as metáforas náuticas na poética alemã barroca

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  • 8/18/2019 As Metáforas Náuticas Na Poética Alemã Barroca

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    AS METÁFORAS NÁUTICAS NA POÉTICA BARROCA ALEMÃ

    THE NAUTICAL METAPHORS IN GERMAN BAROQUE POETICS

    Antônio Jackson de Souza BRANDÃO1 UNISEPE

    Resumo - Pretendemos refletir sobre a utilização de elementos imagéticos e suas fontes naAlemanha do século XVII e demonstrar que a literatura seiscentista não deve ser entendidacomo uma poética de experiências pessoais no sentido contemporâneo. Andreas Gryphius,Silesius, Hoffmannswaldau, Gerhardt estavam imerso num mar de imagens e tópicas, fazendolargo emprego dessas em seu trabalho poético. Para isso, utilizaram como fonte de inspiraçãonão só os auctoritas e os livros de emblemas que circulavam na Europa no século XVII, como

    também a Bíblia. Neste artigo, abordaremos como as metáforas náuticas  foram empregadas por esses autores e pela emblemática.Palavras-chave – emblemática, poesia alemã seiscentista, metáforas náuticas

    Abstract – We intend to reflect on the use of imagetic elements and its sources in German17th century and to demonstrate that the literature of the Baroque doesn’t have to beunderstood as poetical of personal experiences in the contemporary’s sense. AndreasGryphius, Silesius, Hoffmannswaldau, Gerhardt were immersed in a sea of images and topics,making large use of these in his poetical work. For that, they used as inspired source not only

    of the auctoritas and some books of emblems that circulated in Europe in 17th century, likethe Bible. In this article, we will discuss how the nautical metaphors were employed by theseauthors and by the emblematic.Keywords –   emblematic, 17th century German poetry, nautical metaphors

    Imagem: pressupostosA imagem está de tal forma inserida na e com a humanidade que seria pouco provável

    imaginar esta alijada daquela. Além disso, é a expressão da cultura humana desde antes de as pinturas rupestres aparecerem nas cavernas, milênios antes do aparecimento do registro

    fonético do  λόγος  (lógos) pela escrita.Dessa forma, pode ser tanto a representação de uma realidade visível e sensível

    externa à consciência do homem (desenhos, pinturas, fotografias), quanto sua representaçãointerna, mental (sonho, devaneios, pensamentos); ou ainda quando as realidades externas einternas funcionam como recurso linguístico e o homem faz a associação inconsciente ouindireta de dois mundos ou duas realidades separadas no tempo e no espaço, como no textoliterário. Assim, as imagens endógenas são dirigidas ao próprio intelecto de onde emanam; ouconcebidas a partir de estímulos externos – exógenas.

    1 Antônio Jackson de Souza Brandão é mestre e doutor em Literatura e fotografia pela Universidade de SãoPaulo (USP) e sua área de pesquisa é a recepção imagética de textos extemporâneos; atualmente é docente naUNISEPE, email [email protected]  

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    Há, portanto, a possibilidade de se reconstruir o visível e sensível via mente, quandose pretende criar um efeito de realidade a partir daquilo que se viu, por meio de analogias esimilitudes com padrões conhecidos. Esse papel, porém, não é exclusivo das artes plásticas ou

     pictóricas, pode também ser oferecido pela literatura via  λόγος , já que na arte ou na literatura – escreveram Deleuze e Guattari – o que se conserva não é o material – seja o signolinguístico, a pedra ou a cor –, mas o percepto ou o afecto. (Guimarães, 1997, p. 63)

    Para Peirce, por exemplo, a imagem evocada pelo  λόγος , sempre será um símbolo, jáque não identifica as coisas em si mesmo. Não nos mostra um pássaro, nem realiza qualquercelebração diante de nossos olhos, mas supõe que sejamos capazes de imaginar essas coisas.(Cf.: Peirce, 2005, p. 73) Dessa forma, o que o  λόγος   tem de imagético não é devido àsimilitude com o objeto que procura representar, mas pela conexão estabelecida na mentedaqueles que o utilizam, “sem a qual essa conexão não existiria”.  (ibidem, p. 73) Assim, énecessário que haja uma vinculação entre as pessoas do discurso para que possa haver a

    comunicação, ou seja, se o emissor transmite uma mensagem a um receptor sem que este possa decodificá-la, aborta-se o entendimento, visto que a palavra/objeto não está amarrada aseu referente como no índice, com o qual está fisicamente conectado. (ibidem, p. 73)

