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Capa Virginia Fontes

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Page 1: Ed. 150 - Revista Caros Amigos
Page 2: Ed. 150 - Revista Caros Amigos

ano XIII número 150 setembro 2009R$ 9,90

ano XIII ano XIII ano número 150 número 150 número setembro 2009setembro 2009setembroR$ 9,90

Novo sítio: www.carosamigos.com.br

ENTREVISTA EXCLUSIVA

JOSÉ ARBEX JR. A OFENSIVA MILITAR IANQUE NA AMÉRICA LATINA

MARIA DA PENHA LEI REDUZIU VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

Virgínia Fontes

RENATO POMPEU O QUE ESTÁ POR TRÁS DA GRIPE SUÍNA

IMPOSTOSPOBRES PAGAM MAIS DO QUE OS RICOS

PRA QUÊ SENADO?CONHEÇA AS OPINIÕES DE MARCO AURÉLIO GARCIA • WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS • CHICO DE OLIVEIRA • JOSÉ DIRCEU • JOÃO PEDRO STEDILE • WALDEMAR ROSSI

ANA MIRANDA CESAR CARDOSO CLAUDIUS EMIR SADER EDUARDO SUPLICY FERRÉZ FIDEL CASTRO FREI BETTO GERSHON KNISPEL GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS GLAUCO MATTOSO GUILHERME SCALZILLI GUTO LACAZ HAMILTON OCTAVIO DE SOUZA JOÃO PEDRO STEDILE JOÃO ROBERTO RIPPER JOEL RUFINO DOS SANTOS JOSÉ ARBEX JR. LATUFF LÚCIA RODRIGUES MARCELO SALLES MARCOS BAGNO MARILENE FELINTO MC LEONARDO RENATO POMPEU TATIANA MERLINO

“A LUTA POPULAR HOJEDEVE SER ANTICAPITALISTA”

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7setembro 2009 caros amigos

A mídia de direita tem feito um enorme carnaval com a suposta cri-se do Senado Federal, as maracutaias do velho oligarca José Sarney, os eternos esquemas de corrupção e sobre as posições dos aliados dos senadores peemedebistas no interior do atual governo.

Como sempre ignora a análise mais cuidadosa do próprio desgaste ético da representação liberal-burguesa, que é importante instrumen-to de sustentação do sistema que privilegia o capital e expropria con-tinuamente os trabalhadores e o povo brasileiro.

A entrevista da historiadora e professora Virgínia Fontes, da Uni-versidade Federal Fluminense, para a revista Caros Amigos, procura suprir, em análise aprofundada, exatamente os aspectos mais canden-tes do jogo político e os interesses nem sempre revelados daqueles que lucram com o processo de concentração da riqueza.

Ouvimos também Marco Aurelio Garcia, Wanderley Guilherme dos Santos, Chico de Oliveira, José Dirceu, João Pedro Stedile e Waldemar Rossi, sobre essa crise parlamentar, quais são os interesses de fundo e o que fazer com o Senado Federal.

Outra reportagem mostra que a carga tributária no Brasil é mal dis-tribuída, recai sobre os trabalhadores e sobre o consumo, enquanto a propriedade e a riqueza são pouco taxadas. Estudos do IPEA revelam que os pobres pagam muito mais do que os ricos.

Além de inclur matérias sobre a ofensiva militar dos Estados Uni-dos na América Latina e sobre a gripe suína (origens e interesses), a revista apresenta um balanço de três anos de vigência da Lei Maria da Penha, em entrevista com a própria Maria da Penha, que, de vítima de brutal violência doméstica, transformou a sua luta pessoal numa refe-rência importante para todas as mulheres brasileiras.

Vale a pena conferir a visão diferenciada da Caros Amigos. Boa Leitura!

CAROS AMIGOS ANO XIII 150 SeteMbRO 2009

EDITORA CASA AMARELA ­Revistas­•­LivRos­•­seRviços­editoRiaisfundadoR:­séRgio­de­souza­(1934-2008)diRetoR­geRaL:­WagneR­nabuco­de­aRaújo

EDITOR: hamilton Octavio de souza EDITORa aDjunTa: Tatiana Merlino EDITOREs EsPECIaIs: josé arbex jr e Renato Pompeu EDITORa DE aRTE: Lucia Tavares assIsTEnTE DE aRTE: henrique Koblitz Essinger EDITOR DE FOTOGRaFIa: Walter Firmo REPÓRTER EsPECIaL: Marcos Zibordi REPÓRTEREs: Felipe Larsen, Fernando Lavieri e Lúcia Rodrigues EsTaGIÁRIa: Carolina Rossetti CORREsPOnDEnTEs: Marcelo salles (Rio de janeiro), Bosco Martins (Mato Grosso do sul), Maurício Macedo (Rio Grande do sul) e anelise sanchez (Roma) sECRETÁRIa Da REDaÇÃO: simone alves DIRETOR DE MaRKETInG: andré herrmann PuBLICIDaDE: Melissa Rigo CIRCuLaÇÃO: Pedro nabuco de araújo RELaÇõEs InsTITuCIOnaIs: Cecília Figueira de Mello aDMInIsTRaTIVO E FInanCEIRO: Ingrid hentschel, Elisângela santana COnTROLE E PROCEssOs: Wanderley alves LIVROs Casa aMaRELa: Clarice alvon síTIO: Lúcia Rodrigues aPOIO: Maura Carvalho, Douglas jerônimo e neidivaldo dos anjos aTEnDIMEnTO aO LEITOR: Lília Martins alves, Zélia Coelho assEssORIa juRíDICa: Marco Túlio Bottino, aton Fon Filho, juvelino strozake, Luis F. X. soares de Mello, Eduardo Gutierrez e susana Paim Figueiredo REPREsEnTanTE DE PuBLICIDaDE: BRasíLIa: joaquim Barroncas (61) 9972-0741.

jORnaLIsTa REsPOnsÁVEL: haMILTOn OCTaVIO DE sOuZa (MTB 11.242)DIRETOR GERaL: WaGnER naBuCO DE aRaújO

CaROs aMIGOs, ano XIII, nº 150, é uma publicação mensal da Editora Casa amarela Ltda. Registro nº 7372, no 8º Cartório de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de são Paulo, de acordo com a Lei de Imprensa. Distribuída com exclusividade no Brasil pela DInaP s/a - Distribuidora nacional de Publicações, são Paulo. IMPREssÃO: Bangraf

REDaÇÃO E aDMInIsTRaÇÃO: rua Paris, 856, CEP 01257-040, são Paulo, sP

04 Guto Lacaz.

06 Caros Leitores.

07 Marilene Felinto reafirma a declaração de voto com a devida justificativa.

08 José Arbex Jr. analisa a ofensiva militar dos EUA na América Latina.

10 Marcos Bagno Falar Brasileiro.

Mc Leonardo alerta sobre a ação das milícias nas favelas e no jogo eleitoral.

11 Ferréz comenta as loucuras da vida em São Paulo e no Brasil.

12 Entrevista com Virgínia Fontes A democracia e o capitalismo desenvolvido.

17 Tatiana Merlino A crise do Senado é mais velha do que o Sarney.

20 João Pedro Stedile aponta os danos pelo abandono da soberania nacional.

Gilberto Felisberto Vasconcellos relata as proezas do médico Silva Mello.

23 Hamilton Octavio de Souza Entrelinhas – A mídia como ela é.

Cesar Cardoso fala das trajetórias, sonhos e desilusões da vida.

26 Frei Betto O processo migratório tende a aumentar no mundo globocolonizado.

Fidel Castro chama a atenção para os riscos das bases militares na América do Sul.

28 Lúcia Rodrigues Estudo do IPEA mostra que os pobres pagam mais impostos.

32 Renato Pompeu analisa a origem e os interesses por trás da gripe suína.

33 Emir Sader compara o efeito da crise no México com o programa tucano.

34 Tatiana Merlino entrevista Maria da Penha sobre a lei que pune a violência.

36 Ensaio Fotográfico João Roberto Ripper As condições de vida no Brasil.

38 Glauco Mattoso Porca Miséria.

Eduardo Suplicy defende a licença de José Sarney da presidência do Senado.

39 Renato Pompeu e suas memórias de um jornalista não investigativo.

Ana Miranda lembra a sátira cotidiana de Gregório de Mattos, o Boca do Inferno.

40 Gershon Knispel analisa o seminário do Rio sobre a paz no Oriente Médio.

42 Joel Rufino dos Santos escreve sobre o legado dos grandes escritores russos.

Guilherme Scalzilli destaca a importância de São Paulo na sucessão presidencial.

44 Renato Pompeu Ideias de Botequim.

45 Claudius

sumárioFoto de capa JESUS cARLOS

As questões de fundo

Equipe da Caros Amigos entrevista Virginia Fontes.

JESUS cARLOS

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caros amigos setembro 2009 6

fale conosco

Maria Lúcia FattoreLLiSou leitor assíduo da revista desde 2003, e a

cada edição vocês me surpreendem ainda mais com ótimos artigos, reportagens e entrevistas. Adorei a entrevista com a auditora da Receita Federal Maria Lúcia Fattorelli (edição 148) so-bre a dívida pública, e logo em seguida o belo artigo de Ivan Valente sobre o mesmo tema. Fico a imaginar o quanto poderíamos investir em educação e cultura, saúde, segurança e re-forma agrária com tantos recursos sendo trans-feridos para o pagamento de uma dívida a qual, todos sabemos, é infinita. Parabéns a todos e todas que fazem com que esta seja a melhor re-vista do país. Adriano Fernandes, Maceió/AL

Bastante interessantes os comentários de Maria Lúcia Fattorelli, em sua entrevista conce-dida à Caros Amigos. A auditora da Receita Fe-deral faz revelações espantosas acerca dos pro-blemas enfrentados pelos países endividados. Oportunamente, esclarece informações distor-cidas com respeito à dívida externa do Brasil, e ratifica a necessidade da criação de CPIs como iniciativas relevantes para investigação da real situação do país ante seus credores internacio-nais. Parabéns! José Admir de Paula, Paracuru/CE

caros aMigosSou leitor assíduo da revista (aqui em casa nós

assinamos) e estou sempre espiando o conteúdo do sítio de vocês na internet. E uma das seções mais bacanas dele é, sem dúvida, aquela em que somos nós que enviamos o texto. Ela mostra que esta é uma publicação comprometida com os direi-tos a comunicação. Essa participação, entretanto, fica restrita à mídia eletrônica, pois na revista não existe tal espaço. Tenho certeza que muitos leitores iriam se animar a escrever se lhes fosse dedicado um espaço permanente e aberto em cada edição. A revista ganharia um aporte que sua competentís-sima equipe permanente não pode lhe dar: não há como saber o que se passa o tempo todo, em todo lugar, com todos os atores sociais. Dar voz a esses

últimos em primeira pessoa seria dinamizar ainda mais o conteúdo da publicação.Daniel Gomes de Sá, Rio de Janeiro/RJ

Não faz muito tempo comecei a ler a Caros Amigos. Adoro a revista. Sou “uspiana”, fiz le-tras, agora estou preparando meu projeto de mes-trado. Me deparei com a revista quando resolvi me engajar nas questões universitárias e daí, por extensão e coerência, passei a pensar nos pro-blemas sociais como um todo. Escrevo para di-zer que sou muito fã da revista e que ela tem um papel fundamental, já que vivemos envoltos em um manto de hipocrisia criado e alimentado, dia a dia, por uma rede que se forma quase de manei-ra invisível aos olhos da maioria. Enfim, um con-traponto necessário aos jornalões. Flávia Cristina.

Luiz MottGostaria de agradecer imensamente a publi-

cação da entrevista (edição 148) com o Luiz Mott, que tem tanto a dizer e a contribuir, mas tão pouca visibilidade. O caso é que a mídia “gorda”, de um lado é marionete da Igreja Cató-lica (e de sua face mais reveladora, a Opus Dei), e de outro, de evangélicos fanáticos. Assim, as agruras sofridas pelos homossexuais sempre serão apresentadas como “castigo de Deus”, quando não ignoradas totalmente, o que é co-mum. Há um projeto de lei que criminaliza a homofobia “mofando” no Senado por causa da hipocrisia dos grupos acima mencionados. Fabiano Melo Quirino, Maceió/ AL

Funk pra que te quero Ultimamente tenho acompanhado pela impren-

sa o debate acerca da revogação da lei sobre a rea-lização de bailes funk, de autoria do ex- deputado Álvaro Lins. O que mais tem me chamado a atenção é que tanto os favoráveis a lei quanto os que a cri-ticam dividem o funk entre o do bem e o do mal. O funk do bem seria aquele mais comercial, que nor-malmente se ouve nas rádios. O funk do mal seria o conhecido “proibidão”, que faz apologia ao tráfico de drogas ou à libertinagem. Particularmente acre-dito que ao se tratar da criminalização do funk não

há que se dividir o estilo musical entre bom e mau. O que está em pauta é a criminalização histórica e permanente da pobreza.Carlos Batista, subsecretário de Cultura e Turismo de Belford Roxo, Baixada Fluminense/RJ

Fundação casaSobre a reportagem publicada por Caros Ami-

gos em seu número 148, sob o título “Unidade misteriosa esconde Jovens Infratores”, há que se esclarecer o seguinte: Diferentemente do que inadvertidamente afirma Fernanda Lavarello, do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, a Fundação CASA não rompeu ou “quebrou” par-ceria com a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) para a implantação da Unidade Espe-cial de Saúde. O que ocorreu, na verdade, é que o convênio com a UNIFESP lamentavelmente não pôde prosperar porque a universidade não apre-sentou a documentação exigida pela legislação. Lucas Tavares/ Coordenador de Comunicação So-cial da Fundação CASA.

rauL seixasNa qualidade de advogados e representantes,

no Brasil, das herdeiras Simone Andrea Vannoy e Scarlet Vaquer Seixas, duas das três filhas e her-deiras do saudoso Raul Seixas, enviamos o presen-te pedido de resposta quanto à edição Caros Ami-gos Especial, número 48, publicada em agosto de 2009. Lamentamos o fato de nossas clientes não terem sido sequer ouvidas pela reportagem, princi-palmente em relação trecho no qual a herdeira Vi-vian Seixas menciona que “as herdeiras do legado de Raul Seixas têm deixado os advogados de lado, com quem não tiveram boas experiências”, o que de forma alguma corresponde à verdade.Flavia Vasconcelos (representante de Simone An-drea Vannoy) e Renato Pacca (representante de Scarlet Vaquer Seixas)

nota da redação

O trecho citado da reportagem “Herdeira man-tém vivo o legado do ‘Maluco Beleza’” reproduz declaração da entrevistada Vivian Seixas, na qual diz: “queremos deixar advogado de lado, porque não tivemos boas experiências”.

Caros leitores

Nov

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amig

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redação

Comentários sobre

o Conteúdo editorial, sugestões

e CrítiCas a matérias.

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7setembro 2009 caros amigos

Trabalhar por instinto de sobrevivência: “Vida inútil, que era melhor deixar, que é uma cela? Que importa? Todo o universo é uma cela, e o estar preso tem que ver com o tamanho da cela” (Fernan-do Pessoa). Trabalhar com a reputação um tanto en-xovalhada: um leitor manda uma mensagem se refe-rindo à parcialidade do texto que revela a intenção de voto em Dilma Rousseff (e no PT de Lula!), quiçá em Marina Silva (leitor equivocado – pois que eu não votaria em nenhuma pessoa beata, muito menos em uma da Assembléia de Deus, como Marina Silva). De novo revelo a intenção de voto (o que o leitor alega ser ruim para a revista!).

De novo me perguntam, num lugar onde se pre-enchia um formulário sobre a minha vida: “Profis-são?” Resposta: “Não sei...” Espanto. “Não sei direito, quer dizer, já fiz e faço tantas coisas diferentes...”. Es-panto. Tento ajudar: “Pode ser ‘diversas’? Quer dizer, pode escrever ‘diversas’ aí na ficha?”. Silêncio.

Sem paciência para responder formulários que esmiúcem a minha história, saí, larguei o sujeito falando sozinho, abestado pela minha decisão inco-mum. Minha vontade era de gargalhar (do leitor, do sujeito). Não tenho significados em comum com nin-guém. Não me interessa. Recusei o convite seguinte: de seguir alguém no “twitter” (e ser seguida). O que é “twitter”? Falaram ainda em “tuitar”, abrasileira-do assim. Tive preguiça de entender (só trabalho por instinto de sobrevivência – as novíssimas tecnologias vão se sobrepondo, uma após a outra, à minha falta de entusiasmo por elas, viram montanhas de coisas pelas quais meu interesse é zero).

Falaram, afinal, em “educomunicação”, que me caberia uma “atividade” na área da “educomunica-ção”, palavra que eu já conhecia e pela qual não nu-

tria nenhuma simpatia: primeiro, porque esta pala-vra não existe no dicionário, e eu resisto a palavras que não constem do dicionário (sou do cânone antigo para algumas coisas, por isso também não me con-vence nem desperta nada o palavreado tecnológico). Em segundo lugar, porque a palavra “educomunica-ção” me remete aos invencionismos vazios, à banali-dade dos trabalhos atuais. Em terceiro lugar, porque eu prefiro a educação para o silêncio.

Depois me explicaram o que era o “twit-ter”: uma ferramenta de Internet, através da qual se entra no sítio, se cria uma conta e se diz o que se está fazendo no momento, para várias pessoas irem acessando! De modo que a mensagem, e seus “upda-tes” (atualizações) sejam sempre seguidos por diver-sas pessoas, na lógica das redes. Desatualizada, de-sinteressada, recusei a atividade.

Ao leitor desavisado, respondi com palavras de outra pessoa, um texto que recebi e cai como uma luva para explicar meu voto em Dilma Rousseff para presidente da República e, principalmente, meu ódio ao PSDB de José Serra:

“O ex-presidente FHC e seu candidato, José Serra, fizeram governo aliado com o DEM (an-tigo PFL) de ACM, Ronaldo Caiado, Bornhausen etc. Com a compra de deputados acreanos, obtiveram a reeleição (...). Na política externa, aliaram-se com o que havia de pior no continente, como Fujimori, o di-tador Hugo Banzer, entre outros. Nas viagens inter-nacionais, FHC limitava-se a ir às Universidades de Lisboa ou Sorbonne, utilizando aquela ridícula ves-timenta de cátedra. (...) Deixaram o país sem luz (no apagão), com uma dívida externa galopante, taxas de desemprego nunca vistas e o dólar, que no início do real valia 1 real, chegou a valer 4. Isso sem con-

tar a venda a preços de banana das estatais do setor energético, siderúrgico, telefônico e da tentativa de vender a Petrobras. Também havia escândalos como o do Proer (doação de 23 bilhões do dinheiro públi-co para banqueiros). O desastre da política econômi-ca de FHC, Serra, Pedro Malan e outros fez com que o país deixasse de ser a oitava economia do mundo para ser a décima segunda. (...) O desastre de FHC e seu candidato Serra valeu a derrota do candidato go-vernista, este sim envolvido em denúncias da Máfia das Ambulâncias e da condução da licitação na ven-da de hemoderivados (escândalo dos sanguessugas), isso para um governo blindado pela mídia. Lula assu-miu um país destroçado como herança de FHC/Serra e criou mais de 10 milhões de empregos com cartei-ra assinada. Acabou com a dívida externa e mandou o FMI de volta para casa. Investiu na Petrobras e vários campos de petróleo foram descobertos. Retirou 20 milhões de famílias da miséria com o programa Bolsa Família bombardeado pela oposição. Por ter compra-do um novo avião presidencial (...), abriu os mercados da China e do Oriente Médio para os produtos brasi-leiros, o suficiente para fazer com que o país obtivesse milhões de dólares e passasse com certa tranqüilidade pela atual crise internacional e globalizada. Tudo isso, sob intenso bombardeio da mídia, aliada dos tucanos, no chamado mensalão. O país voltou a crescer, voltou a ser a oitava economia do mundo, a ponto de o presi-dente norte-americano dizer que Lula era o cara. Lula foi aplaudido de pé na conferência da ONU. Imagine se tivéssemos passado a crise sob a batuta de Serra e FHC. Estaríamos semelhantes à Somália.”(S.Z.)

Marilene Felinto

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Novo sítio: www.carosamigos.com.br

O que você está fazeNdo No momeNto

Marilene Felinto é [email protected]

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caros amigos setembro 2009 8

qual a relação entre o golpe desferido em 28 de junho, em Honduras, que depôs o presi-dente eleito Manuel Zelaya, e a disposição

do presidente colombiano Álvaro Uribe de permitir a instalação de três bases militares estadunidenses em seu país, anunciada com estardalhaço no início de agosto? Aparentemente, nenhuma.

Os golpistas que depuseram o presidente Ma-nuel Zelaya tinham seus interesses próprios: eles abortaram um processo de consulta popular sobre a eventual convocação de uma Assembléia Consti-tuinte, que, obviamente, colocaria em risco o mo-nopólio do poder exercido há três décadas pelos dois partidos das oligarquias: o Liberal (ao qual pertencem tanto Zelaya quanto os próprios gol-pistas) e o Nacional. Uribe, de sua parte, resolveu, soberanamente, abrir mão da soberania, e permitir a instalação das novas bases estadunidenses com o objetivo de reforçar o combate contra o narco-tráfico e as Farc, tendo como justificativa o recen-te fechamento da base militar dos Estados Unidos em Manta, no Equador, por determinação do pre-sidente Rafael Correa.

Conclusão: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, para utilizar um aforismo do filósofo máximo do neopetismo, José Genoíno. Essa versão seria até defensável, não fosse a intromissão de uma palavrinha mágica, que muda tudo: energia (petró-leo, biodiversidade, água, minérios etc.).

Honduras é rica em petróleo, como demons-tram prospecções feitas por uma empresa norue-guesa, contratada por Zelaya, que também resol-veu integrar o seu país ao grupo Petrocaribe e à Alba (Aliança Bolivariana das Américas), ambos criados pelo governo Chávez. Não bastasse isso – informa Frida Modak, ex-secretária de imprensa do governo Salvador Allende –, o projeto de Ze-laya, no caso de uma eventual nova Constituição, era estabelecer que os recursos naturais hondure-nhos não poderiam ser entregues a outros países. Isto é, Zelaya preparava-se para lançar a sua pró-pria versão da campanha “o petróleo é nosso”. E, por fim, a nova Constituição, segundo Zelaya, es-tabeleceria o fim do monopólio dos meios de co-municação, assegurando o direito à participação das comunidades (o que explica, aliás, o apoio dos “barões da mídia” local ao golpe).

Quem não viu esse filme antes? O programa de governo de Zelaya – não importam, aqui, suas mo-tivações – contraria os interesses dos grupos es-tadunidenses que já controlam uma parte subs-tantiva das reservas latinoamericanas. Seria muita ingenuidade – para dizer o mínimo – imaginar que

o golpe em Honduras foi articulado sem a partici-pação do grupo neoconservador incrustado no De-partamento de Estado dos Estados Unidos e por-ta-voz das empresas que exploram as reservas mundiais de petróleo e fontes de energia, o mes-mo grupo que articulou a invasão do Iraque, entre outras coisas. O próprio embaixador estadunidense em Honduras, Hugo Llores, foi nomeado pelo go-verno Bush-Cheney.

InfluêncIa regIonalHá, aqui, um interessantíssimo fator complica-

dor. O governo Barack Obama, desejoso de recupe-rar a influência estadunidense no hemisfério após o desastre Bush, multiplicou declarações segundo as quais acabaram-se os tempos em que os Esta-dos Unidos se julgavam no direito de ditar os ru-mos da América Latina. Como reflexo dos supostos “novos tempos”, a OEA suspendeu o veto histórico à participação de Cuba e a Casa Branca abriu no-vas possibilidades de diálogo com Havana. Para os republicanos e neoconservadores estadunidenses – e mesmo para uma parcela “ortodoxa” dos demo-cratas -, essas medidas equivalem a um inaceitável abandono da Doutrina Monroe (“a América para os americanos”), que, desde 1823, orienta a política externa dos Estados Unidos para a América Latina.

Esse quadro estabelece, no mínimo, uma tensão en-tre a retórica de Obama e a prática dos responsáveis pela política externa estadunidense.

Tensão semelhante foi criada em 1975 – observa o pesquisador estadunidense Greg Grandin –, quan-do, após o escândalo de Watergate e o fiasco do Vietnã, os arquitetos da política externa do gover-no Jimmy Carter declararam “obsoleta” a Doutri-na Monroe, considerada “inapropriada e irrelevante para as novas realidades e tendências futuras” por Sol Linowitz, então presidente da Comissão para as Relações Estados Unidos – América Latina. Foram os anos que deram impulso ao processo de “transi-ção” das ditaduras militares para as chamadas no-vas “democracias”. A reação não se fez esperar: veio na forma da eleição de Ronald Reagan e a tomada de assalto da Casa Branca pelos neoconservadores arquitetos do neoliberalismo (mantido e ampliado, de modo muito eficaz, nos anos 90, pelo democrata Bill Clinton). A série “Rambo”, não por acaso lan-çada por Hollywood logo após a posse de Reagan, reflete com exatidão o espírito da época.

