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a casa
arquitectura e projecto domstico
na primeira metade do sculo xx portugus
Rui Jorge Garcia Ramos
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Srie 1
Ensaios
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Ficha Tcnica
Direco EditorialAlexandre Alves Costa
Projecto Grfico
Arqutipo Design
Impresso e Acabamento
Rainho & Neves
1. Edio 2010
Depsito Legal n.
isbn:978-972-9483-97-4
Rui Jorge Garcia Ramos Faculdade de Arquitectura
da Universidade do Porto
Rua do Glgota,215
4150-755 Porto
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta publicao,
incluindo imagem da capa, pode
reproduzir-se ou transmitir-se
de nenhuma forma nem por
qualquer meio, seja esteelectrnico, qumico, mecnico,
de gravao ou fotocpia,
sem prvia autorizao escrita
por parte da editora.
Nota Editorial
O presente livro corresponde dissertao de doutoramentoem Arquitectura apresentada na Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto com o ttuloA Casa Unifamiliar Burguesa
na Arquitectura Portuguesa: mudana e continuidade no espao
domstico na primeira metade do sculoxx, organizada em dois
volumes. Este trabalho, orientado pelo Professor Arquitecto Nuno
Portas, foi concludo em 2004 e defendido em Fevereiro de 2005.
O livro agora publicado segue a estrutura capitular, texto
e notas de rodap do primeiro volume (texto da dissertao),
tendo sido excludo, unicamente, o tpico Edio do texto.
Organizao e consulta dos dados, somente justificado numa
leitura em dois volumes. Razes prticas e editoriais no possibi-
litam a publicao autnoma do segundo volume e da extensa
documentao grfica nele includa (Catlogo geral: casas identi-
ficadas e bibliografia de referncia directa, Fichas individuais das
casas: projecto, construo, imagens e bibliografia de referncia
directa e a Bibliografia geral). Esta condio levou reorganizao
das imagens junto do texto, procurando-se manter uma referncia
visual com os projectos discutidos, o que introduziu novas ima-
gens originalmente publicadas no segundo volume. No entanto,
o segundo volume pode ser consultado nas bibliotecas.
Esta edio devedora da profunda reviso do texto
realizada, com persistncia e dedicao sem limite, pela Dra.
Teresa Godinho, do cuidado posto na concepo editorial peloProfessor Arquitecto Manuel Mendes, do empenho do anterior
director da faup publicaes Professor Doutor Jos Miguel
Rodrigues e do seu actual director Professor Arquitecto
Alexandre Alves Costa.
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[Fig. 0] Diagram, Aldo van Eyck,
Architectural Design,12, 1962, p.601.
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Acompanhar o trabalho de pesquisa de Rui Ramos, colega docente, antigo e aprecia-
do aluno da faup, foi para mim um ganho importante na medida em que o enfoque
desta sua tese no repete mas acrescenta uma luz nova sobre o habitar burgus dequase um sculo em Portugal a um tempo indutor e induzido pelas casas dese-
nhadas por sucessivas geraes de arquitectos.
Nas deambulaes que nos primeiros anos 60 fui fazendo em torno da nossa pequena
histria da modernidade, na habitao e no s,a preocupao,caracterstica das his-
toriografias generalistas dessa poca, era basicamente estilstica traduzida em autorias,
ou seja, feita a partir das excepes e subestimando a produo dominante menos
prestigiada ou, se publicada, em revistas de construo de menor ambio cultural.
Da que a primeira caracterstica inovadora e positivamente arriscada deste
livro para o nosso entendimento do perodo que vai do final de oitocentos at ao
meio de novecentos a da abrangncia dos modelos de habitar da burguesia urba-
na que podia encomendar ou adquiriras suas moradias singulares e que Rui Ramos
convocou para as suas interpretaes. Ou seja, em vez de se centrar nos exemplos
notveis de determinadas correntes (o que tambm seria legtimo como o provam
os ensaios conhecidos dos seus predecessores,os meus includos), abria o diafragma
aos exemplos que,pelo simples facto de terem sido acolhidos em publicaes da poca,
podiam dar-nos indicaes de como a sociedade portuguesa de velhos e novos abasta-
dos e no s as opes crticas de referncia viam ou preferiam as suas moradas.Esta opo de investigao teve consequncias metodolgicas sem dvida inte-
ressantes: a do cruzamento dos factores scio-culturais com as sucessivas opes dos
seus arquitectos; a da nfase dada,na sua anlise crtica, organizao dos espaos e
seus valores simblicos,para aqum ou alm das inovaes da linguagem plstica ou
do dcor que vulgarmente se impunha na aceitao ou rejeio das novidades, mais
ou menos importadas; e, como consequncia, incluir no estudo exemplos ou mode-
los reveladores de modos e estilos de vida domstica ou social que numa ptica mais
culturalista se teriam ocultado. Para alm destas contribuies que ainda hoje se
subestimam em teses sobre tendncias de determinados perodos ou autores debandeira que alis no foram excludos mas seriados e comparados com as
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arquitecturas mais correntes h que saudar a solidez terica do autor com que
em cada perodo, tendncias, modas ou casos singulares so descritos e valorizados.
Solidez que resulta da convocatria de disciplinas das cincias humanas, noespecificamente arquitectnicas, mas imprescindveis para se entenderem os pro-
gramas, os usos, as preferncias dos espaos privilegiando, em suma, o vrtice do
tringulo vitruviano que d pelo nome de utilitas nas suas declinaes de comodi-
dade, convenincia, disposio ou finalidade e no apenas os restantes vrtices da
firmitasou venustas, em geral mais explorados pelos analistas das tcnicas e pela
critica estilstica, respectivamente. A importncia dessa leitura de Rui Ramos no
acidental nem caprichosa: o modo de viver simultaneamente um referente social e
cultural, mais ou menos profundo,e fundamento icnico do espao enquanto lingua-
gem arquitectnica (transcendendo a funcionalidade imediata) para ser entendidopelos que o habitam e falar no s aos que o vem como se estivessem numa exposi-
o.Nesta perspectiva, o tringulo vitruviano no equiltero: a construo (firmitas)
instrumental ou sintctica, como diria Umberto Eco j nos anos60, e o prazer est-
tico (venustas) conotativo e faz a diferena em relao fala corrente. O que signi-
fica que a abertura sem preconceitos da pesquisa desta obra a casos de valor esttico
de nveis muito diferentes a procura hermenutica de denominadores comuns da
expresso veiculada pelas construes arquitectnicas, aquela que permite um dilo-
go proveitoso com a antropologia do espao. Sem prejudicar leituras crticas suces-
sivas mais profundas ou pessoais sobre os modos potico-estticos das expresses
individuais dos autores ou projectistas e das tendncias que integraram.
Trata-se portanto de enriquecer a crtica (e a histria) da arquitectura partindo
dos seus fundamentos e no de enquadrar obras em categorias ou escolas, procuran-
do as pertenas ou dissonncias formais. Em obras como esta,cada leitor pode percor-
r-la conforme as suas curiosidades e cultura: no meu caso, recomendo-a vivamente
porque reforou velhas obsesses tericas e prticas com a construo de uma lingua-
gem comum e no-arbitrria que assenta na homologia de estrutura entre os modos-
-de-habitar e os padres de conformao dos espaos-que-se-habitam e que apren-demos com Bachelard e Levi-Strauss ou com o pioneiro, entre ns, dos arquitectos
hermeneutas, que foi Pedro Vieira de Almeida (e lhe permitiu falar sem complexos de
Lino e Siza como alis, se faz neste livro).
E creio que chega de razes para recomendar aos mais novos a leitura (e no s as
gravuras) desta obra singular e agradecer ao autor e s edies da faupa sua publicao.
Nuno Portas, Abril de 2008
xii a casa unifamiliar burguesa na arquitectura portuguesa
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A obra de Rui Jorge Garcia Ramos dedicada Casa unifamiliar burguesa na arqui-
tectura portuguesa constituiu a sua Dissertao de Doutoramento em Arquitectura,
apresentada Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e defendida, bri-lhantemente, em 2004. Este facto determina algumas das suas caractersticas: a exten-
so, a organizao dos contedos de modo sistemtico e com alguma circularidade,
o aparato bibliogrfico, o apndice documental. Na minha opinio, elas so predo-
minantemente positivas, envolvendo o leitor numa rede ampla de motivos que se
vo desdobrando e cruzando, ora partindo das casas para o mundo arquitectnico,
ora deste para os seus interiores, desenhados e construdos.
Mas o mais importante ,naturalmente,a tese apresentada e defendida nesta Dis-
sertao. Sintetizando muito, aqui se afirma que as casas unifamiliares burguesas,
elencadas ao longo de quase um sculo (sensivelmente de 1890 a 1970), so compo-
nente essencial de sucessivas pocas arquitectnicas,dando a ver as questes que as con-
substanciam e os diversos dispositivos de resposta: eclcticas, revivalistas ou rsticas,
nas ltimas dcadas do sculo xix, elas pr-anunciam j ento valores da vida moderna
que se vo sobrepondo,representando o conforto contemporneo atravs das estticas
do modernismo; nos anos de 1950, a crtica arquitectura internacionalista, exprime-se
em linhas diversas, inspiradas num entendimento orgnico e antropolgico da hist-
ria e das heranas, valorizando estticas expressionistas em detrimento das clssicas
que, contra todas as aparncias, inspiraram de facto o modernismo internacionalista.Este centramento da arquitectura na sua dimenso mais ntima, duplamente
pessoalizada (num dilogo quase sempre interessante entre o arquitecto e o cliente)
permite ao autor relevar a importncia de metodologias pluridisciplinares para o
seu estudo, articulando, com excelentes referncias bibliogrficas, nacionais e interna-
cionais,a Histria,a Histria da Arte e a Antropologia para as fazer confluir no objec-
to arquitectnico. No entanto,como natural, o arquitecto Rui Jorge Ramos valoriza
a investigao em arquitecturaque lhe permite desvendar as casas como organismos
projectados e construdos, analisando-lhes as plantas, as implantaes, os materiais
de construo,os relacionamentos dos interiores com os exteriores, com um forma-lismo disciplinar no ortodoxo, orgulhosamente reivindicado.
