beth brait reseña sobre libro literatura y otros lenguajes

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teoría literaria

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    Pro-Posies, Campinas, v. 22, n. 1 (64), p. 215-219, jan./abr. 2011

    Literatura e outras linguagens

    Maria Helena Cruz Pistori*

    BRAIT, Beth. So Paulo: Contexto, 2010, 235p.

    De incio, importante frisar que esta obra de Beth Brait no um textoterico. E devemos aqui acrescentar: no explicitamente um texto terico.Dirigida primeiramente a professores de lngua e literatura, aqueles aos quais asociedade incumbiu de despertar na criana o gosto pela leitura, tambm sedestina queles que simplesmente gostam de ler, que consideram o texto umaforma de conhecimento, fonte de prazer.

    Acostumados que estamos Beth Brait crtica e ensasta dos textos cientfi-cos, que se dirige aos pares, e quela dos ensaios mais densos ou dos artigostericos (sempre aliados a uma postura prtica, verdade); acostumados, maisespecialmente, autora que tem buscado desvendar os sentidos e a aplicaodos conceitos desenvolvidos pelo Crculo de Bakhtin, escrevendo, por exem-plo, Alteridade, dialogismo, heterogeneidade: nem sempre o outro o mes-mo1 ou Interao, gnero e estilo2, entre outros artigos, e organizando obrasque vo na mesma direo, como Bakhtin: conceitos-chave, Bakhtin: outros con-ceitos-chave, Bakhtin e o Crculo, Bakhtin, dialogismo e polifonia..., todas publicadaspela editora Contexto; ou textos propositivos de uma anlise dialgica do dis-curso, como Uma perspectiva dialgica de teoria, mtodo e anlise3 ou Me-mria, linguagens, construo de sentidos4; ou compondo artigos que bus-cam ainda, mais recentemente, criar um aparato terico-dialgico para a anlisedo verbo-visual, como A palavra mandioca do verbal ao verbo-visual5 , acos-

    * Ps-doutoranda em Lingustica aplicada e estudos da linguagem, Pontifcia Universidade Catlicade So Paulo / Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (Proc. 2009/16902-8), SP,Brasil. [email protected]

    1. In: Brait, B. (Org.) Estudos enunciativos no Brasil: histrias e perspectivas. Campinas, SP: Pontes;So Paulo: Fapesp, 2001.

    2. Inserido em Preti, D. (Org.). Interao na fala e na escrita. So Paulo: Humanitas/FFLCH/USP,2002. p. 125-157.

    3. Gragoat, Niteri, n. 20, p. 47-62, 1. sem. 2006.4. In: Lara, G. M. P. et alii (Org.). Anlises do discurso hoje. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008,

    pp.115-132. V. 2.5. In: Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. So Paulo, v. 1, n. 1, p.142-160, 1. sem. 2009.

    Disponvel em: http://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3004/1935. Acessoem: 19 set. 2009.

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    tumados a essa autora, o livro surpreende-nos. o estilo simples, descontradoe agradvel que torna possvel a fruio da obra por diferentes leitores, chegan-do mesmo aos especialistas da academia. Sim, pois tal leveza de estilo permiteque a profundidade do texto alcance destinatrios diversos, presentes e inter-pelados ao longo de toda a obra, instados a dialogar com ela e com os diferentestextos e autores com quem Brait nos coloca em contato.

    De que trata a obra? O ttulo, Literatura e outras linguagens, j nos d omote presente ao longo de todos os captulos: ser o enfoque de lngua e litera-tura como parceria inquestionvel e necessria nos estudos da linguagem.Essa parceria ser atestada por meio de textos e depoimentos de escritores, delinguistas, de pesquisadores da linguagem e especialistas da literatura, quemostram a indissolvel unio existente entre ambas nas estantes da vida.Dessa forma, nosso discurso na vida e na arte apresenta-se na obra por meio dasvozes postas a dialogar acerca da literatura, da lngua, das diferentes lingua-gens, em suas diferentes dimenses.