A América Latina, em particular, foi objeto de ataque, já em 1980, por parte de um grupo de in-telectuais e políticos estadunidenses de ultradirei-ta, que lançou o Documento de Santa Fé (nome da cidade do Estado do Novo México onde o seu il

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José Arbex Jr.

os velhos uruburIbesatacam na nova América Latina

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primeiro encontro foi realizado), contendo diretri-zes que o presidente Ronald Reagan deveria ado-tar para as Américas. O centro do documento é, precisamente, a defesa da Doutrina Monroe. Fa-zia parte do grupo o historiador Lewis Tambs, de-pois indicado para o cargo de embaixador dos Es-tados Unidos na Colômbia, e criador, nos anos 80, da expressão “narcoterrorismo”, para caracterizar a atividade dos grupos guerrilheiros colombianos. Em 8 de abril de 1986, o então presidente Ronald Reagan previu, pela primeira vez, mediante a ado-ção de um decreto, a possibilidade de utilizar uni-dades militares de seu país contra narcotrafican-tes. Estes passaram a ser considerados “ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos”.

outra retórIcaEm 1988, o Documento de Santa Fé II – uma

estratégia para a América Latina na década de 1990 estabelecia claramente a suposta relação en-tre narcotráfico e subversão comunista: “As Amé-ricas ainda são objeto de ataque. Alertamos para esse perigo em 1980. O ataque se manifesta na subversão comunista, terrorismo e narcotráfico. A capacidade de luta das democracias latino-ame-ricanas para combater esses ataques foi solapada pela estagnação econômica de toda a região, agra-

vado pela dívida. (...) A rede comunista subversiva e terrorista se estende desde Chiapas, na parte sul do México, até o Chile, transformando toda a cos-ta do Pacífico, ao sul do Rio Grande, em cenário de conflito aberto. (...) Os vastos recursos que gera o narcotráfico aumentaram a capacidade da ame-aça subversiva, além daquilo que se tinha imagi-nado inicialmente. A possibilidade de nos vermos forçados a envolver forças militares estaduniden-ses no combate está publicamente exposta diante de comitês do Congresso.”

Preparava-se, então, a base doutrinária para justificar o envio de tropas, primeiro, para o Pa-namá (a “Operação Causa Justa” que, em dezem-bro de 1989, depôs o presidente Manuel Noriega) e depois para a Amazônia (com o Plano Colômbia, lançado em 1999, por Bill Clinton). Em 18 de ou-tubro de 2000, com extrema arrogância, o então vice-ministro da Defesa dos Estados Unidos, James Bodner, declarou que “o Plano Colômbia será exe-cutado com ou sem a solidariedade internacional”, durante a Conferência Ministerial de Defesa das Américas, realizada em Manaus. A tradução disso em português claro era: gostem ou não os latino-americanos, a Colômbia sofrerá intervenção mili-tar dos Estados Unidos.

É mais do que óbvio que, com o fim da Guerra Fria e da “ameaça comunista”, a retórica do “com-bate ao narcotráfico” ou ao “narcoterrorismo” ser-viu apenas de justificativa para a ocupação militar da Amazônia, assim como a deslavada mentira das “armas de destruição em massa” dariam o pretexto para a invasão do Iraque. A arrogância ianque atin-giria o auge com o governo Bush e o estado de ex-ceção por ele implantado nos Estados Unidos após o atentado de 11 de setembro de 2001. Mas a atu-al crise mundial do capitalismo, combinada com o fiasco no Iraque e no Afeganistão, que permitiram a eleição de Barack Obama, restringiram a capaci-dade de ação da Casa Branca. Na América Latina, o quadro ficou ainda mais complicado com o fracasso do golpe contra Hugo Chávez, em abril de 2002, e a eleição de vários governos “não confiáveis” – ain-da que não sejam, exatamente, governos dispostos a uma ruptura radical com o imperialismo.

Barack Obama não pode, no atual contexto, adotar sem mediações as medidas imperiais que caracterizaram o seu antecessor. É obrigado a, pelo menos, simular a disposição ao diálogo. Mas ele não se sentiu com forças para – ou, simplesmen-te, não estava nos seus planos – varrer o lixo neo-conservador da Casa Branca, que continua a ocu-par cargos estratégicos, em especial nos órgãos responsáveis pela formulação da política externa. Nesse quadro geral, a Colômbia de Álvaro Uribe ocupa um lugar especial.

Do ponto de vista da Casa Branca, a Colômbia de Uribe joga, na América Latina, papel similar ao de Israel no Oriente Médio, mas com um grau maior de subordinação a Roma (Israel ainda tem certa autonomia: por exemplo, seu governo resis-te abertamente à determinação de Obama no sen-tido de interromper a criação de novas colônias nos territórios ocupados). As constantes provoca-

ções do exército colombiano contra a Venezuela, o bombardeio totalmente ilegal do território equato-riano, em março de 2008, a pretexto de destruir as Farc e, agora, a disposição de permitir a instalação de bases militares estadunidenses no país – opera-ção tão indecente, tão afrontosa à soberania na-cional e à dignidade dos povos da América do Sul, que até o governo Lula foi obrigado a demonstrar sua “preocupação” – demonstram que Uribe man-tém com Washington as tais “relações carnais” um dia reivindicadas pelo patético ex-presidente ar-gentino Carlos Menem. Ele é o homem indicado para fazer o “serviço sujo”.

ofensIva mIlItarBarack Obama nada fez para mudar esse qua-

dro. Muito ao contrário. A eventual instalação das novas bases na Colômbia não poderia, obviamen-te, ser realizada sem o seu aval, assim como é com sua autorização que os Estados Unidos mantêm mo-bilizada a Quarta Frota, encarregada de “vigiar” a América do Sul (curiosamente, mobilizada após as descobertas das reservas do pré-sal no Brasil, como observou o presidente Lula). Além disso, ele apóia a Iniciativa de Mérida, equivalente ao Plano Colôm-bia para o México e a América Central, com a inje-ção de bilhões de dólares para forças militares e es-quadrões da morte, sempre com o objetivo oficial de “combate ao narcoterrorismo”. Multiplica seus ataques verbais a Hugo Chávez – no mesmo estilo e tom adotado por George Bush – e se declara “pre-ocupado” com a “crescente penetração” da China e até do Irã na América do Sul (o Equador conside-ra a hipótese de ceder a Pequim o direito de usar as instalações da base de Manta).

É impossível, portanto, dissociar a golpe em Hon-duras da nova ofensiva militar ianque na Colômbia, cujo porta-voz é o sabujo Álvaro Uribe. Honduras serve como uma espécie de “laboratório”, um en-saio que poderá dar instrumentos ao governo Oba-ma sobre como agir numa América Latina cada vez mais tensa. Em Honduras, a aliança entre as oligar-quias locais e o Departamento de Estado estaduni-dense conseguiu fazer aquilo que foi tentado sem sucesso na Bolívia: a insurgente oligarquia racista de Santa Cruz de La Sierra foi, pelo menos por en-quanto, contida pelo governo Evo Morales.

A luta de classes está em pleno desenvolvimento nas Américas. Obama governa em situação de crise doméstica – seu índice de popularidade já despen-cou, embora ainda seja alto, em torno dos 55% - e enfrenta contradições que não limitavam as ações de George Bush. Em contrapartida, também a Amé-rica Latina se agita, num conjunto extremamente complexo e dinâmico, marcado, sobretudo, pelos movimentos de resistência popular, que, não raro, forçam os seus governos a irem mais longe do que desejariam no enfrentamento com os Estados Uni-dos. É uma situação de crise profunda, em que, por isso mesmo, situações imprevisíveis e até imprová-veis tornam-se possíveis. Os tempos que se aproxi-mam prometem grandes emoções.

José Arbex Jr. é jornalista.

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Mc Leonardo

Na conferência de encerramento de um im-portante congresso de linguística realizado em Salvador em julho último, o linguista Carlos Al-berto Faraco perguntava: “Lusofonia, utopia ou quimera?” Fazendo uma preciosa análise das diferentes “fonias” existentes (a francofonia, a anglofonia e a hispanofonia), Faraco concluiu que a tal “lusofonia” está anos-luz de distância de ser algo parecido com essas outras podero-sas políticas linguísticas. Nós, brasileiros, pouco nos lixamos para ela, que é um tema muito mais debatido em Portugal do que nos demais países de língua oficial portuguesa. Ao contrário das demais “fonias”, a lusa não tem instituições for-tes e atuantes, que de fato causem impacto nos lugares onde atuam. Tudo se resume a entida-des inócuas e a um discurso de samba-exalta-ção sem consequências concretas. Ao contrário das outras também, que são sustentadas por na-ções importantes e ricas – França, Grã-Bretanha (a chamada Commonwealt h não inclui os Es-tados Unidos, somente as ex-colônias britânicas tornadas independentes durante o século XX) e Espanha (quinta maior economia da Europa) –, a lusofonia tem como principal arauto um país em tudo periférico da União Europeia, desim-portante na geopolítica mundial e nem de lon-ge uma potência econômica. Não bastasse isso, os demais países “lusófonos”, excetuando-se o Brasil, encabeçam a lista das nações mais po-bres e subdesenvolvidas do mundo: Guiné-Bis-sau, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Moçambi-que, Angola, Timor. As três primeiras dependem exclusivamente da ajuda internacional para so-breviver. Com isso, dá para dizer que se trata, de fato, de uma “ilusofonia”, uma quimera que Portugal não tem a menor possibilidade de sus-tentar. Ainda assim, Portugal age com prepo-tência colonial: não reconhece os certificados de proficiência em português emitidos pelo Bra-sil e impede (por lei!) que professores brasilei-ros ocupem as cadeiras de ensino da língua em universidades estrangeiras. Na União Europeia, proíbe-se que os tradutores simultâneos para o português sejam brasileiros... Portugal parece se alimentar do mito bíblico de Davi contra Go-lias, mas a realidade sociopolítica e econômica do mundo atual é coisa muito mais séria do que qualquer mito sebastianista de Quinto Império.

No entanto, isso não nos autoriza a jogar no lixo o projeto de uma comunidade de povos fa-lantes do português. O fundamental é que ela

seja conduzida, em conjunto, pelos dois únicos países em que o português é língua hegemôni-ca em todo o território: Brasil e Portugal. E que o Brasil abandone sua secular posição de sub-serviência e mostre a Portugal que quem manda mesmo, hoje, na língua, somos nós e que cabe a Portugal, isso sim, seguir os passos das políticas linguísticas que nós propusermos. O caso recen-te do acordo ortográfico foi exemplar. Como me disse Gilvan Müller de Oliveira, especialista em política linguística, “Portugal saiu para pescar e quando voltou o Acordo Ortográfico já esta-va implantado e ele não podia fazer mais nada”. A chiadeira portuguesa contra a nova ortogra-fia não pode alterar o fato consumado. O Acor-do, que o Brasil já implementou com tremendo sucesso (apesar das críticas bobocas e desinfor-madas de muita gente), representa um passo gi-gantesco na promoção de uma verdadeira polí-tica lusófona, na qual ou Portugal se conforma com a posição que lhe cabe ou vai ficar numa obscuridade periférica ainda mais profunda do que aquela em que já está mergulhado, com sau-dades do que não foi.

Marcos Bagno é linguista e escritor. www.marcosbagno.com.br

falar brasileiroMarcos Bagno

Brasil, politicamente

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LUSOFONIA OU ILUSOFONIA?

A venda de drogas nas favelas do Rio sempre foi tratada como um “ninho de rato em uma casa de luxo”, ou seja, o governo deixou o ra-tinho se alimentando lá no seu cantinho, e em tro-ca ele não vinha mergulhar na sua piscina ou pas-sear na sua sala. A venda de droga virou a ilusão de sair da miséria pra muitos jovens. O número de ou-tras modalidades de crime diminuiu drasticamen-te no Rio, mas o tal “ratinho” virou um rato tão forte capaz de paralisar a casa que até então to-dos achavam que ele não podia passear. Fechar o comércio das favelas, isso todos já sabiam que os varejistas das drogas faziam a hora que queriam, mas parar a cidade inteira pouca gente sabia, só os moradores de favela e parte da polícia sabem o que o tráfico é capaz de fazer: colégio, banco, su-permercado, e até delegacias fecharam as portas por medo de ataque.

Hoje temos uma nova força tentando entrar nas favelas, são as chamadas “milícias”, forma-das por policiais civis, militares e bombeiros, mas uma grande parcela são ex- policiais expulsos de suas corporações. Prometendo tirar o tráfico da favela, eles cobram uma quantia aos moradores em troca da segurança, mas têm como alvo os co-mércios dessas localidades: vans, motos-táxi, tv a cabo e até nos botijões de gás eles querem ter participação.

O governo, como sempre, vem fazen-do vista grossa para o que acontece lá dentro, só aparece pra falar do assunto quando alguma rede de tv lhe chama, e mesmo assim com um discurso muito bem preparado.

O povo do Rio não tem a mínima noção do peri-go que está correndo financiando essa gente, pois é uma verdadeira fortuna arrecadada ilegalmen-te, diariamente, sabe Deus lá pra quem, mas com certeza vai servir para financiar novas campanhas e colocar lá no Congresso aqueles que irão conti-nuar fazendo vista grossa pra isso tudo continu-ar acontecendo.

MC Leonardo é compositor, autor, com seu ir-mão MC Junior, de funks de protesto, como o Rap das Armas. [email protected] - http://mcjunioreleonardo.wordpress.com

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Ferréz

Acordo às nove, um sol que dá irritação nas vistas, em vez de carro, vou de buzão.

Destino, matriz do DVD, precisa pegar a matriz.Chego à Paulista às 11h30min, isso é que dá pe-

gar o ônibus Paraíso.Foi foda, lotado. Em cada ponto um fiscal,

pra fiscalizar o quê? A qualidade do serviço? Contar as pessoas para ver se está excedendo? Que nada, para empurrar e fiscalizar se a porta tá fechada, que se dane se sufocam, desde que não caiam.

Amanheceu novamente, dessa vez não tenho cré-dito no cartão magnético, o Kassab mudou as regras, tem que cadastrar, não pode isso, não pode aqui.

Peço a um amigo pra me levar, agora vou mandar prensar, tem dois anos que tô fazen-do esse documentário, que fala um monte de coi-sa, da minha carreira, dos meus corres na quebrada, da criação da marca, mas o objetivo é um só, mos-trar que é possível dar certo vindo de Nazaré... quer dizer do Capão.

E o mais louco que foi como ter escrito meu pri-meiro livro, todo mundo foi saindo fora, ficou eu e minha vontade de ter um bagulho que contasse um pouco da minha caminhada.

Trânsito da porra, no caminho as fra-ses dos pichadores picham minha mente, “você é um escravo do trânsito” quente, é quente mesmo.

Mais pra frente, um desenho de um carroceiro, e escrito “não buzina, sou um agente ambientalista”.

Chego à produtora, depois de vários faróis fechados, guardas encarando, motoqueiros fechando, caminhões buzinando, e meu parceiro

chiando da lonjura do lugar.Não tem lugar para estacionar, ele vai ter que

dar uma volta enquanto eu levo o DVD.Entrego, entro no carro e saiu, mais trânsito,

lembro do Alexandre de Maio que fez a capa e me ajuda, anda a pé também num corre da porra, vamos parar no Extra da marginal Tietê pra tomar um café, meu parceiro quer Mcdonalds, eu falo que é lixo, que é melhor um café e um pão de queijo, ele reluta, mas no final estamos comendo pão de queijo.

Entro no mercado, preciso de ração pro meu ca-chorro, a minha ração ainda tem, tô andando e acho uns DVDs, ele leva um do Steve Wonder, acabei de sair da fonográfica, fica 3,00 reais pra prensar um, o do Steve tava 38,00, a pirataria é crime?

Bom, vou pagar, pego a fila pra com-pras abaixo de 20 itens, começo a andar no exten-so corredor que me mostra doces, revistas em qua-drinhos, revistas de moda, revistas para crianças e o que vejo? Um imenso spot da Playboy com vá-rias revistas da mulher melancia, nua, de lado só com duas estrelinhas no peito, ao lado uma revis-ta da hello kit.

Na minha frente tem uma mãe, um menino de mais ou menos três anos olha a imagem, encara, não tira os olhos.

Atrás de mim uma menina olha também, me irrito, vou pro caixa, chamo o gerente, ele chega, eu falo que se ele não acha falta de ética uma re-vista com uma mulher pelada na capa ficar ao lado da hello kit e dos quadrinhos da Mônica e entre sal-gadinhos da Elma chips e doces, ele concorda, mas

diz que a Playboy comprou o espaço, eu digo que se é assim, eles têm que escolher um público ou a fa-mília ou a Playboy, afinal mercado é lugar de famí-lia ou não é? E por que também não põe a Brasi-leirinhas, as chinesas taradas e todo tipo de pornô, ele concorda, pergunta se posso escrever numa fi-cha de reclamação, eu digo que sim, escrevo, ele diz que acha horrível, mas ninguém reclama.

Eu saiu, passo por uma lotérica, acho que tô fi-cando louco, uma fila imensa para se comprar uma porra de jogo, tá acumulado, tá acumulado é o que todos comentam.

Eu grito. – vocês tão vacilando, ninguém ga-nha em São Paulo, sempre é uma cidade do interior, com 1.000 habitantes, vocês tão sendo enganados.

Um cara me encara, dá o dobro de mim, eu re-solvo sair.

Tô chegando em casa, blitz, a poli-cia revista todo mundo, mão no saco, mão no peito, mão na bunda, pergunta e restrição de caminhos.

Estou ficando louco?Ligo a TV, gripe H1N1, gripe, a gripe do por-

co, num sei qual é qual, mais gente morta, mais médicos reclamando, mais políticos mentindo, mais máscaras na TV, mais audiência, mais terceiro mun-do, mais apresentadora loira.

E quando vou desligar vejo dois jogadores choran-do, vão ganhar milhões e sair do Brasil, estão choran-do por isso? Tenho dó deles... mas eu sou louco.

Ferréz é escritor e hoje vive com a esposa e uma filha num país chamado periferia.

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sou louco

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historiadora, pesquisadora do CNPq, profes-sora aposentada da Universidade Federal Fluminense e professora visitante na Esco-

la Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fio-cruz, no Rio de Janeiro, Virgínia Fontes tem reali-zado excelentes estudos e reflexões sobre o Estado, a democracia e o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Sua contribuição para a compreensão da realidade brasileira se expressa também nos cursos de formação política tanto nos espaços acadêmicos e universitários quanto nas frentes de luta dos mo-vimentos sociais.

Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, ela analisa a crise estrutural do Senado, as mudan-ças processadas pelas forças do capital nos gover-nos de FHC e Lula, os motivos da desmobilização dos sindicatos de trabalhadores, os partidos políti-cos, as eleições e as possibilidades de avanço das lutas populares, as quais, para ela, devem estar fo-cadas na luta anticapitalista.

Fiquem com a entrevista.

entrevista VIRGÍNIA FONTES

Bárbara Mengardo, Fernando Lavieri, Hamilton Octavio de Souza, Lúcia Rodrigues, Marcos Zibordi, Renato Pompeu, Tatiana Merlino, Wagner Nabuco. Fotos Jesus Carlos

anticapitalista”

“A luta popular hoje deve ser

Hamilton Octavio de Souza – Para começar, fale sobre você, onde nasceu e como se tornou historiadora e professora universitária.

Virgínia Fontes – Bem, eu sou filha de clas-se média modesta, aliás de um casal quase bizar-ro, meu pai era filho de estivador do cais do por-to, único de uma família numerosa fazendo carreira no serviço público, e minha mãe era filha de uma família rica decadente do nordeste. Era tudo con-traste. Estudei sempre em escola pública, nasci no Rio, sou carioca bem brasileira, de pai carioca e mãe pernambucana. Meu pai era do Banco do Bra-sil e depois passou para o Banco Central. Só estu-dei em escola pública, que eu me lembre, meus fi-lhos também, aliás, isso foi uma questão de honra. Nasci num bairro muito modesto no Rio de Janeiro que era Marechal Hermes, depois meu pai melho-rou de vida e foi para Laranjeiras, que é um bair-ro de zona sul, e aí teve muito filho, não agüentou o tranco em Laranjeiras e foi pra Jacarepaguá. Nós somos 7 irmãos, 3 mulheres e 4 homens. Depois eu

saí muito jovem de casa, em plena ditadura, com 18 anos e resolvi fazer História porque era uma paixão, era o que eu curtia, queria entender o mundo, que-ria pensar o mundo com 18 anos. Quando eu tinha uns 15 anos eu fui fazer um teste vocacional, por-que eu não sabia o que eu queria ser e aí o resul-tado do teste não me ajudou em nada, dizia que eu era pluri apta, pode fazer o que quiser. Resolvi fa-zer escola técnica para ganhar dinheiro, sofri três anos na escola técnica, descobri que aquilo eu de-testava e fui pra História.

Fernando Lavieri - Qual o curso técnico?Eletrônica, na escola técnica federal, a primei-

ra turma de mulheres, era uma coisa divertidíssima, em plena ditadura, nessa época eu estava no PCB, saí logo depois também.

Tatiana Merlino - Seus pais tinham alguma militância política?

Não, nenhuma. Fiquei um tempinho no PCB,

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bem jovem, entre os 17 e 22 anos, depois me afas-tei, por várias razões. Tive filho, casei, separei, me casei de novo, tive filho. Aí estudava, trabalhava, tinha dois empregos mais filho mais estudo, então você imagina que era uma vida fácil. Eu sei bem o que é mulher no mundo contemporâneo: acorda às 6 da manhã, fica com filho até às 9, embarca para o trabalho, leva as crianças pra creche, volta, pega as crianças, vai, estuda um bocadinho, enquanto amamenta lê alguma coisa.

Lucia Rodrigues - A sua militância no PCB foi no movimento estudantil?

Foi no movimento estudantil secundarista. Pouco tempo depois eu me afastei, esse é um pe-ríodo em que o PCB começa a ser muito persegui-do, foi na segunda metade dos anos 70, e quando começa também a mudar de perfil. Eu era bastan-te rebelde, não cabia muito bem, digamos assim, nos esquemas e me afastei, fiquei mais estudando. Passei uns 10 anos afastada da militância e mais estudando. Sempre fui muito estudiosa, então fiz a faculdade de História, depois o mestrado em His-tória na Universidade Federal Fluminense e depois o doutorado na França com alguém que virou um grande amigo e que faleceu recentemente, que é o Georges Labica, que escreveu aquele livro que está saindo pela Editora Expressão Popular, que tem até uma introduçãozinha minha.

Marcos Zibordi - O que estudou no mestrado e doutorado?

História do Brasil Contemporâneo, Teoria da História e Marxismo, são áreas que eu trabalhei. Eu continuo nelas até hoje, só que eu acrescen-tei mais uma que é História Contemporânea. No mestrado eu fiz uma dissertação sobre a questão habitacional, na época do fim do Banco Nacio-nal da Habitação. Depois no doutorado, na Fran-ça, eu fiz uma tese sobre o pensamento democrá-tico no Brasil, e agora sou pesquisadora do CNPq. Só para explicar o que eu estou fazendo há uns 10 anos, venho trabalhando muito intensamente com formação política no movimento social, principal-mente com o MST. Aliás é uma das atividades da qual eu me orgulho, é a participação nos cursos que o MST consegue nas universidades e nos cur-sos da Escola Nacional Florestan Fernandes. Tra-balhei muitos anos na Universidade Federal Flu-minense, onde eu fui precocemente aposentada por engano da burocracia, não foi engano malva-do, foi engano burro, mas me aposentaram.

Lucia Rodrigues - Como analisa a crise do Senado? Dá para dizer que é uma crise institucional ou é uma briga entre caciques que se desentenderam por vários motivos?

Eu diria que tem as duas coisas, os dois proces-sos não estão separados. Se a gente for pensar em longo prazo, eu venho analisando isso da seguin-te forma: a partir de 89, mais ou menos, a condi-ção de que seja possível manter uma estrutura re-presentativa tal como ela existe agora, depende de conseguir figuras públicas aparentemente limpas, figuras públicas que tenham uma trajetória, não só aparentemente limpas, mas que vêm de uma traje-

tória capaz de neutralizar os movimentos sociais, que é mais importante ainda do que o aparente-mente limpas. Vamos lembrar um pouquinho pra trás que o Fernando Henrique Cardoso, quando foi candidato, veio de uma trajetória da esquerda, em-bora a gente já sabia que o FHC já tinha muda-do esta trajetória, porém essa mudança ainda era incipiente, uma mudança inicial. Ninguém imagi-nava que o governo Fernando Henrique fosse, por exemplo, investir contra os petroleiros da manei-ra como investiu, isso era impensável, nem contra os direitos dos trabalhadores. Portanto, Fernando Henrique neutralizou uma parcela da intelectuali-dade de esquerda nessa ida dele para o governo, quem quis se iludir se iludiu, mas em parte acha-va que Fernando Henrique já vinha de uma asso-ciação com o PFL, a gente já sabia qual era a as-sociação que estava feita no começo. Mesmo assim isso permitiu neutralizar setores de classe média incomodados com o processo, e alguns setores in-clusive de movimentos, de um tipo de movimento social que é o que eu chamo da filantropia mer-cantilizada, que são movimentos que começam populares e vão se tornando pouco a pouco mili-tância paga em entidades mais ou menos filantró-picas. É quando a questão das classes sociais no Brasil deixa de ser um problema de classe e come-ça a ser um problema de pobreza. Deixa de ser uma questão de luta comum e passa a ser uma questão de filantropia, um problema da pobretologia.

