do seu valor militar em anteriorescampanhas de África .

Declarada a guerra pela Alemanha, em 9 de Marçode igi6, foram em seguida recebidas pela expediçãoMoura Mendes instru ções do govêrno da metrópole paraa «tomada imediata de Quion ga, devendo a expediçãopreparar-se desde logo para a invasão e ocupa ção dodistrito ao norte do Rovuma, de acôrdo com os in-gleses» (:1) .

1

A tomada de Quionga, justificada como satisfação mo-ral e reinvidicação de direitos pela recuperação dum ter-ritório que nos fôra usurpado em 1894, foi levada a efeito,sem resistência, em io de -Abril de ig16. Dela resultou,ser levada para a mar gem do baixo Rovuma a fronteiranorte da nossa colónia, como sempre tínhamos legitima-mente desejado e como nos veio a ser ratificado peloTratado de Versailles, em igig.

(i ) General Teixeira Botelho - Loc . cit,

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Deficientemente ocupado, quer em quantidade de pos-tos quer em qualidade de guarnições, o Rovuma não foipara nós a barreira favorável que poderia ser, e antesse prestou a repetidas investidas . dos alemães àqueles pos-tos, com êxito variável mas sempre incomodando e pre-judicando as nossas forças .

Em cumprimento das instruções do govêrno, foi ten-tada, em Maio, a travessia do rio, tentativa infrutífera,e que deu lugar ao infeliz combate de Namiran ga (oude Namaca) que mais depauperou as nossas fôr ças .

Nova expedi ção partiu em i gi6, sob o comando dogeneral Ferreira Gil, também novato em campanhas deÁfrica, onde nunca servira, nomeado em substitui ção doGeneral Garcia Rosado, de cuja competência técnica eexperiência colonial muito havia a esperar, mas que umincidente fortuito levou o govêrno, a dispensar da quelamissão, quando já pouco faltava para embarcar com asfôrças do seu comando .

1 1

Chegado a Palma., onde desembarcou, tratou o co-mandante Ferreira Gil de melhorar as condi ções dos pos-tos do Rovuma e, obedecendo às instru ções do govêrnocentral, preparou a passagem do rio que desta vez seefectivava em ig de Setembro de igi6, ficando as nossastropas além fronteira, em condições de cooperarem comos aliados .

Mais prudente teria sido, dadas as circunstâncias espe-ciais em que se encontravam as nossas fôrças, termo-nosmantido na defesa do Rovuma ; mas a veleidade de nosinternarmos em território inimi go, que obsecava o nossogovêrno e os próprios aliados sugeriam,'- pela boca do

4

general ^general :2)muts, seu comandante, para quem o nosso au-xílio poderia ser útil naquela altura em que as suas tropasse encontravam já bastante extenuadas - levou-nos à aci-dentada campanha de Nevala .

Nela perdeu a vida, entre outros, o malo grado e valo-roso major de artilharia Leopoldo Jor ge da Silva, semque da sua prestimosa acção e do seu abnegado sacrifíciotivesse resultado, infelizmente, qualquer acréscimo deprestígio e de glória para as nossas armas .

Esgotada pela violenta campanha de Nevala, a ex-pedição Ferreira Gil era rendida por uma outra reforçada,em 1917, e em 12 de Setembro assumia -o comando dasfôrças em operações o coronel de cavalaria Tomaz deSouza Rosa, em substituição daquele general que já muitoantes regressára à, metrópole por doença, tendo estadoentregue aquêle comando, no intervalo de janeiro a* Se-tembro, ao governador geral Álvaro de castro.

este último, aproveitando o ponto morto em que seencontravam as opera ções - neutralizada, por, assim di-zer, a fronteira portuguesa depois da retirada de Nevala(28 de Dezembro de igi6) - ocupou-se principalmente dareorganização das nossas forças . Viu-se, no entanto, abraços com a rebelião dos macondes que a bravura dedois oficiais presti giosos, Neutel de Abreu (o «Mahon»,na gíria indígena) e José Augusto cunha (já atrás citado)dominou, com as companhias de auxiliares que comanda-vam, pouco antes de assumir a direc ção das operações ocoronel Sousa Rosa .

Inexperiente, como o seu predecessor, no serviço colo-nial, Sousa Rosa dispunha de ener gia invulgar e de qua-

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lidades de comando que útilmente poderia aproveitarna conjuntura difícil em que ia encontrar-se na nova faseda campanha, caracterizada pela invasão do nosso terri-tório pelas tropas alemãs do General Von Lettow-Vorbeck .

Mas para nós, «já ná.o seria fácil evitar que erros edeficiências anteriores viessem a ter uma perniciosa in-fluência no prosse guimento das operações » (1) .

Com efeito, os combates sucessivos de Ne gomano,Serra Mecula e Nhamacurra, se demonstraram na resis-tência das nossas tropas o valor reconhecido do nossosoldado, nem por isso deixaram de ser as étapas gloriosasda ofensiva de vox Lettow .

Em Negomano perdeu a vida, entre outros portu gue-ses, o bravo major Teixeira Pinto, o herói da Guiné,que habituado a vencer preferia a morte à derrota . NaSeria Mecula se distinguiu mais uma vez o capitão Fran-cisco Curado «o Condestável do Rovuma», numa formi-dável resistência de quatro dias, em que pereceu o jóveme heróico tenente Viriato de Lacerda .