    Isso se configura de modo claro em textos e imagens extemporâneos, quando, devido àalegorização, e a possível perda da referencialidade, aquilo que deveria estar estabelecidoentre o  λόγος  e a imaginação que dele fazemos, é coberto por um velame anacrônico. Afinal,as imagens lexicais, enquanto realidades inseridas no mundo, continuam sendo aquilo quesempre foram: mera arbitrariedade sígnica, por isso afirmar que, para se compreender umamensagem, é necessário que dois elementos da comunicação – o emissor e o receptor –

     possuam um código comum, para que se possam estabelecer relações mínimas decompreensão, já é lugar-comum. Isso não é válido somente ao se fazer uso da linguagemverbal, mas também para toda comunicação humana, seja por meio de gestos, sinais, olharesou imagens.

    Imagem e palavra nos SeiscentosAssim, para que se possa buscar uma maior compreensão de textos extemporâneos

    como os do Seiscentismo, deve-se procurar conhecer certos aspectos que tornam aquele fazerartístico peculiar em relação ao nosso, já que

    a poética do século XVII não deve ser entendida como uma poética deexperiências pessoais no sentido contemporâneo, já que se baseia emformas, temas e conceitos preestabelecidos, mormente na filosofia e naretórica antigas. A literatura é, nesse momento, uma representaçãoretoricamente codificada, em que o eu lírico individual   cede espaço a umcoletivo, seguindo os preceitos sociais vigentes. (Brandão, 2008, p. 308)

    E um dos aspectos marcantes daquilo que se convencionou chamar de Barroco foi,exatamente, a imiscuição palavra/imagem e devido à geminação entre os dois sistemas

    sígnicos, o lexical e o imagético, os dois sistemas compartilharam um mesmo gênero, oemblemático, cujo marco inicial foi a publicação da obra  Emblematum  liber , em 1531, pelohumanista italiano Andrea Alciati que, ao praticar um exercício próprio do momento –

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    tradução e imitação –, compôs uma antologia com 99 epigramas latinos, cuja inspiração fora olivro de Horapolo.

    A palavra emblema2, do grego έμβλημα ,  pode significar a parte da lança onde seencravava o ferro; algo embutido; ou mosaico. E é, exatamente, isso que temos diante de nós:um amalgamento iconológico que, à semelhança do mosaico, não pode ser visto num relancecomo uma mensagem que se abre e é logo descartada – como as imagens de nossacontemporaneidade, as quais não passam de um embrulho que, ao ser rasgado, é posto fora ede que ninguém se lembrará –, mas tem de ser lida, degustada e apreciada para que, por meiodo engenho3, ser decodificada e dar prazer.

    Além disso, traz sempre embutida mais do que uma imagem cercada de palavras quetentam se explicar mutuamente: cada emblema propunha levar seu leitor a mudançascomportamentais devido a seus preceitos morais. Estes não passavam de metáforas ilustradas,

    cuja função didática e moralizante, visava a fornecer princípios e modelos comportamentais.

    2 Os emblemas possuíam uma estrutura tripartite constituída por uma imagem − seu “corpo” – que deveria serfixada na memória dos leitores, pois ela passava preceitos morais que o autor desejava transmitir; um mote,normalmente uma sentença aguda escrita em latim, a partir do qual o leitor era direcionado a determinada leiturada imagem; e um epigrama, ou texto explicativo, que buscava relacionar o corpo com o mote do emblema,clarificando a relação existente; era, portanto, sua “alma”. (Cf.: BRANDÃO, 2010, p. 131) 3 Força do intelecto que compreende dois talentos: perspicácia dialética e versatilidade retórica. Aquela penetranas mais distantes e diminutas circunstâncias de cada assunto, esta confronta rapidamente todas essas

    circunstâncias entre si, ou com o assunto. O resultado desse trabalho intelectual é a agudeza, “modelo culturalde uma memória social de usos dos signos partilhada coletivamente”, que definirá a hierarquização de uma

    retórica comportamental, bem como o esquema ordenador das práticas da representação do século XVII, seja

    nos livros de emblemas, de empresas, nas preceptivas retórico-poéticas, na poesia e na pintura, ou nacodificação dos gêneros e estilos a que cada um pertence, adequando-os à grande variedade de tópicas, situações e comportamentos. (BRANDÃO, 2003, pp. 44-45)

    Figura 1:Emblema 55 , Finis coronat opus de Otto Vaenius, 1608.