    O livro est organizado em sete unidades. Na primeira, Lngua e literatura:saber e sabor, poderamos dizer que o incio terico, dado que a autora seprope tematizar a relao constitutiva lngua-literatura por meio de RomanJakobson, o poeta da lingustica, e Valentin Voloshinov, o linguista do Crcu-lo bakhtiniano. Se encontramos o saber nos excertos dos tericos e nos comen-trios acerca da articulao lngua e literatura em suas produes, o sabor daunidade, assim como de toda a obra, tambm se deve a expresses como a queapresenta Jakobson como um linguista para ningum botar defeito.Complementando a unidade, os depoimentos de linguistas DominiqueMaingueneau, Carlos Alberto Faraco, Srio Possenti (... o que me interessamesmo uma boa histria...) e Luiz Carlos Travaglia especialmente produ-zidos para esta obra, tornam-na mais saborosa.

    As unidades seguintes tm praticamente a mesma estrutura: iniciam-se comum debate acerca do tema em questo, dialogando com textos e autores quedele trataram, para ento apresentar textos e depoimentos inditos de conheci-dos autores. Na segunda unidade, a questo proposta o modo como escrito-res enfrentam e mostram a lngua. Percebemos nela como o material e a formase aliam ao contedo no fazer literrio, com trechos de Graciliano Ramos,Guimares Rosa e Roberto Gomes, escritor contemporneo que tambm con-tribui com um depoimento especial para a obra (No colgio, o tdio. A lti-ma flor do Lcio inculta e bela. [...] Era o fecho: alm dos botecos, estudarliteratura no colgio virara uma tremenda farra).

    Na terceira unidade, a questo da relao entre lngua, literatura e identi-dades debatida. Novamente textos muito bem selecionados para refletirmose dialogarmos acerca da questo. Trechos de Alencar, Mrio de Andrade, Oswald,

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    lado a lado com o Samba do approach e Kid Vinil, de Zeca Baleiro, e coma riqueza literria do texto de uma senhora do povo, a senhora de Sair. Aseguir, excertos de Luiz Alfredo Garcia-Roza dialogando com o Poema tiradode uma notcia de jornal, de Bandeira; e ainda, para exemplificar amultiplicidade de vozes que caracterizam uma poca a contempornea ,um trecho de Patrcia Melo e o depoimento de Mirna Pinski. Vamo-nos dandoconta da sensibilidade lingustico-literria da autora por meio da escolha dostextos, dos comentrios e das anlises que parecem to simples de compreen-der, mas que escondem uma profundidade terica conseguida apenas graas ampla experincia profissional e formao acadmica exemplar. Um depoi-mento de Brait, revelando-se aluna de Francisco da Silva Borba no curso gina-sial, em Itapetininga, apresenta o estudo por ele empreendido sobre uma vi-so lingustica da literatura como registro. O captulo encerra-se com odepoimento de mais um linguista de peso, Dino Preti, falando de seu trabalhocom a literatura como registro da lngua oral.

    Nas unidades seguintes, a preocupao com o ensino de lngua e com aconstruo de sujeitos leitores, cidados: Aprender e ensinar lngua portugue-sa (ou qualquer outra lngua) no simples. Ao contrrio: muito difcil. Noexistem frmulas mgicas e muito menos receitas infalveis que durem parasempre e se adaptem a qualquer poca, grupo, sociedade. No debate sobre aquesto, novamente poetas, como Leminski, Augusto de Campos, Carlos Vogt(poetalinguista), Igncio de Loyola Brando; e ainda, Maria Helena de MouraNeves (a busca de nosso lugar na vida: Na tentativa de resposta, s vejo umlugar onde possamos encontrar companhia e orientao para essa busca: asinvenes dos poetas que, s vezes, roubando vida a ns mesmos, deixamosdormir em nossas estantes); Marisa Lajolo, que destaca o encanto escolar como ensino da anlise lgica; e Regina Zilberman (...o que melhor apreendicom a gramtica foi... literatura).