E o renhido combate de Nhamacurra (de i a 3 dejunho de 1918), onde foram numerosas as baixas do s

portugueses e ingleses, em mortos, feridos e prisioneiros,marcou o último esforço das nossas tropass sob o comandode Souza Rosa, que regressava à metrópole -em 7 de ju-lho de i gi8 .

Os alemães, tendo desviado em seguida as suas aten-ções para a Rodésia que invadiram nos prim eiros dias

(x) Do relatório da Comissão de in quérito, cujas conclusões se en-contram na Ordem do Exército, n .° 16 (2 .a série) de 1926 .

An /I

.50

de No -r,,-embro, eram ali surpreendidos, no dia 12, pelanotícia do armistício, que os forçava ,,a render-se semcondições, felizmente para nós portu gueses que assim ter-minávamos uma campanha desastrosa, sem que todaviaperdêssemos um palmo da nossa famosa colónia, antestendo ainda recuperado o território de Quionga, cujarestituição nos foi garantida pelo Tratado de Paz de ioi9 .

Angola e Moçambique, as duas jóias mais preciosasdo nosso vasto e secular património colonial, salvou-asa Grande Guerra de irem parar às mãos de estranhos .E o mapa que prematuramente' traduzira o belo sonhode expansão colonial da Alemanha, por demais confiadana sua fácil vitória, teve a mesma duração efémera e omesmo destino fatal do célebre mapa *côr de rosa, onde,cêrca de trinta anos antes, nós portugueses tínhamos tra-çado a ligação idealizada d> as duas grandes colónias, decosta a costa, através da África Central, ideal irrealizado,sonho brutalmente desfeito pela tirania do ultimato de189o e pelo desastroso modus vivendi que se lhe seguiu .

Fizeram-nos acalentar êsse sonho as travessias prodi-giosas dos nossos exploradores, nomeadamente SerpaPinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, os quemais recente e mais profundamente se tinham embre-nhado na selva' «de Angola à' Contra Costa» .

Pioneiros da nossa coloniza ção, como todos aquelesque sacrificaram a vida nas campanhas da ocupa çãocolonial e de que atrás ficam citados al guns nomes, tive-ram aqueles bravos exploradores, beneméritos da Pátria,os seus predecessores, desde o séculoulo XVII, mais ou me-nos felizes nas suas aventurosas emprezas, e porventura

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mais dignos ainda do nosso respeito, por serem, muitosdeles, pioneiros obscuros e porque não dispunham dosmeios de acção de que já puderam dispôr a queles explo-radores do século XIX .

Foi o bravo português Baltazar Rebêlo de Aragãotalvez o primeiro que, em 16o6, partindo de Angola,tentou a travessia que, infelizmente, não conseguiu levara cabo.

Realizou em 1798 a primeira expedição científica nosertão, atravessando de Tete a Cazembe (onde veio afalecer), o Dr. Francisco José de Lacerda e Almeida, o« grande branco» justamente venerado pelos indí genas.

Seguiu-se, no comê ço do século XIX a tentativa deFrancisco João Pinto, predecessor da travessia realizadapelos «pombeiros» (1), negociantes pretos, Pedro JoãoBaptista e Anastácio Francisco que em 18o2,-i:8I4 fizerama viagem de ida e regresso de Pungo Andongo a Tete .

Mais tarde, em 1831-32, realizava-se a expedição deCorreia Monteiro e Pedroso Gamito, da Zambézia aLuanda ; em 1843-47 a de J . Graça, de Luanda às nas-centes do Zambeze ; em 1852-56, a viagem de exploraçãocomercial do grande Silva Pôrto, de Angola ao Ibo .

Tôdas estas explorações portuguesas ficariam ignora-das do mundo, que se assombrou com as viagens serta-nejas, só realizadas em 184o-67 ., pelo missionário escos-sês Livingstone, a que foi dada a mais retumbante publi-cidade, quando é certo, ainda, que para o seu êxito con-tribuiu o auxilio prestado pelos portu gueses Silva Porto

(i) comerciantes que internavam no «pombe» (sertão) .

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no Bié e Costa Cardoso no Niassa, em re giões já dêlesbem conhecidas .

Fama mundial tiveram, contudo, as explora ções de,Capelo e vens e de Serpa Pinto, a cujos nomes glorio-sos podemos juntar com orgulho os de António MariaCardoso, Paiva de Andrade, Vítor Cordon e Henriquede Carvalho, glorificando assim, como bem o merecem,as memórias dêsses bravos pioneiros da civiliza ção e dacolonização portuguesa .

Na história secular da ocupação e da defesa do vastoe disperso domínio de Portugal de além-mar, que a tra-ços largos fica esboçada nas páginas que precedem, en-contram-se, a cada passo, episódios notáveis, páginas deepopeia, rasgos de bravura, actos heróicos de abne gaçãoe de sacrifício que nos despertam o orgulho, tragédias demartírio que nos enchem de emoção .

Respigando da história colonial contemporânea algunsdesses episódios, evocámo-los singelamente em artigos dejornal, glorificando os heróis, homena geando os mártires,apontando uns e. outros como exemplos de dedica ção pa-triótica que as gerações novas bem precisam conhecerpara melhor poderem imitar .