xiii prefcio
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Outro aspecto importante deste trabalho (na minha opinio talvez o mais til
futura comunidade de leitores) encontra-se na extenso e no rigor das contextua-
lizaes internacionais. Quer quando se move no domnio da Histria, quer quan-do se concentra na construo do espao domstico, o autor prope, com raro
domnio de to vastas matrias, os modelos fundadores e o desenvolvimento das
suas mltiplas e abertas sries. Isto significa que Rui Jorge Ramos vai construindo a
sua histria da casa unifamiliar burguesa internacional, propondo-lhe como refe-
rentes as experincias anglo-saxnicas (do pitoresco romntico ingls s casas de
madeira da recente nao americana) onde tantos arquitectos se inspiraram, sobre-
tudo Frank Lloyd Wright. Deter-se- depois no grau zero de memria proposto por
Le Corbusier mas, rapidamente, detecta, neste campo modernista, incluindo na
obra do mestre, dvidas que provm do encontro com vrios stios da Histria ecom matrizes impositivas ou sugestivas dos prprios lugares. Terminar em casos
brilhantes que configuram elipses abertas, propostas como paradigmas nos anos de
1950 e 1960, no contexto da crtica ao modernismo empreendida no interior do
campo disciplinar, recuperando iconologias antropolgicas das casas que se espe-
lham em ptios, em plantas abertas, na personalidade das paisagens, movimento em
que diversas pocas estilsticas se curto-circuitam e retomam, com erudio e intui-
o, questes que haviam sido enunciadas quer por Wright, quer por outros arqui-
tectos mais perifricos, escandinavos ou italianos.
O mais interessante desta utilssima perspectiva que se vai desdobrando ao
longo de todo o trabalho que as casas portuguesas se encaixam em sries
internacionais, europeias e americanas, mais ou menos consistentes, provando duas
importantes coisas: que os arquitectos portugueses, ao longo de um sculo, tiveram
mais informao internacional do que se costuma reconhecer; que, apesar das fragi-
lidades polticas, econmicas e culturais do Portugal moderno, os mais destacados
de entre eles inscrevem as suas obras em dinmicas significantes onde as questes da
casa portuguesa e das imposies normativas e estticas do Estado Novo clara-
mente se menorizam em sries complexas mas com alguns sentidos idnticos.No conjunto destes enunciados que so teses fundamentais de Rui Jorge
Ramos o caso mais desenvolvido o da Casa portuguesa e do arquitecto Raul
Lino. Sendo verdade que o autor segue a reflexo propositiva de Pedro Vieira de
Almeida (o primeiro defensor da modernidade do jovem Lino dos anos de 1900),h,
no entanto, contributos que, a partir de agora, sero citados: o estudo analtico, e
bibliograficamente actualizado, de realizaes suficientes para se poder rigorosa-
mente afirmar que os temas da casa portuguesade Lino so comuns na Europa do
tempo e, mais importante do que isso, se inscrevem numa antropologia consolida-
da do habitar; a distino entre os iderios culturalistas de Lino e as apropriaesmodestssimas proporcionadas pela sua obra escrita que conduzem edificao das
xiv a casa unifamiliar burguesa na arquitectura portuguesa
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casas simples da dcada de 1920; a notvel articulao de alguns motivos iconol-
gicos de algumas das melhores obras de Lino (em primeiro lugar a Casa do Cipreste,
construda como casa prpria) com realizaes arquitectnicas da segunda metadedo sculo xx, nomeadamente, atrevo-me a diz-lo, de Siza Vieira. Esta ideia no
claramente formulada mas o criativo cruzamento de dados, sem rigores cronolgi-
cos, que o nosso autor prope, sugere-me que os valores de habitao defendidos
por Lino sero, noutro contexto cultural, bastante comuns aos de Siza Vieira: a
arquitectura usando e sobrepondo-se construo, o encastramento da casa predo-
minantemente voltada para dentro, o gosto dos volumes claros, ao mesmo tempo
expondo-se e protegendo-se da luz.
Antes de Siza, Rui Jorge Ramos destaca, com vigor fundamentado, a notabils-
sima gerao de arquitectos portugueses que, simbolicamente,nasce do Inqurito Arquitectura Regional Portuguesa, realizado entre 1955 e 1960 e publicado em 1961.
Como noutros domnios acontece (nas artes visuais, no cinema, na literatura), esse
tempo de libertao (do que o nosso autor refere como o longussimo sculoxix) foi
de intensificao de contactos internacionais, de experincias cosmopolitas, de ale-
gria de criao mas tambm de uma espcie de acerto com a histria e a memria,
retrabalhadas com liberdade autoral e rara conscincia e empenho cvicos.
Rui Jorge Ramos sugere que, nesses anos do final do seu inqurito, se criou e
afeioou o que hoje internacionalmente se consideram alguns valores da arquitec-
tura portuguesa, no como corpo fechado e resistente, antes realidade enraizada nas
culturas do Mediterrneo, sombreadas, s vezes, pela maior intimidade do habitar
nrdico. Este ponto de chegada confronta nostalgicamente o futuro, citando
Alexandre Alves Costa que, com Nuno Portas e Pedro Vieira de Almeida so os mes-
tres assumidos deste arquitectar a histria e historiar a arquitectura. Do longo scu-
lo tratado (de Jos Lus Monteiro a Siza Vieira!) o balano de rara positividade,
propondo-se, com indagante subtileza, que a qualidade e algum reconhecimento
internacional da arquitectura contempornea portuguesa foi um lento construdo
em que participaram geraes sucessivas que, para l dos falhanos e sucessos, doscompromissos e das provocaes, uma linha significante (o que no quer dizer
contnua) bastante actualizada e conivente com as revolues disciplinares, captan-
do delas a rebeldia cosmopolita estranhamente entrosada com a reinveno da alma
dos lugares.
Raquel Henriques da Silva, Junho de 2006
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sumrio
agradecimentos 5
introduo
[1] construo do objecto de estudo 11
[1.1] identidade da investigao em arquitectura 12
[1.2] delimitao do campo de trabalho 23
[1.3] fontes utilizadas 27
[2] a casa unifamiliar burguesa 45
[3] o espao domstico como reflexo da transformao da vida privada 63
a construo do espao domstico
[4] precedentes na experincia anglo-saxnica: o central living hall 77
[4.1] english picturesque 78
[4.2] centralizao espacial e concentrao funcional 83
[4.3] agglutinative plan 88
[4.4] central living hall 106
[4.5] frank lloyd wright: a planta cruciforme 125
[4.6] charles francis annesley voysey: the english free architecture 141
[5] mudana e continuidade no projecto domstico 157
[5.1] a construo da modernidade 161
[5.2] o longo sculo xx portugus 198
[5.3] moderno recomposto 259
[5.4] caminhos do moderno: diferentes prticas e a abertura multidisciplinar 296
[6] o centro como determinante na organizao da casa 311
[6.1] o trio central: d e espao de representao a espao de estar 317
[6.2] o espao central e a origem da planta tripartida 337
[7] movimento e projecto para uma nova domesticidade 361
[7.1] uma nova ideia de domesticidade 361
[7.2] a escada como dispositivo de circulao 385
[8] o espao como argumento moderno ou a promenade architectural 415
[8.1] o espao em si, um novo argumento 418
[8.2] a modernidade e a tentativa da continuidade espacial 423
[8.3] a nossa realidade interior e a construo da tradio moderna 468
[9] reduo, concentrao e simplificao do programa domstico 481
[9.1] partindo da simplificao da organizao domstica 481
[9.2] a casa complexa e a casa mquina 508
[10] a abertura da casa para o exterior 539
[10.1] mediao entre interior e exterior 546
[10.2] o espao exterior como centro e a casa-ptio 568
nota final
[11] a arquitectura, a casa e o espao domstico 593
referncias bibliogrficas 607
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agradecimentos
Em primeiro lugar, os meus agradecimentos ao Professor Arquitecto Nuno Portas,orientador desta tese,pela confiana que depositou na minha escolha do tema,e pela
permanente sugesto de novos dados, novas interpretaes e novos livros.A sua dis-
ponibilidade permitiu ainda, o acesso sua fantstica biblioteca que muito enrique-
ceu o meu trabalho. Estou-lhe reconhecido pela diligncia com que leu e comentou
este trabalho nas suas vrias fases, e pelas crticas com que me confrontou, sabendo
eu, que ele uma das personagens chave, de alguns momentos observados na arqui-
tectura do sculo xx portugus.
Na elaborao deste trabalho revelaram-se indispensveis muitas outras colabo-
raes, que apesar da sua diversidade, foram incentivo fundamental e contriburam
significativamente para os resultados obtidos. Entre muitos outros, gostaria de agra-
decer especialmente Professora Doutora Ana Isabel Afonso, Professora Doutora
Ana Tostes, ao Professor Doutor Antnio Feij, ao Dr. Silvestre Lacerda, Profes-
sora Doutora Maria Helena Maia, Mestre Paula Guerra, ao Professor Doutor Pedro
Vieira de Almeida, ao Professor Arquitecto Sergio Fernandez, Professora Doutora
Teresa Andresen, Mestre Teresa Pires de Carvalho, e Professora Doutora Teresa
Soeiro.
Os primeiros esboos deste trabalho foram discutidos pacientemente, com oProfessor Doutor lvaro Domingues, que sempre soube valorizar as minhas tenta-
tivas de formular um tema, abrindo-me perspectivas essenciais para o arranque do
trabalho. Professora Doutora Carolina Leite devo algumas das conversas mais gra-
tificantes sobre o desenvolvimento do trabalho,pelo o que pude ouvir do seu conhe-
cimento e experincia, e pela possibilidade que me deu de falar das minhas inten-
es e das muitas dvidas, no territrio onde a sociologia a arquitectura se tocam.