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    Tais alegorias não passavam de lugares-comuns, presentes em iconologias e, de formamaciça, na Bíblia. Assim, fazia-se mister seu conhecimento, sem o qual seria impossível ainserção e mesmo a permanência nas fechadas sociedades aristocráticas dos séculos XVI eXVII.

    Portanto, uma leitura imagética de um poema de um tempo extemporâneo, como o do período em questão, tende a ser levada sob dois enfoques: a) ou se procura resgatar o que se pretendia no momento de sua criação – o que pressupõe o conhecimento das iconologias, doslivros de emblemas e da Bíblia; b) ou se lê sob o ponto de visto da contemporaneidade – semo referencial empregado naquele período –, substituindo o signo imagético iconológico poroutras imagens.

    Metáforas náuticas: tradiçãoFrequentemente utilizadas nas literaturas do Renascimento e do Barroco, as metáforas

    náuticas são uma tradição que remonta à Antiguidade clássica, perpassa a patrística e asalegorias bíblicas medievais e mantém-se por um longo tempo (Cf.: Curtius, 1996, p. 178),inclusive transcorrendo o período barroco, como nos poemas românticos, mormente aquelescuja conotação é religiosa como alguns poemas de Achim von Arnim e mesmo ClemensBrentano.

    A tradição emblemática foi inundada pela imagem do navio sendo castigado pelosventos e pelo mar tormentoso em sua busca por segurança em meio à agitação do mar de

     borrasca. Assim, o navio em meio a tempestades e obstáculos que não consegue alcançar o porto a que se dirige, pode se considerar perdido: qual seria seu destino senão o de sua

    segurança?

    A nau quer nos mostrar a vida do homem no mundo, cercada por sofrimentos e preocupações por todos os lados – como o navio está pelas águas do mar –, cujo fim é oPorto: o encontro com a morte, quando se prestará contas daquilo que fez ao Criador, pois

     Finis coronat opus (fig. 1), ou seja, “O fim coroa a obra”.

    É o momento em que nossos atos em vida coroarão ou não nossa existência. Apesar deVaenius nos falar do Amor, o mesmo pode se referir à existência humana, visto que esseconceito/imagem será largamente empregado não só na emblemática, como na poética do

     período. Podemos ver isso na subscriptio de seu emblema 55:

     Ni ratis optatum varijs iactata procellis/Obtineat portum, tum perijße puta 

    [Se um navio é dirigido ao redor de todos os tipos de tormentas e não se aproxima ao portoque é sua esperança, pode-se considerá-lo perdido].

    Alciato, em seu emblema 43 (fig. 2), mostra-nos a mesma imagem, referindo-se aoEstado:

    Spes proxima

    Innumeris agitur Respublica nostra procellis,

    Et spes venturae sola salutis adest: Non secus ac navis medio circum aequore, ventiQuam rapiunt, salsis iamque fatiscit aquis.

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    Quod si Helenae adveniant, lucentia sidera, fratres:Amissos animos spes bona restituit.

    [Our state is shaken by innumerable storms, and there is only one hope for its future safety; just like aship in the middle of the sea which the winds grasp, it now breaks up in the briny water. But if the

     brothers of Helen, shining stars, appear, good hope restores those downcast spirits.]

    A confiança4 em Deus deverá ser plena, devemos nos abandonar à Divina Providência para que, por seu intermédio, possamos chegar ao Porto de nossa vida, para isso devemos nosdeixar guiar pelas mãos divinas, representadas por uma mão nos céus que segura uma tocha àsemelhança de um farol que guia para o local mais seguro.

    Vemos isso claramente explicitado no gênero emblemático pela francesa Georgette deMontenay, uma das únicas mulheres a dedicar-se ao gênero e, além disso, de confissão

     protestante, em seu emblema 11 (fig. 3), cujo título é Quem timebo? [A quem temerei? Sl27,1]: um homem em uma barca açoitada por ventos está em meio a uma grande tempestade,mas demonstra sua confiança e fé em Deus, evidenciando isso por meio de sua mão esquerdaem seu peito. (Ripa,  p. 403)