Renato Pompeu – E qual a ligação com o Senado?

Isso é para chegar ao Senado, né. O segundo mo-vimento é o Lula, esse movimento é mais importan-te ainda. Se o FHC já cumpre esse papel de levar para o conjunto das instituições de representação políti-ca no Brasil uma espécie de aparência limpa, ape-sar do braço dado com o PFL, a eleição do Lula tem papel muito mais importante para estabilizar o cha-mado jogo burguês no Brasil, uma vez que ela con-solida essa trajetória que já vinha sendo feita antes, mas agora com mais cacife, pois agora traz a CUT, traz uma parcela grande do PT, liquida politicamen-te o elo que este partido tinha com os movimentos de base, não só liquida o elo como converte essa li-gação numa ligação adequada para o jogo político. Lógico que em todos os casos isso significa que há um adiamento das condições da crise institucional e há um mergulho desses partidos limpos, entre aspas, dessas pessoas limpas no mundo da representação razoavelmente falseada. Acho que isso é um proble-ma grave. Eu discuti isso num artigo dizendo que o PT se deslocou do papel ético-político – que o Gra-msci sugere – para o papel de definidor do que se-ria o papel moral, ainda no governo Fernando Hen-rique Cardoso. O resultado disso é que ele perdeu o horizonte ético, que era o horizonte principal e que devia estar ligado com os movimentos de base. Por-tanto eu acho que o problema do Senado é um pro-blema estrutural nosso, primeiro nós temos uma es-trutura representativa problemática, nós temos um sistema bicameral que é outro problema.

Lúcia Rodrigues - Você defende a extinção do Senado?

Eu não defendo a extinção do Senado instanta-neamente. Do ponto de vista de uma transforma-ção real da sociedade brasileira isso não virá atra-vés das instâncias eleitorais e nem das instâncias representativas. Nós já sabemos disso, já temos a experiência, já vimos o que foi eleger o PT e, so-bretudo o Lula mais até que o PT, e ele simples-mente se converter no mesmo, porque o jogo polí-tico é uma máquina de produzir o mesmo. Então a luta popular tem de saber que ela tem de se man-ter para além dos seus representantes, não ser su-bordinada à representação.

Renato Pompeu - Por que na Bolívia e na Venezuela foi possível surgirem governos transformadores a partir da luta eleitoral?

OK, eu vou chegar lá, deixa eu só terminar o ní-vel do Senado por que eu acho que isso é uma coi-sa importante. É pra extinguir o Senado? A princí-pio eu acho que sim, eu acho que o Senado, para uma democracia representativa burguesa limita-da, tal como ela é, o Senado não é necessário. É perfeitamente possível operar de forma unicame-ral, é menos não democrático, pois não chega a ser necessariamente mais democrático. O sistema bi-cameral é um sistema de controle de uma câma-ra alta que controla uma câmara baixa, a câmara que é mais representativa ela tem um papel menos importante, o filtro fica no Senado. Isso eu não es-tou fazendo uma campanha pelo fim do Senado, a campanha que eu faço é que os movimentos popu-lares saibam que não vai ser via processo eleitoral que eles vão resolver. Agora a gente chega ao caso da Bolívia e da Venezuela: eu acho que tem uma diferença grande sim entre Brasil, Bolívia, Vene-zuela e Equador, uma diferença importantíssima que é o grau de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, e junto com o grau de desenvolvimento do capitalismo no Brasil a capacidade de organi-zação burguesa brasileira. Acho que a gente não leva suficientemente em conta, nós vivemos num país que ao longo do século 20 foram proibidas e reprimidas na violência as formas de organização populares e dos setores dos trabalhadores, porém foi estimulada, apoiada assegurada e garantida a associatividade empresarial.

Marcos Zibordi – O que isso significa?Pra gente ter idéia do que isso significa, no Es-

tado Novo foi proibida a livre associação quando o governo baixou o decreto do sindicalismo corpora-tivista, o decreto também valia para todo sindicato patronal e de trabalhadores. Enquanto para os sin-dicatos de trabalhadores esta lei foi imposta a ferro e fogo, os sindicatos que tentaram se manter con-tra o corporativismo foram fechados e os seus sin-dicalistas perseguidos. Para o patronato isso nunca aconteceu e eles tinham placa na porta, eles tinham, têm, pois até hoje existem Fiesp e Ciesp, Firjam e Cirjam. Em suma, eles mantiveram uma dupla re-presentação, uma que era oficial institucional e ou-tra paralela, a paralela pode para eles. Então a gen-te tem aqui uma violência seletiva popular.

Hamilton Octavio de Souza - O que diferencia a situação brasileira?

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A gente tem hoje uma forma de organização bur-guesa no Brasil que foi justamente capaz, a partir da década de 90, não apenas de atacar a espinha dor-sal do movimento popular e do movimento dos tra-balhadores na virada dos anos 80 para os anos 90, como em parte incorporar uma parcela destes mo-vimentos. Isso que eu acho o mais dramático. Qual foi a estratégia que se usou para isso que nos distin-gue bastante da Venezuela e da Bolívia? A estratégia primeira foi a formação da Força Sindical, que foi a cunha que impôs à CUT uma adequação na massa. Essa foi a primeira, feita com o apoio patronal. A se-gunda foi o volume de demissões na década de 90. A terceira foi a precarização do trabalho como forma normal. E a quarta, que não é irrelevante e que tem a ver com o jogo político parlamentar, embora não apareça, foi exatamente o empresariamento das for-mas de organização difundidas no país, que na déca-da de 90 dá um salto enorme com Fernando Henri-que, é o salto das ONGs. A palavra ONG não explica tudo, eu tomo muito cuidado quando uso, porque ONG é um pedacinho das fundações e associações sem fins lucrativos, que, segundo o IBGE, são 340 mil no último censo feito em 2005. Tirando os sindicatos, tem mais de um milhão de trabalhadores nessas enti-dades, tem mais que o serviço federal todo, com sa-lário de mil reais em 2005. Nós temos uma rede hoje que é uma rede de organização burguesa. Portan-to, diferentemente da Bolívia ou da Venezuela, onde não houve nenhum espaço de incorporação de nada, onde a burguesia local é uma burguesia pequena, restrita, uma burguesia com uma configuração bas-tante diferente da burguesia brasileira, eu diria que nós hoje estamos num país capitalista desenvolvido. É o que eu venho trabalhando. Um país capitalista desenvolvido significa que a burguesia tem meios, tem recursos, tanto de sedução quanto de violência, e eles usam os dois. A novidade é que o recurso de sedução cresceu muito, de convencimento, cresceu a extensão das bolsas, a extensão dessa rede cultural associativa, é uma dimensão de convencimento qua-se capilar, isso está no cotidiano.

Lucia Rodrigues - A crise do Senado é uma crise institucional?

O que vocês estão chamando de crise institucio-nal? Não, em princípio, não. Ela é uma crise insti-tucional no sentido histórico, sim. Historicamente esta instituição é uma instituição que formula pro-blemas, e deste ponto de vista ela é uma crise da instituição. No sentido da população, o conjunto da população chama o Senado de pau de galinheiro, é uma coisa normal. Este tipo de crise no Brasil sig-nifica alteração da instituição? Até aqui nunca sig-nificou, ela é enésima dessas crises, nos já conhece-mos essas crises. O dilema da questão da corrupção aparece como o mais grave porque é uma corrup-ção completamente institucionalizada, ela aparece como o mais grave exatamente porque o momento de incorporação política permitiria fazer sem gastar esse dinheiro, mas não dá para fazer sem gastar esse dinheiro da corrupção, e porque tem aí situações de disputas internas que são meramente eleitorais, que estão em jogo agora, isto também é claríssi-mo. Embora a corrupção seja uma coisa corriquei-ra, não significa que eu perca de vista que exista

uma questão absolutamente epidérmica de debate que agora está se acirrando, que é o processo elei-toral de 2010, e quem está atacando o Sarney são os seus aliados mais próximos de ontem e que se-rão seus aliados de amanhã.

Marcos Zibordi - Essa crise toda é sobre as eleições de 2010?

Ela tem um nível real, o Senado brasileiro é um marketing eleitoral dramático, portanto socialmen-te isso é sério. É institucionalmente pensado des-sa forma e isso é sério. Do ponto de vista da lógica da vida interna da luta política dos caciques, não é nem dos oligarcas, é dos caciques da política, essa é uma briga absolutamente normal, eles fazem isso o tempo inteiro, eles jogam desse jeito. Acho que agora ficou mais claro.

Tatiana Merlino – O professor Chico de Oliveira acha que o que está por trás disso é que existe uma colonização da política pela economia, o que acha disso?

Estou inteiramente de acordo com o Chico. Bom, uma sociedade capitalista plena já é uma socieda-de na qual a economia parece fazer parte da nossa segunda pele, que a gente passa a viver como ino-vador, empresário, lucro, investimento, investimen-to amoroso etc. Já seria uma coisa mais ou menos normal. O que a gente imagina e sempre imaginou foi que a chegada do desenvolvimento capitalis-ta fosse a chegada num mar de rosas. Bem vindo à realidade, a chegada ao capitalismo desenvolvido é apenas a chegada no paraíso do lucro. O perío-do no qual foi possível aos trabalhadores de alguns países impor maiorias substantivas, acabou. Mesmo isto está sendo devastado e nós chegamos ao capi-talismo desenvolvido sem que isso signifique que o conjunto da sociedade tenha uma melhora de qua-lidade substantiva garantida; também não signifi-ca que não tenha nenhuma melhora, tem porque a bolsa faz diferença.

Hamilton Octavio de Souza - Nesse capitalismo desenvolvido como fica o papel das oligarquias? Elas têm espaço? Estão presentes?

Acho que quem tem o melhor trabalho sobre isso é o Chico de Oliveira. Ainda o trabalho dele lá da década de 70, Crítica da Razão Dualista, onde é mais do que evidente que a ponta mais moderna da economia brasileira nutre, sustenta e recria a parte mais antiga. Então não tem um arcaico que sobre-vive, o Sarney não é um cara que sobreviveu, o Sar-ney é um cara da Globo, o cara da Globo que nes-te momento não lhe é muito conveniente, então a Globo vai atacar o Sarney – e eu não vou estar de-fendendo o Lula porque é inimaginável essa asso-ciação desse tipo.

Marcos Zibordi - Será que é inimaginável? Não, inimaginável não é, é insustentável poli-

ticamente se nós pensarmos na emancipação dos trabalhadores e numa vida mais igualitária na ga-rantia da educação, da saúde, do transporte, da ali-mentação e da habitação em condições dignas. Se não pensarmos numa vida digna, isso é entrar no jogo como eles definem que o jogo deve ser joga-

do. Então vão jogar numa hora contra, outra hora a favor, nada mais do que isso.

Hamilton Octavio de Souza - Por que o Brasil não consegue virar essas páginas do passado e entrar numa outra era?

Eu venho dizendo que entrou numa outra era. Uma coisa que de vez em quando eu paro para me perguntar é: esse avanço da capacidade de orga-nização empresarial burguesa no Brasil significou que não são os seus candidatos que são os candi-datos. O que fizeram não foi com os seus candida-tos. O Fernando Henrique e o José Serra já não eram originalmente os seus candidatos muito mais ade-quados nesta geração de banqueiros construída nos dois mandatos FHC. Eram muito mais adequados, aparentemente, para isso. Porém, de fato o gover-no Lula foi muito mais adequado para essa passa-gem, você tem ao mesmo tempo uma manutenção dos grandes elos de controle mais eleitoral do que propriamente da economia. Mas o Sarney não é o cara que decide a economia, não é ele o decisor da economia, por alguma razão ele garante aos deci-sores da economia o controle de um determinado território, um controle eleitoral, e enquanto ele for interessante para isso ele serve, se não for mais in-teressante para isso talvez não sirva mais. O Sarney está chegando perto do fim da carreira dele, quan-do os seus prepostos, aqueles que sempre lhe sus-tentaram, agora estão contra ele.

Lucia Rodrigues - Neste sentido o governo Lula não foi prejudicial ao avanço das lutas dos movimentos sociais, na medida em que controla o sindicalismo cutista que poderia estar na rua fazendo pressão no governo em determinadas questões pontuais da sociedade? Não é um retrocesso, neste sentido?

Sem dúvida. Do ponto de vista da auto-organi-zação da população o governo Lula é um retrocesso. Do ponto de vista de uma melhoria epidérmica de condições de vida, a gente não pode dizer isso por-que de fato seria falsear as condições reais. Porém, do ponto de vista de assegurar que a população seja capaz de defender os seus direitos, o governo Lula foi um mega dum retrocesso. Ele pode até ter me-lhorado condições aqui ou acolá, mas retirando as condições de luta pela garantia dos direitos.

Renato Pompeu - Voce disse que o Brasil pode ser considerado um país capitalista desenvolvido. Falou de desmantelamento da resistência dos trabalhadores. Será que no capitalismo desenvolvido não há o que fazer?

Não, ao contrário. A nossa responsabilidade é muito maior, o quadro é muito mais dramático, muito mais importante. Quando falo de capitalis-mo desenvolvido eu queria até mexer um pouqui-nho nisso para não dar idéia de que eu estou falan-do de alguma coisa linda. É de que nós temos uma burguesia organizada que lucra brutalmente a par-tir daqui de dentro associada com capitais multina-cionais e multinacionalizada ela própria. Nós temos hoje um BNDES que financia mudança de escala e de exportação de capitais de empresas sediadas no Brasil, que são consideradas empresas brasileiras,

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qualquer que seja a origem nacional dos capitais. Primeiro, as condições hoje em que o Brasil chega, entre aspas, a esse grau de capitalismo desenvolvi-do, são condições de truculência de classe também, não são só de bolsa família. É bolsa família e cavei-rão, é PAC junto com caveirão, é PAC junto com as-sassinato de jovens e, sobretudo, de jovens negros, os meninos negros favelados são os alvos favori-tos. É impressionante. Diminuiu um pouco essa vio-lência, mas a violência continua brutal nas nossas grandes cidades, a guetificação continua, a separa-ção dos bairros é dramática, brutal. Lógico que tem movimentos que resistem, o MST resiste, surpreen-dentemente resiste e eu fico satisfeitíssima.

Marcos Zibordi - Os movimentos sociais são hoje uma espécie de nova esquerda na América Latina?

Nova esquerda como? Por que nova esquerda quer dizer muita coisa. Alguns movimentos sim, outros não. Vamos por Gramsci que fica mais fácil. Uma sociedade capitalista desenvolvida é uma so-ciedade na qual o Estado se amplia, e na qual tan-to a sociedade política, no sentido restrito, quanto a sociedade civil são âmbitos de luta de classes. É aí que nós estamos. Nós estamos em luta de clas-ses em todos os lugares. A tendência é a de que se você consegue ter uma luta contra-hegemônica mais forte no chão social, esta luta contra-hegemô-nica apareça mais claramente no conjunto das enti-dades da sociedade política. Se não tiver, o conjun-to da sociedade política é a fase hegemônica, mas a luta está em todos os espaços, a luta está no ter-reno dos movimentos sociais e eles têm que saber disso, na emergência de alguns movimentos popu-lares. A luta de classes é a luta contra o capital, é a luta pela igualdade. A massa da população bra-sileira é trabalhadora hoje, e trabalhadora urbana, mas a grande massa da população brasileira não se reconhece enquanto trabalhadora. Quem é que não trabalha? Aumentou o número de desempregados? Sim, aumentou o número de desempregados. O cara pode não ter contrato de trabalho, mas vive como? Vai vender AmBev no sinal e isso significa econo-mia para a AmBev. Vai vender Nestlé, vai vender AmBev. São formas degradadas de trabalho, são formas de degradação da força de trabalho, mas são trabalho, e todos são trabalhadores.

Hamilton Octavio de Souza - No marco do capitalismo, a democracia no Brasil tem condições de avançar?

Toda democracia avança em função da capacida-de de luta. Do ponto de vista do nosso processo his-tórico brasileiro com relação às formas de governo nós temos um avanço e consolidação da democracia, sem sombra de dúvida. Qual é o problema? O proble-ma é que a democracia que se consolida não é a de-mocracia do Brasil do século 21, mas do mundo do século 21, é uma democracia sem direitos, é uma de-mocracia na qual a economia blindou todos os ele-mentos de definição estratégica do país, estes não estão em jogo, todos os candidatos terão o mesmo programa para isso e vão variar no supérfluo, vão variar no tamanho da bolsa, vão variar na adjacên-cia. Essa é a grande questão: a democracia se conver-

te, ela é apresentada, eu leio O Globo religiosamente todo dia, ela é apresentada unicamente como estra-tégia de eleição, de representação e eleição.

Hamilton Octavio de Souza - Essa democracia tem condições de proporcionar uma vida melhor para o povo brasileiro?

O predomínio do capital que exerce a estrutu-ra representativa. A liberdade de imprensa no Bra-sil é impensável. Nós temos um grande latifúndio das famílias que controlam praticamente toda im-prensa, e elas bloqueiam inclusive a discussão de quais devem ser os critérios para a concessão. Que democracia é essa na qual o que representa o ca-pital já está todo definido? Existem direitos cons-titucionais em vigor no Brasil, uma parcela deles existe, e nós vivemos em um estado de direito, só que uma democracia supõe avanço em direção à igualdade, e em direção à igualdade não avança-mos. Avançamos em direção a um estado de direi-to que é necessariamente um estado que inclui ex-ceção se a igualdade não avança, porque é direito para alguns enquanto é exceção para outros. Al-gum país avançou em direção à democracia unica-mente pela existência de regras do estado de direi-to? Nunca. Os avanços democráticos substantivos no sentido de uma igualdade real da vida social só avançaram a partir de luta ferrenha.

Tatiana Merlino - Quando você fala em crise, você fala na crise econômica ou na crise do Senado?

Crise econômica mundial. Vamos ajustar os termos: o que aparece no jornal como crise eco-nômica é o quanto os capitalistas perderam, isto eu estou pouco me lixando, embora seja impor-tantíssimo, isso não é grave. Grave é a crise so-cial que está sendo mantida há 30 anos em nome da garantia deste capital e agora quando ele en-tra na sua crise, reforça ainda a crise social para garantir este capital. Os procedimentos clássicos

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para permitir que o capitalismo saia da crise são procedimentos que estão em curso no mundo há 30 anos, entre eles demissão massiva, expropria-ção massiva da população, tanto a expropriação da terra quanto as demais expropriações em cur-so, reforço da exploração do trabalho e superex-ploração – estão em curso e vão piorar.

Lucia Rodrigues - O professor Paulo Arantes acha que nós caminhamos para a fascistização. Como vê essa consideração?

Essa fascistização está presente, ela está laten-te, se isso se desdobra para uma fascistização, e se a gente tem condições de lutar contra isso, é outro cenário. Você pega a televisão brasileira, é uma te-levisão que o tempo todo atua criminalizando seto-res populares de maneira absolutamente falsifica-da. É uma falsificação brutal do que vem a ser as lutas populares, tanto no caso das mulheres, do ra-cismo, quanto do caso dos sindicatos e do conjun-to de luta de classes. Essa falsificação abre espa-ço para um protofascismo que vai se expressando, aglomerando, amalgamando coisas contraditórias e fazendo uma espécie de defesa de todos, a par-tir dos esmagamento de qualquer contestação. Esso é latente, não só no Brasil, está latente-larvar nos Estados Unidos e na Europa. O risco de fascismo é um risco presente.

Lucia Rodrigues - Dos nomes que estão postos para concorrer a Presidência da República em 2010, com quem os trabalhadores vão contar?

Que norte você esta querendo me dizer aí?

Lúcia Rodrigues - Dilma, Serra, Heloísa Helena, Marina Silva, Ciro Gomes...

Nenhum desses nomes.

Bárbara Mengardo - Como vê atualmente a situação dos partidos políticos como um todo no Brasil?

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É a mesma coisa, no geral. Vamos devagar por-que tem uma quantidade enorme de partidos no Brasil. Nós temos um grande conjunto de partidos que nós podemos chamar de partidos da direita tra-dicional brasileira, umbilicalmente ligado á ordem empresarial, direto. Vai do PSDB para lá do espec-tro e são todos partidos da ordem imediata. Não tem nenhuma mediação, não organizam setores popu-lares, são partidos literalmente da ordem. A única mediação que eles fazem é uma mediação intelec-tual, mas mesmo isso está acabando porque o Fer-nando Henrique já foi, o Serra já está indo e nem isso está sendo efetivamente renovado.

Tatiana Merlino - Um quadro da direita?Um quadro da direita com o porte para essa con-

figuração, nem o Aécio tem. O Aécio que vai agora privatizar penitenciaria, o exemplo de política pú-blica é privatizar penitenciaria. O Ciro... Nenhum destes candidatos, todos eles vêm de grandes famí-lias, tem histórico bastante sólido, tendencialmen-te todos da ordem, são a fala da ordem. O lugar do PT é a fala da ordem amaciada, o lugar de onde é possível transferir, ou pelo menos tentar transferir o que é intuito de organização em institucionaliza-ção da mesma ordem. E tem um conjunto de parti-dos menores que são partidos à esquerda, no qual está PSOL, PSTU, PCB, e o PCdoB está completa-mente junto com o PT.

Tatiana Merlino - Você vê o PSOL como uma alternativa?

O PSOL é um partido diferente, ele tem uma ori-gem diferente do PT. Como alternativa de governo, nenhum partido que ganhe uma eleição muda nada. Só se ganha alguma coisa com movimento social e consolidação de movimento popular. Então qual-quer nome que entre não altera o jogo. O que seria importante é que nas campanhas eleitorais os can-didatos de esquerda fossem ao menos capazes de di-zer qual é a luta que nós devemos fazer, mas nem

isso. Torço para que o PSOL consiga sair com uma plataforma ou programa onde pelo menos se dis-cuta quais são as grandes questões, nós temos pelo menos de enfrentar uma burguesia poderosa, nós temos que organizar uma população que está pe-dindo para ser organizada.

Lúcia Rodrigues - O socialismo tem que estar claro?

Tem que estar claro na atuação e na fala. Des-se ponto de vista se vê a diferença quando vem um movimento popular social e que fala claramente. Nós temos PSOL, tem PSTU, tem PCB, nós temos centrais sindicais, tem Conlutas, tem Intersindical, temos espaços de luta, temos que avançar nestes es-paços de luta, são pequenos, não têm espaço insti-tucional, não. Podem ter audiência se tiverem cora-gem de fazer, se não ficarem recuados.

Wagner Nabuco - Como é que você vê a questão do desejo? As pessoas têm desejos reais de ter bens, seja o seu carro, a sua casa, a sua moto.

Bem, vou começar invertendo a tua formulação, porque isto que você chama de desejo das pesso-as é o que é produzido nas pessoas como forma de integração social. Nós hoje acreditamos que estar na vida social é ter microondas, é ter carro e dane-se que você tenha que gradear tudo, botar cadea-do em tudo, botar aquela coisa de arame farpado em volta e andar armado. Você está na prisão na vida real, não precisa ir para prisão por que já vive na prisão. Que isso seja o desejo da humanidade, eu não acredito.

Marcos Zibordi - Mas as pessoas sentem isso.Lógico, por que nós somos pessoas sociais, nós

vivemos em uma sociedade que coloca para a gen-te, hoje, que o que define a existência humana é ter um par de tênis reebook ou um microondas não sei das quantas. Quando nós sabemos que ter um ree-book ou ter um microondas não altera a tua existên-

cia, que o ter não é o ser, e que, portanto, o poder ser plenamente é algo muito mais interessante do que o mero acúmulo de coisas. O primeiro autor que tra-balha muito bem isso é o [Istvan] Meszáros, que tem um capítulo maravilhoso sobre a taxa da utilização do valor de uso, porque hoje a maior parte das coisas que a gente tem é para jogar fora, não é para usar, é para jogar fora. Eu tenho um celular para durar seis meses. Uma boa parte da classe média compra ca-miseta que não vai usar nunca, tem pilhas de roupas nos armários que não vai usar nunca. Portanto, não é que as massas queiram igual. Será por que nós não reconhecemos em nós mesmos uma humanidade di-ferente desta da do ter?