Ao Professor Nold Egenter, pelas suas prontas e cordiais respostas aos meus
e-mails cheios de perguntas e dvidas. Tambm ao Professor Christian Bromberger,
pela sua disponibilidade para o nosso encontro em Vila Verde, onde teve a amabi-lidade de me introduzir na investigao realizada em Frana, sobre a arquitectura
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vernacular, e ao Professor Doutor Jean Ives Durant sem o qual, este encontro no
teria acontecido.
Agradeo especialmente Dr. Clara Correia Fernandes e ao seu grupo de cola-boradores, da Biblioteca da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
(faup), pela compresso com que acedeu aos meus pedidos, tendo conseguido sem-
pre ultrapassar as dificuldades. Igualmente quero agradecer ao Professor Arquitecto
Manuel Mendes e Dr. Teresa Godinho, pela forma como disponibilizaram a con-
sulta de diversos documentos, apesar das difceis condies em que vive o Centro de
Documentao da faup. Tambm o apoio de Antnio Meireles dos servios de infor-
mtica da nossa Faculdade, mostrou-se indispensvel para a realizao deste trabalho.
Menciono, tambm reconhecidamente, a ateno e o profissionalismo, dos ser-
vios da Universidade do Porto, nomeadamente, da Biblioteca Central da Faculdadede Letras e da Biblioteca da Instituto de Botnica, bem como, da Biblioteca Nacional,
e da Biblioteca de Arte da Fundao Calouste Gulbenkian, que atentamente com-
preenderem as minhas especiais solicitaes, e s quais souberam responder com
toda a diligncia.
Gostava de agradecer em particular, o cuidado posto no envio de documentos
da Biblioteca do Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa (iscte) na
pessoa da Dr. Adelaide Ribeiro, e da Biblioteca da Ordem dos Arquitectos com a
especial disponibilidade e dedicao da Dr. Ftima Coelho.
Agradeo tambm ao arquitecto Eduardo Souta Moura, pela cedncia de ima-
gens de desenhos inditos das suas casas; ao arquitecto Manuel Graa Dias, pelas suas
informaes e cedncia do catlogo de exposio que comissariou; e ao arquitecto
Miguel Palmeira, pelo seu apoio na resoluo de problemas tcnicos. Tambm aos
arquitectos Daniel Oliveira e Graa Correia,que na pesquisa desenvolvida para o seu
trabalho de doutoramento, tiveram a amabalidade de indicar-me referncias biblio-
grficas. Quero tambm reconhecer a importncia das conversas com a Dr. Teresa
Siza que me suscitaram um entendimento mais amplo do significado da fotografia
como registo documental de um tempo e de uma cultura.Ao engenheiro Luis Vieira pela sua pacincia em responder s minhas solicita-
es, e na preciosa indicao do programa informtico especfico para este tipo de
documentos, sem o qual seria dficil szinho editar tanta informao.
O trabalho quotidiano no gabinete na faup com os meus colegas Jos Salgado,
Rui Pinto e Carlos Machado, tornou-se num espao essencial de crtica e de troca de
ideias, indispensveis para o caminho percorrido.
Ao Professor Doutor Carlos Guimares,ao Professor Doutor Lus Soares Carneiro,
e ao Dr. Jos Maria Cabral Ferreira amigos de longo tempo, pelo seu intenso e cons-
tante incentivo para que este trabalho no fosse protelado.Ao meu amigo e companhei-ro Dr.Jos Grilo que sempre me fez sentir o seu apoio para a concluso deste trabalho.
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A minha maior gratido pelos conselhos e pela enorme disponibilidade para
reviso do texto Professora Doutora Maria Alzira B. A. Moura Ferreira.
No posso deixar de agradecer, aos meus filhos, Srgio e Pedro, e tambm Ritae ao Afonso, que durante o tempo de elaborao deste trabalho, demonstraram com-
preenso pela minha forada ausncia e muita pacincia. Os meus agradecimentos
vo tambm para os meus Pais que durante este perodo tiveram um filho mais
ausente.
Isabel, minha mulher e amiga,pelo seu indispensvel e constante apoio.Agra-
deo-lhe a pacincia com que leu muitos textos, e as interrogaes que levantava.
Por ter discutido muitos dos problemas da finalizao destas pginas, e por ter sabido
sacudir-me nos momentos de maior estagnao, sem nunca ter deixado de acreditar
nas minhas capacidades. Agradeo-lhe sobretudo a sua fora para me fazer mais feliz.
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introduo
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construo do objecto de estudo
Os trs primeiros captulos deste trabalho estabelecem uma passagem introdutriapara o corpo da nossa investigao e para a nota final. No seu conjunto, pretendem
esboar um mapa de conhecimentos, onde se assinalam interesses, orientaes e
saberes, que balizam a pesquisa e o desenvolvimento de algumas hipteses.
O primeiro captulo debate o campo do objecto de estudo, e da especificidade
da investigao em arquitectura, assunto relevante no incio de um trabalho acad-
mico, e num enquadramento institucional relativamente recente. Trata-se de um
contributo fundamental para o debate em aberto, sobre as circunstncias e as carac-
tersticas de um doutoramente realizado por um arquitecto em arquitectura. Neste
captulo sero introduzidos os processos e critrios de trabalho e as fontes utilizadas
na sua elaborao.
O segundo captulo centra-se na casa unifamiliar burguesa e nas diferentes
faces que revela consoante a forma como olhada. Pretende-se fornecer uma obser-
vao ampla dos estudos realizados sobre a casa, e da sua importncia como instru-
mento de investigao espacial e meio de divulgao arquitectnica.
O terceiro captulo observa o espao domstico como territrio de intercepes
de diversos saberes entre espao e habitao. Salienta-se a importncia do espao
como um dos dispositivos de representao, aspecto decisivo na construo de fac-tores diferenciadores e na afirmao da ideia do privado na vida domstica.
Ao longo deste trabalho falaremos da arquitectura das casas unifamiliares bur-
guesas, na primeira metade sculo xx em Portugal, e do processo como conformam
o espao domstico que habitamos. Iremos desnudar a casa, na tentativa de funda-
mentar algumas hipteses, sabendo que qualquer hiptese um risco, mas sabendo
tambm que,sem essa energia vital, no possvel compreender nenhuma construo.
Esta leitura ser conduzida numa interpretao da produo arquitectnica
portuguesa, tendo como referente a experincia internacional, e mantendo algumas
pontes com outras reas do saber, procurando no perder as perspectivas culturaispertinentes para este estudo.
11 introduo [1] construo do objecto de estudo
[1]
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identidade da investigao em arquitectura
Na investigao arquitectnica podemos distinguir dois aspectos determinantes: aclarificao da fronteira da arquitecura face ao contexto multidisciplinar e o desen-
volvimento de instrumentos pelos quais avana a investigao dos artefactos arqui-
tectnicos.1
No contexto onde se desenvolve a investigao arquitectnica e especifica-
mente o presente trabalho, que envolve o espao e a interaco com o habitante, a
famlia e a vida privada, a apropriao da casa e a sua realizao simblica cons-
titui-se como urgente a aceitao da arquitectura como disciplina pletrica; isto sig-
nifica que a sua condio de espao de aco, simultneo de muitos saberes e disci-
plinas, obriga-nos a ter de considerar os limites pertinentes, no s na objectivaodesta investigao, mas tambm na seriao das matrias que conformam directa e
inalienavelmente o conhecimento arquitectnico.
A identificao do que a investigao em arquitectura passa pela deteco e
clarificao do seu terreno pluridisciplinar referente. Trata-se de um assunto em
aberto, sobre o qual somente agora, em Portugal, se inicia a sua discusso.2 O debate
sobre este problema alarga-se tambm relao entre investigao e prticaque
tem sido ponto de reflexo importante sobre as formas de ensino da arquitectura. 3
A relao entre disciplina e profisso assume assim uma importncia notria na
definio do que investigar em arquitectura.4
A permeabilidade da investigao arquitectnica, relativamente a outras discipli-
nas (matria e prtica), faz-nos reflectir sobre a importncia dessa matria na formu-
lao do nosso prprio objecto de estudo e na reivindicao da autonomia cientfica
da arquitectura.
12 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
Devem ser entendidos aqui como instrumen-
tos, todos os meios (materiais e tericos) que
servem para realizar a investigao.
Krger, Mrio,Investigao em Arquitectu-ra: Conceitos e Pr-conceitos, Encontros sobre o
ensino da arquitectura, 2, Departamento de
Arquitectura, fctuc, Coimbra, 2000, p. 2233.
Sobre este tema, ver tambm o captulo intro-
dutrio A Habitao e a Investigao Arquitec-
tnica da tese de Francisco Barata Fernandes,
que, embora adoptando uma orientao diversa
da nossa, constitui reflexo essencial na identi-
ficao de caminhos e prticas de investigao.
Fernandes, Francisco Barata, Transformao e
Permanncia na Habitao Portuense: As formas
da casa na forma da cidade, (1996), faup Publi-
caes, Porto, 1999.
Documento elaborado por Nuno Portas no
mbito do Conselho Cientfico da Faculdade de
Arquitectura do Universidade do Porto, onde
so introduzidos estes problemas e feito umbalano sobre a sua realidade quotidiana na
faculdade. [policopiado, s.d.].
Portas, Nuno, Dificuldades de desenhar um
novo curso de arquitectura,Jornal Arquitectos,
7172, aap, Lisboa, 1988, p. 15.
Sobre ensino, investigao e prtica na arqui-
tectura (relaes e sobreposies?), ver:
Rinehart, Michelle, Creating a Multidiscipli-
nary Architecture: Strategies to Integrate
Research into the Architectural Curriculum,
The University of Michigan,Ann Arbor, 1997
[policopiado].
[1.1]
[1]
[2]
[3]
[4]
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Trata-se, sobretudo, de reconhecermos e clarificarmos, na investigao arquitec-
tnica, a importncia das matrias exteriores que devem convergir sobre o nosso
objecto de estudo, com o fim de reunir a informao operativa para a nossa inves-tigao.Este mesmo problema far-se- sentir em outras reas do saber, onde de igual
forma a fronteira entre disciplinas determinada mais pelo objecto de estudo do
que pela rgida geometria que arbitrariamente possa separar territrios de conheci-
mentos.