    4 Ripa demonstra a confiança como uma mujer (...) que sostiene com ambas manos uma nave. (...) Se pinta conla nave entre las manos por ser signo de confianza, pues con los navíos arriesgan los navegantes atravesar lasondas del mar, las cuales, con sólo su perpetuo movimiento, parece que amenazan con arruinar y dar muerte y

    exterminio al hombre que, abandonado la tierra, sale fuera de sus límites naturales.(Ripa, op. cit.v. I, p. 212)

    Figura 2Emblema 43 ,Spes proxima, de Alciato, 1536

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    O emprego das metáforas náuticas na poética

    Há no Barroco alemão inúmeros exemplos do emprego do conceito/imagem Schiff[navio] como curso da vida em alto mar em meio a perigos e atribulações que devem ser

    vencidas para que se possa chegar com segurança ao Port [porto], seu destino final.

    Hoffmann von Hoffmannswaldau

    Ich bin ein schiff  der liebes-see/Das wind und wetter plaget/

    Dem unglück/ hoffnung/ furcht und weh/Durch mast und segel jaget.Hier zeiget sichKein port für mich/Dieweil ich itzt muß meiden

    (Hoffmannswaldau, Gedichte aus Neukirchs Anthologie, Bd. 1,  p. 121) 

    [Tradução livre: Sou um navio do mar de amor/ Assolado pelos vento e por tempestades/ quedesgraça/ esperança/ temor e dor/ Mande por mastros e velas./ Aqui não se mostra Nenhum porto paramim/ Que agora devo evitar] 

    Figura 3Emblema 11 , Quem timebo?, de Georgette de Montenay , 1615

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    Angelus Silesius

    a) 

    Ich schiff ohn Zagen auf dem MeerIn allem Ungewitter.Fliegt gleich mein Schifflein hin und herVom Nordwind, dem Zerrütter,

    Fahr ich doch fort und seh ihn an,Den Leitstern, was ich kann.

    (Angelus Silesius, Heilige Seelenlust oder geistliche Hirtenlieder , p. 458)

    [Tradução livre: Eu navio destemido no mar/ Em todas as tempestades./ Voa meu barquinho para láe para cá/ Pelo vento norte, o abalador,/ continuo e olho para ela,/ Estrela-guia, enquanto puder.]

     b) 

    Ich werde zwar oft schwach und müdUnd bin sehr abgeschlagen,Weil aber er mich an sich zieht,

    So acht ich keine Plagen.Mein Schifflein wird noch wohl bestehnUnd in den Port eingehn.

    ( Ibidem, p. 459)

    [Tradução livre: É verdade, às vezes, fico fraco e cansado/ E bastante esgotado,/ Mas por ele me puxar para si/ Não ligo para pragas. / Meu naviozinho deve aguentar / E entrar no porto.]

    Sigmund von Birken

    Die Wellen hier wallen,Mein Schifflein anfallen.

    Figura 4Emblema 11 ,In tenebris lucem, de Heinsius, 1616

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    Sie wollen mich senken,Im Welt Meer ertränken.Mein Segel ich wende,Zur Sternen-Anlände.

    O Himmel! zu dirSteht meine Begier.

    (Birken, Geistliche Lieder, p. 135)

    [Tradução livre: As ondas aqui rolam/ Atacam meu naviozinho/ Querem me afundar/ Me afogar nomar do mundo./ Viro minha vela/ Para as estrelas./ Ó céu! A ti / Destinam-se meus desejos.]

    Simon Dach

    Über Wunsch und über HoffenSind wir dieses, was wir sind.Daß auch uns die Noht getroffen,Tobt die Ost-See durch den Wind,Sind die all' in Angst und Pein,Die in einem Schiffe seyn.

    (Dach, Gedichte an das kurfürstliche Haus, p. 220)

    [Tradução livre: Sobre desejo e esperança/ Somos o que somos./ Que também a nós a necessidadeatinja,/ O Mar Báltico passa pelo vento,/ Com medo e dor ficam todos,/ Os que estão num navio.]

    Quirinus Kuhlmann

    Mein Gott, mein Gott! Schau meine Trübsal an!Ich sehe um und um nichts als nur lauter wasser!Ob Ost und Nord mit mir zu schiffe gehen,Und gros dein werk, das täglich mir vorlauffet!Doch stehe ich mit Ost und Nord in Noth,Bis an den gürtel recht in hauptgefahr und wellen.

    Ich weist nicht mehr vor meiner nässe rath,Mit der mein Weis und Blau so häuffig wird gefeuchtet.Di flutten steigen hoch! Mein Schif  zeucht mehr und mehr!Das es di höchste zeit in grösser eil zufahren.