São esses artigos que vão aparecer compilados, em-complemento do breve bos quejo histórico com que, nestepequeno volume, pretendemos dar uma pálida ideia glo-bal do esfôrço militar português na coloniza ção do ultra-mar, que constitue a maior das glórias da Na ção e o maislegítimo orgulho da nossa Raça . ,

GENERAL FERREIRA, MARTINS

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guarnição, para a Porta do Cêrco, onde, da parte doConselho de Govêrno, transmitiu ao comandante da fôrçaque ali se encontrava ordem para marchar com esta atépróximo dos arrozais que circundavam o forte inimigoEntretanto, Mesquita instalava o seu obus em posição ade-quada e, carregando-o por suas mãos, fez disparar o pri-meio tiro, cujo projéctil logo caiu dentro do forte, ondese encontravam orca de 40o homens. Curta bastante eraa distância a que se encontrava do forte para que o bravooficial se apercebesse fàcümente da confusão que êsse tirocerteiro produzira na guarnição respectiva ; quebrara-s,euma roda do obus, impossibilitando-o de fazer fo go, eassim, Mesquita, sem hesitar, -pede vénia ao comandanteda fôrça para ir êle próprio assaltar o forte inimi go, con-vidando os homens que quizessem acompanhá-lo, queforam 20, além dos i6 da guarnição do obus inutilizado .

Com êsses 36 homens avançou em acelerado até seencontrarem desenfiados da artilharia do forte ; e, sob ofogo vivíssimo da fuzilaria, confiado na fortuna que pro-tege a audácia dos valentes, com êles escala a encostaescarpada da montanha e, dentro em pouco, apoderam-sedo forte donde os chinas iam já fugindo em debandada,levando às costas os mortos e feridos e abandonando 20

bocas de fogo, muitas espingardas, lanças e munições deguerra . 0 bravo 2 .<> tenente Mesquita faz encravar aspeças, entra no paiol, onde faz cárregar três barricas depólvora, e prepara um rastilho a que lança fogo a conve-niente distância, fora das muralhas do forte . Uma tre-menda detonação se fez ouvir, não só no local onde seencontrava a força portuguesa, ainda pasmada de tama-

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nha audácia, como na própria cidade, em cuja popula çãosucedeu, em breve, ao pânico causado pelo fra gor violentoda explosão a louca alegria provocada pela notícia davitória temeràriamente alcan çada .

Assim se salvara, em 25 de Agosto de 1849, a cidadeportuguesa de Macau, da invasão e da chacina que aameaçavam. As fôr ças que, ao anoitecer, recolhiam , àcidade, eram esperadas pela popula ção, a meio caminho,com manifestações de entusiasmo ; e Vicente de Mesquita,classificado por compatriotas e estran geiros como «bravosalvador de Macau» (a terra onde vira a luz em 1818), detodos recebia as maiores provas de aprêço e de gratidãopelo seu heróico feito . Promovido por distin ção ao postode i .o tenente, por decreto de 12 de janeiro de 18 5o, justarecompensa do Govêrn(T da Nação, Mesquita recebia umaespada de bainha e punho de prata, oferta dos ne gociantesde Lisboa que comerciavam com Macau, como justo pe-nhor de reconhecimento ao herói .

Mas . . . aos merecidos loiros da vitória seguiam-se embreve os espinhos da inveja, que 'êsse aprêço do seu actoglorioso produzia naqueles que tinham sido incapazes datemerária decisão que fizera a glória do tenente Mesquita .Fervilhou a intri ga, que encontrou campo feraz para sedesenvolver nas camarilhas do Govêrno . Foi vítima detroças, de acintes e de desconsiderações, que a tal pontosusceptibilizaram o seu brio e impressionaram o seu espí-rito que em breve se manifestou um certo desarranjo nassuas faculdades- mentais . Restabelecido, continuou a suacarreira militar, desempenhando com inteli gência e valoros cargos que lhe foram confiados, até que novo incidente,

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que, talvez com exa gero, muito o contrariou, voltou aperturbar-lhe as faculdades mentais tão grandemente queuma junta médica chegou a julgá-lo, em 1865 , incapaz doserviço activo . Atingiu, todavia, o posto de tenente-coro-nel em 1867 e só em Novembro de 1873 se reformou - noposto de coronel - em conseqüência dos seus padecimen-tos, mas, não obstante, ainda depois comandou por maisduma vez a fortaleza do Monte . Em junho de 1879 ogovernador Visconde de Paço de Arcos honrava o já velhoe sempre brioso oficial, convidando-o para fazer entregaduma bandeira ao corpo da guarda policial de Macau ;e êsse foi o, último acto público da sua vida militar, quemuito o envaideceu .