Com isto, no se pretende diluir ou eliminar o que poderamos chamar modo
prprio da investigao em arquitectura. O uso de recursos multidisciplinares, em
arquitectura, no deve constranger a sua afirmao disciplinar, enquanto portadora
de uma viso prpria perante o seu objecto cientfico: o espao arquitectnico. Pelo
contrrio, o reconhecimento e a seriao pluridisciplinar, que a arquitectura utilizana formao de um corpo de investigao, deve ser encarado como fenmeno mobi-
lizador e no limitador.5
Tal como verifica Paulo Pereira, referindo Hans Belting, a pluralidade dos siste-
mas explicativos, apesar de motivaes e contradies, virtudes e limitaes, no pode
alcanar a substancialidade do facto artstico:
() a Historia da Arte deve perder a sua adstringente iluso de autonomia
disciplinar, que como quem diz, o seu orgulho, para se abrir mais ao dilogo
com outras disciplinas histricas. 6
Importa ainda referir a importncia da noo de variabilidade do significado.
Perante o reconhecimento (pluridisciplinar) das fontes e da sua seriao face ao estudo
a elaborar, teremos de aceitar que tambm as concluses e o seu significado se con-
sideram como variveis dependentes. Ou seja, no podemos aceitar a imobilidade
do significado, que confronta as opes tomadas na construo do nosso objecto de
investigao. 7
Assim, na organizao do presente projecto de investigao, considermos queseria fundamental evitar qualquer tentativa de reproduzir,mesmo que de forma limi-
tada, uma histria da vida privada observada casa a casa. Esta pretenso, para alm de
constituir uma abordagem tecnicamente fora do nosso alcance, afastar-se-ia do nosso
intuito. Pelo contrrio, este trabalho tem a pretenso simples de se constituir numa
fonte de informao disponvel, centrada na compreenso e interpretao alargada
13 introduo [1] construo do objecto de estudo
[5]
[6]
Giddens, Anthony, Transformaes da intimi-
dade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades
modernas, (1992), Celta, Oeiras, 1996.
Pereira, Paulo (dir.), Histria da Arte Portuguesa,
(1995), Temas e Debates e Autores, 1997, p. 19.
Sobre este assunto, ver em especial o captulo
Le rle du spectateur em: Gombrich,E.H.,
Lart et lillusion: Psychologie de la reprsentation
picturale, (1960), Gallimard, Paris, 1995.
[7]
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da casa e do espao domstico, podendo, por seu turno, estimular o desenvolvimen-
to da investigao pluridisciplinar em redor deste tema.Assim, os estudos realizados
em domnios especficos, como a sociologia, antropologia, histria ou economia,so, por um lado, materiais incontornveis para a nossa investigao e mesmo fun-
damentais na construo do seu objecto cientfico e, por outro lado, so necessaria-
mente complementares da investigao das linguagens arquitectnicas.
Quando observamos mais finamente esta destrina de campos, deparamo-nos
com um outro detalhe. Ao aceitarmos o mbito arquitectnico do nosso conheci-
mento como um campo aberto,ento os saberes de outros domnios, situados numa
zona comum e de intercepo disciplinar, encontram-se em parte includos e discu-
tidos pela arquitectura.Por isso essas reas do saber so,no s complementares, mas
tambm parte integrante, ainda que no total nem hegemnica, da arquitectura.Como notado por Eduardo Prado Coelho8, no nos parece hoje possvel obser-
var a arquitectura sem ser integrada no campo mais amplo das artes em geral, nem
que o seu conhecimento possa hoje contornar a importncia das chamadas cincias
humanas e sociolgicas.Tambm Nuno Portas afirma ser fundamental, na compreen-
so contempornea da arquitectura (e do ensino da arquitectura), a verificao de um
entendimento estrangulador, no s no estrito campo da disciplina, de que gostar
desta ou daquela arquitectura o exemplo mais claro, e que denuncia o desinteresse
pelo seu aprofundamento semntico, bem como a abertura ao cruzamento de diferen-
tes nveis de saberes,que hoje como nunca afluem ao nosso quotidiano e que necessa-
riamente tero a sua fora na conduo do projecto contemporneo de arquitectura.9
Desta forma e como j referimos, o trabalho ter que afirmar o seu prprio processo
de conhecimento disciplinar capaz de revelar novos agentes, de iluminar diferentes
perspectivas sobre problemas que, embora tenham o seu mbito especificamente
arquitectnico, no so, nem podem ser, exclusivamente arquitectnicos.
Esta situao prende-se com as transformaes rpidas que esto a processar-se
na sociedade e com o carcter icnico dos signos arquitectnicos.Parece-nos, assim,
que a mais profunda dessas transformaes, ao contrrio do que normalmenteafirmado, no foi o aumento da informao mas o modo de a ler. Pensamos ser esta a
actual provocao,e a mais motivante, perante o conhecimento que nos disponvel.
Fazer arquitectura, intervir na cidade, ou investigar o espao domstico, passa hoje
por questionarmos os nossos estritos conhecimentos disciplinares, e por convert-los
em formatos mais permeveis a uma sociedade globalizada na era da informao.10
14 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
Coelho, Eduardo Prado, Modos de Ler,
Pblico (Leituras), 24 Abril, 1999, p. 8.
Portas, Nuno,Deficit perifrico,A&V
Monografas de Arquitectura y Vivienda, n. 47,
1994, p. 2.
Castells, Manuel,A Era da Informao:
Economia, Sociedade e Cultura, (1996),
Fundao Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002.
[8]
[9]
[10]
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Nesta perspectiva, adquire sentido falarmos de convergncia antropolgica,
como necessidade objectiva de seleccionarmos e de marcarmos, no mapa do conhe-
cimento do homem, aqueles cruzamentos de saberes que balizam o nosso contactocom a realizao arquitectnica, com a sua ambio espacial, como sinal da sua pre-
sena no mundo.
No prefcio edio de 1996, da obra La Rgle et le Modle, Franoise Choay
marca, com particular acutilncia e clareza, os desafios que se colocam ao arquitecto
e civilizao urbana.Para esta autora, a integrao de novas dimenses no processo
de conhecimento dos arquitectos no somente um desafio tecnolgico provocado
pelas novas redes que definem o novo espao da civilizao urbana (que no consi-
dera ser sinnimo nem de urbanidade nem de cidade), mas o da compreenso das
novas questes colocadas pelo espao edificado. Neste sentido, Franoise Choay refe-re:() a questo do espao edificado toma uma urgncia renovada.A questo deve ser
colocada em termos de escala e ela no mais poltica ou esttica, mas antropolgica. 11
Como referimos, o espao de cruzamento de saberes que constitui a arquitectura
implica a sua permeabilidade informao e aos processos de investigao de outras
disciplinas, considerados aqui como marcadores qumicos (agentes auxiliares na reve-
lao da anlise), a partir dos quais a realidade em observao poder ser inteligvel;
mas no podemos deixar de realar o carcter do modo prprio de investigar em
arquitectura. Podemos afirmar que essa especificidade reside na capacidade treinada
de observar o espao e de reconhecer padres, e de o representar como mecanismo
de sntese de uma realidade tridimensional complexa. Esta forma de olhar, profun-
damente diferente do simples ver 12, representa um dos dispositivos identitrios da
investigao em arquitectura.
Teremos tambm que reconhecer que est fora do nosso alcance encontrar con-
dies cientficas propcias para, desde j e no actual estado de desenvolvimento da
investigao em arquitectura em Portugal 13, propor vastos trabalhos tericos ou de
anlise sobre este tema. Apesar da especial ateno que prestamos a alguns desses
trabalhos, com particular nfase os desenvolvidos na rea da sintaxe do espao,nomeadamente pelo Space Syntax Laboratory14, seria desajustada a pretenso de tal
abordagem. Referimos apenas alguns aspectos bloqueadores desta pretenso, como
15 introduo [1] construo do objecto de estudo
Choay, Franoise, La Rgle et le Modle, (1980),ditions du Seuil, Paris, 1996, p. 12.Sobre esta distino ver: Pin, Helio, Cursobsico de proyectos, Ediciones upc, Barcelona,1998.Krger, Mrio, Investigao em Arquitec-tura: Conceitos e Pr-conceitos, Encontrossobre o ensino da arquitectura, 2, Departamentode Arquitectura, fctuc, Coimbra, 2000,p. 2233.
Space Syntax Laboratory, The Bartlett Schoolof Graduate Studies, University College London,de onde se destacam os trabalhos seminais deBill Hillier e Julienne Hanson e da sua equipade investigadores, integrando actualmente gru-pos de projecto onde desenvolvem ferramentasde anlise, caracterizao e avaliao, das inter-venes arquitectnicas e urbanas de grandedimenso.