Wagner Nabuco - Acho que não.Eu acho que sim. Nós precisamos de uma huma-

nidade diferente da do ter, nós precisamos substan-tivamente, nós não aguentamos ver isso nos nos-sos filhos. O que a gente faz com os nossos filhos? Educa para ser monstro e admite que está educan-do para ser monstro. Não é possível que a gente não encontre na gente o quanto que isso é insuportá-vel. Eu não estou querendo falar contra máquinas e nem contra tecnologia, estou querendo lembrar que existe uma grande diferença na liberdade da mulher e a máquina de lavar roupa: a liberdade da mulher não é uma máquina de lavar roupa, ainda que uma máquina de lavar roupa possa eventualmente atuar pela liberdade da mulher.

Marcos Zibordi - Para que ela continue trabalhando enquanto a maquina trabalha também.

Para que ela abra outro espaço de trabalho en-quanto isso. Todos queremos uma vida confortável, ninguém quer uma vida de miséria, mas a sociedade contemporânea para promover esse desperdício pre-cisa produzir uma miséria humana que nós não te-mos nem escala para administrar. Para mim não é apenas uma questão de convicção e crença, é tão evi-dente isso na vida social, é tão claro como é possível viver de outra forma. Isso é uma coisa tão forte hoje, essa necessidade de uma vida com sentido, que uma boa parte das pessoas vai procurar uma religião, por-que procura um sentido para vida que não encontra no mundo dos homens; nós somos humanos.

Marcos Zibordi - A religião é humana.A religião é humana, eu estou de acordo com

você. A religião é totalmente humana, mas fala em nome de uma entidade extra-humana que domi-na fora dos homens os homens. Esse é o problema, e nós precisamos ter claro que independentemen-te da religião que qualquer um tenha, nós precisa-mos de um mundo humano digno. Essa é a chave. O desejo das massas é viver dignamente, vai estar pautada por cima dele a suposição de que a digni-dade é ter coisas, porém a gente tem de ter claro que o desejo das massas é viver dignamente. Por isso se acomoda por alguma gota, porque melhora as condições, mas melhora as condições imediatas. Isso quer dizer que melhora alguma coisa do pon-to de vista da igualdade? Ainda não, então, essa dignidade humana não está plena, onde tem desi-gualdade ela não está plena.

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Tatiana Merlino

quadro do regime militar. Ex-político da Arena. Há décadas, dono do estado do Maranhão. Famoso por práticas cliente-

listas, fisiológicas e corruptas. Depois de mais de meio século de uma vida pública com esse cur-rículo invejável, só agora, em 2009, José Sarney (PMDB-AP) foi “desmascarado”. Os responsáveis por alertar (ou iluminar) a opinião pública foram os representantes do PSDB e do DEM, além, é cla-ro, da grande imprensa.

Pivô da crise instaurada no Senado Federal, seu presidente acumulava 11 acusações no Conselho de Ética da Casa. No entanto, todas as denúncias foram arquivadas, com a decisiva ajuda da ban-cada do PT.

Desde o começo do ano, a chamada Câmara Alta do legislativo brasileiro viu sua imagem ainda mais comprometida com a divulgação de uma série de ir-regularidades, como o excesso de diretorias, horas extras pagas a servidores durante o recesso parla-mentar, mal uso das cotas de passagens aéreas e a utilização de atos secretos para nomear de apadri-nhados e aumentar salários.

A oposição defendia que se investigasse, ainda, a denúncia de que Sarney omitiu da Justiça Elei-toral uma propriedade de R$ 4 milhões, além da acusação de que o parlamentar teria participado do desvio de R$ 500 mil da Fundação José Sarney, que atua no Maranhão. Na outra representação, o PSOL pedia para o Conselho de Ética do Senado

investigar o presidente da Casa pela edição de atos secretos que teriam beneficiado parentes e afilha-dos políticos.

A suspeita é a de que Sarney teria interferido a favor de um neto que intermediava operações de crédito consignado para servidores do Senado, usado seu cargo a favor da fundação que leva seu nome e mentido sobre a responsabilidade adminis-trativa pela entidade.

As denúncias pediam investigações, ainda, sobre a acusação de que o presidente do Senado estaria envolvido em vendas de terras sem o pagamento de impostos e de que teria recebido informações privi-legiadas da Polícia Federal em inquérito que inves-tigou seu filho, Fernando Sarney.

Apesar de a oposição ter defendido que a saída do presidente do Senado era a solução, a atual crise da Casa tem origem mais longínqua e reflete distorções sérias do sistema político eleitoral brasileiro. Foto José Cruz/ABR

A crise é mais velha que o sArney

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Origem lOngínquAAssim, nada mais normal que o movimento

“Fora, Sarney”, bradado por diversos setores, en-tre eles colunistas da grande imprensa, sinalize que a saída do mandatário do Senado daria conta dos problemas éticos da casa. No entanto, a atual cri-se tem origens bem mais longínquas, e é reflexo de uma crise maior da democracia e do sistema polí-tico eleitoral brasileiro, sustenta o sociólogo Fran-cisco de Oliveira, professor emérito da Universida-de de São Paulo (USP). “Ela é muito maior e muito mais ampla do que essas falcatruas das quais os se-nadores estão sendo acusados.

Todas as irregularidades cometidas pelo senador maranhense “nada mais são do que o resultado da acumulação das corrupções que historicamente fa-zem parte, não apenas do Senado, mas de todo o sis-tema político que vigora no país”, acredita Waldemar Rossi, coordenador da Pastoral Operária, entidade li-gada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Para ele, esse escândalo se incorpora aos do “mensalão”, do “sanguessuga”, dos “cartões corpora-tivos”, dos altíssimos salários com seus reajustes fre-quentes e a um sem número de benefícios aos par-lamentares. “Ele também se incorpora às corrupções reveladas em várias instâncias do próprio Judiciário. Tudo está definitivamente podre”, assinala.

Já para o economista João Pedro Stedile, da di-reção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a atuação do ex presidente da República no Senado é uma aula didática, diá-ria, de como os ricos no Brasil usam a coisa pública apenas em beneficio de sua classe de apadrinhados. Assim, a crise que atinge hoje o Senado tem origem no sistema arcaico e nada democrático de eleições no Brasil. “As oligarquias seguem dominando todo o eleitorado, em especial os mais pobres. Elas têm o dinheiro repassado pelas empreiteiras e bancos, e controlam todos os meios de comunicação. O Sar-ney é apenas a cara mais nua e antiga da classe do-minante brasileira, e de como ela está acostumada a atuar na institucionalidade”, analisa. “Fica Sarney! Você é tão didático”, ironiza.

No entanto, o cientista político carioca Wander-ley Guilherme dos Santos não acredita que a cri-se que o país vive hoje seja decorrente da decadên-cia da democracia brasileira. “Basta ver como temos uma participação elevada nas eleições”, diz. Segun-do ele, o problema está relacionado com a fragilidade das instituições representativas brasileiras diante do potencial sedutor da corrupção. “No Brasil, é muito fácil comprar um deputado, um senador. Isso é que é vergonhoso. O país vive um estágio histórico em que ainda somos dominados pela oligarquia”, define.

cOlOnizAçãO Na avaliação do professor Chico de Oliveira, no

entanto, a origem principal da crise no Senado Fe-deral decorre de uma tendência mundial: a perda de importância política das câmaras de representa-ção. “Estamos vivendo um momento histórico em que há uma colonização da política pela econo-mia”, sustenta. Ou seja: a primeira vem sendo dei-xada em segundo plano, em detrimento de objeti-vos econômicos.

Desse modo, explica, a pressa do sistema ca-

pitalista e a obsolescência acelerada das leis têm obrigado a uma intervenção mais ativa do Poder Executivo. “Na verdade, quem legisla no Brasil é o Executivo. Por exemplo, qualquer medida de na-tureza sanitária, aquela que mexe com o dinheiro público, não pode ter origem nem na Câmara nem no Senado. É o Executivo que origina. A iniciati-va é sempre dele”, explica. Como consequência de tal concentração de poderes no sistema capitalista, a política institucional vai se tornando pouco rele-vante para o povo. “Não tem nenhuma grande me-dida política com efeitos sobre a população que seja de iniciativa da Câmara ou do Senado. Tudo que é importante sai do Executivo. A população percebe isso”. O uso indiscriminado das Medidas Provisórias seria um exemplo disso. “O governo praticamente governa com elas. É um abuso”.

JOgO pOlíticO Mesmo assim, o apoio do PMDB sempre foi fun-

damental para a garantia da governabilidade, seja nos dois mandatos do governo Lula, seja nos oito anos de FHC. Além disso, Sarney, historicamente, foi aliado de muitos peixes grandes de partidos como o PSDB e DEM, antiga Arena, partido do regime civil militar do qual José Sarney era integrante.

Por que, então, agora ele deixou de servir para tais setores da direita? “Ideologicamente, não há nada que oponha os Democratas ao Sarney”, recor-da Oliveira. “Nessa crise do Senado, salvo algumas posições muito consistentes que partem ou de po-sições ideológicas, como o PSOL, ou de uma vida com muita coerência, como o senador Pedro Simon, é tudo muito embolado, não tem muita consistên-cia ideológica. Trata-se meramente de jogo políti-co”, analisa.

Assim, apesar de Sarney ter sido alçado à condi-ção de maior inimigo da nação brasileira, as denún-cias de corrupção não são exclusividade sua. “Nin-guém vai levar em consideração que o DEM está na 1ª Secretaria do Senado nos últimos cinco anos? E o envolvimento em escândalos praticados pelos tu-canos, entre eles o presidente nacional do PSDB, se-nador Sérgio Guerra, e o líder do partido, senador Arthur Virgílio? Nada menos que dez senadores do DEM e do PSDB são processados judicialmente no Supremo Tribunal Federal”, aponta o petista e ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu. “O DEM não só votou em Sarney para presidente do Senado como faz e fazia parte do grupo que dirige a Casa há anos”, completa.

Questionado sobre o motivo pelo qual o PT e o presidente Lula defendem Sarney, o assessor espe-cial de Política Externa do presidente da Repúbli-ca, e vice-presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, respondeu: “Por que concentrar nele acusações que podem ser perfeitamente ‘socializadas’ para quase

todo o Senado? Não é necessário ser um grande analista político para concluir que se trata de um ataque contra o governo Lula. É uma manobra para colocar na presidência do Senado um tucano e, ao mesmo tempo, uma tentativa de minar uma aliança entre o PMDB e os partidos de esquerda”.

Portanto, o que explicaria o fato do aliado do passado se tornar o inimigo do presente são as eleições presidenciais de 2010. “Tem a ver com dificultar a consolidação de coligações e alianças, e, nesse sentido, vale tudo. Em todo período pré eleitoral acontece a criação de turbulências políti-cas dessa natureza”, sustenta Wanderley Guilher-me dos Santos.

preçO dA gOvernAbilidAdeNo entanto, o governo Lula está longe de ser a

grande vítima dessa história. Desde o começo do primeiro mandato, em 2003, o PMDB foi o aliado principal pra garantir a tão almejada “governabili-dade” no Congresso Nacional. Pese o fato de que a presidência da República vem sendo ocupada há 15 anos ora pelo PT, ora pelo PSDB, o PMDB é, ainda, o principal partido do país. É o fiel da balança no parlamento e o que possui o maior número de pre-feituras pelo país. Portanto, a aproximação com um dos seus principais caciques era fundamental.

Desse modo, seis anos e meio após virar gover-no, a opção por preservar a aliança com o PMDB para garantir a eleição da atual ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em 2010, levou o PT e o presidente Lula a apoiarem o fim das investigações contra o senador do Amapá.

Portanto, a opção por defender Sarney, na opi-nião do professor Chico de Oliveira, é puro oportu-nismo. “Para armar um palanque para Dilma, vale tudo, até defender o Sarney hoje e amanhã jogá-lo às traças”, avalia.

Durante a sessão do Conselho de Ética do Sena-do que anulou as denúncias contra Sarney, o PT di-vulgou uma nota em que orientava seus senadores a votarem pelo arquivamento do processo no Senado. No texto, o presidente do partido, Ricardo Berzoini, pedia a apuração das irregularidades pelo Ministé-rio Público e pela Polícia Federal, e atribuía a cri-se em torno de Sarney a uma “disputa política rela-cionada às eleições de 2010”.

O líder da bancada, Aloizio Mercadante (SP), que já havia sinalizado estar disposto a desarquivar pelo menos uma acusação contra Sarney, se recusou a ler a carta. Após a votação, Mercadante chegou a anunciar que deixaria a liderança. Porém, após ser enquadrado por Lula, o senador petista recuou e disse que ficaria no cargo a pedido do presidente. “Mais uma vez não tenho como dizer não ao pre-sidente Lula. Meu governo errou, o partido errou e eu errei. Eu peço desculpas, mas, pela minha histó-

“Para armar um palanque para Dilma, vale tudo, até defender o Sarney hoje e amanhã jogá-lo às traças”,

avalia o sociólogo Chico de Oliveira.

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ria com o Lula, não posso dizer não”, afirmou. Mer-cadante também defendeu a manutenção da aliança pela governabilidade com o PMDB e afirmou que a crise não é só de Sarney, devendo ser compartilha-da por todos os 81 senadores da Casa.

De acordo com Waldemar Rossi, da Pastoral Ope-rária, o PT vem demonstrando estar numa encruzi-lhada, porque sempre fez tudo o que Lula mandou. “Seus dirigentes e parlamentares são sempre subser-vientes ao Lula, defendendo-o contra a própria ra-zão e o bom senso. Não devemos nos esquecer que Lula bancou o Sarney para a presidência do Senado por puro fisiologismo, cooptando o PMDB, que tem estado ao seu lado para o que der e vier, até mesmo para a aprovação de mudanças na Constituição que vêm prejudicando os trabalhadores. Aliás, o Lula está redimindo o próprio Collor!”, indigna-se.

João Pedro Stedile, assim como Chico de Olivei-ra, avalia a defesa de Sarney pelo PT como prag-matismo: “A prioridade número um é eleger Dilma, e eles fazem o cálculo de que precisam da alian-ça com PMDB (mas cá entre nós, poderiam esco-lher uma ala melhor da federação peemedebista). Por conta disso, taparam o nariz, os olhos...”, criti-ca. “Em alguns Estados, a justificativa para apoiar candidatos a governador do PMDB se dá na mes-ma base ou pior, como aconteceu no Maranhão, ao apoiar o golpe que o Sarney deu no Jackson Lago, para depô-lo no tapetão e repor sua filhota [Rose-ana Sarney], agora no PMDB. Em troca, eles ga-nharam duas secretarias estaduais. Espero que o PT e o governo se deem conta de que não precisam se abaixar tanto para elegerem a Dilma”.

No caso da cassação do governador Jackson Lago, à qual Stedile se refere, Lula e o PT nacional fingiram-se de mortos. Desde a eleição de Lago, em 2006, o presidente nunca havia ido ao Maranhão.

velhO OligArcASarney é um dos remanescentes das antigas oli-

garquias que participaram, por muito tempo, do co-mando do Estado brasileiro. No Maranhão, onde foi governador nos anos 60, ele, sua família e seus aliados são, na prática, o Estado. Conhecido como o coronel local, há décadas Sarney manda prender e manda soltar. As instituições públicas, o Judiciá-rio, a mídia, todas estäo sob seu controle.

Sarney aderiu ao regime militar e foi líder do diretório nacional da Arena. Governador do Mara-nhão nos anos 60, tornou-se, em 1985, candidato a vice-presidente de Tancredo Neves, durante a tran-sição do Brasil para a democracia. Com a morte do presidente eleito, antes mesmo de sua posse, Sar-ney assumiu o cargo.

Às voltas com graves crises econômicas e sociais, Sarney articulou o aumento do seu mandato, de qua-tro para cinco anos. Para ganhar o apoio dos con-gressistas, presenteou-os com concessões de rádio e TV, política executada por seu ministro das Comuni-cações da época, Antonio Carlos Magalhães.

Desde o fim do seu mandato presidencial, em 1990, ele tem sido eleito senador. Com um deta-lhe curioso: pelo Estado do Amapá, onde nunca vi-veu. Anos depois, após o impeachment do presi-dente Fernando Collor de Mello, Sarney aliou-se a seu sucessor, Itamar Franco. Posteriormente, foi da

base de sustentação do presidente Fernando Hen-rique Cardoso, elegendo-se presidente do Senado com seu apoio. Hoje, é aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

bicAmerAl Ou unicAmerAl?Os escândalos recentes têm motivado discussões

acerca das funções do Senado Federal e da possível adoção do sistema unicameral. Criado juntamente com a primeira Constituição do Império, em 1824, a instituição foi inspirada na Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha. Com o advento da República, em 1889, o Senado brasileiro adotou um modelo seme-lhante ao dos Estados Unidos. “O princípio instituído pelo Brasil foi o de que somos uma federação mui-to desigual em poder econômico, político, cultural, e, por isso, deveria haver uma câmara que represen-tasse a federação e não o povo, que já está represen-tado na Câmara dos Deputados proporcionalmente à população de cada Estado. O Senado seria uma re-presentação da federação, e por isso igualitária. To-dos os Estados têm o mesmo número de senadores”, explica o sociólogo Chico de Oliveira.

Hoje, a casa tem 81 senadores eleitos para man-datos de oito anos, sendo renovados um terço numa eleição e dois terços na outra. O pleito para senador é realizado dois anos após as eleições municipais, juntamente com as eleições para presidente da Re-pública, governador, deputados federal e estadual.

Todas as 27 unidades da Federação possuem a mesma representatividade, com três senadores cada. Os senadores representam os Estados e não a popu-lação, daí, portanto, a não proporcionalidade em re-lação ao número de habitantes de cada Estado. “Ele é necessário exatamente por isso, porque representa a Federação, e tenta equilibrar um jogo parlamentar e político que é desequilibrado pela proporcionali-dade da Câmara dos Deputados”, defende Oliveira. A tarefa da Casa, explica, é revisar textos, leis apro-vadas na Câmara, “para cuidar que não haja má dis-tribuição federativa de recursos, e que não se faça atos anticonstitucionais”.

Entre os defensores do unicameralismo está o Assessor da Presidência da República, Marco Auré-lio Garcia, para quem, historicamente, os Senados têm um papel conservador. “No Brasil, ele apare-ce como instituição fora do lugar. Primeiro, porque a Federação foi criada de cima para baixo, distin-tamente do que ocorreu nos Estados Unidos. Mas, sobretudo, porque o mecanismo de compensação entre representação popular/representação federa-tiva já existe na Câmara dos Deputados. É o argu-mento utilizado para que nenhum Estado brasilei-ro tenha menos de oito deputados e mais do que 70. Pessoalmente, sou mais favorável a um siste-ma unicameral”.

O dirigente do MST, João Pedro Stedile, também é favorável à extinção da Casa. “Poderíamos ter um regime político bem mais democrático ampliando a representatividade popular da Câmara dos Deputa-dos, elegendo de fato o número de deputados pelo número de eleitores, e não como agora, onde os vo-tos da região Norte valem 20 vezes mais do que um voto de São Paulo”, explica. Para ele, as questões re-lativas aos direitos federativos do Estado poderiam ser resolvidas “no âmbito de um conselho da Repú-

blica, com peso igual por Estado, convocado espe-cificamente para esses temas, quando necessário”. E completa: “no mínimo, os dois bilhões de reais que o Senado gasta de dinheiro público são uma afronta a uma sociedade tão desigual como a nossa”.

Além do fim do Senado, Stedile defende uma re-forma política “para simplesmente termos uma de-mocracia burguesa razoável. O INESC [Instituto de Estudos Socioeconômicos] e a CNBB estão coorde-nando e coletando dezenas de propostas de enti-dades e movimentos sociais, e já apresentaram um projeto do que seria uma reforma política necessá-ria e urgente”.

cOnsultA pOpulArA tese da extinção do Senado divide especialis-

tas, mas há unanimidade no que se refere à necessi-dade de reformas, tanto na Casa quanto no sistema eleitoral do país. Na avaliação do cientista políti-co Wanderley Guilherme dos Santos, historicamen-te os sistemas bicamerais são muito mais estáveis: “no unicameral, a medida que não passa fica enter-rada por muito e muito tempo. O sistema de equilí-brio de casas revisoras é o democraticamente acon-selhável”, sustenta. Para superar a crise, defende “mais vigilância e mais punição”.

O sociólogo Chico de Oliveira também é outro que acredita que o sistema bicameral é o adequado para o Brasil. “O Senado serve para reequilibrar o jogo político em um país tão grande”. Sobre a ex-tinção da Casa, afirma: “Acho péssimo, uma suges-tão muito ruim, despolitizadora, uma regressão po-lítica. Isso é coisa de paulista. Como São Paulo e Minas têm as maiores representações na Câmara, o Senado para eles é relativamente irrelevante.”

A mudança de proporcionalidade na Câmara dos Deputados não é vista por ele como uma alterna-tiva para aprimorar o sistema. “Se isso for levado ao pé da letra, haverá uma Câmara em que 90% de deputados serão de São Paulo, Minas, Rio e Bahia e os 10% restantes do resto do Brasil. Isso é um ab-surdo. Isso é uma federação, não é um país unitá-rio. Tem que melhorar, não extinguir”.

Como proposta de aperfeiçoamento do sistema de representação, ele defende a recorrência fre-quente à consulta popular. “Temos que reforçar os poderes populares. Grandes decisões não podem sequer ser resolvidas pela Câmara e pelo Senado”. Como exemplo, Oliveira cita o episódio em que o ex presidente Fernando Henrique Cardoso quebrou o monopólio estatal do petróleo, em 1997. “Aquilo tinha que ter sido submetido a uma consulta popu-lar. É uma questão tão importante na economia e na sociedade que mesmo um presidente plenamen-te eleito não tem o direito de fazer. O povo deve-ria ser consultado”, define. Outra proposta seria a “instituição de um recall, para, no meio do manda-to, se perguntar à população se ela está satisfeita”, explica. “Essa é uma maneira de arejar o sistema, porque o sistema e os partidos são muito oligár-quicos. Também temos que extinguir, até onde for possível, as medidas provisórias”, conclui.

Tatiana Merlino é [email protected]

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caros amigos setembro 2009 20

A comemoração do 7 de setembro, dia oficial da fundação do Brasil como nação soberana (embora as tropas portuguesas somen-te tenham sido derrotadas a 2 de julho de 1823), sempre nos leva a re-flexões sobre a soberania nacional, o direito e o dever que o povo tem de decidir sobre seu destino, as riquezas naturais, o patrimônio públi-co e sua cultura.

Recém agora, lentamente, é que estamos nos dando conta do es-trago que foram os 20 anos de neoliberalismo. A hegemonia do capital internacional e a velocidade de controle que o capital financeiro con-segue impor, levaram a uma desnacionalização rapidíssima de nossa economia e das riquezas naturais.

Perdemos o controle sobre os minérios, com a desnacio-nalização da Vale; sobre a energia elétrica, as comunicações (telefonia, celular, internet...), nossas águas. Muitas cidades tiveram seu abaste-cimento privatizado. A população de Manaus (sétima maior cidade do país) vive junto ao maior volume de água doce do planeta, mas os neo-liberais entregaram o abastecimento para a empresa européia Suez e falta água nos bairros pobres!

Milhares de hectares foram vendidos para empresas estrangeiras, que passaram a controlar usinas e o etanol, como a Cargill, e outros tantos foram surrupiados de terras públicas, para as transnacionais nos imporem o monocultivo do eucalipto, e exportarem pasta de celulose.

A liberação dos transgênicos visa apenas a apropriação das se-mentes por empresas transnacionais. Seu uso contamina as sementes nativas e obriga o agricultor a comprar todo ano delas, com royalties. Todas as exportações agrícolas são controladas por 5 empresas trans-nacionais.

Quiseram entregar todo o nosso mercado interno, através da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) às empresas estadunidenses. Quiseram entregar a área de Alcântara, no Maranhão para ser base aé-rea dos EUA. Só nos salvamos porque num plebiscito popular 90% de mais de dez milhões de eleitores votaram contra esse processo.

E agora, os capitalistas estrangeiros, em especial os EUA, es-tão de olho no Pré-sal e na Amazônia. Será mais uma batalha funda-mental para o povo brasileiro. Se depender da burguesia brasileira (que não tem mais nada de nacionalista) e de setores do governo, es-tamos fritos. Eles entregam tudo. Pior, a troco de viagens pro exte-rior. Como alguns parlamentares receberam da Monsanto para apro-var a soja transgênica.

O governo dos EUA e seus interesses imperiais não brincam em ser-viço. Vejam as bases militares (sete) na Colômbia, os passeios da VII Frota pelo Atlântico e a ofensiva com seus aliados locais, para impedir que a Venezuela entre no Mercosul.

Por isso, a defesa da soberania do povo brasilei-ro vai depender, cada vez mais, de um grande movimento popular, de massas.