    A seguir, ao tratar da fronteira dos sentidos, o destaque ser a relao arte/vida/memria, exemplificada em textos que colocam em p o vivido, o imagi-nado e a mistura das duas coisas por meio da linguagem. Mais uma vez, aseleo primorosa, e aqui vale lembrar: cada trecho citado evoca o todo de quefaz parte. A apresentao o momento em que a autora no se esquece dealertar e seduzir o leitor para a leitura da obra completa, o que faz, realmente,desde a primeira unidade. Dialogam ali Cristvo Tezza Nenhum trecho,isoladamente, poder nos dar a dimenso desse magnfico romance; ChicoBuarque Trechos extrados de diferentes momentos da narrativa estabele-cem, de forma clara, as relaes entre lembranas, identidade, linguagem, fun-cionando como uma antessala para a leitura da totalidade do romance; Mil-ton Hatoum O mistrio somente envolver o leitor que acompanhar toda a

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    narrativa...; Bernardo Carvalho Um excerto certamente far o leitor com-preender a qualidade do romance e optar, imediatamente, pela leitura comple-ta da narrativa; Rubem Fonseca, com trecho da crnica Exitus letalis. Depo-imentos de nossos grandes linguistas atestam o entrelaamento de suas vidascom a literatura desde a infncia: Jos Luiz Fiorin ... como andar sem litera-tura? e Ingedore Villaa Koch ... a literatura foi para mim uma companhei-ra constante.

    E vale apontar que os depoimentos em geral, destacando motivos que leva-ram especialistas da linguagem a sua escolha profissional, trazem sempre as-pectos que nos identificam a eles: mais um ponto que certamente seduz oleitor, professor ou apreciador de nossa lngua e literatura. Mais interessanteainda observar como vrias vezes o encanto com a gramtica levou o especia-lista ao trabalho com a literatura (caso de Marisa Lajolo) e, outras vezes, oencanto com a literatura levou-os ao trabalho com a lngua (caso de Fiorin eMaria Helena Moura Neves, entre outros). A parceria inquestionvel lnguae literatura move-nos professores de lngua ao trabalho com a(s) linguagem(s).

    A sexta unidade tem a cano como destaque: as letras de Caetano, LuizTatit, Sandra Perez e Luiz Tatit e Juraildes da Cruz so analisadas para quepossamos apreciar, compreender e conhecer variedades e particularidades dalngua portuguesa (ainda preciso ouvir as canes, sempre nos lembra Brait).Termina poeticamente com uma montagem do escritor angolano Ondjaki,especialmente para a obra: Da lngua que se fala lngua que se sonha(autocomentrios em quatro andamentos): Escrevo para celebrar a liberdade quea minha lngua permite. E para ser feliz.

    na ltima unidade que tem lugar o exame das tramas verbo-visuais dalinguagem, por meio de finas anlises que nos fazem perceber o visual comoconstitutivo do sentido do todo indissolvel dos enunciados concretos selecio-nados. A anlise dos textos d oportunidade para que a autora nos lembre, porexemplo, da necessidade da aplicao no mecnica da noo de gnero, namedida em que este no unidade autnoma, mas dependente de aspectosligados sua produo, circulao e recepo, tanto no sentido situacionalespecfico como no que diz respeito ao contexto mais amplo.

    Finalizando, acreditamos que justamente a preocupao tica e cognitivado trabalho com as linguagens que leva Brait a nos apresentar uma obra noexplicitamente terica (a cincia e a vida no tm acabamento, ensina Bakhtin):a banalizao das teorias, diz ela, transformadas em ferramenta nica, no capaz de formar leitores proficientes em textos. No se constituindo numaantologia, no sentido tradicional, a excelncia dos textos e excertos seleciona-dos permite que, eventualmente, a obra at possa ser trabalhada como tal: asanlises exemplares cultivam o olhar do leitor. E, sobretudo, levam-nos com-

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    preenso do esttico em sua ligao com a vida e a cincia, na unidade dacultura humana. Nesse sentido, a bela capa do livro o primeiro exemplo deum bem tramado enunciado concreto verbo-visual.