[11]
[12]
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sejam a ausncia de um efectivo e criativo empenhamento interdisciplinar entre
reas como a lgica,a matemtica, a computao, a sociologia e a antropologia, sem
o qual se revelaria infundado um aprofundamento prtico e terico indispensvelpara a anlise da sintaxe do espao.15
J na Nota Final Histria da Arte em Portugal no Sculo xx, Jos-Augusto
Frana refere o problema do individualismo na investigao:
Importaria tambm que esta histria agora concluda fosse a ltima a ser
feita nas condies de individualismo que lhe foram obrigatrias. Assim se
escreve no livro atrs citado [A Arte em Portugal no Sculo xix] e se volta a escre-
ver agora, sem qualquer espcie de iluso a curto prazo.Vrias causas impedem,
em Portugal, a formao de equipas de trabalho para a realizao de estudosde Histria no s do sculo xx e no s de arte. 16
Embora esta nota tenha sido redigida no final dos anos 70, julgamos manter a sua
actualidade, como podemos registar no confinamento autrcico em que vive a
investigao em arquitectura, no plano acadmico. Sem querermos deter-nos neste
problema, tambem institucional e orgnico, s agora se esboam sinais de mudana
em alguns sectores da investigao, dos quais exemplo a publicao, em 1995, da
Histria da Arte Portuguesa, dirigida por Paulo Pereira.17
Tambm encontramos a mesma dificuldade referida ao campo da antropologia
arquitectnica,outra rea emergente no estudo da arquitectura18, amplamente deba-
tida e divulgada em torno de publicaes como:Architectural Antropology Research
Series; Les Cahiers de la Recherche Architecturale; Architecture & Comportement; e
International Association for the Study of Traditional Environment. Nesta rea importa
salientar a obra significativa de Otto Friedrich Bollnow (1963), de onde se salienta o
seu trabalho sobre o espao no homogneo, e a obra de referncia para estudo de
antropologia do espao de Franoise Paul-Lvy e Marion Segaud.19
16 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
Algumas experincias foram iniciadas com
colaborao entre a Faculdade de Arquitectura
e o Laboratrio de Inteligncia Artificial e
Cincia de Computadores, da Universidade do
Porto, envolvendo investigadores das duas ins-
tituies, no estudo da aplicao de modelos de
anlise estruturada ao estudo de edifcios (no
presente caso s instalaes da faup) tendo-se
concludo uma primeira fase de trabalho con-
junta que consta do relatrio: Portas, Nuno,
Pvoas, Rui, Ramos, Rui, Lisboa, Fernando,
Modelo de anlise de adequao entre sistemas
arquitectnicos e programas funcionais, Relatrio
de actividade do grupo 1, Unidade de Investi-
gao & Desenvolvimento jnict 145/94, Porto,
1995 [policopiado].
Frana, Jos-Augusto,A Arte em Portugal no
Sculo xx, (1979), Bertrand, Lisboa, 1984, p. 603.
Pereira, Paulo (dir.), Histria da Arte Portu-
guesa, (1995), Temas e Debates e Autores, 1997.
Sobre a importncia da antropologia para um
arquitecto, ver o editorial: Rykwert, Joseph,
Preface,Architectural Design, vol. 66, n. 1112,
1966, p. 6.
Bollnow, Otto Friedrich, Hombre y Espacio,
(1963), Labor, Barcelona, 1969.
[15]
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Contudo, ser conveniente sublinhar que o carcter influente dos estudos antro-
polgicos no seio da cultura arquitectnica contempornea encontra as suas razes
nos anos 1960, quando o estudo da cultura material (da forma como as sociedades eos seus artefactos conformam e ocupam os edifcios) ir produzir alguns dos argu-
mentos fundamentais 20 para a crtica arquitectura moderna. A percepo de que a
fronteira da crtica arquitectnica se alargava a outros domnios, para alm da forma
e da funo, surge claramente expressa nas obras produzidas nas dcadas de 1960 e 70,
por Vincent Scully, Amos Rapoport e Christian Norberg-Schulz. tambm o caso
de Giacarlo de Carlo,que integrou o Team 1021, e fundou a revista Spazio e Societ,que
dar uma divulgao consistente s novas ideias que ento se debatem. Igualmente
de Ernesto Rogers que publica, em 1958, Esperienza dellarchitettura, reunio de textos
datados entre 1934 e 1957, como manifesto contra o formalismo moderno,onde fala deidentidade do homem com o meio ambiente, de cultura e de tradio. Na Amrica
regista-se igual movimento, com destaque para o antroplogo Edward T. Hall, que
em 1966 publicar The Hidden Dimension, onde estuda as relaes entre espao e
padres de comportamento.
Ser somente na dcada de 1990, segundo Clare Melhuish22, nas conferncias
realizadas no Institute of Contemporany Arts, em Londres, sob o tema Spaced Out,
que se assinalar significativa e definitivamente a mudana na prtica arquitectni-
ca, representada pelo abandono do que podemos considerar o tradicional discurso
arquitectnico e urbano, onde as relaes entre espao, sociedade e cultura so rara-
mente debatidas, para uma ascenso de temas que influenciaram a nova antropolo-
gia 23 como pluralidade cultural, globalizao, mobilidade.
O actual conhecimento em Portugal, relativo ao espao domstico e sua transfor-
mao ao longo do sculo, reduzido e fragmentado em diferentes reas.24 A presente
17 introduo [1] construo do objecto de estudo
Paul-Lvy, Franoise, Segaud, Marion,Anthropologie de lespace, Centre GeorgesPompidou, Paris, 1983.
A argumentao da crtica ao MovimentoModerno ser centrada no seu alheamento sculturas locais, sobretudo na autoridade do seudesenho face a comportamentos e usos autc-tones.Contudo, a influncia desta posio crti-ca ter dois resultados prticos: por um lado,nos anos 1980, a arquitectura ps-modernade raiz arbitrria e conservadora, baseada navalorizao da histria das formas; por outrolado, vai permitir e alargar a base disciplinar daarquitectura, abrindo-a a outras dimenses cul-turais, que a tornaro mais receptiva investi-gao feita em outras reas do conhecimento.Em 1953 constitudo o Team 10, que rene um
grupo de arquitectos que representou a oposiomais activa doutrina dos ciam e sua geraofundadora. Sobre este assunto, entre outros,
ver:Smithson, Alison, Team 10 primer 19531962,Architectural Design, 12, 1962, p. 559602.Melhuish, Clare,Editorial: why anthropology?,Architectural Design,vol. 66,n. 1112, 1966, p.78.Tambm a antropologia considerava tradicional-mente o estudo das sociedades e das suas insti-tuies at era pr-moderna. A investigaoda sociedade contempornea ir constituir umdos temas emergentes da nova antropologia.Um dos singulares trabalhos sobre este assunto dedicado ao universo da casa de emigrante,tendo a primeira edio em 1994:Villanova,Roselyne, Leite, Carolina,Raposo, Isabel,Casasde Sonhos, (1994),Edies Salamandra, Lisboa, 1995.
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investigao dever ser entendida como um incio que, num acto sbrio de liberali-
dade, se prope como base aberta a mais informao e a diferente recompilao do
material exposto, alargando, no s o seu mbito de observao, como tambm assuas hipteses e interpretaes, ou a necessidade da sua contestao.
A opo do desenvolvimento deste tema centra-se na necessidade de criar uma
matriz fundamental de trabalho, que fornea informaes,dados e anlises, sabendo-
-se que um projecto como este no tem uma concluso, no visa fazer demonstraes,
mas sugerir hipteses e interpretaes para possveis caminhos mltiplos de desen-
volvimento, que podero ser retomados em outros projectos de investigao. Este
carcter operatrio pretende ser reflectido na forma como o trabalho estruturado
e apresentado. Nestes moldes e na presente circunstncia, assumir um carcter emi-
nentemente monogrfico sobre a casa, entendida esta como realizao global e noparticular, diversificando ao mximo a observao dos fenmenos, onde procura a
triangulao das fontes e a sua hiptese de convergncia.
o uso da histria
No campo da arquitectura, da arte e das cincias humanas e sociais, julgamos poder
considerar a dcada de 1950 um momento que configura um novo entendimento
sobre o homem, como produtor de prticas diferenciadoras da sua expresso cultural.
Pretendemos assim fundar o nosso projecto na dvida imposta, desde a dcada de
1950, ao racionalismo e ao funcionalismo em arquitectura genericamente desig-
nado por International Style como sntese do espao moderno. na dissoluo da
ortodoxia moderna e da sua construo histrica, verificada a partir da dcada de
1950, que vamos encontrar os argumentos (mais do que as formas) que possibilitam
pensar a casa como campo de investigao. Ou seja, a crtica a uma ideia hegemni-
ca, racional e funcional de arquitectura veio permitir aceitar que o homem e as suas
manifestaes culturais no sejam realizaes abstractas, universalmente codificadas.
Nesse sentido,a manifestao das suas actividades pode ser olhada de vrios campos
do conhecimento, que constituem outras tantas perspectivas sobre a sua existncia.A quebra deste pretenso vnculo unificador sobre a actividade humana vem permitir
que diferentes formas da cultura espacial possam ser consideradas como relevantes,
ou seja, como factos histricos.
Na formulao inicial do campo de pesquisa, deparamo-nos com a necessidade
de proceder a uma seriao de projectos e obras, que sabemos constiturem apenas
uma parte significativa da identidade polissmica e geograficamente ampla da cultura
espacial do homem. Estes factos histricos e as ligaes que construirmos sero,
assim, uma tentativa de criar uma matriz para a leitura das mudanas operadas na casa
e no espao domstico na primeira metade do sculo xx (embora o primeiro exem-plo seja de 1872 e o ltimo de 1981), aceitando que a escolha, com origem no material
18 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
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publicado e disponvel25, a inevitvel deriva sobre os caminhos do conhecimento.
A tradio da crtica e da historiografia da Arquitectura Moderna sempre valo-
rizou a compreenso do fenmeno arquitectnico, a partir daquilo que definiu comosendo exemplos-chave na ilustrao do seu discurso. Esta seleco permitia no s a
demonstrao clara das suas ideias, mas evitava tambm o seu enleamento por pro-
jectos considerados marginais, que deformariam a articulao estabelecida para o
seu estudo. Esta histria da arquitectura reconhece-se hoje como uma postura mono-
logante que se distanciou de arquitecturas que lhe eram exteriores, num fenmeno
de excluso dos elementos heterogneos, na procura da constituio da sua prpria
estrutura. Esta concentrao mondica da histria da arquitectura sobre si mesmo,
levou a que fossem rejeitados do seu universo obras, autores, correntes, ideias, incom-
patveis com os critrios por si definidos.A eleio destes exemplos como obras/projectos de arquitectura, significativos e
influentes para esta histria, leva-nos interrogao sobre qual o sentido das outras ar-
quitecturas,das renegadas dos tratados e da historiografia,impondo-nos a sua conside-
rao como um fenmeno seguramente extenso e complementar da histria instituda.