João Pedro Stedile

Cadê a SOBERANIA NACIONAL?

Gilberto Felisberto Vasconcellos

Saúde, Drogaria, Comida e CApItALISmO

O meu livro Nossa Vida de Cada Dia Entre o Supermercado e a Drogaria está vindo a lume pela editora Insular de Santa Catarina. Quem é Silva Mello, o objeto de meu livro?

Médico nascido em Juiz de Fora (1886), clinicou e morreu no Rio em 1973. Vinte livros escritos. Descolonizou a medicina brasileira. Sabotado nos cursos de medicina porque desceu o sarrafo na indústria farmacêutica, na privatização da medicina e na Igreja. Eis alguns assuntos por ele abordados:

A inadequada privada na qual a gente defeca produz câncer no ânus e no intestino. Silva Mello trouxe pioneiramente a disciplina da gastroenterolo-gia para o Brasil. Inventou um novo tipo de privada, mas o Ministério da Saúde não a implantou por burrice. Condenou a Bíblia por ser contrária ao parto sem dor e pela informação equivocada do ponto de vista da comida. Silva Mello mor-reu ateu.

O liquidificador arrebenta com os dentes. Deixa a boca banguela. Beber suco não está com nada, o lance é chupar a fruta. A Coca-cola e o hambúrguer são gastrodevastadores. Pior que isso só bandejão ou copo de plástico. Dormir em rede evita dor na coluna. A eliminação do alfaiate nos EUA foi uma jogada sinis-tra do jeans. Por isso a juventude embarcou no love’s pop que não é amor.

A humanidade começou no trópico. O capitalismo se reproduz no dia a dia pela acústica. O som é a política do monopólio. A vitamina farmacêutica é a droga pop da medicina.

A indústria farmacêutica funciona como uma indústria de placebos. Cuidado com o hospital capitalista. A morte está sendo produzida mais pelo tratamento do que pela própria doença.

Plano de saúde é a bomba atômica da medicina.O destino da medicina está na reforma agrária para em pequenas proprieda-

des plantar comida com adubo orgânico. A preferência por mulheres belas e cortejadas é signo da viadagem produzi-

da pela telenovela.O primeiro médico brasileiro a falar da psicanálise corrigiu Freud: a religião

não é uma ilusão, é um erro.A humanidade só começou a ficar branca depois da Idade Média. Beethoven

e Goethe tinham sangue de negro. Idem D. Pedro I e D. Pedro II.E o marxismo? Fundador do socialismo alemão, Lassalle era mulato; Marx,

negão, apelidado de mouro, cabelo pixaim. Não por acaso uma filha dele casou-se com Paul Lafargue, crioulo cubano. Darcy Ribeiro acertou em chamar o socia-lismo brizolista de “socialismo moreno”.

O adubo químico, extraído do petróleo, universalizou a agricultura agroquí-mica. É isso o que produz a comida cancerígena fabricada pelos donos da indús-tria farmacêutica, que são os mesmos proprietários das empresas de comida.

No mundo inteiro a produção de comida depende das empresas multina-cionais de agricultura. Mesmo nos trópicos, por conta do mimetismo colonial, a agricultura é feita segundo os procedimentos dos climas temperados e frios.

Imagine quando acabar a última gota de petróleo, o que será da comida no mundo?

Silva Mello deveria ser leitura obrigatória dos militantes sem-terra.

Gilberto Felisberto Vasconcellos é sociólogo, jornalista e escritor.João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do MST e da Via Campesina Brasil.

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23setembro 2009 caros amigos

Cesar Cardoso

O bate-boca entre TV Globo e TV Record não difere em nada do bate-boca entre os sena-dores Arthur Virgílio, Tasso Jereissati, Renan Calheiros, Collor de Mello e outros, sobre as maracutaias do senador José Sarney. Apenas revelam o baixo-nível do que circula na mí-dia hegemônica do País. Emissoras de estelio-natários e emissoras de manipuladores são to-das danosas para a sociedade. O que estranha mesmo é que os poderes da República man-tenham essas concessões públicas em servi-ço tão essencial como é a comunicação social. Por que as licenças não são cassadas? Anti-gamente era pão e circo. Agora é lixo mesmo para o povo!

DEMOCRACIA JAMAIS!Grande parte dos empresários de comunica-ção e concessionários dos serviços públicos de rádio e TV se retiraram mesmo da organiza-ção da Conferência Nacional de Comunicação marcada para dezembro. Eles não aceitam de-bater a organização do sistema (público, esta-tal e privado) e critérios para a concessão das emissoras. Evidentemente não estão prepara-dos para viver em democracia.

FALTA DECISÃOContinua circulando nos escaninhos da buro-cracia judicial a questão do pagamento do pon-to extra da TV paga. Enquanto isso quem paga a conta é o cidadão-consumidor, o lado mais fraco do contrato da prestação do serviço.

ROTULAÇÃO TUCANAOs poucos jornalistas que ousaram questionar o autoritarismo da lei paulista contra o fumo foram duramente patrulhados por fiéis escu-deiros do tucanato. Mesmo quando o autor se dizia contra o fumo em ambientes públicos, mas questionava aspectos ditatoriais da lei, o esquadrão antitabagista do governo estadual tratou de rotular os jornalistas de lobbystas da indústria do fumo. Tudo para preservar a ban-deira eleitoral!

INIMIGO DE CLASSEOs jornalistas não perdoam o jagunço do STF por ter acabado com a exigência do diploma para o registro profissional. Fazem manifesta-ções contra o homem pelo Brasil afora. A úl-tima foi em Aracaju (SE), onde os manifestan-

tes abriram a seguinte faixa: “Gilmar Mendes, cara de pau, arruma as malas e vá cantar no seu quintal”. Ele merece!

O PERSONAGEM DE CADA UMA senadora Marina Silva foi capa da revista Caros Amigos no mês de julho, principalmente por sua luta em defesa do meio ambiente e da Amazônia. Em agosto ela ganhou manchetes e fotos nos principais jornais e revistas empresa-riais – porque anunciou a sua saída do Partido dos Trabalhadores (PT) e expôs as divergências com o atual governo. Está claro?

DISPUTA ELEITORALA sucessão presidencial passa obrigatoriamen-te pelo alinhamento da imprensa comercial. Nessas horas o falso discurso da “imparciali-dade, independência” e outras baboseiras libe-rais, acabam virando pura caricatura. A maio-ria da mídia de direita fecha mesmo com o tucano José Serra. Mas não será surpresa se a porta-voz do reacionarismo, a revista Veja, der uma guinada lulista na sua linha editorial. É negócio mesmo!

entrelinhasa mídia como ela éHamilton Octavio de Souza

TRAJETÓRIAS

Cesar Cardoso é escritor e tem o blog PATAVINA’S (www.cesarcar.blogspot.com) Il

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O inferno é aqui Você queria transformar o mundo, mas se desiludiu com os políticos e resolveu ir pro mato criar galinha. Aí você foi, mas as gali-nhas pegaram uma doença que você nunca ou-viu falar porque é da cidade e só conhece gri-pe, enfarte e colesterol e as bichinhas morreram todas antes de você conseguir vender a sua pri-meira safra de ovos.

Aí você desistiu de ter uma casa no campo e compor rocks rurais, resolveu realizar os sonhos de juventude e virar surfista. Comprou uma prancha, foi pro Havaí e uma onda de dois metros quebrou sua prancha em três lugares e você em quatro, te deixando horas estendido na areia pra recuperar o fôlego e pegar uma insolação que te levou pra UTI com queimaduras de primeiro grau.

Aí você cansou de cuidar do corpo e re-solveu ir pra Índia meditar sobre o futuro da hu-manidade. Foi e se banhou no Ganges em busca da iluminação, mas escureceu, você se perdeu, foi assaltado e levaram tua carteira e teu pas-saporte.

Aí você decidiu olhar o lado prático da vida. Pegou as últimas economias, aplicou num fun-do de commodities com a maior rentabilidade do mercado e o seu fundo tinha financiado o megainvestimento da General Motors, que fa-liu transformando em poeira todos os gigalucros americanos e os seus também.

Aí você foi morar numa favela, num barraco com um colchão e um fogareiro e torrou sua última grana em 50 litros de cachaça que você pretendia beber até morrer. Mas o pastor te mostrou que Jesus podia te salvar, os irmãos quebraram teus 50 litros de cachaça no culto, você doou pra igreja o colchão e o fogareiro, o pastor viu que você era um caso perdido e te ex-pulsou de lá, junto com os teus demônios.

Aí você sai da favela, vai andando pela rua e alguém te entrega um papel onde está escrito: “Você queria transformar o mundo, mas se desi-ludiu com os políticos? Madame Marta traz seu senador de volta em três dias”.

Aí...

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Hamilton Octavio de Souza é [email protected]

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Page 25: Ed. 150 - Revista Caros Amigos

Ministério daPrevidência Socialwww.previdencia.gov.br

O Brasil e a Previdência sOcial vivem um nOvO temPO.

e O seu clóvis, que se aPOsentOu em 30 minutOs, tamBém.

Previdência sOcial.um nOvO temPO Para O Brasil e Para vOcê.

A Previdência Social se tornou mais rápida e eficiente. Tanto que já reconhece direitos como aposentadoria e salário-maternidade

em até 30 minutos. E ainda tem outras melhorias:

• agendamento por telefone • maior rede de agências • extrato previdenciário eletrônico • carta-aviso para quem

atinge condições de aposentadoria por idade.*

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caros amigos setembro 2009 26

Fidel Castro

Ao que chamam globalização, prefiro denominar globocolonização, e resulta de avanços tecnológicos que permitem o deslocamento, em tempo real, do capital financeiro, com o objetivo de desestabilizar (e descapitalizar) governos que resistem à hegemonia neoliberal.

No biênio 1950-60, como reação à crise estrutural do capita-lismo no pós-guerra, a globocolonização se impôs pela reestruturação eco-nômica da hegemonia capitalista. Teve como característica a substituição do modo de produção mecanizado pela tecnologia informatizada.

Tal processo, facilitado pelo período conservador Reagan-Thatcher dos anos 80, e o fim do socialismo na Europa do Leste, permitiram a ampla ex-pansão do capital financeiro. O processo globocolonizador legitimou a des-construção do Estado-nação, a hegemonização do planeta sob o controle das nações metropolitanas e a supremacia do mercado sobre o Estado.

A economia passou ser tratada como esfera distinta das esfe-ras política e social. O governo Lula ratificou essa autonomia da esfera econômica ao entregar o Banco Central em mãos de um economista fi-liado ao PSDB, Henrique Meirelles. Criou-se uma interconexão entre as economias nacionais dos países do G-8 e daqueles que, como o Brasil, são considerados em vias de desenvolvimento. A recente crise financei-ra nos EUA e seus reflexos internacionais o comprovam.

Embora a globocolonização favoreça a livre circulação do capital, ela restringe a livre circulação de pessoas. Impede-se a globalização da migração. Nos séculos passados, a migração representou um fator posi-tivo que expandiu o comércio e a economia, permitiu a criação de na-ções, fortaleceu a urbanização, estimulou intercâmbios sociais e cul-turais. O sistema capitalista suportou a migração Norte-Sul, sobretudo nos períodos de desemprego pós-guerras (7 milhões de europeus che-garam à Argentina na virada dos séculos XIX e XX) mas, hoje, rechaça a migração Sul-Norte e teme a Leste-Oeste.

Por força do semicolonialismo, o processo migratório tende a crescer. Segundo a ONU, em 1965 os migrantes internacionais eram 75 milhões; 84 milhões em 1975; 105 milhões em 1985; e, em 2000, 150 milhões.

Os avanços tecnológicos da últimas décadas permitiram aos traba-lhadores dos países ricos atividades menos exaustivas; houve melho-ra nas condições de trabalho; conquista de mais direitos trabalhistas. A classe trabalhadora dos países pobres, entretanto, que extrai e ma-nufatura matéria-prima para os países ricos, se tornou muito mais ex-plorada. O que provocou aumento da migração.

Se hoje existem mais de 4 milhões de brasileiros em busca de trabalho no exterior é por falta de esperança no mercado interno. E não há muro, lei ou polícia que reduza o fluxo migratório enquanto não se romper a dependência do mundo em relação ao G-8. Este que se prepare para quando a muralha da China for transposta por hordas de migrantes…

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre ou-tros livros.

Globalização e MIGRAÇÃO

Sete punhAIS no coração da América

Frei Betto

Os povos que habitam o planeta, em todas as partes, cor-rem riscos econômicos, ambientais e bélicos, derivados da política dos Estados Unidos, mas em nenhuma outra região da terra se vêem amea-çados por tão graves problemas como seus vizinhos, os povos localiza-dos neste continente ao Sul daquele país hegemônico.

A presença de tão poderoso império que em todos os continentes e oceanos dispõe de bases militares, porta-aviões e submarinos nuclea-res, navios de guerra modernos e aviões de combate sofisticados, por-tadores de todo o tipo de armas, centenas de milhares de soldados, cujo governo reclama para eles impunidade absoluta, constitui a dor de ca-beça mais importante de qualquer governo, seja de esquerda, centro ou direita, aliado ou não dos Estados Unidos.

Ao longo de séculos essa nação reclamou direitos privile-giados sobre o nosso Continente. Nos anos de Martí tentou impor uma moeda única baseada no ouro, um metal cujo valor tem sido o mais constante ao longo da história. Geralmente o comércio internacional se baseia nele. Hoje nem sequer isso. Desde os tempos de Nixon, o co-mércio mundial foi instrumentado com notas de papel impresso pelos Estados Unidos: o dólar, uma divisa que hoje tem um valor por volta de 27 vezes menor do que no começo da década de 70, uma das tan-tas maneiras de dominar e calotear o resto do mundo. Hoje, no entan-to, outras divisas substituem o dólar no comércio internacional e nas reservas de moedas conversíveis.

Ante esta e outras realidades, os governantes dos países da Unasul, do Mercosul, do grupo do Rio e de outros, não podem deixar de ana-lisar a justa pergunta venezuelana. Qual é o sentido das bases milita-res e navais que os Estados Unidos querem estabelecer ao redor da Ve-nezuela e no coração da América do Sul? Lembro que há vários anos, quando entre a Colômbia e a Venezuela, duas nações irmãs pela geo-grafia e pela história, as relações se tornaram perigosamente tensas, Cuba promoveu em silêncio importantes passos de paz entre ambos. Os cubanos jamais estimularemos a guerra entre países irmãos. A experi-ência histórica, o destino manifesto proclamado e aplicado pelos Esta-dos Unidos, e a fraqueza das acusações contra a Venezuela de fornecer armas às Farc, associadas às negociações com o propósito de conceder sete pontos do território colombiano para uso aéreo e naval das For-ças Armadas dos Estados Unidos, obrigam a Venezuela a fazer investi-mentos em armas, recursos que poderiam ser empregues na economia, nos programas sociais e na cooperação com outros países da área com menos desenvolvimento e recursos. Não se arma a Venezuela contra o povo irmão da Colômbia, arma-se contra o império, que tentou derro-car a Revolução e hoje tenta instalar nos arredores da fronteira vene-zuelana as suas armas sofisticadas.

Seria um erro grave pensar que a ameaça é apenas contra a Venezuela; é dirigida a todos os países do Sul do continente. Nenhum go-verno poderia ignorar o tema e assim o têm declarado vários deles.

Fidel Castro Ruz

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Lúcia Rodrigues

o estudo divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre car-ga tributária e capacidade do gasto público

no Brasil revela que são os trabalhadores os respon-sáveis pela maior parcela da arrecadação tributária no país. O percentual despendido para o pagamen-to de tributos é inversamente proporcional à ren-da dos brasileiros.

Quem recebe até dois salários mínimos de renda familiar mensal, ou seja, meio salário mínimo per-capita por mês (levando-se em conta que o padrão de estrutura familiar no Brasil é composto por qua-tro pessoas), contribuiu no ano passado, com 53.9% desses recursos para o pagamento de tributos. Ao passo que o esforço dos que se encontram na outra

ponta da tabela e recebem acima de 30 salários mí-nimos ficou na casa dos 29%.

O total de dias trabalhados para o pagamento de impostos por esses trabalhadores de baixa renda foi de 91 dias a mais no ano do que os que se encon-tram no topo da tabela. Ou seja, os trabalhadores mais pobres tiveram de trabalhar três meses a mais do que aqueles que recebem acima da faixa de 30 salários mínimos de renda familiar mensal.

“O sistema tributário brasileiro tem uma pre-ferência. Fez a opção pelos ricos e proprietários”, afirma o presidente do Ipea, Márcio Pochmann. Ele conta que a tributação no país está focada sobre o consumo, principalmente, dos produtos destinados à população de baixa renda.

“Mas geralmente quem reclama da carga tribu-tária são os ricos. Rico não querer pagar imposto, não é um fenômeno novo, é secular. Infelizmente somos um país que não tem cultura democrática. O sistema político expressa os interesses daqueles que têm propriedade e têm mais recursos para fazer va-ler os seus direitos”, argumenta.

O papel do Ipea ao produzir estudos dessa na-tureza é o de mostrar a realidade do país, segun-do Pochmann. “Conhecer a realidade é o primeiro passo para transformá-la. No Brasil se tributam ali-mentos. Nos países desenvolvidos essa tributação não ocorre, pois são bens de primeira necessidade”, frisa. Ele defende a ideia de que é preciso avançar em um mecanismo de educação tributária. “Deve-se informar nos produtos quais são os tributos em-butidos neles.”

A estimativa do Ipea para a carga tributária bru-ta, em 2008, foi de 36,2% do PIB (Produto Interno Bruto), a soma de tudo o que é produzido no país. Para o diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), João Sicsú, a carga tributária no Brasil não é alta, mas mal distribuída. Ele foi um dos téc-nicos que participou da elaboração do estudo. Du-rante aproximadamente um ano e meio dezenas de técnicos do instituto se debruçaram sobre o tema.

“A grande imprensa fala que a carga tributária no Brasil é muito alta. Mas não é verdade. Ela tem

A carga tributária brasileira é profundamente injusta. Os trabalhadores que recebem salários mais baixos trabalham três meses a mais do que os ricos, para pagar tributos. A propriedade e o capital sofrem baixa taxação. E os latifundiários praticamente não pagam imposto sobre a terra.Ilustração Lattuf

No Brasil quem paga impostossão os pobres

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distorções. O que tem de se fazer é tornar a carga tributária progressiva. Quem tem mais, paga mais, quem tem menos, paga menos”, ressalta.

Segundo Sicsú, uma das distorções a ser corri-gida é o baixo escalonamento de alíquotas do im-posto de renda da pessoa física. “Até o ano passado só tínhamos três alíquotas. Maior justiça tributária se faz com um maior número de alíquotas. Deve-se atingir com alíquotas mais elevadas, quem tem ren-das mais elevadas.”

No Brasil, o imposto de renda para a pessoa físi-ca tem cinco alíquotas, a mais alta fica na casa de 27,5%. “A França tem doze alíquotas. Mas não é só o número de faixas que precisa ser corrigido. Tem de ter alíquotas mínimas e máximas”, frisa.

Na França a alíquota mínima é 5% e a máxima de 57%. Na Holanda a máxima é de 60%, na Bélgi-ca, 55%, na Alemanha, 53%, na Áustria, 50%, Aus-trália 47%, Israel 50%, Itália 45% e Estados Unidos, 40%. “O imposto de renda é o instrumento para se fazer justiça tributária, sobre a renda, sobre a rique-za”, destaca Sicsú.

Uma das características dos países desenvolvi-dos ou daqueles que honram o título de países em desenvolvimento é ter uma baixa carga tributária recaindo sobre impostos indiretos, caracterizados basicamente pelos tributos que taxam o consumo. “Quando se compra um quilo de feijão, o rico e o pobre pagam o mesmo imposto embutido no pre-ço final. Mas isso é absolutamente injusto, porque o esforço que o pobre faz para pagá-lo é infinita-mente superior ao do rico.”

Para ele, o ponto central do argumento que deve ser discutido para se reverter essa distorção na tributa-ção brasileira é aumentar os impostos sobre a renda e a riqueza e diminuir o peso dos impostos indiretos.

“A legislação tem de ser modificada para corri-gir essas distorções. Tem de se criar mais alíquotas no imposto de renda, tributar a riqueza de uma for-ma mais justa, tributar a propriedade, o automóvel, apartamento, a herança, lancha, ferrari, o iate...”

pagamento de juros

No ano passado, o governo federal pagou apro-ximadamente R$ 115 bilhões em juros e encargos da dívida. Esse tipo de pagamento é a única des-pesa que para ser autorizada não requer a identifi-cação de uma fonte de receita. O Banco Central é quem determina quanto será pago e o Tesouro se vira para honrar.

Em termos percentuais, os juros e encargos da dívida, pagos em 2008, representaram 3,81% do orçamento fiscal e da seguridade. No mesmo perí-odo, o governo federal gastou 0,76% com a edu-cação de ensino superior. Os gastos da União com a saúde representaram 1,51%. Para a habitação o governo despendeu 0,01%. Qualquer um desses gastos foi infinitamente inferior ao montante pago com a dívida.

“A carga tributária subiu fundamentalmente para pagar juros, não foi para gastar com os po-bres”, frisa o professor de Economia da Unicamp Waldir José de Quadros, estudioso da estrutura so-cial brasileira.

Para Quadros, a regressividade da carga tributá-ria no Brasil é estrutural. “É uma discussão da re-sistência contra a ditadura, contra a concentração de renda. O bom é que o Ipea recolocou essa ques-tão novamente na pauta”, afirma.

Segundo o professor, quem paga imposto no Brasil é pobre e assalariado. “A estrutura é distorci-da, é regressiva. Tem uma grande ênfase no impos-to indireto, aquele que está embutido no preço fi-nal do produto.”

Ele conta que ao contrário dos trabalhadores, as empresas montam estruturas, assessorias jurídicas para não pagarem impostos. “Existem vários escri-tórios de advocacia especializados, para evitar que os ricos paguem impostos, cumprindo a legislação. Não é sonegação. Escapam do imposto, dentro da lei. A legislação é confusa, e se valem de suas bre-chas. Os tributaristas são muito bem remunerados para conseguirem fazer isso.”

A interpretação conservadora, segundo ele, afir-ma que a carga tributária subiu por causa da Cons-tituição Federal, que aumentou os direitos sociais. Mas na verdade, a arrecadação foi voltada para pa-gar juros da divida. “Aí o consenso conservador viabilizou”, afirma ao se referir a aceitação do pa-gamento da dívida pelos ricos.

O pagamento de juros e encargos da dívida con-sumiu no ano passado 6,9% do PIB. “Mas o país já chegou a pagar mais de 8%”, ressalta Quadros. “Es-tão tributando a sociedade para pagar a dívida. Isso é transferência de renda, por isso, a concentração de renda aumenta no Brasil”, conclui.

O professor Sicsú também critica o gasto com juros, apesar de afirmar que a dívida deve ser hon-rada. “No gasto com os juros se transfere recursos para um individuo ou uma empresa que já têm to-das as suas necessidades de gastos satisfeitas. Tan-to que aplicou em títulos da dívida pública, gastou tudo que precisava, aplicou nos títulos da dívida pública e recebeu os juros”, frisa.

“E o que ele faz com os recursos que recebe? Aplica de novo no mercado financeiro. Não melho-ra a qualidade de vida de ninguém. Esse montante não é transformado em gasto, para gerar emprego e renda”, acrescenta.

A maioria dos capitalistas que conseguem esca-par pelas brechas previstas na legislação, além de reduzir sua contribuição na carga tributária, inje-tam esses recursos na ciranda financeira. Esses ren-tistas aplicam seus capitais em títulos da dívida e são remunerados pelo governo quando este paga os juros. Ganham nas duas pontas.

“Hoje a dívida interna brasileira está em R$ 1,7 trilhão. É, por isso, que o governo não tem dinheiro para fazer reforma agrária. É por isso que não tem educação, que não tem saúde, 30% do orçamento está direcionado para pagar a dívida. Juros e carga tributária se inter-relacionam. O governo tem de ar-recadar a qualquer custo para pagar os juros da dí-vida”, critica o assessor econômico do PSOL na Câ-mara dos Deputados, Rodrigo Ávila.

Ele é o responsável pelo estudo que o partido elaborou para subsidiar as discussões sobre a re-forma tributária. O PSOL é contra o projeto apre-sentado pelo governo. Apesar de ter sofrido emen-das na Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara o texto está longe de representar um avanço do ponto de vista da equidade tributária, segundo Ávila.

O substitutivo está pronto, mas não deve ir à votação no plenário da Câmara nem neste nem no próximo ano. “A reforma proposta não altera a es-trutura tributária, quem paga imposto, hoje, vai continuar pagando. E o pior é que ainda tira a fon-te de renda garantida para a seguridade social. A proposta defende a extinção da Cofins e do PIS”, adverte o assessor.