Minava-o entretanto uma série de des gostos de família ;por tal forma dolorosos para o seu pundonor de militar ede cidadão- que os seus nervos sofreram um desequilíbrioprofundo e, novamente, nas suas faculdades mentaiscomeçaram a manifestar-se, embora por períodos distan-ciados, violentas e assustadoras perturbações. Infelizmen-te, nem as solicita ções da família nem as próprias queixasdo venerando oficial conse guiram do governador, sucessordo Visconde de Paço de Arcos, nem de outras autoridadescivis ,e'eclesiásticas, quaisquer providências que evitassemum mal maior que a todo o momento se previa . E a tra-gédia fatal vinha a dar-se na noite de I9-2o de Março de188o, em que, num acesso de furiosa loucura, o infelizoficial matou a tiro e à coronhada a mulher e uma dasfilhas e feriu gravemente a outra filha e um filho . Apenasdeixou incólume o segundo filho, que muito estimava eque conseguiu acalmar-lhe um pouco, mas já tardiamente,

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a exaltação furiosa . Enquanto, porém, êsse rapaz saía decasa horrorizado a pedir socorro, receando novo acessode loucura do desventurado pai, éste procurava no süi-cídioo fim almejado do seu tormentoso sofrimento físico emoral.

Assim findou tragicamente a vida do heroi de Pas-saleão e salvador de Macau . E ainda depois da- mortelhe fizeram a injúria de negar-lhe as honras militaresdevidas ao seu posto e ao seu glorioso passado, e até osservi ços eclesiásticos lhe foram recusados pelo prelado,embora fôsse público e evidente que a tragédia do as-sassino e do suicida fôra- conseqüência lamentável dumacesso da loucura que de há muito o acometia por vezes .Nada todavia pôde obstar a que umas trezentas pessoasacompanhassem o feretro do ilustre e desventurado mili-tar à sua modesta sepultura, prestando assim a popula-ção honesta de Macau a homenagem de gratidão que bemmerecia a memória veneranda do salvador da colónia por-tuguesa do Extremo oriente .

Guerra aos Piratas1854

Encontrava-se no Mar da China, desde fins de 18 53ou principio de 1854, a corveta «D . João I», comandadapelo capitão de fragata Carlos Craveiro Lopes, «oficialilustrado e distinto, mais corajoso nas circunstâncias difí-ceis e arriscadas da vida marítima do que nas conver-sações arrogantes e ruidosas das câmaras e das praçasde armas, onde outros, durante a calma e o bom tempo,parecem estar no meio do vendaval» , como diz o seubiógrafo Sande Vasconcelos, que muito de perto o conhe-ceu, por ser ao tempo um dos dez guardas-marinhas quefaziam parte da guarnição da corveta .

«Valente e ousado como um cavaleiro de São Graalpartindo na sua barca para uma viagem longínqua» , dizainda o mesmo oficial, «verdadeiro homem do mar, Car-los Craveiro Lopes, grave, sério e afectuoso, os tra çosvaronis do seu rosto colorido pelas brisas do mar e osseus olhos que abrigavam os reflexos enérgicos e bon-

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dosos da sua alma, denotavam bem - o homem que viviaa bordo como chefe e como amigo. Como navegador êlese revelava 'na plenitude de toda a fôrça e energia dasua consciência profissional, quando no degrau do cata-vento a sua voz dominava a da tempestade . . . Espíritosubordinado, deferente e submisso às ordens racionais dosseus superiores, craveiro Lopes mantinha assim a bordouma ordem e uma disciplina, se não austeras, as neces-sárias, para conter a sua guarnição nos limites dos devereslegais , sem tolerância alguma pelas doutrinas subversivasque constituem no mar a principal ciência dos advo gadosda insubordinação e da desordem» .

Tal era, em retrato pintado na época por mão demestre, o comandante da corveta «D . João I» que, em14 de Maio de 1854, largava da rada de Macau com des-tino a Ning-Pó-Fu, na costa norte da China, com a missãoespinhosa . de «exigir das autoridades competentes umasatisfação oficial e mesmo uma indemnização pecuniária,compensadoras das depreda ções e exigências feitas aocomércio, português pelo célebre pirata Apak, que haviaatacado e pilhado diferentes lorchas de Macau» .

Após uma viagem trabalhosa, dificultada pelos recor-tes da costa e pelas irre gularidades do tempo, chegou acorveta a ig de junho à entrada do rio Yung (Yung--Kiang) e subindo-o com fatigantes, manobras, forçadaspelas trovoadas, a guaceiros e fortes correntes que lhe con-trariavam a navegação, fundeava finalmente em 22 diantede Ning-Pó, notável cidade chinesa, de gloriosas tradiçõesda nossa anti ga navegação e do nosso outrora poderosoImpério colonial .

Dum e doutro lado do rio achavam-se amarradas nu-merosas embarcações chinesas e, fundeada entre Nin g-Póe Compó, parte da esquadra chinesa comandada pelo pi-rata Apak e constituída por sete navios montando 32 peçasde artilharia «algumas das quais haviam pertencido àfragata portuguesa «D . Maria II», destruída em Macaupela explosão do seu paiol de pólvora» .

A nossa corveta montava apenas i8 bocas de fogo(caronadas de 32) . Não estava, porém, isolada : dezanovelorchas macaistas «pe quenas como calques, mas cora josascomo os galos bravos das campinas», estavam prontas adisparar as suas modestas pe ças em nosso auxilio, nocastigo que ansiosamente esperavam ver infligido ao pi-rata chinês, que era no mar o seu terror .