A crtica e a histria da arquitectura, elaboradas a partir da seleco de obras
puras, influenciaram, no s a formao e produo arquitectnica do Movimento
Moderno,mas facilitaram tambm a sua divulgao em todo o mundo,numa campa-
nha de enorme sucesso que perdurou de forma hegemnica at aos anos 1950. Delas
seremos ainda herdeiros de uma ideia de anti-cidade 26, enraizada nos nossos hbi-
tos quotidianos, referncias espaciais e de linguagem,que se estendem atravs da sua
metfora tcnica e ao desenho arquitectnico27. A outra histria da arquitectura
a no narrada revela-se hoje como um fenmeno espelhar da histria instituda28
nesse tempo, considerada como fundamental para a compreenso da trajectria
(seguramente no linear) das arquitecturas no sculo xx.
Verificamos hoje uma mudana efectiva nos processos de anlise da histria da
arquitectura. Como salienta Elizabeth A. T. Smith, grande parte da histria produzida
no sculo xx partia da noo de personagens-chave,como produtores de uma obra sin-gular (e na realidade singular) que impulsionava o avano do Movimento Moderno.29
19 introduo [1] construo do objecto de estudo
Esta opo debatida no ponto 1.3.
No sentido em que definido por Joseph
Rykwert: Rykwert, Joseph, The Idea of a Town:
the Anthropology of Urban Form in Rome, Italy
and the Ancient World, (1963), mit Press, 1995.
Huet, Bernard,La citt come spazio abitabi-
le/Alternative alla Carta di Atene, Lotus, 41,
Milano, 1984, p. 617.
Pedro Vieira de Almeida usa a expresso hist-
ria ortodoxa para definir este mesmo sentido:
Almeida, Pedro Vieira de,The Notion of
Past in the Architecture of the Difficult
Decades, Rassegna, 59, Milano, 1994, p. 5262.
Smith, Elizabeth A.T.,Re-examining architec-
ture and its history at the end of the century,
in R. Koshalek, E. A. T. Smith (org.),At the End
of the Century: One Hundred Years of Architecture,
Harry N. Abrams, Los Angeles, 1998, p. 2399.
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O re-exame, que esta autora prope, considera que essas obras,pontos altos da hist-
ria arquitectnica, no esgotam o significado das transformaes verificadas e da alte-
rao das condies do nosso habitat,no tendo na sua maioria alcanado o valor decone para o pblico. Este aspecto relevante, na medida em que permite introduzir,
na historiografia da arquitectura, o registo de outra leitura, de outras obras, que tm
tambm uma presena interveniente no quotidiano urbano e que,como tal, so reco-
nhecidas (aspecto determinante na proposta de Elizabeth A.T. Smith), como, entre
outras, o Empire State Building (Nova Iorque, 1931) e o Centre Georges Pompidou
(Paris, 19711977), s quais poderamos acrescentar a Sede e Museu da Fundao
Calouste Gulbenkien (Lisboa, 19591969),a Igreja do Sagrado Corao de Jesus (Lisboa,
19611970), as Torres das Amoreiras (Lisboa, 19801985), ou o Centro Cultural de
Belm (Lisboa, 19881992).Na arquitectura domstica, podemos tambm considerar que a sua leitura no
se esgota nas obras que nos chegam da histria dos bons exemplos. A dicotomia
entre bonse maustorna-se irrelevante,quando se pretende observar a histria do
sculo xx, como anlise de um conjunto de clusters, no sentido de revelar certos
tpicos influentes para a mutao do espao domstico. 30
Em The Use of History, Joseph Rykwert explcito e crtico relativamente a
esta pretenso da histria da arquitectura em dar-nos uma viso total do passado:
A sua procura no s intil como perniciosa: durante grande parte da minha
actividade profissional, Sigfried Giedion era considerado como uma pessoa que
acreditava verdadeiramente, que alguns factos do passado seriam mais impor-
tantes que outros. Alguns dos meus colegas mais antigos pensavam que a hist-
ria s o era efectivamente como reconstruo totalizante do passado. Este tipo
de histria s pode interessar aos arquitectos que acreditam que a histria uma
espcie de catlogo de todos os artigos plantas, alados, motivos, detalhes,
ornamentos que derivam sem valor, escala ou contexto, como elementos
neutrais que podem ser adicionados a outros elementos do catlogo ().31
Pedro Vieira de Almeida salienta tambm a mecnica de excluso (neste caso
relativamente a Raul Lino) pela qual, em Portugal, a histria da arquitectura
plasmada sobre o modelo que nos chega do estrangeiro, pronto a consumir32 adquirin-
do caminhos marcadamente perversos. Esta leitura permite-lhe reconhecer que os
20 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
Ibidem, p. 2399.
Rykwert, Joseph,The Use of History, Lotus,
81, Elemond, Milano, 1994, p. 129.
Almeida, Pedro Vieira de, Raul Lino,Jornal
Arquitectos, 195, Lisboa, 2000, p. 36.
[30]
[31]
[32]
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caminhos nvios da histria da arquitectura tm uma origem conjugada na nossa
perversidade e na perversidade geral de modelo importado. E conclui:
Creio no entanto perceber que, mais do que a actividade concreta dos arquitec-
tos, na origem dessa apontada leitura perversa da histria moderna, est um
homem entusiasta, com inegveis qualidades de sensibilidade e saber, mas que
talvez por essas mesmas qualidades,por esse mesmo saber e, sobretudo, por esse
espectador-interveniente dos factos que relata, acaba por ser trado pela excessiva
proximidade aos acontecimentos e perde (momentaneamente?) a perspectiva
global e a frieza que se exigira, em especial a um historiador: Sigfried Giedion.33
De igual forma, Anthony Vilder, no artigo que acompanha o catlogo da expo-sioAt the End of the Century: One Hundred Years of Architecture, realizada em 1998
em Los Angeles 34, refere este problema, salientando que a histria dos grandes temas,
dos word-view, sendo imprescindveis somente como referncia e enquadramento
de uma viso original, correm o risco de tender a encontrar a sua justificao numa
narrativa no arquitectnica:
Quando a histria convencional da arquitectura moderna tentou reprodu-
zir a histria fabricada pelas prprias vanguardas, numa histria justificada
pela auto-justificao (), a histria dos temas gerais corre o risco de cair no
erro oposto: o de impor, de fora da arquitectura, uma narrativa unificada,
uma aproximao que tem sido largamente depreciada. Aprendemos a ser
cpticos relativamente grande tese do progresso, ascenso e queda da arqui-
tectura (). E ainda quando alguma crtica e histria temtica sobre o nosso
tempo, que no seja arrastada pela impensvel repetio das fontes histricas
e dos seus lugares comuns, evitando a histria do word-view, obviamente
necessria, somente como ponto de partida para uma interpretao. 35
No seu ensaio sobre a obra de Asplund, Colin St. John Wilson chama-nos a
ateno para o significado da seriao dos factos histricos. 36 Refere precisamente a
21 introduo [1] construo do objecto de estudo
Ibidem, p. 36.
Exposio realizada pelo Museum of Contem-
porary Art (moca) em Los Angeles com o
catlogo: Koshalek, Richard, Smith, Elizabeth
A.T. (org.),At the End of the Century: One
Hundred Years of Architecture, Harry N. Abrams,
Los Angeles, 1998.
Vidler, Anthony, Space, Time,and Move-
ment, in R. Koshalek, E. A. T. Smith (org.),
At the End of the Century: One Hundred Years
of Architecture, Harry N. Abrams, Los Angeles,
1998, p. 101.
Wilson, Colin St. John, Gunnar Asplund and
the dilemma of Classiscism, (1992), inArchi-
tectural Reflections: Studies in the Philosophy
and Practice of Architecture, Butterworth Archi-
tecture, Oxford, 1994, p. 138155.
[33]
[34]
[35]
[36]
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obra de Giedion, Space Time and Architecture (1941), e a obra de Jencks,Modern
Movements in Architecture (1973), onde a importncia e presena de Asplund foi
totalmente ignorada em ambas. Para este autor, o apagamento da obra de Asplund(18851940), entre outras, relaciona-se com a diviso que operou a construo his-
trica do moderno e que permanece como matriz da sua leitura; de um lado, o que
designa por Modernismus, do International Style, da rejeio do ornamento e da
histria (que no era ensinada na Bauhaus), da promoo da construo mecaniza-
da, e do planeamento em quatro funes; do outro lado, a viso crtica do Moder-
nismo compendiada em outras disciplinas e por outros como Joyce, Eliot, Picasso
ou Mahler, com a sua viso do passado, como condio intrnseca da inveno do
novo.
Para Colin St. John Wilson, a demolio dos blocos de Pruitt-Igoe (St. Louis,1972) facto usado pelos ps-modernistas para assinalar o fim do Moderno torna-se
insignificante perante a declarao de Alvar Aalto, em 1940, contida em The Human-
izing of Architecture, 37 onde a crtica ao funcionalismo e racionalizao so deter-
minantes e conclusivas para o Movimento Moderno.
Podemos acrescentar que a histria um instrumento revelador nico para a
arquitectura, na medida em que permite ultrapassar a posio de pano de fundo,
que o espao arquitectnico representa para as cincias sociais.Ou seja, tentar alcan-
ar a razo por que construmos,e o modo como o devemos fazer, como sendo tpi-
cos que as cincias sociais no abordam para alm da descrio socioeconmica,
omitindo a mecnica espacial como argumento em si, influente na construo. Mas
Joseph Rykwert vai mais longe, na sua anlise da relevncia da histria para a arqui-
tectura, atribuindo ao homem, e sua presena corprea no espao edificado, uma
dimenso insuspeitada:
Os nossos corpos so a nossa histria () a sociedade de que fazemos parte
cria o seu prprio corpo como um mundo artificial, construdo, que se trans-
forma para dar resposta a todas as mudanas das quais procuramos o signi-ficado. A lio clara: no modo como cada um de ns fisicamente se relacio-
na com o mundo construdo, fornece as constantes da criao arquitectnica,
a expectativa na poesia do artificial que nunca deve se negada . 38
22 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
Publicado parcialmente em portugus em:
Aalto, Alvar,A humanizao da arquitectura,
Arquitectura, 2. srie, ano xxii, n. 35, Lisboa,
1950, p. 78.