O PSOL apresentou uma proposta alternativa à reforma tributária apresentada pelo governo. “Que-remos que seja criado um imposto sobre as grandes fortunas, que está previsto na Constituição, mas que nunca foi regulamentado”, ressalta. O partido tam-bém quer acabar com a isenção do imposto de ren-da, para os investidores estrangeiros. Pela legislação, qualquer investidor estrangeiro que aplique o capital

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caros amigos setembro 2009 30

Países

AlemanhaBrasilCanadáCoréia do SulEspanhaEstados UnidosFrançaGréciaHungriaIrlandaItáliaJapãoNoruegaNova ZelândiaPolôniaPortugalReino UnidoSuécia

Carga tributária bruta

39,234,733,126,832,728,442,331,639,930,842,528,142

36,534,136,536,546,8

Juros líquidos

2,46,20,7-1,51,22,12,50,10,5-4,64,50,7

-13,3-0,91,62,91,82,6

Em %, em 2007 Fonte: Banco Central do Brasil, OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico)Elaboração: Ipea

no mercado financeiro, não paga imposto de renda. “Aprovar uma boa reforma tributária com esse

congresso conservador vai ser difícil. Considero que a carga tributária não tem de diminuir. Sou a fa-vor de mantê-la. Mas o governo tem de gastar me-lhor. O gasto é ineficiente, gasta muito com juros”, critica Quadros.

A baixa tributação da terra no Brasil também dei-xa o professor indignado. “Isso vem desde a época das sesmarias. A propriedade sempre foi subtaxada, é um problema histórico. É uma piada”, ironiza.

redução do IpI

Segundo dados da Receita Federal, a renúncia esti-mada para este ano com a isenção de IPI (Imposto so-bre Produtos Industrializados) concedida pelo governo federal, para eletrodomésticos da linha branca, veícu-los, motocicletas, caminhões, materiais de construção e farinha de trigo, representará R$ 3,3 milhões.

Apesar da renúncia na arrecadação do tributo pela União, o professor Quadros considera que o governo federal acertou na medida. “A isenção do IPI foi efi-ciente, evitou a precipitação da crise. A recessão seria uma penalização maior.”

O presidente da CUT (Central Única dos Trabalha-dores), Artur Henrique da Silva Santos, foi procura-do pela reportagem da Caros Amigos, por intermédio de sua assessoria de imprensa, para comentar o estu-do do Ipea sobre a carga tributária brasileira e a redu-ção do IPI, mas não retornou o contato até o fecha-mento desta edição.

A assessoria da Central encaminhou um documen-to datado de 2003, com as propostas da CUT para uma reforma tributária. As diretrizes do texto informam que a entidade defende a melhoria na distribuição de

renda, o aperfeiçoamento na distribuição dos recursos do pacto federativo e estímulo ao crescimento com es-tabilidade de preços.

O incentivo ao investimento produtivo, especial-mente àqueles que geram mais empregos, a recupe-ração da capacidade de investimento do Estado nas áreas sociais e de infraestrutura econômica, a ele-vação do peso dos impostos diretos sobre o grande patrimônio, a redução da participação dos impostos indiretos no total arrecadado, a desoneração da ces-ta básica, além da eliminação da guerra fiscal entre Estados e municípios e o combate à fraude e sone-gação também são preocupações da CUT.

empresárIos

Para os empresários ligados à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a carga tributária brasileira tem dois problemas: é alta e complexa. “O Brasil tem uma tributação de primeiro mundo e servi-ços de terceiro”, afirma Hélcio Honda, diretor do De-partamento Jurídico da entidade.

“O gasto do governo é mal aplicado no retorno para a população. Se tivesse uma carga tributária de 40% do PIB, mas não se precisasse pagar escola para os filhos, não se precisasse pagar um plano de saúde, pedágios nas rodovias, talvez a carga tributária fosse até baixa. Mas na realidade brasileira tem que se pa-gar por tudo”, frisa.

Ele reclama do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), o imposto que é cobrado pelos governos estaduais. “A carga é complexa por-que são 27 alíquotas diferentes. Os impostos da União são mais simples, têm uma legislação só.”

O secretário da Fazenda do Estado de São Pau-lo, Mauro Costa, foi procurado pela reportagem da

peso da carga tributária por países e despêndio com juros

Waldir Quadros, da Unicamp.

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Caros Amigos, por intermédio da assessoria de im-prensa, para comentar a carga tributária paulista, mas não retornou as ligações. A assessoria do se-cretário informou que somente ele poderia comen-tar o assunto.

Para Honda, a carga tributária brasileira penaliza a população de baixa renda porque é regressiva. “Está baseada no consumo. A carga tributária sobre o con-sumo e o faturamento é elevada”, reclama.

banqueIros

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) considera a carga tributária brasileira alta. Segun-do o assessor sênior da entidade, Ademiro Vian, a tributação paga pelos bancos é extremamente ele-vada. “Do que se paga para o banco, 44,65% vai para o cofre da União.”

A Federação tem razão na afirmação. Mas ao contrário do que tenta provar é o cliente quem paga pelos tributos. Quem arca com o peso desses tribu-tos é o cliente. Os bancos, portanto, não têm do que reclamar, pelo simples fato de não contribuir com o bolo da arrecadação tributária, pois apenas repas-sam para o Executivo o tributo que embutem nas taxas bancárias que cobram de seus clientes.

“Os nossos tributos têm muitos subsídios cru-zados. O Banco Central fala para o banco que não pode cobrar tarifa sobre dez folhas de talão de che-que. Tudo bem, o banco não vai cobrar sobre aque-la operação, mas vai repassar esse custo embutido em outras tarifas. Não existe almoço de graça. Po-de-se isentar uma determinada operação, mas vai aumentar em outra ponta”, reconhece o assessor da Febraban.

Segundo Vian, os bancos são os maiores con-tribuintes de arrecadação da receita total da União. Duzentas e dezessete instituições financeiras res-ponderam por 30% da arrecadação federal, em 2007. Na verdade, como ele próprio reconheceu, os bancos apenas repassam para o governo os impos-tos que são pagos por seus clientes.

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Lúcia Rodrigues é jornalista.

Entenda os mecanismos que os ricos utilizam para driblar o Fisco

O sistema tributário de um país é o reflexo da correlação de forças que há na sociedade. Existem três formas clássicas de tributação no mundo: so-bre a renda, o patrimônio e o consumo. O peso que é atribuído a cada uma delas é que define quem irá arcar com o ônus da carga tributária nacional.

Maior tributação sobre o patrimônio e a ren-da pressupõe maior justiça tributária, ou seja, paga quem é dono de propriedade ou detentor de capital. Já os impostos que são cobrados sobre o consumo penalizam, principalmente, os pobres, que destinam a maior parte de seu orçamento para a compra de produtos e serviços. Os trabalhadores assalariados de classe média também são atingidos por esse mes-mo mecanismo, quando o governo opta pela ênfase nesse tipo de arrecadação de tributos.

No Brasil, sempre se privilegiou a taxação do consumo em detrimento do patrimônio e da ren-da. Atualmente dois terços da arrecadação das três esferas (União, Estados e municípios) tributam o consumo. “Os ricos nunca pagaram muito tributo”, ressalta o presidente da delegacia de Campinas do Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), Paulo Gil Introíni. O auditor fis-cal explica à Caros Amigos alguns dos mecanismos utilizados pelos ricos para driblar o fisco e não pa-gar impostos, dentro da lei.

O caso mais emblemático é o do ITR (Impos-to Territorial Rural). Esse imposto é praticamente residual no total da arrecadação da carga tributá-ria. Segundo o estudo divulgado pelo Ipea (Institu-to de Pesquisa Economica Aplicada), a valor pago pelos donos da terra representou R$ 0,3 bilhão de um total de R$ 141,1 bilhões de tributos arrecada-

dos incidentes sobre a propriedade e renda do ca-pital, em 2006. “O Brasil é vice campeão mundial em concentração de terras, mas latifundiário não paga imposto.”

Ao contrário do IPTU (Imposto Predial e Terri-torial Urbano), que é lançado pelas prefeituras, no ITR cabe ao proprietário rural lançar o valor de sua propriedade. Ele paga em cima daquilo que declara. O formulário preenchido é semelhante ao imposto de renda. Cabe ao Executivo verificar se a declara-ção é verdadeira ou não.

Além dessas injustiças sociais, a tributação sobre a renda e o patrimônio praticamente não é progres-siva. “Para se fazer justiça deveria se tributar pro-gressivamente a renda e o patrimônio. Quem ganha mais e tem mais renda, deveria pagar proporcional-mente mais. Está na nossa Constituição. Só que esse princípio não é respeitado”, ressalta.

Segundo Gil, a partir de meados da década de 90 houve um aprofundamento da injustiça tributária. O projeto capitaneado pelo ex presidente da Repú-blica Fernando Henrique e operado pelo então se-cretário da Receita Federal, Everardo Maciel, deso-nerou a renda do capital e aumentou a tributação sobre o consumo.

No primeiro ano do governo FHC ocorreu uma grande reforma no imposto de renda, com a dimi-nuição da tributação sobre a renda do capital e o aumento sobre a renda do trabalho. Pelo mecanis-mo proposto pelo governo tucano, “a pessoa física que ganhasse, por exemplo, R$ 5 mil estava sujeita a uma alíquota de 27,5%, já o empresário que reti-rasse, no mesmo período, R$ 50 milhões em lucros de sua empresa ficava isento do imposto de renda de pessoa física”, conta. A legislação aprovada ga-rantia à distribuição de lucros, isenção.

O argumento era o de que a empresa já havia pago o imposto como pessoa jurídica. “Mas o go-verno poderia fazer com que os empresários aba-tessem da pessoa física o que a jurídica pagou. Só que FHC não fez isso.” Os empresários, como pesso-as físicas, não pagam um tostão de imposto de ren-da quando transferem os lucros de suas empresas. “Pagam o imposto de renda de pessoa jurídica de até 25%. Mas como pessoa física, o montante en-traria na alíquota de 27,5%.” Nos países desenvol-vidos a tributação das pessoas física e jurídica é se-parada, independente.

Além desse subterfúgio, os setores empresarial e financeiro também se valeram de outro mecanismo para engordar ainda mais seus recursos: o juro de capital próprio. Existem duas formas de distribui-ção de lucro no país. Uma é a isenção pura e sim-ples, a outra, o juro de capital próprio.

Lançam mão do recurso do juro de capital pró-prio, as empresas muito capitalizadas e os bancos. Sobre um percentual de seu patrimônio liquido, eles calculam uma taxa de juros fictícia, baseada na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo). É como se

estivessem tomando emprestado o seu próprio capi-tal. É em cima dessa remuneração fictícia, que cal-culam quanto podem abater de tributos que deve-riam pagar ao fisco, caso tivessem tomado de fato o empréstimo dos recursos no mercado financeiro.

Normalmente pagam até 25% de imposto de renda de pessoa jurídica e 9% de contribuição so-cial, mas o mecanismo permite abater a despesa fic-tícia na rubrica juros de capital próprio. Ao lançar isso como despesa, diminuem a receita e mascaram o lucro. A tributação sobre o lucro, cai.

“Deixam de pagar os 34% de imposto e contri-buição e passam a pagar 15%, apenas. Isso repre-senta uma economia de 19%. O guia de um jor-nal econômico paulista recomendava essa forma de distribuição de lucros, como a mais vantajosa”, frisa o dirigente do sindicato dos auditores fiscais.

Desoneração Dos ricos

A principal medida do governo FHC para refor-mar o imposto de renda, em meados da década de 90, foi a da desoneração da renda do capital. A pessoa física, ao contrário, foi penalizada com o congela-mento da tabela. E mais pessoas tiveram de passar a declarar à Receita. “A tabela ficou congelada por cin-co anos e provocou uma defasagem de 35%. No ano 2000, o número de declarantes mais que dobrou.”

A classe média também foi arrochada por FHC e passou a ser mais tributada. “Enquanto os ricos pas-saram a pagar menos ou a não pagar nada”, comen-ta. Houve um deslocamento da tributação da ren-da oriunda do trabalho e uma desoneração da renda originária do capital.

Na base dos metalúrgicos do ABC, poucos tra-balhadores apresentavam declaração de imposto de renda. Mas após 1995 muitos passaram declarar à Receita. Não ocorreu distribuição de renda, não hou-ve aumento da massa salarial, pelo contrário a massa diminuiu. O que ocorreu foi que o governo avançou sobre a parcela dos salários, entrou no que se costu-ma chamar de mínimo existencial.

O mínimo existencial é levado em consideração em alguns países, para não se tributar pessoas po-bres. Trata-se de um mínimo de recursos de que a pessoa necessita para viver (para manter gastos com alimentação, moradia, saúde, educação, transporte e, inclusive, lazer). “Se a pessoa desvia algum recur-so necessário à sobrevivência, para o pagamento de tributos, isso é considerado confisco.”

Para Gil, a carga tributária do país é profunda-mente mal distribuída. “Há um falso debate, se é alta ou baixa. A pergunta fundamental que tem de ser respondida é quem é que paga a conta. Os que estão gritando que a carga tributária é alta, não são os que arcam com a carga. Quem arca de fato e nem sabe disso, são os trabalhadores, vítimas inocentes dessa história”, ressalta.

“Quem tem isenção de lucros, não tem moral para dizer que a carga tributária é alta. Não são os ban-queiros, não são os empresários das multinacionais, os grandes executivos, que pagam essa carga. São os trabalhadores. Pela ordem, os assalariados de baixa renda e a classe média. O nosso sistema tributário é Robin Hoodiano às avessas”, acrescenta.

Paulo Gil, da Delegacia Sindical de Campinas da Unafisco.

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Nos EUA, a pandemia está em vias de tornar-se caso de polícia, ou melhor, das Forças Armadas.

As tristes origens da gripe suína

Renato Pompeu

a s origens da gripe suína são mais um dos ma-les causados pelo neoliberalismo. Explique-mos. O surto atual da nova cepa do vírus do

subtipo H1N1 em humanos seria, segundo as primei-ras pesquisas realizadas no começo do ano, resultado de uma combinação de quatro cepas anteriores: duas cepas comuns entre suínos, uma cepa comum entre aves e uma cepa comum entre humanos.

Pesquisas mais recentes referem que se trata de uma combinação apenas de duas cepas comuns en-tre suínos e podem ser uma confirmação da ex-plicação proposta pelo pesquisador R.G. Wallace, que, em http://farmingpathogens.wordpress.com/, defende a tese de que as medidas de contenção de despesas impostas desde os anos 1980 pelo Fundo Monetário Internacional ao México influenciaram a origem da pandemia.

Wallace afirma que, na origem de tudo, está tam-bém a tendência das multinacionais de criação de ani-mais de transferir suas cadeias de produção dos países ricos para os países pobres, onde os custos de terra e de mão-de-obra são mais baratos, mas onde também são menores os cuidados sanitários. Particularmen-te dramático, segundo ele, foi o evento da introdução do Nafta, sigla em inglês da Associação de Livre Co-mércio da América do Norte, que levou à transferên-cia em massa da criação de porcos dos Estados Uni-dos, e também do Canadá, para o México. Tanto que ele chama a gripe suína de “gripe Nafta”.

contágio em massaAinda de acordo com Wallace, a contenção de des-

pesas pelo FMI afetou especialmente a vigilância sa-nitária mexicana. A concentração de milhares de ani-mais, nas modernas fazendas, requer um aumento, e não uma diminuição, da vigilância sanitária, pois a proximidade facilita o contágio e o contágio frequen-te, por sua vez, facilita as mutações.

Foi o que aconteceu no caso da doença da vaca lou-ca, com origem na Grã-Bretanha, e da gripe aviária, em Hong Kong, e agora acontece com a gripe suína. A dife-rença é que, na doença da vaca louca e na gripe aviária, a redução dos custos que resultou na redução da vigi-lância sanitária teve origem na chamada “racionaliza-ção” da criação em larga escala, por empresas pecuárias e avícolas privadas, bastante oligopolizadas, enquanto no caso da gripe suína o corte na vigilância sanitária foi nas verbas públicas mexicanas.

Em abril, no jornal mexicano La Jornada (www.lajornada.unam.mx), se revelou como a epidemia co-meçou na aldeia La Gloria, no Estado de Veracruz, a leste da capital federal, numa fazenda da multinacio-nal americana Smithfield.

O primeiro caso confirmado de gripe suína foi um menino de 4 anos de La Gloria, mas, anteriormente, 400 habitantes haviam apresentado sintomas respira-tórios desde fevereiro; no entanto, a epidemia só foi reconhecida oficialmente em abril; os governos ame-ricano e brasileiro se queixaram oficialmente do atra-so na divulgação da epidemia pelo governo mexicano. Em 2000, a Smithfield havia sido multada em 12 mi-lhões de dólares nos Estados Unidos, por lançar tone-ladas e toneladas de dejetos de porcos num rio no Es-tado da Virgínia; no México, é claro, há muito menos controle sobre as atividades da multinacional, a maior do mundo em produção de carne de porco. Isso apesar de, nos próprios EUA, terem ocorrido nas últimas dé-cadas cortes de verbas, ao nível federal, e em especial no nível estadual e de condado (município, ou mais exatamente, comarca), para o sanitarismo.

Embora tenha surgido depois, o surto atual de gri-pe suína se transformou rapidamente em epidemia e em pandemia, o que ainda não aconteceu, e talvez não aconteça nunca, com a doença da vaca louca e a gri-pe aviária. A razão para isso é que os porcos têm uma característica específica: podem ser afetados tanto por vírus típicos de suínos, como por vírus típicos de hu-manos e vírus típicos de aves – e pelas combinações e mutações entre eles.

Nem todos os vírus gripais dos porcos afetam os seres humanos, mas, numa criação de porcos, quando surge alguma gripe entre os suínos, é preciso que os tra-balhadores usem máscaras e luvas, além de outras pro-vidências, como vacinação em massa dos animais – e são esses cuidados que parecem não ter sido respeitados no México, em particular na fazenda de La Gloria.

A facilidade para combinações e mutações é que torna possíveis as epidemias e as pandemias. Os vírus já existentes encontram resistência no sistema imuno-lógico e ainda nas vacinas específicas; os vírus mutan-tes não encontram resistência no sistema imunológi-co, que não os reconhece nem cria anticorpos contra ele; as vacinas para os tipos anteriores também não funcionam contra os vírus mutantes. No caso da gri-pe suína, as únicas vacinas até agora desenvolvidas, a rigor ainda em caráter experimental, embora já este-jam em vias de ser aplicadas em massa, são do labo-ratório CSL, da Austrália, e da Novartis, da Suíça, que apenas licencia os outros produtores, como o Instituto Butantã, mas sempre entrega o sal já pronto, sem dis-ponibilizar a fórmula.

O remédio Tamiflu (oseltamivir), patenteado pelo laboratório Gilead, dos EUA (do qual um dos acio-nistas é o ex-secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, ex-presidente do laboratório GD Searle, da Monsan-to), e distribuído comercialmente só pela Hoffman-

Roche, também suíça (já em produção em Belo Hori-zonte e no Rio), é considerado o mais eficaz contra o vírus da gripe suína. Mas são menos divulgados seus efeitos colaterais, que incluem psicoses, já ocorridas no Japão quando o remédio foi usado contra a gripe aviária. Além de alucinações, o Tamiflu pode provo-car complicações cardíacas e pulmonares e já causou mortes. Pouco se tem falado, fora dos Estados Uni-dos, de outro remédio eficaz contra a gripe suína, o zanamivir, lá vendido como Relenza, da GlaxoSmi-thKline, um pó para aspirar pelo nariz, que também pode ter graves efeitos colaterais.

lado militarNo entanto, existem outros problemas além dos

aspectos médicos da doença. Nos Estados Unidos, a esquerda começa a temer que a gripe suína sirva de pretexto para a instauração de campos de concentra-ção para “refugiados ambientais”. Já está prevista uma multa de 250 mil dólares e prisão de um ano a quem se recusar a ficar confinado em quarentena e as Forças Armadas, em seu conjunto, já estão preparando um plano de “quarentenização”, conforme se vê em arti-go do pesquisador Declan McCullagh em http://infor-mationclearinghouse.info/article22524.htm.

Em comunicado do Governo Americano no Exí-lio ([email protected]), grupo esquerdista compos-to de americanos espalhados por vários países, se diz: “A 30 de julho, a CNN informou que os militares americanos estão manobrando para ficarem envol-vidos no surto de gripe suína prometido para o fim deste ano. ‘Os militares americanos querem estabe-lecer equipes regionais de pessoal militar para ajudar autoridades civis no caso de um surto significativo do vírus H1N1 neste outono (primavera no Hemis-fério Sul, a partir de setembro), segundo funcioná-rios do Departamento de Defesa’, proposta atualmen-te na mesa do secretário da Defesa, Robert Gates, de acordo com a CNN. ‘Como primeiro passo, Gates está sendo solicitado a assinar uma ordem executiva que autorizaria os militares a começar a conduzir o pla-nejamento detalhado para cumprir esse objetivo’”.

Referindo-se a anúncios de “procuram-se” pu-blicados pela Guarda Nacional do Exército, em bus-ca de pessoas qualificadas para controle de “inter-namentos”, a nota do Governo Americano no Exílio prossegue: “Parece que a Guarda Nacional do Exér-cito está manobrando para reunir pessoal para os campos e ‘cumprir esse objetivo’ de vacinar à for-ça o público e de reunir e prender os que recusarem ser vacinados como inimigos perigosos do Estado que precisam ser internados em campos de traba-lhos forçados e de reeducação’.”

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33setembro 2009 caros amigos novo sítio: www.carosamigos.com.br

Em outro comunicado, o Governo Americano no Exílio havia divulgado um artigo de Kurt Nimmo, do GlobalResearch, segundo o qual, num programa de rádio transmitido por várias estações dos EUA, o apresentador Alex Jones leu uma mensagem ele-trônica de um ouvinte, que se disse funcionário dos Institutos Nacionais de Saúde e contou que, a pro-pósito da Conferência Internacional sobre a Gripe Suína, em Washington, de 19 a 21 de agosto, havia recebido uma mensagem eletrônica funcional “que falava em gerenciamento de mortes em massa e em continuidade das atividades governamentais”.

À mensagem eletrônica funcional estava anexa-do um arquivo em PDF sobre a Conferência, que in-cluiu discussões sobre o gerenciamento de mortes em massa, o planejamento da continuidade das atividades econômicas, a continuidade das operações e do plane-jamento governamental, quarentenas impostas à for-ça, vacinações em massa e como “controlar e eliminar a inquietação social e as desordens públicas”.

O Governo Americano no Exílio conclui que, con-forme evolua a crise econômica, a gripe suína pode servir de pretexto para restrições às liberdades dos ci-dadãos, inclusive a Lei Marcial, para coibir reuniões de massa. Cumpre notar que a esquerda americana, mui-to mais isolada da opinião pública do que na maioria dos países, costuma ser particularmente apocalíptica nas suas previsões, mas cumpre lembrar também que, onde há fumaça, pode haver fogo.

Beneficiados e prejudicadosDe todo modo, o grande grupo financeiro Citi-

corp já calculou que têm a ganhar com a gripe suí-na não só empresas farmacêuticas, grupos médicos particulares e grandes hospitais privados, mas tam-bém empresas de entretenimento doméstico, como as grandes redes de locadoras de DVDs, pois o pú-blico tenderá a deixar de afluir para shows, ence-nações de peças e exibições de filmes em locais em que haja grandes aglomerações de pessoas.

Acrescente-se que, com a difusão da nova cepa de vírus de gripe, tendem a perder as populações de mais baixa renda do mundo inteiro, que vivem em países e em regiões com menos condições de aten-dimento de saúde e de saneamento básico. Os per-dedores de sempre continuarão sendo os portado-res das chamadas “doenças de pobre” – malária, doença de Chagas, esquistossomose, febres tropi-cais, hanseníase... e mesmo a gripe comum –, de-zenas de milhões de pessoas em todo o mundo que não podem contar com o alarde midiático das do-enças que afetam também os ricos, como a aids e a gripe suína.

É bom lembrar que a chamada “gripe espanho-la”, que matou milhões de pessoas na passagem da segunda para a terceira década do século 20, tam-bém afetou porcos. Só não se sabe se teve origem em porcos e se transmitiu para humanos, ou se co-meçou entre humanos e foi transmitida para porcos, hipótese considerada mais provável, pois até então não havia registro de gripe em suínos.

Renato Pompeu é jornalista. Emir Sader é cientista político.

O efeito tequila DOS TUCANOS

Emir Sader

SUgeSTõeS De leiTUrA

DEMOCRACIA E REVOLUÇÃO Georges LabicaEditora Expressão PopularO NOVO IMPERIALISMO Victor Kiernan Editora RecordSOLEDAD NO RECIFEUrariano MotaBoitempo Editorial

Se os tucanos estivessem governando o Brasil, os efeitos da crise que o país está superando, seriam tão devastadores como foram os da crise de ja-neiro de 1999. O Brasil teria elevado a taxa de juros a alturas estratosféricas – em 1999 foi para quase 50% -, os gastos públicos sofreriam novo corte drásti-co, se assinaria novo acordo com o FMI, com a obrigação dessas medidas, mais privatizações de estatais, etc., etc., como no governo FHC.