De 6 a 9 de julho tornaram-se mais que suspeitas asatitudes dos piratas, obrigando a corveta a uma vigilânciaconstante, ; até que, na manhã de 9, se desmascararam,começando as suas ameaças e insultos tão sensíveis «quedecerto não teriam sido tolerados, se o comandante da«D . João I» não pretendesse acentuar bem a justi ça dasua causa, no acto violento que projectava praticar na-quele pôrto estrangeiro e em face duma cidade de maisde Zoo . ooo habitantes ! »

Demais sabia o comandante Craveiro Lopes que se-riam infrutíferas as suas reclama ções passivas ; mas «bra-vo, instruído e prudente, não desejava entenebrecer a suaglória de bom marinheiro e bom militar numa aventuramenos pensada, em um jôgo extravagante e insensato devidas e interêsses profundos» .

Um ofício do cônsul in glês, recebido às nove horas

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do dia lo, fez reunir na corveta o conselho de oficiais,que deliberou fazer fogo sabre os piratas, se persistissemem desprezar as observa ções que lhes eram feitas contrao seu procedimento . Não tardou mais de duas horas a serposta em prática esta deliberação, por quanto, pelas iihoras, uma bala passou por entre os mastros da corveta,a qual içou logo a bandeira no tope da gata, sinal combi-nado para abertura de fogo dos navios portugueses .

Rompeu logo o fogo a corveta sabre os «tao-mans»do Apak e seguiram-lhe o exemplo as lorchas macaistas .«o espectáculo foi então surpreendente de cenas de pâ-nico, de confusão e actividade medrosa, na fu ga dospiratas abandonando os seus atao-mans», como se estives-sem a arder» - diz o narrador, testemunha presencial,lande Vasconcelos, de cuja interessante obra, «Paisagens,do Mar» ., tenho respigado as citações anteriores. «Nãoeram os sons tremendos dos tiros chineses que se ouviam!não eram as manobras de carregar e de apontar as peçasdos «tao-mans» -que se observavam ! não era aquela an-tiga audácia de ameaças e de insultos que se manifesta-vam do lado dos inimigos ! Eram, sim, as vozes dos pira-tas cruzando-se num sussurro imenso que se sentiam ! eraa faina geral do atracar e do saltar nas champanas que sevia! era, enfim, a cora gem do medo e o vigor dos fracosque altamente se revelavam na pressa enérgica com quealguns inimigos se lançavam ao rio, para mais brevementealcançarem a terra a nado! um verdadeiro redemoinho deciclone! Em pouco tempo - no espaço dum credo - os«tao-mans», até ali cheios do movimento, da actividadee da vida dos fortes, ficaram como seis pontões mudos,

calmos, paralisados pela ac ção sugestiva dos' vencedores'-!Então, da corveta e de tôdas as lorchas portuguesas lar-garamm as embarcações miúdas, com as suas guarniçõesconvenientemente armadas, apoderando-se dos «tao--mans» abandonados . Os despojos foram imensos em ar-mas, bolas de ópio, rouparias de seda ricamente bordadase cabaias de setim dum primoroso matiz ! ! A artilharia foiencravada e deitada ao rio e os «tao-mans», com as qui-lhas cortadas, metidos no fundo !

«Neste combate, que os marinheiros, na sua linguagempitoresca, denominaram das cabaias, Craveiro Lopes por-tou-se com- a maior coragem perante a imensa responsabi-lidade que assumiu, em um acto a que só faltou um bomcronista para ser considerado distinto e di gno de recom-pensa! 0 comandante da «D . João L contentou-se coma glória do feito, sem ambições egoístas, sem proveitosmateriais ! »

É, que o valoroso comandante Craveiro Lopes tinha,além das qualidades já apontadas, uma outra - ou talvezum defeito, se o leitor assim o entender - a sua excessivamodestia . « ele, não podia sofrer - escreve ainda o seupanegirista - nem as entidades ridículas que, julgando-segrandes astros, vivem dos brilhos da sua imaginaçãodoentia, nem os nulos majestosos que quanto mais fazemfalar de si mais contentes ficam» . E êsse horror ao rèclamolevava-o êle ao exa gero de ocultar os seus próprios actose os dos seus subordinados, por mais notáveis que fôssem,como foi, pelas suas conseqüências, o combate vitoriosode 'Níng-Pó, em que ficou aniquilada a fama do Apak,potentado entre os piratas da época, justamente temido

pela audácia dos roubos e dos ataques que de longa datavinha praticando no Mar da China .

Assim se explica que, percorrendo-se as Ordens daArmada da época, se não encontre a menor referência aocombate de Ning-Pó, em que teve acção notável a corveta«D. João I» e o. seu bravo,, quanto modesto, comandante .-Uma w*wv menção honrosa se encontra nessas Ordens,referente ao comandante Craveiro Lopes, no período doseu comando da «D. João L, que exerceu até 26 de Ja-neiro de 1857, data em que a'corveta desarmou .