Rykwert, Joseph,The Use of History, Lotus,
81, Milano, 1994, p. 129.
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[38]
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delimitao do campo de trabalho
Na organizao da investigao sobre a arquitectura da casa unifamiliar, surge, comouma das primeiras questes, a delimitao do intervalo de tempo analisado e a sua
pertinncia. Aceitamos a primeira metade do sculo xx como intervalo de tempo
capaz de produzir uma leitura consistente, da continuidade e da mudana no espao
domstico,39 que teve necessidade de se alargar a obras que vo para alm desse
intervalo temporal.
A primeira obra registada a Casa da Fotografia de Carlos Relvas, realizada entre
1872 e 1875, sendo uma construo que alberga um estdio fotogrfico e que s foi
ocupada como habitao em perodo posterior sua concluso. Contudo, pela sua
arquitectura, volumetria, organizao e construo, um exemplo precoce que pro-move um entendimento das novas condies, tcnicas e espaciais,presentes na habi-
tao que caracterizaro a viragem para o sculo xx.
A ltima obra registada a casa Avelino Duarte, de lvaro Siza, projectada e
construda entre 1981 e 1985, que,apesar de se afastar do meio do sculo, julgamos ser
a obra que encerra uma condio anterior da arquitectura portuguesa, j denunciada
em obras do mesmo autor, como as casas no bairro das Caxinas ou a casa Beires na
dcada de 70, e abre claramente o captulo da nossa contemporaneidade.
Apesar da dilatao para alm da primeira metade do sculo, o corpo deste tra-
balho abarca o perodo entre 1900 e 1974 sobre o qual incidiu a investigao. Sobre
este aspecto devemos tambm considerar que o meio do sculo portugus em arqui-
tectura no coincide com o meio do sculo temporal, tal como Paulo Pereira obser-
vou, o sculo xix portugus tambm no acabou onde se esperava, estendendo-se
pelos anos 60 dentro: () o sculo xixmantm o seu balano epocal at muito tarde.
() O sculo xix , de facto, o sculo mais longo da histria portuguesa. 40
Porqu 1900? Considerando relevante outras fontes e outros dados, poderamos
definir outros limites temporais; no entanto, observando os trabalhos que nos servi-
ram de suporte, abaixo referidos, poderemos encontrar razes, argumentos e obrasque fixam este perodo.
No captulo A Evoluo da Arquitectura Moderna em Portugal, publicado na
Histria da Arquitectura Moderna de Bruno Zevi 41, Nuno Portas introduz o seu estudo,
23 introduo [1] construo do objecto de estudo
Vide captulo 5.Pereira, Paulo,2000 anos de arte em Portugal,Temas e Debates e Autores, Lisboa, 1999, p. 319.Vide captulo 5, ponto 5.2.Este captulo, segundo Nuno Portas, a trans-formao dos artigos publicados noJornal deLetras de Artes em 1963 (prmio Fundao
Calouste Gulbenkian de Crtica de Arte, em1964), na sequncia de uma bolsa da mesmafundao. Portas, Nuno,A Evoluo da Arqui-tectura Moderna em Portugal: uma interpreta-o, (1970), in Bruno Zevi, Histria daArquitectura Moderna, vol. ii, Arcdia, Lisboa,1978, p. 687746.
[1.2]
[39]
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com a apreciao das dcadas obscuras,desde Pombal at ao fim da guerra de 19141918,
com relevo particular para o final da segunda metade do sculo xix. Neste ltimo
perodo da sua anlise, podemos destacar dois aspectos fundamentais: a formao e
o reconhecimento profissional do arquitecto. A formao dos arquitectos era reali-
zada nos cursos de Belas-Artes (em Lisboa com Jos Luiz Monteiro e no Porto com
Marques da Silva) em condies ainda no plenamente investigadas, marcada por
mtodos acadmicos e classizantes. Devemos ainda considerar as bolsas concedidas
para estudos no estrangeiro como um factor significativo da sua formao e contacto
com a experincia exterior. Contudo,os novos contedos na formao dos arquitectos,
ligados transformao social e ao urbanismo, qualificao da produo industrial
e aos novos materiais (ao e beto), que iriam alterar profundamente no s as facha-
das,mas a prpria tipologia dos edifcios e o saber construir dos arquitectos, mantm-
-se afastados da formao, denunciando tambm o desinteresse e atraso da sociedade
portuguesa na viragem do sculo.Tambm a ausncia do reconhecimento da especificidade profissional do arqui-
tecto era sinal de uma ideia de arquitecto-artista promovida pelo ensino da arquitec-
tura e pelo reduzido nmero de arquitectos (total de 28 filiados na Associao em 1866),
objecto de relativa desconsiderao social, pelo Estado e pela burguesia que, ou no
os chamava para as suas obras, ou recorria a estrangeiros nas obras importantes.42
A transio de sculo salienta a debilidade cultural da sociedade portuguesa
como principal factor pelo desinteresse por um discurso espacial inovador nas obras que
24 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
Ibidem, p. 690.
Ibidem, p. 702.
[Fig. 1.2]Gare Central da Estao de So Bento,Jos Marques da Silva, 1900.
Sociedade de Geografia,Sala de Portugal, J. Luiz
Monteiro, 1897.
[Fig. 1.1]
[42]
[43]
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ento se realizavam, ignorando as experincias espaciais modernistas de Domenech
y Montaner ou de Berlage, Behrens, Horta, Henri van de Velde, ou de Sullivan e
Wright, tal como Nuno Portas refere, concluindo: o atraso tecnolgico no era umaboa desculpa. 43
Apesar de tudo,a tcnica estava disponvel e,como podemos ver nas realizaes
utilitrias, os novos materiais (ferro e beto) surgiam na Gare de Alcntara (1887),no
Coliseu (1865) ou no Elevador de Santa Justa (19001902), em Lisboa, e no Palcio de
Cristal (1865), na Bolsa (1861) ou na Gare Central da Estao de So Bento [Fig. 1.1],
(1900), no Porto.
Do conjunto das obras que recorrem a estes materiais, e que so intervenes iso-
ladas no panorama da construo da poca, salienta-se, na obra de Jos Luiz Monteiro,
a sala da Sociedade de Geografia[Fig. 1.2], de 1897, onde utiliza de forma inovadorauma estrutura metlica aparente num espao considerado nobre.
Tambm a comunicao, apresentada em 1983 na exposio Depois do Moder-
nismo44, por um grupo de arquitectos do Porto, sobre a evoluo da arquitectura
portuguesa, a primeira pgina ilustrada de forma significativa, com o projecto da
fachada da Estao do Rossio, realizado em 1886 por Jos Luiz Monteiro, onde afir-
mado:A evoluo da arquitectura portuguesa marcada pela condio de cruzamen-
to de culturas, e pautada pela alternncia ou simultaneidade de estrangeiros naciona-
lizados e nacionais estrangeirados. 45
Jos Luiz Monteiro e particularmente as obras referidas surgem como momento
prvio, como sinal da dupla condio que ir caracterizar o percurso da arquitectura
portuguesa,no incio do sculo:a influncia dos modelos formais europeus e a suces-
siva procura de uma arquitectura portuguesa, como pressuposto da nossa identidade
cultural. A sua obra poder ser reconhecida como um ponto de partida, isto , pre-
cursora desta dicotomia essencial, da especificidade arquitectnica portuguesa no
sculo xx.
J Jos-Augusto Frana deixa clara outra viso, relativa necessidade de definir
um momento inicial para a modernidade, quando afirma: O sculoxix
terminou e
25 introduo [1] construo do objecto de estudo
Os arquitectos referidos,Alexandre Alves Costa,Adalberto Dias, Alcino Soutinho,lvaro Siza,Domingos Tavares, Eduardo Souto Moura eSergio Fernandez, convidados a participaremcom projectos seus na exposio realizada emLisboa em 1983, intitulada Depois do Moder-nismo/uma polmica dos anos 80, organizadacom a inteno de debater a situao ps-moder-na em Portugal, respondem colectivamente comum texto e 13 fotografias, onde apresentam oseu entendimento da evoluo da arquitecturaportuguesa, de 1886 a 1970, e as razes porque
a polmica em torno do que vagamente se chama
ps-modernismo, no pode provocar mais ansie-
dade, do que as condies desesperadas do exerc-
cio da profisso em Portugal.Costa, Alexandre Alves, Dias, Adalberto,Soutinho, Alcino, Siza, lvaro, Tavares,Domingos, Moura, Eduardo Souto,Fernandez, Sergio, Texto apresentado naexposio Depois do Modernismo sobre aevoluo da arquitectura portuguesa, in LusSerpa (coord.), Depois do modernismo, Lisboa,1983, p. 115128.
[44]
[45]
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no terminou em 1900. 46 Na sua obra Histria da Arte do Sculoxx, aceita o desliza-
mento da influncia do sculo xix pelo sculo xx, considerando 1911 como ponto de
partida, o ano em que se realizou uma primeira manifestao de arte livre em queintervieram alguns jovens pintores que marcariam posio dentro do modernismo por-
tugus () a partir da qual se cava a primeira barreira entre o futuro da pintura por-
tuguesa, e o naturalismo institudo da gerao de 1879. 47
Pedro Vieira de Almeida olha para este problema de outra forma, forando-se
a reconhecer, no tempo cronolgico, a condio em que a arquitectura vive na
sociedade portuguesa nesse exacto momento: () em arquitectura importa fazer
coincidir o sculoxx com o sculoxx. 48 Esta posio faz realar, numa estrutura com-
preensiva da histria da arquitectura, a especificidade necessria da interpretao
dos factos portugueses no seu tempo.Assim, 1900 pode constituir-se, a vrios ttulos, como ano charneira na transi-
o para uma expresso modernista em arquitectura. O facto mais importante cer-
tamente a realizao do concurso de arquitectura para a seleco do projecto do
Pavilho Portugus na Exposio de Paris de 1900.