    (Kuhlmann, Der Kühlpsalter, Bd. 2, p. 536)

    [Tradução livre: Meu Deus, meu Deus! Vê minha tristeza!/ Em minha volta só vejo água! Leste ounorte no navio comigo/ Grande tua obra que, diariamente, se me apresenta!/ Mas com Leste e Norteestava em apuros, Até a cintura em perigo e ondas./ Não sabia o que fazer de tão molhado./ Pela águaque molha meu branco e azul!/ As marés sobem! Meu barco sofre cada vez mais!/ Que se dirija com

    rapidez no maior tempo.]

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    Andreas Gryphius

    a) 

    Wie ohne Ruh’Ein Schifflein wird bald her/ bald hin geschimissen:So setzt uns zuDer sorgenSturm/ wir werden hingerissenAuff dises Lebens Schmertzenvollen See.

    (Gryphius, p.195)

    [Tradução livre: Assim sem descanso, o barquinho é jogado para lá e para cá: ataca-nos a tormenta dos problemas, somos arrastados para o mar de dores dessa vida.]

     b) 

    Mein offt bestürmbtes Schiff  der grimmen Winde SpilDer frechen Wellen Baal/ das schir die Flutt getrrennet/

    Das vber Klip auff Klip’/ vndt Schaum/ vndt Sandt gerennet;Komt vor der Zeit an Port/ den meine Seele wil,

    Gott Lob! Der rauhe Sturm führt durch die wüste SeeDer rasend-tollen Welt/ wo immer neues WehUnd Leid auf Angst sich Häufft/ wo auf das harte KnallenDer Donner/ alle Wind in Flack und Seile Fallen/von kaum erkennter Klipp’ und seicht-verdecktem Sand;Mein Schiff  (zwar vor der Zeit) doch an das liebe Land.

    (Gryphius, Sonette, Bd 1, p. 61) 

    [Tradução livre: Meu barco várias vezes atacado pelo jogo voraz dos ventos; o baile das ondas quedividem as águas; que passou por encostas e espuma e areia, chega ao porto antes do tempo; o portoque minh’alma quer.Louvado seja Deus! A tempestade rude leva-nos pelo mar revolto do mundo louco-irado, onde a dorsempre renovada e sofrimento e medo se acumulam, onde após o estouro do trovão, todo o vento cainas ondas e velas diante de quase imperceptíveis encostas e areias levemente cobertas. Meu barco(antes do tempo, é verdade) chega à terra amada.]

    Jöns, a respeito desse soneto de Gryphius nos diz:

    Das Schiff bedeudetet den Leib, das stürmische Meer die Welt; Hafen und Landsind Sinnbilder des Endes der von calamitates und vielleicht auch errores erfülltenLebensfahrt, wo der Geist den Leib und damit das Zeitliche verläβt. Der „Port“ istzwar der „Port des Todes“, aber in christlichem Sinn Erlösung von der Qual undUnruhe des Irdischen und zugleich den Eingang in die Ewigkeit, das „Vaterland“.(Jöns, 1966, p. 198)

    [O navio significa o corpo, o mar tempestuoso, o mundo; o porto e a terra são imagens do fim daviagem da vida repleta de calamidades e também de erros, em que o espírito abandona o corpo e com

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    ele a vida temporal. O “porto” é, precisamente, o “porto da morte”, mas, no sentido cristão, a soluçãodo martírio e desassossego do mundano e, ao mesmo tempo, a entrada na eternidade, a “pátria”.]

    Após ter vencido o mar devicissitudes – tormentos, tempestades,ventos contrários –, resta ao navio chegara seu Porto seguro. O homem chega,

     portanto, à consumação de sua jornada.Podemos ver exemplos dessa chegada nafig. 5, quando vemos um homem queaponta para um navio que está chegandoa seu destino.

    Entre as interpretações dadas aesse emblema, está o fato de as pessoasque acenam hesitarem ir ao outro lado,talvez por medo do desconhecido ou oreceio do que possam lá encontrar. Nãose deve recear a morte aquele que nãocometeu crimes, que não pecou, pois estálivre para se defrontar com seu

     julgamento e ver Cristo face a face.A seguir, exemplos poéticos que

    falam do porto – fim/começo – de umanova vida:

    Angelus Silesius

    a) 

    Ich lasse Donner, Hagel, Blitz Und alles auf mich stürmen,Schau nur nach meines Sternes Sitz

    An seines Himmels Türmen.Ich fahr voll Hoffnung nach dem Port,Denn Jesus zeucht mich fort.