Essa menção é expressa em portaria de 3o de Abrilde 1856, onde é transcrita uma ordem do governador daprovíncia de Macau, Solor e Timor, que manda louvar oscomandantes, oficiais e praças dos destacamentos quedesembarcaram da corveta «D. João L e da lorcha«Amazona», por ocasião «dos grandes e desastrosos incên-dios que em Macau tiveram lugar nos dias 4 e 5 de janeirodo mesmo ano» . Depois de louvar aqueles oficiais e pra-ças, «que se houveram de modo que faz honra à Marinhaa que pertencem», a Ordem acrescenta : «tendo, s . ex .' ogovernador muita satisfação em mencionar mais especial-mente o comportamento do comandante da corveta«D . João L que, apesar de estar gravemente doente,acudira com tôda a presteza, com iminente risco da suasaúde, aprestaras . ex.', o governador todo o serviçopossível» .

Ornamento ilustre duma bem conhecida família por-tuguesa, em que predominam os militares - ainda hojebrilhantemente representados por membros existentes devárias gerações, sem desprimor para os seus membros ci-

vis, entre os quais igualmente ainda hoje se destacamnotáveis elementos - o comandante Carlos Craveiro Lo-pes bem merece que no dia de hoje (io de Julho de 1936)- 82 .° aniversário do combate de Nin g-Pó - prestem ho-menagem à sua memória todos os profissionais das armas,do mar ou de terra, que apreciem como devem a difícilarte de comandar, que magistralmente cultivou o insignemarinheiro português .

0 Padrão do Zaire

1859

Do programa oficial da viagem do Chefe do Estado àsnossas colónias da África ocidental (1938) consta que oSenhor Presidente deporá no Padrão de Diogo Cão, emSanto António do Zaire, uma coroa de bronze, coroa delouros em homena gem k memória dos pioneiros portu-gueses de Angola (1482,-1938)» .

Ocorre-me a propósito um curioso episódio relatadonas «Narrativas Navais» do saudoso almirante e professorJoão Braz de oliveira, que não me parece inoportunoreproduzir aqui sumàriamente, por que estou certo, serádesconhecido da maioria dos leitores .

Foi em 1482 - era inscrita na legenda acima copiadaque Dingo Cão, tendo partido de Lisboa com a sua

pequena armada e tocando na Madeira e nas Canárias,contornou o cotovelo de África até à fortaleza de S . Jorgeda Mina, para daí cruzar o golfo da Guiné, e, seguindomais para o sul, veio a encontrar a zona de á guas bar-rentas e a forte corrente que, próxima da terra, lie denun-ciou a existência dum grande rio. Torneada a corrente,

entrou a armada no largo estuário, cujas margens eramhabitadas pelos negros do Mani-Congo . Estava. descobertoo rio Congo ou Zaire e Dlogo Cão fez er guer, perto da foz,na ponta da margem esquerda - ainda hoje chamadaPonta do Padrão -- uma alta coluna de pedra - o Pa-drão de S . Jorge - tendo em relêvo o brasão de armasdo reino e a cruz e afirmando numa dupla legenda, emlatim e português, que, «na era da criação do Mundo deseis mil 681, ano do nascimento de Nosso Senhor JesusCristo de mil quatrocentos e 82, o mui alto, mui excelentee poderoso príncipe El-Reí D . João segundo de Portugalmandou descobrir esta terra e pôr estes padrões por DiogoCão, escudeiro da sua casa» . Um outro padrão -de-Santo Agostinho - foi levantado na costa de Ben guela,até onde chegou dogo Cão na sua rota para o sul doCongo .

Poucos anos passados (1485?), Diogo Cão volta aoCongo e desta vez, ao passar pelo Zaire, sobe o rio atéàs primeiras cataratas de Yelala, cêrca de 16o quilómetrosda foz, e aí, numa rocha à beira do rio dos Peixes, deixagravada, ao lado duma cruz e do escudo das quinas, aseguinte inscrição «Aqui chegaram os navios do esclare-cido rei D . João o segundo de Portugal» e as assinaturasde dogo Cão, Pero Anes, Pero da Costa, .Avaro Pires,Pero Escobar, João de Santiago e ainda, com a indicaçãode mortos por doença (« + da doença»), os nomes deGonçalo Alves e dogo Pinheiro . ,

Resistiu até hoje às inclemências do tempo esta histó-rica inscrição de Yemala. Mas o Padrão de S . Jorge, oufôsse pela ac ção destruidora do tempo, pelas cheias do

rio caudaloso ou pela maldade dos homens, foi derrubado• em 1859, dêle restava apenas a base e um trôço do colu-nelo, restos escondidos no meio dum mata gal espêsso paraonde alguem os levara e onde jaziam, respeitados pelos«mussorongos» como «feiti ço de brancos, bom para ro garchuva» .

Foi em Setembro dêsse ano de 1859 que os marinhei-ros da corveta «Goa» foram encarregados de reconstruir• Padrão do Zaire, o que deu lugar ao episódio a quepretendo referir-me

Estavam, então, uns pedreiros e umas pra ças de mari-nhagem da corveta assentando sôbre o la gedo de doisdegraus um bloco de cantaria, quando em volta dêles sefoi aglomerando multidão de pretos, que, olhando des-confiados os brancos, discutiam entre si a obra dos artí-fices, a que atribuíamm propósitos de constru ção de forta-leza, que «mussorongo não consentia» . Debalde quiseram,• mestre da corveta, Jerónimo Duarte, e os marinheiros,convencer o gentio de que se tratava apenas de pôr outracoluna no sítio donde tinha desaparecido «a pedra velhalevada pela cheia» .