Teriamos o mesmo destino do México. Como os tucanos são adeptos dos Tratados de Livre Comércio – tinham comprometido o Brasil com a Área de Li-vre Comercio para as Américas, Alca, que o governo Lula enterrou – estaríamos sofrendo as mais duras e diretas consequências da recessão norteamericana. O México, ao assinar o TLC da América do Norte – o Nafta – teve seu comércio com os EUA elevado para mais de 90% do total. Podemos imaginar o tamanho da recessão mexicana. Calcula-se que a economía terá um retrocesso de 7% neste ano, sem perspectivas de recuperação. Não por acaso o governo do Méxi-co bateu mais uma vez às portas do FMI.

Combinam-se no México vários elementos explosivos de crise: para começar, um presidente neoiberal, Calderón, que procura dar continuidade ao programa do governo Fox, a profunda crise econômica, resultado das políticas neoliberais, agravada, pela abertura econômica do Tratado de Livre Comércio assinado pelo México, com as consequências da recessáo norteamericana. Em segundo lugar, a explosiva expansão do narcotráfico, com a aceleração da vio-lência e da crueldade da ação das gangues e do exército e das polícias, fruto da situação limítrofe com os EUA, o maior mercado consumidor de drogas do mun-do. Em terceiro lugar, a situação difícil dos trabalhadores mexicanos nos EUA, que sofrem mais diretamente os efeitos da crise: diminui a ida de mexicanos, porque os postos de trabalho diminuíram sensivelmente, e diminui enormemen-te o envio de dólares para as famílias mexicanas.

O livre comércio trouxe para o México, inicialmente, a promessa de desen-volvimento econômico, que ficou no entanto restrito à fronteira norte, onde o trabalho de mulheres e crianças não sindicalizadas atraía capitais pela superex-ploração da mão de obra. Mas mesmo essa “vantagem comparativa” desapare-ceu, conforme a China, mesmo situada incomparavelmente mais distante, atraiu as empresas, pela maior qualidade da mão de obra, seu preço menor e, especial-mente, a capacidade de consumo do mercado chinês.

Hoje o México vive a situação que viveria o Brasil, uma brutal ressaca da tequila com que os tucanos teriam embebedado o país.

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maio de 1983, Fortaleza, Ceará. A bio-farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes dormia quando, simulan-

do um assalto, seu então marido, o professor uni-versitário Marco Antonio Herredia Viveiros, deu um tiro em suas costas. Ela ficou paraplégica. Após quatro meses no hospital, ao voltar para casa, nova tentativa de assassinato. Viveiros tentou eletrocu-tá-la. À época, Maria da Penha tinha 38 anos e três filhas, entre 2 e 6 anos de idade. Em 1998, passa-dos 15 anos do crime, o agressor foi julgado e con-denado a 19 anos de prisão, mas usou de recursos jurídicos para protelar o cumprimento da pena.

O caso foi levado à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Esta-dos Americanos (OEA), em 2001, que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime de violên-cia doméstica. A Comissão determinou que o Es-tado do Ceará pagasse uma indenização de US$ 20 mil a Maria da Penha por não ter punido judi-cialmente seu marido. Após adiar o cumprimento da sentença, o Estado decidiu finalmente ressar-ci-la, em valores corrigidos. Após sete anos de ba-talha judicial, Maria da Penha Fernandes recebeu, em 2008, uma indenização de R$ 60 mil.

A brasileira deu nome à Lei de Violência Domésti-ca e Familiar contra a Mulher, promulgada em agos-to de 2006, que prevê pena de até três anos de pri-são em casos de agressões físicas ou morais contra a mulher. Seu algoz, que deveria cumprir 19 anos na cadeia, foi preso em outubro de 2002 e cumpriu dois anos de reclusão. Hoje, está em liberdade.

importantes. Eu tenho ido a comunidades que rela-tam casos de maridos que, ao saber que um conhe-cido foi preso, nunca mais bateram nas esposas.

Onde há mais casos de violência doméstica no país hoje?

A violência costuma haver em qualquer região, em qualquer classe social. O que acontece é que há mais dados de violência sobre algumas regi-ões, mas ela existe de leste a oeste.

A nível nacional, houve um aumento do número de denúncias e prisões e uma diminuição da reincidência nesses três anos?

De acordo com declarações de delegadas, a rein-cidência quase desapareceu. O agressor se conscien-tizou de que, se ele não se adequar, pode ser preso. Ele sabe que se o outro foi preso, isso também pode acontecer com ele. A lei está na boca do povo.

A senhora poderia falar mais do Ceará, do seu Estado? Houve avanços após a promulgação da lei?

Eu tenho que te dizer que a delegacia da mu-lher não comporta mais o número de mulheres que vão lá para denunciar. O maior hospital pú-blico de atendimento teve uma diminuição de 50% no número de mulheres agredidas em re-lação ao ano anterior, de acordo com pesquisa do Instituto José Frota. Aqui em Fortaleza, por exemplo, a delegacia é muito procurada porque só existe uma para uma população de dois mi-lhões e quinhentos mil habitantes. Ela foi criada

Desde que a lei entrou em vigor, a Secretaria Es-pecial de Políticas para as Mulheres recebe apro-ximadamente três mil denúncias por dia. Infor-mações da própria Secretaria mostram que uma mulher é espancada a cada quatro minutos no Bra-sil. “A lei está na boca do povo”, afirma Maria da Penha. Segundo ela, “o agressor se conscientizou de que se ele não se adequar, pode ser preso”.

No entanto, três anos após sua promulgação, a lei está sendo ameaçada. Está em trâmite no Sena-do um Projeto de Lei (156/2009) que reforma o Có-digo de Processo Penal e revoga quase toda a parte específica sobre proteção da mulher. Para Maria da Penha, revogar dispositivos da norma significa um enorme retrocesso: “Pode deixar a lei sem finalida-de, sem atingir a meta para a qual ela foi criada”. “Quem está interessado em mexer nisso eu classi-fico da seguinte maneira: ou é agressor, ou não en-tende ou não tem conhecimento da gravidade do que é a violência doméstica no país”, sentencia.

Caros Amigos – A lei Maria da Penha acabou de completar três anos. Quais são os principais avanços desse período?

Maria da Penha – Nos locais onde ela foi imple-mentada, o resultado é muito positivo. Por acredita-rem nas instituições, as mulheres estão denuncian-do mais e tem havido uma diminuição da violência. Essa política pública é altamente benéfica para as mulheres, e vai refletir na redução da violência. Po-rém, nem em todas as cidades há esse compromisso com a lei. Há confissões de mulheres que são muito

Três anos depois de sua promulgação, a norma que penaliza a violência contra as mulheres levou à diminuição dos números de agressões, mas está ameaçada por um projeto de lei no Senado. Tatiana Merlino

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em 1986 e continua como única na cidade. Nós entendemos que Fortaleza precisa de pelo menos uma delegacia em cada regional.

Quais são as principais dificuldades para a aplicação da lei?

De uma maneira geral, é a capacitação uniforme. E também há falta de conhecimento de alguns ope-radores de direito, principalmente juízes, que conti-nuam a tratar a violência doméstica como não sen-do um crime. Um exemplo é quando se envia um agressor alcoólatra para um tratamento de controle do álcool como se fosse uma pena, quando, na re-alidade, além de se tratar, ele também precisa ser penalizado. Isso é muito preocupante, porque nes-se ínterim a mulher pode ser assassinada, e quem vai responder por isso? E outra coisa que também não é muito uniforme é a medida protetiva conce-dida às mulheres, que em muitos casos vigora até o o processo ser finalizado. Depois desse período, essa mulher fica desprotegida. E, se ela for assas-sinada, quem vai responder por isso? A gente sabe que a delegacia específica para acolher uma mu-lher vítima de violência é a Delegacia da Mulher, pelo fato dela oferecer um acolhimento diferencia-do. Mas a lei pode ser aplicada em qualquer delega-cia, por qualquer delegado. Qualquer delegacia tem que solicitar medida protetiva. O que acontece é que muitos delegados colocam a mão na cabeça de al-guns agressores e não tomam as providências ne-cessárias para a aplicabilidade da lei.

Um dos pontos polêmicos em torno da lei é o que se refere ao prosseguimento ou não do processo quando a mulher desiste da denúncia ao agressor...

Deve haver essa continuidade do processo. Embora a mulher desista, o juiz tem que conti-nuar com o andamento do processo. Isso inde-pende da vontade da mulher. Se o homem come-teu um crime de ameaça ou de lesão corporal, o Estado tem que responsabilizá-lo pelo crime que ele cometeu independentemente da mulher que-rer ou não. Muitas vezes, pela fragilidade que a mulher se encontra, pela dependência financei-ra, pelo medo de manter a sua posição, ela de-siste, porque se sente acuada por vários fatores. Mas esse operador do direito tem obrigação de dar continuidade.

E em relação a juizados específicos para o julgamento desses crimes?

Está previsto na lei que o processo tem que ser en-caminhado para um juizado especializado em aten-dimento à mulher. Existe a Delegacia da Mulher e o juizado especializado onde essa mulher vai ter aco-lhimento, e entender o motivo daquela violência.

Como a senhora vê essa proposta de mudança do código processual penal em trâmite no Senado que altera a aplicação da lei em alguns pontos?

Se o PL for aprovado, a violência domés-tica voltará a ser tratada como antes: acabam as prisôes preventivas e medidas protetivas e os agressores voltarão a cumprir pena pagan-do cestas básicas. Os pontos que ela vai atingir são aqueles que vão deixar a lei Maria da Penha totalmente sem ação. Vai ser mais uma lei que não vai servir para nada, porque vai inclusive desestimular a denúncia. Realmente, ela pode deixar a lei sem finalidade, sem atingir a meta para a qual ela foi criada. Quem está interes-sado em mexer nisso eu classifico da seguinte maneira: ou é agressor, ou não entende ou não tem conhecimento da gravidade do que é a vio-lência doméstica no país.

Além da aplicação da lei, o que ainda precisa ser feito para combater a violência doméstica?

Conscientizar as pessoas sobre o preconceito que sempre houve contra as mulheres na socieda-de, a falta de espaço. Acompanhar o que está sendo feito pelas prefeituras e governantes que têm essa sensibilidade. Fazer entender que essa violência é cultural e precisa ser desconstruída. E essa lei prevê a desconstrução a partir do ensino fundamental.

Outra necessidade é regionalizar os juizados da mulher. Querer que cada município tenha jui-zado da mulher é muita utopia, mas o que pode ser feito junto à promotoria e à defensoria públi-ca é fazê-lo funcionar de maneira regionalizada. Também é preciso investir mais nas delegacias de mulher, porque, se o agressor que está batendo na mulher sabe que tem uma delegacia, ele repensa o que vai fazer.

A violência contra a mulher pode não ser apenas física, mas também verbal. A lei trata disso?

Sim, porque uma mulher nunca foi assassinada na primeira violência. Ela começa com a violência psicológica, moral, e vai se agravando. Se a mu-lher não se apercebe e não tem conhecimento que a lei também pode protegê-la da violência psico-lógica e moral, ela vai aguentando, achando que aquilo não tem solução. Mas a lei prevê isso.

A senhora acha que o Estado brasileiro continua sendo negligente em relação aos casos de violência doméstica? Como exemplo, o caso da senhora, cujo agressor, seu ex-marido, foi preso apenas seis meses antes do crime prescrever.

Por isso que a lei foi sancionada. O Brasil foi obrigado a fazê-la. Eu passei 19 anos e seis me-ses sem que nada fosse feito em relação à puni-

ção do meu agressor. Isso tudo só vai realmente ficar bem concreto quando as pessoas se cons-cientizarem, e por isso temos que ir levando mais e mais informações para as mulheres. Essa lei não se destina a todos os homens, mas sim aos homens agressores. De uma maneira geral, os homens também estão apoiando a aplicabilidade da lei, e estão contra a reforma do código penal que vai atingir de uma maneira muito grande a lei Maria da Penha.

O que pode ser feito para impedir que o projeto-de-lei em tramitação no Senado seja votado?

Há promotores organizados no país. No mês de junho, houve uma caravana de promotores até o Senado. Eles fizeram uma audiência pública aqui na procuradoria do Estado do Ceará, com a pre-sença de promotores de vários Estados. Vamos ti-rar a Carta de Fortaleza, [elaborada por promo-tores de Justiça para reforçar a importância da manutenção da lei]. Já existem outras cidades que vão fazer a mesma coisa. Eles já estão se articu-lando contra esse absurdo.

Como resultado de um longo processo de luta, no ano passado a senhora foi indenizada. A senhora poderia falar um pouco sobre esse processo?

No momento em que o Brasil foi condenado internacionalmente [pela Comissão Interamerica-na de Direitos Humanos da Organização dos Esta-dos Americanos], houve uma exigência de cuidar dos casos de violência contra a mulher, costumei-ros no país. Então, como eu era vítima dessa ne-gligência, o Brasil foi obrigado a me dar uma in-denização, assim como a reparação simbólica foi a lei ter meu nome.

Qual é o significado de ter emprestado seu nome para a lei?

Eu me cobro muito mais. Não quero que seja uma lei que fique apenas no papel. E por isso que estou nessa loucura, de estar sempre atendendo à entrevistas e comparecendo a eventos. Faço isso para que as pessoas se conscientizem, se apropriem dessa lei que veio para ficar. As pessoas também precisam investir para que ela funcione de fato.

Como a vida da senhora mudou depois que a lei foi implementada? Como foram esses últimos três anos?

Eu cheguei ontem de madrugada, liguei para as minhas filhas e disse: “estou com saudades da vida que eu tinha”. (risos) Eu participava das coisas, mas não com essa intensidade. Semana passada eu estive em Brasília para o aniversá-rio de três anos da lei. Eu voltei na madrugada hoje [12 de agosto]. Na próxima semana, vou a outro evento em São Paulo. Eu poderia não ir, mas me pesa na consciência. A oportunidade é essa, porque daqui a quatro, cinco anos, o que foi feito agora vai produzir frutos. E se a gen-te não fizer agora, pode ser que prejudique a lei daqui algum tempo.

Novo sítio: www.carosamigos.com.br

“Quem está interessado em mexer na lei ou é agressor ou não tem conhecimento da gravidade

do que é a violência doméstica no país.”.Tatiana Merlino é jornalista.

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ensaio JOÃO ROBERTO RIPPER

O ensaio fotográfico que apresento a Caros Amigos mos-tra trabalhadores em situação escrava ou degradante e em condições de tra-balho muitas vezes desumanas. Estão aí nessas páginas partes do trabalho que ando documentando desde o início de minha profissão de fotógrafo.

Fotografo essencialmente a vida e aprendo a entender como vivem com uma magia incrível a maioria das pessoas, muitas vezes chamadas de minorias e que os Poderes da sociedade trabalham para deixar a margem dos direitos fundamentais do homem.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem é certamente a obra de pen-samentos e leis de defesa da humanidade mais desrespeitada no mundo e ao mesmo tempo é a cartilha mais elementar pra existirem caminhos de igualda-de de direitos no mundo.

No Brasil também estamos muito longe de ver esses direitos respeitados.

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ensaio JOÃO ROBERTO RIPPER

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Quando escutei o discurso dum ex-pre-sidente da Republica, reincidente presidente do Senado, tentando explicar na tribuna seu envolvimento na onda de denuncias contra a nobre casa legislativa, fiquei perplexo de-ante de tamanha insegurança. O cara gague-java, tartamudeava, tropeçava nas palavras, feito creança pilhada fazendo travessura. Va la que nem todos os parlamentares tenham o dom da oratoria, mas esse tal se diz escriptor, foi até eleito immortal da Academia, era tido como politico experiente, piriri, pororó. Não era para exhibir tal fiasco nem para soffrer tal vexame. Qualquer policial de seriado de tevê diria que um bandido interrogado nem preci-saria ser submettido ao detector de mentiracaso se mostrasse tão nervoso ao ser con-frontado com as accusações. Ja eu diria que dava pena, si não fosse motivo para me dar mais raiva dos politicos. Como poeta que sou, comtudo, não me furto (Epa!) a uma digressão de character linguistico: si mesmo os grandes

auctores titubeiam ao declamar os proprios poemas, que dizer dum auctor menor, que só entrou para a Academia por injuncção politi-ca? Lobato morreria de rir si escutasse Oswald, Drummond ou Vinicius declamando seus ver-sos na lingua do “P”... Aliaz, eu queria ouvir o Joyce lendo em voz alta um trechinho escrip-to por elle mesmo, ou o Nelson Rodrigues re-citando a lettra duma embolada como “Bam-balelê”, que a Carmen cantava, ou “Tudo em P”, cantada pelo Almirante... Isso me remette àquelles travalinguas que as creanças gostam de repetir cada vez mais rapido, até cahirem no erro. A successão de escandalos no Con-gresso vae se accelerando, à medida que os flagrados vão discursando, cada vez mais tra-vados, tentando justificar o injustificavel, sem explicar aquillo que se explica por si mesmo e que todo detective sabe de cor: o Diabo ajuda a fazer, mas não ajuda a esconder.

Glauco Mattoso é poeta, letrista e ensaísta.

porca miséria!Glauco Mattoso

A aranha arranha a aranha, e o rato roea roupa rococó do rei de Roma.Trez tristes tigres trepam em Sodoma.A plebe applaude o pleito do playboy.

Mammão maduro mancha a mão que o moe.A dama do masoca o soca e doma.Glaucomatoso é o globo com glaucoma.O dedo do detento é duro e doe.

Bilu, tetéa, pinto, pingulim.Escubidu, Banzé, Pluto, Capeto,Esnupe, Rintintim, Milu, Tintim.

Só sinto somno si me sae soneto.Pirlimpimpim p’ra mim é pó marfim,pois o peito do pé do Pedro é preto.

Soneto tatibitate [387]

Eduardo Matarazzo Suplicy é senador.

Eduardo Matarazzo Suplicy

Um violento tornado passa sobre o Sena-do Federal. Desmandos de diversas naturezas vieram a público. Representações foram apresentadas ao Con-selho de Ética e Decoro parlamentar contra o presi-dente José Sarney e outros senadores. As discussões no plenário se caracterizaram por ofensas pessoais que pouco contribuíram para o esclarecimento das denún-cias publicadas. Os debates e votações de grande rele-vância para a Nação passaram a ser postergados.

Com o apoio de significativo grupo de senadores, sugeri ao Senador José Sarney que se licenciasse do cargo de Presidente com o objetivo de apresentar es-clarecimentos sobre os fatos que lhe foram imputa-dos. Avaliamos que essa seria uma atitude que en-grandeceria o cargo de Presidente, demonstraria a sua vontade de proceder com isenção, pois não es-taria se utilizando do poder presidencial para reali-zar a sua defesa.

Em 5 de agosto, o Presidente José Sarney fez um discurso com um tom que parecia ser o de que-rer esclarecer todos os fatos. Mas as explicações dei-xaram margem a dúvidas. Por exemplo, no que diz res-peito à sua influência como fundador e instituidor da Fundação José Sarney, mesmo que delegando a admi-nistração para terceiros; a nomeação de pessoas de sua família e a ela relacionadas em postos do Sena-do Federal, além do fato de ter feito outras afirmações que foram contestadas em sua veracidade.

Naquele pronunciamento, o Senador José Sarney ressaltou a forma como tem sido um aliado do Presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva. Aliás, uma das preocu-pações do Presidente Lula é sobre o que poderia acon-tecer no Senado caso Sarney viesse a se licenciar.

Será que o Vice Presidente Marconi Perillo, do PSDB, ao assumir interinamente a Presidência, não a utilizaria para prejudicar o governo? Garantiu-me o senador, que nesta excepcional circunstância, agiria de forma republicana e isenta. Ainda que o Presidente Lula tenha me dito, “Eduardo, você acredita em Papai Noel?”. Minha resposta é que, nas atuais circunstân-cias, a licença do Presidente Sarney seria o caminho que os brasileiros esperam de seus representantes, as-sim como a investigação de todas as denúncias..

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Ana MirandaMeMórias De uM jornalista não-investigativoRenato Pompeu

Até a chegada da Família Real, em 1808, era vetada qualquer atividade de impressão, peculiaridade da América Portuguesa, que também tinha proibido as universidades. O rei disse, o Brasil precisa de soldados, não de advogados. E foi um advogado quem justificou o temor real: Gregório de Matos, o primeiro poeta brasilei-ro, que escreveu os primeiros brados de nossa indepen-dência. Seus manuscritos, segundo Alceu de Amoroso Lima, “consignaram, para a posteridade, a obra dispersi-va desse fundador da nossa imprensa”. Gregório nasceu em 1636, na Bahia, filho de família abastada. Estudou com os jesuítas, depois formou-se em Coimbra. Traba-lhou na magistratura e na administração, e fez carreira brilhante em Lisboa.

Perto dos cinquenta anos voltou ao Brasil. Com o olhar dos advogados e a sensibilidade dos poetas, per-cebia o que se passava na Colônia. Organizou sua crôni-ca entre os grandes temas do poder e da corrupção. De-safiou, denunciou, atacou. Nunca assinou seus poemas, dizia-os de improviso e alguém anotava em papéis que eram copiados e distribuídos. Comentava assuntos do cotidiano, religiosos, políticos, dramas pessoais ou fa-miliares. Desafiou até o rei e a Igreja. Zombou de juízes, desembargadores, provedores, tabeliães, padres, amigos, inimigos... Não poupava nem a si mesmo. As pessoas odiavam, adoravam, escondiam-se, divertiam-se, bus-cavam reparação. Levavam-lhe motes, provocavam-no. Atacava figuras da política ou da vida cultural, e elas to-mavam a força da celebridade.

A linguagem coloquial e a metrificação fluente facilitavam a memorização dos versos. A male-dicência inteligente tornava as sátiras ansiadas. Gregó-rio era conhecido por grandes e pequenos, ricos e po-bres, e, apesar de sua linguagem crua, não deixava de ser respeitado por muitos. Ele tornou visível a vida colonial, em versos que hoje podemos compreender como alta li-teratura. Mas não ficou impune. Os poderosos usaram todas as ferramentas para calar sua boca: prisões, ten-tativas de agressão, demissão de cargos e funções, ne-gativa de favores, a obrigação da pobreza... E afinal o exílio. Em sua volta ao Brasil, veio sob ameaça de novo degredo caso fizesse mais sátiras.

Gregório de Matos, pai da imprensa

Ana Miranda é escritora, autora de Boca do Inferno, Desmundo, Dias & Dias, e outros romances, editados pela Companhia das Letras. Suas crônicas estão reu-nidas no volume Deus-dará, da Editora Casa Amarela. [email protected]

Aqui vou lembrar de alguns livros que li e todo jornalista deve ler. O mais importante e o mais bem acabado artisticamente, em todo o mundo ocidental, é o romance Ilusões perdidas, do francês Balzac, do século 19. Um jovem vem da província para trabalhar na imprensa de Pa-ris. Ali por 1850 e poucos, um personagem con-clui: “O jornalismo é um inferno que, ao contrá-rio do inferno de Dante, não tem nem mesmo um Virgílio para guiar o neófito”. Cumpre notar que, naquele tempo, o importante não eram os anún-cios, sim as assinaturas. No romance, uma mo-dista que fazia chapéus para damas da alta socie-dade pergunta, na sala do dono do jornal: “Por que nas notas sociais o jornal sempre cita os cha-péus da chapeleira fulana e nunca os meus cha-péus?” A resposta do dono do jornal: “Quantas assinaturas a senhora comprou?”

Outro romance interessante para jornalistas é Mortalha não tem bolso, do americano Horace McCoy, dos anos 1930. Um jovem jornalista ten-ta montar uma publicação independente numa cidade grande... e vejam o que acontece com ele! Para nós, brasileiros, e também importante o Re-cordações do escrivão Isaías Caminha, em que o grande escritor carioca Lima Barreto, dos inícios do século 20, romanceou sua passagem pelo Jor-nal do Brasil da época. Os dois romances, se não fossem trágicos, seriam gaiatos, como as lem-branças que vêm a seguir:

Na passagem dos anos 1960 para os anos 1970, na então jovem e atrevida revista Veja, jor-nalistas aos magotes, então unidos pela oposição ao regime militar, formavam uma grande família, e saíam juntos às dezenas, para almoçar ali pelas 4 horas da tarde, ou jantar já de manhãzinha. Na hora de pagar, todo mundo ficava com pregui-ça de fazer os cálculos para dividir a conta e ver

com quanto cada um deveria contribuir. Todos, menos um, que ficou justamente com o apelido de Menos Um, e que sempre se oferecia para a aborrecida tarefa de fazer a conta de dividir. Seu apelido ficou sendo Menos Um justamente por-que, se havia 25 comensais, ele dividia por 24; se havia 17, ele dividia por 16 e assim por dian-te. Desse modo, ele nunca pagava. Quem disse que não existe almoço grátis?