Outros factos consolidaram tambm esta data:
A instalao do elevador do Carmo, em 19001902, de Raul Mesnier de Ponsard,
apresenta uma estrutura metlica invulgar na baixa da cidade de Lisboa.Pedro Vieira
de Almeida atribui-lhe importncia em termos urbanos,ele representa uma renovada
conscincia topolgica da cidade, 49 tornando visvel para os lisboetas a esquecida
estrutura vertical da cidade.
O incio da publicao da revistaA Construo Moderna, primeira revista espe-
cializada, dedicada arquitectura, e que afirma estar aberta colaborao de distin-
tos tcnicos da especialidade, ter um importante papel no meio profissional, no
deixando de revelar a fragilidade da conscincia profissional do arquitecto.
A formao, em 1901, da Sociedade dos Arquitectos Portugueses, que marcar o
incio de uma longa e lenta batalha pelo reconhecimento profissional por parte do
Estado, e que contar com inmeros episdios at aos nossos dias.1900 tambm o momento em que se regista o alargamento da rede urbana de
Lisboa, atravs de um conjunto de intervenes, de que o Plano para as Avenidas
Novas (18741909), de Ressano Garcia 50, a marca fundamental.
26 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
Frana, Jos-Augusto,A Arte em Portugal no
Sculo xix, Bertrand, Lisboa, 1966, p. 303.
Frana, Jos-Augusto,A Arte em Portugal no
Sculo xx (19111961), (1979), Bertrand, Lisboa,
1984, p. 11.
Almeida, Pedro Vieira de,Carlos Ramos:
Uma Estratgia de Interveno, Carlos Ramos.
Exposio Retrospectiva da sua Obra, Fundao
Calouste Gulbenkian, 1986, p. 7.
Ibidem, p. 11.
Ver, a propsito, o catlogo da exposio sobre
Ressano Garcia comissariada por Raquel
[46]
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E porqu 1974? Este ano fixa-se inevitavelmente mudana registada na socie-
dade portuguesa com a Revoluo de 25 de Abril e, com ela, as condies particula-
res que a arquitectura vai viver durante os anos de 19741975 com o saal e os anos daRevoluo. 51
Se bem que 1974 constitua uma charneira fundamental com implicaes direc-
tas na actuao disciplinar do arquitecto, como a liberdade de expresso, e pesem
embora as transformaes socioeconmicas iniciadas neste perodo, , no entanto,
na periferia dos anos 1974 e 1975, que encontramos as obras que identificam uma
diferente viso crtica e posterior ruptura com a produo arquitectnica portuguesa,
como anteriormente referimos. Como exemplo, a casa Beires realizada entre 1973 e
1976, por lvaro Siza52, sinal inequvoco e explcito de uma racionalidade imposs-
vel, assumindo simultaneamente o sentido de pesquisa da expresso da obra de autore uma dimenso crtica da compreenso da histria.
fontes utilizadas
O presente estudo pretende construir-se como uma observao ampla sobre o tema
do espao domstico, onde cada sedimento dever ser registado, na expectativa de
poder ser um contributo para a construo de um entendimento mais geral sobre o
tema agora tratado. Nesta perspectiva,o tratamento das fontes de informao torna-
-se um aspecto fulcral, no s para a validao do presente trabalho, mas tambm
como garante do seu valor operatrio para futuras investigaes.
Ao aceitarmos que todos os factos da histria da vida do homem so relevantes,
ou seja, que para a histria da transformao do espao domstico, o quotidiano, o
banal e o annimo na vida de todos os dias surgem a par da obra paradigmtica,
como aspectos potencialmente significantes na procura do sentido para os actos
humanos, consideramos a enorme amplitude das fontes disponveis e dos modos de
a lermos.
Na tentativa de esclarecermos quais as fontes a utilizar e quais os seus limites,teremos primeiro de nos interrogar: qual a narrativa histrica mais pertinente para
a presente investigao arquitectnica e que perspectiva representa ela, na infinitude
de hipteses disponveis.
27 introduo [1] construo do objecto de estudo
[1.3]
Henriques da Silva: Silva, Raquel Henriques da(dir.), Lisboa de Frederico Ressano Garcia18741909, Fundao Calouste Gulbenkian,Lisboa, 1989.
Costa, Alexandre Alves, 19741975, o saale os Anos da Revoluo, Portugal: Arquitecturado sculo xx, Prestel, 1997, p. 6571; saal:Servio de Apoio Ambulatrio Local.Repare-se que tambm o projecto de lvaroSiza para do bairro da Boua, no Porto, ini-ciado neste perodo, entre 1973 e 1977.
[51]
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Como refere Joseph Rykwert, a histria que interessa aos arquitectos no a his-
tria do connaisseur: museugrfica, isolada em vitrines,objecto fetichizado.O nosso
contributo para a histria da transformao do espao domstico ter que se realizarno mbito do nosso saber disciplinar, isto , dentro da arquitectura. Este contributo
ter que considerar o que cada um dos seus construtores trouxe consigo 53, ou seja, na
capacidade de projectarmos os nossos conhecimentos tcnicos e disciplinares que nos
chegam da arte de construir, como teia indispensvel observao do espao arqui-
tectnico como realizao do homem.
Assim, o estudo da casa unifamiliar burguesa54 revela-se como uma face extensa
e difcil de observar, na medida em que integra diferentes nveis da experincia huma-
na. Teremos que considerar, como base essencial de trabalho, as fontes de informa-
o que adiante se discriminam, directamente relacionadas com a produo e divul-gao da arquitectura, estabelecendo as pontes necessrias para outros estudos e reas
do conhecimento,como necessidade de interpretao,conhecimento e validao. Esta
delimitao disciplinar, e necessariamente operativa, revela tambm a urgncia de agre-
gar, ao conjunto das outras investigaes (realizadas neste campo por outras discipli-
nas), um entendimento especificamente arquitectnico, como conhecimento signi-
ficante e influente na observao e no estudo do espao domstico.55 Sendo uma ati-
tude orientada para a construo de uma viso prpria, disciplinar e arquitectnica,
mas sem recusar o seu cruzamento interdisciplinar, surge como essencial, na busca
do fio condutor, tudo o que possa tornar relevante um facto ou um objecto na sua
histria.
Finalmente e perante a delimitao realizada,devemos considerar o modo como
lemos essa informao, ou seja, depois de referirmos a nossa abordagem ao tema
como arquitectnica, importa agora esclarecermos a perspectiva que influencia a sua
leitura, e como usamos a diversificao disciplinar e a consequente pluralidade das
fontes. Se num primeiro momento restringimos o universo das fontes que estrutu-
ram a nossa base da investigao, num segundo tempo iremos considerar que a sua
leitura est sujeita a um cruzamento essencial de saberes.
28 a casa arquitectura e projecto domsticona primeira metade do sculo xx portugus
Rykwert, Joseph,The Use of History, Lotus,
81, Milano, 1994, p. 129.
A opo de estudo da casa unifamiliar burgue-
sa discutida no captulo 2.
Ver argumentao apresentada no tpico
anterior deste captulo identidade da
investigao em arquitectura. Tambm
Dolores Hayden apresenta uma interessante
Bibliographical Note onde analisa o proble-
ma da interdisciplinaridade, dos objectivos de
cada rea e das fontes que disponibilizam, para
estudos como o nosso, confluncia de saberes.
Hayden, Dolores, The Grand Revolution:
A History of Feminist Designs for American
Homes, Neighbourhoods, and Cities, (1982),
mit Press, Cambridge, Mass., 1995.
[53]
[54]
[55]
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publicaes peridicas especializadas
Tal como j referimos, o universo da nossa investigao tem como base inicial o levan-
tamento e recolha da informao disponvel nos peridicos especializados de arqui-tectura, editados em Portugal.
A maioria da informao relativa aos projectos de casas unifamiliares foi reco-
lhida das seguintes revistas de arquitectura, largamente consultadas:A Construco
Moderna e as Artes do Metal; A Construco Moderna; A Architectura Portugueza; A
Arquitectura Portuguesa; A Arquitectura Portuguesa e Cermica e Edificao; A Arqui-
tectura Portuguesa e Cermica e Edificao/Reunidas; Arquitectura; Atrium; Binrio;
Annuario da Sociedade dos Architectos Portuguezes; Revista Oficial do Sindicato Nacio-
nal dos Arquitectos; Revista Arquitectos; Jornal Arquitectos; Arquitectos Informao;
RA; Architecti; Arq/a e Prototypo.Procurou-se sempre registar para uma mesma obra, as suas diferentes publica-
es, quando tal se verificou. Devido irregularidade da designao dos projectos, na
poca em que foram publicados e que pode diferir tambm do actual nome por que so
conhecidos, obrigamo-nos a um cuidadoso cruzamento de fontes, na tentativa de mini-
mizar os erros e conciliar as diferentes informaes num mesmo registo de projecto.
Para alm da informao recolhida nas publicaes acima referidas,houve neces-
sidade de aprofundar o contexto em que foram realizadas determinadas obras e de
cruzar diversas referncias (caso particular de obras no publicadas na sua poca, ou
publicadas em outras fontes), o que nos levou a alargar o universo da consulta a livros,
monografias, inventrios publicados, revistas e catlogos, referentes no s ao univer-
so disciplinar da arquitectura, mas tambm ao de outras reas do conhecimento, da
arte e da cultura, da informao e da vida social.56
Sem o carcter de anlise exaustiva das revistas da especialidade acima referidas,
foram ainda consultadas as seguintes publicaes peridicas:Anlise Social; Biblio-
teca do Povo e das Escolas; Boletim da Associao dos Archelogos Portuguezes; Boletim
da Universidade do Porto; Colquio; Centro de Estudos Arnaldo Arajo; Etnogrfica;
Illustrao Portugueza; Ler; O Tempo e o Modo; Panorama; Revista Crtica de CinciasSociais; Trabalhos de Antropologia e Etnologia; Tripeiro; UPorto; Via Latina e Vrtice.
a comunicao da arquitectura: o papel do desenho
Na recolha de informao que temos vindo a enunciar, constatamos que geralmente
as fontes de origem no arquitectnica no encaram o de