«Crescia, o motim e talvez em breve a desordem setravasse» -quando de súbito se ouviu o som mavioso dumaflauta, que pouco a pouco se aproximava e que, «quallira de Orfeo adormecendo as feras, teve o condão dedomar os mussoron gos» . Numa clareira do mangal asso-maram dois oficiais : eram o 2.' tenente Sori e o guarda--marinha Nunes de carvalho, seguidos pelo soba dalibata, e era o guarda-marinha o tocador da «flauta má-gica » . «E aqueles selvagens, prestes a cometerem um

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morticínio, prestaram atentos o ouvido àã ale gre melodia,quedaram-se escutando e, mostrando os dentes num risohediondo, contorcendo o corpo em momices e es gares,balanceando as armas marcando o ritmo gracioso, dei-xando os operáx-ios que cercavam, romperam numa car-reira doida para o lado dos -que vinham, e, aos saltos ecabriolas duma dança de selvagens, redopiavam, jubilo-sos, cada vez 'que mais altivos retiniam os trilos da flautafeiticeira» .

Pasmavam os marinheiros da rápida muta ção do ce-nário. 0 tenente, que num relance percebera tudo, dizia,sorrindo para o soba : «Boa gente é esta dos mussoron gos,de -quem o Maniputo é muito amigo » . E o soba, maisvencido pelo gôso dos presentes que lhe mandavam debordo, do que convencido da amizade do rei branco (oManiputo, na sua lín gua) acalmava algum menos domáveldos seus súbditos .

. Ao som da flauta voltou-se a bordo ao cair da noite .E a obra continuou nos dias seguintes, fazendo-se ouvira flauta sempre que se pressentiam rumores de discórdia,o que permitiu, em breve, ultimá-la tranqüilamente .

Em 13 de Setembro inaugurava-se solenemente o novopadrão e era o próprio gentio - «criança louca e incons-tante» - que compartilhava da festa e, no local, içavapor suas mãos a bandeira portu guesa, correspondendo embrados estrepitosos aos «vivas», er guidos pelo comandanteda corveta, a D. Pedro V, então Rei de Portugal .

E, pela última vez, a flauta mágica fez ouvir, juntoao Padrão do Zaire, os seus maviosos sons, encantadoresde mussorongos . . .

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Marinheiros em íerra1860

No conheço do ano de 186o, o assassínio do príncipenegro Nicolati Rossada, sobrinho do rei do Congo, pelogentio de Ambrizete, forneceu pretexto ao governadorde Angola para tentar infli gir justo castigo àquele gen-tio, que sempre se mostrara rebelde contra a autoridadeportuguesa .

Constituiam ao tempo a Esta ção Naval de An gola acorveta «Goa», o brigue «Pedro Nunes» e a escuna «CaboVerde», sob o comando superior do capitão de mar eguerra Carlos Craveiro Lopes, que comandava o briguee -a cuja notável figura de marinheiro já atrás me referi,a propósito da sua acção na guerra aos piratas da China .

esses três navios desembarcaram no Ambriz, em ide Março de 186o, 121 praças de marinha gem e 5 oficiais,que, sob o comando do 2.' tenente Marques da Silva,constituíram, com uma fôr ça de infantaria indígena, umapeça de artilharia e alguns auxiliares pretos, a pequena

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expedição militar que, na . manhã do dia seguinte, se pôsem marcha para o Ambrizete com o objectivo de punira rebelião do gentio .

Fatigante e tormentosa foi essa marcha, onde à opo-sição dos indígenas, que por vezes houve de se vencera ferro e fogo, se juntavam a sêde e o calor, como ini-migo não inferior aos tiros do gentio. Não obstante, man-teve-se a ordem e a disciplina da marcha, até que, pelas18,3o horas, quási ao anoitecer, chegou o destacamentoao Ambrizete e então cairam desfalecidos muitos dos queaté ali tinham rea gido com os nervos contra a fome, asêde e o cansaço de que eram agora bruscamente venci-dos .

o governador, que, com o seu estado maior, a cavalo,se tinha antecipado na che gada, discutia com um oficialinglês - comandante da marinhagem desembarcada daesquadra do cruzeiro, a pedido dos europeus, para lhesocupar as feitorias, segurando-lhes as vidas e os haveres

sabre a conveniência de pernoitar ali a fôr ça que che-gava, para no dia seguinte prosseguir nas operações .Era legitima a discussão, porque o Ambrizete, emboradentro da zona dos direitos reservados portugueses, nãoestava ainda «plenamente reconhecido como debaixo dajurisdição do reino » ; e as feitorias, receosas das repre-sálias do gentio, preferiam que a fôrça não acampassee desistisse de continuar a sua marcha ofensiva .

A fraqueza do governador, vencida por êste critériotímido dos feitores, levou-o a ordenar a retirada imediatapara o Ainbriz . E então, se a marcha efectuada duranteo dia tinha sido penosissima, calcule-se o que seria a

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nova marcha de retirada, iniciada quási sem descanso eperseguida pelos negros, com quem logo de princípio setrocaram tiros, para os manter a respeitável distância .Foi confiada à marinhagem a árdua missão da guardada retaguarda e dos flancos, que, de quando em quando,«varrendo com descar gas o terreno convizinho, dava al-gum ar à coluna para se não desordenar e caminharunida . Aqui se distinguiu o guarda-marinha CraveiroLopes, batendo-se bravamente à frent e dos seus intré-pidos marinheiros» , como escreveu o,-saudoso oficial demarinha e professor João Braz de oliveira, nas suasinteressantes «(Narrativas Navais» .