Nos anos 1980, o esquema estava aperfeiçoa-do. Altos quadros de uma redação podiam debi-tar à empresa os almoços de trabalho. O resulta-do é que um editor reunia os seus subordinados para almoçar, a conta era dividida entre os pre-sentes, ele ficava com a nota fiscal e a apresenta-va à empresa, para receber o pagamento integral pelas “despesas de serviço”. Nesse caso, o almoço não só saía grátis, como o editor recebia um valor muito maior do que o que gastara.

Renato Pompeu é jornalista e [email protected]

“Eu sou do tempo que qualquer padaria tinha rebuçados portugueses e tremoços”

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Lembranças gaiatas

novo sítio: www.carosamigos.com.br

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Reflexões em torno do Seminário Internacional da Mídia sobre a Paz no Oriente Médio, realizado no Rio de Janeiro, em 27 e 28 de julho de 2009.

“Sou judeu antes de ser israelense”

Gershon Knispel

organizado pelo governo brasileiro para o Seminário Internacional da Mídia sobre a Paz no Oriente Médio foram convidados,

pela ONU e pelos embaixadores brasileiros em Tel Aviv e Ramallah, israelenses e palestinos que traba-lham na mídia e membros do Knesset, o parlamen-to de Israel, mais prefeitos de várias cidades e inte-grantes da Autoridade Palestina. Mas o governo de Israel, também convidado, não compareceu.

Karin Koning, comissária de refugiados da ONU para a Palestina, proclamou: “Enquanto debatemos academicamente o papel da mídia nesse conflito terrível, está continuando o cer-co que Israel impôs à Faixa há mais de 280 dias, negando remessas de alimentação para a popu-lação palestina faminta, e de materiais como ci-mento e equipamento pesado, necessários para a reconstrução das moradias. Os cortes de ele-tricidade, água e gasolina – tudo isso transfor-ma a vida dos palestinos num inferno. A proi-bição de vacinas é uma sentença de morte para a população”.

MentiraiadaPerturbado pela chuva de acusações, o chama-

do Príncipe da Mídia do canal do governo israelen-se, Jacow Achi-Meir, usou o argumento mentiroso de acusar os próprios palestinos de terem escolhido o seu próprio destino, quando decidiram sair para o exílio, em 1948, em vez de criar o seu próprio Esta-do nas fronteiras que a ONU decidiu em 1947.

Essa mentiraiada já foi, nos últimos dez anos, des-mascarada depois da publicação dos documentos se-cretos (em Israel os documentos secretos são publi-cados 50 anos depois de feitos). Os chamados novos historiadores, Moris, Amos Eilon, Ilan Pepe, e jornalis-tas como Amnom Kapeliuk revelaram que as famosas chacinas cometidas pelos israelenses contra os habi-tantes da aldeia árabe de Dir Jasin (1947), nos subúr-bios de Jerusalém, e da aldeia de pescadores árabes de Tantura, perto da entrada sul de Haifa, não foram ações esporádicas no calor dos combates. Faziam parte de ações bem planejadas, sob o comando de Ben Gu-rion, que se repetiram em centenas de outros vilarejos e ficaram encobertas em segredo total, com o objetivo

de expulsar os palestinos, para facilitar a judaização da Galiléia, junto ao Mar Mediterrâneo, e das monta-nhas da Judéia que cercam Jerusalém.

Centenas de milhares de palestinos salvaram a vida indo para países árabes vizinhos. Lá foram cria-dos os campos de refugiados, onde agora são mi-lhões. O Príncipe da Mídia lançou outra desculpa es-farrapada, dizendo que, desde 1948, os países árabes não fizeram nada para estabelecer condições huma-nas de vida para os palestinos nos campos dos re-fugiados. Esqueceu de mencionar que esses campos foram mantidos pela ONU, desde 1948. Caíram na nossa mão junto com os territórios ocupados. Por que, depois de 42 anos de ocupação, não fizemos nada para melhorar as condições desses refugiados de 1948? Conforme a lei internacional, o ocupante tem toda a responsabilidade pelas condições huma-nas dos habitantes de territórios ocupados.

"patriMônio abandonado"Será que não vamos aprender a lição dos ju-

deus da Europa, que foram expulsos de suas ca- ilus

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41setembro 2009 caros amigos novo sítio: www.carosamigos.com.br

“Sou judeu antes de ser israelense”sas em todos os lugares ocupados pelos nazistas; a maioria foi exterminada; os sobreviventes fo-ram indenizados, receberam de volta seu patri-mônio e poderiam, se quisessem, retornar ao país em que nasceram. E o que aconteceu com o patri-mônio dos refugiados palestinos – foram expro-priados como “patrimônio abandonado”.

Achi-Meir, fora de si, preferiu sair sem respon-der. Havia declarado: “Antes de ser israelense, eu sou judeu”, mostrando o abismo entre o atual esta-blishment de Israel e os princípios dos pais do sio-nismo, que queriam transformar os judeus da di-áspora de uma seita religiosa fechada em um povo aberto, na chamada autoemancipação.

O Príncipe da Mídia nos joga séculos para trás, cego a ponto de não ver o muro de separação, tão alto e tão comprido, construído como uma “defe-sa contra os terroristas” palestinos–encerrando-nos de novo num gueto também moral. O jornalista do diário “Haaretz”, Gideon Levy, que publica na mí-dia do mundo inteiro, declarou: “A permanência e o espalhamento das colônias judaicas devem termi-nar. Sua retirada não garante nada. Mas, se não for feita, Israel vai sofrer o golpe mortal”.

Os jornalistas de Israel publicam a corrupção das figuras mais altas da política, começando com o presidente, o chefe do governo, ministros, e con-seguem levá-los a julgamento e até à condenação. Mas os crimes de guerra cometidos pelos chefes do exército, sob o comando dos governantes, não são falados, nem esclarecidos. As campanhas de esma-gamento do povo palestino, as torturas, e o terror do governo contra a população civil são ignorados pela mídia. Por essa e outras razões, Gideon Levy considera que a grande culpada pela continuação da ocupação dos territórios palestinos por Israel é a mídia israelense.

Para dar um exemplo forte, Levy citou um acontecimento macabro na cidade israelense de Ashkelom, no Sul, perto da Faixa de Gaza, duran-te a última invasão: centenas de foguetes casei-ros Kassam lançados pelos palestinos caíram em lugares vazios sem causar danos ou vítimas, mas um Kassam conseguiu descer numa região habi-tada. A única vítima foi um cachorro. No dia se-guinte, nas páginas principais dos diários de Isra-el, as fotografias do cachorro morto e da família sua dona entristecida estavam ao lado de artigos lacrimosos sobre o enterro do cão, acompanhado por milhares de pessoas.

Na mesma hora, dezenas de palestinos morreram e outras centenas ficaram gravemente feridos, por foguetes lançados por blindados do lado oriental da Faixa e pelo fogo de navios israelenses na costa oeste perto da praia de Gaza (os palestinos não têm Marinha, nem mesmo navios isolados) – isso ocu-pou pouco espaço na mídia de Israel e na mídia in-ternacional, que foi proibida de entrar em Gaza.

Noventa e cinco por cento dos cidadãos judeus de Israel dão a impressão errada de que estão em favor da fórmula de dois Estados para dois povos. Mas, passadas quatro décadas desde o início da ocupação, desde a esquerda do antigo Paz Agora até a direita ultranacionalista, aceitam tudo, os primeiros aceitam calados e os últimos com uma Gershon Knispel é artista plástico.

proclamação aberta em favor da limpeza étnica, para criar o Grande Israel.

As ameaças dos demógrafos, de que se o gover-no não decidir voltar às fronteiras de 1967 e se Isra-el se tornar o Grande Israel, em dez ou quinze anos, o país vai se transformar de um país de maioria ju-daica num país em que os judeus vão se encontrar em minoria, não intimidam Liberman, inventor da limpeza étnica e hoje a segunda pessoa mais impor-tante de Israel. Ele tira um coelho da cartola: uma comissão estatal, sem direito a apelação, vai inter-rogar os cidadãos árabes para saber até que ponto são fiéis ao Estado de Israel (igual à Comissão Mc-Carthy sobre as Atividades Antiamericanas).

LavageM cerebraLGideon Levy explica: durante anos a mídia con-

seguiu coerentemente fazer a lavagem cerebral da população de Israel, que agora vê os vizinhos ára-bes e os palestinos como seres abaixo dos humanos, com costumes primitivos, sem cultura e selvagens. Não merecem outro destino senão o que já têm.

Um colete à prova de balas transforma, na mídia, os israelenses em vítimas principais com o slogan: “O mundo inteiro está contra nós”. Sentados em cima de um depósito de bombas atômicas em Dimona, os israelenses pedem o envolvimento do mundo inteiro contra o perigo das usinas atômicas do Irã.

A maior parte dos israelenses no Seminário cul-pou a falta de objetividade da mídia internacional, que não liga para essa chuva de Kassams que foi atirada contra as cidades do Sul de Israel pelos ter-roristas do Hamas. A falta de equilíbrio da mídia se-ria resultado do antissemitismo crescente no mundo inteiro, enquanto os neonazistas se estariam jun-tando com a nova esquerda militante contra as ví-timas do Holocausto de ontem.

Mas Gideon Levy esclarece que foi justamente a mídia de Israel que exigiu diuturnamente dos políti-cos que aceitasse o pedido da direção do exército de entrar em Gaza para parar de uma vez para sempre a chuva de Kassams. Ao mesmo tempo, a mídia se recusa a comentar que a chuva de Kassams é uma resposta ao morticínio contra os líderes políticos da resistência palestina, com mísseis teleguiados que pegam “precisamente” o alvo, enquanto centenas de vítimas palestinas inocentes são atingidas.

o papeL da diásporaUma norma perigosíssima exige o apoio cego da

comunidade judaica do mundo inteiro a esses desas-tres israelenses. No passado, o establishment israe-lense não ligava para os judeus da diáspora, conside-rados “desertores”, que ficavam em cima do muro.

Mas quando se esgotaram as indenizações que o governo alemão pagou para o Estado de Israel pelos milhões de judeus exterminados que não deixaram herdeiros, Israel começou a depender do dinheiro enviado pelas comunidades judaicas da diáspora. O tratamento negativo mudou.

Na medida em que o isolamento de Israel foi crescendo, o establishment israelense passou a exigir que os judeus de todo o mundo aprovem cegamente as suas ações, apesar de nunca terem sido consultados sobre essas ações. Assim todo

o planeta vai julgar os judeus do mundo intei-ro como julga os israelenses. Imagine-se se os judeus americanos disserem: “Sou primeiro ju-deu e depois americano”, ou se o judeu brasilei-ro vai dizer: “Sou primeiro judeu e depois brasi-leiro”. Será que sua lealdade ao país natal vai ser posta em dúvida?

O chanceler brasileiro, Celso Amorim, na aber-tura do Seminário, respondeu às perguntas que muitos judeus brasileiros fazem: “Que tem o Bra-sil de mexer no conflito entre Israel e os pales-tinos, a milhares de quilômetros”. Ele afirmou: “Mais de dez milhões de nossos cidadãos são de origem árabe. O número de cidadãos de origem li-banesa no Brasil supera o número de libaneses no Líbano hoje. Para milhares de refugiados palesti-nos, damos asilo político, por razões humanitárias. Mais de cem mil cidadãos judeus estão entre nós e muitos deles estão tomando posições na lideran-ça nossa, contribuindo como artistas, escritores, músicos, atores, até cientistas, médicos, professo-res universitários da primeira linha. Os filhos das duas comunidades entre nós vivem em harmonia. E é natural que nosso dever seja, com essa base, fazer tudo que esteja a nosso alcance para contri-buir para por fim a esse conflito que dura mais de cem anos e ameaça a paz do mundo inteiro.

“Não passaram três anos que cidadãos brasilei-ros se viram envolvidos no conflito sangrento do Líbano. Controlei pessoalmente a ponte aérea que fizemos para devolver nossos cidadãos a um lugar seguro. Será que tudo isso não basta para justificar nossos esforços para fazer de tudo para por fim a esse conflito e utilizar nossas boas relações com os países árabes, com a Autoridade Palestina e com Is-rael – diante desse novo quadro político que se es-tabeleceu no mundo com a mudança no governo de Washington e com o brilhante discurso de Obama no Cairo? Parece que estamos vendo nesse túnel es-curo o brilho tênue de uma esperança”.

o novo MessiasAté 1967 a solidariedade para com Israel abran-

geu a maioria dos Estados do mundo. Será que era por falta de neonazistas e antissemitas no mundo de então? Desde a ocupação que resultou da Guerra dos Seis Dias, a ira contra Israel tomou o lugar da simpa-tia. Será que de lá para cá o número de neonazistas e de antissemitas na nova esquerda aumentou?

Depois do Seminário, a conclusão que se ti-rou foi que Israel não tem forças espirituais para mudar essa situação por dentro. O único roteiro visível é a fórmula de Carter, que dava a Begin a possibilidade de escolher: ou vocês ficam com o nosso apoio ou vocês ficam com o deserto do Si-nal. Begin escolheu bem: devolveu o Sinai para o Egito e ganhou a paz. Agora Netanyahu tem de ouvir de Obama: ou você fica conosco ou fica com os territórios ocupados e os assentamentos. Só assim vai se resolver essa equação muito com-plicada, vai se esclarecer que o Messias que es-tamos esperando há dois mil anos, a cor da pele dele vai ser preta.

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Guilherme Scalzilli

Gógol, que morreu em 1852, aos 43 anos, ainda pode ser lido com prazer embora, desde então, a literatura haja mudado tanto. Esse é um dos sentidos dos clássicos: sobreviver às acomodações de camada, até mesmo aos ter-remotos que, de tempos em tempos, assolam a literatura. Um clássico sempre tem alguma coisa do clássico anterior. É o que nos permi-te encontrar algo de Shakespeare em Goethe, algo de Goethe em Gógol, algo de Gógol em Lima Barreto, e assim por diante.

Gógol seria, hoje, um caso psiquiátrico: ouvia vozes, tinha depressões enormes, pres-ságios de morte, queimou boa parte da pró-pria obra. Em fevereiro de 1852, se estirou na cama, parou de se alimentar, atirou fora os remédios e com dez dias passou desta para melhor. Fracassara duas vezes como profes-sor de história, no Instituto Patriótico para Jovens Nobres e na Universidade de São Pe-tersburgo: faltava muito, não sabia nada da matéria. Seu talento era exclusivamente li-terário.

O legado que deixou aos grandes escrito-res foi o ódio à exploração do homem pelo homem, transfigurado numa ironia triste, num humor gélido. E a ojeriza à importação de modelos estrangeiros, no caso alemães e russos, em prejuízo da cultura popular – que é, por definição, nacional.

Gógol é mais conhecido no Brasil pela peça O Inspetor Geral (1836), remontadís-sima. A pequena vila do interior vai rece-ber um inspetor do governo, incógnito para surpreender falcatruas. Um esperto, Khles-takhov, também de passagem se faz passar pelo inspetor. Quando chega o verdadeiro, o impostor já se encheu de grana e está noivo da filha do prefeito. Um tema universal – o engano da boa fé – serve a Gógol para pin-tar a Rússia profunda. Parecida com o Brasil de Sarney: privilégio, trapaça e mediocrida-de como formas de dominação.

Há quem prefira o conto (quase uma nove-la) Tarass Bulba, que fixa a imagem do cossa-co, êmulo do sertanejo euclidiano – sobretu-do um forte; ou Diário de um louco, em que o barnabé, Propristchin, é internado por sua certeza de ser o rei da Espanha. Mas é por um romance, Almas mortas, que Gógol se repõe, século e meio depois, como clássico. Um es-pertalhão – sempre eles –, Tchítchicov, com-

pra de médios e pequenos proprietários os servos falecidos (almas mortas). Não digo a quem e como as vende: o leitor descobrirá.

Queria pedir-lhe ainda uma coisa: que esta transação fique só entre nós dois – disse Tchí-tchicov, ao se despedir [do proprietário].

- Isto se entende por si mesmo. Não há necessidade de meter terceiros no negócio: o que se realiza entre amigos próximos e sin-ceros deve permanecer exclusivamente entre eles. Adeus! Agradeço a sua visita. E peço que não se esqueça: quando tiver uma horinha de folga, venha almoçar conosco, passar o tem-po. Quem sabe teremos outra oportunidade de ser úteis um ao outro? (Abril Cultural, 1ª edi-ção, 1972, p.128)

Nada a ver com o Brasil.

Joel Rufino é historiador e escritor.

amigos de papelJoel Rufino dos Santos

Guilherme Scalzilli, historiador e escritor. Autor do romance Crisálida (editora Casa Amarela). www.gui-lhermescalzilli.blogspot.com Il

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Minha estante dos russos

Houve uma fase do governo Lula em que a imprensa dedicou especial atenção às supostas pretensões hegemônicas do presidente. A polêmica, depois monopolizada pelo fantasma do terceiro mandato, escondia um temor inconfesso: alijada do poder federal, a oposição entraria em processo de decadência irrecuperável caso perdes-se também seus predomínios regionais. Muito es-forço midiático e financeiro foi mobilizado para impedir essa catástrofe em 2006, e logo será re-tomado.

São Paulo é o núcleo irradiador da re-sistência oposicionista. As gestões de José Serra e Gilberto Kassab destacam-se das heterogenei-dades estaduais pela coerência de suas alianças e pela importância estratégica das imensas estru-turas que administram. Elas abrigam fundadores e ideólogos do PSDB, membros dos escalões supe-riores dos governos FHC, próceres do conservado-rismo religioso e das maiores fortunas industriais, bancárias e imobiliárias do país.

Sem essa base operacional, PSDB, DEM (PFL), parte do PMDB, PPS e demais agrega-dos perderiam a identidade, a coesão e os alicerces materiais imprescindíveis num projeto de poder em âmbito nacional. O inevitável vácuo de liderança afetaria as representações parlamentares da coli-gação paulista, dispersando-a em aglomerados co-adjuvantes e rivais entre si.

Serra só será candidato à presidên-cia se a sucessão estadual estiver garantida para algum apadrinhado. Uma reeleição quase certa é preferível ao risco de perder em duas frentes; e ele conhece a fragilidade das próprias alternativas no pleito local. Por outro lado, a falta de adversários competitivos em São Paulo proporciona ao gover-nador uma vantagem estratégica importantíssima no embate com Dilma Rousseff.

Eis por que a disputa pelo Palácio dos Bandei-rantes será decisiva para a campanha presidencial de 2010. A opção Ciro Gomes é menos absurda do que parece.

O front paulista

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IDEIAS DE BOTEQUIMRenato Pompeu

A coragem é o tema comum de dois dos livros mais imper-díveis do mês, Nos braços da loucura, da sulmatogrossense Irene Mar-garida Lajos Kemp, edição da autora ([email protected]), e Che Guevara – Uma chama que continua ardendo, dos pesquisadores, teóricos e militantes marxistas Olivier Besancenot, francês, e Michael Löwy, brasileiro radicado na França, lançado pela Editora Unesp.

Irene Kemp, afetada pelo chamado transtorno afetivo bipolar, tra-dicionalmente conhecido como psicose maníaco-depressiva, em que a pessoa alterna períodos de euforia por vezes desmedida com período de depressão por vezes incapacitante, encheu-se de coragem e revela como aprendeu a conviver com seus problemas, num depoimento que é ao mesmo tempo tocante e comovente, informativo e educativo.

É mais um passo no sentido de todos aprenderem a convi-ver com as diferenças, aprendizado essencial para o desenvolvimento de cada um ser a condição para o desenvolvimento de todos, sonho milenar da humanidade. É um grande passo também para a autora, que em seu livro anterior, Estranha vida, de 2005, havia usado o pseudônimo Clara Bentivegna. Como a anterior, a sua nova contribuição é de vasto alcan-ce, para os igualmente afetados, para os seus familiares, amigos e cole-gas, para psicólogos, psiquiatras e demais profi ssionais da área, e para todos os interessados nos problemas humanos mais fundamentais.

Já Löwy e Besancenot tentam avaliar com isenção o que consideram erros e acertos do Che, chamando a atenção para o fato de que ele é um dos poucos políticos e mesmo dos poucos políticos revolucionários (a ri-gor, acrescentemos, o único, além de Rosa Luxemburg) que sempre pro-curou manter a coerência entre o que pregava e o que praticava. (Talvez isso tenha sido facilitado, afi nal de contas, pelo fato de que Che fi cou pouco tempo no poder e Luxemburg nunca o alcançou.)

Che era tão brilhante teoricamente quanto foi heróico como homem de ação? Ao otimismo da vontade reunia o pessimis-

mo da inteligência, como postulava o teó-rico italiano Antonio Gramsci? Tinha ple-na consciência das difi culdades materiais para cumprir o sonho de um socialismo que não fosse autoritário? Era apenas um sol-dado valente e capaz, e não um gênio como estrategista militar? Era, tudo somado, po-liticamente ingênuo? Os autores procuram responder a essas perguntas, mas ressal-tam que a meta de Che, a de criar uma so-ciedade mais justa que seja diferente do socialismo real e que seja livre, igualitária, aberta e democrática, está viva nos objeti-vos do Fórum Social Mundial, dos zapatis-tas, da Via Campesina, e de tantos outros

movimentos no mundo inteiro.Outro lançamento imper-

dível, para quem quer acom-panhar a evolução da cultu-ra brasileira, é o álbum com belíssimas fotos, infelizmen-te caro, Modernidade verde – Jardins de Burle Marx, lan-çamento conjunto da Editora Senac São Paulo e da Edusp. O pesquisador Guilherme Mazza Doura-do faz um levantamento de obras do falecido paisagista Roberto Burle Marx, cujo centenário de nascimento transcorreu em agosto último. Dos jardins públicos do Recife, em 1935, ao Parque do Flamengo, no Rio, em 1965, passeamos pelos belos trabalhos do paisagista que introduziu o modernismo na jardinagem, utilizando-se da geometria e da combinação de cores para conformar lindos efeitos a partir da rica fl ora brasileira.

Na nossa era da informação, é particularmente impor-tante acompanhar os caminhos – e em especial os descaminhos – da mí-dia gorda. De muito interesse, portanto, é o livreto do pesquisador Luís Celestino Jr., A fome na imprensa – Um estudo sobre critérios de noticia-bilidade nos jornais ‘Folha de S. Paulo’ e ‘O Povo’, este último de Forta-leza-CE, Edições Leo, Isbn 978-85-7563-198-0, Expressão Gráfi ca Edi-tora, de Fortaleza.

A conclusão geral de Celestino Jr. é que a fome, um fl agelo presente no cotidiano de milhões de pessoas no Brasil e de centenas de milhões de pessoas no mundo inteiro, não chega a preocupar os jornais, por “ter pre-valecido uma cobertura episódica”. Acrescentemos que o papel da mídia, quando existe um grande problema nacional e mundial, tem de ser mar-telar incessantemente o assunto até que haja pelo menos o encaminha-mento de soluções realmente viáveis para o problema. Destaque-se um trecho: “o fato de a Folha, com exceção de 1995 por conta da campanha daquele ano, não identifi car a fome como problema ur-bano, ou melhor, problema das grandes ci-dades, sobretudo São Paulo, a maior e mais rica do país”. Uma leitura crucial.

A CORAGEM, na doença mental e na luta política

Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor do romance-ensaio O Mundo como Obra de Arte Criada pelo Brasil, Editora Casa Amare-la, e editor-especial de Caros Amigos. Envio de livros para a revista, rua Paris, 856, cep 01257-040, São Paulo-SP.

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NOSSO CENTENÁRIO É A MAIOR PROVA DE QUE OS JOVENS BRASILEIROS ESTÃO SEMPRE À FRENTE.

Aula de eletrônica - século 20 Aula de eletrônica - século 21

Desde 1909 a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica tem sido um importante caminho para a conquista da formação dos jovens brasileiros. Durante esse período o ensino técnico e profissionalizante evoluiu bastante e, a cada dia, avança ainda mais: até 2010 serão 214 novas escolas, totalizando 354 unidades. Rede Federal, da escola de aprendizes e artífices ao instituto federal.

Conheça a Rede Federal e os eventos comemorativos do Centenário. Acesse www.mec.gov.br/setec.

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NOSSO CENTENÁRIO É A MAIOR PROVA DE QUE OS JOVENS BRASILEIROS ESTÃO SEMPRE À FRENTE.

Aula de eletrônica - século 20 Aula de eletrônica - século 21

Desde 1909 a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica tem sido um importante caminho para a conquista da formação dos jovens brasileiros. Durante esse período o ensino técnico e profissionalizante evoluiu bastante e, a cada dia, avança ainda mais: até 2010 serão 214 novas escolas, totalizando 354 unidades. Rede Federal, da escola de aprendizes e artífices ao instituto federal.

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