    (Angelus Silesius, Heilige Seelenlust oder geistliche Hirtenlieder , p. 458)

    [Deixo trovão, granizo e raio/ E tudo mais cair sobre mim,/Vê só a sede de minha estrela/ nas torres deseu céu./ Vou cheio de esperança ao porto/ Pois Jesus me leva.]

     b) 

    Es stürmt kein Wind in diesem Port Und innerhalb der Brucken,Der Blumen feind, der strenge Nord,Darf hier nicht einmal mucken.

    Figura 5Emblema 10  Aan d'overkant, is 't zalig land., de Pieter Huygen, 1689

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    Es facht und webelt nur alleinWie spielend durcheinanderEin tausendkühles LüfteleinMit lieblichem Gewander.

    (Angelus Silesius, Sinnliche Beschreibung der vier letzten Dinge, p. 74) 

    [Nenhum vento sopra nesse porto/ E em meio às pontes,/ os inimigos das flores, e o Norte vigoroso,/ Não pode nem para aqui/ Sopra e esvoaça sozinho/ Como que brincando, revolto,/ Um arzinho fusco/com roupagem adorável.]

    Catharina Regina von Greiffenberg

    a) 

    Wann nur mein Schiff erlangt / den viel gewünschten Port /

    (Ich mein / ein gutes End) mein hie geführtes Leben /So bin ich schon vergnügt / und kan mich freuen dort.Doch kan ein gutes End allein die Tugend geben /als die es selber ist. Werd' ich in sie versetzt /so bin ich alles Leids und stürmens reich ergetzt.

    (Greiffenberg, Geistliche Sonnette, Lieder und Gedichte, p. 95)

    [Quando meu navio alcançar o porto tão desejado/ (Digo: um bom fim) minha vida que levo aqui/Estou feliz e me alegro lá./ Mas só um bom fim pode me dar a virtude/ do que ela mesma. Se nela mecoloco/ fico feliz com todo sofrimento e tormenta.]

     b) 

    Gleich wie der Wolken last in tropfen sich verlieret:also mein Vnglück auch durch Thränen Regenfällt.als Haubt Plejaden / sie zu feuchten sind bestellt /der Gottes Güte Land das hülff-blüh dann gebteret.Diß quälend Wellen-Meer an wunsches Port offt führet.Der Buße Muschel Perl in seinem schoß es hält /zu dem die Amber sich / das Ruf-Gebet / gesellt.Offt man darinnen mich / gleich als im Felsen / spüret:Sonst treibt die Wasserkunst offt grosses Räderwerck.

    (ibidem, p. 100)

    [Como as nuvens se perdem em gotas:/ minha desgraça em chuva de lágrima cai/ como plêiadescentrais, feitas para umedecer/ que a bondade divina ajude a florescer a tem/ Esse mar de ondastormentosas leva ao porto do desejo./ A pérola da concha da penitência mantém em seu colo/ ao qual oâmbar se junta com a prece-clamor./ Muitas vezes, ali, me sinto como na rocha:/ Senão a arte das águafaz grandes obras.]

    c) 

    Die Seeligkeit der Geist in diesen Segel wehet /der in den Hafen bringt das Schiff mit Pfeiles-eil.

    Ich bin bereit im Port / und mein Port ist in mir /auch mitten in dem Meer: was darf die Flut mich scherzen?(ibidem, p. 117) 

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    [A felicidade do espírito sopra nessa vela/ que leva o navio ao porto como uma flecha./ Estou prontono porto e meu porto está em mim/ também em meio ao mar: o que a maré me fará?]

    Andreas Gryphius

     Der schnelle Tag ist hin/ die Nacht schwingt jhre fahn/

    Vnd führt die Sternen auff. Der Menschen müde scharen

    Verlassen feld vnd werck/ Wo Thier vnd Vögel waren

    Trawrt jtzt die Einsamkeit. Wie ist die zeit verthan!

     Der port naht mehr vnd mehr sich/ zu der glieder Kahn.

    (Gryphius, Sonette, p. 108)

    [O breve dia se foi, a noite agita sua flâmula/ E traz as estrelas cansadas/ Deixam campo e o trabalho,onde estiveram animais e pássaros/ Agora está a solidão em luto. Como se gastou o tempo!/ O porto seaproxima cada vez mais do barco, de seus membros.]