Carlos Henrique de Aguiar Craveiro Lopes , assimse chamava o guarda-marinha que aos 2o anos ali rece-bia o seu baptismo de fo go - se já manifestava (coraseu irmão Pedro, que também honrou como oficial a nossamarinha de guerra) as notáveis aptidões de militar e demarinheiro que distinguiram seu pai, o então comandantedo brigue «Pedro Nunes» , donde o filho desembarcara,dêle herdou também as qualidades de carácter e de inte-ligência, assim como a exa gerada modestia que caracte-rizou a vida austera dum e doutro .

Qúando mais tarde, já oficial, embarcou num navio,creio que como imediato, em viagem de guardas-mari-nhas, ficou sendo para êstes «o Pai Craveiro», epítetocarinhoso por que nunca mais deixou de ser conhe-cido pelos marinheiros da época . A sua lúcida e cultainteligência, predilectamente especializada nos estudosmatemáticos, que o apaixonavam - e de que dei-xou -alguns interessantes trabalhos inéditos - e a sua

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amizade com o sábio marinheiro e astrónomo CamposRodrigues, de quem foi discípulo dilecto, levaram-no de-pois a servir no observatório Meteorológico de Lisboa,para cujo desenvolvimento contribuiu com valiosos tra-balhos práticos de sua autoria, e oñde se manteve porlargos aros, respeitado pelo seu saber e querido pela na-tural afabilidade do seu trato, até acabar, em 1904, Oosdias da sua modesta e apagada existência .

Foi, pois, sob o comando dêsse então jovem guarda-marinha que os marinheiros, garantindo a retaguarda eos flancos da coluna de marcha, permitiram que estaalcançasse o rio Loge, onde o guarda-marinha Vilar doPinho a aguardava com os meios necessários para a -pas-sagem do rio, que libertou finalmente da perseguição doinimigo os bravos marinheiros desembarcados,

Os marinheiros em terra cumpriram mais uma vez oseu dever e não foi sua a culpa se a retirada, a que osforçou a pusilanimidade do governador, deu maior alentoà rebeldia do gentio do Ambrizete, que êles iam dispostosa castigar severamente .

Passaram-se precisamente 42 anos . Pela mesma época-(Fevereiro-Março) de igo2, uma nova expedição militar,organizada na colónia, pelo então governador Cabral Mon-cada, foi lançada contra o mesmo gentio, a instâncias docomércio europeu, que se queixava ainda de ser constan-temente contrariado e perseguido pelos indígenas inSU7bmíssos do AmbrÍLzete. Foi essa expedi ção que prendeu océlebre chefe «Boca de Rei» e arrazou dezenas de povoa-ções indígenas, infligindo assim ao gentio rebelde o j ustocastigo que em i86o não fera levado a cabo .

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Enquanto assim, no limiar do século XX — e só entãose conseguia proteger, de facto, o comércio europeu,

lícito e honesto, naquela região da riquíssima colónia deÁfrica ocidental, na outra costa, pela mesma época, cas-tigavam-se os negreiros de Angoche, que se obstinavamem praticar o seu comércio ilícito, contrariando as leisportuguesas e as ordens terminantes do Govêrno local . Efoi ainda um marinheiro quem comandou a fôrça, consti-tuída na sua maior parte por marinheiros desembarcadosdo «S . Rafael» e da «Chaimite», que se defrontou brava-mente, nas margens do rio Naburi, contra os indígenas,que ocupavam posições or ganizadas com trincheiras eabrigos que a artilharia de desembarque bateu de flanco ;destruiu grandes povoações negreiras, queimou uns pan-gaios e aprisionou outros, alguns armados de artilharia, ecapturou em Simouco, em g de Mar ço de igo2, váriostraficantes da escravatura, que o «S . Rafael» transportoupara Moçambique, comprometendo-se os régulos da re-gião, que prestaram vassalagem, a apresentar os ne greirosque conseguiram fugir .

esse marinheiro foi o bravo tenente João Belo, que láno tempo de Mousinho se distin guira em Moçambique,colónia onde permaneceu por largos anos, vindo a morrerprematuramente em Lisboa, em 1928, quando já os seusméritos o tinham elevado ao alto cargo de ministro dasColónias, na situa ção política vi gente .

Em terra como no mar, os marinheiros portu guesesdignificam sempre a sua antiga divisa : «A Pátria honraique a Pátria vos contempla» .

FIAI DO PRIMEIRO VOLU31E

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INDICE DO 1 .' VOLUME

Glórias e martírios da

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O Heroi de Passalcão-- 1849

G~x = oíratas-- 1054000****

8 Padrão do Zaíre -- 1:059

MWWHs m Terra --18óm

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Éste livro realizado pela Edito-rial Ática, Limitada, Rua dasChagas, 23 a 27 , Lisboa,foi composto e impresso duran-te o mês de julho de 1939-