    Além do Porto  essa segurança procurada pelo homem também pode ser alcançada pelo  Fels  [rochedo] que, da mesma forma que pode tornar-se um obstáculo destruidor emmeio a uma tempestade, pode ser a salvação em meio à amplidão do mar, ou seja, é o refúgio

    que a alma procura, é o encontro com o próprio Deus, cuja tradição é bíblica:

    Figura 6Emblema 20, Dum trahimus, trahimur , de Jacob Cats, de 1627

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    Eu te amo Javé. Tu és minha força!Javé, meu rochedo, minha fortaleza, meu libertador:meu Deus, rocha minha, meu refúgio, meu escudo,força que me salva, meu baluarte! (Sl 18, 1-3)

    O holandês Jacob Cats (1577-1660) mostra-nos isso em seu emblema 20 da obraSinne- en minnebeelden, de 1627 (fig. 6), quando vemos um marinheiro que se agarra a umrochedo com a ajuda de uma âncora. Imagem parecida é utilizada por Georgette de Montenayem seu emblema 60: Invia virtuti nulla est via, ou seja, que não há nenhum caminho fechado

     para a virtude (fig. 7). Nele vê-se um soldado demolindo um rochedo em que há uma estátua personificando a virtude, apesar das ondas do mar.

    O mesmo podemos dizer da fig. 8, quando vemos que a alma humana (a criança)

    estende as mãos para o Amor Divino (anjo) que está, a sua espera, ao lado de um rochedo,algo parecido com o que nos diz o poeta:

    Angelus Silesius

    Christus ist wie ein Fels

    Wer sich an Christum stößt, er ist ein Felsenstein,

    Zerschellt; wer ihn ergreift, kann ewig sicher sein.(Angelus Silesius, Cherubinischer Wandersmann, S. 1086)

    Figura 7

    Emblema 60,  Invia virtuti nulla est via, de Georgette de montenay, de 1615

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    [Cristo é um rochedoQuem se chocar com Cristo que é um rochedo/ Estilhaçar-se-á; quem acolhê-lo, terá segurança eterna.]

    Paul Fleming

    Arzt, ich bin krank nach dir. Du Brunnen Israel,dein kräftigs Wasser löscht den Durst der matten Seel'.Auch dein Blut, Osterlam, hat meine Tür errötet,

    die zu dem Herzen geht. Ich steife mich auf dich,du mein Hort, du mein Fels. Belebe, Leben, mich.Dein Tod hat meinen Tod, du Todes Tod getötet.

    (Fleming, Deutsche Gedichte, p. 872) 

    [Médico, estou doente, ansiando por ti. Tu, fonte de Israel,/ Tua água poderosa sacia a sede de minhaalma enfraquecida./ Também teu sangue; Cordeiro da Páscoa, tingiu de vermelho a minha porta./ queleva a meu coração. Apóio-me em ti,/ meu refúgio, meu rochedo. Vida, dá-me vida./ Tua morte aminha morte matou, Tu, morte da morte.]

    Figura 8Emblema XI Non me degart tempestas aquae, de Jan Suderman, de 1724 

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    Paul Gerhardt

    Mein Volk kommt aus dem Weinen, Sein Feind kommt aus der Ruh,

    Ihr tausend flieht vor einem,Wie geht das immer zu?Ihr Herr, ihr Fels und Leben,Ist weg aus ihrem Zelt,Er hat sie übergebenZur Flucht ins freie Feld.

    (Gerhardt, Gedichte, p. 534)

    [Meu povo vem do choro,/ Seu inimigo vem da calma,/ Vós, milhares, fugis de um só,/ Como pode serisso?/ Seu Senhor, seu rochedo e vida,/ Foi-se de sua tenda./ Entregou-os à fuga/ Para os campos

    livres.]

    Referências bibliográficas

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    SUDERMAN, Jan. De godlievende ziel. Amsterdan, Marten Schagen, 1724 (Facsímile).VAENIUS, Otto. Qvinti horatii flacci emblemata: Imaginibus in æs incisis, Notisqueillustrata. Antverpiæ, 1612 (Facsímile)

     _____________ .  Amoris divini emblemata. Antverpiæ, Ex officina Martini Nuti & IoannisMeursi, 1615 (Facsímile).